▌CAPA
NÔMADES DIGITAIS Quem são e como eles ganham dinheiro e se sustentam na estrada
CICLISMO E VIAGEM ▌
VIAJANDO DE BICICLETA Conheça a história de Argus e o que se pode aprender pedalando mundo a fora
Editoral A revista Pé Na Estrada foi desenvolvida como sendo um compilado de artigos de blogs, páginas e referências da internet sobre experiências com viagem que envolvem arte, cultura, música e trabalho. A proposta é unir vertentes que englobam temas distintos, mas que convergem para uma mesma realidade: o mundo contemporâneo e a forma como você se relaciona com ele. Seja em sonhos e objetivos pessoais, vida profissional, hobbies e interesses, a melhor forma de descobrir é explorando. Então junte sua bagagem e vamos descobrir
CONCEITUAÇÃO E PROJETO GRÁFICO
Lucas Luccas
CAPA POR
Abhimanyu Bose
(www.abhimanyubose.com)
TEXTOS POR
Gluck Project
(www.gluckproject.com.br)
Vira Volta
(www.projetoviravolta.com)
Fêliz com a Vida
(www.felizcomavida.com)
Dicas de Fotografia
(www.dicasdefotografia.com.br)
o que a vida tem de melhor.
CAPA
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TRABALHO E CARREIRA ESTILO DE VIDA
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CICLISMO E VIAGEM
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TRABALHO E CARREIRA
FOTO POR NEIL MORALEE
MEU TRABALHO, SEU PASSA-TEMPO
WWW.FLICKR.COM/PHOTO/NEILMORALEE
POR CLAUDIA REGINA WWW.DICASDEFOTOGRAFIA.COM.BR
Por muito tempo tive uma empresa de
de chegar a segunda feira pois o sábado
criação de blogs. Sendo os blogs, hoje,
era dia de fotografar casamento até de
uma ferramenta incrível e barata para
madrugada. Vi gente voltando a trabalhar
divulgação do trabalho de pequenas
em prédios pro passatempo voltar a ser
empresas e pequenos empreendedores,
passatempo. Por que isso aconteceu?
vi nascerem muitos negócios. Fiz o blog
Porque essas pessoas passaram a trabalhar com algo que amavam.
de gente que largou o escritório para fazer cupcakes, de gente que largou o consultório para fotografar e que largou o chefe para fazer qualquer coisa em casa que permitisse mais tempo com a família.
É bem possível gostar do que se faz sendo dentista ou fotógrafa. Mas, normalmente, dentistas têm uma vantagem: conseguem
Vi gente se decepcionar, vi gente ganhar
separar melhor o que é trabalho e o que
muito dinheiro e ficar, de novo, sem
é diversão. Afinal, o trabalho dela não é
tempo. Vi gente que não esperava a hora
passatempo de quase ninguém.
PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015
Quem inventou a frase “escolha um trabalho que goste e nunca mais trabalhará um dia na sua vida” não podia estar falando uma besteira maior! E não, não foi Confúcio. Trabalho é trabalho. Trabalhar com o que gostamos é essencial, mas quando não separamos as coisas corremos o triste risco de deixar de gostar. Sim, posso garantir que nosso trabalho pode ser prazeroso, mas ainda sim não é um hobby. Trabalho tem contrato, tem expectativas, tem dinheiro, tem horários e prazos a cumprir. Uma fotógrafa de casameto pode amar muito seu trabalho, por exemplo,
pouco e não cobrar preços inviáveis, a
mas se acordar no sábado com preguicinha
única opção que considero ética é ter um
não dá pra simplesmente deixar tudo pra
custo de vida menor.
lá e ficar dormindo o dia inteiro. Se fosse hobby, poderia. Essa é a diferença. Não compreendo quem quer milhões de clientes e muito trabalho. Não compreendo quem acha bonito dizer que está cheio de trabalho no facebook, com a agenda
Clientes são quem pagam minhas contas, por isso abro mão de muita coisa para poder trabalhar do jeito (e na quantidade) que quero.
repleta de prospectos e compromissos. Se a questão é financeira e você precisa
Não tenho TV a cabo, não tenho carro, vivo
da agenda lotada para conseguir pagar as
em um apartamento minúsculo. Tudo isso,
contas no fim do mês… então é hora de
entre outras coisas, para poder trabalhar
rever seus preços ou rever a organização
menos cobrando um valor justo para
do seu negócio.
minhas clientes. Tenho uma amiga que
Eu, por exemplo, não quero ser fotógrafa de gente rica. Para conseguir trabalhar
PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015
trabalha meio período e recebe pressão de todos os lados, da família e da sociedade,
Existem diferenças entre hobby e trabalho que podem mudar a maneira como você lida com a atividade. FOTO POR DOMIZIANA S
WWW.FLICKR.COM/PHOTO/AAYLA
para pegar um segundo trabalho e ganhar
divididas e, mais importante, onde todos
mais. Se ela trabalha só à tarde e tem
tenham tempo livre. Seja para pensar no
a manhã livre, parece o caminho lógico.
sentido da vida, seja para ir tomar sol na
Por que ficar em casa, lendo e brincando
praia. É nesse momento que a mágica
com seus cachorros, se dá pra ir pra rua
acontece. Se você está pensando em
ganhar mais números na conta bancária?
fazer a transição do trabalho-típico para
Acho tudo isso maluquice: vejo muito
o trabalho-hobby, coisa que muita gente
mais sentido em ganhar menos e ficar
está conseguindo fazer graças à internet,
metade do dia brincando com cachorros.
pense nisso. Amar o que se faz para pagar
Ela ama o que faz, e faz questão de não
as contas é maravilhoso, mas trabalhar
fazer muito para continuar amando.
muito compromete não só a qualidade
Bertrand Russel, no seu livro O Elogio ao ócio, cria uma solução (bem utópica, é de se admitir) para uma sociedade com mais
final do seu trabalho, mas também sua qualidade de vida. Melhor um dentista feliz do que dois fotógrafos voando. ♦
ócio criativo. Uma sociedade onde todos possam trabalhar por meio período, onde tarefas como a criação das crianças são
PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015
CAPA
COMO É A VIDA DE UM NÔMADE DIGITAL? POR FERNANDA NEUTE WWW.FELIZCOMAVIDA.COM.BR
FOTO POR MOYAN BRENN WWW.FLICKR.COM/PHOTOS/AIGLE_DORE/
O que são nômades digitais? São pessoas que se aproveitam da tecnologia e da internet para realizarem seu trabalho independentemente do lugar onde estejam. Eles não tem moradia fixa e obviamente trabalham em negócios que possam ser geridos online. Essa comunidade é bem grande, mas hoje ainda concentra muitos americanos, europeus, alguns australianos e infelizmente, pouquíssimos brasileiros ou mesmo sul-americanos. A primeira em vez que eu ouvi essa
Me afoguei em um mar de curiosidade ao mesmo tempo em que meu mundo desabou. Tudo o que eu sempre pensei sobre carreira, sobre ter de trabalhar como louca por 335 dias para me contentar com 30 dias de férias, sobre trabalhar 30 anos e se aposentar, sobre comprar um apartamento e pagar por 10 anos… Tudo isso podia ser diferente? E o que eu percebi foi que sim, não era fácil mas, podia ser diferente.
Quem pode ser um nômade digital?
expressão foi há quase 2 anos, quando
Um dos grandes precursores desse estilo
conheci o Mark Manson, meu atual
de vida foi o americano Tim Ferris, que
namorado. Ele vive como nômade digital
ficou milionário por causa do best seller
há 5 anos e conhecê-lo fez a minha ca-
“The 4-Hour Workweek”. Neste livro ele
beça quase explodir. Não conseguia parar
apresenta uma fórmula bem simples,
de perguntar: "Como assim você mora
mas não muito realista de que todo
onde quiser? Como assim você ganha
mundo é capaz de ter um negócio online
dinheiro trabalhando online? Como assim
e ser feliz trabalhando 4 horas por sema-
você tem vários amigos que fazem isso?
na sem ter de esperar a aposentadoria
Como assim? Como assim?"
para aproveitar a vida.
Este discurso ganhou tamanha força que
que é possível trabalhar como freelancer
existem milhares de sites e negócios
que é o caso de designers gráficos, progra-
online no mercado americano que ganham
madores, escritores, fotógrafos, jornalistas,
dinheiro vendendo essa ideia e motivando
blogueiros, consultores e coachings, por
pessoas a pedirem demissão e a construírem
exemplo. A grande verdade é que, como
o trabalho dos seus sonhos, se possível,
em todas as profissões existentes no
viajando. O problema é que muitos deles
planeta, alguns vão dar certo e vão ser bem
trazem somente o discurso sobre a geração
sucedidos, e outros (quase sempre a
wireless e o de que você deve seguir a
grande maioria) não.
sua paixão, mas no fundo, não ensinam absolutamente nada de útil.
Não porque eles sejam menos competentes do que outros, mas porque é preciso ser realista e entender que essa não é uma
FOTO POR MOYAN BRENN
WWW.FLICKR.COM/PHOTO/MOYAN_BRENN
escolha de vida fácil e também exige tanto quanto ou até mais trabalho e sacrifício do que o emprego que você provavelmente tem hoje em dia.
Nômades digitais não são mochileiros e nem estão em um período sabático. Isso não significa que uma coisa exclua a outra, mas não é porque você é um nômade digital, que vai viver perambulando por Seguindo essa linha de raciocínio, teoricamente, todo mundo pode ser um nômade digital, certo? Afinal, é muito simples entrar no WordPress e começar um blog de
hostels fazendo check-list de pontos turísticos e também não significa que em algum momento você vai “se encontrar” e voltar para casa.
graça, montar uma loja online vendendo
Ser nômade digital é uma decisão de vida.
produtos da China ou até criar um brechó
Eles conscientemente não têm uma casa
online. Também existem profissões em
para voltar. Eles escolheram não ter raízes
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em seus países ou em qualquer outro país onde eles venham morar eventualmente. Eles não estão fugindo de nada e nem estão em busca de nada. Eles simplesmente
Mas, nem tudo são flores porque… 1. Estamos trabalhando em lugares onde quase todo mundo está de férias
aproveitam o percurso e as novas paisagens
2. Temos de lidar com o stress que é
enquanto vivem a vida e trabalham
precisar estar conectado o tempo todo.
“normalmente”. É claro que mudanças acontecem no percurso. As pessoas casam, têm filhos, expandem seus negócios ou mudam seus
3. Não pertencemos a lugar nenhum. 4. Nós somos sem fronteiras, mas o mundo não é.
gostos pessoais. Mas aqueles que decidem
Para quem sonha em viver desse jeito,
viver esse estilo de vida geralmente aca-
saiba que não é fácil. O segredo é fazer
bam conciliando tudo isso com a vida na
um balanço e avaliar se os pontos positivos
estrada. Quando olhamos de fora, parece
te fazem mais felizes do que os negativos
a vida dos sonhos de qualquer um. Viajar
e aí sim, vale muito a pena! É claro que
pelo mundo sem precisar estar de férias,
essas são percepções baseadas na minha
trabalhar de onde quiser e ainda ganhar
experiência pessoal, sendo brasileira e
dinheiro! Mas, ser um nômade digital tem
tendo vivido apenas 6 meses no Sudeste
seus altos e baixos e, depois de viver dessa
Asiático conhecido por ser um destino
forma por 6 meses, eis o que posso dizer:
relativamente barato e atraente principal-
Sim, é tão legal quanto parece porque…
mente entre os iniciantes. Não faço a menor ideia se eu vou viver
1. Temos a oportunidade de conhecer
essa vida para sempre, mas nos próximos
mais profundamente vários lugares.
6 meses a aventura continua, desta vez,
2. Conhecemos pessoas e culturas incríveis
nas Américas. ♦
o tempo todo. 3. Temos flexibilidade de horários. 4. O custo de vida é relativamente mais baixo.
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CICLISMO E VIAGEM
ARGUS VIAJOU DE BICICLETA SOZINHO POR TRÊS ANOS POR CAROL FERNANDES WWW.PROJETOVIRAVOLTA.COM
O Argus é um arquiteto de 39 anos que trabalhava com construção e um dia decidiu viajar o mundo 3 anos e meio, mesmo sem ter a grana.
FOTO POR XAVI WWW.FLICKR.COM/PHOTO/18614695@N00
anos e nenhum dinheiro no bolso. Mas isso nunca o fez desistir do sonho. Ele estava determinado a fazer com ou sem dinheiro e então surgiu a grande idéia de fazer de bicicleta, o que deixaria tudo bem mais barato. A falta de dinheiro também estimula a
Já faz 9 anos que ele voltou da viagem e
criatividade e só quem fica sentado no
eu sempre me perguntei se era possível
sofá reclamando da vida não encontra
guardar todos os aprendizados e sensações
soluções. Para custear sua viagem ele criou
de uma experiência tão intensa como essas
um projeto que se chamava “Pedalando e
depois que voltamos para a loucura da
educando”, onde ele passava por escolas no
nossa sociedade. Sai da conversa com o
seu caminho ensinando história e geografia
coração radiante. Quando decidiu fazer
dos países que já tinha visitado. Com isso
a viagem, em 2001, ele tinha apenas 25
ele conseguiu o patrocínio de três em-
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presas que gerava 300 dólares por mês
ele apenas conscientiza.” Ele se jogou
e ainda se sentia útil para a humanidade.
no mundo sozinho de bicicleta sem ter
Combinação perfeita.
nenhum preparo físico ou experiência e
Na média ele gastava 500 dólares por mês. Bem menos do que ele gasta parado no Rio de Janeiro atualmente. Mas ele alerta, viajar barato é uma arte e demanda disposição. Em contrapartida, pra ele, viajar dessa forma trouxe experiências maravilhosas para a sua aventura e foi
garante que depois que vivemos a aventura aprendemos que o medo é criado pela nossa imaginação e pela mídia. No segundo dia de viagem ele tomou o maior e pior tombo de toda a trajetória, o que poderia ter acabado com a viagem, mas mesmo assim ele não desistiu.
uma oportunidade fantástica de interagir
Após ter vivido tudo isso ele se sente
com os locais e de novos aprendizados.
muito mais corajoso. E eu entendo exatamente o que ele está falando. Viver essa
Como assim largar tudo?
experiência de experimentar o mundo te
“Sempre vejo pessoas que sonham em
tenha um quê dela.
enche de coragem, mesmo que você já
viajar o mundo e ficam com medo de ‘largar tudo’. Mas eu vivo me perguntando: largar tudo o quê?” O Argus deu uma das melhores respostas que eu já vi. Na visão
FOTO POR ARGUS CARUSOO
WWW.ARGUSCARUSO.COM.BR
dele, ele nunca largou tudo, ele apenas se proporcionou uma oportunidade para aprender muito mais, inclusive sobre a sua profissão. E isso só gerou bons frutos no futuro.
O medo e a coragem Quando perguntei sobre os medos ele disse: “O medo sempre existe, mas ele não pode nos frear ao ponto de impedir a realização de nossos desejos e sonhos,
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Viajar com tão pouco foi um desafio que impactou a forma de pensar. Quando voltou levou um tempo para se readaptar novamente, mas hoje ele se sente um cara “normal” (diz ele fazendo o gesto de entre aspas com as mãos), mas 9 anos após ter voltado, ele ainda carrega forte com ele todos os aprendizados da sua aventura e tenta aplicar ao máximo em sua vida. Pra ele é impossível viver uma experiência como essa e não se transformar e mesmo após tanto tempo ele continua desapegado e nada consumista. Na sua casa não tem TV e programa de shopping é uma coisa que ele não faz.
Os aprendizados da experiência Ter vivido essa experiência mudou a trajetória da sua vida e abriu muitas portas no futuro. Ele lançou o seu livro “Caminhos”, fez várias exposições e palestras, conseguiu ótimas oportunidades de trabalho na sua carreira e atualmente está trabalhando no projeto de uma bicicleta a vela anfíbia e foi convidado pela prefeitura de Niterói para coordenar o projeto Niterói de Bicicleta. É, pelo visto sua vida continua cheia de aventuras e é isso que deixa a vida empolgante.
PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015
Um mundo de oportunidades Ter vivido essa experiência mudou a trajetória da sua vida e abriu muitas portas no futuro. Ele lançou o seu livro “Caminhos”, fez várias exposições e palestras, conseguiu ótimas oportunidades de trabalho na sua carreira e atualmente está trabalhando no projeto de uma bicicleta a vela anfíbia e foi convidado pela prefeitura de Niterói para coordenar o projeto Niterói de Bicicleta. É, pelo visto sua vida continua cheia de aventuras e é isso que deixa a vida empolgante. Argus é mais um cara como todos nós, que estava levando a sua vida, mas que um dia decidiu viver uma aventura única pois acreditava que isso só ia trazer bons aprendizados. Ele não era rico, nem milionário, muito pelo contrário. Mas encontrou uma forma de realizar o seu sonho ao invés de ficar apenas sonhando. ♦
ESTILO DE VIDA
FOTO POR EYE STEEL FILM
FAÇA VOCÊ MESMO!
WWW.FLICKR.COM/PHOTO/EYESTEEL
POR FRED DI GIACOMO WWW.GLUCKPROJECT.COM.BR
Meia dúzia de folhas de sulfite grampeadas
meus coleguinhas passaram a me chamar de
e com um desenho feito com uma caneta
“gótico”, inspirados pelo bisonho personagem
Bic mudaram minha vida. Era um trabalho
de Eri Johnson na novela “De corpo e alma”.
sobre a cultura punk na mesa da minha mãe – professora de sociologia. Molecote
Não era bem a referência que eu buscava.
cheirando à leite, eu via aquele desenho
Quando tinha uns 12 anos, meu pai trouxe
de um cara moicano, vestindo calça rasgada
uns fanzines pra casa. Aquilo era fantástico:
e calçando coturno e achava aquela a coisa
dava pra fazer sua própria revista em casa
mais legal (e brutal) do mundo. Tão legal
com cola, papel e xerox. Era baratinho,
quanto as gangues do filme “Warriors –
tosco, mas era um jeito de gritar e todo
Selvagens da Noite” que quebravam o
mundo ouvir. Foi assim que criei o Afro-
pau numa Nova York futurista. Eu tinha lá
ciberdeli@, meu primeiro zine, com meu
meus 7, 8 anos de idade e pedi pra cortar
irmão e um amigo, em 1997. A gente pedia
o cabelo espetado. No dia seguinte, todos
patrocínio pro comércio local, imprimia
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umas 120 cópias e distribuía no colégio.
eu ainda ouvia Chico Science, Sepultura e
Eu tinha 13 anos e pela primeira vez
Planet Hemp, mas quando escutei a linha
senti que as pessoas olhavam pra mim.
de baixo de “O Dotadão deve morrer” do
Para um magrelo nerd, esquisito e tímido
disco “Feijoada Acidente?” – que reunia
foi uma sensação poderosa. As pessoas
os maiores clássicos do punk brasileiro
OLHAVAM PRA MIM e, de quebra, ainda
regravados por João Gordo e Cia – a casa
liam o que eu escrevia. Uau! Imagina se
caiu. Rasguei minha calça jeans, furei a
elas ainda parassem para escutar o que
outra orelha, comecei a só usar preto e
eu grunhisse igual aquelas bandas que
fui tocar baixo. Virei punk num calor de 40
eu estava descobrindo: Ratos de Porão,
graus de uma cidade caipira do interior
Devotos do Ódio, Nirvana… O punk rock
de São Paulo, esquina com o Mato Grosso
falava das coisas que eu vivia. Eu era
do Sul e famosa por ter exportado para o
claro demais pra ser um rapper e pobre
mundo as curvas da Sabrina Sato.
demais pra ser playboy. O punk rock era aquele meio termo “classe média-baixa records” sujo e agressivo. Nessa época
FOTO POR RACHEL VOORHEES
WWW.FLICKR.COM/PHOTOS/RACHELVOORHEES
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A principal lição que o punk rock me
O poeta Drummond de Andrade bancou
ensinou foi o do it yourself. Era possível
a primeira edição do seu livro do próprio
“fazer”, se você corresse atrás. Dava pra
bolso – o best seller André Vianco fez o
montar uma banda tocando três acordes,
mesmo usando seu FGTS. Glauber Rocha
dava pra fazer uma revista xerocando seus
inscreveu o cinema brasileiro no cenário
rabiscos e dava para organizar festivais
mundial com o lema do “uma câmera na
de rock no sertão paulista. O mercado hoje
mão e uma ideia na cabeça” e Zé do Caixão
pode chamar isso de empreendedorismo,
virou uma lenda filmando com amigos.
mas o punk chamava de “faça você mesmo”.
O Facebook começou no quarto do
Sua cidade não tem bandas legais? Monte
Zuckerberg e a Apple na garagem dos pais
uma! Sua cidade não tem uma política boa?
de Steve Jobs. A vida sempre foi muito
Faça! Seu cinema não passa bons filmes?
mais sobre ter uma boa ideia do que sobre
Filme-os! Faça, faça, faça. O principal
esperar as condições ideais para executá-
arrependimento de quem está no leito de
-la. Enfim, tire seus sonhos do papel hoje.
morte são as coisas que a pessoa deixou
Nem que eles sejam uma versão xerocada
de fazer. Não deixe para amanhã. Faça hoje.
do mundo ideal. ♦
PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015