Crusoé #136 (04.12.2020)

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Doria x Huck crusoe.com.br/edicoes/136/doria-x-huck 4 de dezembro de 2020

Luciano Huck e João Doria frequentam os mesmos salões, cultivam amigos em comum e adotam estilos semelhantes na maneira de se portar e vestir. O linguajar político de ambos muitas vezes se confunde. Embora a estrela global faça questão de se apresentar como “progressista” e o governador de São Paulo prefira o rótulo de “liberal”, diversas frases ecoadas por Doria nos últimos tempos poderiam muito bem ter saído da boca de Huck e vice-versa. Algumas ações são realmente idênticas, como a compra de jatinhos com financiamento do BNDES. De uns meses para cá, no entanto, a relação azedou. Convencido de que ambos ocupam a mesma raia na disputa para saber quem personificará o anti-Bolsonaro em 2022, o tucano está fulo da vida com os recentes movimentos do apresentador. Depois de ensaiar uma candidatura à eleição presidencial de 2018 e recuar, premido pela família e pelos vantajosos contratos com a TV Globo, Huck recolocou em marcha um extenso circuito de conversas reservadas com figuras influentes para tratar sobre a conjuntura do país e passou a flertar principalmente com o DEM, para ser o nome capaz de aglutinar as forças de centro e derrotar Jair Bolsonaro em 2022. O tucano Doria acha que Huck quer ocupar um lugar que é dele – e de mais ninguém – e, para fustigálo, começou a espalhar nos meios político e empresarial que a candidatura do apresentador é fogo de palha. Em recentes conversas do grupo político de Doria foi 1/5


disseminada a tese de que Huck é o “Datena nacional”, em referência ao apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, que a cada eleição insinua que será candidato, mas na hora “h” sempre refuga. Por ora, no entanto, o efeito é o inverso do planejado pelo tucano: quanto mais Doria insiste que a candidatura Huck não é para valer, mais os caciques políticos interpretam que o apresentador está no jogo. Contribuiu para reforçar essa impressão o encontro entre Huck e Sergio Moro no apartamento do ex-juiz e ex-ministro da Justiça em Curitiba, no dia 30 de outubro. Na ocasião, ambos demonstraram a intenção de se unir em uma espécie de “terceira via”, para disputar a Presidência daqui a dois anos. Obstinado em subir a rampa do Planalto desde quando ingressou na política, elegendo-se prefeito da capital paulista em 2016, Doria não gostou nada da repercussão da reunião – ultimamente, querendo afetar intimidade, Huck só se refere ao ex-juiz como “Sergio”, o que deixa o chefe do Palácio dos Bandeirantes ainda mais mortificado. Reprodução/redes sociais

O DEM, de ACM Neto, pisca para Doria e Huck, mas nas últimas semanas tem cortejado mais o apresentador

Na tentativa de mostrar que foi ele quem teve a primazia da articulação em favor da aliança do espectro político de centro, o governador reuniu aliados na área de comunicação e fez circular, logo em seguida à notícia sobre o encontro entre Huck e Moro, que foi ele quem recebeu o ex-juiz primeiro, em sua casa em São Paulo, mais precisamente um mês antes. Doria exerce marcação cerrada sobre cada movimento do âncora do Caldeirão. A relação pode ter se esgarçado nos últimos meses, mas a preocupação de Doria com Huck não é tão recente assim. No início do ano, quando surgiram rumores sobre a separação do tucano da primeira-dama Bia Doria, o governador interpretou postagens feitas pelo apresentador nas redes sociais ao lado da mulher Angélica como uma provocação – a estabilidade no casamento é um ativo político importante no Brasil. 2/5


Huck ainda não bateu o martelo sobre a candidatura, mas adota nos bastidores um discurso que João Doria não gosta de ouvir. O apresentador tem dito a pessoas próximas que o governador de São Paulo não é o candidato natural de uma possível coalizão de centro. “A candidatura à Presidência vai depender de uma série de circunstâncias”, tem afirmado. O próprio Huck só sairá candidato se sentir que reúne chances sólidas de triunfar nas urnas. Antes da decisão final sobre arriscar ou não um voo solo ao Planalto, o apresentador planeja contratar ao menos duas pesquisas de intenção de voto no ano que vem. Uma no início do ano e outra no segundo semestre. Seus aliados garantem que ele define a questão antes de dezembro de 2021. O deadline é quase uma imposição da Globo. A emissora pretende tirá-lo da programação em 2022, caso ele decida encarar a empreitada, para tentar se blindar do rótulo que certamente impingirão a Huck de candidato oficial da TV. Para pessoas ligadas a Doria, quanto mais tempo Huck demorar para tomar uma decisão, pior para o governador. O motivo é simples: como o homem do Caldeirão tem mais capilaridade nacional e menos rejeição do que Doria, teme-se que a perspectiva de poder gerada pelo apresentador atrase a formação de alianças capazes de viabilizar a candidatura do governador. Para o presidenciável do PSDB, o melhor dos mundos seria que Huck reeditasse o roteiro da eleição de 2018, quando cogitou sair candidato a presidente pelo PPS, atual Cidadania, mas logo desistiu, ainda em novembro de 2017, por pressão da família, especialmente da mulher Angélica, então contrária à ideia. Pedro Ladeira/Folhapress

Moro é o vice dos sonhos de Huck e Doria. Resta saber se ele aceitará ser coadjuvante numa eventual chapa presidencial

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O aval familiar, desta vez, já é uma questão superada. “Tem uma hora que você não está mais no controle. É uma espécie de chamado”, disse Angélica, em entrevista à revista Marie Claire, no final de 2019. A Crusoé, Marta Grostein, mãe do apresentador, lembrou que, desde 2018, Huck “tem participado intensamente de movimentos cívicos”. Urbanista e professora aposentada da USP, ela já foi conselheira de estatais paulistas em gestões do PSDB — deixou o cargo em 2019, já no governo Doria — e é casada com o economista Andrea Calabi, que presidiu bancos públicos no governo Fernando Henrique Cardoso e foi secretário do ex-governador Geraldo Alckmin em São Paulo. “A gente sabe o que é uma campanha política. Isso assusta qualquer mãe. Mas a família irá apoiar suas decisões”, disse Marta. Para ela, que descreve Huck como alguém que tem um “pensamento muito mais progressista do que reacionário”, o rótulo de esquerda ou de direita que os dois lados tentam carimbar no filho não tem nenhuma serventia senão atacá-lo. De fato, o perfil ideológico dos políticos com os quais Huck tem conversado nos últimos meses é bem heterodoxo – e muito mais amplo do que Doria gostaria que fosse. Vai do governador comunista do Maranhão, Flávio Dino, ao ex-presidente argentino Maurício Macri, líder da centro-direita no país vizinho, com quem o apresentador falou por uma hora ao telefone nesta semana. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é outro interlocutor do apresentador. No meio empresarial, a candidatura de Huck é incentivada por alguns pesos-pesados do PIB nacional, como os controladores da Ambev. “Convenhamos que o Huck é um produto agradável para o nosso eleitor. Dialoga com o povão, com a classe média e tem ótimo trânsito com a elite do empresariado. Se ele decidir sair mesmo, não será fácil para o Doria”, admitiu um tucano. Já Fernando Henrique Cardoso, de quem o apresentador se tornou amigo, virou uma espécie de consultor permanente de Huck, o que também enfurece Doria. Os dois falam o mesmo idioma. Em entrevista logo após as eleições municipais, FHC afirmou que o governador de São Paulo não está pronto para disputar a Presidência. “Ele vai ter que se nacionalizar”, disse o ex-presidente. Doria já deixou mais do que claro que a sua grande aposta para chegar lá é a Coronavac, a vacina chinesa contra a Covid-19 desenvolvida em parceria com o governo paulista que poderá ser distribuída para outros estados. O tucano nem disfarça. Na última quinta-feira, 3, foi de madrugada ao aeroporto de Guarulhos para receber um lote dos insumos vindos da China, gravou vídeo para as redes sociais e posou para foto segurando um exemplar do imunizante ao lado de uma faixa que dizia “a vacina do Brasil”. Ao entregar a vaga de vice na chapa do prefeito reeleito Bruno Covas ao MDB, de Michel Temer, indicando o vereador Ricardo Nunes em combinação com o DEM local, Doria tenta amarrar as duas legendas ao seu projeto nacional. Pela lógica que rege os acertos políticos há pelo menos 20 anos, o caminho natural para o DEM seria celebrar uma aliança com o PSDB de Doria para 2022. Mas isso não está garantido. Embora o partido dê piscadelas para ambos, quem mais avançou nas conversas com o Democratas foi o próprio Huck. O presidente da Câmara e um dos principais líderes da legenda, Rodrigo Maia, tem manifestado publicamente certa preferência pela estrela global em detrimento de Doria, embora continue a cortejar o governador paulista. Além de elevar 4/5


seu próprio cacife político — ele almeja disputar o governo do Rio em 2022 –, Maia tenta inverter a lógica histórica e alçar o DEM a protagonista da corrida presidencial, exatamente como defende o presidente do partido, o prefeito de Salvador, ACM Neto. O projeto de DEM para Huck consiste na filiação à legenda com carta branca para interferir na linha programática do partido, se assim desejar. O sonho de Huck, como o de Doria, era ter o ex-juiz Sergio Moro como vice. Mas Maia vetou a dobradinha, o que pode virar um problema para o apresentador mais adiante e uma vantagem para o governador. De qualquer forma, é improvável que o ex-juiz aceite ser coadjuvante numa chapa presidencial. Os fatos recentes mostram que Moro – desde a última semana sócio-diretor da consultoria internacional Alvarez&Marsal, para desenvolver políticas antifraude e anticorrupção dentro de empresas – deverá manter-se como uma voz ativa no debate nacional, ainda mais atuando em uma área que representa sua principal bandeira. O ex-juiz tem dito que agora é hora de garantir o sustento da família, uma vez que para aceitar o convite de Bolsonaro para ser ministro, em 2018, ele teve de abandonar 22 anos de magistratura. Mas uma eventual candidatura dele ao Planalto nunca foi descartada. Caso Moro chegue no ano eleitoral despontando nas pesquisas como o nome mais talhado para derrotar Bolsonaro e a esquerda, o cenário pode ser outro. Enquanto Huck e Doria se digladiam nos bastidores, Moro pode jogar parado.

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Os milhões de Cristina Boner na Suíça crusoe.com.br/edicoes/136/os-milhoes-de-cristina-boner-na-suica 4 de dezembro de 2020

Edição semana 136 - Reportagem A empresária tem 9 milhões de dólares na Suíça bloqueados pelo MP por suspeita de lavagem de dinheiro. A dinheirama que ela tenta resgatar está em nome de empresas, entre as quais a controladora da Globalweb, que fez repasses a Frederick Wassef 04.12.20 Luiz Vassallo

Em meio a um emaranhado de processos, passou discretamente pela pauta do Superior Tribunal de Justiça na última terça-feira, 1, uma investigação, até então sigilosa, que descortina transações milionárias no exterior realizadas longe dos olhos do fisco por uma empresária que mantém vultosos contratos com a própria corte e com o governo federal há mais de 10 anos. Trata-se da apuração sobre uma fortuna de 9 milhões de dólares mantidas em contas na Suíça atribuídas a Maria Cristina Boner Leo, ex-mulher do advogado Frederick Wassef, o ex-defensor do clã Bolsonaro. As movimentações financeiras de Cristina Boner entraram na mira de promotores suíços e brasileiros em meio às investigações sobre o Mensalão do DEM, capitaneado pelo ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. Para o Ministério Público, a dinheirama seria produto de desvios em contratos das empresas de Cristina com o governo do DF. No processo no STJ, a empresária não só assume a titularidade das contas no paraíso fiscal, como faz um apelo à corte para que o dinheiro seja desbloqueado. A trama envolve empresas hoje investigadas por fazer repasses ao ex-advogado da família presidencial. As transações despertaram o interesse das autoridades suíças em setembro de 2012, três meses após a Procuradoria-Geral da República denunciar Cristina, Arruda e outras 35 pessoas por esquemas de corrupção em Brasília. Segundo a peça, empresas contratadas sem licitação pelo Distrito Federal pagavam propinas ao ex-governador, seu vice, e a deputados distritais da base aliada. A acusação nasceu a partir da delação do ex-secretário Durval Barbosa, que gravou vídeos de repasses de dinheiro e instaurou o pânico na política brasiliense. Partiram dele as famosas imagens da entrega de um maço 1/5


de dinheiro a Arruda. Cristina Boner também foi filmada. Em conversa com Durval, a empresária entrou em êxtase ao ser informada que ganharia um novo contrato milionário. “Cê tá feliz?”, perguntou o delator. “Tô muito!”, respondeu Cristina. De acordo com a acusação, ela recebeu 45 milhões de reais do DF, entre 2006 e 2009. Em troca, teria feito repasses a Arruda e a seu núcleo político. O ex-governador foi condenado duas vezes na Caixa de Pandora. Até hoje, o processo de Cristina não foi sentenciado. Com a notícia da denúncia em mãos, o MP suíço iniciou uma devassa nas transações envolvendo Cristina e suas empresas. Foi quando encontrou 15 contas atribuídas a ela em bancos de Genebra e Zurique. O saldo: 9 milhões de dólares. No início de 2013, o MP da Suíça pediu ao Ministério da Justiça brasileiro para que informasse se haveria interesse em congelar o dinheiro. A resposta ao país europeu dependeria, então, de uma decisão judicial que avalizasse, no Brasil, o bloqueio de moedas estrangeiras de Cristina. A autorização demorou três anos para sair, já que o juiz do caso negou, por duas vezes, bloquear o dinheiro no exterior. Somente no fim de 2015 foi obtida a ordem judicial para embargar a dinheirama em nome da empresária. Com a decisão, foram enviados ao Brasil detalhes das transações de Cristina na Suíça, que ocorreram entre 2008 e a metade daquele ano e que estavam até agora em segredo. Bruno Santos/Folhapress

A Globalweb de Cristina atraiu os holofotes este ano ao aparecer em um relatório do Coaf como pagadora de quantias milionárias à banca de Wassef

Crusoé teve acesso aos documentos (veja abaixo) da cooperação internacional que permitiram que os investigadores alcançassem a cifra milionária atribuída a Cristina. De partida, os promotores cruzaram os dados enviados pela Suíça com declarações de imposto de renda e informes da empresária ao Banco Central sobre o dinheiro mantido no exterior. Cristina declarou ao BC ter enviado somente 650 mil dólares à Suíça, valor muito aquém do encontrado lá. No curso do processo, porém, ela mesma admitiu ter 2/5


usado a B2BR, empresa de informática contratada pelo governo do DF e investigada no Mensalão do DEM, para enviar 7,8 milhões de dólares ao exterior. Para os promotores, isso só reforça a suspeita de lavagem de dinheiro. O escândalo não pôs fim às atividades da B2BR. A empresa recebeu, ao longo dos últimos nove anos, 297 milhões de reais em contratos com órgãos do governo federal na área de informática.

Os documentos da cooperação internacional também identificaram a TBA Holding, fundada por Cristina e depois transformada na Globalweb Outsourcing, como beneficiária de uma conta com saldo de 1,8 milhão de dólares em junho de 2015, em um banco suíço. Somente neste ano, a Globalweb recebeu 41 milhões de reais em contratos com o governo de Jair Bolsonaro. Do STJ, a empresa recebeu 23,3 milhões nos últimos três anos para cuidar dos serviços de tecnologia da informação. No mês passado, a corte foi alvo de um ataque hacker que paralisou as sessões por uma semana. A Globalweb atraiu os holofotes em 2020 ao aparecer em um relatório do Coaf como pagadora de 3/5


quantias milionárias à banca de Frederick Wassef, que sempre negou qualquer relação com as empresas de sua ex-mulher. As transações são consideradas suspeitas pelo órgão. Trata-se do mesmo documento que identificou pagamentos de 9,8 milhões de reais feitos pela JBS nos últimos cinco anos a Wassef, revelado por Crusoé em agosto. Para os promotores de Brasília, o dinheiro de Cristina Boner na Suíça pode servir para viabilizar a quitação da multa de 42 milhões que a empresária terá de pagar caso seja condenada no escândalo do Mensalão do DEM. Em junho, Cristina e a B2BR foram absolvidos na esfera cível pelo Tribunal de Justiça do DF, em uma ação de improbidade relacionada ao mesmo esquema. A empresária, por sua vez, tem pedido o desbloqueio dos valores sob a alegação de que as remessas foram legais e declaradas à Receita Federal, apesar de o MP dizer o inverso em documento obtido por Crusoé. Desde 2012 sob sigilo na Justiça, o caso se transformou em disputa pública no Superior Tribunal de Justiça. A Quinta Turma da corte analisaria o apelo de Cristina contra o bloqueio do dinheiro na última terça-feira, 1, mas o relator Reynaldo Soares da Fonseca adiou o julgamento para o próximo dia 15. Inicialmente, o ministro negou a liminar para desbloquear os valores. Agência Brasil

Cristina Boner esteve envolvida no escândalo do mensalão do DEM, que flagrou o ex-governador José Roberto Arruda recebendo maços de dinheiro

A Crusoé, a empresária Cristina Boner disse que “todas as contas foram abertas como reservas em moeda estrangeira para pagamentos a fornecedores internacionais, tendo em vista que a empresa B2BR era uma revenda de softwares de empresas fora do Brasil e que indexavam seus produtos em dólar”. A empresária afirmou ainda que havia “dois procuradores” para as contas, sendo ela um deles, mas que isso “não significa que ela

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era beneficiária daquelas contas e sim administradora”. Ainda em relação ao dinheiro na Suíça, afirmou esperar que “a liberação dos valores que se mantém indisponíveis seja deferida para que a Empresa B2BR possa sobreviver nessa crise econômica”. Na época em que as transações no exterior foram identificadas pelo Ministério Público da Suíça, Cristina Boner já havia se casado com o advogado Frederick Wassef. Eles se uniram em 2008. A separação ocorreria nove anos depois. Mas os negócios entre ambos jamais esfriaram. Em episódio recente, o advogado foi denunciado pela Lava Jato por desvio de 2,6 milhões de reais no Sesc e Senac do Rio, por meio de contrato dissimulado de serviços advocatícios com a Fecomércio fluminense na gestão do delator Orlando Diniz. O processo foi suspenso pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Durante as investigações, os procuradores receberam um relatório do Coaf mostrando que Wassef recebeu mais de 4 milhões de reais de empresas ligadas a Cristina, entre 2015 e 2017, com um padrão de saques e depósitos típico de quem busca ocultar dinheiro. A respeito das movimentações financeiras entre a Globalweb e Wassef, a empresária diz que “todas partiram de Wassef para a Globalweb como empréstimo”. “As saídas financeiras da Globalweb para Wassef, foram exclusivamente pagamentos desses empréstimos com juros. O relatório da Coaf ignorou esse fluxo de transações”, alega Cristina. No ano passado, o Coaf detectou nova operação atípica envolvendo Wassef e uma das filhas da empresária que administra os negócios da família. Foram quatro transações no valor total de 437 mil reais entre março e setembro de 2019. O dinheiro, segundo o Ministério Público Federal, tinha como origem uma administradora de bens de Cristina Boner flagrada em 2018 em transferências suspeitas com uma offshore sediada no Panamá, conhecido paraíso fiscal na América Central — tal qual era a Suíça no período em que a empresária remeteu sua fortuna para o país europeu escondido da Receita.

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O mapa do terror crusoe.com.br/edicoes/136/o-mapa-do-terror 4 de dezembro de 2020

Edição semana 136 - Entrevista Arquivo pessoal

"Milhares de integrantes do EI foram mortos. Era esse o objetivo das duas alianças formadas para combatê-los" O cientista político israelense Ely Karmon diz que, apesar dos recentes ataques na Europa, classificados por ele como “primitivos”, ações de inteligência frustraram a montagem de células terroristas. A preocupação maior é com países da África, além de Iraque e Venezuela 04.12.20 Duda Teixeira

O cientista político israelense Ely Karmon é um dos maiores especialistas em terrorismo do mundo. É pesquisador no Instituto Internacional de Contraterrorismo em Herzlyia, cidade israelense do distrito de Tel Aviv, ministra aulas sobre terrorismo e guerrilha na principal universidade local, foi conselheiro do Ministério de Defesa de seu país e participou dos preparativos de segurança para as Olimpíadas de Atenas, em 2004, e de Pequim, em 2008. 1/6


Em entrevista a Crusoé pelo telefone, Karmon afirmou que as medidas tomadas pelos governos nos últimos dois anos reduziram o raio de ação dos grupos terroristas, como o Estado Islâmico e a Al Qaeda. Na Europa e na América do Sul, segundo ele, diversas tentativas de montar uma infraestrutura para realização de ataques foram frustradas graças a bem-sucedidas ações de inteligência. O especialista se diz preocupado, no entanto, com o aumento das atividades terroristas na África. Karmon também pede atenção a Trinidad e Tobago, de onde saíram muitos extremistas para lutar no Oriente Médio, e permanece de olho na aliança estratégica entre a Venezuela e o Irã. “Sabemos que algumas autoridades do governo de Caracas deram passaportes e talvez tenham permitido atividades terroristas dentro do território venezuelano”, disse. Sobre a sucessão nos EUA, o israelense acredita que o democrata Joe Biden, após tomar posse em janeiro, pode tentar um novo acordo nuclear com o Irã, mas, em sua avaliação, a tentativa sofrerá resistências. Ele entende que as sanções econômicas e as medidas tomadas contra a Guarda Revolucionária do Irã pelo governo de Donald Trump serão mais difíceis de serem removidas. “Israel, países do Golfo e o Egito pressionarão os americanos nesse ponto para impedir que acabem assumindo uma posição de fraqueza”, prevê Karmon. França, Áustria e Suíça registraram atentados nas últimas semanas. Há uma nova onda terrorista? As ações que foram noticiadas recentemente são muito primitivas. As que ocorreram na França foram realizadas com facas ou machados. Isso acontece porque seus autores não conseguem ter acesso a armas ou bombas. Não há células com quatro ou seis terroristas, como havia antigamente. É por isso que os líderes da Al Qaeda e do Estado Islâmico, quando falam para os seus apoiadores, dizem que atentados com armas simples podem ser suficientes. Felizmente, os governos nacionais e suas agências de segurança estão muito vigilantes e têm tomado várias medidas. Após a decapitação do professor Samuel Paty por um refugiado checheno, o presidente Emmanuel Macron disse que a França deveria continuar defendendo a liberdade e o secularismo. Foi a reação correta? O governo francês foi obrigado a tomar medidas duras contra os radicais em defesa dos valores históricos seculares do regime republicano. Decidiu expulsar 230 terroristas presos, que têm dupla nacionalidade. O país tem a maior comunidade muçulmana da Europa e quase 2 mil jihadistas de origem francesa lutaram na Síria e no Iraque. Foi o maior contingente europeu. A reação de Macron, além de necessária, também tem um cunho eleitoral. O presidente precisa levar em consideração a crescente influência do eleitorado de extrema-direita antes das eleições presidenciais de 2022. Reprodução

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“Muitas mulheres se tornaram guerreiras e poderiam cometer atentados”

A pandemia teve algum impacto no terrorismo? As medidas de restrição de circulação reduziram a possibilidade de atentados. Mas o golpe mais relevante contra os terroristas ocorreu há dois anos, com a derrota do Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Milhares de seus integrantes foram mortos. E era exatamente esse o objetivo das duas alianças que foram formadas para combatê-los: aquela liderada pelos Estados Unidos e a comandada pela Rússia. Os terroristas que não perderam suas vidas foram presos. Hoje, centenas estão vivendo em campos na Síria, na região do Curdistão, onde os americanos ainda estão presentes. Ao mesmo tempo, a maioria dos países europeus fechou as portas para impedir o retorno de quase 6 mil terroristas que viajaram para treinar e cometer crimes no Oriente Médio. Esse bloqueio também barrou as mulheres. Muitas delas não são perigosas e viajaram apenas para se casar com jihadistas. Mas muitas mulheres se tornaram terroristas e poderiam cometer atentados, como o que aconteceu na quarta-feira, 25, em Lugano, na Suíça. Existe algum lugar do mundo em que o terrorismo esteja aumentando perigosamente? Há duas frentes na África. Uma delas está ligada à Al Qaeda e outra, ao Estado Islâmico. Os dois competem por influência no continente. Na Argélia, na Líbia e na Tunísia, temos a velha guarda da Al Qaeda do Magreb islâmico. Também temos visto a Al Shabab, que é ligada à Al Qaeda, defender territórios na Somália. Outra frente, a do Estado Islâmico, age na África Central. Eles estão em Burkina Faso, Camarões e República do Congo. São grupos novos, que têm avançado muito nos últimos anos. Em Moçambique, os terroristas derrotaram até mesmo mercenários russos. Os estrangeiros foram mortos e decapitados. Os que escaparam tiveram de sair do país. A África precisa urgentemente da ajuda de outros países. O sr. não mencionou a América Latina ao citar as regiões em que o terrorismo tem crescido. Qual é a chance de novos ataques, como os que o Hezbollah executou na Argentina em 1992 e 1994? A única ameaça séria do terrorismo sunita é em Trinidad e Tobago, perto da costa da 3/6


Venezuela. Há uma comunidade muçulmana lá e mais de duzentas pessoas foram lutar na Síria e no Iraque. Eles foram treinados por grupos terroristas e mais da metade voltou para Trinidad e Tobago. Na América do Sul, o problema maior é o Hezbollah, que é muçulmano xiita. Diversos países, como Argentina, Paraguai e Honduras já o classificaram como organização terrorista. O Brasil não fez isso ainda, mas está discutindo a questão. Operações contraterroristas têm sido bem-sucedidas. No Peru, o Hezbollah tentou uma operação terrorista em 2014, mas o homem enviado para a missão foi detido e condenado em um tribunal. Em março de 2017, as forças de segurança bolivianas frustraram uma conspiração de agentes do Hezbollah nos subúrbios de La Paz, descobrindo duas toneladas e meia de explosivos e um veículo que seria usado como carro-bomba. Desse modo, eles frustraram planos de ataque na Bolívia, no Chile e no Peru. Em julho deste ano, Assad Ahmad Barakat, que era o operador do Hezbollah na Tríplice Fronteira, foi extraditado pela segunda vez do Brasil para o Paraguai, onde está sendo julgado. A ditadura de Nicolás Maduro, na Venezuela, tem ajudado o Hezbollah na América Latina? Há uma aliança estratégica entre o regime de Maduro e o governo do Irã. É uma relação construída no mais alto nível hierárquico. Por causa desse pacto, os iranianos estão mandando gasolina para a Venezuela. Mas os Estados Unidos já ameaçaram interromper o fluxo de navios. Sabemos que algumas autoridades do governo de Caracas, como o ministro do Petróleo, Tarek el Aissami, deram passaportes e talvez tenham permitido atividades terroristas dentro do território venezuelano. Este é o ponto mais perigoso, pois o Hezbollah quer ter uma base para lançar ataques em outros países. Arquivo pessoal

“Não acho que o governo argentino vá permitir o Hezbollah novamente” 4/6


Cristina Kirchner, atual vice-presidente da Argentina, já foi acusada de obstruir a Justiça para ocultar a autoria do Hezbollah nos dois atentados em Buenos Aires. Desde que ela e Alberto Fernández tomaram posse, há um ano, alguma coisa mudou? O Hezbollah foi considerado organização terrorista pelo governo anterior, de Mauricio Macri. Desde então, juízes argentinos têm impedido o fluxo de dinheiro para o grupo e tentam congelar seus ativos financeiros. É importante lembrar que Alberto Fernández visitou Israel no começo do ano. Então, parece que as relações diplomáticas entre Israel e a Argentina melhoraram. Não acho que o governo argentino vá permitir o funcionamento do Hezbollah novamente. Mas a embaixada iraniana na Argentina continua muito ativa. Para que um atentado ocorra, basta que uma decisão seja tomada pelos líderes do Irã. O Brasil tem feito a sua parte para conter o Hezbollah? No momento, não temos visto uma infraestrutura bem montada para cometer ataques. O que existem são ações criminosas. Em 2014, a Polícia Federal concluiu que o Hezbollah fez acordos com o Primeiro Comando da Capital, o PCC. Eles têm um interesse comum, que é o contrabando. A preocupação maior é com a Tríplice Fronteira. A comunidade libanesa xiita de Ciudad del Este, no Paraguai, e de Puerto Iguazu, na Argentina, mantêm redes de contato com o Hezbollah. Também há casos de empresários que são obrigados a mandar dinheiro para o grupo porque são extorquidos. Era assim também com outras organizações terroristas do passado. Na Irlanda, o IRA controlava as vendas de álcool, os cabarés e os bares. No País Basco, na Espanha, o ETA dominava as atividades criminosas. O que pode acontecer se o governo de Donald Trump retirar soldados do Afeganistão? Uma possibilidade é a de que o Talibã assuma o controle do país e lute contra as forças do Estado Islâmico em algumas regiões. Eles competem entre si. Há algum tempo, o Estado Islâmico recrutou membros do Talibã que estavam descontentes com suas lideranças. Minha opinião pessoal é a de que o Talibã, que é mais forte, vai tentar destruir o Estado Islâmico. Fala-se que Joe Biden, após tomar posse, voltará a negociar um acordo nuclear entre as potências mundiais e o Irã, retirando sanções econômicas. Isso poderia ter impacto no terrorismo? Essa é a grande questão. Israel e os países do Golfo e o Egito estão muito preocupados com o retorno dos Estados Unidos ao acordo nuclear. Alguns dos assessores nomeados por Biden participaram das negociações em 2015 com os iranianos. Está muito claro hoje que o problema com o Irã inclui mísseis de longo alcance, o financiamento de atividades terroristas e atos subversivos na Síria, no Iraque e no Iêmen. Mesmo que o novo governo americano queria fazer um novo pacto com o Irã, será preciso apertar os aiatolás sobre os mísseis de longo alcance e as atividades terroristas. Israel, países do Golfo e o Egito pressionarão os americanos nesse ponto, para impedir que acabem numa posição de fraqueza. Não dá muito para prever no que essas conversas vão dar. 5/6


O cientista responsável pelo projeto nuclear do Irã, Mohsen Fakhrizadeh, foi morto na sexta, 27, perto de Teerã. Ações como essa podem retardar a produção da bomba atômica iraniana? Não acho que elas possam deter o projeto iraniano, mas podem fazer com que o desenvolvimento do seu aspecto militar leve mais tempo sim. Afinal, era essa a especialização e o objetivo desse cientista. Sua morte também pode ajudar a dissuadir outros cientistas que trabalham para o mesmo projeto. Foi uma operação muito mais ousada que a do assassinato de Osama Bin Laden, pelos americanos, no Paquistão. Ali, os soldados americanos agiram de noite e perderam um helicóptero. Nesse caso recente no Irã, tudo aconteceu em plena luz do dia, em um país que é um terrível inimigo para quem perpetrou a ação. Acho que essas circunstâncias tiveram um efeito desmoralizante para as forças de segurança e defesa iranianas e para os comandantes responsáveis pela segurança de Fakhrizadeh. Todos eles provavelmente pagarão um preço alto. Em relação ao momento em que o assassinato aconteceu, acho que o objetivo foi aproveitar as últimas semanas de Donald Trump no poder.

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Eleição de faz de conta crusoe.com.br/edicoes/136/eleicao-de-faz-de-conta 4 de dezembro de 2020

Edição semana 136 - Reportagem Crusoé

Tenda de candidata chavista: apenas apoiadores do governo fazem campanha na rua Maduro tenta dar ares de legalidade às eleições legislativas na Venezuela, mas segue o receituário de controlar totalmente a máquina pública e eleitoral e, desse modo, eliminar o espaço que ainda resta para a oposição 04.12.20 Duda Teixeira

VELOCIDADE DO ÁUDIO Às vésperas da eleição legislativa marcada para domingo, 6, as ruas de Caracas continuam vazias. Sem gasolina, com medo da criminalidade e da pandemia, poucos se aventuram a sair de casa. O fluxo de gente é maior no centro da capital, onde estão localizados os prédios governamentais. Nessa região, muros foram pintados com os nomes de candidatos chavistas – o dos opositores foram estrategicamente cobertos com tinta. Em algumas tendas na rua, apoiadores da ditadura trajando camisetas coloridas tentam distribuir folhetos, mas quase ninguém se aproxima. Ao fundo de uma rua, é possível ouvir um carro de som tocando músicas lançadas pelo ditador Nicolás Maduro 1/4


para tecer loas ao ex-presidente Hugo Chávez. “Uh, ah, Chávez não se vá”, diz uma delas. Sem argumentos para animar os eleitores, optou-se por recorrer ao falecido ditador. A falta de esperança e o desânimo são generalizados. As pessoas que aceitaram conversar com a reportagem de Crusoé – temendo sanções da ditadura, a maioria dos moradores de Caracas evita a imprensa – afirmaram que não iriam comparecer às urnas no dia 6. “Não farei isso porque já sabemos o resultado. Essas são as eleições mais tristes que já tivemos na nossa história e isso não é por culpa da pandemia. Não temos dinheiro para comprar comida”, diz Margarita Alzuru, que era secretária e agora trabalha como diarista, aos 59 anos.

Maduro na TV: comparecimento na eleição deve ser de 30%

Pesquisas de opinião indicam que o comparecimento deve ficar em torno de 30%, um índice semelhante ao de 2005, quando a oposição ao chavismo desistiu do pleito alegando fraude. Desta vez, 37 partidos políticos, liderados pelo autoproclamado presidente interino Juan Guaidó, anunciaram que não irão participar da farsa de Maduro. Apenas um pequeno grupo de supostos dissidentes do chavismo, que os opositores acreditam estar recebendo benesses do governo, se dispôs a concorrer. A recusa da oposição ocorreu após uma série de investidas da ditadura. Um a um, os sete principais partidos políticos, como Copei, Vontade Popular, Ação Democrática e Primeiro Justiça, foram impedidos de concorrer ou tiveram suas diretorias tomadas por políticos governistas. O Conselho Nacional Eleitoral, que organiza as votações, teve todos os seus membros substituídos de forma irregular pelo Tribunal Supremo de Justiça, obediente a Maduro. Segundo a Constituição, contudo, seus membros deveriam ter sido indicados pela Assembleia Nacional, de maioria oposicionista. Para completar o quadro de desolação, Diosdado Cabello, líder da Assembleia Nacional Constituinte, criada para ofuscar a Assembleia legítima, ameaçou os venezuelanos que não saírem para votar no dia 6 de dezembro. “Para quem não votar, não vai ter comida. Vai ficar de quarentena sem comer”, disse Cabello, o bom camarada, durante um comício. 2/4


Crusoé

Muro com nomes de candidatos chavistas em Caracas

Sem os partidos de oposição e suas principais lideranças, muitas das quais no exílio, os venezuelanos ficaram entre os candidatos de Maduro e uma mescla de representantes de sindicatos, bairros e organizações civis. Em um país sem democracia e com 96% da população na pobreza, esses candidatos apenas tangenciam os temas principais, criticam as elites e afirmam sentir saudades de Hugo Chávez. Para liquidar totalmente com os atuais deputados de oposição, o chavismo ainda ampliou em 65% o número de cadeiras na Assembleia Nacional, que passará a contar com 277 parlamentares. A medida, segundo a Constituição de 1999, deveria acompanhar o aumento populacional. O que aconteceu foi o contrário. Nos últimos anos, cerca de 5 milhões dos 30 milhões de venezuelanos deixaram o país. Quando Maduro entrar com seus 277 deputados na Assembleia Nacional no início de janeiro, o contraste com a atual legislatura será enorme. Os membros atuais conquistaram seus espaços em 2015 durante uma eleição com comparecimento de 74%. Mesmo sem receber salários, eles resistiram à perseguição governamental, coordenaram ações com outros países e conseguiram o envio de remédios e alimentos para os venezuelanos. Em janeiro de 2019, o líder da Assembleia, Juan Guaidó, foi reconhecido como presidente interino por mais de 50 países. É verdade que Maduro manteve-se em seu posto, abusando da violência, cooptando os generais e contando com ajuda cubana. Mesmo assim, Guaidó obteve espaço para atrair atenção para a crise humanitária da Venezuela. A partir do próximo ano, será difícil que uma força consiga agrupar as vozes da oposição, sem o amparo da Assembleia Nacional. Em seus salões, chavistas e supostos dissidentes seguirão bovinamente o governo. Maduro trabalha para estar no domínio de tudo – e as eleições legislativas deste domingo, 6, são parte da estratégia. A reportagem foi escrita com ajuda de uma correspondente na Venezuela. Por motivos de segurança, o nome da jornalista foi omitido 3/4


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O pior ministro da Saúde do planeta crusoe.com.br/edicoes/136/o-pior-ministro-da-saude-do-planeta 4 de dezembro de 2020

Edição semana 136 - Diogo Mainardi

DiogoMainardina ilha do desespero

Eduardo Pazuello é o pior ministro da Saúde do planeta. Na quarta-feira, ele foi ao Congresso Nacional e empestou o ambiente com seu despreparo vergonhoso. O Reino Unido, na semana que vem, vai aplicar as primeiras doses da vacina da Pfizer contra a Covid-19. O Brasil descartou essa vacina, por falta de freezers para armazená-la. A Itália já comprou vacinas de seis laboratórios, em quantidade suficiente para imunizar o dobro de seus habitantes. O Brasil, se tudo correr direito, vai comprar vacinas de dois laboratórios capazes de imunizar a metade de seus habitantes. A Alemanha faz 1,5 milhão de testes por semana. O Brasil precisa de seis ou sete semanas para realizar o mesmo número de testes. Estupidamente, Eduardo Pazuello disse que “o verdadeiro diagnóstico não é o teste, é o clínico”. Estupidamente, ele disse também que “não podemos mais falar em lockdown” ou “afastamento social”, porque Jair Bolsonaro está “em busca de uma cura para a pandemia”. Isso mesmo: uma cura. Nenhum outro lugar tem um ministro da Saúde mais incapaz do que ele. Nosso Natal na montanha, por exemplo, foi adiado. O ministro da Saúde italiano determinou o fechamento das pistas de esqui durante as festas, assim como dos hotéis. No ano passado, um de meus filhos fraturou os pulsos na neve, e o outro espatifou os dentes. Neste ano, a epidemia de Covid-19 melou nossa viagem, privando-nos desses prazeres. Nas primeiras semanas do ano, vamos ser vacinados. Até lá, teremos de ficar trancados 1/2


em casa, comendo pandoro e panettone, num regime de quarentena parcial, que já provocou uma queda no número de doentes hospitalizados, e deve permitir uma espécie de retorno à normalidade no comecinho de 2021. O vírus flagelou o mundo, mas a barbárie bolsonarista, encarnada por Eduardo Pazuello, foi um agravante que minou ainda mais nossas defesas. A imprensa sempre tenta derrubar os abomináveis Ricardo Salles e Ernesto Araújo. De todos os ministros de Jair Bolsonaro, porém, Eduardo Pazuello é o mais nocivo e o mais indigno. É um castigo perverso e, francamente, imerecido: no meio de uma epidemia, o Brasil conseguiu ter o pior ministro da Saúde do planeta.

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O fim do mundo crusoe.com.br/edicoes/136/o-fim-do-mundo 4 de dezembro de 2020

Edição semana 136 - Mario Sabino

MarioSabino 04.12.20 Chegamos a este final de ano bem mais pobres do que éramos nos estertores de 2019, com as exceções de praxe. A economia ruiu, empresas respiram por aparelhos, a fila do desemprego estendeu-se dramaticamente e, apesar dos pensamentos mágicos infantis, as perspectivas não são as melhores para o 2021 que se avizinha, pelo menos nestas latitudes. É claro que poderia ser pior se não houvesse vacinas contra a Covid-19. A velocidade da recuperação, no entanto, dependerá do ritmo da imunização em massa e da comprovação da efetividade dos diferentes compostos na escala necessária de bilhões de pessoas. No segundo aspecto, há que ser otimista. Dois meses atrás, a expectativa era que a eficácia das vacinas em desenvolvimento giraria em torno de 50%, mas elas alcançaram mais de 90% nos testes clínicos. Resta saber por quanto tempo durará a proteção. Não é improvável que tenhamos de nos vacinar regularmente contra a doença, assim como ocorre com a gripe. De qualquer forma, fomos salvos pelo gongo da ciência. A minha introdução banal pode ser arrematada com outra constatação trivial repetida todos os dias nos jornais: a de que a pandemia deixou ainda mais claras as diferenças sociais dentro dos países e também entre as nações. Por falta de moradias decentes, reservas financeiras próprias e ausência de assistência médica, os cidadãos pobres sofreram e morreram mais. Quanto aos países, alguns dos ricos tiveram índices gerais de óbitos até mais elevados do que os dos desvalidos, mas eles pagaram o preço de ter populações mais idosas e, portanto, mais suscetíveis à doença, além de contar com estatísticas mais precisas. No entanto, por serem justamente mais ricos, a vacinação em massa será rápida — está prevista para começar neste dezembro — e suas economias deverão voltar a crescer dentro de relativo curto espaço de tempo.

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Todas essas banalidades inevitáveis nas análises diárias de economistas, sociólogos e jornalistas não apagam uma certeza que, com a pandemia, talvez tenha se alargado um pouco para além dos círculos científicos onde cultivá-la é quase obrigação profissional: a certeza de que a nossa existência como espécie tem data para terminar. Ela pode estar ainda bem longínqua, haverá inúmeras vitórias até lá, as nossas fontes de energia terão se tornado inteiramente sustentáveis, seremos capazes de destruir meteoros antes que eles atinjam o planeta, mas essa data deverá chegar muito antes que o Sol se transforme numa Gigante Vermelha e engula a Terra; muito antes que a galáxia de Andrômeda colida com a Via-Láctea. Na nossa arrogância como espécie, transformamos o fim do mundo — entenda-se a nossa extinção — em entretenimento de Discovery Channel, visto que as hecatombes espaciais estão previstas para ocorrer daqui a bilhões de anos, e mesmo as ameaças virais e bacterianas que nos rodeiam ainda parecem todas suplantáveis. O triunfo sobre a Covid-19, por exemplo, seria outra prova da capacidade de nos perpetuarmos. A arrogância é compreensível: como o homem é o único ser que têm consciência de que vai morrer, é preciso tentar ignorar que a espécie também perecerá, e não apenas por obra de nós mesmos, como na época da Guerra Fria. Posso dar a impressão de encarnar aqui um daqueles malucos que gritam que o fim do mundo é inevitável e, portanto, deveríamos deixar de cultivar o progresso, parar com tudo e rezar. De novo, não é nada disso. Trata-se do contrário. A beleza de apreender a inevitabilidade do fim como espécie é compreender que a nossa humanidade reside na ação. Existiremos enquanto agirmos. Enquanto continuarmos a tentar transformar utopias em fatos, no plano pessoal e coletivo. Há ações e utopias boas e más, mas o pressuposto da moralidade é o movimento. Na cena derradeira do filme Melancholia, de Lars Von Trier, as duas irmãs protagonistas improvisam uma cabana para aguardar o fim iminente. É uma construção simbólica poderosa para a nossa condição. Volto ao jornalismo. E você volte ao que estava fazendo, por favor. Existamos na banalidade, na perseguição de objetivos que nos impusemos e também nas grandes conquistas, como é o caso das vacinas contra a Covid-19, até que a natureza decida que todos já demos o que tínhamos de dar. Estamos mais pobres neste momento, mas quem sabe não de espírito.

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O futuro conservador crusoe.com.br/edicoes/136/o-futuro-conservador 4 de dezembro de 2020

FelipeMoura Brasil 04.12.20 “Em vez de se alinhar com os princípios, que faltam a Donald Trump, os conservadores de longa data se esforçaram desconfortavelmente em apoiar suas posições. Isso não é natural e não é sábio, e devemos parar com isso. A política baseada na personalidade e não na filosofia não é o credo do conservadorismo. Quando os políticos se desvirtuam, julgamos suas falhas em relação a nossos princípios. Não reajustamos nossos princípios de acordo com seus interesses pessoais, como demonstra o caso paradigmático de Richard Nixon.” O parágrafo acima, em tradução livre, consta em inglês no artigo “O futuro conservador requer otimismo e confiança”, publicado no portal americano The Dispatch pelo republicano John Bolton, embaixador da ONU no governo de George W. Bush e exconselheiro de Segurança Nacional do presidente Trump, que o demitiu em setembro de 2019. Assim como o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta relatou no livro “Um paciente chamado Brasil” o que Jair Bolsonaro dizia e fazia nos bastidores, despertando o ódio dos bolsonaristas, Bolton relatou no livro The room where it happened (“A sala onde tudo aconteceu”) o que Trump dizia e fazia nos bastidores, despertando o ódio dos trumpistas. Nenhuma ressalva que possa ser feita a Bolton, aos relatos ou à sua visão do presidente, porém, invalida a essência – sempre presente nesta coluna – daquele parágrafo de seu artigo de 30 de novembro, no qual critica a conduta pós-eleitoral de Trump “totalmente centrada” em Trump, como “toda a sua presidência”. “A política baseada na personalidade e não na filosofia não é o credo do conservadorismo.” Reajustar princípios de acordo com interesses de qualquer líder ou grupo político e ideológico é 1/4


amostra de flexibilidade ou corrupção morais, alheias ao temperamento conservador. Edmund Burke e Joaquim Nabuco, por exemplo, preferiram perder oportunidades de reeleição parlamentar a reajustar os seus. “James Buckley, senador do Partido Conservador por Nova York, foi o primeiro republicano a pedir a renúncia de Nixon”, exemplifica Bolton. “Na delegação do Congresso ao Salão Oval que disse a Nixon que ele deveria se demitir, [o também republicano] Barry Goldwater teve o maior impacto.” Bolton ainda cita Mike Shirkey e Lee Chatfield, os principais republicanos no Senado e na Câmara de Michigan, que se recusaram a derrubar o processo de contagem dos votos e certificação do resultado de seu estado; além do igualmente republicano Aaron Van Langevelde, que “discordou em termos claramente conservadores” das pressões trumpistas: “Temos um claro dever legal de certificar os resultados das eleições, conforme demonstrado pelos relatórios que nos foram dados… Não podemos e não devemos ir além disso. John Adams [um dos pais fundadores dos EUA, além de primeiro vice e segundo presidente do país] disse uma vez: ‘Somos um governo de leis, não de homens.’” Bolton então conclama o Partido Republicano a seguir os exemplos de Shirkey, Chatfield e Langevelde. “Se esses três nativos de Michigan podem fazer isso, o resto de nós também pode.” Ele defende a “produção de documentação análoga ao Livro Negro do Comunismo, para servir como refutação definitiva das afirmações extravagantes e infundadas de Trump sobre ‘eleições roubadas’. Tal trabalho não convencerá todos os teóricos da conspiração, mas precisamos de um recital oficial da verdade, até mesmo enciclopédico, para uso futuro”. “A longo prazo”, continua, “deve haver uma ampla ‘conversa’ sobre os rumos do movimento conservador e do Partido Republicano. Muito do caos que Trump causou é exclusivamente devido a seu ego, seu estilo público e sua distorção da filosofia conservadora básica. Não devemos ter ilusões de que retirar as lesões de Trump do corpo político será fácil. Muitos conservadores investiram em seu sucesso e ainda não recuaram. Mesmo assim, não adianta exigir que confessem o erro como um auto de fé. Precisamos, em vez disso, de uma abordagem ‘malícia para com ninguém, caridade para com todos’, que é totalmente justificada pela ameaça maior da esquerda democrata, seja de Biden ou de seus sucessores.” Curiosamente, essa abordagem alude às palavras do ex-presidente Abraham Lincoln em 1865, ao final da Guerra Civil americana, recentemente também citadas pelo exministro Sergio Moro como necessárias “durante essa pandemia e com essa polarização extremada”. Vale registrar que a reação de Trump à crise do coronavírus é reprovada por 57,2% dos americanos e aprovada por 39,7%, segundo o site FiveThirtyEight. Entre eleitores independentes, que não são republicanos nem democratas, e que geralmente decidem a eleição, Trump teve um máximo de 46,2% de aprovação em 25 de março nesse quesito e ela foi caindo até atingir cerca de 35% no dia da eleição (3 de novembro), mantendo-se 2/4


assim até o começo de dezembro. A campanha de Joe Biden, na prática, explorou com eficácia a percepção de que Trump agiu com mais malícia que caridade durante a pandemia. Na oposição a Biden, a questão agora, segundo Bolton, “é se procedemos no modo Trump, minando ainda mais a integridade e a legitimidade de nossas instituições, ou se lutamos como verdadeiros conservadores, atacando as políticas de esquerda sem despojar as bases do florescimento da América”. “Nosso objetivo deve ser restaurar para o conservadorismo um otimismo e uma confiança inequivocamente reaganistas” (em referência ao ex-presidente Ronald Reagan, republicano que governou o país de 1981 a 1989)… Podemos, assim, reconquistar os eleitores que Trump alienou, mas também manter os que ele atraiu… Assim como os democratas quase estragaram suas perspectivas para 2020 repetindo incessantemente o ‘conluio russo’, poderíamos fazer o mesmo relitigando ‘o roubo’ apenas para gratificar a fantasia de Trump… É muito mais fácil evitar essa calamidade falando agora, em vez de esperar até que mentes e memórias sejam endurecidas pela sua logorreia não refutada”. Se nem mesmo o legado judicial conservador de Trump – ver meu penúltimo artigo – absolve os demais conservadores americanos de tamanha adesão a suas posições personalistas, sobretudo em 2020, o que dizer dos falsos conservadores brasileiros que passam pano para a sujeira do bolsonarismo, incluindo os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa denunciados pelo MP do Rio de Janeiro? O papel da claque bolsonarista vinha sendo endurecer nas mentes e memórias do povo a logorreia de Jair Bolsonaro (não raro, emulada de Trump), alegando que “senão o PT volta”. Nas principais cidades do país, porém, o povo não votou nos candidatos do presidente, nem nos do PT, mostrando que existe margem para uma alternativa em 2022 a estelionatários eleitorais beligerantes de ambos os lados. A derrota nas eleições municipais não tornou Dom Bolsonaro del Centrão mais moderado e equilibrado, o que foge à sua natureza bruta, mimada e aloprada; apenas turbinou entre bolsonaristas os ataques boçais (“traidor!”, “vendido!”) a pessoas mais coerentes e sensatas, como Moro e jornalistas independentes, que conservam seus princípios morais e não dependem de favores políticos. O futuro conservador – e brasileiro como um todo – requer refutação e resiliência contra populistas usurpadores e seus devotos de personalidade, verba publicitária, mesada empresarial, boquinha e rachadinha.

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Breve interlúdio crusoe.com.br/edicoes/136/breve-interludio 4 de dezembro de 2020

Edição semana 136 - Sergio Moro

SergioMoro 04.12.20

No artigo anterior, Protegendo a democracia I, sobre projetos relevantes para o país, defendi o fim da reeleição para cargos no Poder Executivo a partir de 2023. Assumi o compromisso de que o próximo artigo seria o segundo de uma série sobre “propostas que visam afastar esses mesmos riscos [autoritários] e assim fortalecer a democracia”. Vou quebrar temporariamente o compromisso para um breve interlúdio. Por mais de 22 anos atuei como juiz federal de primeira instância. Tive vários casos relevantes. Destaco, nos últimos anos, minha atuação como juiz federal responsável em Curitiba pelos processos atinentes à Operação Lava Jato. Ela gerou uma onda de anticorrupção que se alastrou por toda a América Latina. Representou o fim da impunidade, pelo menos como regra, dos crimes de corrupção no Brasil e em outros países da região. Há uma dúvida relevante: se a impunidade, como regra, será restabelecida diante de pontuais reveses nos últimos anos, mas isso ainda é uma questão em aberto. Depois, atuei como ministro da Justiça e Segurança Pública para implementar forte agenda contra o crime organizado, a criminalidade violenta e o crime de corrupção. Tal agenda envolvia ações executivas do MJPS e dos órgãos vinculados, bem como alterações legislativas cujo carro-chefe foi o projeto de lei anticrime. Deixei o governo pelas razões já conhecidas.

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Cumpri minha quarentena jurídica por seis meses e, após o seu término, aceitei o convite para ingressar no time de especialistas da empresa internacional de consultoria Alvarez&Marsal, para atuar na área de disputas e investigações. Continuarei a fazer o que sempre fiz, especificamente promover a agenda anticorrupção e de integridade, mas agora diretamente no setor privado. A Operação Lava Jato funcionou como um toque de despertar ou como um momento de clareza para o empresariado brasileiro. Empresas que se envolveram em práticas de suborno reiterado sofreram danos reputacionais e financeiros severos quando o sistema de corrupção foi trazido à luz. Aquelas que mais rapidamente reconheceram sua responsabilidade e celebraram acordos de leniência com as autoridades foram as que conseguiram melhor minorar os danos e iniciar o processo de recuperação. As empresas que demoraram foram mais duramente afetadas. Implementar sistemas efetivos de compliance – de fachada não valem, já os vimos na Lava Jato –, realizar procedimentos de investigação corporativa diante da suspeita de ilícitos internos, promover procedimentos de diligência devida nos negócios, fazem parte atualmente da política de integridade que deve ser adotada por qualquer empresa séria. As empresas não precisam esperar o Congresso, o governo ou o Judiciário para adotar políticas de integridade. As melhores, aliás, avançam, nessa área, independentemente do que acontece na política interna, e têm os olhos para o mercado internacional, cientes que devem adotar os standards de integridade no nível mais alto para que tenham condições de competir em um mundo cada vez menor. Não se trata apenas de promover integridade e prevenir corrupção. Exige-se, entre outras coisas, conformidade com a preservação do meio ambiente – e sabemos como essa questão hoje tem importância fundamental no mercado internacional –, com o respeito e o tratamento digno dos acionistas, dos empregados, dos consumidores e das comunidades que cercam as empresas. As condutas empresariais devem levar em conta profit, people e planet, os três “pês” em um sentido bem diferente do qual usamos no Brasil. Empresas e empresários podem fazer a diferença. Lembro do exemplo de Libero Grassi, empresário italiano que publicamente recusou-se a pagar o pizzo – a taxa de proteção – à Máfia siciliana e que, por isso, foi assassinado. Na via Vittorio Alfieri, em Palermo, há uma placa em sua homenagem que diz: “Aqui foi assassinado Libero Grassi, empresário, homem corajoso, morto pela Máfia, pela omertà das associações das indústrias, pela indiferença dos partidos e pela omissão do estado”. Apesar da tragédia, sua morte inspirou o surgimento de associações empresariais como o Adiopizzo, que se recusam coletivamente a render-se à extorsão da Cosa Nostra.

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No Brasil, não precisamos chegar a tanto. O modo de fazer negócios no país pode mudar em definitivo. Hoje isso depende mais das empresas do que do poder público. O setor privado brasileiro avançou, impulsionado pela Lava Jato, e pode avançar mais ainda. Isso pode ocorrer através de ações individuais das empresas ou pelo agir coletivo delas. Minha ida para o setor privado representa a continuidade da luta pela integridade, agora para ajudar as empresas a fazer a coisa certa. Ouvi nos últimos dias algumas críticas precipitadas. Algumas surpreendentemente vieram até mesmo de pessoas suspeitas de terem recebido suborno ou que nada fizeram contra o sistema de corrupção revelado pela Lava Jato. Esclareço: não há conflito de interesse, pois não atuarei em casos envolvendo empresas da Lava Jato. Mesmo sendo desnecessário, pois jamais ultrapassaria a linha ética, isso está explicitado no meu contrato. Ainda trabalharei em setor diferente da A&M daquele que atende as referidas empresas. Agregue-se que a A&M não defende as empresas em questão dos crimes descobertos pela Lava Jato, mas, sim, atua na reestruturação de sua governança ou na recuperação judicial, algo completamente diferente. A única crítica que se pode fazer é que, de fato, mudei de “lado do balcão”, indo do setor público para o privado, mas os meus princípios e os meus compromissos com a integridade e a luta contra a corrupção continuam os mesmos, como sempre foram. Ajudar as empresas brasileiras e estrangeiras com políticas de integridade e anticorrupção pode fazer a diferença e transformar o país independentemente da política. Você não precisa ser juiz, ministro ou presidente para fazer a coisa certa.

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Missão quase impossível crusoe.com.br/edicoes/136/missao-quase-impossivel-2 4 de dezembro de 2020

O Centrão não vai sossegar enquanto não emplacar um nome na Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, comandado por Onyx Lorenzoni. De olho no orçamento anual de 60 bilhões de reais, integrantes do bloco versado na prática de trocar apoio no Congresso por verbas e cargos estratégicos em qualquer governo dizem que o acerto já foi carimbado por Jair Bolsonaro, mas os operadores políticos do Planalto teriam colocado uma trava na negociação. Auxiliares do presidente alegam que todas as indicações do Centrão para a secretaria subordinada ao ministério de Onyx não passaram no “teste de idoneidade” da Casa Civil. Um dos nomes foi vetado por ter recebido coronavoucher irregularmente. Outro tinha até acusação de assassinato nas costas. O governo teme novos escândalos e quer um nome “ficha limpa” — o que, convenhamos, vindo do Centrão é quase como achar agulha num palheiro.

Nomes indicados pelo Centrão para secretaria de Onyx não agradaram

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O PT, enfim, questiona Lula crusoe.com.br/edicoes/136/o-pt-enfim-questiona-lula 4 de dezembro de 2020

Lideranças petistas não escondem mais a insatisfação com os sucessivos erros estratégicos de Lula. Depois de mais um trágico resultado eleitoral, o morubixaba petista deixou de ser poupado pelas correntes mais pragmáticas da sigla. Além de terem caído na real, algo que Gleisi Hoffmann, preposta de Lula no comando do PT se recusa a fazer, dirigentes estaduais da legenda da estrela rubra pregam uma profunda renovação de seus quadros e uma mudança na narrativa da legenda, ditada até agora pelo ex-presidente. “O PT precisa aposentar certezas absolutas. Parar de achar que só porque tem o Lula vai conseguir 20% dos votos e ir para o segundo turno”, disse um dirigente paulista, decepcionado com o desempenho do partido no principal estado do país, onde a sigla fez apenas quatro prefeitos.

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Helena Witzel prefere a renúncia crusoe.com.br/edicoes/136/helena-witzel-prefere-a-renuncia 4 de dezembro de 2020

Na segunda-feira, 7, terá início a fase de instrução processual do julgamento do governador afastado do Rio, Wilson Witzel. Nessa etapa, testemunhas podem ser ouvidas e diligências e perícias serão realizadas. O processo de impeachment, no entanto, ainda tem estrada – as previsões mais otimistas no TJ-RJ dão conta de que o julgamento terminará em meados de fevereiro de 2021. A mulher de Witzel defende abreviar a agonia. De duas semanas para cá, Helena Witzel tem pressionado o marido a renunciar antes do fim do processo. Considerada instável emocionalmente – ela chegou a chorar quando, durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão no Palácio Laranjeiras em agosto, agentes da PF ameaçaram apreender suas joias, Helena acredita que a renúncia abriria caminho para a reconstrução da vida pública do casal. Por ora, Witzel resiste à ideia. Reprodução/Twitter

Helena quer que o marido planeje desde já a “reconstrução” da vida pública

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Levi em alta crusoe.com.br/edicoes/136/levi-em-alta 4 de dezembro de 2020

O presidente Jair Bolsonaro contrariou a orientação da ala fardada do governo ao abrir mão de depor no inquérito do STF que apura a interferência na Polícia Federal e cujo relator é o ministro Alexandre de Moraes. Prevaleceu a vontade do advogado-geral da União, José Levi. Segundo fontes do governo, Levi está com moral elevada no Palácio do Planalto. O AGU é considerado um dos arquitetos da boa relação do governo com o STF – seu principal interlocutor no tribunal é o ministro Gilmar Mendes. Agência Brasil

O advogado-geral da União, José Levi, virou o queridinho de Jair Bolsonaro

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Efeito colateral crusoe.com.br/edicoes/136/efeito-colateral-2 4 de dezembro de 2020

Nomeado por Bolsonaro em abril de 2019 para ocupar a diretoria executiva da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, a Anater, vinculada ao Ministério da Agricultura, o ex-deputado Benjamin Maranhão, do MDB, voltou aos holofotes na última semana ao ser alvo da Polícia Federal na Operação Sem Fundo. Apesar de Maranhão ter deixado o cargo em maio deste ano, para concorrer à prefeitura de Araruna, na Paraíba, a ação da PF não foi bem digerida pelo governo. A avaliação no Planalto foi que a operação contra o ex-diretor, suspeito de integrar um esquema de desvios de verba no Dnocs e no Incra, respingou de certa forma na imagem do presidente, responsável por chancelar a nomeação. O constrangimento, no entanto, poderia ter sido evitado. Em julho de 2019, dois meses depois de Maranhão ser oficializado na diretoria da Anater, o MPF pediu o seu afastamento. O pedido não foi analisado nem tornado público porque a investigação havia utilizado dados do Coaf e, portanto, ficou paralisada em virtude da rumorosa decisão de Dias Toffoli, então presidente do STF, de suspender todas as investigações em curso no país que tivessem como base informações sigilosas compartilhadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Foi o efeito Flávio Bolsonaro. Reprodução/redes sociais

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Nomeado por Bolsonaro para a Anater, MaranhĂŁo virou alvo da PF

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Salles 2022 crusoe.com.br/edicoes/136/__trashed-3 4 de dezembro de 2020

VELOCIDADE DO ÁUDIO Aliados do presidente Jair Bolsonaro começaram a ventilar a ideia de lançar o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como candidato ao governo de São Paulo, em 2022. O plano é garantir uma candidatura que seja capaz de defender o bolsonarismo no estado comandado pelo tucano João Doria, considerado um dos principais adversários do presidente. E ajudar, assim, a eleger parlamentares ideologicamente alinhados com Bolsonaro, a fim de fortalecer, principalmente, a bancada do boi e da bala no Congresso. Sim, você leu direito: Ricardo Salles. Adriano Machado/Crusoé

Ricardo Salles, ele mesmo, pode ser o candidato de Bolsonaro em SP em 2022

Sergio Moro Edições anteriores

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Nas garras da Gestapo Tabajara crusoe.com.br/edicoes/136/nas-garras-da-gestapo-tabajara 4 de dezembro de 2020

Edição semana 136 - Ruy Goiaba

RuyGoiaba 04.12.20

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Eleições são uma ótima ocasião para a gente constatar o quanto nossas redes sociais são mesmo uma bolha, pela simples comparação com os números do mundo lá fora (que no Brasil não tem nem saneamento básico, quanto mais conexão à internet). Na minha bolha, por exemplo, Guilherme Boulos e Manuela D’Ávila ganharam no primeiro turno suas respectivas disputas —por aclamação, salvo engano meu. Tem também um pessoal que acha o Collor engraçadão por causa de seus tuítes, e já houve até uma espécie de reabilitação de Paulo Maluf, depois de circular por aí o antigo “Roda Viva” em que o então prefeito defendia a proibição de fumar em restaurantes. (Vejo essas coisas e só penso “meu Deus, como deve ser bom ter nascido ontem. Ou anteontem”. Fecha parêntese.) A última da bolha, porém, não teve a ver com eleições —não diretamente, pelo menos. Foi o “mapa de influenciadores” revelado pelo repórter Rubens Valente, colunista do UOL. Resumindo, uma agência de comunicação contratada pelo governo federal analisou posts de 77 jornalistas e “formadores de opinião” sobre Paulo Guedes e o Ministério da Economia em maio de 2020, separando os tais influenciadores em “detratores”, “neutros informativos” e “favoráveis” e sugerindo medidas que vão desde “monitoramento preventivo das publicações”, para os críticos, até “parceria para divulgar ações da pasta”, para os puxa-sacos. (Para ser “detrator”, pelo visto, basta achar ruim Guedes prometer a venda de nove estatais em 2021 quando não privatizou nenhuma nos dois anos anteriores; depois o ministro reclama quando é chamado de Eike Batista ou Beato Salu.) Esse tipo de monitoramento não tem nada de inédito: é corriqueiro em agências de RP, por exemplo. Também não é “novidade politica”: todo mundo sabe que o PT tinha sua lista de jornalistas indesejáveis, assim como o gabinete do ódio de Carluxo tem a sua. Mas, acima de tudo, o tal mapa de influenciadores é tosco —coloca ao menos três pessoas na lista dos “detratores” e na dos “favoráveis” (sim, ao mesmo tempo), mistura aleatoriamente jornalistas com youtubers com outros, inclui desde Felipe Neto e seus milhões de seguidores a gente que não deve ser relevante nem para a própria mãe. O critério de escolha parece ter sido tirado daquele mesmo lugar de onde o Bátima Feira da Fruta tirava seu escudo. E tudo pago por você: segundo a reportagem de Valente, a agência que entregou essa lista xexelenta tem contrato de 2,7 milhões de reais com o governo federal. No entanto, na bolha das redes, o tal mapa provocou algumas reações na linha “meu Deus, estou sendo perseguido por esse governo totalitário” (deve ser uma delícia brincar de Resistência Francesa sem sair do sofá da sala) e outras de gente genuinamente chateada por não ser lembrada na lista dos “detratores”, como aquela influencer loira (“como é que essa lista tosca desse governo pífio ousou me ignorar?”). O ego do pessoal quer validação, não importa mesmo de onde venha —até de um governo odiado. E ainda acha que Jair Bolsonaro, capaz de estragos em inúmeras áreas, tem tutano e capacidade técnica mínima para implantar um regime fascista real por aqui. Uma gestão em que o

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general chefe do Gabinete de Segurança Institucional expõe ELE MESMO, de moto próprio, seus dados pessoais na internet pode no máximo aspirar a uma Gestapo Tabajara: como sempre digo, às vezes é a esculhambação que salva o Brasil. Em suma, o melhor comentário sobre as redes sociais em 2020 continua sendo aquele do Eclesiastes em 200 a.C.: vaidade das vaidades, tudo é vaidade. O que, aliás, daria bela legenda no Instagram. Deixe aqui seu like, curta e compartilhe! *** As pessoas preocupadas com a dificuldade de importar a vacina da Pfizer para o Brasil —principalmente porque o imunizante precisa ser conservado em temperaturas baixíssimas— estão subestimando o empreendedorismo do brasileiro. Posso apostar que muito em breve teremos ambulantes nas praias do Rio de Janeiro carregando a vacina dentro do isopor (“é derreal duas dose! Por quinze leva Viagra também! Fica vacinado e deixa a patroa feliz!”) e algumas doses guardadas em geladeira de padaria, ali meio escondidas atrás das caixas de Eskibon. Como disse um amigo, daí para um “drinque do verão” misturando vacina pra Covid-19, Viagra e Corote será um pulinho. Aguardem e confiem. *** A GOIABICE DA SEMANA A última eleição para o Congresso presenteou o Brasil com algumas das pessoas mais JENIAIS, com J mesmo, que já ocuparam cargos de deputado ou senador nas democracias ocidentais em todos os tempos (é claro que o nível intelectual antes disso já era altíssimo). Nesta semana, porém, o troféu tem que ser entregue a Bia “Tarja Preta” Kicis, a bolsonarista que tentou —e por algum tempo conseguiu— censurar a Crusoé. Nesta quarta (2), Kicis se mostrou muito preocupada com as vacinas contra a Covid-19. Transcrevo aqui, ipsis litteris, o pensamento vivo da deputada no Twitter: “(…) algumas inclusive trazem inovações desconhecidas em seres humanos (,) como as vacinas NRA, que podem afetar o DNA”. Não sei o que é pior: a nota zero em biologia —Kicis deve achar que a vacina “muda o DNA” de quem a recebe e pode transformar o vacinado no Homem-Corona, assim como Peter Parker virou o Homem-Aranha depois daquela picada da aranha radioativa— ou a confusão de “RNA”, a sigla em inglês de ácido ribonucleico, com “NRA”, a National Rifle Association americana. Só se a bolsonarista estiver mesmo querendo matar o novo coronavírus a tiros. Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

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Bia Kicis, essa inteligência brilhante que só abre a boca quando tem certeza

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