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Olhar Ă ti.
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Olhar a ti.
Olhar Ă arte.
OLHARTE
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
O DESENHO ARTÍSTICO COMO (RE) SENSIBILIZADOR DE ESPAÇO E SOCIEDADE
LUCAS F. S. MAGALHÃES
São Paulo 2018 vii
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LUCAS F. S. MAGALHÃES
O DESENHO ARTÍSTICO COMO (RE) SENSIBILIZADOR DE ESPAÇO E SOCIEDADE
Trabalho Final de Graduação, apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhembi Morumbi, como parte dos requisitos para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista. Orientadora: Prof. Ms. Larissa Soares Gonçalves Este trabalho pertence ao grupo de pesquisa de Processo projetuais transdisciplinares.
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LUCAS F. S. MAGALHÃES
O DESENHO ARTÍSTICO COMO (RE) SENSIBILIZADOR DE ESPAÇO E SOCIEDADE
Trabalho Final de Graduação, apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhembi Morumbi, como parte dos requisitos para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista.
_______________________________________ Orientadora: Prof. Ms. Larissa Soares Gonçalves São Paulo 2018 xi
Dedicatรณria xii
Dedico, a até então fase deste trabalho, à todos aqueles que contribuíram de alguma forma para sua construção. À humanidade.
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Agradecimentos xiv
São muitas as pessoas que devo agradecer por estar onde estou, não que “estar onde estou” signifique muito. Na verdade, eu nem queria estar onde estou, o que me leva neste momento à uma indagação inquietante: se estou onde estou e não estou onde queria estar, sendo as pessoas à minha volta responsáveis, pelo menos em parte, pelo estado em que me encontro; deveria eu, realmente agradecer? Bom, eu acho que não. Mas, talvez, estas pessoas tenham salvo a mim de estar em uma situação pior. Deste modo, por via das dúvidas, é melhor agradecer. Vai que, né...
Mas na próxima entrega, nessa vou ficar devendo, meu mouse ficou sem pilha e não dá pra digitar.
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A rua é nóis...
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Resumo xviii
A (re) sensibilização trata da ideia de sensibilizar novamente algo ou alguém que por algum motivo perdeu tal sensibilidade, ou seja, é a retomada de um estado ao qual já se esteve. Ao longo de sua evolução a humanidade atravessou diversos períodos históricos de grande importância na construção de seu eu interior, tanto no campo artístico, inerente ao seu ser, quanto nos outros campos onde desenvolve sua vida. Com sua chegada à era da Contemporaneidade, onde a vida na cidade é pautada pela monotonia diária da rotina de trabalho; barreiras físicas e socioeconômicas apresentam-se como condicionantes que segregam e distanciam a população — definindo-nos em grupos sociais. Deste modo a busca por representatividade e voz da parcela populacional desprivilegiada e ignorada pela sociedade como um todo, encontra no resgate, mesmo que subconsciente, de preceitos vindos desde a Pré-História, uma forma ou um caminho para se fazer ouvir e enxergar, utilizando para isso as superfícies urbanas como proclamadores de suas mensagens.
Palavras-chave: . História. Evolução. Representatividade. Arte Urbana. Graffiti.
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Abstract xx
The main objective of this paper is to demonstrate the idea of (re)sensitizing, which means sensitizing again something or someone that for some reason has lost such sensitivity. It is the resumption of a state to which it has already been. Throughout its evolution, humanity has crossed several historical periods of great importance in the construction of its inner self, either in the artistic field, inherent to its being, and in the another fields where it develops its life. With its arrival in the era of contemporaneity, where life in the city is guided by the daily monotony of work’s routine; physical and socioeconomic barriers present themselves as conditions that segregate and distance the population - defining them in social groups. In this way, the search for representativeness and voice of the underprivileged population portion ignored by society as a whole finds in the rescue, even if subconsciously, precepts from prehistory, a way to make oneself heard and seen, using the urban surfaces as proclaimers of their messages.
Key words: . History. Evolution. Representativity. Urban art. Graffiti
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Sumรกrio xxii
Introdução......................................................................................................................... 26 Capítulo 1 - Sociedade e Espaço................................................................................... 32 A cidade como espaço............................................................................... 34 A dissociedade ............................................................................................. 40 Capítulo 2 - Arte como (re) sensibilizadora.................................................................. 44 Arte (in) definida............................................................................................ 50 Capítulo 3 - Inscrições d’Alma........................................................................................ 52 O desenvolvimento do Eu e do Nós........................................................... 58 A perda do Modelo Referencial................................................................. 61 O suporte é a rua.......................................................................................... 64 Capítulo 4 - Modernidarte............................................................................................... 68 Arte e sociedade.......................................................................................... 72 Sociedade, arte e cidade........................................................................... 74
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Capítulo 5 - A voz do mu(n)do social............................................................................ 78 Nova Iorque: o berço do graffiti.................................................................. 83 O reconhecimento....................................................................................... 86 Capítulo 6 - Graffiti Tupiniquim........................................................................................ 90 São Paulo: terra do graffiti e da garoa....................................................... 96 Os opostos de atraem e se complementam............................................ 98 Graffiti Garoa: opressão e segregação..................................................... 99 Conexão São Paulo - Nova Iorque............................................................. 102 Capítulo 7- Runas Urbanas.............................................................................................. 106 Capítulo 8 - Verde, Amarelo e Cinza............................................................................. 114 Efemerecidade.............................................................................................. 116 Efêmero à força............................................................................................. 118 Um Mal necessário........................................................................................ 123
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Capítulo 9 - Graffiti Gourmet, a la vontê........................................................................ 127 A moral dos murais........................................................................................ 131 Contemporaneidade Antiga...................................................................... 133 Capítulo 10 - Olharte........................................................................................................ 134 Conclusão.......................................................................................................................... 140 Bibliografia......................................................................................................................... 144
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Introdução 27
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Projeto SEEDS. Caron, 2018
Resultado de uma extensa pesquisa realizada entre os campos urbano, social e artístico, o presente trabalho busca apresentar uma breve introdução ao mundo da expressão artística humana através do desenho como forma de demarcação territorial e representatividade social, utilizando para isso o meio urbano ao qual se está inserido como suporte para propagação de suas ideias e ideais. Desde o princípio de sua existência, a humanidade carrega consigo a expressividade como ferramenta essencial e natural de sobrevivência e comunicação, isto é, de se fazer entender pelo outro e para o outro, a fim de criar laços, sejam eles afetivos ou estratégicos, que de alguma forma os tornem mais fortes em meio ao ambiente e/ou grupo no qual estão introduzidos. O “desenho artístico” – nomenclatura utilizada no título do trabalho para que o leitor seja imediatamente direcionado ao enfoque da pesquisa, que poderia ganhar outro sentido caso utilizadas outras definições mais abrangentes como “arte urbana”, ou apenas “desenho”– apresenta-se como uma das bases culturais da humanidade, sendo responsável por gravar a história dos primeiros homens e mulheres que povoaram o planeta terra a milhares de anos atrás, isto é, nossa própria história. As chamadas pinturas rupestres1 demonstram de forma clara a evidente natureza expressiva e artística do ser humano, que milhares de anos antes, se quer, saber o que é um desenho, já o fazia 1 "Arte rupestre (do latim ars rupes “arte sobre rocha”) ou registro rupestre comporta um amplo conjunto de imagens produzidas sobre
suportes rochosos abrigados (cavernas e grutas) ou ao ar livre (paredões e lajedos). Em princípio, a arte rupestre se refere a realizações de grupos pré-coloniais; não obstante, alguns especialistas também incluem, nessa categoria, produções recentes" (BUCO, 2012; TAÇON et al., 2010; BERROJALBIZ, 2015, apud Viana; Buco; Santos; Sousa, 2016).
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nas paredes de seu refúgio; ao mesmo tempo em que se representava no cotidiano de seus hábitos, demarcava e eternizava sua presença, fazendo-se visível para si, para seu grupo e seus futuros bilhões de descendentes: nós. Após milhares de anos de evolução, a humanidade encontra-se em um período da história onde a necessidade de ter e ser se sobressai à necessidade de viver, onde o pragmatismo do cotidiano urbano do trabalhador, principalmente da metrópole, que precisa garantir o sustento de sua família por meio de seu trabalho, é doutrinado a uma falsa sensação de liberdade gerada pelo "poder" – ou falta de poder – de compra, mas que na verdade apenas o garante um determinado status2, por meio do qual se distinguem e definem grupos e camadas sociais, tanto geograficamente quanto culturalmente. E é em meio ao cenário cinza da cidade moderna e posteriormente contemporânea que o ser humano torna-se apenas mais uma engrenagem dentre as milhões que movimentam o sistema capital; perdendo cada vez mais sua voz e representatividade, tanto como grupo quanto individualmente, principalmente nas camadas sociais mais "desprivilegiadas"3 da sociedade, que acabam por ser as mais pobres, consequentemente as que mais precisam, deveriam ter e não têm a devida atenção do poder
2 Status, neste sentido, remete a posição hierárquica de um indivíduo perante um grupo específico e/ou a sociedade como um todo, podendo demonstrar seu estado, situação ou condição. 3 Foram utilizadas aspas devido ao conceito de privilégio ser particular de cada pessoa ou grupo. Por exemplo: para um grupo de alunos pode ser um privilégio ter aula com determinado professor, entretanto para outros pode ser um martírio. Ou ainda, um grupo de pessoas pode se considerar privilegiado por pertencer a uma camada da sociedade que possui menor poder aquisitivo em relação a outras, pois devido a isso, dá mais valor a coisas que o dinheiro não proporciona, etc. 30
público e da sociedade como um todo. Na contramão do movimento de crescimento cinza da cidade que vira as costas para a sociedade, o desenho artístico utilizando a rua como suporte, apresenta-se como uma das formas mais humanas de manifestação que se tem acesso. Destacam-se em meio ao cinza do concreto e poluição os graffitis, pixações4, murais, lambe-lambes, e diversas outras formas que utilizam o desenho como agente modificador do espaço físico da cidade e psicológico da sociedade. O desenho característico dos grandes pólos urbanos de hoje em dia é o resultado de um processo evolutivo, tanto das técnicas de aplicação, quanto dos agentes motivadores da necessidade/vontade de expressar-se no contexto social atual que se está vivenciando, deste modo a transgressão do espaço urbano gerada por tal movimento de empoderamento urbano, permeando por diversas camadas de diferentes cunhos da sociedade, sejam eles psicológicos, sensoriais, intuitivos, etc. Sendo assim, buscamos entender como o desenho artístico é capaz de dar voz a quem não é ouvido, de fazer-se enxergar quem não é visto, de (re)5 sensibilizar quem se tornou insensível.
4 Segundo a ortografia da língua portuguesa, a grafia correta para o termo é "pichação", entretanto os praticantes utilizam a grafia "pixação", e a fim de respeito àqueles que realmente vivem o movimento da pixação, o termo e suas derivações serão escritos seguindo a norma das ruas. 5 O prefixo "re" indica um movimento de volta, para trás (Ferreira, 1975, p. 1190, apud Vargas; Castilho, 2015, p.65). 31
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Sociedade e Espaรงo
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A cidade como espaรงo
Nas cidades da antiguidade as construções sempre se iniciavam a partir da escala do pedestre, formando caminhos que geravam construções à sua volta, e construções que ao se solidificarem em casas e prédios, delimitavam espaços livres à escala humana (Gehl, 2017). Em entrevista, o arquiteto Jan Gehl revela críticas expostas em seu livro Cidade para Pessoas (2010), no qual discorre sobre a formação da cidade moderna em relação ao ser humano, relacionando a influência do pensamento de arquitetos e urbanistas modernistas, juntamente com o avanço da tecnologia, no resultado de cidades que não são feitas para pessoas. Utilizando como exemplo a cidade de Brasília, projeto de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, Gehl pontua diversos fatores preponderantes para consolidar uma cidade como uma má cidade, fatores estes tão presentes na capital brasileira, que esta ganhou a “honra” de batizar o conjunto dos fatores que segundo o arquiteto tornam cidades menos humanas. A chamada “Síndrome de Brasília” engloba uma série de ações adotadas no planejamento urbano modernista da cidade, onde estas ações culminaram na construção de uma cidade oposta às pessoas, isto é, do ponto de vista do pensamento modernista de planejamento urbano cidades6 são ruins, enquanto edifícios totalmente separados e independentes são bons; segregação entre zonas da cidade, determinando locais específicos, distantes uns dos outros, onde certa atividade pode ser desenvolvida ou não (Gehl, 6 Nesta asserção, a definição de cidade se aproxima à definição dada por Kevin Lynch: (...) Uma cidade é uma organização mutável com fins variados, um conjunto com muitas funções criado por muitos, de um modo relativamente rápido. Uma especialização total, uma engrenagem perfeita são improváveis e indesejáveis. A forma tem, de certa forma, que se não comprometedora, moldada aos propósitos e às percepções dos cidadãos (LYNCH, 1960, p.103).
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2017). (...) o paisagismo parece não ser planejado para proporcionar sombras, por exemplo. A segregação é outra questão muito negativa, e que pode impactar fortemente na mobilidade urbana, visto que este talvez seja um dos poucos lugares no mundo onde ricos e pobres quase não se cruzem diariamente (...) o uso do automóvel torna-se quase que obrigatório nesse modelo urbanístico. Algo desagradável aos olhos, em Brasília, é a quantidade de carros estacionados quase que em qualquer espaço da cidade. É mais notável a quantidade de autos nas ruas do que a de pessoas (CHICONI, 2015). (...) Brasília é interessante, porque parece fantástica vista do avião. Parece muito interessante vista de um helicóptero. E lá embaixo, onde estão as pessoas, no nível do olhar, ela realmente não parece tão boa (GEHL, 2017).
As cidades modernas e contemporâneas cresceram e se desenvolveram privilegiando os carros em detrimento dos cidadãos, segregando através da separação espacial territórios com atividades distintas entre si, fortalecendo através de maiores investimentos do poder público áreas de maior interesse financeiro, isto é, onde o capital da cidade gira. Nas grandes cidades hoje, é fácil identificar territórios diferenciados (...), quando alguém, referindo-se ao Rio de Janeiro, fala em Zona Sul ou Baixada Fluminense, sabemos que se trata de dois Rios de Janeiro bastante diferentes (...). É como se a cidade fosse um imenso quebracabeças feito de peças diferenciadas, onde cada qual conhece seu lugar e se sente estrangeiro nos demais. É a este movimento de separação das classes sociais e funções no espaço urbano que os estudiosos da cidade chamam de segregação espacial (ROLNIK, 2004, p. 40-41).
Rolnik (2004), é como se a cidade fosse demarcada por cercas, fronteiras imaginárias, que definem
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o lugar de cada coisa e de cada um dos moradores, gerando assim uma espécie de movimento pendular7 diário interno à cidade, isto é, grandes massas de população deslocando-se através do transporte público a fim de chegar ao trabalho, escola pela manhã; e de volta ao lar na faixa da tarde. (...) Com isso bairros inteiros das cidades ficam completamente desertos de dia (...) assim como algumas regiões comerciais e bancárias parecem cenários ou cidades-fantasma para quem as percorre à noite (ROLNIK, 2004, p. 42).
Quanto mais a cidade se afasta do ser humano, mais o ser humano se afasta da cidade e da sociedade, voltando-se para sua singularidade e perdendo o senso social adquirido durante sua própria evolução psicológica, tendo em vista que “o homem nunca está só, e não seria o que é sem sua dimensão social” (Todorov, p. 243, apud Santi 2009). Segundo Dória8 (2014), uma cidade se qualifica como cidade quando devido aos seus moradores, a cidade são seus habitantes, seus artistas, seus taxistas, seus servidores públicos — do lixeiro ao prefeito —, todos que utilizam sua infraestrutura diariamente são de fato o que tornam a cidade uma cidade, caso contrário, seria apenas um aglomerado de concreto cinza. (...) construir e morar em cidades implica necessariamente viver de forma coletiva. Na cidade
7 A migração pendular é um fenômeno que não se trata propriamente de uma migração, pois é uma transferência momentânea, diária (...) A migração pendular, é caracterizada pelo deslocamento diário de pessoas para estudar ou trabalhar em outra cidade, estado ou país. Após realizar a atividade profissional ou cumprir a carga horária de estudo, essas pessoas retornam para as cidades onde residem. (Ribeiro, 2015). 8 Carlos Alberto Dória, é sociólogo pós-doutorado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humana, IFCH-UNICAMP. 37
nunca se está só, mesmo que o próximo ser humano esteja para além da parede do apartamento vizinho ou num veículo no trânsito. O homem só no apartamento ou o indivíduo dentro do automóvel é o fragmento de um conjunto, parte de um coletivo (ROLNIK, 2004, p. 19)
Para compreender as cidades, precisamos admitir de imediato, como fenômeno fundamental, as combinações ou as misturas de usos, não os usos separados (Jacobs, 1961). Sendo assim, não devemos definir a cidade como um grande amontoado de prédios, avenidas, carros e ônibus. A cidade não é o espaço físico em que as pessoas se encontram e no qual desenrola-se toda uma dinâmica de compra e venda. A cidade são as relações pessoais de cada ser humano presente no cotidiano da metrópole, são suas sensações e o conjunto delas que geram o conceito de cidade. São as pessoas que utilizam a infraestrutura urbana e que a fazem necessária e que dão sentido a sua existência. A cidade é feita por nós e para nós. É feita por quem utiliza o transporte público todos os dias para ir e voltar do trabalho, locomovendo-se muitas vezes entre extremos do município. A luta por espaços urbanos coletivos e a representação das diferenças nestes espaços são elementos indispensáveis para o avanço da espacialização da democracia. Eles introduzem novos sujeitos políticos e novas regras na vida social e cultural, e criam possibilidades de ampliar o exercício da cidadania do domínio abstrato da nação-estado para o domínio concreto dos espaços urbanos. A participação política baseada no dissenso pede contínua reinterpretação das definições formais, estáveis e universais. Numa época em que significativos valores modernos foram desafiados (incluindo a noção histórica de cidade), a alteridade e seus confrontos proveem novas referências para a teoria, o planejamento, o projeto de arquitetura e os espaços públicos (PALLAMIN 2013, p. 110). (...) A cidade não está construída apenas para um indivíduo, mas para grandes quantidades de pessoas, com antecedentes altamente variados, com temperamentos diversos, de diferentes classes, com diferentes ocupações (LYNCH, 1960, p. 123).
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Quanto mais a cidade perde sua identificação com a sociedade, mais a sociedade perde sua identificação com a cidade. O ser humano possui a capacidade de, através de experiências sensoriais, (visão, audição, relações sinestésicas) definir a identidade e singularidade do espaço urbano (Lynch, 1960). Em uma espécie de movimento retroalimentador9, a população que espacialmente já se vê afastada de determinada região, passa a não mais se enxergar como parte daquela região, do mesmo modo que tal área não atribui reconhecimento a essa parcela social. Deste modo, com o afastamento e perda de legibilidade da parcela da população que não se enxerga e não é enxergada em determinada área da cidade, é inerente a segregação espacial e social sofrida pela maior parte da população, a que reside fora dos grandes centros, nas periferias.
9 Do ponto de vista sociológico, retroalimentação caracteriza-se pela relação de circularidade entre determinadas partes, que afetam e são afetadas umas pelas outras. Sendo assim, um movimento de retroalimentação pode ser definido como um movimento que é autossuficiente, pois é motor e combustível de suas ações. 39
A dissociedade “O poder urbano funciona na cidade capitalista como uma instância que controla os cidadãos, produz as condições de acumulação para o capital e intervém nas contradições e conflitos da cidade” (ROLNIK, 2004). O ser humano tornou-se marionete do sistema, na cidade contemporânea agimos como robôs executando diariamente, quase que em modo automático, tarefas e deveres como ir ao supermercado, ao trabalho, à escola, etc. O ser humano é cada vez menos humano, cada vez menos sensível ao que está à sua volta, cada vez menos empático; cada vez menos real. A insensibilidade que atinge o ser humano contemporâneo, talvez, seja fruto da insensibilidade sofrida por ele pela cidade, que o afasta, seja fisicamente pela distâncias promovidas pelo processo de desenvolvimento urbano, seja pela sociedade desigual que se solidificou e parece cada vez mais desequilibrar a balança para o lado mais pobre. Segundo relatórios divulgados pela organização não-governamental OXFAM10, em 2017 cerca de 82% de toda riqueza mundial produzida ficou sob o poder de apenas 1% da população. Um por cento. os cinco homens mais ricos do Brasil tem riqueza equivalente à metade da população mais pobre
10 A OXFAM é uma confederação de 20 organizações, presente em 94 países e que tem como objetivo a atuação na erradicação da fome no mundo, redução da pobreza e das desigualdades sociais. Anualmente lança um relatório que reflete pesquisas sobre desigualdade social no mundo. 40
do país (...) a fortuna desses super-ricos chega a US$549 bilhões, ou 43,52% de toda riqueza do país, enquanto isso a metade mais pobre da população brasileira controla apenas 2% da riqueza nacional, em 2017 (FRABRASILE, 2018)
Mesmo com a crise econômica que atingiu o Brasil em meados de 2014, o patrimônio dos bilionários cresceu e continua crescendo; em 2017 a média foi de um aumento de 13% na fortuna destes “pobres coitados”. Isso mostra que, na realidade, a crise econômica não atingiu o Brasil como um todo, tampouco aqueles abastados que possuem riquezas quase que incalculáveis; a economia esteve e segue muito boa para quem já tem muito, entretanto para quem possui pouco, foram e continuam sendo os mais afetados pela crise e pelas medidas tomadas pelo governo para encerrá-la (MAIA, 2018). Ironicamente, as medidas utilizadas pelo governo para enfrentar a crise que atingiu em cheio a parcela mais pobre da população, resultaram em mais impacto sobre a população. As perspectivas para os próximos anos não são boas, a reforma trabalhista coloca exatamente os elementos que o relatório (da OXFAM) menciona como causadores da desigualdade, como a terceirização, flexibilização extrema das condições trabalhistas, redução do espaço sindical e de direito dos trabalhadores (MAIA, 2018).
Segundo pesquisa realizada pela OXFAM em parceria com o Datafolha11, em 2017 5% da população possuía a mesma renda nacional que os demais 95%, o que convertendo para salários mínimos proporcionalmente, revela que um trabalhador que ganhe um salário mínimo por mês, precisaria trabalhar dezenove anos para receber o que os 0,1% mais ricos fazem, em média, por mês. 11 O Datafolha é um instituto de pesquisas do Grupo Folha. 41
Ainda sobre a desigualdade salarial, e ainda com base no ano de 2017, o grupo de pessoas que compõem o 1% mais rico do país obteve um rendimento mensal médio de R$ 27.213,13 reais, enquanto a média mensal da população mais pobre bate na casa dos R$ 754,00; ou seja, 36,1 vezes menos dinheiro. O estudo da PNAD Contínua12, realizado pelo IBGE 13, revela que os 10% da população com os maiores rendimentos detinham 43,3% dos rendimentos do país, enquanto dos 10% com menores salários, detinham apenas 0,7%. O Índice GINI, instrumento desenvolvido para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo aponta para a diferença entre rendimentos dos mais ricos e dos mais pobres (WOLFFENBUTTEL, 2004), utilizando para mensuração da desigualdade uma variação que vai de zero (igualdade) até 1 (máxima desigualdade), quando aplicado ao ambiente brasileiro, o instrumento apontou para um índice de desigualdade igual a 0,549. Lynch (1960), numa sociedade complexa existem muitas inter-relações que devem ser dominadas. Numa democracia repudia-se o isolamento, exalta-se o desenvolvimento do indivíduo, espera-se que a comunicação entre os grupos seja cada vez maior. Ao contrário do que pontuou o arquiteto Kevin Lynch, tendo em vista os resultados apontados pelos indicadores de desigualdade utilizados no brasil, assim como
12 PNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Visa produzir informações básicas para o estudo do desenvolvimento socioeconômico do país, e permitir a investigação contínua de indicadores sobre o trabalho e rendimentos. (IBGE, 2018) 13 IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Constitui-se como o principal provedor de dados do Brasil. 42
os dados de renda que variam “um pouco” de acordo com cada camada da sociedade, o que vem ocorrendo é o maior afastamento desses grupos de indivíduos, e menor grau de interação entre os mesmos. Atualmente as lutas por reconhecimento explicitam a condição de que os impedimentos à distribuição equitativa de oportunidades não podem ser superados de um só golpe, configurandose como única possibilidade plausível o enfrentamento dos obstáculos à medida que emergem no espaço público (PALLAMIN, 2013, p. 70).
Começa a ser um pouco mais compreensível a insensibilidade agregada ao ser humano contemporâneo do ponto de vista social, isto é, inserido em um meio totalmente desigual, onde o estado privilegia a fatia da população que menos necessita; segregado espacialmente e socialmente por barreiras invisíveis que delimitam de forma subentendida seu lugar em meio à sociedade; oprimido pela cidade pensada para o carro, onde para se chegar ao trabalho, além do transporte público lotado e da sensação de distância ainda maior causada pelo congestionamento característico das vias das grandes cidades; é inerente a dessensibilização humana em detrimento da necessidade de ocupar sua cabeça, seu dia, sua vida com tarefas que lhe soam, “talvez”, um pouco mais prioritárias que a empatia, ou mesmo contemplação da paisagem — esta que já não se comunica à escala do pedestre —, tais como: garantir sua sobrevivência e de sua família.
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Arte como (re) sensibilizadora 45
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O uso do prefixo “re” indica um movimento de volta, para trás ( Ferreira, 1975 apud Castilho; Vargas, 2015). Dá a ideia de algo que está voltando a acontecer, isto é, pressupõe-se então que em determinada ocasião já existiu, e que por alguma condicionante — não necessariamente explícita — deixou de existir, estando aberta agora para uma volta à um status previamente adquirido, e que agora volta, não necessariamente nas mesmas condições do que fora, mas semelhante. Por exemplo, a revitalização de um parque, isto é, algo que já teve vida, e que por algum motivo a perdeu, vai ser revitalizado, reavivado. Segundo Castilho; Vargas (2015), o “re” é uma estratégia que considera (ou finge considerar)a inclusão do tempo na análise do espaço, sem, contudo, explicitar um significado e uma metodologia para tal. Na Carta de Lisboa (1995), o uso do termo “re” é utilizado na colocação de determinado aspecto urbano como necessário de se trazer de volta à vida, de se revitalizar, através de “operações destinadas a relançar a vida econômica e social de uma parte da cidade em decadência”. No caso do título do trabalho, a “(re) sensibilização” trata da ideia de sensibilizar novamente algo ou alguém, que por algum motivo, perdeu tal sensibilidade. Como visto no capítulo anterior, a evolução tecnológica, espacial e social da cidade moderna e contemporânea causou uma retração física e psicologia ao ser humano do ponto de vista de suas interações sociais, da sua legibilidade e de sua identificação em meio à sociedade como um todo, em meio à cidade. Ao não sentir-se parte indegrante de um grupo, de um local, de uma região, o ser humano deixa de se enxergar neste meio, assim como o meio deixa de enxergá-lo — por essa razão e por outras. Insensível ao meio que permeia sua vida, agindo por instinto de sobrevivência em meio ao caos urbano diário enfrentado no cenário da cidade, a monotonia da rotina onde notícias de crimes; mortes; corrupção entre outras são parte 47
fixa do dia-a-dia, é natural o ser humano enrijecer seu “filtro” de choque em meio ao cotidiano urbano, deste modo, insensibilizando-se ao espaço e sociedade à sua volta. É neste contexto de um mundo social onde perdemos gradativamente a essência do que nos faz realmente humanos, que a arte apresenta-se como poderosa arma para retomada de valores da nossa natureza, dissolvidos no decorrer da evolução urbana frente ao declínio das interações sociais; ao mesmo tempo que, em um suporte urbano, pode trazer à tona discussões totalmente atuais. “Nesse deslumbramento, nós podemos perceber que nossa existência não é somente uma repetição, a gente não vive só aguardando a morte, queremos ter sensações, emoções, sentimentos, pensamentos neste intervalo entre nascer e morrer.” (MARTINS14, 2015). “As atividades artísticas são oportunidades para a expressão de sentimentos, alguns deles passíveis de menção apenas a partir da criação. Além disso, ao interpretar reações sociais, a arte revela aspectos da vida humana e faz com que o indivíduo reflita e se posicione diante de sua realidade. Por isso, acredito que a arte deva ser encarada como um direito de todo cidadão” (CARVALHO15, 2015).
Mas afinal, a arte tem o poder de atuar no âmbito interior do ser humano e modificar seu estado atual, agindo como gatilho para uma retomada sentimental promovida pelas reflexões e sensações causadas através da interação espectador x obra? A resposta para essa pergunta, tal qual para a definição de arte, é simples: não existe uma resposta padrão que possa delimitar o real e o irreal e que se faça compreensível
14 Ferdinando Martins é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e diretor do Teatro da USP. 15 Lívia Marques Carvalho é professora da Universidade Federal da Paraíba. 48
por meio de palavras; como afirma Dewey (2010), “quanto mais uma obra de arte incorpora aquilo que faz parte de experiências comuns a muitos indivíduos mais expressiva ela é”. A interação torna-se mais forte porque a identificação do indivíduo com a obra é gerada por experiências particulares enaltecidas durante a contemplação, sendo assim, a obra pode sensibilizar mais ou menos um espectador; ou até não sensibilizar (RAMALDES, 2016). Como exemplo de sensibilização d’alma humana através da arte, o roubo de uma das obras mais conhecidas da humanidade — A Monalisa, de Leonardo Da Vinci — exemplifica como o poder de interação e identificação entre obra e espectador pode ser tão for te a ponto de tornar-se físico. A história do roubo foi narrada por Frédéric Petitdemange16 A Monalisa era mais um entre tantos no Louvre, entretanto em 1921 isso mudou — a obra foi roubada. Com tantos quadros no museu, muitos mais famosos que ela, por quê justo o quadro da Monalisa foi escolhido? Após anos de busca e investigação, as autoridades de Paris chegaram à Vincenzo Peruggia, ex funcionário do museu. E de fato, Peruggia quem havia roubado a obra, entretanto o mais espantoso foi sua motivação para crime: amor. Em sua casa foram encontrados centenas de bilhetes de entrada do museu do Louvre, o que quer dizer que, após não trabalhar mais no museu, Vincenzo retornou todos os dias, por muito tempo, apenas para vê-la. Motivado pelo sentimento de amor despertado em seu interior pela pintura de Da Vinci, e com a necessidade de tê-la para si, Vincenzo Peruggia a roubou. Com a volta do quadro ao Louvre, logo o boato e a fama da Monalisa cresceu, sendo passada, aumentada, modificada de pessoa para pessoa.
16 Frédéric René Guy Petitdemange é professor de História da Arte, formado pela Universidade de Paris 1 - Panthéon Sorbonne. 49
Arte (in) definida Arte é um conceito indefinível em sua totalidade, trata-se da existência de algo que não consegue se fazer traduzir em palavras (MARTINS, 2015). Ferdinando Martins define a arte como algo indefinível, quer dizer, como seria possível definir algo que é indefinível? A arte parte de um pressuposto que transcende as fronteiras entre o que se pode transcrever em palavras, e o que pode-se apenas sentir. Dizer o que seja arte é coisa difícil. Um sem-número de tratados de estética debruçou-se sobre o problema, procurando situá-lo, procurando definir o conceito. Mas se buscamos uma resposta clara e definitiva, decepcionamo-nos; elas são divergentes, contraditórias, além de frequentemente se pretenderem exclusivas, propondo-se como solução única (COLI, 1995, p.7).
Acima de qualquer conceito estético da ideia comum e/ou padronizada de beleza — que também pode ser considerada indefinida e inerente às experiências de cada ser — está o sentimento, e a forma com que ele é despertado em cada um de nós no momento que entramos em contato com a obra. Embora observada no mesmo dia e no mesmo instante, a mesma pintura irá despertar reações diferentes específicas em cada um de seus observadores, sejam tais reações positvas, negativas ou indiferentes. Tão logo as formas naturais da experiência subjetiva sejam abstraídas ao ponto da apresentação simbólica, podemos utilizar essas formas para imaginar o sentimento e entender-lhe a natureza. O autoconhecimento, a introvisão de todas as fases da vida e da mente, surge da imaginação artística. Eis aí o valor cognitivo das artes (LANGER, 1962, p. 89, apud RAMALDES, 2016, P. 157). A experiência estética do receptor, ocorre por um processo seu de identificação com o trabalho artístico como um todo, com a totalidade do mundo interior do artista representado na obra de arte. 50
Todo prazer estético inclui uma revivência inconsciente, pelo sujeito da percepção, da experiência de criação do artista. Como Freud escreveu no artigo sobre Moisés de Michelangelo17, a obra suscita em nós a mesma constelação mental responsável pelo ímpeto criador do artista (LANGER, 1962, p. 83).
A obra de arte se relaciona de forma única com cada ser, e reage de acordo com inúmeras variáveis pessoais do indivíduo, como sua vivência, seu humor momentâneo, seu temperamento e sua bagagem cultural18; dentre outras, que agem e reagem no momento de interação entre obra e espectador. Toda experiência está carregada de emoções (...). Quando o espectador entrar em contato com a obra de arte, utilizará as suas próprias experiências para se relacionar com ela, então, o que o espectador compreende da obra de arte está carregado de suas próprias subjetividades, suas simbolizações, suas concepções de mundo. (...) a compreensão de um segundo espectador poderá ser diferente da do primeiro. Cada indivíduo utilizará as suas próprias experiências passadas, tanto para compreender quanto para criar a obra. A obra de arte é constituída de emoções e de experiências do artista que a concebe, mas a interpretação do espectador também traz emoções e experiências que se articularão com a obra a fim de conseguir uma compreensão dela (RAMALDES, 2016, p. 157-158).
A arte, ao mesmo tempo que se explana em um mundo físico de forma estética e visível ao olhar, carrega consigo infinitas possibilidades geradoras de sentimentos e emoções, “articulando o inaudito, o não formulado; tenta desvelar e expressar os sentimentos que ultrapassam as possibilidades semânticas da palavra” (LANGER, 1962).
17 Artigo publicado em 1914 na revista Imago, v. 3, n. 1, p. 15-36. 18 Diferencial que possibilita independência intelectual, aquisição e expressão de pensamentos próprios. A bagagem cultural depende das informações a que temos acesso, mas, mais do que isso, depende da nossa capacidade de observação e de absorção de aprendizados e conhecimentos, oriundos tanto de um processo clássico de educação, como de nossas experiências de vida (PERICOCO, 2010) 51
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Inscrições d’Alma 53
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É compreendido como pré-história a faixa temporal desde o surgimento dos primeiros seres humanos a cerca de 400 a 100 mil anos atrás, no período Paleolítico, até o surgimento da escrita, no final do período Neolítico. A presença da arte em meio urbano/social não se caracteriza como algo da modernidade, tampouco da contemporâneidade; desde sua origem, o ser humano expressa-se visualmente através de suas sensações, transcritas pelas suas próprias mãos em superficies que dão suporte à esta manifestação, as chamadas pinturas rupestres19. Como afirma Alves (2006), tão antigas quanto qualquer vestígio existente de habilidade humana, evidenciam que a comunicação gráfica está associada à própria existência do pensamento desde os primórdios da humanidade. Trata-se de uma saga que vem sendo registrada nestes milênios que o contemplam. Uma saga também contada através de desenhos que retratam seu cotidiano ritualístico e mágico, mostrando, entre outros, seus cultos e sua labuta diária. Essa capacidade permite que o ser humano se imponha enquanto registro de sua existência, sendo capaz de deixar suas marcas através das transformações que lapida na natureza e, conseqüentemente, deixando-se afetar pelas interferências produzidas. Habilitado a pensar, prever, apreender, simbolizar, recriar situações e representar suas emoções, atribui significado às coisas e, nessa trajetória, vai separando, classificando e comunicando-se graficamente com o universo. (...) temos um rico acervo cultural que narra a passagem do homem em determinadas regiões, (...) elementos organizados entre si compostos de significados que refletem, evidentemente, o presente dos seus autores e os grafismos de uma expressão comunicativa das populações humanas primeiras (ALVES, 2006, p.22).
Segundo Paixão (2011), baseando-se na configuração formada pelos sinais gráficos que se desenvolveram durante o período Paleolítico, pode-se concluir que tais signos não estavam ligados “apenas
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à apreciação introspectiva ou ritual”, na verdade também exerciam funções comunicacionais, “mesmo porque são signos; significam, dizem alguma coisa, mesmo que não saibamos o que significam ou por que existam”. Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se, a linguagem, as regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos esses sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade social, e mais ainda, as relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros. (LÉVI-STRAUSS, 1950, p. XIX apud PAIXÃO, 2011, p. 21)
As pinturas rupestres formam um sistema de comunicação próprio que, a partir de sua leitura, transmite o conhecimento às civilizações atuais sobre o cotidiano dos grupos ancestrais ao ser humano. A grande diversidade de imagens presentes nas nos sítios arqueológicos encontrados até hoje um conjunto iconográfico de relações mútuas, “situando informações e dados, contextualizando-os de forma que se possa dar sentido aos conjuntos constituintes desse sistema comunicativo, legado20 por grupos culturais que nos antecederam, em toda a sua complexidade (ALVES, 2006). Deste modo, não é difícil chegar à conclusão de que nossa natureza é expressivista, isto é, as atividades humanas, em específico a arte, expressam “toda a personalidade do indivíduo ou do grupo, sendo apenas inteligíveis na medida em que o fazem. A autoexpressão é considerada essencial para o ser humano (...)” (BERLIN, 2002 apud FOSCHIERA, 2016). (...) (a) linguagem cumpre um papel muito importante hoje por sua capacidade em descrever
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eventos objetivos e objetos de natureza científica ou tecnológica. Contudo, se percebe cada vez mais a importância da teoria expressivista para compreender o fenômeno humano, social e cultural. Com ela é possível a universalização do humano como humano e não como material ou objetivo. Ou defender as diferenças culturais e a igualdade entre os humanos e as culturas a partir da originalidade de cada qual. A linguagem é, por isso, original e autêntica enquanto expressão do original e autêntico que existe em cada ser humano e em cada cultura (FOSCHIERA, 2016, p. 149).
Somos fruto de uma sociedade que tem na base de sua formação o desenho artístico — mesmo que ainda não o fosse definido assim em sua criação — como forma de expressão, de demarcação da sua presença no espaço, de comunicação; de se fazer entender e sentir sem ao menos o uso de uma única palavra. O ser humano que se desenvolveu a seguir, possui por natureza, herdado de seus antepassados, a expressão artística do desenho como forma, ou uma das formas, mais complexas e completas de se fazer entender. As populações humanas que constituíram suas singularidades culturais antes do período da escrita alfabética fizeram das imagens grafadas seu código de comunicação predominante, entre os grupos culturais da época em que viveram. Num artifício de duplicar, no sentido de representar, os utensílios, os animais e o próprio indivíduo, essas populações acabaram por nos legar uma forma de comunicação cujos contextos e detalhes foram e continuam sendo um enigma a ser decifrado (ALVES, 2006, p.29-30).
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O desenvolvimento do eu e do nós Após o período Paleolítico, o desenvolvimento da escrita foi inerente ao desenvolvimento social dos grupos formados e preestabelecidos descendentes dos homens pré-históricos. O período histórico no qual se deu o desenvolvimento da escrita básica , que ao longo da história se desenvolveria até como a conhecemos nos dias atuais, data de 3.500 a.c., onde os povos suméricos — considerados até hoje como os percursores da escrita — a partir de signos pictográficos com mensagem preestabelecidas, conceberam o primeiro sistema de escrita abstrata, que evoluiria para a escrita cuneiforme21. (PAIXÃO, 2011). “Os mais antigos registros escritos são tabuletas da cidade de Uruk22. Aparentemente elas arrolam mercadorias por meio de desenhos de objetos acompanhados por numerais e nomes de pessoas inscritos em colunas bem organizadas.” (MEGGS; 2009 apud PAIXÃO, 2011)
A escrita cuneiforme então formou a base para o desenvolvimento de dois tipos de “sistemas de escrita” (PAIXÃO, 2011), o egipcío23 e o fenício24. Com o desenvolvimento da escrita e, agora, possibilidade de passar adiante de forma direta e objetiva, sem margem a interpretações pessoais que tem como base o sentimento, o ser humano agora se enquadra em um período histórico importantíssimo, fundador das bases da sociedade como conhecemos, a Antiguidade, ou Idade Antiga25.
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Escrita que é produzida com o auxilio de objetos em formato de cunha. Uruk foi uma cidade antiga da Suméria – posterior Babilônia – situada a leste do rio Eufrates. Uma forma que combinava a escrita pictográfica com a ideográfica e, mais tarde, para a representação de fonemas. Representação por meio de signos abstratos por um sistema de símbolos exclusivamente fonéticos. Período Histórico posterior ao Paleolítico, onde a sociedade começou a se organizar-se da forma como conhecemos atualmente.
É neste espaço temporal, da criação da escrita — 4000 a.c. — até a queda do Império Romano do Ocidente — 3500 a.c. —, que surgiram e se desenvolveram diversos povos, dentre eles: egípcios, mesopotâmicos, gregos e romanos. Inerente a formação das civilizações, seu desenvolvimento organizacional e social, as crenças e religiões difundiram-se, atuando em conjunto com o estado em construção, pautando e regrando a forma com que os seres humanos deveriam agir e se portar em meio a sociedade. Dentre as religiões, o cristianismo, com o passar do tempo, destaca-se como “a grandeza espiritual e política dominante”, propagando-se e difundindo-se pelos séculos seguintes (ZILLES, 2008). Segundo Ananias (2015), o ser humano ancestral é dotado de um extremo senso coletivista em relação ao meio em que vive, “ele considera tanto a boa sorte como os infortúnios, acontecimentos que acometem e dizem respeito à comunidade como um todo e não apenas ao indivíduo singularmente considerado”
Apesar de reconhecer aquilo que muitas vezes há de ilógico e irracional no sofrimento do homem, não se revolta nem desespera. Expressa uma crença humilde na bondade e justiça dos deuses (...) o homem que confia no seu próprio poder e em sua própria força deve fracassar de maneira trágica. Com isso restabelece a autoridade de Deus (...) e elimina toda dúvida quanto à sua poderosa presença (ZILLES, 2008, p. 23).
O ser humano da antiguidade se estabelece então como ser religioso, temeroso à uma divindade maior, a qual deve-se seguir preceitos afim de manter-se no caminho divino. Sendo assim, caminha como sujeito social, atribuindo como prioritário o contexto da vida em sociedade.
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(...) (a religião) Acima de tudo, responde a questões existenciais que atordoam os homens e lhes indica um horizonte de sentido para a vida individual, em comunidade e para o mundo. A grande significação das religiões, na história da humanidade, e seu poder de persuasão, que continuam exercendo hoje, só se explicam porque incutem esperança ao ser humano nas turbulências da vida (ZILLES, 2008, p. 17).
Paralelamente a evolução de seu “eu” agora não mais sozinho no universo, pertencente e temeroso à uma divindade maior e integrado à uma sociedade que vem consolidando sua formação; o homem, mantendo suas raizes de expressividade, continua manifestando-se de forma artística em meio social, isto é, com o advento e evolução da escrita, agora, suas técnicas são mais apuradas, seu desenho evoluiu assim como seu pensamento e suas motivações, que continuam reflexo das suas sensações diante do meio ao qual está inserido. Tal asserção pode ser comprovada ao analisar a cidade de Pompéia, soterrada pelas cinzas do vulcão Vesúvio durante centenas de anos até sua descoberta em 1748, já na Modernidade. Em Pompéia, situada na Roma antiga, seus moradores inscreviam às paredes das construções tanto pinturas — que já denotavam sua evolução nas técnicas de desenho — ou simplesmente frases e textos que descreviam situações de seu cotidiano — do mesmo modo que seus ancestrais da pré-história o faziam com as figuras rupestres —, expressando nas sentimentos em relação a temas diversos. Carlan (2007), citando a autora Lourdes Feitosa, afirma que nas paredes eram encontradas “várias expressões simbólicas relacionadas com sexualidade, amor, visão e crítica de uma sociedade antiga”. As inscrições realizadas pelo povo de Pompéia na cidade, atualmente, na contemporâneidade, têm o nome de pixação.
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A perda do Modelo Referencial Já na Idade Média, religiões e modelos sociais consolidam-se, atribuindo ao ser humano, mesmo que inconscientemente, a ideia de que exista uma interdependência entre os membros da sociedade — e de fato existe —, isto é, havia uma hierarquização da sociedade, onde se era entendido que não o ser humano não teria desejos e vontades próprias, uma vez que, desde seu nascimento, em determinada fámilia, lhe atribuia sua função na sociedade, ou seja, se nascido o filho de um padeiro, este será padeiro no futuro; se nascido em familia artesã, este será artesão. Nesta acepção, o ser humano inserido na sociedade não tem noção de suas próprias vontades, o que se entende é uma relação orgânica interdependente entre todos os seres, “o homem não seria, assim, própriamente sujeito” (SANTI, 2009). Uma comunidade, de acordo com Plutarco, é um certo corpo dotado de vida pelo benefício do favor divino, que opera impelido pela mais elevada equidade e que é regulado pelo que pode ser chamado de poder moderador da razão. Aqueles que em nós estabelecem e implantam a prática da religião e nos transmitem a devoção à Deus... preenchem o lugar da alma e do corpo da comunidade. E assim, aqueles que presidem a prática da religião devem ser considerados e venerados como a alma e o corpo, pois quem duvida que os ministros da santidade de Deus são Seus representantes? (Salisbury, Século XX)
Neste contexto teocêntrico26, o ser humano via-se condicionado a ser apenas um instrumento da vontade divina em relação ao seu papel na sociedade, entretanto com a inserção do Renascimento no
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Doutrina ou crença que considera Deus como o centro de todo o universo. 61
cenário medieval, há a quebra de alguns destes paradigmas, levando a uma grande valorização do homem, colocando-o no centro do universo, como medida de todas as coisas ( SANTI, 2009). É comum que tenhamos uma noção da passagem da Idade Média para o Renascimento em termos de história; (...) tudo leva a crer que com a diminuição do poder da igraja e a abertura operada sobre o mundo fechado dos feudos foi acompanhada por uma crise da concepção fechada de mundo que vigorava (SANTI, 2009, p. 21).
Se o ser humano acreditava ter um ponto de referência superior, externo à sua compreensão, com o seu afastamento dos dogmas da igreja, agora a figura divina passa a ser algo lateral a existência humana, isto é, a humanidade continua religiosa, entretanto com o homem no centro do universo foi perdido o Modelo Referêncial ao qual a igreja propunha, de forma que agora o ser humano deveria descobrir-se por si só, “buscar construir suas próprias respostas em relação ao mundo” (Santi, 2009). Liberto em um “novo mundo”, em busca da construção de sua própria identidade, o ser humano se vê em um universo de incertezas, onde deve buscar as respostas em seu próprio interior, criando sua personalidade27. Do ponto de vista da psicologia, todos têm personalidade. Esta poderá ser mais ou menos atraente, mais ou menos marcante, mas sempre existe (...) conclui-se que a personalidade se estrutura através da vida social. Devemos compreender também que a personalidade depende de certos traços inatos e hereditários (CARVALHO, 1983, p. 72). (personalidade é a) organização dinâmica dos sistemas psicofisiológicoindividuais, que determinam a maneira única pela qual cada pessoa se ajusta ao ambiente (ALLPORT, 1937 apud CARVALHO, 1983).
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Conjunto das características marcantes de uma pessoa.
O ser humano busca então adaptar-se, incluir-se em grupos sociais que o acolham, mesmo que para tal haja de forma inatural28; isto é, “para viver em comum, o homem precisa aprender a agir e reagir desta ou daquela forma, de acordo com as circunstâncias” (CARVALHO, 1983, p. 20). O indivíduo, ajustando-se aos diferentes grupos que participa, passa a pensar, sentir e agir dentro de padrões por eles aprovados. Submete-se, pois, às expectativas de comportamento daquels grupos, reagindo de acordo com o que seus companheiros esperavam (CARVALHO, 1983, p. 21)
Mesmo sendo um único ser, é impresso por ele em meios sociais certos cunhos especiais nesta ou naquela circunstância. “Cada um de nós, além de seu eu permanente, tem vários selves29, um para cada meio social que frequenta” (CARVALHO, 1983). Em um sentido natural das coisas, como na Antiguidade, agora na Idade Media não é diferente, a evolução das técnicas de desenho continua inerente a passagem do tempo. Artistas, continuam exaltando a natureza humana, desta vez praticamente apenas com temática religiosa. Demonstrando, mais uma vez na história, a capacidade expressivista do ser humano na representação artística de seus sentimentos e do meio à sua volta, seguindo uma linha imaginária da evolução desde seu surgimento no período Paleolítico, uma das poucas — se não a única — características preservadas e em ascendência é sua expressividade em relação ao meio psicofísico que se encontra.
28 Que não é natural, que não é produzido pelas leis da natureza; que falta naturalidade; artificial. 29 self ou selves: conjunto de atitudes e reações que predominam em uma pessoa quando participa de grupos diversos. 63
O suporte é a rua Do Renascimento à Modernidade — da Modernidade à Contemporâneidade; pouco, ou nada, mudou na essência da forma com que o ser humano busca encaixar-se em determinados grupos. Atualmente, ao mesmo tempo em que possuímos nossa individualidade, construída ao longo da história, buscamos por padrões que nos permitam ser identificados e/ou nos identificarmos como componentes de determinada parcela social. Com o grande salto tecnológico das ultimas décadas, cada vez mais o ser humano expõe-se em meios de propagação imagiática, como as redes sociais, onde o foco principal é a autodivulgação pessoal e interação entre pessoas e grupos de pessoas. E com qual objetivo a individualidade e privacidade são postas de lado nestes meios? Necessidade de afirmação, de fazer e sentir parte do meio que se busca estar (FARAH, 2012). (sobre privacidade) As próximas gerações vão rir de nós, tal como rimos hoje dos pudores prosaicos de nossos antepassados. E não lamentem a morte desse suposto direito, pois isso até poderá ser bom para a sociedade. Duvida? Sem privacidade, não seremos mais fingidos. Enganaremos menos aos outros. Teremos mais razões para agir corretamente, para não ter registros negativos. Num mundo sem privacidade talvez haja menos impunidade – um dos grandes problemas do Brasil hoje. A justiça e os negócios serão mais rápidos, baseados em fatos e não em opiniões. Não teremos de esconder nada, pois, como dizia Goethe, essa preocupação desaparece para quem já tem seu prestígio arruinado (SIQUEIRA, 2008).
Ao mesmo tempo que buscamos desenvolver nossa individualidade, nosso próprio eu, agora o ser humano se desconstrói; molda-se em detrimento da sua aceitação em grupos que participa ou que lhe interessa participar, “passa a pensar, sentir e agir dentro de padrões por eles aprovados” (CARVALHO, 2008). Conclui64
se então, que a humanidade é composta por grupos de seres únicos e, ao mesmo tempo, multifacetados, com diferentes personas que agem e reagem de diferentes formas em diferentes ambientes, que se moldam e modificam-se diante das variáveis impostas à eles pelo meio em que se encontram ou pretendem se encontrar. A sociedade atual, principalmente — ou exclusivamente — a parcela da população moradora de áreas periféricas e desprivilegiadas em relação a falta de infraestrutura urbana, representatividade social e moral (o que também inclui aqueles que se identificam como tal, por exemplo no caso de moradores de rua, que buscam abrigo em áreas mais centrais, e trabalhadores que residem em seus empregos, como babás); ao buscar, mesmo que subconscientemente,essa aceitação, identificação e reconhecimento por parte do restante da sociedade como um todo, entra em choque direto com a segregação social e espacial a qual está inserida e reprimida, deste modo, num ciclo que se retroalimenta, agravando ainda mais o sentimento de exclusão inerente à segregação. Desta forma, ser jovem, pobre e morador da periferia implica em uma multiplicidade de questões entre as quais as relacionadas à segregação, exclusão social e representações de periculosidade. Os modos de inserção social (...) podem então ser caracterizados por um processo de exclusão material, social e simbólica (FONSECA; SALLES, 2012, p. sem página).
Segundo o Mosaic30, um levantamento feito produzido pela consultoria Serasa Experian31, em 2014 as periferias correspondiam por 29% da população brasileira, cerca de 56 milhões de pessoas. Com a população condicionada a agir de acordo com seu papel social implícito, tanto a parcela mais
30 Segmentação de dados baseada em técnicas analíticas e estatísticas 31 Grupo mundial de levantamento de dados informativos. 65
abastada socioeconômicamente, quando a menos privilegiada deste ponto de vista, caem em um comodismo rotineiro imposto pela necessidade de garantia do sustento familiar, ou manutenção de um patamar e status social. É entendido então, que o comodismo da rotina pragmática de repetição diária de tarefas e responsabilidades, aliado ao espaço social e físico das cidades, culmina no afastamento da sensibilidade do ser humano contemporâneo em relação ao meio que habita e ao seu próprio semelhante. Retomando preceitos da Antiguidade, onde o homem era inocente ao meio em que se encontrava, onde utilizava o desenho como ferramenta de expressão de seus sentimentos, estes independentes de condicionantes sociais relacionadas ao poder socioeconômico, é possível, numa comparação atual, tal inocência e sensibilidade serem relacionadas as de uma criaça, inocente ao mundo à sua volta — pelo menos em seus primeiros anos de vida —, onde se utiliza do desenho como ferramenta de expressão antes mesmo da palavra — assim como nossos antepassados —, representando através do desenho, mesmo que por mais abstratos que possam ser, seus sentimento e sensações, sensiveis ao mundo. Tomando a criança como ser humano de maior sensibilidade na contemporâneidade, atribuindo à ela sua natureza expressivista, herdada de nossos ancestrais; e o desenho produzido por ela como portador de mensagens e significados transcendentes à palavra e como reflexos ligados a sua vivência, neste caso, inocência, podemos concluir de que o desenho como arte serve de base para manifestações d’alma humana ligadas a vivência de quem o produz, transcrevendo visualmente suas sensações e intenções, fazendo-se entender e enxergar mesmo sem o uso da palavra. Sendo a arte do desenho fruto da sensibilidade humana, talvez o fruto aplicado ao meio social, utilizando a rua como suporte, possa ser capaz de produzir sementes nas mentes de outras pessoas. 66
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Modernidarte 69
70 Banksy, 2004
O período da modernidade deriva, lógicamente, da Idade Média, e trás consigo em um panorama geral e simplista o renascimento de ideias, “a ruptura com os costumes e a visão de mundo conhecida na Idade Média.” (GUERREIRO, 2019). Guerreiro, (2016) completa: “Esse novo momento das artes ficou conhecido como Renascimento Artístico e Cultural (...) a arte renascia após um longo período medieval (...) (de) produção artística e cultural, porém pautada em outras características(...), o teocentrismo”. Santi, (2009), “a Modernidade assiste a uma dessacralização do homem do mundo e à imposição de valores cada vez mais pragmáticos e fundados no homem”. Neste cenário, como um dos principais movimentos que se apresentam na modernidade, pós Renascimento, encontra-se o Romantismo. No Romantismo há uma forte crítica a própria modernidade, onde o homem se coloca cada vez mais como centro do universo, deste modo a arte da pintura desenvolve-se em crítica ao pragmatismo moderno. O eu passa cada vez mais a ser tomado como uma máscara que encobre a verdade. A vida social — urbana e civilizada — será acusada de afastar o homem de sua verdadeira natureza. (...) neste sentido o Romantismo nasce como um movimento de crítica à Modernidade (...) (e) acabará por realizar de fato uma forte crítica à racionalidade (SANTI, 2009, p. 91-92).
Empregando a Modernidade ao campo artístico, o que se tem é um grande salto nas técnicas e materiais utilizados nas produções, chegando ao nível da perfeição, o homem agora estuda o homem; a anatomia humana torna-se fidedigna à realidade, muito graças à artistas, como Leonardo da Vinci (1452-1519) e Michelangelo (1475 - 1564), dois dos pintores reconhecidos como grandes gênios da humanidade. Com temática de cunho predominantemente religioso, as obras desenvolvidas durante este período Renascentista, e posteriormente de cunho naturalista no Romantismo, caracterizam mais uma vez o homem 71
como ser expressivista, que transcreve através da arte a realidade e a história do mundo que o rodeia. Asserção esta, que pode ser confirmada a partir da análise de obras realizadas por Da Vinci, Michelangelo e tantos outros grandes nomes da pintura na Modernidade; que exprimem em telas momentos e/ou períodos temporais de grande representatividade para a humanidade e que, até hoje, são tidos como obras primas.
Arte e Sociedade O desenvolvimento da arte, desde seu surgimento paraleleo ao surgimento do ser humano, a cada período da história da humanidade desdobra-se sobre a faceta do meio em comum que interliga desde nosso mais antigo ancestral até o recém nascido dos dias atuais. É fato que se entregarmos uma caneta ou lápis à criança, ela risca, desenha. Para Rosa Lavelberg32 e Rhoda Kellogg33 (2013), quando a criança risca uma superfície, seja ela uma parede, papel ou outra qualquer, ela enxerga o que se propôs a representar, por mais simplista que o desenho ou rabiscos possam parecer, o olhar da criança inserido no ato de desenhar o que se imagina, para ela, representa a própria figura.
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Especialista em desenho e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
33 Psicóloga e pesquisadora de habitos infantis. 72
A arte esteve e está ligada ao ser humano como raíz de sua necessidade de expressão, transcênde a palavra em todas as épocas pela qual foi utilizada ao dar voz a sentimentos que à semântica não coube o dom de poder traduzir. Com a chegada do homem à Contemporâneidade, a explosão tecnológica, fatores políticos, sociais, econômicos e diversas outras condicionantes presente, não seria diferente; a arte continua presente em seu ser. Num quadro brasileiro, retomando o processo de segregação socioeconômico sofrido por parte da população desprivilegiada de poder aquisitivo, sem voz e representatividade no mundo social que se desenvolveu; a arte apresenta-se novamente; de novo; mais uma vez, como suporte à alma humana, como ponto de ligação entre o ser de natureza expressivista privado da palavra e a liberdade de se expressar. Agora, no ambiente urbano da contemporâneidade, o ser humano volta à sua origem pré-histórica encontrando na manifestação de seus sentimentos em um contexto público a válvula de escape para se ver representado, para se ver enxergado; para se fazer ouvido por todos mesmo sem o uso da palavra.
arte urbana é o que vai unir a necessidade de manifestação daqueles que não tem voz na sociedade contemporânea com a natureza exprissivista do homem n que vem desde a pré-história, agora num ambiente urbano moderno utilizando a rua como suporte para se fazer enxergar perante a sociedade
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Sociedade, Arte e Cidade Segundo Farias34 (2014), arte urbana configura-se como todo tipo de manifestação artística que acontece em um ambiente urbano, está dirigido para o espaço urbano e sai do espaço confinado da galeria, museu, ou outro meio fechado de exibição, ou seja, arte urbana é a manifestação que utiliza a rua como suporte. Ela permeia meios, se encaixa em brechas e lacunas abertas numa sociedade onde aqueles que não têm acesso ao mundo artistico alocadado em galerias e museus podem e devem, mesmo que não percebam, entrar em contato com a arte. Por meio de artistas — muitas vezes anônimos — que apropriam-se de espaços públicos e/ou privados em meio urbano, a sociedade tende a entrar em contato com suas obras, mesmo que não o queira, uma vez que a mensagem contida no ato da manifestação não pede licença para entrar na mente das pessoas. “A arte urbana é uma prática social. Suas obras permitem a apreensão de relações e modos diferenciais de apropriação do espaço urbano, envolvendo em seus propósitos estéticos o trato com os significados sociais que as rodeiam, seus modos de tematização cultural e política (PALLAMIN, 2000, p. 23).
Com o objetivo em de fazer refletir ao debater a cidade, a sociedade; a arte urbanacarrega os preceitos básicos advindos da era Pré-Histórica, desenvolvida durante todo períodos de evolução da humanidade e
34 Agnaldo Aricê Farias é professor, curador e crítico de arte. 74
culmina na mesma base pela qual os homens das cavernas desenhavam em nas cavernas: representatividade, expressão artística reflexiva ao meio e condições que se está inserido, no caso da contemporâneidade, as condições espaciais e socioeconômicas. A arte urbana vem para fazer refletir, fazer emergir do mar cinza e caótico da metrópole uma luz de autoconhecimento enquanto ser pensante, enquanto sociedade, enquanto humanidade. São questionamentos que deixaram de ser feitos com o passar do tempo, “regredindo” a uma espécie de nova-idade média — com o ser humano agindo sobre elevada influência de fatores externos a si mesmmo — entretanto são base fundamentadora da nossa sociedade atual, “o humanismo, entendido como o homem como medida de todas as coisas e centro do mundo, parece ter tomado a forma que tem hoje no Renascimento, surgido dentro da Idade Média” (Santi, 2009). Trazendo a asserção de Santi para um contexto de comparação, a sociedade moderna seria como a Idade Média, isto é, com seus preceitos já preestabelecidos, pensadores com suas ideias teorizadas e montadas; neste contexto a sociedade contemporânea na qual estamos inseridos entraria como o período do Renascimento, isto é, da quebra de paradigmas onde as novas ideias e reformulações do já existente são revistas. Tal devaneio pode ser, pelo menos, levado em consideração, quando nos deparamos com a rotulação do que é arte ou não, baseada na opinião de pensadores da modernidade, como Ferreira Gullar, sobre algumas mostras de arte contemporânea realizadas. “Nem eles entendem, porque não há o que dizer sobre isso. A Jac Lemer fez uma exposição no Rio de Janeiro com umas maletas de viagem (...). Não tem nada a ver com nada. É um texto indecifrável que, na verdade, não significa nada. O crítico não tem o que dizer e fica inventando. Vai dizer o quê? Que as maletas estão bem arrumadas no espaço? Realmente não há o que dizer, pois ela nem fez 75
as maletas, as comprou prontas. A rigor, não pode haver crítica sobre essa besteirada (GULLAR, 2014).
Tomando a opinião de Gullar como um ponto de vista extremo, onde o poeta não vê sentido na exposição onde maletas são organizadas, faz-se entender que a mensagem contida na obra não foi acessada pelo espectador, ou a própria reflexão de Gullar lhe levou a conclusão de que aquilo não é nada mais que “maletas bem arrumadas no espaço”. Tal ponto de vista é válido, entretanto se esta mesma exposição de maletas o fez refletir a ponto de chegar em alguma conclusão, o próprio ato de reflexão causado por uma ação intencional do artista não poderia ser considerado arte? Segundo a pesquisadora Ana Albani de Carvalho, professora do instituto de artes da UFRJ o papel da arte na sociedade é o de fazer refletir. “Essa é a missão das obras artísticas, propor ao espectador que faça uma reflexão sobre o tema”. (CARVALHO, 2017) Uma obra de arte deve passar uma ideia de reflexão, que leve o espectador a pensar, e questionar sobre o que está vendo e analisando, e não simplesmente ver, pensar que entendeu, reduzindo assim a um significado banal; a arte contemporânea vai muito ao contrário disso, ela quer o ápice do pensamento humano, entrando assim com sua verdadeira função, que é fazer as pessoas pensarem (Seidel, 2017).
Tomando a ideia de Seidel como real e partindo do pressuposto de que toda manifestação artística da expressão d’alma humana em um âmbito urbano é arte, sobretudo, arte urbana, os preceitos de discussão acerca do tema do que pode ou não ser dito como arte na cidade – como no caso da pixação – tornam-se indiferentes, vez que desde que ocupe seu papel de agente causador da reflexão no ser humano, retirando-o do comodismo da rotina, a manifestação aplicada à rua com intuito de expressividade, é arte.
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Sendo então a arte urbana um movimento de manifestação artística utilizando a rua como palco para tal, é evidente que, assim como na arte fora de um âmbito urbano, quando inserida neste meio ela terá diferentes formas apresentação.
(...) arte urbana é um tipo de manifestação que, na falta de uma expressão mais apropriada, definimos como arte, mas que se define principalmente por ocorrer em espaço público e por estar submetida a uma série de afetações que são próprias do espaço público, como a ideia de efêmeridade, a ideia de ilegalidade — essas que já definem (por exemplo) o graffiti e a pixação enquanto um tipo de arte urbana. Há um conjunto de expressões que têm suas particularidades, mas ao mesmo tempo se complementam e relacionam-se entre si. Temos toda uma série de outras inscrições que vão compondo todo um campo de formas expressiva (SILVEIRA, 2016).
Siqueira (2016), complementa afirmando que existem uma série de expressões com diversas particularidades, mas que ao mesmo tempo são inerentes e complementares umas as outras, “temos toda uma série de outras inscrições (...) (mas) talvez dentro de todo este conjunto (...) o graffiti35 seja a forma singular que tenha mais projeção, mais destaque, assumindo uma centralidade onde no entorno dela, todas as outras formas se articulam”. Assim, é possível compreender que, no campo da arte urbana em geral, o que carrega maior grau de representatividade por um senso comum é o Graffiti; entretanto, a dança, atuação, instalação, apresentações e outros tipos e formas de se manifestar tomando a rua como suporte podem ser articulados ao movimento de arte urbana.
35 Do italiano graffito, que significa “escrita feita com carvão”. 77
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A voz do mu(n)do social 79
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Mandela Crew, 2011
Ao afirmarmos que o graffiti surgiu em determida data, pelas mãos de determinada pessoa, estaríamos sob forte risco de erro. Tal qual o surgimento de outros movimentos artísticos durante o desenvolvimento humano, a consolidação do graffiti e seu reconhecimento como tal desdobrou-se em diversos pontos e pelas mãos de diversas pessoas, até que pudesse ganhar notoriedade suficiente para marcar na história o período de sua ascendência. Santi (2009), refere-se a determinação de uma data precisa para o surgimento de uma ideia como algo de extrema imprecisão, passível de erro, desta forma atribui ao método de pesquisa a aproximação como melhor forma de não se equivocar, “é sempre bastante complicado afirmarmos que determinada ideia tenha surgido pela primeira vez em tal momento (...) sempre achamos alguém que já afirmara tal ideia anteriormente. (...) Assim semre trabalhamos com uma margem de aproximação, e vale dizer, erro” (SANTI, 2009). Partindo deste pressuposto, é possível identificar algumas cidades e datas em que os primeiros passos da nova arte contemporânea foram dados rumo a sua efeverscência, entretanto seria ingênuidade acreditar que não existiram muitos outros em mais regiões, em mais estados, em mais países. Estes são apenas os mais conhecidos e difundidos. Londres - Ingleterra, década de 1960. Utilizando tinta spray, fãs do guitarrista Eric Clapton, começaram a inscrever em locais públicos a frase: “Clapton is god”; referindo-se ao guitarrista. “(...) pintada com spray em uma parede na estação subterrânea do bairro de Islington, na metade da década te 60 por um admirador de Clapton (...) com o tempo a frase começou a aparecer em outras áreas da cidade”. (Tradução de trecho da matéria do portal “where’s Clapton”)
Paris - França, 1968. A “Cidade Luz” passava por um período de grandes protestos políticos, que tiveram início com jovens estudantes indo às ruas manifestar-se em favor de reformas na educação, e 81
desdobraram-se na “maior greve geral da Europa” (Aggio, 2011). “Os universitários se uniram aos operários e promoveram a maior greve geral da Europa, com a participação de cerca de 9 milhões de pessoas(...)”, afirma Alberto Aggio36 (2011). Em meio a passeatas e confrontos diretos com as forças da justiça, começaram a aparecer por diversos pontos urbanos de Paris inscrições de protesto contra o governo, como “É proibido proibir” e “O poder está nas ruas”. Nova Iorque - Estados Unidos, final da década de 1960. Um jovem morador de Manhatan começa a escrever nas ruas seu apelido (mais tarde esta prática receberia a nomenclatura de tag37). “Taki 183”, era o que o jovem Demetrius38 transcrevia nas ruas da cidade. Segundo Eduardo “ O Credo” (2018), Taki 183 não era o único a fazer uso desta prática, muitos também o faziam nos bairros em que residiam, entretanto Taki trabalhava como carteiro, deste modo utilizava as caminhadas com correspondência para espalhar seu nome na maior quantidade possível de locais, o que lhe gerou tamanha notoriedade que em 1971, as tags “Taki 183” chamaram a atenção da mídia, que publicou uma matéria no jornal The New York Times, lançando a tag Taki183 à fama e o graffiti à difusão nova- iorquina. (...) há uma luta cotidiana pela apropriação de espaço urbano (...). Isto fica mais visível durante as grandes manifestações civis, quando o espaço público deixa de ser apenas espaço da circulação do dia-a-dia para assumir o caráter de civitas por inteiro (Rolnik, 2004, p. 24).
As tags tomaram as ruas como um tsunami. Na parte periférica de Manhatan aqueles que não tinham 36 Alberto Aggio é historiador da Universidade Estadual Paulista. 37 São uma espécie de assinatura. Simples e rápidas de se fazer, deram início a difusão da apropriação do espaço das ruas. 38 Demetrius vem do grego Demetraki, abreviando-se: Taki. Já o numeral 183 refere-se à rua em que morava. 82
acesso a cultura dos privilegiados das áreas centrais, desenvolveram sua própria cultura (Mesquita, 2017).
Nova Iorque: o berço do graffiti É fato que a matéria no jornal gerou uma onda estridente no aumento das tags nas ruas de Nova Iorque e embasou aí o que é considerado por muitos o período de nascimento do graffiti, entretanto para enter o por quê de tamanha aceitação e difusão deste movimento é necessário conhecer o contexto socioeconômico da época, gerador das condicionantes que alimentaram este motor de produção artística representativa. A Nova Iorque da década de 70 passava por um período de grandes conturbações, o cenário político e financeiro encontrava-se quebrado, o estado estava quebrado. Neste período quase 500 mil postos de empregos formais foram fechados, o setor comercial estava abalado, quase falido; sem condições financeiras de pagar por toda infraestrutura que necessitava, houve um corte de 20% do contingente prestador de serviços públicos, o que engloba desde garis até policiais. O resultado deste muito alardeado corte foi pior que o esperado: simplesmente se espalhou rapidamente um sentimento de semipânico de que a cidade estava “entregue às traças”, fazendo com que os assaltos e homicídios tenham triplicado entre 1970 e 1975, e grandes áreas da cidade passassem a viver em limites mais elásticos de limpeza e cuidado. Nova York até era relativamente insegura, mas acima de tudo era aterradora, e muito suja. (GRISA, 2016).
Em meio a este cenário caótico, onde o estado como um todo se via imerso às condições de degradação e insegurança, movimentos culturais de uma parcela da população ganhavam cada vez mais força 83
em detrimento da ascêndencia de uma cultura característica das regiões segregadas socioculturalmente, os guetos39. A cultura negra ganhava força. Com a situação geral pouco favorável à melhorias e já socioculturalmente isolados pela população preconceituosa, os jovens moradores dos guetos formam de forma espontânea grupos com afinamento de ideais semelhantes, neste caso a busca por representatividade, por direitos. Isto é, sem enxergar-se inseridos na cidade e na cultura urbana dos maiores centros; vistos com olhos preconceituosos pela parcela populacional de fora das áreas periféricas, os grupos com sede de representatividade e já demonstrando inclinação ao desenvolvimento de uma cultura própria dos guetos com o Hip-Hop. Dentro destas condicionantes, a matéria do New York Times apresenta aos jovens em efeverscência na busca por sua identidade na sociedade, uma forma de atingir a população como um todo, demonstrando sua existência e voz através da transgressão do espaço público comum, utilizando inscrições que, mesmo subliminarmente, os representam enquanto grupo, enquanto pessoas. Poucos comportamentos humanos são independentes da vida social. A maioria de nossas reações aparece como respostas a estimulos provocados pelas pessoas com as quais convivemos, ou é aprendida através da participação na vida social. Há pois comportamentos individuais e comportamentos sociais. Assinalam-se ainda alguns comportamentos que além de sociais são coletivos, isto é, ocorrem quando várias pessoas reagem, em conjunto, ao mesmo estímulo, geralmente em situações de intensa interação (CARVALHO, 1983, p, 53).
Os movimentos do graffiti e hip-hop unificaram-se, coexistindo atrelados sob uma mesma atmosfera e concebendo a base da cultura característica negra em meio ao gueto, formando uma espécie de mundo 39 Bairro ou região de uma cidade onde vivem membros de uma etnia ou qualquer outro grupo minoritário. 84
alternativo que começou a ser dissipado para zonas mais distantes dos epicentros através de um “carteiro expresso”, os trens. A malha ferroviária de Nova Iorque desdobrava-se passando por dentro das áreas suburbanas e chegavam até as mais centrais, por este meio o graffiti juvenil começou a tornar visível o invisível, dar voz aos mudos. Com a maior difusão da crescente manifestação urbana, assim como ocorreu no decorrer da história e dos períodos pelos quais a humanidade passou e desenvolveu-se ao mesmo tempo que manteve sua essência, novas técnicas e estilos foram sendo criados a partir da vivência e visão dos praticantes, ou seja, a arte que se visualizava é a resultante da interação entre técnica e bagagem cultura do artista em relação aos seus anseios sociais; caracterizando a singularidade humana através dos diferentes resultados obtidos pela interação por esta interação. Das vertentes conhecidas até hoje, Throw Up, Piece, Wildstyle e Personagens são alguns dos tantos outros estilos que são feitos, e dentre estes, o mais praticado no período de dissolução por toda Nova Iorque foram os throw ups, principalmente nos trens. Em entrevista, Marcelo Mesquita (2017), destaca: “ eles (os jovens dos guetos) acabaram criando sua própria cultura, seu jeito de cantar, de dançar de se expressar que era o hip-hop. (...) colocavam seus nomes, suas tags, throw ups rápidos nos trens; os trens saiam da periferia, entravam em Manhatan e então o pessoal da camada mais privilegiada da sociedade acabava vendo a periferia que estava isolada. Entendendo a origem do graffiti ligada a contextualização social da parcela popular de Nova Iorque que encontrava-se aquem da visão do estado, sem voz e clamando por representatividade, assim como 85
em suas aparições por Paris e Inglaterra, é possível identificar que as bases do movimento do graffiti estão consolidadas na expressividade humana através da inscrição artística de sua marca, singular ou plural, sendo elas reflexo das condicionantes do meio em que se esta inserido, remetendo aos nossos antepassados das cavernas, e que neste contexto soma-se a transgressão das leis e do espaço público utilizado como suporte. O graffiti então não pode ser definido apenas como uma arte urbana, mas sim como uma arte baseada na expressividade e representatividade humana de forma transgressora ao meio urbano, isto é, o graffiti não é a técnica de desenho aplicada a superfície, ele é o ato transgressor de leis e barreiras físicas e metafisicas, onde o desejo humano se sobressai a preceitos sociais de posse e direito pessoal. O graffiti é uma voz social, que incontente utiliza-se da transgressão para se fazer enxergar e ouvir.
O reconhecimento Inseridos neste contexto da Nova Iorque do desenvolvimento do graffiti, artistas com base na cultura urbana que se solidificava começaram a ser reconhecidos e prestigiados, como no caso de Jean-Michel Basquiat. Negro, pobre e morador do suburbio, Basquiat começou como todos no início do graffiti, espalhando sua tag pela cidade a fim de ser visto, ser reconhecido. Por volta de 1974, em parceria com seu amigo Keith
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Haring desenvolveram a tag SAMO40, que surgiu em revolta ao mesmismo da arte inserida nas galerias e a falta de representatividade de artistas negros do conceito de galeria. Com o passar do tempo a tag começa a ser vista em muros e portas das galerias de arte da cidade; SAMO ganha notoriedade. Rompendo a parceria com Haring, Jean-Michel deixa de utilizar a tag SAMO e passa a desenvolver seu estilo de arte contestador, onde o desenho simplista remete ao de uma criança aprendendo os primeiros traços, mas incorporado a ele estão reflexões profundas e contestadoras sobre o mundo. Avançando exponencialmente sua arte, cada um em seu estilo, Basquiat, assim como Haring, começam a ganhar notoriedade como artistas. (nesta época) vivendo no Times Square, Haring observou e descobriu no metrô grandes painéis negros vazios — dez anos de graffiti e arte conceitual e ninguém havia tocado aqueles espaços. Optou pelo giz branco e começou a fazer seus desenhos. A matriz de seus graffitis no metrô nova-iorquino é a figura simples de um boneco de cabeça redonda, e seus padrões labirinticos transformam-se em sua marca registrada e lhe garantiram a fama não só nos Estados Unidos como em toda Europa e Japão (GITAHY, 1999, p. 38).
Basquiat teve o ápice de sua carreira na década de 1980, onde já havia firmado parcerias com grandes artistas da atualidade, como Andy Warhol, levando a técnica do graffiti e seus protestos para dentro das galerias tradicionais, da mesma foram que Haring, quebrando com o padrão de art pop que vinha sendo exposto. Sua ascensão ao estrelato artístico foi rápida, mas hoje, décadas após sua morte, seu legado é ainda maior; o impacto inegável que ele teve sobre o mundo das artes é muito mais impressionante que sua habilidade em infiltrar nesse mundo rapidamente (BROOKS, 2017).
40 Dentre outras significados atribuídos a tag, um deles é que significa Same Old Shit. 87
A notoriedade adquirida por Jean-Michel Basquiat e Keith Haring através do graffiti elevou e ajudou a difundir ainda mais o movimento, demonstrando a força que tal pode tomar frente a sociedade. “Pouco a pouco outras galerias começaram a requisitar outros artistas do graffiti, transformando alguns em verdadeiros astros da arte contemporânea” (GITAHY, 1999). (...) Das paredes dos guetos e dos muros da periferia, as mensagens, letras a imagens, passaram a pegar carona nos trens dos metrôs, nos ônibus, e percorreram a cidade. Combatidos pela polícia, e conduziu alguns de seus autores a cadeia, enquanto outros entram conduzidos a as mais importantes galerias, bienais e museus de arte, não só nos USA como no mundo todo. Essa rebelião consistia em dizer: „Eu existo, eu sou tal, eu habito esta ou aquela rua, eu vivo aqui e agora (RAMOS, 1994).
Paralelamente ao seu desenvolvimento em Nova Iorque, o graffiti ganhou notoriedade mundial, tendo sido levado por praticantes para diversos países, dentre eles principalmente Alemanhã, Canadá, França e Brasil. Crescendo e se consolidando adquirindo características próprias de cada local, levando em consideração a habilidade artística dos praticantes, o graffiti, de forma paralela ao seu desenvolvimento no epicentro mundial, continuou caracterizando-se por refletir condicionantes sociais pela ótica de um grupo ou pessoa, fossem essas condicionantes políticas, amorosas, de revolta ou apenas transgressoras.
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Graffiti Tupiniquim 91
92 Os Gêmeos, 2018
Antes mesmo dos precursores do graffiti no Brasil, influenciados pelo onda nova-iorquina, difundirem o movimento através de seus estilos nas terras tupiniquins, o país já havia entrado em contato com a base expressivista, contestadora e transgressora da manifestação que utiliza a cidade como palco. Assim como em um dos primeiros momentos que se foi notada a utilização da inscrição urbana como manifestação de insatisfação social (no movimento estudantil francês de 1968), no Brasil do final da década de 60, em meio a ditaduta imposta por militares que assumiram o governo em 1964 após um golpe civil militar — estabelecendo a suspensão de direitos políticos dos cidadãos e posterior censura à imprensa — uma série de manifestações conflituosas tomaram as ruas brasileiras, onde inspirados pelas ações dos jovens franceses, cidadãos utilizaram-se de tinta spray para marcar as ruas com frases de repúdio a situação política do Brasil, expressando assim sua insatisfação. Em documento publicado pelo partido PCdoB41 em junho de 1966, são dadas algumas diretrizes para ajuda ao combate da ditadura, dentre eles destaca-se o apoio ao uso de pinturas como forma de protesto. Das diretrizes que componhem o documento: “10. Concentrando sua atividade contra a ditadura, as massas recorrem a várias formas de luta. Apesar de o regime atrabiliário que impera no país, ainda há condições de utilizar formas abertas de atuação. Desfiles, comícios, greves, marchas contra a carestia, assembléias sindicais, paralisações parciais de trabalho têm sido usados por estudantes, trabalhadores e donas de casa. O emprego desses meios de luta está relacionado à situação política e às condições concretas de cada lugar. Às vezes há ambiente mais favorável em um 41 Partido Comunista do Brasil é um partido político brasileiro de esquerda. 93
Estado do que em outros para desencadear ações populares. As massas podem ir forçando o uso dos direitos democráticos. É preciso utilizar também as formas de luta clandestinas, tais como distribuição de volantes, pinturas murais, comícios-relâmpago, demonstrações contra os espoliadores norte-americanos e resistência às violências policiais. É necessário organizar a proteção das manifestações populares diante da brutalidade da reação. Particularmente no campo, onde a mais simples ação é reprimida com ferocidade, a formação de grupos de autodefesa destaca-se como imperativo na luta e na preservação da vida dos camponeses.”
Partindo então desta breve introdução ao contexto histórico do Brasil na década de 60 é possível chegar a algumas conclusões. Primeira, afirmar uma data específica para o surgimento de um movimento ou período é extremamente passível de erro, assim como Santi afirmou em seu livro A construção do eu na modernidade, isto é, assim como os jovens brasileiros se inspiraram nos frenceses para dar início a marcação de frases nas ruas, os francêses podem ter sido inspirados por movimento parecido em outra parte do globo terrestre, e esta outra parte ter sido inspirada por algo anterior; desta forma se continuarmos supondo esta volta ao passado em busca de inspiração, chegaremos mais uma vez aos nossos antepassados das cavernas. Sendo assim, a movimentação da inscrição urbana no Brasil reafirma a asserção de Santi. Segunda: mesmo em um cenário hostil, onde a força fala mais alto e a violência é de praste, o ser humano recorre ao singelo ato da inscrição em uma superfície pública para marcar sua vontade, sua representatividade, denotando assim a força com que estas incrições atingem aqueles que não as querem 94
ver ou entender. Assim, podemos entender como de extremo poder o ato de demonstração urbana de sua vontade; capaz deatingir, chocar e sensibilizar — positiva ou negativamente — o receptor da mensagem. Quando o território da opressão vira cenário de festa, é a comunidade urbana que se manifesta como é: com suas visões, hierarquias e conflitos, assim como com suas solidariedades e alianças (Rolnik, 2004, p. 25).
Nos anos subsequentes as primeiras aparições das inscrições, e à elas já atribuído a nomenclatura de pixações, o governo criminalizou e tentou coibir ao máximo tal prática, entretanto como a base do movimento é a transgressão, de nada adiantou; nem mesmo sua criminalização em 1985. A pichação é crime de ação popular, definido no Código de Urbanismo e Obras (Lei 7427/61), passível de punição prevista no Código penal, por implicar na dilapidação do patrimônio de terceiros. Embora não sejam identificados, existem casos de julgamento, como o caso da estudante Maria Izabel Pontes, presa quando foi flagrada escrevendo em um muro, em 1980, ditos políticos que a levaram ao enquadramento na Lei de Segurança Nacional. Segundo Paulo Araújo, diretor do Serviço de Censura Estética da Prefeitura do Recife, (setor afeto à URB), é muito importante que a comunidade preste queixa dos casos de pichação, principalmente os proprietários dos imóveis prejudicados que são considerados responsáveis pela manutenção dos escritos, estando sujeitos a multas, para cobrar das autoridades policiais diligências mais efetivas no sentido de conter a ação dos pichadores. (DIARIO DE PERNAMBUCO,1982, p.10 apud SOARES, 2016).
A perseguição instaurada aos grupos que realizavam pixações de nada adiantou, a cultura urbana expressivista se solidificou e mesmo com o final da ditadura, em 1985, a prática jamais regrediu, muito pelo contrário, estava cada vez mais forte, popular e diversificada, principalmente em São Paulo, dada a então chegada do graffiti nova-iorquino no final da década de 60. Concômitantemente a isto, frases de efeito e divulgação começam a surgir nas ruas; derivadas da percepção de que se poderia utilizar o espaço público 95
inserindo marcações através da tinta, pixações poéticas e propagandistas, como “ventos estomacais movem moinhos centrais” ou “Te adoro, teimosia!”, “Kalecanto provoca maremoto” e “Cão Fila km2 6”. Essa ultima fazendo referência a venda de cães da raça fila em um canil situado no quilômetro 26 da estrada do alvarenga; a pixação utilizada como meio publicitário ganhou fama ao chamar atenção popular da época e serviu de inspiração para novos grafiteiros.
São Paulo: terra do graffiti e da garoa Em meio ao contexto da ditaduta os precursores do graffiti no Brasil difundem um movimento que revolucionaria a paisagem urbana no país, mas principalmente, em São Paulo. No final da década de 1960, o movimento em ebulição em Nova Iorque começa a dar as caras na terra da garoa. Timidamente os primeiros esboços de uma nova modalidade posterior a pixação política e poética começa a dividir o espaço no cotidiano da cidade. O graffiti apresentando-se com o mesmo embasamento social da pixação, tem sua divisão nominal feita apenas no Brasil, onde a diferenciação é feita baseada em estética segundo achismos sobre o que é bonito ou feio, e mais recentemente por lei, esta sancionada em 26 de maio de 201142 pela presidente em exercício na época, Dilma Roussef. 42 A Lei n. 12.408, de 25 de maio de 2011, alterou a redação do artigo 65, da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, acrescentando um novo parágrafo no dispositivo, buscando “descriminalizar” o ato de grafitar, entretanto permanecendo enquadrando a pixação como crime. 96
Nas ruas o que pode ser usado como parâmetro de diferenciação entre as manifestações é a técnica de aplicação da arte na superfície urbana, sendo que o graffiti demanda mais tempo em sua execução, com contornos mais curvelíneos, muitas vezes preenchidos e bem acabados, mesmo em seu estilo mais simplista, o throw up. A forma com que dialóga com a cidade também se difere no sentido da pixação utilizar o espaço de maneira direta, enquanto o graffiti permite e incentiva interpretações. O pixo é muito mais imediato e visualmente mais transgressor do que o graffiti, mas têm o mesmo meio em comum (MESQUITA, 2017). Tanto o granffiti como a pichação utilizam o mesmo suporte — a cidade — e o mesmo material (tintas). Assim como o graffiti a pichação interfere no espaço subvertendo valores, é espontânea, gratuita e efêmera. Uma das diferenças entre o graffiti e a pichação é que o primeiro advém das artes plásticas e o segundo da escrita, o graffiti privilegia a imagem: a pichação a palavra e/ou letra (GITAHY, 1999, p. 19).
Alex Vallauri e Rui Amaral, dois dos primeiros grafiteiros a ganhar notoriedade na cena do graffiti brasileiro. Rui, na metade da década de 70 junta-se com outros grafiteiros e forma o coletivo TupinãoDá, responsável por grandes intervenções na cidade na década de 80. Já Vallauri, também no meio da década de 70 começa a desenvolver uma série artística utilizando stencil43 como forma de inscrição nas ruas, tal técnica é a mesma utilizada por um artista urbano de grande renome da atualidade, Banksy. Posteriormente ao início das manifestações, o graffiti e a pixação continuam crescendo, mesmo com o fim da ditadura, os movimentos cada vez se fortalecem mais, cada vez mais marcam o espaço urbano da selva de pedra. São Paulo é tomada pelas inscrições, é inundada pelo colorido transgressor.
43 Uma espécie de molde vazado pelo qual se deposita a tinta, deixando sua impressão na superfície. 97
Os opostos se atraem e se complementam Seria reduldante colocar em pauta novamente todas as condicionantes já citadas para a manutenção de um movimento que se utiliza da transgressão e incontentamento popular como motor propulsor de sua existência, entretando o panorama da paisagem de São Paulo se faz necessário para uma melhor compreensão do porquê e para que o graffiti e a pixação são tão e cada vez mais presentes no cotidiano paulista.
Apesar do reconhecimento prestado ao precursor, o grafite em espaços urbanos era proibido e um crime, principalmente na época da Ditadura Militar, pois era visto como uma forma de protesto. Atualmente, a situação se inverteu. O que antes era crime, agora faz parte do roteiro turístico da cidade com artistas renomados internacionalmente (CIDADE E CULTURA, 2017).
(...) o graffiti brasileiro é fênomeno mundial, referência mundial (Oliveira, 2013). É praticamente impossível explorar São Paulo sem se deparar com inúmeros grafites, seja na capital ou até mesmo em bairros e cidades mais afastadas da região central. Sampa é recheada de obras de artes a céu aberto, fazendo dela a capital do grafite no Brasil (KOSONISCS, 2015).
Dada a chegada e primeiros passos do graffiti na capital paulista em meio ao contexto da ditadura, o cenário que se desenrolava em São Paulo é a explicitação máxima de um campo extremamente favorável ao seu desenvolvimento, isto é, algo que se alimenta da proibição como pré-requisito para sua existência, tem na censura seu maior antônimo. O graffiti e pixação são as vozes da rua, e a censura o silêncio imposto. Levando 98
esta asserção ao cenário da capital paulista da década de 70 o movimento transgressor urbano apresenta-se como um grito popular daqueles que não tinham voz em perante o governo e a sociedade. A ditadura pode ter acabado, mas a censura, mesmo que velada, é real, ela cala e oprime sem revelar seu rosto; oprime quando segrega, quando exclui; oprime quando retira do cidadão o poder ser ouvido, quando classifica o cidadão como “grupo classe baixa”. Assim, análisando o cenário brasileiro em relação as bases da formação do graffiti, é eminente a analogia com o ditado popular: os opostos se atraem. Dois lados de uma mesma moeda. Quando se oprime de um lado, se exalta a expressividade do outro. Ao censurar você vai contra a natureza humana da expressão, você vai contra milhares de anos de evolução onde a forma de expressão humana mais arcaica — e atual — manteve-se e continua a mesma; você vai contra a natureza humana, assim como a natureza humana se exalta e vai contra o que bate de frente com ela, utilizando aaquela forma arcaica e atual, a arte.
Graffiti Garoa: opressão e segregação Difundido no Brasil, o graffiti deu voz àqueles inconformados e que se viam calados; o jovem da periferia encontrou na inscrição urbana uma arma para exprimir sua natureza, marcar sua presença, protestar contra o que lhe submetiam, apodeirar-se do espaço que não se identificava e não era identificado.Aliado ao movimento do hip-hop que inerente ao graffiti também se difundiu no brasil no mesmo período, embasando 99
assim como em Nova Iorque, a cultura que crescia e se espalhava entre os jovens. Mesmo após o fim da ditadura em 1985, como já dito, tanto o graffiti quanto a pixação continuaram evoluindo e se difundindo por todo o país, em especifico, São Paulo. Porquê a incidência dos graffitis não diminuiu em São Paulo e no Brasil? Porque a ditaduta acabou, mas a sociedade não mudou. “Porque nada mudou”, é o que afirma Marcelo Mesquita (2017), diretor do filme Cidade Cinza44. Como em Nova Iorque, São Paulo é opressora, a cidade se configura de tal modo que seus habitantes tornam-se meros coadjuvantes em meio ao concreto; se mesmo aqueles mais privilegiados são parte da rotina de São Paulo, quem dirá a parcela pobre econômicamente. (...) O que há de mais forte e poderoso atrás da ideia de planejar a cidade, é sua correspondência a uma cisão da cidade como algo que possa funcionar como um mecaismo de relojoaria, mecanicamente. (ROLNIK, 1995, p. 55).
Segundo Mesquita (2017), São Paulo desponta no Brasil como uma das cidades mais pixadas/ graffitadas do mundo devido sua arquitetura e sua organização urbana, que oprimem a sociedade através de grandes paredões cinzas, calçadas estreiras, poucos parques e priorizando avenidas, o que vem gerando uma crescente falta de comunicação entre as pessoas. Neste cenário o morador da cidade vê-se sem voz, sem reconhecimento por parte do estado. “São Paulo não é uma cidade humana” (MESQUITA, 2017). (...) a cidade quando não vai bem sofre modificações, é igual ao corpo humano, quando ele não vai bem, aparecem cicatrizes (...). A cidade é a mesma coisa, e acho que a pixação é a cicatriz da cidade, se não vão bem as coisas, de alguma maneira a galera vai estaar ali (pixando/grafitando), e
44 O filme documental Cidade Cinza, dirigido por Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo, retrata a cena do graffiti em São Paulo. 100
mesmo que você não queira ver, você vai ser obrigado a ver aquilo (ANÊMICO45, 2014).
São Paulo configura-se então como uma cidade opressora, tanto socialmente quanto políticamente e no que se diz respeito a escala de sua arquitetura. Segundo Gehl (2010), a arquitetura privilegia os carros, privilegia os prédios e por último trabalha em prol da pessoa, ao contrário das cidades da Idade Média, onde as construções tinham como base o homem. Seguindo o pensamento de Jan Gehl, onde nossos antepassados assumindo o antropocentrismo, utilizavam a medida humana como parâmetro para todas as coisas, sendo a arquitetura moderna baseada na escala do prédio, do carro, do avião; estaria a humanidade em um período onde não mais nos enxergamos como base de todas as coisas, mas sim as coisas como bases de todos nós? Em vez de planejar a cidade de baixo, planejam de cima. Primeiro os edifícios, depois os espaços livres e depois, finalmente, preocupam-se um pouco com as pessoas. Nos tempos antigos, sempre se pensou nessa ordem: pessoas, espaços e edifícios. Até que se inverteu a ordem: edifício, espaços e pessoas (GEHL, 2010).
A medida em que se desenvolve seu meio socioeconômico, privilegiando uma camada da sociedade em relação a outra; os mais pobres são cada vez mais distanciados da cidade como centro e excluídos através de barreiras físicas, econômicas e psicológicas do ponto de vista de não se enxergar como parte de um sistema capital, por mais que utilize a infraestrutura da cidade. Se hoje a presença do Estado na cidade é tão grande, isto tem também uma história vinculada às transformações sociais, econômicas e políticas que ocorreram com a emergência do capitalismo (ROLNIK, 2009, p.54)
45 O pixador intitulado Anêmico é conhecido na cena do graffiti e do pixo. 101
Conexão São Paulo - Nova Iorque O que as duas cidades-símbolo do graffiti no mundo tem em comum além da cor em meio ao cinza da cidade? Suas pessoas, é claro. Assim como suas dinâmicas capitalistas em pról do consumo, onde seus cidadãos buscam sempre inserir-se em grupos, sejam eles físicos ou não. São cidades do consumo onde a escala humana se desenvolve abaixo da escala econômica, e onde a parcela mais pobre da população precisa de força para gritar sua existência ao próximo. Em ascensão. São Paulo vem firmando-se no meio econômico como uma grande potência mundial, com crescentes altas e ótimas previsões, equiparando-se, também neste quesito, à Nova Iorque! É o que divulga o relatório produzido pelo Economist Intelligence Unit46 e divulgado em junho de 2013, onde o lar de milhões de paulistanos é prevista como “a cidade mais competitiva da América Latina no ano de 2025”.
As cidades do mundo com maior índice de competitividade continuam sendo Nova York, nos Estados Unidos, e Londres, na Inglaterra. Cingapura, Hong Kong e Tóquio estão em terceira, quarta e quinta posição respectivamente (BRASIL ECONÔMICO, 2013).
SÃO PAULO - A cidade de São Paulo deve subir 25 lugares e tornar-se a 36ª cidade mais competitiva do mundo em 2025, (...) A pesquisa (...) prevê que a capital paulista deve registrar o maior avanço no índice
46 A empresa EiU fornece serviços de previsão e consultoria por meio de pesquisa e análise do mercado mundial. 102
entre as 120 cidades da amostra e assumir o posto de cidade mais competitiva dos países Brics - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul -, principais mercados emergentes do mundo. O primeiro lugar no ranking de competitividade das cidades deve ser mantido pela atual líder: Nova York. (ESTADÃO, 2013).
A disparada de São Paulo rumo ao topo da lista parece algo super positivo e de fato, do ponto de vista econômico e midiático da cidade diante do mundo, é. Entretanto, é bom para a população? Este ganho de posições frente a grandes potências mundiais reflete alguma melhoria social dentro da capital? Um relatório divulgado pela OMS — Agência Mundial Da Saúde — publicado alguns anos antes do relatório da EiU, revela um estudo sobre a sanidade mental da população paulistana, e seus resultados não se mostram tão otimistas quando do ponto de vista financeiro.
“(...) São Paulo Megacity Mental Health Survey mostrou que a região metropolitana de São Paulo possui a maior incidência de perturbações mentais no mundo. O estudo (...) revela que 29,6% dos paulistanos e moradores da região metropolitana, sofrem de algum tipo de perturbação mental. O levantamento pesquisou 24 grandes cidades em diferentes países”
Dentre os transtornos diagnosticados: ansiedade é o mais comum, afetando 19,9% das pessoas ouvidas; seguido por mudanças comportamentais e abuso de substâncias químicas. A partir do cruzamento dos relatórios da OMS e EiU, pode-se chegar a conclusão de uma possível relação entre a taxa de elevação da posição de São Paulo no ranking de cidades mais competitivas do mundo 103
e o alto índice de transtornos mentais que assolam a população, afinal a cidade é feita das pessoas que nela trabalham, que nela residem. E se a cidade sobe ou desce em determinada lista, a população tem exponêncial participação nisto. Sem dispensar a suposição acima, podemos consultar um dado ainda mais curioso sobre o resultado da pesquisa da OMS:
“Depois de São Paulo, cidade que representa o Brasil no estudo, os EUA aparece em segundo lugar, com aproximadamente 25% de incidência de perturbações mentais. A cidade norte-americana utilizada no levantamento da OMS não foi revelada. Além de ser a cidade com maior incidência de perturbações mentais, São Paulo também aparece na liderança do ranking de casos graves, com 10% da população afetada. Neste ponto, a capital paulista também é seguida pelos EUA, que possui uma incidência de casos graves de 5,7%”
Tal qual no ranking de cidades com maior competitividade, onde Nova Iorque é líder e São Paulo vem em crescente tomada de posições, a cidade brasileira se equipara a mais uma norte americana, desta vez no ranking de perturbação mental, entretanto a cidade não foi divulgada. Difícil supor qual poderia ser. Ainda de acordo com o estudo da OMS , a alta incidência de perturbações mentais é causada pela alta urbanização associada com privações sociais. “Alta urbanização associada a privações sociais”; este parece um ótimo campo para desenvolvimento de alguma manifestação transgressora que busque através da arte demonstrar sua existência e resistência frente a segregação social sofrida. 104
Econômia forte ou em alta; grande urbanização e segregação; cidades símbolo do graffiti no mundo. Seria um total devaneio supor que a cidade norte americana que sucede São Paulo no ranking de maiores cidades com transtornos mentais derivados de condicionantes urbanas e sociais poderia ser... Nova Iorque? Indo além, partindo do pressuposto de que houvesse tal possibilidade. A quantidadede graffiti, já caracterizado por sua base transgressora e expressivista; seria então uma resposta indicativa que reflete a relação de trabalho x situação social; levando em consideração que a causa de tais transtornos seja a urbanização exarcerbada frente a privações sociais? Neste contexto é possível fazer a seguinte analogia para exemplificar melhor: numa balança de parquinho infantil, quando se senta em um dos lados, o lado inverso da balança sobe, se exalta; quando se sobe do outro o jogo se inverte. Equilibrar a balança em um meio termo é quase impossível. É quase impossível uma sociedade que consiga subir alto em um patamar econômico sem a participação de sua população como um todo; dentro deste todo, no topo de uma pirâmide imaginária encontrase o governo e seus aliados. À medida que se aproxima da base a população chega ao grupo que se submete aos trabalhos mais comuns, consequentemente recebe menos e tem menor poder aquisitivo: a parcela que é segregada, ou seja, segundo a pesquisa da OMS, a mais atingidade pelos transtornos. Sendo assim equilibrar essa situação, onde a pirâmide transformesse em uma “esfera” é algo surreal. Frente à isso, e a falta de perspectiva, dentre outras condicionantes incansávelmente já citadas, o graffiti aparece como resposta dessa parcela populacional.
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Runas urbanas 107
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Bleier, 2015
O Brasil é o unico pólo de graffiti no mundo onde há a divisão entre as duas vertentes do mesmo movimento transgressor. Tal divisão dá-se socialmente segundo a lei de 201147, e dentre os praticantes é assumida apenas como uma váriante de estilo e aplicação da técnica no meio urbano. (...) eu vejo o graffiti como uma pixação evoluída; em cores, mas o ato é o mesmo (ANÊMICO, 2013). (...) o pixo tem essa questão de ser mais imediato, de ser mais transgressivo que o graffiti, mas ocupam o mesmo espaço (...) são técnicas diferentes, mas são vozes (MESQUITA, 2017).
O contexto da pixação no Brasil, como já explicitado, deu-se concomitantemente a instauração da ditadura na década de 60 pelos militares. Entretanto a pixação como é vista hoje nas paredes da metrópole é bem diferente da que se observava na década de 60; que utilizava grafias simplistas e de fácil legibilidade. Atualmente o pixo de São Paulo carrega seu próprio estilo, conhecido e reconhecido internacionalmente; derivado de uma série evolutiva com embasamento no passado. No começo da década de 80, com o desdobramento do movimento Punk, veio a escrita da pixo como vemos hoje em São Paulo (DINO, 2014). O processo criativo por trás da escrita do pixo é fascinante, segundo o fotógrafo Adriano “Choque” autor do projeto fotográfico Pixação SP (2006-2010), existe todo um processo de elaboração muito bem trabalhadoque embasa a da tag do pixador. (...) quando a pixação (como conhecemos hoje) surgia em São Paulo na década de 80, os jovens eram muito mais influenciados pela cultura do Heavy Metal, Punk e Rock. E eles se inspiraram para
47 Citada no capítulo 6: Graffiti Tupiniquim. 109
a crianção dos logos e dos letreiros, nas logos das bandas de rock, que por sua vez tinham seus logos inspirados nas Runas48 (...) Os pixadores se apropriaram dessa escrita e criaram em cima (CHOQUE, 2014).
Sendo assim é evidente o embasamento dos pixadores nas Runas dos antigos povos fundadores da nossa escrita atual, “ é impressionante como a escrita dos povos barbáros de milhares de anos atrás migrou para São Paulo, para os barbáros de São Paulo: os pixadores” (CHOQUE, 2010). Segundo Adriano ainda, o pixo em São Paulo se desenvolve como uma comunicação fechada, “do pixo para o pixo”, sem se comunicar com a sociedade, entretanto complementa logo após que o pixador, no processo de desenvolvimento da sua tag, busca uma composição que se destaque em meio urbano e chame a atenção popular nas ruas, isto é, de uma forma ou outra a pixação entra em contato com a sociedade. (...) o espaço da cidade interior tem um ritmoo de fundo constante variado, muda de figura e de tom do dia para a noite, da manhã para a tarde — o espaço da rua que percorremos de manhãpara ir trabalhar é diferente do espaço da mesma rua percorrida à tarde (ARGAN, 1995, p. 233). (...) é uma guerra de tinta feita com tinta, todos se conhecem e se identificam pelo tipo de código pichado. Um grande abaixo-assinado para a posteridade, na qual cada um que participa deixa sua marca (GITAHY, 1999, p.24). (...) A pixação (com o tempo) foi ficando mais sofisticada, tanto sua estética quanto a forma de apropriação da cidade. Os pixadores com o tempo foram tomando conta da cidade inteira (...) (Djan, 2014).
Mesmo sem a percepção e reconhecimento social das bases utilizadas pelo pixo, seu refinamento em
48 Runas são símbolos característicos que conformam a base do alfabeto como conhecemos hoje. 110
questão da evolução de seu traço e técnicas aplicadas à parede, esta inscrição urbana ganha cada vez mais as superfícies de São Paulo, explorando desde guias de calçadas até os mais desafiadores prédios, onde dentro do mundo da pixação configuram-se como o mais alto nível de demonstração da habilidade do pixador, ao se por em risco total frente à escalada de um prédio em virtude da vontade de promover sua marca, ou a de seu grupo. (...) o trabalho desses pichadores é se fazer notar, é conquistar. O Everest deles é o prédio da cidade que não percence à eles, com o qual eles não se identificam, mas que eles querem de algum modo dominar. (...) o trabalho do picho é muito mais contundente nesse sentido dos pichadores. Há uma proposta muito clara que é a de agressão e marcar o espaço, porque estão devolvendo uma coisa que recebem diariamente (FARIAS, 2014).
Tendo em vista o ímpeto ao qual os pixadores de são paulo demonstram ter frente à cidade, uma pergunta surge: existe algum limite ao qual os pixadores não consigam ultrapassar? Sobre a pixação de bens considerados patrimônios públicos e/ou históricos, Mesquita (2017) diz que mais importante do que a questão proposta, é o motivo de existirem tantos pixos por São Paulo, isto é, a proibição ou não de certo local não surtirá efeito frente ao pixo. Além do que, tendo em vista que locais e/ou monumentos históricos carregam em si e consigo uma carga maior de identificação popular diante da história pela qual tornaram-se patrimônio, o ato de intervenção nesta superfície seria geradora de muito mais atenção vinda do estado e da população em geral. Raquel Rolnik defende que a cidade é como a escrita, onde suas construções são como contadores da história da humanidade. “É como se a cidade fosse um imenso alfabeto, com o qual se montam e desmontam palavras e frases” (2004). Se as construções remetem à história da cidade, ou seja, adquirem maior grau de 111
importância devido a fatores históricos retratados nas entrelinhas de sua arquitetura, de forma subconsciente, as pixações, graffitiss etc., podem ser considerados o reflexo atual e simultâneo a história que está sendo vivida. Se a arquitetura das cidades conta histórias, as inscrições urbanas fazem uma show ao vivo. (...) o próprio espaço da cidade se encarrega de contar sua história. A consciência desta dimenção na arquitetura levou a que hoje se fale muito em preservação da memória coletiva, através da conservação de bens arquitetônicos, (...) trata-se de impedir que esses textos sejam apagados (Rolnik, 2004, p. 18).
O próprio ato em si de transgredir um marco histórico como, por exemplo, o Pateo do Collégio49, pixado em abril de 2018 com a frase “Orai Por Nóis”; revela maior grau de comoção/choque populacional, pois mesmo que forçadamente, gera o dialogo entre dois aglomerados de história: a história que o monumento carrega vs a história que o pixo carrega, e dentro disto se enquadra a história do pixo como escrita e representatividade humana e o contexto em que a inscrição pixada se refere. A asserção de Paixão pode condensar um pouco a imagem da sociedade perante atos como este, realizado no Pateo do Collegio: Essas permanências pré-históricas em nosso presente desagradam a quem não se dispõe a entendê-las. Normalmente não refletimos sobre os impulsos ou contextos que as produzem, ou talvez não percebamos, ou não valorizemos, a compreensão do seu verdadeiro sentido, reduzindo a manifestação a sentenças como: vandalismo, terrorismo, ato político, ato artístico, etc. Afinal a nossa cultura e a nossa educação nos direcionam para a valorização de uma espécie de estética da assepsia, para a propriedade individual e para a divisão em classes; para a desvalorização e consequente abandono dos modos de vida populares e comunitárias; ao mesmo tempo, para a adequação a um modelo de sociedade em que o indivíduo tem a cada dia menos oportunidades de
49 Marco ihistórico da fundação da cidade de São Paulo. 112
ser ouvido ou notado, a despeito da massiva distribuição de dispositivos e recursos comunicacionais. Mas não é por meio apenas de discursos inteligíveis ou articulados que comunicamos. Nos comunicamos, primariamente, fazendo notar que existimos, mesmo que por pequenos resíduos de humanidade (PAIXÃO, 2011, p. 23-24)
Quer dizer então, algo considerado transgressor, vandal, deteriorador traz consigo uma profundidade tão reflexiva de questões e discussões sociais que quando colidem de frente com a “história tombada” reverberam instantâneamente no meio político e social, seja de forma positiva ou negativa. A partir deste parâmetro, talvez possa-se afirmar que uma das máximas, se não a maior delas, do pixo poderia ser considerada a pixação de monumentos históricos, que logo em seguida a sua produção colocam em cheque dois pontos de vista da história social: o permitido e o não permitido; o tombado e o transgressor. Levando de encontro sua história marginal à história permitida e difundida intrínseca ao patrimônio tombado, o pixo põe na balança social dois pesos de iguais proporções, mas que ao passar pelo filtro da ótica manipulada e ignorante da grande maioria da população, ganha sentido e conotação subversiva, dimínuida, repelida. Desconsiderando sem prévia análise toda e qualquer história que possa se ter sob o véu negro da pixação. Entretanto e portanto, mesmo colocado abaixo de qualquer outra história pública pela visão social, o pixo atinge sua função com a simples chamada de atenção daqueles que o julgam precocemente; mas que mesmo assim o notam e notam os “invisíveis”50 — não mais tão invisíveis assim — que o fizeram.
50 As aspas foram utilizadas na palavra ‘invisíveis’ pois os pixadores, mesmo que tendo seu protesto visualizado e reverberado na sociedade, permanecem na maioria das vezes em anonimato. 113
114
Verde, Amarelo e Cinza 115
Efemerecidade
116 Banksy, 2008
Se o graffiti e o pixo baseiam-se sob os pilares da transgressão, choque e reflexão; inerente à eles há uma resultante que tanto quanto seus preceitos, caracteriza a manifestação em meio ao seu ambiente urbano, e a torna ainda mais surpreendente: a efemeridade51. A pele da cidade não é escamada, ela é escamável (...) ela vai adquirindo, cada vez mais espessura. Então a neleza é quando em um processo de restauro você quais eram as vozes que foram caladas e que estão lá por trás. E à rigos, a voz que chegou agora só existe porquê tem todas as outras antes. Ela (a cidade) é o resultado disso. (e) isso é um processo social (FARIAS, 2014).7
Agnaldo propõe que a cidade através da efemeridade das intervenções feitas pelo graffiti contam a história da própria cidade e de seus períodos, uma vez que são produzidas, na maioria das vezes, em reflexo às situações atuais do momento de suas produções. Como tudo, inclusive a própria humanidade, o graffiti passou e passa por um processo evolutivo, sendo que as manifestações atuais só são possíveis de serem feitas como são devido a todo processo pelo qual já passaram.
“Muitas vezes, a gente fica lá 30 dias fazendo o trabalho, e depois é natural que sintamos quando a obra é removida (...) Não que o artista seja efêmero, mas a arte acaba se tornando” (Kobra, 2016).
Tomando como ponto de partida a efemeridade das obras submetidas ao meio urbano, onde a sua permanência é ditada pela imprevisivibilidade das ações e reações tanto dos próprios grafiteiros/pixadores que
51 Refere-se a algo passageiro, pouco duradouro. 117
podem — ou não — atropelar52 a obra, quanto dos cidadãos proprietários dos muros muitas vezes utilizados como suporte; e por último e mais provável: o próprio estado que interfere por meio de ações contra as inscrições urbanas. A fim de coíbir esta prática, na verdade eles só a incentivam. Assumindo caráter efemero no meio urbano, as obras adquirem a eternidade somente através dos registros feitos pelos próprios artistas. É por fotos e vídeos que o trabalho passa de mão em mão e permanece intacto, de forma contrária as obras se perderiam nas inúmeras camadas de tinta que se formam nas superfícies imprevisíveis da cidade.
Efêmero à força Não é de hoje que o graffiti e pixação são retáliados em meio social. Como já dito, desde sua chegada ao brasil no contexto da ditadura militar é eminente a perseguição e retaliação sofrida pelas inscrições urbanas, o que não mudou até hoje, pelo menos não para a pichação. Pela lei sansionada em 2011 o graffiti deixou de ser crime quando utilizado em pról da melhoria do espaço público, atuando como patrimônio. Entretanto, a pixação, mais segregada ainda continua como crime, e é assim que ela quer continuar.
52 Neste contexto o termo ‘atropelar’ refere-se a “passar por cima”, inscrever sobre a inscrição. No meio urbano a grande maioria dos grupos de pixadores e grafiteiros respeitam-se, entretando há sempre excessões. 118
Em 2006 o então prefeito da cidade deSão Paulo, Gilberto Kassab, aprova a lei cidade limpa, que visa dá diretrizes acerca do tamanho máximo permitido de letreiros comerciais de estabelecimentos da cidade; além da retirade de outdoors promoveu também a limpeza visual total de propagandas na cidade, e dentro deste contexto estavam graffiti e pixação. Entretanto o critério para cobertura da arte era variável conforme o grupo de trabalhadores que agia, isto é, sem critério prévio definido, ficava sob o encargo dos pr´´oprios trabalhadores sob a tutoria de um responsável a decisão. A ação foi documentada no filme Cidade Cinza, onde em decisão arbitrária um gigantesco mural d’Os Gemêos, Nina e Finok foi apagado na Avenida 23 de março. Tendo sido refeito posteriormente pelos mesmos artístas após a mídia divulgar veementemente o ocorrido. Em 2017 as ações se repetem. Agora sob o comando de João Dória, a cidade de São Paulo passa por mais uma varredura cinza. Já consagrada e reconhecida mundialmente pela quantidade, qualidade e váriedade de seus graffitis, São Paulo elege o prefeito do cinza. João Dória, “carinhosamente” apelidado de dórinha por um dos grafiteiroscarrega consigo a visão da arte clássica “padrão coxinha” (...) “claramente em uma visão ideológica de beleza com viés disciplinar” (ROMEIRO; BRITO, 2017).O programa, desta vez intitulado de Cidade Linda prõpoe uma série de ações de recuperação urbana em São Paulo, dentre elas a cobertura total de qualquer tipo de pixação e parcial de graffitis; dependendo do humor do dia do contratado para apagar. Dentre as grandes propostas do excelentíssimo prefeito da cidade, em contrapartida ao encobrimento das inscrições em meio urbano, está a proposta do grafitódromo. Uma área fechada, exclusivamente destinada a abrigar sob regras e normas o movimento que tem como base para sua existência a transgressão, a rua, a ideologia, a reflexão. Claramente funcionaria, entretanto, não. Dória em tal ação demonstra mais uma vez seu 119
total despreparo frente a questões sociais fora de sua alçada empresárial. “Obviamente tal proposta não daria certo, conhecendo um pouco sobre a história da arte no contexto sociourbano esta constatação seria inerente” afirma Rui Amaral (2014), um dos precursores do graffiti no Brasil. Em sua primeira semana de mandato, Dórinha desferiu a seguinte pérola aos ouvidos de todos nós sobre os pixadores em relação ao seu grafitódromo: Estou sujerindo que os pixadores possam se tornar artistas. Se vierem a se tornar artistas, terão nosso apoio. Se preferirem ser agressores terão a força da lei. Não tenho medo de pixador, para ficar bem claro (Dória, 2017).
Embasado neste pensamento totalmente sensível e sem extremismos, dória iniciou o trabalho de cobertura das vozes de São Paulo; iniciou com suas próprias mãos. Fantasiado de trabalhador, com a pistola de cal cinza na mão, posou para fotos enquanto fingia trabalhar. Seguindo este caminho, a tendência é que o programa cidade linda se desdobre em violação de direitos de moradores em situação de rua, ambulantes e outros grupos vulneráveis que vivem, trabalham ou utilizam espaços públicos em São Paulo; impondo uma ideia de beleza associada a ordem e a limpeza, na qual as manifestações transgresssoras e populares como as pixações (...) não têm lugar (BRITO; ROMEIRO, 2017).
Após iniciadas as medidas e ações propostas pelo programa, no que se refere a cobertura de graffitis e pixações, o grupo de grafiteiros Imargem53 manifestou-se através da seguinte nota:
53 Grupo de que reúne artistas e grafiteiros do Grajaú, fundado em 2006. 120
Se a ordem do dia é calar e apagar quem povoa as superfícies da cidade com diversidade, a oderm do dia também indica repressão e um aumento da criminalização, questões que já estão ficando evidentes em nosso dia-a-dia na rua. O que se quer apagar tem cor, classe social e indereço. Uma cultura de rua que vem das margens, mas que não se limita à elas, circula por toda cidade, transpondo barreiras físicas e simbólicas. Guerrear é não querer o diálogo, diálogo que nem se quer tentou-se estabelecer. Pintar uma cidade inteira de uma cor só é tirar da visíbilidade das superfícies a diversidade que faz da nossa cidade o que somos.Aqui não é Miami, é São Paulo mesmo, e é essa cidade que queremos para a gente. Uma cidade que, com todas as dificuldades, permite diferentes formas de experiência, vivências e circulação. Essa cidade nunca deixaremos ser maquiada. Talvez o que se enxergue no spray, nos rolinhos e na tinta seja mesmo uma arma, mas trata-se da arma das nossas ideias, e as nossas sempre serão livres.
Ao apagar as inscrições urbanas que refletem seus moradores, que refletem a cidade, o programa “Cidade Linda” demonstra a falta de conhecimento sobre o escopo de sua atuação; se vira para gritos sociais e enfatiza a real intenção de tornar a capital paulista uma vitrine mundial do que é belo segundo a visão da gestão, deixando de enxergar o graffiti e pixação como a necessidade de tratamentos de lacunas socieais muito mais profundas, e que mesmo em sua profundidade apresentam-se diáriamente explícitas nas superfícies que se esconde com o cinza. Tratando a sociedade como um todo indivisível e tomando como base uma única visão sobre o assunto, privilegiando o ponto de vista, o gosto estético particular e as necessidades presentes em uma única fatia da população paulistada, esta a mais abastada, o programa de Dórinha vira as costas para toda uma sociedade 121
que, não só a parcela desprivilegiada, mas inclusive a que toma como base para suas ações. Apagar graffitis e pixações de São Paulo é como apagar a própria história, é virar as costas para o povo sem ao menos ouvi-lo. Em carta aberta ao prefreito, de forma anônima um dos pixadores afirma: “(o pixo/graffiti) carrega o grito de cidadãos que não têm garantido o seu espaço e seus direitos, que não provoca, mas denuncia a degradação da cidade”. Em reação ao cobribento dos graffitis da Avenida 23 de maio, o juiz da 12ª vara da fazenda da República de São Paulo, Adriano Marcos Laroca determinou a proibição do apagamento de graffis e murais54 pela cidade e suspensão de “toda e qualquer ordem e/ou serviços de remoção de pinturas, desehos ou inscrições caligrafadas em locais públicos enquanto não forem dadas as diretrizes para isso pelo CONPRESP55” Grafite, como arte urbana expressiva de uma realidade social, de uma identidade sociocultural, caracteriza-se, certamente, como bem culturaldestarde, patrimônio cultural brasileiro e que merece ser preservado e fomentado, de alguma forma, pelo poder público municipal (LAROCA, 2017).
Complementa o juíz: É de se pensar se tal ação, (...) não seria preconceituosa e autoritária, excludente de manifestações culturais que buscam justamente a inserção social e a integração de pessoas com realidades e experiências tão diferentes, princípios ou valores estes que, necessariamente, deveriam nortear as políticas da cultura e do desenvolvimento urbano (LAROCA, 2017).
54 Murais são considerados representações artísticas que utilizam as técnicas do graffiti, entretanto são autorizadas, deste modo desprendendo-se do viés transgressor do movimento. 55 Conselho Municipal do Patrimônio Público. 122
Apenas 11 dias após a decisão do juíz, a liminar que proibia a cobertura dos graffitis e pixações foi derrubada na Câmara de Direito Público pela desembargadora Maria Olívia Alves.
Um Mal necessário Independente de ações repressorar do Estado, independente da opnião comum social ou singular, enquanto houverem mazelas sociais ou vontades implícitas ao ser humano e que assolem de alguma este enquanto ser ou grupo; o graffiti, o pixo ou qualquer outro tipo de manifestação urbana que reflita as condições sociais, não irá deixar de existir e/oucoexistir com o causador de tal condição. Uma cidade que oprime vai ter sempre gente na rua tentanto se expressar (...) na minha opinião, toda vez que você reprime, que você proíbe, você provoca. Mesmo porque proibido é mais legal (MESQUITA, 2017) O graffiti verdadeiro, o underground, o vandalismo, sempre vai existir, nunca vai morrer, (...) (AMARAL, 2014).
Sendo assim, partindo das máximas afirmadas acima, pode-se concluir que em termos sociais, na utopia da equalização entre todas as parcelas da população, se tudo fosse perfeito o graffiti e pixação não existiriam. A efemeridade da obra lhe atribui um caráter imediatista frente ao contexto ao qual se insere e 123
transgressor diante da propriedade particular e/ou “pública”56 que se apropria. Colocando em pauta questões como o “grafitódromo” desvairado de Dória, e programas como “Cidade Linda” e “Cidade Limpa” correlacionados ao graffiti como elemento transgressor, a reflexão sobre causa e efeito é instigante: ao incentivar sua prática e determinar-lhe local certo para sua produção, o graffiti deixa de ser graffiti pois não carrega mais o embasamento da transgressividade/liberdade inerente a sua realização. Não existe graffiti legal, o graffiti legal é mural” (AMARAL, 2014). Por outro lado, ao liberar sua prática em meio urbano, de forma a não mais coibir este tipo de ação, continuaria o a manifestação com o mesmo poder representativo? E com o passar do tempo, existiriam ainda superfícies livres para tal? Pixo e graffiti carregam as máximas de liberdade expressivista da parcela da população calada em detrimento das condicionantes socioculturais preestabelecidas por uma sociedade desigualitária, por uma cidade opressora, por um mundo econômico prioritário em relação ao ser humano. Através do rompimento de regras e preceitos, leva a Escuridão à Luz, a Voz ao Silêncio; a dona Maria e o seu José à cidade. Tendo em vista as bases deste movimento de empoderamento social, as ações promovidas pelo Estado no sentido da coerção dessas práticas não poderiam ser consideradas então muito mais como um agente de impulsão para as mesmas? O ato de apagar obras já solidificadas e vistas, isto é, que já atingiram seu objetivo primordial — transgredir e chamar atenção — garante a efemeridade pela qual o movimento
56 Foram utilizadas aspas na palavra ‘pública’ pois o termo “público” refere-se no contexto a algo de posse popular, de posse de todos, sendo assim também de posse do artista que a utiliza como suporte à arte; entretando leis proíbem tal prática, necessitando para a produção de uma obra autorização prévia do órgão do estado responsável pela área em questão. 124
transita, se renova e se mantém atualizado ao dia-a-dia da sociedade. É visível então que as práticas de repressão às manifestações de cunho transgressor são necessárias para sua manutenção, e mais ainda ,difusão e crescimento. Sendo assim deveríamos agradecer aos programs e leis com propostas como o Cidade Limpa de João Dória pelas novas telas urbanas de São Paulo, afinal grafiteiros e pixadores não irão parar. Obrigado!
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Graffiti gourmet a la vontĂŞ
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128 muswieck, 2017
O termo “gentrificação” é utilizado em meio urbano quando se diz respeito a um local onde há uma mudança de valores sociais atribuídos a área em questão. A gentrificação corresponde ao processo de modificação do espaço urbano, em que áreas periféricas são remodeladas e transformadas em espaços nobres ou comerciais (PENA, s/d).
Já “gourmetização” é um jargão difundido atualmente que se refere na transformação de de valor de determinado produto, em sua maioria alimentícios, apenas atribuindo-lhe o prefixo de “gourmet”57. A gourmetização consiste em transformar um produto já existente e familiar ao público e modificá-lo de forma a criar uma versão luxuosa e diferenciada deste (LOURENÇO, 2016, p. 50). Gourmetização é uma prática que visa rebuscar, dar um luxo, uma diferenciação maior, a um mesmo produto. O que é feito para marcar uma diferenciação de posição social, que pode ser tanto no seu sentido estrito – trata-se mesmo de um produto mais sofisticado, que apenas quem tem um gosto mais refinado vai conseguir apreciar – mas não só (PALMIERI, 2017).
No mundo do graffiti, e isso em relação ao Brasil se enquadra a pixação também, não é novidade sua valorização em meio artístico, isto é, frente aos que se consideram entendedores e apreciadores de arte, como critícos e mesmo colecionadores. Desde seu surgimento, sua técnica foi levada para galerias e colecionadores de arte no mundo todo; como já visto, Basquiat foi um dos primeiros artistas grafiteiros a participarem de exposições em galerias; assim como Alex Vallauri e tantos outros.
57 A expressão gourmet está associada a uma ideia de cozinha de alto padrão. 129
A ideia de uma arte de rua com cunho tão fortemente embasado em anseios sociais representa uma forte tendência de evolução e reinvenção dos movimentos artísticos, isto é, mais uma vez, retornando aos períodos precessores à Contemporâneidade, podemos tomar como exemplo o já citado Renascimento, período que como o próprio nome explicita — e o prefixo “re” afirma — é a retomada de algo que em determinado momento já existiu, neste caso preceitos humanistas. De forma simplista, o Renascimento mostrou-se como uma crítica a arte vinda dos preceitos teocêntricos, isto é, a arte com cunho religioso. Sendo assim, inerente a crítica suscitada em suas produções, novas técnicas descobertas, como o uso da perspectiva por Filippo Brunelleschi58, foram somadas a arte, gerando um grande avanço técnico, tanto em termos de quantidade de produções quanto em qualidade. Em um paralelo livre, associar a mudança de valores ocorrida no período renascentista às mudanças que a arte urbana atual vem sofrendo, pode não ser tamanho absurdo. É recorrente sua presença nas galerias pelo mundo desde os primeiros anos de seu surgimento, entretando nos ultimos anos o interesse do público fora do ambiente artístico, isto é, pessoas com um poder aquisítivo superior ao da parcela populacional que o graffiti expõe, vem crescendo. Com técnicas aprimoradas e traços minuciosos, os grafiteiros, ou writters, também ganharam a atenção de quem entende de design de interiores. E foi aí que começaram a se dividir entre os muros das ruas e as paredes internas de casas e apartamentos de quem quer a descontração e o colorido do grafite em seu lar (SEIXAS, 2017).
58 Filippo Brunelleschi (1377-1446) nasceu na Italía e dentre outras obras, foi o responsável pelo projeto da cúpula da Igreja de Santa Maria del Fiore, além do desenvolvimento de novos métodos de construção, como “espinha de peixe” aplicado à cúpula, além do desenvolvimento da perspectiva. 130
Em entrevista ao portal da Folha de São Paulo, o arquiteto André Lima afirma: “Contratar artistas que transformam paredes em murais, de acordo com o gosto dos clientes, tem se tornado tendência. Há a valorização de um trabalho artístico que antes não havia”. A crescente valorização da arte das ruas dentro de casa é inegável, entretanto, o graffiti continua sendo graffiti fora do contexto urbano? Não. Como afirmam os artístas praticantes, e foi assumido nos capítulos anteriores, o graffiti não é a arte em si, é o movimento, é a voz da população; a arte é só o meio pelo qual num ambiente urbano essa voz se faz presente. Graffiti quando é permitido, é mural.
A moral dos murais Afastado do ambiente das ruas, ou mesmo inserido nele com a permissão de sua prática, o graffiti se afasta de suas bases de caráter transgressor e assumem sua vertente conhecida como Mural. Os murais caracterizam-se pelo uso da mesma técnica utilizada pelos artístas ao produzirem seus graffitis nas ruas, dentre elas pode-se destacar desde as mais clássicas do spray e rolinho, até aerografia e uso de canetas marcadores. Além das técnicas de aplicação, pode-se destacar algumas vertentes do graffiti em meio urbano, que se utilizam do preceito de rápidez de aplicação e demandando uma produção prévia da obra: Stencil: o desenho é previamente recordado em uma superfície que permite de forma rápida a aplicação parcial da tinta. Lambe-lambe: cartazes colados. Stickers: adesivos. 131
Neste novo campo, vasto em oportunidades e de crescente aumento da demanda, é iminente o aumento de grafiteiros que buscam o destaque em meio a possibilidade de ganhar reconhecimento, tanto financeiro quanto pessoal. Afinal, se o graffiti busca de forma marginal demonstrar ao mundo social sua presença, o mural lança o artísta de forma explícita no meio em questão à este mundo; não diminuindo em nenhum sentido o graffiti nas ruas, óbviamente. Em congruência com a crescente alta desta vertente do graffiti, grandes artístas precursores ganham evidência mundial, muitos deles — ou até mesmo sua totalidade — vêm das bases da formação do graffiti, dentre eles o mais reconhecidos mundialmente sejam Os Gemêos e Eduardo Kobra. Ambos não negam sua raíz ligada à pixação e graffiti urbano, pelo contrário a afirmam, mas enquanto praticantes do graffiti admitido, se classificam como muralistas. Em São Paulo, principalmente, há um grande aumento de murais de destaque nas grandes áreas centrais e de centralidades59 da cidade — assim como em áreas de menos visibilidade —, produzidos muitas vezes sem o incentivo financeiro do poder público, mesmo agregando grandevalor artístico à paisagem urbana (como no caso do mural em homenagem à Oscar Nirmeyer, feito por Eduardo Kobra na lateral de um edifício na região da Avenida Paulista), os trabalhos quebram a monotonia cinza da capital, erguendo-se coloridos em meio à paredões envidraçados e duros. A arte parece permear e romper com esta rigiez. Dentro dos murais, ainda podem existir outras vertentes, como a produção de telas, ilustrações e personalização de objetos, que podem englobar desde uma geladeira à um avião.
59 Caracteriza-se por ser uma área afastada do centro da cidade, entretanto que possua grande movimento e infraestrutura comercial. 132
Contemporâneidade Antiga Vivemos atualmente no passado do futuro, onde nossas ações — por mais singelas e sutis que possam parecer — têm a capacidade de transformar o que ainda não existe. Nós somos o futuro, não porquê viveremos nele, mas porque ele será reflexo de nós mesmos; reflexo de nossas ações. Do mesmo modo que nós somos resultantes de nossos semelhantes; da mesma forma que somos reverberações da sociedade Contemporânea; Moderna; Medieval; Antiga e Pré-Histórica. Somos a história do ontem e a história do amanhã; uma constante inconstante que não deriva de regras matemáticas, muito menos da lógica ilógica de um senso comum que prega a necessidade de ser, e se sentir, superior ao próximo. Nossa complexidade é tamanha, que provavelmente nem o mais potente computador do mundo seria capaz de transcrever em dados físicos toda a profundidade metafísica intrínseca ao nosso ser. Somos todos semestes de uma mesma árvore, plantada em um passado distante que já fora o presente do futuro que nós nem chegamos a conhecer, mas que vivenciamos todos os dias através das pessoas. Como dito por Edward Lorenz, “O simples bater de asas de uma borboleta no Brasil é capaz de gerar um tornado no Texas” (1972). O simples desenho inscrito em uma caverna pode aflorar a veia artística que jamais existiria caso não houvesse um primeiro passo. O simples ato de questionar seu lugar no mundo, pode mudar o seu mundo. O simples ato de ser tocado pelo desenho hoje, pode gerar uma sociedade melhor e mais sensível no futuro. E o simples ato de dar o primeiro passo para isso, já foi dado, há 400 mil anos atrás. 133
134
Olharte 135
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Não é fácil. Nem de longe é fácil — de perto também não, sou prova viva, estive bem próximo. A construção do conhecimento não se dá de forma linear, nem se prende a moldes padrão de produções universitárias; e talvez por isso se aprenda tão pouco dentro de delas. É muito difícil chegar à uma acepção própria sobre algo intrínseco à você e ao mesmo tempo imperceptível; mas no momento em que se chega, é tão natural quanto a luz do dia (CHORÃO, 2012), acreditar que ela sempre esteve ali. Era evidente, iminente e óbvio, como eu não percebi? Passou por entre os dedos durante meses do processo de pesquisa; passou por entre os dedos durante a vida toda. Como resultado final do longo curso de
Arquitetura e Urbanismo, não apresento um projeto
arquitetônico; tampouco de decoração. Talvez, das matérias tradicionais e quadradas as quais fui submetido durante os ultimos 5 anos, a que mais se aproxime deste resultado seja a de design de interiores; mas não os interiores pomposos ou indústriais — como a moda atual —, o interior que busco encontrar e representar é o d’alma humano, o nosso interior. O projeto, ainda em desenvolvimento, é a tentativa de, através de reflexões adquiridas ao longo da vida e reforçadas durante o processo de pesquisa, extrair da forma mais pura possível, ou seja, através da arte, o que está dentro de nós. Nós mesmos.
Olhar à ti. Olhar a ti. Olhar à arte. Olharte.
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MAGALHÃES, 2018
Seguroe seu coração ao invés da sua mente.
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MAGALHÃES, 2018
Até no Caos há Paz.
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ConclusĂŁo 141
Um meio e um Fim
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É fato que vivemos em uma era onde nossa geração faz parte do consumo, onde a mecanização do dia-a-dia atarefado de todos em busca de uma vida, no minímo estável, assumiu o papel da empatia em pról do próximo, em pról da apreciação da paisagem que nos afeta inconscientemente toda vez que nos submetemos à ela, esta que passa a ser mera coadjuvante da rotina corrida de uma metrópole. Pessoas vivem como se a vida fosse infinita, como se seu dinheiro no banco fosse a carta de alforria que os liberta do status de pobre perante os demais, garantindo o patamar social almejado que os permite distanciar-se fisicamente e sociamente dos que julgam, no mínimo, monetáriamente incapazes de pertencer ao mesmo grupo em que se veem inseridos. Baseado nisso, seria um simples desenho frente ao mundo capitalista e consumista capaz de resgatar a natureza humana daqueles que não a cultivam mais? Capaz de restaurar algo de fato humano, no sentido sensível da palavra, em meio a neblina cinza de concreto e poluição que envolve uma cidade como São Paulo? A resposta para esta indagação é tão simples quanto a pergunta, e está mais próxima do que se pode imaginar; está dentro de cada um de nós e só pode ser dada por nós. A arte é eminente e imanante, contida em cada um de nós desde o nascimento, desde nosso surgimento. É a ponte que nos liga à um passado distante, ao ser humano que não é pré-histórico e sim precursor da história. A arte nos leva à nós mesmos e nos faz reencontrar a criança interior há muito esquecida. A arte é o meio e a passagem, é a voz e o clamor; é o fio de esperança entre a vida e o espectador.
E você, já desenhou alguma vez na sua vida? 143
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