Crusoé #125 (28.09.2020)

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Outros papéis obtidos por Crusoé mostram que Adriano Ma ia não fo i a única testemunha ouvida no inquérito do fim do mundo, por ordem do gabinete de Alexandre de Moraes, com o objetivo de averiguar se a Lava Jato estava empenhada em investigar ministros do Supremo. Em outubro passado, Alexandre determinou que fossem tomados os depoimentos de dois alvos da operação, o auditor da Rece ita Federal Marco Auré lio Canal, ex-chefe de uma unidade do Fisco que fazia a interface com Lava Jato e acabou preso sob suspeita de participar de um esquema de corrupção, e o empresário Jacob Barata Fil ho, conhec ido como o "rei do ônibus". Nos dois casos, mostram os depoimentos, a ideia era entender se os investigadores estavam interessados em avançar sobre ministros da corte. Canal e Barata foram ouvidos no mesmo dia, 30 de outubro, pelo mesmo desembargador Morales, o magistrado instrutor do gabinete do ministro Alexandre.

Daniel Marenco/Folhapress

Jacob Barata Filho, que também foi indagado se a Lava jato pressionou por declarações contra ministros

Curto, o depoimento de Barata, que estava em prisão dom iciliar após ser alvo da força-tarefa da Lava Jato no Rio por envolvimento em tramoias com a turma de Sérgio Cabral, é esclarecedor. Barata, à época, respondia a três processos. A pergunta do emissário de Alexandre de Moraes não consta do registro, mas a resposta ind ica qual era a intenção do depoimento. O empresário, que tem laços fam iliares com a advogada Gu iomar Feitosa, mu lher do m inistro Gil mar Mendes, respondeu assim: "Nesses processos somente teve contato com membros do Ministério Público Federa l durante a aud iências; em nenhum momento recebeu, sob qualquer circunstânc ia, pressão ou mesmo sugestão de qualquer autoridade no sentido de prestar declarações desfavoráveis a qualquer magistrado, inclusive da Suprema Corte". O auditor Marco Auré lio Canal, por sua vez, fo i ouvido em razão de outra ce leuma. Meses antes, t inha vindo a público a existência de uma apuração interna da Rece ita sobre a evolução patrimonial de fam iliares de ministros de tribunais superiores com atuação em escritórios de advocacia. Entre os alvos do levantamento estavam Gu iomar Feitosa, a mulher de Gil mar, e Roberta Range l, mu lher de Dias Toffo li . O próprio Gilmar chegou a dizer publicamente que a Lava Jato estaria por trás do traba lho. Em uma entrevista, ele citou nom ina lmente Marco Auré lio Canal como um dos supostos responsáveis pelo serviço. "Tenho curiosidade de saber quem mandou a Receita fazer (a apuração). O que se sabe é que quem coordenou essa operação é um sujeito de nome Marco Auré lio Canal, que é chefe de programação da Lava Jato do Rio de Janeiro. Portanto, isso explica ' um pouco esse t ipo de operação e o baixo nível. As vezes, querem atingir

fazendo esse t ipo de coisa. Estão incomodados com o quê? Com algum habeas corpus que eu tenha conced ido na Lava Jato?", afirmou o ministro à Globonews. Gilmar, assim como Toffoli, acreditava que tinha virado uma espécie de alvo co lateral e ocu lto da Lava Jato. Era justamente sobre o proced imento de apuração do Fisco que Alexandre de Moraes queria que o auditor prestasse esclarecimentos, nos autos do inquérito do fim do mundo. Primeiro, Marco Auré lio Canal negou participação no levantamento que mirou a evolução patrimonial de fam iliares de m inistros. Depois, assim como Barata Fil ho, ele foi indagado sobre supostas pressões. A resposta fo i resum ida assim no termo de depoimento: "Em nenhum momento sofreu qua lquer pressão para direc ionar os trabalhos fiscalizatórios na Rece ita em re lação a qualquer autoridade; tampouco tem conhecimento (de) que qualquer outro co lega seu tenha receb ido ta l t ipo de pressão ou mesmo sugestão de d irecionamento dos trabalhos". Um dos piores capítu los da história do Supremo, o inquérito sigiloso, a pretexto de proteger a corte e a democracia, acabou por avançar sobre o livre func ionamento das institu ições. Virou um instrumento de autoproteção não apenas contra ameaças de militantes vo luntariosos, como o d iscurso oficial fazia crer, mas também para que as excelências soubessem, de antemão, se estavam expostas a riscos de outra ordem.

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Vivianne, mulher de Marco Mulher do ministro Marco Bell izze, Vivianne Fitchner atua em 78 casos no STJ, onde chegou a defender o ex-governador Lu iz Fernando Pezão. Ela é irmã e fo i sócia de Régis Fi ch ner, ex-secretário da Casa Civil que integrou os esquemas de corrupção do ex-governador Sergio Cabral. Vivianne defende perante a corte a White Ma rtins, empresa investigada por recebe r benefícios fisca is de mais de 500 ' milhões de reais enquanto Régis estava na casa Civil de Cabral. A época em que

ocupava o cargo público, Régis estava afastado do escritório, mas, após deixar o governo, recebeu 16 milhões de rea is da ba nca. A Lava Jato suspeita que os pagamentos ao escritório, do qual Vivianne fez parte, sejam uma co ntrapartida aos benefícios. Em sua delação, o ex-governador Sergio Cabral citou o nome do ministro em um episódio envolvendo a família da mulher dele. Cabral disse que Régis Fichner, cunhado do m inistro, o pressionou (e até o ameaçou) para que ele atuasse na ind icação de Marco Auré lio Belizze para o Superior Tri bunal de Justiça. Na corte, Vivia nne ainda aparece como defensora de causas da da Va le, do empresário Alexand re Accio lly e do Grupo Libra, investigado no inquérito dos portos por pagar supostas propinas ao ex-presidente Michel Temer e citado por Cabral como parceiro de negócios ilícitos de Regis Fitc hner.

Marcos, filho de José O ex-m inistro José Castro Meira, ind icado por Lula em 2003, deixou o STJ em 2013 e tem atuado, ao lado de seu f ilho, Marcos Meira, em um escritório de advocacia situado em uma área va lorizada de Recife, com uma equipe de oito advogados especia li zados em direito público e tributário. Marcos aparece atuando em mais de 2 m il processos no STJ. Em 2016, a Lava Ja to revelou que o advogado recebeu 11,2 milhões de rea is da Odebrecht ent re 2008 e 2013. No mesmo período, o pa i dele, àquela altura na ativa na corte, votou pela prescrição ' de uma dívida de meio bil hão de reais da Braskem, contro lada pela Odebrecht. A

época, Marcos Meira alegou que prestava serviços havia 15 anos pa ra a empreiteira, cujos executivos nunca mencionaram o contrato nos acordos de delação f irmados com a PGR. O advogado também já foi envolvido na Lava Jato em razão de sua amizade com o deputado Dudu da Fonte, do Progressistas, um dos acusados de integrar uma organização cri minosa na cúpula do partido. Ele foi delatado por um ex-assessor do senador Ci ro Nogueira, presidente da legenda, por supostamente receber 1,25 milhão de reais de Dudu em um esquema de distribu ição de propinas. A PGR chegou a denunciar Dudu da Fonte e Ciro Nogueira . Marcos Meira f icou de fo ra da acusação.

*** De tempos em tempos surgem escânda los envolvendo a atuação de fam iliares de ministros no STJ. No passado, um deles abreviou a passagem de Paulo Med ina pela corte. Alvo da Operação Furacão, deflagrada em 2005, o então ministro foi aposentado compu lsori amente pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ. Com a "punição", ele manteve seus vencimentos de 25 mil rea is por mês. Med ina fo i acusado de vender, por 1 m il hão de rea is, uma sentença favoráve l à Máfia dos Caça Níqueis. O negócio envolvia um parente. O irmão dele, Virgílio Med ina, fo i apontado como o operador da negociação. Antes de Paulo Med in a, só um ministro havia sido afastado da corte. Foi em 2003. Vicente Leal deixou a toga por vender um habeas corpus a um t rafica nte. Apesar do cerco na Lava Jato do Rio aos parentes de m inistros do STJ, os ocupantes das cade iras do tribu nal superior ainda parecem gozar de certa blindagem no Judiciário. No apagar das luzes de seu mandato na presidência do STF, o ministro Dias Toffoli arqu ivou doze inquéritos abertos a partir da delação de Sergio Cabral. Entre os beneficiários da decisão estão Humberto Martins, atua l presidente do STJ e pai de Edua rdo, e seu co lega Napoleão Nu nes Ma ia. Napoleão, por sina l, ped iu nos últimos dias ao ministro Gil mar Mendes para suspender outra apuração, aquela da Fecomércio, em que seu nome também é citado.

Com reportagem de Fabio Serapião

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Reprodução

Guerrilheiros do EPP em ação: brasileiros como alvos

Ameaça bem ao lado A violência das Farc foi debelada, mas outra guerrilha segue ativa perto da fronte ira com o Brasil: no Paraguai, um m inúsculo grupo marxista-lenin ista sequestra um ex-vice-presidente e amedronta fazende iros brasi leiros 18.09.20

DUDA TEIXEIRA

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Grupos armados revo lucionários de esquerda perderam a maior parte do poder e da influência que já desfrutaram na América Latina. Quase todos os 7 m il membros das Forças Armadas Revo lucionárias da Colômbia, as Farc, abandonaram a luta armada depois que os terroristas assinaram um acordo de paz, em 2016. Nesta semana, o Partido das Farc, criado após o acordo, publicou uma nota pedindo desculpas pelos sequestros, que eles consideraram um "erro gravíssimo". No Peru, as forças de segurança atacam os remanescentes do Sendero Luminoso, os qua is somam cerca de 450 homens. Os ma is ativos atua lmente são os d issidentes das Farc e o Exército de Libertação Nacional, o ELN, que vivem protegidos na Venezue la. Além d isso, outro país onde um grupo com ideias ultrapassadas espalha o terror é o Paragua i. No último d ia 9 de setembro, o ex-vice-presidente do Paraguai Óscar Denis, de 74 anos, foi sequestrado pelo Exército do Povo Paraguaio, o EPP, com um de seus empregados, Adelio Mendoza. O crime ocorreu quando ele chegou de carro a uma de suas propriedades rura is, perto da fronte ira com o Brasi l, na altura de Mato Grosso do Su l. Foi um dos atos mais ousados do EPP, cuja ação mais chamativa até então t inha sido a morte de oito soldados paragua ios, há dois anos. Criado em 2008, o grupo cultiva uma ideologia que mescla marxismo-leninismo com nacionalismo paraguaio. Além dos símbolos comun istas, suas bandeiras incluem a imagem do genera l Francisco Solano López, o d itador que invad iu Brasil e a Argentina e iniciou a Guerra do Paraguai, em 1864. Seus principa is alvos são as comun idades de protestantes menonitas e os produtores rura is brasil eiros, os "brasigua ios". A região onde o grupo atua fica a apenas 30 quilômetros da fronte ira com o Brasil . Apesar de os brasileiros terem começado a se insta lar no Paragua i nos anos 1960, a área onde se concentra o EPP só presenciou essa m igração mais tarde, a partir dos anos 2000. Hoje, diversas propriedades produzem e exportam soja, mi lho, girassol e carne para o resto mundo, o que tem ajudado a desenvolver uma das regiões ma is pobres do Paraguai. Para o EPP, esses produtores são inim igos que afrontam a soberan ia do pa ís, exploram seus func ionários e destroem a natureza. Quando os brasiguaios se recusam a pagar o "imposto revo lucionário" que os guerril heiros cobram, suas terras são invad idas e as máquinas, queimadas. Eles também são vítimas constantes de sequestros. Em 2014, o brasiguaio Arlan Fick, então com 17 anos, ficou nove meses em cative iro. Quatro anos depois, o madeireiro brasileiro Va lmir de Campos, de 48 anos, foi capturado e assassinado.


Na comparação do EPP com outr os grupos q ue já espa lharam a vio lência no continente, os paraguaios são insignificantes. Juntando os vários bandos, eles ,

não passam de 80 integrantes. E uma turma minúscu la. Vá rios estão ligados à mesma família, os Vi llalba. Em um vídeo que o EPP exigiu q ue a fam íli a de Denis divulgasse, o grupo mostra seu principal chama riz para atrair novos recrutas: imagens de sanduíches, latas de atum, cachorro-quente, bolo e um churrasco ,

com espetinhos. Os sequestros, como o de Oscar Denis, são a principal fonte de recursos. Há dúvidas se o grupo se enriquece com o tráfico de maconha, que é pr oduzida na região e expor tada para o Brasi l. Em uma planilha do Primeiro Comando da Capital, o EPP apar ece como "neutr o", o q ue indica uma coex istência pacífica - não necessariamente negócios. O EPP também não conta com apoio de partidos, como acontecia com as Farc. No passado, os terroristas colomb ianos tr einaram soldados da guerrilha paraguaia. Em 201O, o ditador venezue lano Nico lás Maduro, quando ainda ministro de Relações Exteriores, visitou o país e se encontrou com membr os do EPP, mas o acor do de paz na Colômbia e a crise no país boliva riano diminuíram o suporte externo. Dentro da sociedade paraguaia, o apoio é quase nulo. Como ,

uma das cond ições para libertar Oscar Denis, o EPP exigi u que a família do sequestrado distribuísse cestas básicas com uma mensagem do grupo em comun idades carentes. Várias delas recusaram a ofer ta. No domingo, 13, paraguaios foram às ruas protestar contra os guerrilheiros. "O apoio a eles não ,

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chega a 1% ou 2% do pais. E passivei que ten ham alguma apr ovação entre as comun idades onde distribuem alimentos. Mesmo assim, é algo marginal", diz o paraguaio Francisco Capli, diretor de um instituto de pesquisas em Ass unção. A resi liência do EPP não é explicada pelos seus próprios méritos, mas pelas debi lidades do estado par agua io. As for ças de segurança do país são facil mente corr ompíveis. Por isso, são ineficientes mesmo quando em maior número. Em 2016, o governo criou a Força-Tarefa Conjunta, com a missão de acabar com o grupo. Nesta sema na, 800 mi litares e policia is da FTC foram enviados para a cidade de Arroyito para debelar o EPP. Mesmo com dez oficiais para cada membr o do EPP, o resu ltado ainda não apareceu. Mais do que acabar com o EPP, a força-taref a parece estar mais pr eocupada com sua pr ópri a manutenção. "O que a FTC faz é usar o EPP para garantir a sua verba anual, de 14 milhões de ,

dólares ao ano. E um dinheiro garantido, q ue não exige qua lquer pr estação de contas. Por causa disso, eles não têm a intenção de desarticular o EPP", diz Juan Martens, especia lista em criminologia e segurança na Universidade Nacional de Pilar.

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Pedro Ladeira/Folhapress

"Falta respeito do deputado Rodrigo Maia, q ue se julga o imperador, e é apenas presidente da Câmara"

'O balcão está de pé' O senador Álvaro Dias crit ica a relação do governo Bolsonaro com os out ros poderes e d iz que a CPI da Lava Toga é crucial para arej ar os tribunais 18.09.20

HELENA MADER

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Há ma is de três anos, o Senado aprovou uma proposta de emenda à Constituição que prati camente extingue o foro privilegiado. O texto reduz de 55 mil para cinco o tota l de autoridades beneficiadas pelo direito de serem processadas no Supremo Tribuna l Federal, algo que há tempos é sinônimo de impunidade no Brasil. O texto passou por todas as comissões e está pronto para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados, mas por ora dormita na ,

gaveta de Rodrigo Maia. Alvaro Dias, o autor da proposta, conta minuciosamente o tempo transco rrido desde o último andamento. "Faz exatos 1.196 dias", dizia ele na última segunda-feira. Recenteme nte, j untamente com colegas do grupo Muda Senado, o senador do Podemos assinou um ma nifesto para cob rar que Ma ia leve o tema a plenário - a pandem ia é uma das justificativas para adiar o debate, mas pressões que vêm dos três Poderes têm contri buído pa ra a decisão de postergar indefinidamente a votação. "Fa lta respe ito do deputado Rodrigo ,

Ma ia, que se julga o imperador, mas é apenas presidente da Câmara. E um projeto da maior importância", afirma o senador. ,

Nesta entrevista a Crusoé, Alvaro Dias defende ainda a votação de outra PEC, a da Segunda Instância, e a abertura da CPI da Lava Toga, que para ele seria importa nte pa ra moderni zar as engrenagens do Poder Jud iciário e mudar, por exemplo, a forma de escolha de ministros de t ri bunais superiores. "Sugiro a substitu ição da intervenção política pela meritocracia." O senador diz que a com issão poderia ser um bom lugar para se investigar suspeitas como as que a Lava Jato reuni u sobre o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribuna l Federal, confo rme mostrou a última ed ição de Crusoé. Sobre o cl ima de acordão reinante em Brasília, o parlamenta r paranaense, que chegou a disputa r o Palácio do Plana lto em 2018, critica Jair Bolsonaro. "O que se pregou é que teríamos uma re lação republicana entre os poderes, mas os velhos hábitos e as práticas antigas sobrevivem com muita fo rça. O balcão está de pé", dispara.

A PEC do fim do foro privilegiado, de sua autoria, foi aprovada pelo Senado em 2017 e, desde então, está na Câmara. O que falta para que o texto seja votado? Em primeiro luga r, falta respeito do deputado Rod rigo Ma ia, que se julga o imperador, e é apenas presidente da Câmara. O projeto foi aprovado pelo ,

Senado faz exatos 1.196 dias. E um projeto da maior importância. A matéria foi alvo de debate no própri o Supremo. O Legislativo não cump ri u seu papel até este momento. O desrespeito é ma is deplorável ainda com re lação à sociedade, j á que mais de 90º/o dos brasileiros desejam o f im do foro privilegiado. Ma is do que isso, desejam o fim dos privilégios das autoridades e esse é o ma ior deles, o mais emblemático. Não existe em nenhum lugar do mundo nada que se aproxime desse privilégio conced ido a ma is de 55 m il autoridades no Brasil . Não podemos responsab ilizar partidos, deputados. Só nos cabe responsab ili zar o presidente da Câma ra. Nesse sistema presidencia lista que vigora no Congresso, o presidente da Câmara tem tota l autonom ia para deliberar, para pautar ou não pautar.


De onde vêm as resistências contrárias ao fim do foro? O Antagonista revelou recentemente que a pressão para não pautar vem do ,

Judiciário. Isso chega a ser inacreditável. E o Judiciário abraçado ao retrocesso na legislação do país. A existência do foro é um atraso, uma vez que o mundo todo evolui em matéria da legislação e o f im do foro seria um salto civilizatório. Seria um passo decisivo rumo a uma nova Justiça no pa ís, com o cumprimento do artigo 5° da Constituição, onde está escrito que somos todos iguais perante a lei.

E qual seria a saída diante da resistência de setores do judiciário? Realizar antes a CPI da Lava Toga? Não há por que cond icionar uma co isa à outra. Temos que fazer a leitura correta do que é a prioridade para o país e para a sociedade. Não há nenhuma dúvida de que hoje, em uma re lação de prioridades dos brasil eiros com relação à atuação do Congresso, esse projeto e a PEC da Segunda Instância são os mais aguardados. E a prisão após condenação em segunda instância agora cabe ao Congresso, já que o Supremo vo ltou atrás em uma jurisprudência que avançava.

Na semana passada, Crusoé mostrou detalhes de uma investigação sobre o relacionamento do ministro Dias Toffoli, do Supremo, com empreiteiras, como a Odebrecht. Como fica a CPI da Lava Toga diante de casos como esse? Tudo está em compasso de espera até o retorno à normalidade das atividades do Congresso. Esse sistema remoto de votação tem li mitações para avanços dessa natureza. O que se defendia antes era uma CPI que abordaria questões pontuais do campo da investigação e trataria de propor alternativas de reforma do Jud iciário, especialmente no que se refere ao modelo de escolha de ministros de tribuna is superiores. Uma CPI seria um bom palco para esse debate.

Eduardo Anizelli!Folhapress

''As eleições, que eram vistas como uma grande esperança, acabaram se

constituindo em caminhos de atraso"

O sr. é favorável à CPI? Sim. Creio que seria algo positivo. Se há denúncias, elas devem ser esclarecidas. Obviamente, o ideal é que a investigação se faça por intermédio do Ministério Público. Uma CPI tem como f ina lidade centra l convocar o Ministério Público para a instauração de proced imentos de investigação quando há denúncias. Nesse aspecto, a CPI seria importante, além da questão propositiva. Seria o lugar adequado. Outras CPls foram fundamenta is para propor mudanças na legislação.

Como deveria ser a escolha de ministros de tribunais superiores? O modelo de escolha de m inistros de tribuna is superiores seria certamente peça importante da parte propositiva da CPI. Eu defendo a substituição da intervenção política pela meritocracia. A própria magistratura faria uma lista e caberia ao presidente da Repúb lica encaminhar para sabatina no Senado. Defendo ainda a f ixação de mandatos, a exemplo do que ocorre em outros pa íses. Há sugestões de períodos de oito, dez anos, por exemplo, mas essa é uma questão a se discutir. No meu entendimento, é preciso colocar como critério essencia l mérito, conhec imento e competênc ia. Caberia aos próprios magistrados selecionar.

Como avalia os sucessivos ataques à Lava jato? O combate à corrupção no Brasil tem uma história escrita com avanços e recuos. Não é recente a existência de golpes contra a Operação Lava Jato. Acompanhamos há um bom tempo sucessivos ataques com objetivo de fragilizar a operação nos três poderes, com recuos, retrocessos, especia lmente depois de 2019. As eleições, que eram vistas como uma grande esperança, acabaram se constituindo em cam in hos de atraso. O combate à corrupção perdeu força. Até mesmo no período do presidente Michel Temer, com duas denúncias por corrupção apresentadas pela Procuradoria-Gera l da Repúb lica, com ele se defendendo da instauração de procedimentos de impeachment, as instituições agiam com autonomia plena, com independência absoluta, com uma força ma ior de sustentação à Operação Lava Jato. A fragilização desde a eleição se tornou visível, com alterações na área do Legislativo, como a Lei do Abuso de Autoridade, por exemplo, aprovada com o objetivo de limitar a capacidade de investigar, de denunciar e de ju lgar. O próprio interesse de ava nçar na legislação criminal foi corromp ido. As dez med idas de combate à corrupção desapareceram. O Supremo, por seis votos a cinco, acabou com a prisão após condenação em segu nda instância. São retrocessos imperdoáveis que ocorreram a partir de 2019, na esteira da eleição de 2018. Nós sabemos que há interesses daqueles que desejam a impunidade como regra .



O apelido de Lewandowski 18.09.20

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Não que houvesse qua lquer indício de ilegalidade, mas a certa altura do depoimento sigi loso em que dois procuradores a serviço da PGR o indagaram sobre mensagens relativas a Dias Toffoli, Marcelo Odebrecht foi confrontado com um e-ma il em que aparecia o apelido "Polaco". O assunto era um processo de interesse da Odebrecht em tramitação no Supremo Tribuna l Federal sobre o qual Lula teria trocado impressões com Emílio Odebrecht. Marcelo disse que "Polaco" era como os executivos da empreiteira se referiam a Ricardo Lewandowski e, em seguida, explicou genericamente o contexto da conversa. Depois, tomou a iniciativa de fa lar mais: a Odebrecht tentou - segundo ele, sem sucesso - se aproximar de Lewandowski por meio de um petista estrelado. "A gente sempre tentou ou especu lou que o Lewandowski poderia aj udar a gente em vários temas, porque todo mundo sabe que se tem uma pessoa que é próxima do Lula, dos ministros (do STF), é o Lewandowski. Na nossa avaliação o Lewandowski era até mais próximo do Lula do que o próprio Dias Toffoli. Mas nunca ...", diz Marcelo. "Mas vocês tentaram alguma coisa?", indaga um dos procuradores. "Não. Não com o Lewandowski. O que se dizia era que o padrinho do Lewandowski, a pessoa da re lação dele, era o Luiz Marinho (ex-ministro, exprefeito de São Bernardo do Campo e amigo de Lula). Então nós tivemos 'n'

contatos, eu não pessoalmente, mas o nosso pessoal teve 'n' contatos com o Luiz Marinho ... Alexandrino (Alexandrino Alencar, ex-executivo da empreiteira) principalmente ... para fa lar sobre essa questão do Lewandowski, para várias coisas. Mas eu nunca soube que nada andou. Eu nunca soube, assim, de nenhuma conversa de fato com o Lewandowski. Um investigador faz a ressa lva: "E não foi identificado nada. Que fique bem claro". Marcelo, então, vo lta a mencionar a tentativa de aproximação e diz acreditar que o objetivo não foi atingido. "A gente sempre especulava que o Lewandowski poderia aj udar, mas nunca acho que a gente conseguiu chegar nisso." O mais impressionante dessa passagem do depoimento é a naturalidade com que o delator mais famoso da Lava Jato fa la de uma tentativa da empresa que comandava de se aproximar de um juiz da Suprema Corte.

0 STF

Lewandowskl: Marcelo Odebrecht relata tentativa de aproximação via Marinho


Perseguição na PGR 18.09.20

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Os procuradores do grupo de trabalho da Lava Jato que tocaram na PGR a apuração sobre e-mails de executivos da Odebrecht com menção a Dias Toffoli não só viram o resultado do trabalho empacar no gabinete de Augusto Aras. Depois de pedirem para deixar seus postos por discordarem de atitudes do procurador-geral, eles passaram a ser alvos de uma sindicância interna relaci onada ao caso. Ou sej a: depois de fazerem o que deveri a ser feito, ainda podem aca bar punid os.

0 Adrtano Machado!Crusoé

A PGR ao cair da noite: de caçadores, procuradores viraram caça


Promotores plotados 18.09.20

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0:00 I 0:28

Não é só em Brasília que investigadores estão sendo empurrados para o canto do ringue. No Rio, promotores que atuam na investigação sobre o esquema de "rachid" no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro também estão sendo perseguidos e ao menos um deles deve largar o front em breve, segundo colegas. A ofensiva inclui dossiês e ameaças veladas a fam iliares.

MP-RJ!Alziro xavier

A sede do MP no Rio: clima de caça às bruxas

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RSVP no STJ 18.09.20

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Funcionários do gabinete de João Otávio Noronha no STJ tiveram que fazer um serviço extra na semana passada: foram incumbidos de disparar te lefonemas para convidados do casamento da f ilha do ministro, a advogada Anna Carolina Noronha. Nas ligações, os convivas eram avisados de que na festa seriam adotados cuidados especiais em razão da pandem ia de coronavírus. O casório de Ninna com um empresário endinheirado de Brasília foi no sábado. Noronha contava com a presença de Jair Bolsonaro, de quem virou amigo de infância. O presidente deu bolo, mas foi representado por Jair Renan, seu filho 04.

STJ

O ministro Noronha: serviço particular no gabinete

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Guedes indica 18.09.20

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O presidente da Embratur, o sanfoneiro Gilson Machado Neto, ganhou rece ntemente um reforço em sua equ ipe de func ionários. Trata-se de Claudine Bicha ra, co ntratada para ser gerente de recursos, com salário de 25,7 mil rea is. El a não carrega o sobrenome famoso, mas é irmã de Carl os Ghosn, ex-presidente da Nissan, que protagon izou uma fuga cinematográfica do Japão para o Líbano, em janeiro, para escapar de um julgamento por crimes f inanceiros. Claudine foi indicada para a Embratur pelo ministro da Econom ia, Pau lo Guedes. A Crusoé, porém, o sanfoneiro Gilson minimizou o papel do padrinho de sua nova func ionária. Ele disse que na Embratur "não são levados em conta re lacionamentos e amizades dos contratados". Sócia de uma empresa de consultoria na área de comérc io eletrônico, Claudine foi presidente da Câmara de Comércio França-Brasil, com sede no Rio, até 2017.

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Embaixada dos Emirados Arabes

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Claudine em compromisso na embaixada dos Emirados Arabes: irmã de Ghosn


Replay no Rio 18.09.20

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Adversários na d isputa pela prefeitura do Rio, o atual prefeito da cidade, Marcelo Crivella, e seu antecessor, Eduardo Paes, devem ser alvos, em breve, de mais uma investida do Ministério Público f luminense. Será uma espécie de replay das operações deflagradas na semana passada co ntra a dupla. Estão em estágio avançado na Promotoria Eleitora l inquéritos que apuram supostos repasses avançado na Promotoria Eleitoral inquéritos que apuram supostos repasses irregu lares de dinheiro para ambos. No caso de Crivella, são recursos do caixa dois da Fetranspor, a federação das empresas de ônibus, na campanha dele para o Senado, em 201 O. Já a apuração sobre Paes envolve transferências da Odebrecht em 2008, quando ele se elegeu prefeito. Como mostrou Crusoé na última edição, as entregas de dinheiro vivo vinculadas às duas campanhas foram ,

feitas pelo mesmo operador financeiro, o doleiro Alvaro Novis.

Fernando /:razão/Agência Brasil

Crivei/a, junto com seu rival Paes, deve ser alvo de novo

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DIOGO

MAINARDI NA ILHA DO DESESPERO

Não adianta 18.09.20

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O f inanciamento da imprensa em tempos de internet é um assunto deprimente, porque sempre acaba com um jornalista indigente mend igando uns ca raminguás. Eu tenho feito isso desde que inauguramos o site, há quase seis anos. ,

E preciso reconhecer, porém, que o tema desperta o interesse de mu ita gente. Em particular, o financ iamento de nosso site. Jair Bolsonaro, Dias Toffo li, Gilmar Mendes e Cristiano Zan in Martins - só para citar alguns exemplos - j á acusar am O Antagonista e a Crusoé de ganharem dinheiro especu lando com a notícia, por meio de nosso sócio, a Empiricus. Não ad ianta dizer que a Empiricus não é uma corr etora de va lor es. Não ad ianta dizer que, por contrato, somos proibidos de investir no m ercado acionário ou no mercado camb ial. Não adianta dizer que a Empiricus nunca fez um aporte de cap ita l em nossa empresa, porque somos bem administrados (parabéns, Mario). Não, não ad ianta d izer nada disso, porque o que importa para aquela gente é especular com a imbecilidade de determ inadas pessoas e desviar o foco das notícias que publicamos. Alguns dias atrás, os bolsonaristas espa lharam nas r edes sociais que recebemos 49 r eais em propaganda do governo. Como sabem nossos leitores, r ecusamos toda e qualquer publicidade estatal ou paraestata l, mas os fi ltros do Google devem ter falhado e os 49 r eais em anúncios governamentais aparentem ente pingaram em nosso site. Já devolvemos a quantia para a Secom, juntamente com um e-ma il proibindo os m arqueteiros bolsonaristas de emporca lharem nosso jornal com seu dinheiro asqueroso. Pela última vez: a Crusoé depende apenas de seus assinantes. Já tentamos arrum ar uns anúncios, mas o conteúdo da r evista deve assustar o mercado publicitário, porque a iniciativa privada, no Brasil, sempre tem um pezinho no governo. O Antagonista também tem seus assinantes, em O Antagonista+, mas a maior parte de sua receita publicitária vem de banners gerados automaticamente. Os inimigos sabem disso, porque j á tentaram de tudo para nos atingir - da censu r a ao roubo de mensagens, como no caso dos hackers verdevald ianos. Ainda estamos aqu i, mendigando uns caraminguás.

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MARIO

SABINO A lata velha de Piketty e Huck 18.09.20

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Em 2013, ao passar pela ca lçada da livraria parisiense La Hune, em Sa intGermain-des-Pres, deparei na vitrine com o recém- lançado O Capital no Século

XXI, do econom ista Thomas Piketty. Como livro de francês sobre capitalismo só pode ser contra o cap ita lismo, não dei bo la. Embora o mais conveniente para m im tivesse sido me tornar socia lista, sou lúcido demais para não me enganar a respe ito da natureza do ser humano. Dada a inexorabili dade do capitalismo, a livraria La Hune faliu, infeli zmente, devorada pe lo capítulo fina l de um incênd io em 2017, mas Piketty continua vivíss imo. Eu deveria ter dado bola para o seu livro, porque o sujeito se tornou um sucesso mundia l graças ao cartapác io. Amostra sup lementar de que o meu faro jornalístico enfraqueceu-se depois da covid dos 50 anos, juntamente com a m inha paciência. O sucesso de Piketty é tanto que, da vitrine da La Hune, ele fo i parar numa recente entrevista feita por L'uciano Huck. O apresentador agora entrevista gente que, no seu ju lgamento, pode trazer luzes ao tal do debate -

e

holofotes para a sua eventua l candidatura em 2022. Se você consegu iu a façanha de passar incólume por Piketty, eu resumo: ele faz longos retrospectos, mu ito interessantes, para embasar a ideia de que o capita lismo passou a concentrar tanta renda, mas tanta, que se chegou a um nível insuportável de desigualdade. Solução: taxar progressiva e pesadamente renda e riqueza, assim como se fez na Europa do f ina l da Segunda Guerra Mundial até a década de 1990, quando os impostos começaram a dim inuir para os r icos e suas empresas. Piketty acredita que a diminu ição de taxação está intimamente ligada ao aumento da desigualdade. Para reduzir esta última, portanto, seria fundamenta l aument ar a primeira. Carregar os ricos e as suas empresas de impostos não in ibiria ainda mais o crescimento econôm ico? Piketty fez uma aná lise de curvas disso e daquilo para concluir que a extrema desigua ldade é que seria fre io para o incremento sustentável da atividade A

econom 1ca. De fato, mesmo quando se constata que os homens são desiguais em suas capac idades e a massa de extremamente pobres é atualmente a menor da história, não dá para ignorar que o abismo socioeconôm ico vem se aprofundando de maneira perigosa para a manutenção do próprio sistema. Obviamente, há países ma is desiguais do que outros, no Brasil a co isa já virou f lagrante delito, mas o quadro preocupante é geral. Ignorante em econom ia, desconfio de que as respostas efetivas para esse problema concreto, por mais que variem de latitude para latitude, devem ser dadas sempre dentro do capita lismo. Afinal de contas, como expressão da natureza h umana, ele já demonstrou ser o p ior dos sistemas econôm icos

à exceção de todos aqueles já

experimentados, parafraseando Winston Church ill .


Até o lançamento de Capital e Ideologia, em 2019, Piketty ainda não tinha saído comp letamente do armário. Mantinha metade do pé esquerdo lá dentro. Como o sucesso liberta, ele assumiu de uma vez ser sociali sta. Ele não almeja dim inuir a ,

desigua ldade para destravar o capita lismo, quer mesmo é mudar o sistema. E o arauto do socialismo no século XXI. Quem sa i aos seus não se regenera, eu diria. Em Capital e Ideologia, lá na longínqua página 836 da ed ição brasileira, depois de fazer nova apologia do imposto progressivo sobre patrimônio, rendas de traba lho e do capita l, Piketty conclui, triunfante: O modelo de socialismo participativo proposto aqui se baseia em dois pilares

essenciais visando erradicar o atual sistema de propriedade privada e substituí-lo pela propriedade social e pelo compartilhamento dos direitos de voto nas empresas, bem como pela propriedade temporária e pela circulação do capital. Combinando os dois elementos, chegamos a um sistema de propriedade que já não tem muito a ver com o capitalismo privado tal como o conhecemos atualmente, e que constitui uma real erradicação do capitalismo. E acrescenta:

Essas propostas podem parecer radicais. Saliento, no entanto, o fato de que, na realidade, elas se situam numa linha de evolução que começou no final do século XIX e no início do século XX, tanto no que concerne ao compartilhamento do poder nas empresas quanto ao surgimento do imposto progressivo. Esse movimento foi interrompido ao longo das últimas décadas, em parte porque a social-democracia não renovou e internacionalizou o seu projeto o suficiente e, por outro lado, porque o dramático fracasso do comunismo em sua vertente soviética lançou o mundo numa fase de desregulamentação sem limites e de renúncia a toda ambição igualitária a partir dos anos 1980-1990. Basicamente, o que Piketty está dizendo é que o socialismo não morreu, porque o socialismo que ru iu não era o verdadeiro socialismo (cansa, né, meu filho?). O verdadeiro socia li smo será alcançado fiscalmente e a tomada dos meios de produção será por meio da propriedade temporária. O sujeito investe num negócio, o negócio dá certo, ele é obrigado a pagar impostos cada vez mais altos, os func ionários passam a ter d ireito de votar sobre o destino da empresa, o lucro adquire função estritamente social e, voilà, um belo dia ele se vê obrigado a abrir mão do que era seu. Traduzindo: o futuro é o socialismo de cooperativas. A esta altura do campeonato, estou para o mundo como Rhett Butler para Scarlett O'Hara, em E o Vento Levou... : "Frankly, my dear, 1 don't give a damn." Mas, voltando ao início deste artigo, alguém precisa avisar L'uciano Huck que, se ele concorda mesmo com Piketty, f icará esqu isito continuar a fazer propaganda de corretora. Também terá chegado a hora de iniciar a transformação das suas centenas de m il hões de reais em propriedade temporária, para dar exemplo. E, se for eleito presidente da República, o cam inho coerente a seguir será o de aumentar progressivamente os impostos sobre renda e riqueza, a começar pela sua própria fortuna e as dos am igos dele. Vai ter de botar todo mundo dentro do ca ldeirão, não tem jeito. De qua lquer forma, já há uma semelhança entre o economista francês e L'uciano Huck, para além de ambos terem nascido em 1971: Piketty também pegou uma lata ve lha e deu uma recauchutada nela para parecer um carro novo. Dá para acumular um bom capital fazendo isso no sécu lo XXI.

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CARLOS FERNANDO

O Brasil não é um país sério 18.09.20

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Ni nguém nasce vilão ou corrupto, por certo! Se o ser humano não é uma folha em branco, nem um bom selvagem, também não nasce o lobo do próprio homem. Há mu ito de genético nas características humanas, mas sem dúvida o caráter é muito influenciado pelas circunstânc ias de vida. O sucesso em mu itos meios, por exemplo, exerce uma importante influência sobre as decisões morais. Quando se cresce em um ambiente social em que o reconhec imento está atrelado a va lores positivos como cred ibilidade, honestidade e traba lho, certamente o resu ltado para a maior parte da popu lação será também nesse sentido. Se os valores forem em caminho oposto, não se pode exigir outro resultado que a subserviência e o servilismo dos indivíduos. Ass im, num país em que a política não reconhece sequer a lei como limite, o sucesso na vida pública, para mu itos, parece ser somente atingível por um comportamento amora l e subserviente aos poderosos, para d izer o mínimo. E é isso que se constata, infelizmente, na alta administração do serviço público. Existe há mu ito tempo um aparelhamento do estado para servir a interesses de pessoas e grupos poderosos, e isso acontece justamente pela co locação de pessoas em postos-chave dos órgãos de contro le. Enfim, temos institu ições que instrumentalizam o ditado: uma mão lava a outra, e as duas lavam a cara. Vemos isso nos postos-chave da República. Temos um m inistro da Saúde que desconhece completamente essa área, mas que foi co locado lá por cumprir ordens cegamente, mesmo as mais absurdas, como militar da ativa que é. Vemos um procurador-gera l da Repúb lica cuja função é a de conter investigações independentes e manter sob controle o Ministério Público Federa l. Ass istimos a um ministro da Justiça ser demit ido por se opor ao uso da Polícia Federal por interesses políticos e pessoa is do presidente da República. Disputam o m inistro da Justiça e o advogado-geral da União para ver quem va i propor à Justiça medidas de proteção de particu lares simpáticos a Jair Bolsonaro. E esses comportamentos indecorosos não são privilégio dos servos do presidente da República, mas se espa lham por todas as esferas do poder e da federação. Ass im acontece especialmente com o Conselho Naciona l do Ministério Público (CNMP). Esse órgão, criado para controlar a administração do Ministério Público naciona l, fo i tota lmente cooptado pelos políticos para espalhar o terror sobre promotores de Justiça e procuradores da Repúb lica que ousem enfrentar esse estado de coisas espúrio. E fazem isso em evidente abuso e desvio de finalidade, o que é absolutamente ilega l. Como a operação Lava Jato é o principa l entrave para o regabofe com o d inheiro público e o grande temor dessa classe de aproveitadores, os principais alvos são justamente os procuradores da República dessa investigação. Tomemos, então, como exemplo do aparelhamento estatal a perseguição contra Deltan Dallagnol e Diogo Castor de Mattos. Deltan Dallagnol é conhecido nacionalmente como o coordenador da força-tarefa Lava Jato em Curitiba, a investigação original que se espa lhou pelo Brasil e pelo mundo. Nenhum outro procurador desperta tanto ód io em nossas elites polít icas quanto ele, pois não somente representa a investigação, mas também a campanha por mudanças legislativas que atacam a corrupção como forma de f inanciamento político. Dessa forma, há um desejo unânime dessas forças políticas em punir Dallagnol, un indo Renan Ca lheiros, Dias Toffoli, Gil mar Mendes e Augusto Aras, dentre outros, no objetivo de tornar a sua punição um modelo. Para isso, o plano foi o de tomar o CNMP e desvirtuá-lo de sua fina lidade.


A maior prova desse desejo aconteceu em setembro de 2019, quando, sob os auspícios de Renan Ca lheiros, o Senado Federal deixou de reconduzir os conselheiros Lauro Machado Nogueira e Dermeva l Farias, que tinham votado anteriormente contra a punição de Deltan. Era corrente em Brasília que a recondução somente aconteceria com o compromisso dos conselheiros em punilo, e a não recondução desses dois conselheiros, justamente representantes do Ministério Público no CNMP, somente confirmou o boato. Não bastasse isso, desde março o Senado Federal vem bloqueando a confirmação de três vagas para aquele conse lho, sendo duas justamente aquelas reservadas ao Ministério Público. Observe-se que os nomes para essas vagas foram sabatinados e aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado em março deste ano, mas desde então aguardam a sua aprovação pelo plenário daquela casa. O abuso é tão flagrante que obrigou a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) a entrar no STF com ação para obrigar o Senado a votar as indicações pendentes e restabelecer o equi líbrio entre membros internos e externos ao Ministério Público, evitando-se que o CNMP se converta em instrumento de limitação à independência de promotores e procuradores. Foi justamente essa composição manca e punitivista, comandada pelo serviça l dos senadores, o conse lheiro Bandeira de Mello, que tentou de todas as maneiras afastar Dallagnol da operação Lava Jato, ameaçando-o, inclusive por postagens contra o voto fechado para a presidência do Senado - o que lhe é garantido pela cidadania - de ser removido de Curitiba para uma distante procuradoria no país. Agiram como se sua lotação em Curitiba - e especia lmente seu comando na Lava Jato - tivesse algo a ver com as postagens real izadas. Nem sequer se davam ao traba lho de esconder seu objetivo de usar a medida caute lar como punição. Foram disso impedidos por decisão de Luiz Fux de suspender os efeitos de punição anterior contra Deltan, bem como pela decisão do procurador de se afastar da operação para cuidar da saúde de sua fi 1ha. O caso do procurador da Repúbl ica Diogo Castor é igualmente emblemático do interesse em punir membros da Lava Jato. A singeleza dos fatos, a aceitação pelo procurador de demanda de movimentos sociais para ajudar no pagamento (4 mil reais pagos de seu próprio bolso) de um cartaz em homenagem à investigação, no qual se dizia apenas "bem-vindo à Curitiba, aqui a lei se cumpre", é absolutamente desproporciona l às penalidades sugeridas - inclusive demissão para a abertura de procedimento disciplinar. Além disso, não fossem esses mesmos fatos já terem sido arquivados anteriormente pela própria corregedoria do CNMP e pela corregedoria do MPF, o procedimento disciplinar tem origem no hackeamento ilegal de mensagens e em depoimentos produzidos no nefasto inquérito secreto de Alexandre de Moraes no STF - e que, portanto, nada tem a ver com o objeto de investigação autorizado pelo plenário do Supremo, as fake news. Tudo isso indica claramente que se busca apenas fazer de Diogo Castor outro exemplo do que acontece com aqueles membros do Ministério Público que cumprem seus deveres constitucionais. Diogo Castor e Deltan Dall agnol representam o melhor do Ministério Público, procuradores da Repúb lica comprometidos com os va lores da nossa ,

Constituição. E sintomático também que sejam ambos os idea lizadores da campanha pública das "1 O Medidas contra a Corrupção", que incomodou tanto os parlamentares. Mas enquanto estes estão protegidos pelo foro privilegiado e pela negativa da abertura de procedimentos ético-disciplinares, promotores e procuradores estão sujeitos à perseguição inaceitável em um país sério. Entretanto, infelizmente, com o aparelhamento dos diversos órgãos do estado pelos interesses privados e ilegais de nossa elite política corrupta, o que resta é concordar que /e Brésil n'est pas un pays sérieuxo Brasi l não é um país sério.

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RUY

GOIABA O bingo dos clichês da pandemia 18.09.20

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Agora que os brasileiros decretamos que a pandemia da Covid-19 acabou porque todo mundo está de saco cheio de ficar em casa -sem fazer aqu ilo que Garrincha chamava de "combinar com os russos", com o vírus no lugar dos soviéticos-, acho que já é possível fazer uma co letânea dos melhores clichês da quarentena. Por "melhores", obviamente, quero me referir aos que você não aguenta ma is ouvir: aqueles que, só de encontrar ma is uma vez, dão vontade de pular da janela do seu apartamento ou até tomar um banho de coronavírus. Esta m inha co letânea de greatest hits não pretende ser exaustiva e tem um critério básico de escolha: frases como "cloroquina salva vidas!", emit idas por gente que não passa incólume pelo mata-burro, nem sequer serão consideradas. Em geral, os lugares-comuns abaixo foram cometidos por pessoas cujo QI é maior que a temperatura ambiente. Eu mesmo cometi vários e talvez tenha co laborado com outros - longe de m im atirar a primeira pedra. Afinal, "estamos todos no mesmo barco" e, como dizia Itamar Assumpção no melhor pior trocad il ho da MPB, chavão abre porta grande. Então vamos a eles:

- Lives, lives, lives Quem não participou de alguma live, como promotor ou como público, não vivenciou a pandem ia em todas as suas possibilidades. Juro que nesse caso só f inanciei o tráfico, não trafiquei nada -vá lá, admito que trague i um pouqu inho. Mas me parece que hoje vivemos uma espécie de ressaca de lives e podcasts: eu, pelo menos, tenho sentido dor de cabeça só de ler essas duas pa lavras. Além disso, tenho a impressão de que as boas lives já foram fe itas e, agora, só teremos transm issões ao vivo de algum youtuber fazendo barulho de pum com a mão embaixo do sovaco por meia hora. (Ou as do presidente todas as quintas-feiras, cujo conteúdo é essencialmente igua l a esse do youtuber.)

- "Olha que lindo o meu pão caseiro!" Não se trata apenas de a pandemia ter estimulado as pessoas a fazerem sua própria comida, com ou sem a aj uda dos livros da Rita Lobo, o que é belo e mora l. O que aconteceu fo i a criação de uma nova categoria: depois dos "pais (e mães) de pet", os pais coruj as de pão case iro. E é claro que os padeiros da A

pandemia TEM que exibir suas fornadas nas redes sociais: se você fez pão em casa e comeu sem publicar a foto no lnstagram, ele evidentemente nunca existiu. Lamento dizer a você, pa i de pão: assim como seus filhos animais e humanos, seu pão caseiro é fe io para caramba. E dou graças a Deus de não ter com você nenhuma relação de parentesco que me obrigue a experimentar.


- O "novo normal" Eu não vou nem d izer com o que é que "novo norma l" r ima, porque a Crusoé é uma revista de fam íli a. Só quero registrar aqui m inha vontade de espancar com um gato morto quem d iz isso -até o gato cantar alguma ária de "La Traviata". E quem cita a expressão para crit icá-la está certo, mas está errado, porque f inancia o tráfico do "novo normal" (i nclusive, e obviamente, eu mesmo neste texto aqu i).

- Reportagens sobre "o amor nos tempos da pandemia" Tá, a gente j á entendeu que as pessoas sozin has durante a pandemia e com medo de se contaminar t iver am de se virar e recorrer ao que o slogan do glorioso Exército br asileiro chama de "braço forte, mão amiga". Podem parar com esse eufem ismo de "amor" aí. Podem também suspender -inclusive depois que a pandemia passar-

esse péssimo hábito dos repórteres que, para consegu irem A

emplacar alguma matéria, transformam em TE NDENCIA co isas que só uma meia dúzia de três ou quatro am igu inhos descolados de Santa Cecília está fazendo. "Ah, as máscaras vão ser incorporadas

à moda": não. "Os seres h umanos vão

repensar os seus va lores depois da Covid!" Olha, DEFINITIVAMENTE não.

- ''Vou aproveitar para fazer muitos cursos!" Va i nada. Posso apostar: o que você fez mesmo fo i procurar "o amor nos tempos da pandemia" e se envolver em tentativas de produzir pão caseiro. Só é difícil dizer qual dessas duas iniciativas rendeu os r esu ltados mais desastrosos.

- "Ai, que saudade de aglomerar!" A

O, nem fa le! Que saudade de bar lotado com serviço péssimo e f il a na porta. Que falta fazem aqueles shows de rock com som de qua li dade duvidosa e gente se espremendo na pista de um j eito que faria sa r dinhas em lata passar em ma l. Que vontade danada de retomar os encontr os famil iares, com aquele monte de parente-serpente dando op iniões atrozes sobre basicamente tudo . Que saudade do CALOR HUMANO de completos estranhos (vinda, é claro, de gente que nunca precisou pegar o Penha-Lapa todo dia, ida e volta, pa r a traba lhar ). Fale por você, saudoso. E vá se aglomer ar bem longe de mim.

*** A GOIABICE DA SEMANA O Antagonista já abordou o assunto, mas não consigo não repetir aqu i: nesta quarta (16), Jair Bolsonaro subiu para o Twitter um vídeo de uma oração feita no Plana lto, dizendo que o estado é la ico, mas o governo dele é cristão etc. Algum gênio esco lheu como t r ilha sonora uma versão instr umental de "Halleluj ah", música mais famosa do grande e saudoso Leonard Cohen -cuj a letra m istura alusões sexuais, algumas bastante explícitas, a r eferências do Ve lh o Testamento. ,

E o q ue dá não saber usar o Google (nem o Google Tradutor) dire ito e só entender da letra o refr ão com "a lelu ia". Bem fe ito, ta lquei?

Reprodução/redes sociais

Imagem do vfdeo de Bolsonaro orando no Planalto, sem a trllha sonora "lasciva"

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