O que é psicologia comunitária

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l LEITURAS AFINS

Eduardo Mourão Vasconcelos

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Aprender Psicologia Maria Luiza Silveira Teles Do fora da Clausura à Clausura do Fora Loucura e desrazão Peter Pál Pelbart Eras, Marias, Liliths... As voltas ao feminino Vera Paiva Psicologia Social O homem em movimento Silvia Lane / W. Godo (org. Tempo de Desejo Sociologia e psicanálise hU loisa Fernandes (org.) Suicídio Testemunhos do adeus M:;ria Luiza Dia1-

O que Neurose Maria Luiza S. Teles O que é Psicanálise Fábio Herrmann O que é Psicanálise 2? visão O. Cesaroto/M. Leite O que é Psícodrama \Vilson C. de Almeida

O que é Psicologia Maria Luiza S. Teles

O QUE É PSICOLOGIA COMUNITÁRIA fuí P ç; o u

O que é Psiquiatria Alternativa Alan I. Serrano

O Triunfo da Terapêutica Phillip Rieff

ÍC

editora brasiliense


Copyright Ê by Eduardo Mourão Vasconcelos, 1935 Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eleirônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia da editora.

\< ÍNDICE

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Dados Iniernacionais de Catalogação na Publicação (cn>) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Vasconcelos, Eduardo Mourão. O que é psicologia comunitária / Eduardo Mourão Vasconcelos. — 1 . ed. — São Paulo : Brasiliense, 1985.

1. Pi-icolofíia ^ocial 1. Título CDD-301.1 Psicoloeia c o m u n i t á r i a 301 l

A conquista do direito de ser feliz e saudável 7 A crise da psicologia 16 As origens históricas da psicologia comunitária 24 O cue é, afinal, a Psicologia Comunitária? . 37 Os locais de atuação da psicologia comunitária 43 O psicólogo comunitário como profissional de scúde e saúde mental 60 A^umas questões de fundo: saúde me ital, cuitura, educação e técnicas psicológicas . . 83 Indicações para leitura 100

E D I T O R A BRASILIENSE S.A. . \h:'quês r<V .SV° i cenie, 1771 (>! 1.1^-^03 — São i :ilo — SP i-i.Hc l O i l } 861-3366 - l-'ax 861-30^4 Filiada à ALiDR.

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A CONQUISTA DO DIREITO DE SER FELIZ E SAUDÁVEL

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Quero agradecer a todos os que incentivaram, colaboraram e tornaram possível a realização deste ensaio. Entre tantos, gostar/a de lembrar Sandrinha, Mara, Mônica, Ana Rita, Bernardo, Stella, Cecília, Georgina, Karin, meus hermanos Eymard e William, e muito especialmente Cristina Magro, pela revisão linguística.

Cerca de mil mulheres se acotovelam no auditório. São participantes de grupos feministas ou membros de grupos comunitários diversos da periferia da cidade, ou simplesmente donas-de-casa, mães, jovens estudantes, trabalhadoras. A polémica está forte, várias falam, gritam ao mesmo tempo. Assunto: as reivindicações das mulheres mineiras e brasileiras hoje. Muitas discussões, vaias, aplausos. A essa altura dos acontecimentos, a impressão que se tem é de que a plenária final do l Encontro da Mulher Mineira não vai conseguir fechar uma plataforma unificada de íutas e atividades. Alguns cios grupos militantes presentes queriam que todas assumissem exclusivamente bandeiras tais como "Constituinte livre e soberana", "Reforma agrária radical", "Liberdade sindical'" entre


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outras. Para eles, lutar pela igualdade sexual ou pela felicidade são todas reivindicações pequenoburguesas. Há uma oposição violenta, mas difusa e desorganizada, a esse ponto de vista. De repente, uma jovem da periferia arranca a palavra, e se faz ouvir. Ê um depoimento vivo, forte: "Eu luto sim. Por estas coisas grandes aí, sim. To na minha associação de bairro. Luto pela água, pelo transporte, pela liberdade. Mas também sou mulher. Sofro no couro as violências de um marido bruto. Morro de desejo de poder ser mulher, ser feliz, ter prazer. Sei de minhas amigas, minhas comadres. É a mesma coisa. Se num vem pancada, é o peso dos filhos, da casa e do trabalho, tudo sozinha. E essas coisas todas eu não posso esperar, deixar pra depois, quando 35 coisas grandes mudarem. Eu quero ser feliz, e isso não vou esperar, nenhuma de nós tem que esperar. Nós temos uma luta nossa, de muíher. Pra já". Ovação geral, aplausos. Não há mais clima na assembleia para negar as reivindicações específicas da condição de mulher, suas aspirações existenciais ligadas ao cotidiano do trabalho, da relação entre os sexos, da vida conjugal e sexual, da maternidade e da educação dos filhos, etc. Isso aconteceu em Belo Horizonte, há cíncc anos. A meu ver, esse é um fato cheio de significações. Ele ilustra como o movimento feminista vem assumindo e colocando na rua, além das grandes lutas pela mudança política e pelos anseios

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Fica cada vez mais clara e explícita a necessidade do bem-r\far, da felicidade dm pessoas, como uma expenda social e global


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de igualdade económica e social entre os sexos, várias das outras questões antes consideradas pequenas, secundárias, ligadas à condição feminina, às relações interpessoais e às identidades tanto feminina como masculina. Vamos recuar mais um pouco no tempo. Estamos na periferia de Vitória, Espírito Santo, mais exatamente em 1975, na região de Camp ; Grande. A reunião do Círculo Bíblico da comunidade está começando. São homens, mulheres, mais alguns jovens e crianças, sentados em tábuas, caixotes e tijolos. Após a leitura bíblica, a fase da reunião destinada à discussão dos fatos da vida traz à tona as preocupações de cada um: Seu João falou sobre os problemas do trabalho e do salário para a convivência da família. Mas a conversa pegou mesmo com o assunto sugerido pela dona Ana: as dificuldades de se educar os filhos num mundo de muita confusão e mudança. "Os pais podem bater nos filhos?", perguntou c . Maria. "Como fazer com o filho que só sabe fazer birra e não obedece?", desta vez interrogou o sr. Lauro. E a busca de uma educação mais libertadora foi o tema da noite. A maioria dos f. resentes falou de suas dificuldades, trocou ideias e sugestões. Também naquela comunidade eclesi^i de base, os temas religiosos, sociais e políticos incorporam a problemática existencial de cada família. A educação dos filhos, a relação homem-mulher, o

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alcoolismo e tantos outros assuntos estão constantemente presentes. Não são mais menosprezados em favor de outras discussões consideradas até então as únicas ligadas à libertação de um povo, nem vistos como isolados e independentes destes. Voltemos a Belo Horizonte, em 1979. Chega à cidade o psiquiatra italiano Franco Basaglia Ongaro, considerado o maior expoente mundial na luta pela libertação e humanização dos doentes mentais. Até sua morte, em agosto de 1980, foi a principal liderança do movimento de Psiquiatria Democrática, que após quase duas décadas vinha lutando pela humanização dos manicômios, propondo formas alternativas de atenção à saúde mental e mobilizando a sociedade italiana em torno desses assuntos. A presença de Basagiia agitou a sociedade mineira. A imprensa denunciou a situação dos hospitais, foi feito o filme Em Nome da Razão por Helvécio Ratton, um congresso de psiquiatria se realizou em ineio a um clima de euforia e revolta. Entidades preocupadas com a saúde mental se reorganizaram e reforçaram sua ação. O que existe de comum entre esses três fatos que me faz reiatá-los assim paralelamente? Acredito qut. a sociedade ocidental vem participando desde os anos sessenta de um processo gradativo de redefinição da saúde mental. Assim, á cada vez mais clara a expíicitação da necessidade da felicidade, do bern-estar das pessoas, como

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uma exigência social global e urgente, e não como individual, privado, ou algo para o futuro, a ser conquistado após as sonhadas mudanças políticas e sociais. Processos históricos como o movimento de maio de 1968 na França e suas repercussões em todo o Ocidente atestam isto. As palavras de ordem falavam do desejo, da imaginação, da criatividade, da autonomia incorporados à vida social. Os movimentos de contracultura também mostram claramente essa dimensão. A questão da condição feminina, do homosse xualísmo, do corpc e do prazer deixaram de ser temas de cochichos proibidos e viraram assunto do cotidiano das pessoas e dos meios de comunicação. A vertiginosa difusão de filosofias e formas de vida alternativas, notadamente as de inspiração oriental, atesta 3 busca, peia juventude, de propc..tas mais integrais e harmónicas de vida. No movimento sindical, a saúde e o bem-estar do trabalhador começam a ser temas de luta em alguns países. Abre-se a c; : scussão sobre o orocesso de trabalho, ou seja, como as fábricas es.ruturam a relação do trabalhador cem a máquina, com . > outros colegas de trabalho e com os postos de vigilância e oireção. O objetivo é não só avaliar as estratégias e relações de poder dentro da empresa, como também reivindicar melhores condições de saúde e saúde mental do trabalhador.

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A antipsiquiatria como movimento social de crítica às formas segregativas estimatizadoras de se ver a "doença mental" também tem se difundido enormemente. O movimento ecológico, ao mesmo tempo que denuncia a devastação do meio ambiente, vem mostrando a necessidade de uma relação de respeito e amor à natureza como elemento indispensável à vida humana feliz. Como podemos interpretar tais acontecimentos de processos históricos? Na tradição da ciência política e do direito, muito se fala na conquista gradativa da cidadania na sociedade capitalista, ou seja, a difusão das reivindicações em torno dos direitos civis, políticos e sociais de todos nós enquanto pessoas humanas e cidadãos, e o seu reconhecimento cada vez mais generalizado. A concepção de cidadania, porém, nunca foi nem poderia ser algo estático. Cada fase da sociedade contemporânea foi incorporando a visão de novos temas e direitos à luta pela libertação humana. Esses terias foram emergindo como uma exigência decorrente das condições de vida, das lutas, desejos e utopias das pessoas e dos grupos sociais em cada uma dessas etapas históricas. Há um outro aspecto interessante sobre a questão da cidadania que também vale a pena notar. As reivindicações pelos direitos civis, políticos e sociais nunca aparecem igualmente em iodas as classes e grupos sociais oorimidos. É mais comum emergirem.

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inicialmente através de intelectuais, de lideranças e de movimentos sociais específicos. Existe uma espécie de vanguardeamento na defesa desses direitos. São grupos que assumem "a frente" de seu processo de conquista e reconhecimento e, gradativamente, a consciência daquele aspecto de cidadania vai ganhando adeptos em direcão às grandes massas da população. Assim, particularmente, acredito que a segunda metade do século XX vem desfraldando uma nova bandeira de reivindicações, vem inaugurando uma nova faceta inerente à cidadania: o direito à saúde mental, l soo significa que as grandes lutas sociais em torno da participação política e das condições materiais de vida e trabalho começam a incorporar um aspecto — até então marginal — relativo ao direito de ser feliz e saudável. Ou seja, reivindica-se que na construção do novo mundo e da nova sociedade, o trabalho, as estruturas sociais e instituições que forem sendo criadas não sejam burocráticas, alienadoras e castradoras. Que se : 3m incentivadas e exista espaço para a imaginação, a criatividade, a arte, a afetividade. Que a sensibilidade, o lúdico e o prazer não sejam apenas momentos isolados e marginais na vida dos indivíduos. Que as relações entre as pessoas e os sexos sejam solidárias, sem medo, igualitárias, complementares, e não autoritárias, superficiais ou simplesmente de consumo e de uso dos outros. Você mesmo, leitor, poderá completar esse

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quadro que tentei começar a esboçar. . . Acredito que todos nós, de forma e intensidade diferentes, hoje participamos deste movimento. O direito à felicidade e à saúde mental significa também ter acesso a serviços que permitam trabalhar as contradições, as repressões e violências que fomos introjetando desde crianças, e que nos aparecem através da angústia, do medo, da dificuldade de amar e de se relacionar com o mundo e com os outros. Nesse momento, cabe-nos perguntar então pela atual situação dos serviços de saúde mental, prestados notadamente pelas instituições ligadas ao exercício profissional da Psiquiatria e Psicologia, e pelas suas pote ;cialidades. Esse debate acerca da Psicologia atual inaugura um campo do qual emergirá a Psicologia Comunitária. Ela é uma das tentativas de se responder a essa preocupação em se colocar a saúde mental em uma perspectiva preventiva e inerente à vida social. Ao mesmo tempo, ela visa atuar também sobre as contradições internalizadas nas pessoas. Você poderia argumentar, a respeito deste segundo item, que a Psicologia que conhecemos hoje já cumpre esse papel. No entanto, há algumas diferenças. O que farei a seguir será analisar esse quadro geral da Psicologia atual.

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A CRISE DA PSICOLOGIA

Você provavelmente deve ter um amigo ou conhecido recém-formado ou mesmo cursando os últimos anos de uma faculdade de Psicologia. Pergunte a ele como está o campo de trabalho para os psicólogos que têm entrado no mercado nos últimos anos. Na certa ele dirá que a situação está muito ruim, que os psicólogos estão em sua maioria desempregados ou subempregados, ou trabalhando como bancários, auxiliares de escritório, ou coisas assim. Provavelmente dirá também que essa situação é a mesma para os demais profissionais de nível universitário no Brasil. É claro que existem aspectos comuns entre o quadro da Psicologia e o das demais profissões; o aumento do número de profissionais formados em decorrência da prolne.-ação vertiginosa de faculdades depois da reforma universitária de

1968 é um desses aspectos. A crise económica pela qual passa o país é outro. Sabemos, por exemplo, que a psicoterapia é um dos primeiros itens a ser cortado dos orçamentos familiares arrochados pela crise, sendo que a clínica tem sido o principal campo de atuação do psicólogo no Brasil. Mas serão apenas esses aspectos gerais os únicos responsáveis por essa profunda crise em que se encontra a Psicologia atual? Assistimos apenas a mais um desdobramento temporário da crise da sociedade brasileira? Ou haverá outros aspectos específicos, inerentes à própria Psicologia, por detrás deste quadro crítico que nós, psicólogos, estamos vivendo? Eu acredito que sim. Vejamos. A Psicologia, como a conhecemos, é uma profissão recente, sendo reconhecida nos países ocidentais há pouco mais de cem anos. Nasceu com a pretensão de ser uma disciplina científica do mesmo tipo da Biologia ou da Fisiologia, em um momento histórico em que estas e outras ciências de base empírica detinham enorme prestígio. Buscou abandonar a Filosofia, à qual estava iigada até então, adotando o modelo cientificista daquelas áreas do conhecimento. Mas logo mostrou-se ser mais complexa e heterogénea, tanto do ponto de vista teórico, quanto em suas 3p'icacões concretas e sua prática social. No Brasil, a Psicoloqia é uma profissão mais

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recente ainda: sua regularização data de 1962. Copiando tendências dominantes na Europa e nos Estados Unidos na época, a forma de atuação prioritária que orientou tanto a legislação profissional quanto a formação dada nos cursos universitários privilegia a clínica, através de consultório individual. Assim, ela acompanhou a tendência que vigorava até então em outras profissões como a Medicina, conforme o modelo do profissional liberal clássico. Isso significa que á maioria dos psicólogos é formada para sair do curso, montar um consultório, buscar uma formação adicional sofisticada e cara, porque a que teve no curso na"o é satisfatória, e esperar uma clientela difusa lhe bater às portas e pagar pelos seus serviços. O psicólogo vai então atender a uma pequena clientela, formada pela parcela da população mais privilegiada económica e culturalmente, de forma essencialmente individual e curativa, quando o quadro "doentio" já está instalado. Entretanto, em sociedades em que o capitalismo dos monopólios e grandes conglomerados empresariais penetra com profundidade, todos os setores da população tendem a se transformar em assalariados do capital ou do Estado, inclusive a classe média. Nesse contexto, a tendência das diversas modalidades de profissional libera! é entrar cada vez mais em declínio. Isso vem acontecendo de forma mais incisiva em outras profissões, como

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a Medicina, a Engenharia, etc. Assim, a crise atual do mercado de trabalho do psicólogo revela aspectos mais profundos, a ponto de podermos falar em uma crise de modelo de atuação profissional. Assistimos ao fenómeno do subemprego ou desemprego dos profissionais, enquanto a maioria da população está carente não só de condições mínimas de sobrevivência, como também de serviços de saúde em geral e de higiene mental adequados às suas necessidades. Em outras áreas de atuação do psicólogo diferentes da clínica, ocorrem fenómenos mais ou menos semelhantes. Na área escolar do Brasil, a rede de escolas públicas normalmente não assume e não paga por serviços psicológicos específicos. A grande massa de crianças em idade escolar fica sem acesso a serviços de saúde mental. Na área empresarial, são principalmente as empresas de grande porte que requisitam e sustentam serviços psicológicos mais complexos. Podemos resumir a questão. A partir da área clínica, o rnode o de atuação do psicólogo, inspirado no profissional liberal clássico, está em crise. E, ao mesmo tempo, nossa sociedade ainda não demandou claramente outra forma ou modelo de :tuação. Ou seja, a questão da saúde mental .o é assumida apenas em duas situações: 1) como questão privada ^dividual, para quem pode pagar por serviços especializados; 2} quando a "doença" mental chega ac ponto de impossibilitar que o

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indivíduo continue a produzir ou quando ele começa a criar problemas ou riscos para o meio social, justificando a intervenção da Psiquiatria através das internações tradicionais. Que razões podemos identificar para que essa situação se mantenha? Apesar de toda a realidade ser contraditória, podemos dizer que uma sociedade de capitalismo tardio, periférico, como a nossa, vê o homem comum apenas enquanto roda da engrenagem produtiva. Os problemas de saúde mental só são considerados quando ferem diretamente os interesses da acumulação de riquezas ou quando incomodam demais a "paz" social. Além disso, a intervenção médica tradicional na área de saúde mental responde rnuito bem aos interesses lucrativos do que chamamos complexo médicoindustrial, formado pelas indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos e pelos hospitais e empresas médicas privadas. Mas não existem apenas razões económicas. A tradição histórica secular de autoritarismo vigente no país tende a se reproduzir em todas as instituições, inclusive a família, tratando as questões sociais e subjetivas através de métodos coercitivos ou simplesmente manipulativos. Como e \emplo temos os nossos manicômios psiquiátricos, o sistema policiei, penitenc'árío e de menores, as instituições os assistência sociai e a estrutura repressiva das famílias de tipo tradicional. Se pensarmos na Psicologia, há também algumas

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razões específicas para o pouco valor atribuído a ela em nosso país. Numa sociedade tradicionalmente machista, uma ciência como a Psicologia é essencialmente feminina. Não só porque a maioria de seus profissionais são rnulhâres, como também porque acentua a sensibilidade, a afetividade, valores desconsiderados pelo machismo dominante. Por outro lado, a profissão, sendo recente, tem pouca tradição académica e profissional. E na medida que a maioria dos profissionais está isolada em seus consultórios, dificilmente eles se mobilizam enquanto categoria profissional na defesa de seus interesses. Além disso, não podemos perder de vista uma outra questão: a insistência das instituições ligadas à Psicologia no país em se propor como modelo prioritário de atua^ão profissional a clínica particular. Não temos traição de pensar a Psicologia dentro do quadro mais geral de serviços de saúde a serem prestados à população. Ou de sugerir modelos alte 1 nativos que 'abordem a questão da saúde mental de forma mais adequada e acessível ao povo. Quando novas oportunidades de trabalhe se abrem em instituições das mais variadas, o psicólogo normalmente não sabe o que fazer na nova situação, ou assume atividades diferentes que o fazem perder sua identidade profissional, ou tende a se fechar em uma saía para atendimentos individuais ou de pequenos grupos. De certa forma, esse quadro geral da saúde

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mental e da Psicologia não é privilégio de nosso país. É também comum a quase todos os países de formação econômico-social integrada ao capitalismo ocidental. Podemos ainda constatar que também nesses países, embora os interesses dominantes pretendam manter a situação que descrevemos, as formas tradicionais de prestação de serviços no setor de saúde mental estão em crise. A assistência psiquiátrica tradicional baseada na internação é cara. Não tem eficiência alguma, pelo contrário, torna mais crónica a doença, o que é atestado pelo alto nível de reinternações. E mesmo assim, não é acessível à maioria da população. Além disso, vem sofrendo uma forte denúncia por parte dos movimentos antipsiquiátricos, dos meios de comunicação de massa, e da opinião pública em geral. Por outro lado, a doença mental vem provocando um alto nível de incapacitação para o trabalho, sobrecarregando o sistema previdência ri o com despesas em auxílio-doença e aposentadoria permanente. E pelo lado da Psicologia, os serviços tradicionais oferecidos por ela são elitizados, sofisticados, caros e demorados. A maioria da população não pode ser integrada a eles tanto cultural como economicamente. Ou seja, ela não se adapta ao universo cultural e aos rituais desenvolvidos pelas técnicas psicológicas tradicionais, nem pode pagar por elas. Essa crise do setor, bem como as novas reivín-

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dicações sociais, vêm exigindo formas alternativas de se abordar a saúde mental. Assim, desde a década de 60 vimos assistindo, em vários países, a proposição de modelos alternativos de serviços em saúde mental, frequentemente acompanhados de projetos de atuação comunitária, onde os psicólogos também têm sido chamados a atuar. Nesse momento é que vão surgir as primeiras experiências em Psicologia Comunitária, como uma das saídas alternativas para a Psicologia e sua crise.

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AS ORIGENS HISTÓRICAS DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

Além das novas demandas sociais, da crise específica da Psicologia e da crise atual dos serviços de saúde mental discutidos até agora, que outras experiências e processos históricos contribuíram para o aparecimento da Psicologia Comunitária? Não á muito fácil rastrear, no plano internacional, as primeiras experiências em Psicologia que já se aproximavam dos ideais da Psicologia Comunitária. Mesmo assim, podemos dizer que uma das primeiras tentativas conhecidas foi realizada por Moreno, em Viena, no começo do século. Ele começou, ern 1908, a fazer improvisações dramáticas com crianças, instigando-as a rebelarem-se contra o mundo dos adultos e a criarem normas e regras para uma sociedade infantil respeitada pelos maiores. As experiências prosseguem em 1921,

Em 1902, em Vi< -.:;, as primem^ experiências com dramatizações (o "Teatro da Exp< ntaneidade", e m,.;i\ o "Teatro Terapêutico11) estruturação do que lune conhecemos como técnicas psicodramáíicas.


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com dramatizações que acabam na criação do Teatro da Espontaneidade e, dois anos mais tarde, no Teatro Terapêutico, Eram experiências abertas e muitas vezes realizadas na rua. Elas criaram a base para a estruturação do que hoje conhecemos como as técnicas psicodramáticas. A experiência e a obra de Wílhelm Reich, apesar de polémicas, são cruciais na formação histórica da proposta da Psicologia Comunitária. Reich participou como assistente de Freud de uma clínicc gratuita em Viena, em T922, após a criação, em 1920, de uma clínica semelhante em Berlim. Logo chegou à conclusão de que seria ilusório querer transformar a miséria sexual e mental com a muitiplicação de clínicas e análises. Funda então, em Viena, uma sociedade socialista de Aconselhamento Sexual e de Sexologia, abrindo em 1929 seis centros de higiene sexual, animados por quatro psicanalistas e três obstetras, que lutam pela legalização do aborto. Foi em Berlim, no entanto, que encontrou melhores condições temporárias de trabalho. Após conferências com médicos e estudantes socialistas, e convencido da necessidade de politizar a questão sexual, liga-se ao Partido Comunista Alemão e funda a Associação Alemã para uma Política Sexual Proletária (SEXPOL), que teve seu primeiro congresso em Dússeldorf, em 1931. Mas a açao de Reich durou pouco. Além do insucesso das clínicas higiénicas, o PC alemão em

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pouco tempo proibiu a difusão de suas brochuras, e desligou-o do partido em 1932. Logo após, a Sociedade Psicanalítica Alemã também o excluiu de seu quadro. Finalmente, em 1933, ele abandona a Alemanha. Uma outra experiência bem diversa da de Reich, mas bastante significativa, é a dos Alcoólicos Anónimos (A.A.), iniciada em 1935, nos Estados Unidos, e hoje amplamente difundida em quase todo o mundo. Os grupos de alcoólicos funcionam autonomamente, e suas reuniões manipulam técnicas simples de depoimentos de vida e reforçamento pelos períodos de tempo crescentes que um integrante fica sem beber. Além disso, elas criam laços de solidariedade e amizade entre eles como suporte para a superação de seus problemas. Podemos identificar algumas limitações no trabalho dos A.A.: é uma abordagem centrada na doença, um tratamento moral para o alcoolismo, e não leva em conta os seus condicionamentos sociais e políticos, como a política de incentivo ao consumo das bebidas. No entanto, os A.A. constituem sem dúvida uma experiência sugestiva e eficaz dentre ;.io enfoque da Psicologia Comunitária, e influenciaram enormemente a criação de experiências semelhantes mais recentes, do tipo Neuróticos Anónimos, grupos cie auto-ajuda de ex-psíquiatrizados, etc. A partir do? meados do atual século, assistimos a experiências e movimentos mais globais e de


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cunho mais institucionalizado, que influenciaram diretamente o nascimento da Psicologia Comunitária. Em primeiro lugar, temos o processo de reformulação dos conceitos e da prática da Psiquiatria. Por um lado, surgem as iniciativas modermzadoras de crítica à estrutura dos manicômios, que se inicia na Inglaterra, no período de guerra. Os hospitais e seu consequente "desperdício de homens", que noutras condições poderiam estar nas frentes de batalha ou na produção, começam a ser questionados. Vamos assistir, então, a iniciativas de tentar modificar a dinâmica de tratamento nos hospitais psiquiátricos militares, cheios de neuróticos de guerra. Na Inglaterra, alguns psiquiatras lançaram a ideia de grupos de discussão e de ativídades com os pacientes, além de realizarem uma reunião diária geral com os médicos, como forma de integrar o conjunto dos grupos e atividades. Esse experiência foi um sucesso e permitiu o nascimento de comunidades terapêuticas, alguns anos depois, e das psicoterapias de grupo. A reformulação não ficou apenas dentro dos hospitais. Na Branca, surge a "psiquiatria de setor", ou seja, a divisão do país em setores e regiões, dispondo, cada u ma, de equipes trabalhando em contato direto com a comunidade. Não houve interferência, entretanto, na vida manicomial. A Psiquiatria Comunitária surgiu nos Estados Unidos. Foi lançada a proposta de níveis de inter-

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venções da assistência, seguindo evolutivo da "doença mental":

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momento

1) prevenção primária: intervenção nas condições possíveis de formação da doença mental, que podem ser individuais ou de meio; 2) prevenção secundária: intervenção que busca o diagnóstico e o tratamento precoce da doença mental; 3} prevenção terciária: busca de readaptação do paciente à vida social, após sua melhora. Apesar da ambiguidade e imprecisão de muitos dos conceitos propostos por esses autores, a grande novidade foi o lançamento da proposta de prevenção primária, visto que os dois outros níveis já faziam parte do sistema psiquiátrico-curativo. Em outra vertente, tivemos o desenvolvimento da antipsiquiatria. Ela desenvolve u.na crítica feroz ao próprio conceito de doença mental, mostrando como a sociedade se sente ameaçada pelo comportamento desviante,e como a psiquiatria acaba operando como agência de controle e nonr^tização social. Entretanto, o movimento de maior profundidade de mudanças e de repercussão internacional foi, sem dúvida, o da Psiquiatria Democrática, vanguardeada por Basaglia, na Itália. A e x p e - x ^ c i a começou no Hospital Psiquiátrico de Gorila, no Nordeste de país, sob a direção do próprio BasagSia. As modi-


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ficações incluíram a adoção de um modelo radical de comunidade terapêutica e a abertura do hospital para que os pacientes pudessem viver fora dele. Foram montados centros de higiene mental, para reinserção dos ex-internos na vida social. Além disso, foi feito um trabalho de mobilização e esclarecimento da população e dos movimentos sociais, inclusive com integração de leigos no trabalho. A experiência foi expandida em outras cidades, e em algumas delas o hospício foi fechado. Em 1978, através da mobilização e da pressão popular, conseguiram sedimentar estas novas práticas em uma nova ei psiquiátrica para todo o país. Essa nova lei, entretanto, encontrou muitas dificuldades na sua implantação. Dependia da existência, em cada cidade, de equipes de profissionais identificados com o seu espírito, e que se mobilizassem para efetivá- a. Houve muita resistência por parte da população, acostumada a associar o louco com a violência e o despreparo para a vida social. Os políticos conservadores capitalizaram esse clima, tentando mudar a lei. Assim, ela foi implantada de forma mais integral em algumas cidades, e em outras não houve modificações substantivas. Atualmente, em 1985, encontram-se cinco orojetos de reformulação do seu texto no parlamento italiano. Na América Latina, algumas experiências alternativas mais locais foram realizadas. Podemos lembrar

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o nome de Alfredo Moffatt, autor de livro bastante conhecido, Psicoterapia do Oprimido, relatando sua experiência na Colónia Pena Carlos Gardel, em Buenos Aires, Argentina. A Medicina Comunitária também teve urn forte papel no aparecimento da Psicologia Comunitária. Na área de saúde, as experiências comunitárias têm peio menos duas origens diferentes. Por um lado, a experiência de alguns países denominados socialistas. A China revolucionária foi talvez a precursora, corr, s L...ca de serviços de saúde inovadores para as populações camponesas e de periferia urbana, na época sem qualquer acesso a eles. Foram realizados serviços de saneamento e cuidados elementares de saúde através da mobilização popular, do treinamento dos chamados "médicos de pés descalços", integrados com a medicina chinesa milenai. No íado capitalista, a Medicina Comunitária nasceu principalmente da preocupação de se oferecer alguma forma de assistência aos pobres que não podiam ter acesso à medicina sofisticada e cara. Foram montados sistemas de saúde comunitária em países da África colonial, como Quénia, Zâmbia, Uganda. E nos EUA na década de 60, aparecem os programas de saúde dentro de uma estratégia de assistência mais ampla aos bolsões de pobreza. Foram os chamados "Programas de Combate à Pobreza", lançados por Kennedy e Johnson. Na América Latina, as primeiras iniciativas

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comunitárias normalmente não tiveram origem estatal, dadas as características francamente antipopulares da maioria dos governos locais após a década de 60. Foram os próprios movimentos sociais, aí compreendidos os movimentos sindicais urbano e camponês, os movimentos de bairros, as comunidades eclesiais de base, os movimentos femininos, movimentos negros, que se lançaram à tarefa de construção de laços e ações comunitárias. Nessi^, experiências,'além das lutas e reivindicações políticas e materiais, da prática da educação popular, as atividades incluem várias questões ligadas especificamente à saúde mental. Podemos lembra- as creches comunitárias, os clubes de mães, 3í ações solidárias coletiyas nos momentos de aperto das famílias, atividades de lazer, esporte, cultura, etc. Essas iniciativas têm como característica básica a autonomia, e isso fez que os governos mais tarde pretendessem integrá-las, desenvolvendo programas comunitários via Estado. Outro processo fundamental que contribuiu para o aparecimento da Psicologia Comunitária foi o progressivo assalariamento, o achatamento da e a consequente criação de condições para uma politização crescente dos profissionais de saúde e saúde mental. Por urn laço, começaram a aparecer as ações e movimentos representativos das categorias profissionais, e, entre suas reivindicações e discussões, aparecem os temas ligados a serviços de saúde mais racionalizados e adequados

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às condições de vida da população. E, por outro lado, a ação desses profissionais nas universidades e nos serviços de saúde abriu espaço para algumas experiências inovadoras de grande importância. Finalmente, não poderíamos nos esquecer de todo um movimento de questionamento crítico dentro da Psicologia como um todo, e da Psicologia Social em particular. Na América Latina, iniciou-se gradativamente a problematização dos esquemas teóricos procedentes dos Estados Unidos e Europa, na busca de uma adequação à nossa realidade social. A Psicologia na Argentina, até o golpe militar na década passada, talvez seja o melhor exemplo desse movimento de recriação teórica e prática. Esse novo espaço dentro da Psicologia, se efetivamente ampliado, possibilitará o desenvolvimento de novas experiências, encontros e a sistematização da Psicologia Comunitária em nosso continente. Entretanto, as primeiras iniciativas oficiais, concretas, específicas em seúde mental comunitária podem ser identificadas nos Estados Unidos. Em 1963, foi lançado o projeto dos Centros Comunitários de Saúde Mental. Vários programas foram previstos, com modalidades parciais de hospitalização, serviços de consulta externa e de emergência, r r ovenção de suicídio, alcoolismo, atendimentos míantil e adolescente, etc. A avaliação crítica desses centros é bastante negativa. Vános dos programas previstos não foram

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implementados, .são pouco acessíveis geográfica e economicamente, e na realidade não houve interesse de se atingir a participação popular na tomada de decisões e na sua gestão. São pouco eficazes para se contrapor aos interesses da rede de hospitais psiquiátricos estaduais, que funcionam centrados na internação tradicional. Enfim, promovem a "psíquiatrização" da sociedade, estimulando o uso de drogas e serviços, impondo maneiras psiquiatrizantes de interpretar a vida e os conflitos sociais. A partir das décadas de 60 e 70, alguns países do Terctlro Mundo vêm desenvolvendo a criaçso de centros comunitários de saúde mental ou integrando atívidades em saúde menta! à rede básica de postos e ambulatórios médicos. Entre eles se destacam o Chile, Jamaica, México e Honduras. De início, tivemos iniciativas isoladas, ligadas às universidades ou projetos pilotos estatais. Entretanto, nos meados da década passada, a Organização Mundiai de Saúde passa a propor a implementação de sistemas mais racionalizados de saúde e saúde mental. O modelo visa à descentraização dos serviços, tendo como porta de entrada do sistema o posto de saúde junto aos bairro: populares e distritos rurais. A ênfase é dada àquelas atividades mais simplificadas de atenção primária à saúde, per pessoas da comunidade corr. treinamento básico, com presença ou supervisão permanente de profissionais graduados. São propostas iniciativas comunitárias e preventivas em saúde.

O que é Psicologia Comunitária

Esse modelo tem sido implementado experimentalmente em regiões específicas de vários países capitalistas do Terceiro Mundo. Em países como Cuba, todo o sistema de saúde e saúde mental é montado de forma semelhante. Tentarei mais adiante descrever o seu funcionamento e esboçar uma avaliação corn maiores detalhes. Se fizermos uma avaliação da implantação de Psicologia Comunitária no Brasil, acreditoque poderemos identificar pelo menos três direções. A primeira se dá pela via académica, universitária, Ou seja, as faculdades de Psicologia, copiando os currículos estrangeiros, incluem a disciplina lecionando-a de forma teórica, assistemática, e sem muitas possibilidades de uma prática concreta. Nesse sentido, podemos dizer que, de modo gera l, o ensino da Psicologia Comunitária no Brasi sofre deste mal crónico que é a ausência de referências práticas que orientem sua teorização e sua adequação à realidade bras : :eira. O segundo caminho tem sido, até recentemente, o do movimento popular, em experiências concretas em associações de bairro, em educação popular em geral, em creches comunitárias, comunidades eclesiais de base, clubes de mães, etc. Normalmente, são experiências autónomas que são também acompanhadas por estudantes ou mesmo profissionais de Psicologia,, através de compromisso político pessoal, sem íigação reaí ou formal com a Psicologia académica. Os depoimentos que venho ouvindo acentuam muito isto: "Junto ao povo


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temos de reaprender tudo, como se não tivéssemos passado por um curso. Ou mesmo, temos de desaprender muita coisa do curso, em termos da realidade sócia! que encontramos pela frente. E, geralmente, a gente não se sente psicólogo quando realiza essas formas de trabalho comunitário". Em síntese, as experiências ocorrem de forma normalmente espontânea, sem avaliação rigorosa de seus resultados e sem um contato permanente com uma busca de sistematização teórica. Em terceiro lugar, estamos assistindo, nos últimos anos, à implantação muito gradativa de programas que incorporam a Psicologia Comunitária, por parte de instituições sociais principalmente ligadas ao Estado. Normalmente são projetos-piloto em pequenas unidade; de saúde, escofas, comunidades. Recentemente, a Previdência chegou a anunciar unia reorientação da assistência psiquiátrica no país, e propondo um modelo inspirado em parte na proposta feita pelr OMS. Na maioria dos casos, não existe uma integração dessas diferentes iniciativas em Psicologia Comunitária. Mas acredito que a tendência a que vimos assistindo é a superação gradativa deste isolamento de experiência?. Isso pode se dar, por exemplo, através da integração das universidades às iniciativas institucionalizadas de prestação 'e serviços, ou da colaboração com os prcjetos populares autónomos.

O QUE É, AFINAL, A PSICOLOGIA COMUNITÁRIA?

Nc-oíe ponto, você, leitor, depois de ter uma visão das origens da Psicologia Comunitária, deve estar se perguntando: o que é então a Psicologia Comunitária? Alguns autores, quando analisam a história da atuação de um corpo científico e profissional, notam que em determinadas circunstâncias históricas os profissionais têm uma forma própria de atU'--- r diferente dos que atuam em outras épocas e contextos sociais. A essa forma chamam psradigma da prática profissional. Na área médica, por exemplo, sabemos que o modelo de atuação que conhecemos, chamado Medicina Científica, não foi e não é o único existente. Se percorrermos a história da Medi:;ina, veremos que a Alemanha dos séculos X V I I I e X I X e a Inglaterra e França do


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século passado nos apresentam três paradigmas distintos da prática médica. A Medicina Comunitária recente constitui um outro paradigma, em oposição ao da Medicina Científica atual. Na Psicologia, vimcn. que as experiências que podemos reunir sob o nome da Psicologia Comunitária tiveram origens e objetivos bastante diferentes. Tivemos desde propostas bastante radicais, como a SEXPOL, até os programas conservadores norte-americanos. Apesar dessa diversidade, creio poder afirmar que a Psicofogia Comunitária pode ser considerada um campo com uma unidade mínima, e pode significar a formalização de um novo paradigma de prática profissional do psicólogo, em relação à prática predominantemente desenvolvida até então. Assim, apesar dos riscos de simplificação excessiva, acredito que a sistematização comparativa que tentarei esboçar aqui poderá ser interessante para se entender como vejo a proposta de uma Psicologia Comunitária comprometida com os interesses populares:

PSICOLOGIA TRADICIONAL

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

1) As abordagens enfatizam o enfoque do psicólogo como esfeia predominantemente independente do

1) As divisões du sabe' são fruto da história das instituições académicas e profissionais. A realidade

O que é Psicologia Comunitária

PSICOLOGIA TRADICIONAL

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

social. As análises são essencialmente unidisciplinares, e o trabalho realizado é predominantemente uniprofíssional.

se apresenta como uma integração dos aspectos orgânicos, psíquicos e sociais. A abordagem é interdisciplinar, e o trabalho é feito em equipes multiprofissionais.

2) Enfatiza-se a abordagem individual do psíquico.

2) A ênfase está nas pessoas enquanto seres sociais, onde o conteúdo psicológico tem conotações também institucionais, sociais, culturais e políticas, e vice-versa.

3) A abordagem é desarticulada de unia visão mais ampla do social, e muitas vezes pretende-se neutra com relação aos problemas sociais.

3) É uma abordagem articulada a uma visão to tal izante do social e busca a explícitação de um compromisso pohYco e social.

4} A prática desenvolvida é dirigida prioritariamente para os grupos sociais mais privilegiados, tanto do ponto de vista económico quanto cultural.

4} A prioridade básica são as classes populares, ainda sem acesso a serviços básicos de saúde mental.

5) Nas faculdades, a formação é predominantemente teórica, intramuros, e

5) A formação só é coerente se baseada na prática concreta no campo social.


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PSICOLOGIA TRADICIONAL desvinculada da prática.

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA com reflexão teórica e pesquisas concomitantes.

PSICOLOGIA TRADICIONAL no profissional.

6) As técnicas são predominantemente curativas.

6) Integração de recursos curativos e preventivos com ênfase na prevenção. 7) A teorização e o conjunto 7} Teorização e técnicas são de técnicas são dirigidos dirigidas para situações principalmente para coninstitucionalizadas e de sultórios, hospitais e gabicampo, junto aos locais netes separados da vida de trabalho e moradia da social, e em locais conpopulação, proporcionancentrados nas áreas dos do maior acessibilidade e grandes centros urbanos. coerência com a realidade vivida por ela. 8) A prática profissional é 8) Formam-se profissionais altamente especializada mais generalistas, envolvipor técnicas de trabalho dos com faixa mais ampla (principalmente na clínide técnicas e práticas ca), A clientela se adapta adequáveis à variedade de ao esquema teórico e situações sociais. Há uma técnico do profissional. busca constante de pés Raramente se buscam guisa e sistematização de práticas alternativas. práticas alternativas. 9) A prática predominante 9) O profissional atua priexige sempre a presença mordialmente como asdo profissional, e é mansessor, transmissor de hatenedora de monopólio bilidades e treinador de do saber profissional. O agentes de saúde mental lugar do poder é fixo e O objetivo é a desrnonoconstantemente centrado polização gradativa do

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O que é Psicologia Comunitária

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA saber, com a integração da saúde mental na vida cotidiana e na cultura do povo. O lugar do poder é alternado e distribuído.

10) A abordagem não reconhece o conhecimento difuso e as práticas informais populares em saúde mental

10) Há um reconhecimento e busca de constante coaprendizagem com o saber e as práticas autónomas da população que têm implicações ou que são diretamente ligadas à saúde mental.

11) As práticas têm alto nível de especialização e sofisticação. A formação é longa, demorada, de alto custo, que é repassado aos serviços, e daí sua elitização.

11) Propõe-se pesquisa e síntese de práticas mais simplificadas, apropriadas às condições sociais e culturais populares. Urn dos objetivos básicos é a extensão da cobertura com manutenção d a qualidade.

12) As práticas são planejai.;.-r e executadas pelo P r o 1 ssional sem qualquer pá; ticipação da clientela.

12) Busca-se efetiva participação da clientela na definição das prioridades de aíu: cão, píanejamento, execução e avaliação das atividades. Ou seja, participação comunitária efetiva.


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PSICOLOGIA TRADICIONAL

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

13) A ação do psicólogo é restrita aos consultórios, secões de contato ou trabalho na escola ou empresa.

13) A ação do psicólogo envolve também o conhecimento da saúde pública, a administração, gestão e supervisão dos serviços. Assim, as técnicas em Psicologia Comunitária são de três tipos; a) técnicas ligadas diretamente à intervenção em saúde mental com a clientela; b) técnicas voltadas ao treinamento de pessoal para atuar em saúde mental; c) técnicas administrativas e de gestão dos serviços em saúde mental.

OS LOCAIS DE ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA COMUNITÁRIA

A primeira coisa que podemos constatar é que os psicólogos comunitários não são donos de campos de trabalho onde só eles atuam. Eles vão bater em muitas áreas onde psicólogos ern geral já desenvolvem suas atividades, bem cono outros profissionais da área humana e de saúde. Como vimos, o que dá identidade ao psicólogo comunitário em relação a seus colegas tradicionais é uma forma própria de atuar, voltada para objetivos próprios segundo uma visão crítica definida. Assim, o primeiro campo de atuação da Psicologia Comunitária é o das próprias instituições onde o psicólogo já é comumente chamado a trabalhar; nas escolas e demais instituições de educação, nos hospitais psiquiátricos, nas empresas, etc. Nelas, o psicólogo comunitário poderá até

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O que é Psicologia Comunitária

mesmo desempenhar algumas das ações tradicionalmente já realizadas pelos demais psicólogos. Entretanto, ele não deve parar aí. A Psicologia Comunitária nos pede uma visão mais crítica e uma ampliação do campo de atuacao. Ela nos cobra uma abordagem mais preventiva, manipulando variáveis mais amplas, sociais e institucionais. Ela reivindica a açao participativa dos usuários e funcionários das instituições na resolução dos problemas e na atuação sobre a saúde mental. Ora, não é difícil perceber como as instituições, em geral, principalmente nas sociedades capitalistas autoritárias, são instrumentos chamados a cumprir a manutenção da ordem, das ideias e das relações sociais que reproduzem a dominação e a alienação das pessoas. Uma escola pública primária, por exemplo, está sempre chamada a manipular a cultura dominante, as ideias e visões de mundo implícitas nos programas de ensino oficiais. Aí, a cultura do povo praticamente não tem lugar. Ela também tende a desenvolver nos alunos o espírito de competição e individualismo. Estes normalmente participam muito pouco do processo de educação. São massificados e relegados à passividade e à escuta. A escola também reproduz a desigualdade social. O e1 alunos oriundos das ciasses mais pobres normalmente abandonam os bancos escolares nos primeiros anos, enquanto uma elite consegue galgar a pirâ-

-4- -' Ecologia Comunitária reivindica a açao participativa Ui:> usuários e funcionárias das instituições fia resolução problemas e na aiuação sobre a saúde mental.


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mide escolar até o ensino superior. Como na escola, o psicólogo é chamado a essas instituições para atua r unilateralmente sobre questões ligadas à saúde mental, normalmente para selecionar, diagnosticar e avaliar indivíduos isoladamente ou para "cuidar" clinicamente dos considerados "casos-problemas" pela instituição. E a maioria dos psicólogos responde a estes pedidos e demandas de forma acrítica e automática. Ou porque não percebem a problemática de fundo ou porque foram formados pnlas escolas de Psicologia exatamente para fazer aquilo que as direções das instituições pedem; e outras vezes, porque sentem o risco de perder o emprego se questionarem algo. Assim, contribuem para que os conflitos e a "doença", que estão impregnados na instituição, sejam identificados apenas em algumas pessoas, consideradas as desequilibradas e problemáticas. A Psicologia Comunitária, nesta área institucional, busca conhecer criticamente as instituições, permitindo identifica-' suas contradições, sua estrutura concreta e simbólica, no sentido cie visualizar propostas de trabalho alternativas e realistas. Em segundo lugar, busca traçar formas de intervenção na vida das instituições, ampliando a par ticipação de todos os interessados nus problemas levantados. E, fundamentalmente, procura desenvolver técnicas de abordagem da saúde mental integradas a essas novas formas participativas.

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Como se dá isso concretamente? As respostas não são simples, mas podemos resumir alguns pontos básicos. Normalmente, todo profissional dentro de uma instituição é chamado peia direção a realizar algumas atividades tradicionais. A estes pedidos chamamos "demandas oficiais". Este conceito de demanda tem origem na Psicanálise, e é trabalhado pela abordagem de origem francesa chamada Análise Institucional. Vamos ver como funciona. Todo mundo sabe intuitivamente que uma criança pode pedir alimento mesmo sem ter fome. Sabemos que por trás desse pedido, dessa demanda, ela pode estar querendo outras coisas, como atenção, carinho, etc. A esses pedidos que se "escondem por trás" da demanda primeira chamamos "demandas implícitas". Assim, nestes casos, dar simplesmente alimento para a criança pode impossibilitá-la de expressar suas demandas implícitas, mais significativas e importantes para ela. Da mesma forma, quando a direção da instituição formula suas demandas oficiais ao profissional, ela quer resolver as questões da vida institucional escondendo uma série de outros problemas, pontos de vistas e pedidos dos funcionários e da clientela. Cabe ao psicólogo comunitário sugerir formas e situações participativas onde a própria direção, os funcionários e os usuários da instituição possam discutir a "demanda oficial" e eles mesmos formu-


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larem as demandas implícitas. Como se dá isso na prática? Vamos exemplificar com o trabalho do psicólogo em uma escola. Ele foi chamado para fazer diagnóstico e acompanhamento clínico de alunos considerados indisciplinados ou de baixo rendimento escolar. Esta é a demanda oficial, e o psicólogo deve respondê-la inicialmente da maneira como foi formulada, para se manter na instituição. Mas deverá favorecer a criação de situações nas quais a direção, os professores, funcionários, os alunos e seus pais possam discutir a questão da indisciplina e do baixo rendimento. Inevitalmente aparecem outros pontos de vista, outros pedidos, ou seja, as demandas implícitas. Os professores, por exemplo, podem falar da dificuldade de montar aulas chamativas e dinâmicas, e pedir uma orientação didático-pedagógica. Mais tarde podem ir percebendo nestas discussões as dificuldades de um ensino apropriado em salas de aula com 60 ou 70 alunos, nas quais os estudantes são massificados e colocados na situação passiva. E por aí vai ... Com um pouco de jeito a própria direção da escola pode ir percebendo que a questão da indisciplina e do baixo rendimento não é tão simples assim. É possívef que ela mesma acabe formulando suas demandas implícitas, caminhando para soluções mais abrangentes dos problemas da escola, O objetivo básico do processo é sempre incentivar a participação gradativa dos diversos grupos de

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pessoas ligadas à instituição e que normalmente não são chamadas nem mesmo a opinar. Na escola, por exemplo, podemos chegar a integrar, nas atividades educativas e de saúde mental, os próprios pais e familiares do aluno, e até mesmo toda a comunidade. E na medida que participam, podem garantir que a instituição sirva a seus interesses. Com isso acredito que surgirão alternativas mais democráticas e participativas de vida institucional e social. Também as técnicas específicas de abordagem da saúde mental podem se tornar mais adequadas a essa nova realidade participativa. O psicólogo, agora, em vez de ficar apenas restrito a sua sala atendendo casos individuais, poderá, por exemplo, formar grupos de professores para a elaboração da problemática deles, grupo? de pais para discutir as questões ligadas à educação e estimulação dos fiihos. Poderá até mesmo assessorar a direção da escola em atividades e programas mais abrangentes e compatíveis com a realidade da instituição. Não podemos nos esquecer de que esse processo é sempre lento e difícil. É bom lembrar que toda ação desse tipo toca nas relações de poder dentro da instituição. O psicólogo não pode se colocar como "dono da verdade", ou corno quem provoca a mudança, pois sua posição pessoal é muite frágil. Seu papel é fundamentalmente de facilitador sugerindo situações onde os demais participantes possam falar de suas deir.andas e dar palpites sobre

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como solucioná-las. Além disso, todo processo de mudança em cada instituição depende do contexto político mais global da sociedade. Dessas observações podemos concluir a necessidade de estar constantemente analisando as correlações de força e de poder dentro e for» da instituição, para se avaliar o espaço de mudança possível. Não adianta nada ter boas intenções sem ter os pés na realidade. É importante também ter "paciência histórica", no sentido de evitar confrontos imaturos ou desnecessários com as direções das instituições. Às vezes pode valer aqueíe conhecido ditado: "Seguro morreu de velho". Outras situações pedem para se arriscar mais. É sempre bom lembrar que as ações mais inovadoras precisam ae apoio e legitimação mais amplas no corpo de funcionários e na cliente a em geral da instituição. As instituições e programas governamentais da área social constituem um segundo campo de atuacão do psicólogo comunitário. Principalmente nos últimos quarenta anos, a demanda feita ao Estado para responder às necessidades globais da população vem crescendo, principalmente com relação à maioria mais pobre e oprimida. E os próprios governos estão percebendo a pouca eficácia concreta e legitimadora de seus programas e ações sociais quando são autoritários e assistência listas. Assim, cada vez mais se faz apelo a programas "participativos", visando ao desenvolvimento da comunidade. São programas vinculados

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à área da saúde, programas suplementares de educação, menores abandonados, centros sociais urbanos, programas sociais com trabalhadores rurais, com velhos, entre outros. Algumas empresas e autarquias, principalmente ligadas a clientelas amplas e definidas, também tem formado equipes interprofissionais para o contato com o público e manutenção de iniciativas comunitárias. O desenvolvimento de comunidade a partir do Estado ou de instituições paraestatais exige cuidados muito especiais — devido aos mecanismos de integração e limitação do caminho dos movimentos sociais — no sentido de manter sua autonomia. Um terceiro campo de atuacão do psicólogo comunitário são os próprios movimentos sociais. Aqui são desenvolvidas as práticas mais coerentes com os interesses populares, na medida que há maior participação e controle da comunidade sobre todas as iniciativas. Por outro lado, dado que os recursos económicos nas nossas sociedades estão concentrados nas empresas e no Estado, a maioria desses projetos conta apenas com a colaboração voluntária ou com o trabalho insatisfatoriamente remunerado de psicólogos e de outros profissionais. Mesmo assim, a meu ver, as possibilidades de trabalho estão crescendo enormemente hoje, no Brasil. Nessa área, a gama de atividades possíveis é enorme. Podemos começar pelos sindicatos de trabalhadores. Como, no Brasil, estes são obrigados


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pela legislação em vigor a manter serviços assístenciais, incluindo serviços de saúde f há possibilidades concretas de montagem de serviços de saúde mental mais apropriados aos interesses dos trabalhadores. Há, inclusive, a alternativa de projetos intersindicais, quando vários sindicatos mantêm serviços comuns. Este tipo de trabalho permite não só acesso de serviços de saúde mental aos trabalhadores individualmente, com sua família ou em pequenos grupos, como também permite ao psicólogo conhecer, através do estudo de casos, as condições de trabalho dentro das empresas e sua interferência sobre a saúde mental. Assim, a Psicologia, da mesma forma que faz a Medicina do Trabalho quando assumida por profissionais comprometidos com os trabalhadores, estará possibilitada a assessorar o sindicato no entendimento das estratégias das empresas na área de processo de trabalho e desenvolvimento de recursos humanos. Isto possibilita colocar a saúde mental como questão a ser incluída nas pautas de reivindicações, nas negociações entre trabalhadores e patrões. Além disso, a criação desses serviços permite-nos ir gradativa mente conhecendo a realidade psicossocial específica dos trabalhadores, o aue é de grande importância para a Psicologia, como também para as entidades populares em gera!. Outra possibilidade concreta de trabalho para o psicólogo comunitário está nas comunidades eclesiaís de base e nas atividades pastorais em

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geral, principalmente nas Igrejas identificadas com os pobres e oprimidos. Normalmente incluem grupos de jovens, círculos bíblicos e grupos de reflexão e cursos para casais, pastorais específicas para doentes, velhos e crianças, pastoral operária, etc. Tais atividades já assumem por si mesmas grande importância para a saúde mental dos setores populares, porque incluem vários temas fundamentais ligados à sua vida social e emocional. Na verdade, a participação junto às bases eclesiais populares engajadas e aos movimentos sociais populares constitui uma verdadeira escola para se conhecer e se comprometer com a realidade social e existencial do povo. O psicólogo que atua organicamente junto a estes movimentos não só aprende, como também coloca à disposição das ciasses populares os conhecimentos e técnicas já sintetizados pela Psicologia oficial. Acredito que essa co-apreridizagem pode ser bastante rica e frutífera. Junto às associações de bairro e movimentos comunitários de base residencial, existe também um campo enorme de trabalho. Por um lado, c vida associativa, as formas de solidariedade, as atividades comuns de lazer, esporte e cultura já constituem, por si mesmas, estratégias de promoção da saúde menta 1 . É tarefa nossa incentivá-tas e conhecê-las. Em segundo lugar, os movimentos de bairros vão se apropriando de iniciativas autónomas em saúde, ou buscando gerir ou controlar

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podemos colaborar no estudo psicossocial do comportamento da população nos processos eleitorais e de mobilização social. A discussão de problemas e a elaboração de projetos urbanísticos e ambientais deve contar também com a nossa presença. Um desafio para a Psicologia Comunitária são os movimentos e grupos negros. Os grupos de militância, as escolas de samba, os grupos de capoeira, de dança afro e os grupos religiosos desenvolvem atividades não só voltadas à luta contra a discriminação presente na sociedade atual, mas também no sentido de reforçar a identidade étnica, cultural e religiosa do negro. Isso tem muito a ver com a promoção da saúde mental. Os rituais mágico-religiosos como a umbanda, o candomblé e outros, constituem verdadeiras estratégias terapêuticas autónomas. Creio que apesar de contraditórios, em muitos casos, são mais eficazes que as técnicas sofisticadas e caras da Psicologia académica, que manipula um código cultural muito estranho à realidade popular. Aqui, acredito que a atitude da Psicologia Comunitária deve ser muito mais de escuta, acompanhamento e pesquisa, respeitando profundamente a autonomia negra. Em todos esses movimentos sociais, a Psicologia Comunitária pode contribuir dentro da especificidade c j e cada um. Entretanto, existe um campo em que ela pode oferecer uma colaboração muito

os postos e serviços de saúde estatais ali localizados. Cabe à Psicologia Comunitária acompanhar esse processo, assessorando as iniciativas ou serviços em saúde mental. Isso vem acontecendo principalmente nos acompanhamentos da escola pública nos bairros, na gestão de creches públicas ou comunitárias, ou nas aíividades de saúde mental desenvolvidas a partir dos postos médicos. Os movimentos femininos e feministas, com seus grupos do tipo clube de mães, associações de donas-de-casa e outros, também têm reivindicado explícita ou implicitamente a presença do trabalho da Psicologia Comunitária. Iniciativas tais como creches comunitárias, grupos de reflexão, montagem de serviços materno-infantis, de serviços de atendimento de urgência específicos para mulheres são um enorme campo de co-aprendizagem e atuação para os psicólogos. Aqui talvez seja a área que demande mais claramente uma presença específica da Psicologia na assessoria das atividades e na co-produção de material de reflexão e discussão sobre saúde mental da mulher, sexualidade, vida conjugal, educação de filhos, etc. Também os partidos políticos e a atuação político-parlamentar constituem um carnpo aberto à atuação dos psicólogos comunitários. Cabe também a nós, por exemplo, colaborar no levantamento de dados, na análise de temas e na elaboração de programas e projetos de lei que tenham alguma ligação com a saúde mental. Também

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importante, que é comum a todos eles. Toda vivência comunitária envolve, além dos aspectos sociais e políticos, explícitos, uma série de mecanismos simbólicos, na maioria das vezes inconscientes. Como isso ocorre na prática? Nos grupos populares, como em qualquer outro, existem enormes dificuldades em se buscar formas novas de participação, cooperação e solidariedade. Há uma tendência muito forte, nas primeiras atividades, de se reproduzir a apatia, a competição ou as formas participativas e de liderança autoritárias, centralizadoras, que se conhecem no trabalho, na família, na escola ou através dos políticos tradicionais. Por que estas formas tradicionais de vivência em grupo resistem tanto à mudança? É porque, além dos mecanismos ideológicos que conscientemente podemos questionar, estas relações também fazem parte de uma estrutura afetíva e emocional inconsciente. A experiência de conviver com o conflito, com a agressividade e com a busca de autonomia mobiliza sensações de muito medo, ameaça e insegurança nos grupos e nas pessoas. É mais fácil, por exemplo, termos um líder comunitário autoritário que assume todas as responsabilidades. Por um lado, ele alimenta os seus anseios de se sentir ídolo e mito para com os

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liderados; por outro, e ao mesmo tempo, mantém todos na situação de dependência, sem terem de enfrentar o risco de assumir a agressividade para com o líder e de criar e traçar caminhos novos nunca antes percorridos pelas pessoas e pelo grupo. Os dois processos se complementam e solidificam esse tipo de liderança. Assim, a superação gradativa dessas formas mais imaturas e autoritárias de vivência em grupo na comunidade envolve uma aprendizagem difícil e demorada. E aqui temos um dos mais importantes campos de trabalho para a Psicologia Comunitária, qual seja, o de contribuir para a explicação desses mecanismos, possibilitando assim situações nas quais os grupos populares possam assumir e criar novas formas de comportamento social mais democráticas, participativas e solidárias. Da mesma forma, a relação entre o agente externo (os próprios profissionais e os militantes ern geral) e a comunidade também é atravessada por esses processos simbólicos sutis, que são capazes, inclusive, de bloquear por mu : tn tempo o crescimento de uma atividade comunitária. Por exemplo, uma atuação do tipo vanguardista, em que o agente externo acaba substituindo as próprias lideranças da população, pode manter a relação de dependência na comunidade. Então, a atuação dos psicólogos comunitários e outros profissionais junto aos movimentos populares vai depender muito de como é travado e analisado

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este contato com eles. Essa é uma questão que merece um debate cuidadoso por parte de todos os agentes de intervenção nas comunidades. As possibilidades desta relação com a comunidade dependem também da forma institucional concreta de contato e convivência do profissional com o grupo popular. Aí podemos ver algumas alternativas. Uma delas é a ação não mediada institucionalmente, quando 'o psicólogo e o movimento social estabelecem um contato direto entre si. A definição das possibilidades, dos objetivos e dos limites da ação do profissional deve ser claramente explicitada junto ao grupo cliente, paia evitar expectativas que mais tarde seriam frustradas. Outras vezes esse relacionamento é estabelecido através de entidades de assessoría às atívidades populares, como as instituições de educação, os centros de pesquisa e documentação, instituições de saúde-, ou mesmo partidos políticos de cunho popular. Não poucas vezes ocorre que estas instituições acabam tentando fazer dos movimentos populares urna "correia de transmissão" de suas ideias e propostas. Definem os objetivos das atividades, e vêem o trabalho comunitário como uma forma de "ganhar" adeptos no meio popular. Tanto o psicólogo como os grupos comunitários devem se precaver para evitar esse tipo de relação, no sentido de que os próprios movimentos sejam donos de si mesmos, garantindo assim a autonomia popular. E se as atividades incluírem um papel

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clínico ou uma atuação mais analítica e interpretativa por parte do psicólogo, é preciso discutir bem os limites de sua ação como militante ou incentivador direto da mobilização comunitária. E atenção: se essa relação for mediada por instituições públicas ou ligadas a empresas, todo cuidado é pouco. A ação desses órgãos tem objetivos muitas vezes contrários aos interesses populares, e a atuação junto aos movimentos sociais pode ser integrativa ou desmobilizadora, apesar das boas intenções do profissional. Para concluir, existe ainda, dentro do quadro de possibilidades de ação da Psicologia Comunitária, um campo que se descortina no Brasil e em vários países do Terceiro Mundo. São os projetos de serviços de saúde mental integrados ao sistema de saúde, com ênfase nos chamados cuidados primários. É disso que pretendo falar melhor no próximo capítulo.

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O PSICÓLOGO COMUNITÁRIO COMO PROFISSIONAL DE SAÚDE E SAÚDE MENTAL

Entre os especialistas em saúde pública é praticamente consenso a existência de uma verdadeira crise da Medicina e dos serviços de saúde. São serviços sofisticados de alto custo, não acessíveis à maior parte da população e incapazes de atender aos problemas mais comuns de saúde do povo. Enquanto isso, as universidades continuam formando um enorme contingente de profissionais de saúde que ficarão desempregados. Em termos muito gerais esse é o quadro dos serviços de saúde em boa parte dos países do Terceiro Mundo. Para se contrapor a isso, alguns países, seguidos pela Organização Munc^a. de Saúde (CMS; e pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS), vêm sugerindo a montagem de

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sistemas de saúde hierarquizados e regionalizados. Segundo este modelo, cada bairro urbano ou distrito rural deve ter um pequeno posto de saúde como porta de entrada do sistema. Aí devem se realizar os chamados cuidados primários em saúde, ou seja, ações mais preventivas e educativas com o apoio da comunidade, bem como os primeiros cuidados médicos curativos, mais simplificados e ligados aos problemas mais comuns do povo. Em alguns dos casos, principalmente nas áreas rurais, tais cuidados primários são realizados por auxiliares de saúde, normalmente pejsoas da própria comunidade treinadas e supervisionadas para isso. Nas áreas urbanas a equipe primária é composta também de um médico generalista, enfermeira e eventualmente dentista. Os casos ma i? complexos, que não possam ser resolvidos no nível primário, devem ser remetidos para o atendimento secundário em ambulatórios ou centros de saúde regionais, capazes de fornecer serviços que demandem recursos médicos e equipamentos u n: pouco mais sofisticados. O -oistema se fecha então no nível terciário, com os hospitais e centros de reabi itação, aptos a desenvolver os serviços mais complexos. Esse sistema pode ser melhor visualizado no diagrama ap r e?entado na Figura l. Esse modelo tem algumas caractfísttcas bóricas. Em primeiro lugar, visa a aumentar o acesso aos serviços de saúde até a completa universalização do


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Figura l — O sistema hierarquizado de saúde

Rede secundária: ambulatórios de saúde; especialidades médicas principais, psicólogos, enfermeira, dentista, assisterue social, etc.

.-tf Rede primária: postos de saúde T

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em bairros urbanos e distritos rurais: auxiliares de saúde, médico generalista, enfermeira, etc.

atendimento. Todo habitante deve ter o seu posto de saúde como referência, com serviços gratuitos. O sistema deve ser prioritariamente estatal, mas instituições privadas podem ser incluídas, desde que integradas organicamente aos diferentes níveis de atendimento. Evita-se assim a duplicação de esforços, quando instituições diferentes concorrem entre si numa mesma área, oferecendo os mesmos serviços.

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As escolas de profissionais da saúde também devem ser integradas ao sistema. Estudantes e professores, ao mesmo tempo que aprendem e lecionam a teoria, realizam a prática, prestando serviço à comunidade. Esse modelo busca se adaptará realidade específica de saúde da população cliente. Nesta estratégia, faia-se da simplificação da tecnologia médica, cujo processo não visa ao seu barateamento, com a consequente diminuição da qualidade técnica dos serviços. A simplificação, a meu ver, tem alguns objetivos muito definidos: 1) a adequação ao conjunto de doenças mais prevalentes no meio popular, dada a situação de fome e quadros infecciosos e epidemias típicas das situações de pobreza e de falta de saneamento básico; 2} uma estratégia preventiva em saúde; 3} a compreensibilidade das ações em saúde pela população, permitindo a participação ativa do povo nestas ações; 4} uma luta contra o consumisrro imposto pelas empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos. Esta simplificação, se realizada dentro desses objetivos e adaptada às condições regionais, torna possível uma extensão dos serviços a todo o país. Além disso, busca-se a cobertura de todas as

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esferas da saúde e todas as faixas etárias. Ou seja, os serviços devem vísar às condições de vida do povo, seus problemas somáticos, bem como os de ordem psicológica, de forma integrada, e atingindo dos recém-nascidos aos velhinhos. Um outro aspecto interessante é o propósito de se reconhecer a existência das estratégias populares e buscar pesquisá-las e integrá-las ao conjunto de ações de saúde a serem realizadas no nível primário. Além de ser um modelo mais racionalizado, o objetivo é desenvolver serviços de saúde predominantemente preventivos. E nesse momento então fala-se muito em participação comunitária da população na promoção da saúde, como condição indispensável de funcionamento de todo o sistema. Por isso ele é conhecido na literatura especializada como o modelo de saúde comunitária. Há cerca de dez anos, a OMS vem propondo a integração dos cuidados específicos em saúde mental ao sistema de saúde em geral. Ou seja, a saída para a crise da assistência psiquiátrica centrada na hospitalização está na descentralização dos sen/iços, que seriam prestados então em todos os níveis de atenção, a começar pelos pequenos postos, em bases também comunitárias. A ava iação mais geral da proposta desse modelo entre os analistas é polémica. Torna-se claro que, do ponto de viste oficial, ele é coerente com uma estratégia de expansão dos serviços de saúde a setores da população considerados marginais

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ao processo produtivo mais avançado, e, portanto, tem uma significação sobretudo política. Uma das facetas desta estratégia, entre outras, é o que alguns autores chamam de medicalizar. Quando a Medicina trata a verminose nas periferias de nossas cidades apenas com remédios, ela está medicalizando, pois a cura definitiva para a verminose está principalmente em ter ruas calçadas, água tratada e encanada, e boa rede de esgotos. Medicalizar, então, é abordar problemas sociais apenas com soluções médicas paliativas. Outro aspecto do modelo é a tentativa de normalizar as pessoas Através das regras médicas e higiénicas, busca-se que cada um assimile as normas de comportamento pessoal e social mais adequadas à dominação do corpo, dos indivíduos e dos grupos sociais. No entanto, não podemos reduzir a significação do modelo às estratégias dominantes do sistema económico e político. Ele abre espaço e é passível de uma reapropriaçao, ou seja, se garantida uma série de condições económicas, políticas e institucionais, o modelo pode avançar bastante uma aproximação dos serviços de saúde mental aos interesses e condições de vida de nossa população. Alguns aspectos do modelo devem ser particularizados quando tratamos da área de saúde mental. Várias vezes, em debates com estudantes e profissionais da Psicologia, ouço perguntas sobre se a nossa população precisa efetivamente de nossos

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cuidados. Na cabeça deles fica a imagem de que o povo se preocupa mesmo é com a sobrevivência imediata, com as condições de vida mais elementares. E associam isso com a constatação de que os trabalhadores não batem à porta de nossos consultórios, ou mesmo se sentem amedrontados quando diante de psicólogos. Dessas constatações tiram a conclusão de que nosso povo ainda não demandou os serviços da Psicologia e de que não temos nada a fazer junto deles. Costumo comparar essa visão com a de um mecânico que só conhece e só dispõe de uma chave para parafusos e porcas de 10 mi)ír-.?iros, e é colocado diante de um motor cujos parafusos têm 16 milímetros. Acaba abandonando o serviço dizendo que ali ele não tem nada a fazer . . . Se o leitor íevar a questão a um médico que tenha boa sensibilidade para aspectos psicológicos de seus pacientes e que trabalhe ern ambulatório de periferia urbana ou área rural, possivelmente ele desmentirá taí visão. Deverá contar os casos de pacientes que reclamavam de vários sintomas orgânicos imprecisos e incoerentes entre si. E que, na medida que se incentive que falem sobre sua vida de fcxma mais livre, acabam explicitando as verdadeiras razões que os trazem ali: a vida infeliz, cansativa, vida conjugal extremamente pobre e opressiva, principalmente as mulheres , . . O que quero dizer é que a demande por cuidados específicos de saúde mental emergem implicita-

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mente, sendo uma de suas formas de expressão o pedido de cuidados médicos. E não é difícil entender as razões para que isto ocorra: a demanda nunca é formulada unilateralmente, ou seja, o povo sabe que o único profissional acessível é o médico, e este apenas lê a linguagem do corpo, do orgânico, e tenderá a resolver o problema com uma receita. Isso se encaixa bem com o desejo mais comum de resolver magicamente as ansiedades e dificuldades emocionais, sem confrontá-las abertamente. A própria formação cultural popular tende a associar os fenómenos psicológicos aos "problemas de nervo", em uma abordagem biológica mítica, ou a fenómenos mágico-religiosos. Assim, o ritual de atendimento médico massificado, com um mínimo de 16 consultas por um período sempre menor do que quatro horas de trabalho (padrão-base proposto pela próoria OMS) acaba medicalizando e entorpecendo os oroblemas sociais e psicológicos de nossa população. A 'ntegração de serviços adequados de saúde menta! cos cuidados médicos básicos pode significar uma quebra desse ciclo, e permitir a explicitaçao da demanda por cuidados em Psicologia antes da manifestação aguda dos quadros que justificariam a internação psiquiátrica. idealmente, esse atendimento em saúde mental, na medida que feito mais próximo ao loca! de moradia da população, permite uma abordagem mais abrangente, tendo como base toda a família


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e mesmo a realidade social e comunitária do bairro. Ademais, por ter uma clientela fixa, permite um atendimento mais personalizado. Além de possibilitar o diagnóstico e o tratamento mais precoce da "doença", o modelo abre espaço para práticas educativas, preventivas e comunitárias de grande importância. É possível listar algumas delas. Os cuidados materno-infantis incluem: a educação sexual; preparação para o casamento e maternidade; o acompanhamento da gravidez (pré-natal); a ater cão anterior, durante e após o parto; e a puericultura, serviço de acompanhamento do desenvolvimento da criança. Esses cuidados podem ser realizados de forma integrada ao atendimento médico e aos grupos comunitários femininos. O atendimento à criança pode continuar através da integração das atividades do posto de saúde às instituições pré-escolares e escolares de 19 grau. Aí os programas podem incluir desde o treinamento dos professores, serviço? psico-pedagógícos, acompanhamento do rendimento escolar, etc. Aqui também a participação comunitária pode se dar pela presença organizada dos professores e pais através de associações de pais e mestres, ou da presença periódica em atividades culturais, cursos ou pelo próprio acompanhamento do rendimento escolar dos filhos. Os programas específicos para adolescentes podem ser integrados não só ao sistema escolar,

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como também aos grupos de jovens, às atividades pastorais de juventude, às iniciativas culturais e esportivas, etc. Os adultos e velhos podem ser atingidos através das iniciativas comunitárias de bairro pelos grupos e comunidades eclesiais de base, pelos grupos femininos, pelas organizações do tipo Alcoólicos Anónimos e até mesmo através de grupos tradicionais como os ligados à Sociedade São Vicente de Paulo. Além das atividades por faixa etária, há a possibilidade de programas dirigidos a problemáticas específicas: alcoolismo, prevenção de suicídio, apoio básico em períodos c:e crise, excepcionalidade, etc. Em todas essas atividades, o fi:;cólogo comunitário atua muito como transmissor de habilidades, treinando e supervisionando permanentemente as auxiliares de saúde, médicos, professores e membros da comunidade para atuarem como agentes de saúde mental. É claro que isso significa uma mudança profunda na formação atuai dos psicólogos, preparando-os para essa atuação comunitária. Em primeiro lugar, essa formação deverá ser eminentemente prática, em situações de campo e não apenas simuladas. Depois deverá estar vo':ada para a síntese de técnicas de trabalho não só mais apropriadas para a realidade psicossocial e para os quadros "doentios" me is comuns do meio do povo, como também mais simplificadas. Além disso, tais métodos e técnicas devem estar dirigidos principalmente p? rã as ativideues educativas e

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preventivas e não apenas clínicas e psicoterapêuticas f como se dá hoje. Isso significa saber desenvolver programas muito cuidadosos de treinamento e educação popular, incluindo a utilização criteriosa de meios de comunicação de massa (cartilhas, jornais, rádio, televisão, etc.). Outro elemento que não pode faltar à formação desse profissional será também o estudo de estratégias em saúde pública e políticas de saúde, bem como elementos de administração desses serviços. Imagino que a esta altura do texto, você, leitor, deve estar se perguntando pela viabilidade concreta da implantação dessa proposta, dentro de condições que c -antam a coerência com os interesses populares. Ou seja: vamos sair da teoria e vamos à prática. Como vêm sendo montadas as experiências até agora?

popular, como as unidades de base da Federação de Mulheres Cubanas. Em saúde mental, inicia-se em 1969 a inclusão de psicólogos nas equipes dos policlínicos e, em 1972, a formação de técnicos de nível médio ern Psicologia. A ação dos técnicos e dos psicólogos ao nível primário é muito mais voltada para o treinamento das equipes de saúde, para a mobilização e comunicação com a comunidade, incentivando a participação sócia!, e a transmissão de conhecimentos e cursos em educação para saúde mental. Esta atuação visa a atingir a saúde maternoinfantii, a escolarização e a fc 1 mação psicológica específica em adolescente? e adultos. Ao nível terciário, além dos hospitais psiquiátricos, bastante humanizados, há serviços de Psicologia nos hospitais gerais, visando a uma atenção integral da doença somática em crianças e adultos, para que o controle dos aspectos psicológicos adverso?, favoreça a recuperação e a reabilitação. Existem também departamentos de Psicologia nos institutos de pesquisa, buscando pesquisar terias tais como os aspectos psicossociais no processo saúde-doença, na gestão dos serviços de saúde e na utilização dele? por parte da população. D psicólogo também está integrado às equipes multidiscipítnares de Medicina de Trabalho e Kjiene Escolar dos Centros Provinciais de Higiene e Epiderr.iologia, no sentido de buscar a melhoria de condições nos Centros de Trabalho e n;^s escolas

Esse modefo de sistema de saúde foi implementado em alguns países de corte socialista, como, por exemplo, em Cuba. Lá não exísterr profissionais nem prática liberai em saúde, como os médicos e psicólogos particulares que conhecemos em nosso país. Cada habitante está integrado ao sistema público de saúde, que é totalmente regionalizado e hierarquizado. Ao nível dos bairros e comunidades rurais, as ações são feitas a partir da rede de policlínicas, cada uma atendendo a uma população básica de 25000 habitantes, vinculadas aos peque nos Comités de Defesa da Revolução, organizados por quarteirões, e a outras formas de organização

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da província. É claro que a implantação desse sistema de saúde socializado em um país como Cuba tem uma série de dificuldades. É que, apesar de tantos avanços sócio-polfticos, o país conta com poucos recursos naturais e económicos, uma diversidade de restrições materiais, o que implica todo tipo de limitações tecnológicas a projetos como esse. Por outro lado, a ausência de uma bibliografia mais aprofundada e atual sobre os serviços de saúde e saúde mental, bem como acerca da participação comunitária neste país, nos limita a possibilidade de uma análise crítica mais profunda. E nos países capitalistas do Terceiro Mundo e da América Latina, como vem sendo a estruturação e implantação desse modelo? Em primeiro lugar, se optarmos pela ótica dos interesses populares, deveremos estar atentos às limitações teóricas dos conceitos, diagnósticos e planos orientadores desses projetos, por parte.da OMS e OPAS. As formulações dos planos na maioria das vezes, são funcionalistas, genéricas e muito restritas a recomendações operacionais, sem levar em conta o jogo de interesses políticoinstitucionais para sua implementação .em cada país. t é esse jogo que, na montagem dos projetos, determina se sua implantação significa algum avanço na estruturação dos serviços de saúde. Ncs países capitalistas onde foi implantado, esse sistema hierarquizado e regionalizado vê-se

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compelido a conviver com todo o sistema público e privado tradicional de saúde e saúde mental, voltado para o lucro, constituindo-se então em apenas um sistema complementar, de baixa qualidade, dirigido aos pobres. Nos países do Terceiro Mundo, os interesses lucrativos da indústria ^multinacional farmacêutica e de equipamentos médicos, bem como dos donos de hospitais e clínicas particulares, constituem quase sempre grupos praticamente intocáveis. Assim o sistema alternativo fica completamente marginal, e a soma de recursos públicos continua sendo dirigida principalmente para manter os serviços privados conveniados com aqueles grupos. No Brasil, por exemplo, e^se mesmo discurso racionalizador do sistema de saúde permeou o plano chamado PREV-SAÚDE, a partir de 1979, e que não saíu das gavetas do Ministério da Saúde. Mais recentemente também inspirou o plano de reestruturacão proposto peio CONASP - Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previderciária, ligado ao Ministério da Previdência. Apes;-, de, no momento em que escrevo, reconhecer que é cedo para se fazer urna avaliação definitiva, as medidas tomadas dentro desse plano, tanto na área médica em geral quanto na assistência psiquiátrica, vem mostrando até agora um sentido predominante de redução df- custos, tendo em vista a crise ria Previdência brdSileira. Ou seja, o discurso progressista é usado para desmobilizar os serviços hospi-


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Eduardo Mourao Vasconcelos O que é Psicologia Comunitária talares mais caros e especializados, buscar apoio político dos profissionais de saúde mais críticos, sem entretanto uma realocação dos recursos para a rede primária de saúde e saúde mental. Assim, a rede ambulatorial do sistema de saúde pública, que seria o suporte para os cuidados mais integrais e preventivos, vem se encontrando em condições tanto materiais como administrativas e de recursos humanos precaríssímas para seguir aqueles objetívos. De 1 modo geral, esses ambulatórios têm funcionado quase que exclusivamente para consultas médicas tradicionais e rápidas e para a vacinação comum. Mesmo em algumas regiões rurais (Norte de Minas, Nordeste, etc.), onde a reestruturação das instituições de saúde para se adequar à regionalização e hierarquização é mais antiga, feita já há cerca de dez anos, há enormes dificuldades. Os programas, do ponto de vista governamental, visam principalmente a mostrar uma presença mínima do Estado junto a urna população oriunda de r- ações tradicionais detrabalho, que forna agora um novo contingente de assalariados rurais. Quanto aos serviços de saúde, a infra-estrutura em instalações, medicamentos e instrumental normalmente é péssima. O critério de seleção dos auxiliares de saúde ainda é basicamente feito através do jogo clienteíístico dos políticos locais. O treinamento é esporádico, com supervisões restritas, os salários são baixos, e se acaba desenvolvendo um trabalho

de baíxa qualidade. As barreiras económicas e burocráticas dificultam o acesso da população aos níveis mais complexos de atenção à saúde. Não se realizou uma democratização efetiva na equipe de saúde: o médico ainda é o que detém o poder. Não tem havido uma preocupação efetiva em desenvolver pesquisas de tecnologias alternativas e em recriar as práticas popularesem saúde. Quando existem iniciativas nesse sentido, normalmente não se respeita a autonomia do saber popular. Mas é em relação à participação comunitária que esses programas estatais têm demonstrado suas maiores contradições. As raras iniciativas oficiais têm visado, principalmente, à maior eficiência dos programas, à redução de custos — porque contam com recursos da comunidade — e à inculcação de valores de harmonia social na população. Na área de saúde mental a realidade não é muito diferente. É difícil estabelecer uma avaliação unitária das várias experiências que começam a pipocar a partir dos anos 70 em países do Terceiro Mundo e na América Latina, pela heterogeneidade dos contextos sócio-econômicos em que se deram, bem como pela sua diversidade e pela dificuldade de acesso à bibliografia a seu respeito. Mesmo assim, podemos enumerar alguns pontos que vêm sendo mais comuns nos relatos conhecidos dessas experiências. De modo gerai, as propostas de serviços comunitárias em saúde mental encontram as mesmas

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barreiras dos interesses, políticos e económicos já assinalados na avaliação do setor saúde. Mas aqui existe uma peculiaridade a ser comentada: a resistência social, cultural e moral presente na sociedade em relação ao doente mental, que vem sendo denunciada pela antipsiquiatrta. Na implantação desses sistemas, várias dificuldades vêm aparecendo. Em primeiro lugar, a ausência de profissionais capacitados a atuar nesse tipo de projeto. A formação de psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e enfermeiras :. dirigida ao sistema dominante de prestação de serviços. Além disso, são profissionais não habituados ao trabalho multiprofissional. Há uma carência generalizada de quadros conceituais, teóricos e técnicos para uma atuação em saúde mental comunitária que seja compatível com a realidade cuitural, social e existência! de cad& país e região. Essa carência, então, é gritante na área de cuidados nrimários, ou seja, naquelas atívidades mais simplificadas realizadas através dos postos de saúde nos bairros e distritos, e que constituem o nível mais inovador da proposta. Várias experiências chegam c criar se:^/Íços razoáveis ao nível secundário, nos ambulatórios mais especializados, e ao nível terciário, nos hospitais. Mas ao r ível do atendimento primário os projetos têm apresentado uma série de limitações. Por outro lado, esses projetos esbarram corn uma escassez muito grande cie dados e pesquisas

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Os programas dos serviços comwviários estatais ac Saúde mental ainda utilizam de forma bastante generalizada os p sic í-.farina c o:-., favorecendo unia "prática sedativa los problemas sociais.

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E de novo a questão da participação comunitária tem sido o "tendão de Aquiles" desses programas. A mera simplificação de conteúdos técnicos e sua tradução em linguagem popular não significa um processo educativo e uma abertura ao universo popular, como vimos. A participação efetiva exige uma série de condições poiítíco-institucionais e administrativas. Às vezes até certos detalhes tornam-se importantes. Por exemplo, um regime de trabalho rígido, apenas durante o dia, impossibilita os agentes de participar de reuniões das comunidades periféricas à noite e durante os fins de semana. O trabaího comunitário exige um horário compatível com a presença dos homens, que normalmente trabalham durante o dia. No Brasil, as primeiras iniciativas de integração de serviços de saúde mental a rede básica de saúde foram feitas em meados da década passada, particularmente em Porto Alegre e São Paulo. Nos três úítimos anos, principalmente com o CONASP-PAIS (Programas de Ações Integradas de Saúde), vimos assistindo à implantação gradativa de algumas novas unidades integradas em vários estados. Aqui, o quadro da medicina se reproduz na área de saúde mental. As restrições à hospitalização geralmente não têm provocado o deslocamento das verbas para a expansão da rede primária e mesmo secundária. De novo, os projetos modernizadores têm sido utilizados para a redução de verbas para a área oe saúde, e revestidos cie urna linguagem progres-

sobre as condições específicas de vida da população, sua realidade na área de saúde mental e as formas próprias e autónomas da população de enfrentá-las. Isso, somado à diversidade cultura! e social de nossas populações, faz com que as experiências sejam bastante empíricas e inconsistentes. A linguagem dominante nesses programas ainda é a médica, apesar da abertura para uma visão ecológica e social da saúde. Alguns ainda utilizam de forma bastante generalizada os psicofármacos, generalizando uma prática sedativa dos problemas sociais, antes mais restritas aos hospitais e rnanicômios. Assim, muitas vezes, os projetos colaboram com uma psiquiatrização crescente da sociedade. Muitas vezes, a equipe das unidades de saúde mental, perante a inesgotável demanda de casos agudos e crónicos individuais, não cria espaço para um trabalho comunitário e preventivo mais amplo. Outras vezes, a unilaterial idade da formação profissional não permite ouvir demandas mais amplas de organização da comunidade em outros aspectos. Por exemplo: uma comunidade, antes de formar grupos de mães, pode achar importante se organizar para construir um salão comunitário. E isso não seria desenvolver também uma atividade em saúde mental? Por outro lado, a tendência verificada em vários países é de que os primeiros projetos sejam bastante verticais, prontos e centralizados, deixando pouco espaço à elaboração e participação local e regional.

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sista para assimilar a crítica dos profissionais "psi" mais engajados. Depois dessa avaliação com tantos aspectos negativos, acredito que você, leitor, deve estar pensando que a perspectiva na América Latina e no Brasil seja exclusivamente pessimista em relação à possibilidade de trabalhos em saúde mental comunitária. A avaliação que tentei esboçar é do tipo abrangente, e dá ênfase à forma como as instituições oficiais vêm montando os programas. Assim, apesar das péssimas condições de implantação, algumas equipes de profissionais mais engajados que trabalham nesses projetos estatais vêm realizando avanços sensíveis em nível local e às vezes até regionalmente. A partir de uma análise crítica da situação e com uma atitude de buscar que quaisquer atividades devam ser decididas e assumidas pelo movimento comunitário, algumas das barreiras vêm sendo u trapassadas. Outras vezes, a entidade promotora não é governamental e o espaço para uma atuação qualitativamente superior é maior. São igrejas locais, sindicatos, grupos autónomos de profissionais ou o próprio movimento popular tomando a iniciativa em programas de saúde mental. E apesar das dificuldades financeiras, estas são as experiências mais ricas e inovadoras, E- que mais servirão de base para uma avaliação dos rumos futuros desses projetos cie saúde mental. Disso tudo, se você me pedir para tentar traçar

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alguma perspectiva de futuro próximo para esses projetos em saúde mental comunitária, creio que podemos adiantar algumas considerações. Em primeiro lugar, podemos afirmar, com certa segurança, que a tendência à racionalização e à reforma dos serviços de saúde mental é progressiva, dada a crise atual na área. A tendência caminha no sentido da implantação gradativa de programas extrahospitalares e cada vez mais dirigidos a um discurso que integra a ação comunitária. É claro que essa tendência depende das condições políticas e sociais do país. No caso de retrocessos políticos na direçao do autoritarismo, a abertura de perspectivas em saúde mental também fica comprometida. Mas esse não parece ser o caminho brasileiro. O aprofundamento do processo de democratização deve conduzir inevitavelmente para uma abertura maior a serviços de saúde e saúde mental cada vez mais consonantes com os interesses populares. Essa abertura também não ocorre gratuitamente. Depenoerá fundamentalmente do crescimento da organização dos movimentos sociais ligados à á^ea, e principalmente dos trabalhadores em saúde e saúde mental, que gradativamente vão crescendo no país. Além disso, depende também da sensibilização da opinião pública em geral. O caso italiano ilustra bem isso. O movimento da Psiquiatria Democrática só foi capaz de avanços significativos, inclusive a ponto de fazer aprovar

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a legislação mais coerente que conhecemos, quando conseguiu colocar a saúde mental como questão política a ser assumida por todas as forças sociais progressistas. A atual tendência de reversão também tem a ver, além das retificações intrínsecas, com a própria desmobilização desses movimentos sociais que deram sustentação à aprovação e a vigilância para sua implantação. Em síntese: saúde mental é também assunto dos partidos políticos, dos sindicatos, dos movimentos sociais em geral e dos parlamentares. Esperemos que bons ventos também soprem na direcão de nosso país e de nossos países irmãos do Terceiro Mundo.

ALGUMAS QUESTÕES DE FUNDO: SAÚDE MENTAL, CULTURA, EDUCAÇÃO E TÉCNICAS PSICOLÓGICAS

No final deste trabalho, pretendo primeiramente a inhavar algumas reflexões básicas sobre vivências dos profissionais que vêm tentando abrir caminho através da Psicologia Comunitária e relacioná-las com a problemática da cultura popular. A primeira diz respeito à forma de aprendizagem da prática comunitária. ^ metodologia do trabalho social e comunitário não é algo que se possa aprender íivrescamente, apenas. A sistematização teórica é importante, mas sozinha, no nosso caso, se tor n a vazia e exclusiva. Aprendemos a viver a prática de comunidade na convivência com os próprios movimentos sociais vivos, com seus desafios e dificuldades cotidianas. E essa experiência é insubstituível. É se comprometendo com


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as atividades nos sindicatos, nos movimentos comunitários de bairros periféricos urbanos e no campo, nas comunidades eclesiais de base, nos diversos movimentos negros e femininos e nos partidos políticos, que' perceberemos concretamente a dinâmica do movimento comunitário. isso porque nossa população, a despeito do autoritarismo e da anti participação induzida principalmente pelas últimas páginas de nossa história, já vem sedimentando uma tradição de como se organizar e fazer crescer sua consciência. Esse jeito, esse corno fazer, dentro das condições concretas e realistas da vida do povo, se aprende junto dele e de suas lideranças. Uma das razões da necessidade deste contato está na discrepância cultural. Para nós, profissionais e estudantes universitários de formação urbana, classe média, as manifestações da cultura e do folclore popular muitas vezes nos parecerão incompreensíveis. Outras vezes nos despertarão resiste 1 ':ia ou nos remeterão a valores que para nós estr-o associados unilsteralmente à repressão, alienação social, etc. É in.jito comum acontecer casos em que militantes ou agentes comunitários de origem sócia! das classes médias tenham dificuldades em manter um distanciamento pessoal, para conviver, por exemplo, com determinadas manifestações ds religiosidade popular. Para eles, as procissões, as rezas, as coro&ções e celebrações e os rituais

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mágico-religiosos só são aceitos se em sua linguagem for incrustrado um discurso "mais conscientizador". Muitas vezes ocorre que o agente externo acaba assumindo posição muito diretiva nesse contato. Não só perde a possibilidade de "penetrar" e escutar essa outra realidade que desconhece, como também pode provocar, por sua interferência, o esvaziamento do sentido original daquelas manifestações. Para o profissional de saúde mental essa atitude de escutar e buscar compreender essa outra realidade cultural é da mais ^ha importância. Principalmente tendo em vista a realidade brasileira, que reúne elementos étnicos e culturais dos mais diversos e complexos. Nessa área é preciso lembrar as contribuições de um campo de pesquisa recente, a etnopsiquiatria, que busca estudar as relações entre cultura e doença mental. Para ela, a loucura é um fenómeno integrante do sistema cultural de ceda povo, grupo social ou etnia, e sua compreensão só pode ser feita entendendo-se o funcionamento desse sistema. Assim, cada formação cultural põe à disposição oe seus membros certos mecanismos preferenciais de defesa. Desperta, mobiliza e organiza constelações psicoafetivas; ensina a reprimir certos desejos, julsc1:,- e fantasmas. E também, peie contrário, permite a expressão aberta de outros desejos e tensões, por meio de mecanismo? de com;:ens£ção representados nos rituais educativos,

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87 festividades, na participação coletiva no sagrado, na dança, nas manifestações folclóricas e artísticas, etc. Creio que fica claro, então, que a abordagem tanto dos fenómenos subjetivos e psicológicos, como das atividades participativas e comunitárias coletivas requer uma formação e uma sensibilidade muito grande do profissional para a percepção dessa estruturação cultural do nosso campo de ação. Além disso, levanta problemas sérios se formos considerar o conjunto de teorias e técnicas psicológicas disponíveis atualmente. Em relação a isso, uma primeira atitude, muito comum entre estudantes e alguns profissionais, é a denúncia de como os atuais métodos e técnicas de pesquisa, de diagnósticos e das diversas atividades clínicas, psicopedagógicas e organizacionais estão comprometidas ideológica e estruturalmente com interesses alheios aos populares. Constatam que a Psicologia atual é basicamente produzida nos países capitalistas centrais sob condições económicas, culturais e sociais diversas. Daí, a atitude comum resultante é a rejeição em bloco da maior parte das tradições metodológicas e técnicas da Psicologia, em norne da criação de uma Psicologia que seja engajada e "revolucionária". Acredito que tal atitude, apesar de desempenhar um momento crítico, seja eminentemente imatura.

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É possível, dentro de um corpo de conhecimentos, passar por uma revisão crítica que assinale as limitações e potência l idades de cada proposta metodológica, e possibilitar uma reapropriaçao dos métodos e técnicas para outro contexto e objetivos sociais. As experiências inovadoras em Psicologia e Psiquiatria na América Latina vêm demonstrando uma riqueza e variedade de propostas teóricas e técnicas altamente passíveis de reapropriaçao no contexto popular. Participei de algumas experiências bastante interessantes nesse sentido. Uma delas foi a utili.;ção de recursos da bioenergética, teatro e expressão corporal, num programa de educação sexual para adolescentes em uma escola da periferia de Belo Horizonte. Algumas dessas técnicas também foram utilizadas com sucesso orno parte do desenvolvimento da comunicação interpessoal, num curso de formação técnica para operários moradores de uma faveis. Por ou;i o lado, a Psicologia já vem dando é Psicologia Comunitária alguns passos decisivos na criação de instrumental teórico e Técnico apropriado às condições latinoamericanas. Trabalhos tais como os desenvolvidos por Pichón Rivière e seus seguidores (na área psicanalítica), Moffatt e sua sistematização de experiências comunitárias em hospitais psiquiátricos e mais recentemente em clínicas populares denominados pancaderos, por exemplo, revelam já um esforço fundamental. Da mesma forma,


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existe um rol de técnicas psicodramáticas gestálticas, terapias corporais, teatro popular que se adaptam muito melhor ao povo do que às técnicas baseadas exclusivamente na linguagem oral, dada a dificuldade nossa de penetrar no seu mundo cultural e linguístico. Algumas delas já foram sistematizadas, outras não, mas já representam uma contribuição à proposta de uma Psicologia popular. De qualquer forma, a Psicologia Comunitária requer uma mudança de atitudes básicas em relação ao esquema de formação de psicólogos na forma como vem tradicionalmente se dando. A maioria dos profissionais se apega a uma determinada formação teórica especializada e seu respectivo esquema técnico. Na maioria das vezes, esse apego tem mais a ver consigo mesmo, com o contexto de concorrência interprofissional das clínicas particulares ou com a formação recebida, do que com a necessidade operacional do campo onde atua. E frequentemente isso limita as potencialidades tanto da clientela como do terapeuta. No contexto popular, a diversidade cultural e a multiplicidade de situações encontradas exigem uma flexíbi idade técnica e uma visão crítica muito grande. A escolha dos recursos metodológicos e técnicos deve ser feita a partir dessa avaliação crítica e da própria situação exibica pela clientela. E essa tart.fa não pode ser resolvida individualmente. O trabalho em Psicologia Comu-

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nitária, corno vimos, deve ser realizado basicamente em equipe, e exige uma constante troca de experiências entre equipes, não só em nível local, regional, quanto nacional e até mesmo internacional. Uma proposta interessante nessa discussão sobre recursos técnicos vem sendo feita pelo argentino Juan Pundik. Para ele, a formação unidirecional feita atualmente deve ser substituída pelo que chama de integração de recursos terapêuticos, que descentraliza o processo terapêutico do profissional no sentido de adequá-lo à clientela, e integra criticamente contribuições de diversas propostas terapêuticas, limitando-as em cada caso aos requisitos feitos a partir dos indivíduos ou grupos clientes. Há ainda um outro aspecto que deve ser assina lado. Muitas vezes, em serviços de saúde menta< comunitária, o profissional pode ser chamado a desempenhar papéis confiitívos, contraditórios. É o caso da contradição entre o papel de agente educativo e de desenvolvimento comunitário, onde o profissional participa ativamente em reunias e incentiva a organização popular, e o papei de terapeuta, prircpalmente quando utiliza técnicas interpretativas dos processos simbólicos, ou e exigem u T, a postura mais neutra. É preciso cuidai^ para disc^.nir sobre tal? questões e, se for o caso, distribuir esses pape": entre os :rembros da equipe de trabalho e entre ''tuaçces institucionais marcadamente diferenciados para a população.


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Gostaria ainda de propor uma reflexão que nos permite aclarar melhor tais questões. Ela se refere à relação entre a Psicologia Comunitária e a Psicanálise. Quando nos referimos a esta última, normalmente o senso comum nos leva a associá-la unicamente à técnica clássica do divã, atendendo a uma elite social nos consultórios particulares, onde temos as condições ideais para a "liberação do desejo". Nestes termos, fica muito estreita a faixa de contribuição efetiva entre os dois campos de conhecimento. No entanto a psicanálise, se entendida como campo de reflexão e técnica de intervenção também em situações grupais, sociais e institucionais, permitindo a emergência de conteúdos implícitos e não-ditos, é de fundamental importância para a prática da Psicologia Comunitária. E, mesmo se considerarmos a contribuição especificamente clínica da Psicanálise, temos de reconhecer que até mesmo Freud, no começo do século, já previa a necessidade de adaptá-la às demandas da maioria da população. Tomo a liberdade de transcrever aqui trechos do final de um discurso seu, pronunciado no Congresso de Budapeste, em 29 de setembro de 1918. "Agora, concluindo, tocarei de relance numa situação que pertence ao futuro, situação que parecerá fantástica a muitos dos senhores e que, não obstante, julgo merecer estarmos com as mentes preparadas para abordá-la. Os senhores

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sabem que as nossas atividades terapêuticas não têm um alcance muito vasto. Somos apenas um pequeno grupo que mesmo trabalhando muito, cada um pode dedicar-se em um ano somente a um pequeno número de pacientes. Comparada à enorme quantidade de miséria neurótica que existe no mundo, e que talvez não precisasse existir, a quantidade que podemos resolver é quase desprezível. Ademais, as nossas necessidades de sobrevivência limitam nosso trabalho às classes mais abastadas, que estão acos^jmadas a escolher seus próprios médicos e cuja escolha se desvia da Psicanálise por toda espécie de preconceitos. Presentemente nada podemos fazer pelas camadas sociais mais amplas que sofrem de neuroses de maneira extremamente séria e grave. Vamos presumir que, por meio de algum tipo de organização, consigamos aumentar o nosso número em medida suficiente para tratar uma consideráveí massa da população. Por outrc lado, é possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará e se lembrará mais que as neuroses ameaçam a saúde pública — ameaçando conseqúentemente as comunidades — não menos do que a tuberculose e de que, como esta, também, não podem ser deixadas aos cuidados impotentes de membros inr viduais da comu nidade, que o façam caritativamente. Quando isio acontecer, haverá instituições ou clínicas sociais de pacientes externos para os quais serão

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designados médicos analiticamente preparados, de modo que, homens que de outra forma cederiam à bebida, mulheres que praticamente sucumbiriam com seu fardo de privações, crianças para as quais não existiria escolha a não ser a do embrutecimento ou da neurose pudessem tornar-se capazes, pela análise, de resistência e de trabalho criativo. Pode ser que passe um longo tempo antes que o Estado tome consciência desta importante e grave tarefa. As condições atuais podem retardar por muito tempo esse evento, contudo, é nossa missão criar desde já urn espaço, onde possa acontecer esse milagre, de a Psicanálise poder atender às classes menos favorecidos. Defrontar-nos-ernos então com a tarefa de adaptar nossas técnicas às novas condições, a nossa linguagem ao nosso tipo novo de pacientes, e não tenho dúvidas de que a validade das nossas hipóteses psicológicas causará boa impressão também sobre as pessoas pouco instruídas. Porém, precisaremos buscar formas mais simples e mais f acilmente inteligíveis [ . . . ) . " Freuti não tinha condições de prever a profundidace e d complexidade do conjunto de variáveis sócio-potíticas, cultura:; e técnicas que deverão ser levadas em conta nesse processo de adaptação. A? experiências concretas de montagem de clínicas sociais ?e orientação psicanlítica vêm demonstrando r,ó prática tais cif icu Idades. A experiência feita no Rio de Janeiro, com a parti-

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cipação do conhecido psicanalista Hélio Pelegrino, constatou em 1979 seu fracasso, "porque não tínhamos nem linguagem, nem método, nem técnica, enfim nem coisa nenhuma, repetindo na clínica o que fazíamos em nosso consultório. Usávamos o discurso que empregávamos com os nossos pacientes, os 7% (da população do país). Os 85% não nos ouviam por que não entendiam sequer a nossa linguagem". Aqui o debate está aberto. Minha sugestão é que os psicanalistas devem ousar. Ousar conviver com nossa população, aprender sua maneira de ver e representar o mundo e de agir na sua transformação. Ousar propor novas formas de intervir não só na vivência clínica como também em iniciativas educativas, preventivas de cunho comunitário e até mesmo de massa. Reconheço aue essa proposta levanta questões muito polémicas entre os críticos e especialistas da área. Uma delas diz respeito à idé'a oe educação para a saúde mental. Podemos entender essa proposta de forma extremamente equivocada, se a pensarmos como simples administração de conhecimentos psicológicos às pessoas, ou que a "doença menta " tem causas em uma "má educação". Sem dúvida, entendida nesse prisca, a educação para a saúde mental é um instrumento de codificação de critérios do que é norma! e anormal, ou seja, a imposição de modelos de vivência. A esse

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processo chamamos de normatizacão do comportamento das pessoas. Cria-se um "tipo ideal" a ser divulgado e universalizado. Creio que ísso tem acontecido na Psiquiatria Comunitária norteamericana, por exemplo. O risco também é repetir a Psiquiatria dos séculos XVIII e XIX, quando se elegiam ideais higiénicos aos quais a sociedade em geral deveria sersubmetida deforma autoritária. Essa avaliação crítica vem sendo assinalada por analistas inspirados na obra de Foucault, e sem dúvida tem demonstrado grande fertilidade no esclarecimento da história da Psiquiatria. Apesar de reconhecer como é polémica essa discussão e queela ainda não está esgotada, acredito que podemos propor outra ótica para pensar a educação. Você deve ter percebido que durante este ensaio utilizei este conceito numa perspectiva mais ampla, referenciada na experiência da educação popular, não formal. Ela vem sendo desenvolvida principalmente pelos diversos movimentos sociais, alguns dos quais citei, ou por instituições organicamente vinculadas aos seus interesses. Vamos pensar em exemplos concretos. Os movimentos femininos e feministas, sem dúvida alguma, desenvolvem práticas educativas que muito têm a ver com a promoção da saúde mental. A redefinição das relações homem-mulher não só no plano económico e institucional, mas também no nível interpessoal concreto, não pode ser registrada no mesmo prisma no r matizado r, na

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perspectiva conservadora que apontamos anteriormente. Um outro exemplo sugestivo é o processo educativo entre os trabalhadores desenvolvido pelo movimento síndica! quando começa a questionar o processo de trabalho nas empresas industriais modernas. Por que o processo educativo para a saúde menta! não pode ser integrado ao conteúdo e até mesmo de forma orgânica a esses movimentos? Um exemplo: as atividades ligadas à saúde maternoinfanti! dentro da rede primária não poderia incentivar a grupalização autónoma das mulheres através do intercâmbio com o movimento feminino da região? Há uma outra questão relacionada a esta e de igual importância. Sabemos que o processo de modificação de valores e da "conscientizaçao" das pessoas a respeito de novos padrões de vid? afetiva e emocional não evita que eias recaiam nos mesmos comportamentos repressivos e neuroíizantes para com os outros. A Psicanálise nos diz que o comportamento é fruto das representações imaginárias e inconscientes, cuja lógica desconhecemos conscíentemente. A possibilidade de o profissional intervir efetivamente nessa outra realidade só se dá se ele assumir í m distanciamento da função normaíiz.-dora e d^ciolinadora da sociedade. Ou seja, o psiquiatra e o psicólogo não podem ser confundidos COÍTI os nossos pais f amigos, colegas de trabalho e íderes comunitários,

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que exercem essa função concreta de oferecer modelos de conduta. O risco em adotar exclusiva e unilateralmente esta última posição está, entre outras coisas, em circunscrever a saúde mental apenas à realidade inconsciente, e de tornaresse plano do inconsciente completamente separado e descontínuo do plano real. Essa abordagem se apoia na prática exclusiva de profissionais nos consultórios particulares, atingindo a uma elite da sociedade cuja problemática psicológica é associada fundamentalmente a bloqueios no nível "fantasmático" ou da representação mental. Os principais limites à saúde mental colocados pelas condições reais e concretas de vida, para essa faixa da população, são na maioria dos casos facilmente superáveis, ou não encontram bloqueios intransponíveis. Nas classes populares, entretanto, a problemática psicológica integra não só este piano inconsciente, fantasmático, mas também, e fundamentalmente, uma série de situações de vida onde a violência, por exemplo, não é só simbólica, mas real e concreta. A saúde mental envolve uma série de variáveis ambientais, culturais e institucionais, cuja modificação depende principalmente da conquista dos próprios movimentos sociais. Assim, circunscrever a nossa atuacão de profissionais da área "psi" à atividade clínica interpretativa e Curativa significa, na verdade, assumir uma perspectiva reformista. Em outros termos, é colocar a saúde mental como

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questão unicamente dos especialistas, abandonando uma série de "lutas" nas diversas frentes assumidas pela sociedade civil, pela mudança das condições reais e concretas de vida que integram ou têm implicações diretas na realidade psicológica das pessoas, tanto consciente como inconsciente. Um outro lado da questão é que, para que aconteça a intervenção satisfatória dos profissionais ao nível do inconsciente, exigem-se certos pré-requisítos económicos, institucionais e culturais. Ou seja, uma pessoa, para se submeter a uma psicoterapia, não deve só conquistar as condições económicas e institucionais para ter acesso aos cuidados de um profissional. De^e também ter um mínimo de compreensão, no plano consciente, de que as angústias de que sofre não são necessariamente, por exemplo, de origem orgânica como na representação popular da "doença do nervo'^ ou advindas da acão de entidades mágicoreligic:as, mas que são mutáveis e passíveis de transformação no processo terapêutico. Er outros termos, a demanda por cuidados clínicos em psicologia não vem pronta, acabada, como vimos. Os bloqueios à sua realização não sac meramente: imaginários, rnas também concretos. Assim, esta demanda precisa ser trabalhada pé os mecanismos culturais da sociedade. Isso permiti à população compreender a importância da luta pelo acesso económico e institucior? 1 a urna assistência clínica de bom nível.

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Essa pode ser a justificativa, por exemplo, do trabalho realizado com todo rigor pela psicanalista Françoise D oito nos meios de comunicação de massa franceses. Ela discute em cada programa um conjunto de cartas sobre problemáticas comuns de seus ouvintes, com muito sucesso. Alguns podem argumentar que isso provoca apenas o que Boltansky, um dos analistas críticos da prática médica atual, chamaria de "competência psicológica". Ern outros termos, ocorreria simplesmente a capacidade de as pessoas se apropriarem do vocábulo técnico da Psicologia para expressar seu sofrimento psíquico em termos de desvio ou anormalidade. Para ele, esta prática ná*o implicaria um aumento significativo da sanidade mental. Não creio que esse fenómeno esgote a realidade. Se considerarmos a saúde mental como processo de luta e conquista social e cultural, as iniciativas como a de Dolto são muito importantes. isso não significa que a prática da Psicologia Comunitária se limite a essa atuaçao mais ampla, excluindo os métodos clínicos e interpretativos. Pelo contrário, ela integra essas práticas às diversas outras propostas de atividade? em saúde mental, chamando a atenção inclusive para o fato de que os papéis dos profissionais devem ser bem diferenciados entre uma prática clínica e interpretativa, não explicitamente normatízadora, e uma prática educativa e comunitária. De qualquer forma, devemos estar alertas no __________ J

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sentido de perceber que a postura que defendo envolve o risco de reproduzirmos práticas profissionais discíplinadoras. O estabelecimento de critérios e limites para a normatização será dado pela participação social nas diretrizes, decisões e execução das atividades em saúde mental, tanto pela clientela local, como também pelos movimentos sociais e pela própria organização dos profissionais de saúde mental enquanto categoria. Acredito que o leitor saiba avaliar o quanto isso não é fácil. £ por essa razão que a reprodução em escala mais ampla destas novas propostas de trabalho deverá ser bastante cuidadosa. Para concluir: não existem garantias a priori. A Psicologia Comunitária, ainda, é um verdadeiro desafio.

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Duas obras introdutórias mas de boa qualidade: O que é Participação, de Juan E. D. Bordenave, e de C. A. de Medina, Participação e Trabalho Social — Um Manual de Promoção Humana, Petrópolis, C E R I S / V o z e s , 1977. Sobre as abordagens e práticas que constituíram a formação histórica da proposta de Psicologia Comunitária, a bibliografia é bastante vasta: O que é Psiquiatria Alternativa, de Alan lnd : o Serrano; Ps/coterapia do Oprimido, de Alfred Moffatt; Princípios de Psiquiatria Preventiva, de Gerald Caplan, Buenos Aires, Paidós; e Psiquiatria Social — Problemas Brasileiros de Saúde Mental, de Luiz Cerqueira, São Pau Io/Rio de Janeiro | Atheneu, 1984. Para se aprofundar na análise sobre os movimentos sociais de base comunitária e educação popular, tenha c o ^ t a t o com obras publicadas principalmente a partir de 197d. Uma de caráter mais global e sinda bastante atual: São Paulo: O Povo em Movimento, organizada por Paul Singer e Vin ; cius Caldeira Brant, C F . B R A P / Vozes. E ainda nessa área de atuação da Psicologia Comunrária ncs meios populares, é imprescindível a leitura do livro de W. Castilho Pereira, Dinâmica de Grupos Populares, Vozes. Uma leitura panorâmica da proposta teórica e prática de trabalho em saúde mental, apesar da abordagem ainda dentro dos parâmetros da Psiquiatria social norte-amerícana, é & tese de livre-docencia de ElMs D'Arrigo Busnello, A Integração da Saúde Mental num Sistema de Saúde Comunitária, para a LJFRGS, Porto Alegre, 1976. Aqui também é importante lembrar os documentos e artigos editados sob os auspícios da OMS e OPAS, em suas diversas publicações, ressalvanao as devidas restrições críticas, algumas das quais v diquei no • presente e^.iaio. E para finalizar, alguns do? umas cue levante no último capítL'o podem ser aprofundar js nas obras: Ensayos de Er:c psiquiatria General, de Georges Devere.'x, Espanha, Barrai, 1 9 7 3 ; / 1 'r^ducción a Ia Etnopsiouiatria, de F-anc; is Lap!ant : ne, Ged ; sa, 1979; ,ps/cofefop/a o ii>.'egración de Recursos Terapêuticos — sua Inserción '•• lítico-Sccifí, de Juan Pundik, Buenos Aires, Tiempo Contemporâneo, 1 976. Se o leito: esvver interessado na polémica sobre educrção, s a ú f > e mental e psicanálise, não deve deixar de ler ;.- importante obra Psicanálise v Violi.nria, de Jurr-ndir Freire Costa, e particularmente o artigo intitulado "Saúde Mental, Fruto da Educação?", onde t r a t e especificamente da questão d-, um porto ds viste: um POJCD diverso do meu.

INDICAÇÕES PARA LEITURA

O aprofundamento em :"': cologia Comunitária na situação brasileira é tarefa sem dúvida bastante espinhosa. Acr^ciito que, pela aíualidade e caráter polémico da proposta, não e x i s t e ainda uma bibliografia sistemática e abrangente. O que o leitor encontrará, fundamentalmente, será uma série de leituras fragmentadas sobre aspectos e experiências específicas em saúde mental. A única obra de caráter mais gerai que conheço é o livro de Mike P. Bender, Psicologia da Comunidade, d u Zahsr. Mas, apesar dos seus méritos, é uma sistematização ainda bastante inicial e feita a parti- da experiência inglesa, bem. diversa da r.t.ssa realidade. O leitor encontrará algumas coletâneas de :?oa qualidade, contendo artigos teóricos e relatos de experiências Diversificadas. Entre eles, Anais do l Encontro Regional de Psicologia da Comunidade, São Paulo/Rio de Janeiro, stt./1 981; / Simpósio de Alternativas no Espaço Ps/ — Porto Alegre — Conferências, Mesas Redondas e Debates — Porto Alegre, Embrião, 1981"; t "Reflexões sobre a Prática da Psicologia", Caderno PUC, 1 1, Sío F,mio, EDUC/Cortez. Se passarmos as temáticas esperífjcas q "-e foram levantadas no texto, as indicações podem ser arreliadas. Para tratar da problemática subjacente à questão da comunidade, cito La Formador, de! Pensa mie nto Sociológico, de Robert Nisbet, Buenos Aires, A m o r rortu, 1977. Uma visão crítica, rio ponto de v i s t a políiico, o l e i t o r encontrara em. Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil, de Safira Bezerra A m n t a n a , d a C o i t e z . A questão da participação social é uma temática importante e bastante discutida no B r a s i l , principalmente na área de serviço social.

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