.....................É DE GRAÇA..................
onde o ideal não é ideal # 39 _ fortaleza, 18 de dezembro de 2010
A casa do casal Ariel Sudário
Cuecas de Chiffon João Paulo de Freitas
A mulher do Barbeiro Wolney Batista
O nosso trabalho diário no Laboratório de Jornalismo da Unifor (Labjor) é fazer matérias experimentais. Dezembro chegou com um novo desafio: fazer uma edição da Revista Aldeota. Topamos. Neste número, Aldeota traz uma entrevista, concedida a Ariel Sudário com Christiano Câmara, que é um dos maiores colecionadores de música popular e fotografia do Brasil. João Paulo de Freitas conversa com Lucas Magno sobre moda masculina no Ceará. Camila Holanda escreveu uma crônica sobre uma mulher mal amada que tem o cinema como refúgio. Fim de ano é momento de retrospectiva. Lia Girão aproveita para lembrar do avô com quem gostaria de ter convivido mais quando criança. Taí, avalie.
Expediente: Fernando Costa / Fundador Ricardo Lisbôa / Editor Chefe (MTB-1619CE-JP) Chico Gualbernei / Supervisão Gráfica Rodrigo Costalima / Diretor de Arte Fabiane de Paula / Repórter Fotográfica Flávia Castro / Produtora Executiva Revisão Ortográfica / Thómas Fernandes Edição de Imagens / Marcelino Jr. Colaboradores: Aldeci Tomaz – CE// Aline Veras – CE// Ariel Sudário – CE// Bruno Barbosa - CE// Camila Holanda – CE// João Paulo de Freitas – CE// Lia Girão – CE// Márcia Feitosa - CE// Nathália Miranda – CE// Rafael Gomes – CE// Suiani Sales – CE// Wolney Batista - CE// www.twitter.com/revistaaldeota - Aldeota é uma pucontato: revistaldeota@gmail.com blicação semanal. Todos os textos assinados são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da revista. É proibida a reprodução total ou parcial de textos, fotos e ilustrações, por qualquer meio, sem autorização. Editora Aldeota Ltda. CNPJ: 11.737.409/0001-01 Tiragem desta edição: 1.500 exemplares. Capa: Fabiane de Paula
Somos labjorianos, prazer.
ilustração por rafael gomes
“O importante não é saber, mas ter o telefone de quem sabe!” Coletivo
( ficção )
A MULHER DO BARBEIRO wolney batista
Toda
cidade pequena tem uma praça central. No meio dela tem uma igreja. É assim também na cidade de Nepomuceno. Aos domingos, a praça fica lotada de gente com suas melhores roupas e seus mais falsos sorrisos. São mulheres que se invejam pelas ruas e homens que posam de distintos chefes de família, mas que, na verdade, adoram a galhofa que rola solta na mais tradicional barbearia da cidade: a Barbearia do Seu Francisco. Bem localizada entre a padaria, o açougue e a praça da igreja, a barbearia sempre junta, ao cair da tarde, meia dúzia de homens ávidos por um bom fuxico. Seu Francisco tem lá seus 50 anos, cabelo crespo e castanho, já ficando grisalho, bigode no mesmo tom, não mede mais que um metro e sessenta e carrega uma barriga nada modesta. Sabe contar mais vantagem que pescador, conhece toda a rotina da sociedade nepomucenense e tem mais prestígio que Risovaldo, o prefeito. Quando não está atendendo algum cliente, está jogando dominó em frente ao seu estabelecimento. Fofoqueiro que só ele, sempre que vai contar alguma história prepara o ouvinte psicologicamente: “Olhe, num gosto nem de falar isso não, que me dá logo uma tristeza, mas parece que Seu Joaquim não passa dessa semana. O médico já mandou até ele voltar pra casa”. Se o caso é de morte, além de toda a cerimônia pra contar, requer uma expressão de piedade. Narrar a vida dos outros lhe rende um bocado de fregueses, mas seu maior poder de arrebanhamento são as histórias das mulheres que sentam em sua cadeira e tentam seduzi-lo. “Menino, já passou cada dona por aqui me prometendo Deus e o mundo. Tem umas que se sentam e vêm com
um papo que querem pintar o cabelo. Aí, perguntam qual a melhor cor. Quando eu dou fé, elas tão me chamando pra sair. Eu digo logo: ‘Negativo, sou casado’”. Raras são as vezes em que ele dispensa a sedutora. Depois de uma dessas histórias, todos que estão no salão dão risada, não se sabe se é de admiração ou de desconfiança da veracidade do relato. Mas, na dúvida, os “fregueses” sempre voltam, porque, sendo mentira ou não, Seu Francisco conta com uma riqueza tão grande de detalhes que a importância de ser realidade fica em segundo plano. Loiras, morenas, brancas, mulatas, católicas ou evangélicas, não importa, se entrou na barbearia, mesmo que por cinco minutos, mais tarde vai entrar para o rol de pretendentes do barbeiro.
Apesar
de contar o milagre, ele jamais revela o santo. Citar nomes de suas amantes nem sobre juramento, afinal de contas, toda a população masculina da cidade é cliente de seu corte e dos seus causos. Enquanto Seu Francisco está no salão ele é o rei da mulherada, pois já se envolveu com quase todas da cidade, pelo menos em sua versão. Depois das oito horas da noite, quando tira o jaleco branco, fecha o estabelecimento e retorna a casa, ele volta a ser o marido de Marilena, uma jovem de 25 anos muito prendada e caseira. Tão caseira que passa o dia enfurnada em casa, mais precisamente na cama, há mais de 3 anos, com Emanoel, o açougueiro. _____________________________________________ Wolney Batista é estudante de Jornalismo e Letras - Espanhol.
( memória )
A Casa do Casal A coleç
ão de objetos é imensa, mas o que impressiona mesmo são os 54 anos de casamento, completados no dia 3 de dezembro. Seu Christiano e Dona Douvina moram na mesma casa em que ele nasceu e que ela classifica como “uma casa de arquivos”. Ela diz que guarda tudo e que já é acostumada a organizar as coisas desde quando seu pai a chamava para ajudar lá nas prateleiras da “pharmácia”. Seu Christiano se define: “Eu simplesmente não sou um guardador de coisas. Eu dou vida às coisas que tenho”. E o prazer é todo dele. Entre as centenas de fotos, livros, filmes, ele mostra um conjunto de cadeiras de cinema de 1917. Elas iam para o lixo, mas ele as recuperou. Sua mulher acrescenta com uma frase que o tio dele, Dom Hélder Câmara, disse: “Todo Câmara tem uma mania. A sua é preservar a verdade histórica do cinema e da música”. A maneira como a história dos dois começou era uma briga até alguns anos. Só um muro de meio metro separava a casa dos pais dela da casa em que ele morava. Alguém pulou o muro para que tudo começasse. Mas quem? Nenhum dos dois queria admitir, até que um dia Seu Christiano entregou os pontos. Mandou um bilhetinho que, no final, dizia: “Minha filha, se fosse preciso pular o muro, eu pularia novamente”. Dona Douvina cogitou registrar em cartório.
O acerv
o fica muito bem guardado numa casa das antigas, na Rua Baturité. Ele diz que o povo estranha ele estar morando na mesma casa, vivendo com a mesma mulher todos esses anos. Para ele, hoje tudo ficou descartável, dos objetos às amizades - fala isso segurando na cadeira firme de madeira em que está sentado. “Hoje tudo é de plástico! Quem ainda vê uma cadeira dessas aqui? A de plástico é boa porque, se ficar ruim, joga fora e compra outra.” A casa, que é aberta para visitações, é sempre embalada pelo canto dos passarinhos. O porta-voz das coleções é ele, mas é Dona Douvina quem fala dos pequenos detalhes cotidianos com propriedade. Um dia, uma das filhas levouos lá naquela livraria que fica na esquina da Av. Dom Luís com Senador Virgílio Távora. “Lá, ele perguntou o que tinha de novo e o rapaz trouxe um lançamento. Ele estranhou porque tinha um livro igualzinho aqui em casa! Se pudesse, ele tinha era dormido lá!”, ela confessa baixinho. Com toda certeza, o casal ensina mais do que apenas preservar aquilo que aconteceu no passado. Seu Christiano conta que às vezes pede perdão aos das fotos por não poder dar a eles um lugar melhor. Melhor? Quase impossível, já que naquela casa eles podem, todo santo dia, ver uma vida de romance antigo. ____________________________ Ariel Sudário é estudante de Jornalismo.
CAMILAHOLANDA
ariel sudário
“Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor ainda não foi embora, mas o amado já...” Pablo Neruda
( crônica )
Sobre (a falta de) uma história juntos Lia girão
Manhã d
e domingo, ninguém em casa. Na minha casa é assim, as pessoas acordam cedo e saem para caminhar. Sem ter o que fazer, resolvi olhar os álbuns antigos. Passei pelos aniversários dos meus irmãos, pelo casamento dos meus pais e por uma foto minha montada num cavalo. Parei em uma. Era a foto em que eu estava com o meu avô; eu tinha 6 anos e ele, bem, não lembro. O coração dele parou dois anos depois, enquanto dormia. Sinto saudades dele, mas confesso que acho isso meio estranho, ele foi ausente na minha vida, mesmo quando ainda vivia. Ele se separou da vovó, então não me lembro de nada além de duas ou três cenas em que estava no mesmo lugar que ele. Sinto saudades, na verdade, do que não vivemos juntos, do que não aprendi e do que não compartilhei com ele. Segundo a mamãe, nos daríamos bem. Teríamos gostos parecidos: ambos gostávamos de fotografia, ar-condicionado e torta de limão, mas não pude vê-lo envelhecer para saber se isso tudo era mesmo verdade. Sinto saudades dele no meu aniversário de 15 anos e também nos almoços na casa da vovó. Sinto saudades dele torcendo por mim nas competições de hipismo e também dele contando histórias de terror pra todos os netos, mas nem sei se faria isso... É estranho sentir saudades do que não se viveu, mas sinto isso sempre. Às vezes tenho saudades da minha infância no interior, sem nunca ter morado fora da cidade grande. Sinto saudades dos livros que não li e dos amores que não tive. O interfone tocou. É o porteiro avisando que o jornal já chegou. ____________________________
Lia Girão é estudante de Jornalismo.
porta-retratoS
fabiane de paula flickr.com/photos/fabianedepaula
“Sonhar em Casablanca e se perder no labirinto de outra história” Fausto Nilo
( cinema )
Paixão de cinema camila holanda
Ir ao c
inema era um ritual. Desde o momento em que lavava os longos cabelos e a água batendo em sua cabeça trazia pensamentos esquecidos de serem pensados. As histórias com Shirley MacLaine e Rita Hayworth habitavam seus sonhos, em que ela era a protagonista. Seu marido, um dia charmoso, era agora um “mala” flatulento e ranzinza. Ela, mais jovem que ele, sentia-se desprezada. O cinema lhe dava esperança. Aquela tela. Imensa tela. Sentava só, mexia os quadris procurando a posição mais adequada na poltrona. As imagens eram diferentes em seus olhos, atravessavam a retina e faziam gelar a cabeça, como se os nervos ópticos tivessem ligação direta com os sentimentos. A ficção se confundia com a realidade, e ela até pensava que já havia vivido aquelas cenas. Até o dia em que pôde ter seu próprio roteiro. Sozinha na sessão de filmes antigos, olhou para o lado e viu um homem também sozinho. Passava “Gata em teto de zinco quente”, e conseguia ver-se na tela. Os olhos choravam sem pudor. Ele ofereceu um lenço de papel. Um homem cortês e uma mulher carente. Que mais poderia acontecer? Saíram do cinema para tomar cerveja. A bebida como pretexto sexual. Ele era psicólogo e tinha consultório; ela, funcionária pública e tinha contas atrasadas. Cigarros depois, foram ao apartamento dele, onde a paixão cinematográfica foi consumada. Desde então, passou a comprar perfumes que eram vendidos em revistas e maquiagens dos camelôs do Centro. O casal de amantes estava atordoado. Ela pensava em fugir e deixar o marido, com seus gazes, para trás. Ele queria passar o feriado em Canoa Quebrada. Acabaram indo a uma festa no clube. Dançaram agarradinhos durante boa parte da noite. As cabeças, cheias de caipirinhas, daquelas que têm mais limão do que cachaça e o gelo é a raspa do congelador. Mesmo assim, ela sentia-se Bette Davis ou Greta Garbo. O cinema os aproximava.
Passaram finais de semanas intermináveis em que eles assistiam a Billy Wilder e até a Heitor Dhalia. Longos intervalos, também, entre os filmes.
O corno
, então, começou a estranhar sua mulher, mais alegre e menos tempo em casa. Algo fedia (metaforicamente) e não era ele. Resolveu, então, segui-la. Descobriu fácil toda a traição. O casal encontrava-se no cinema e seguia ao apartamento do amante. Orgulho ferido. Voltou para casa e esperou o dia amanhecer. À tarde, marcou uma sessão com o tal psicólogo. Duas semanas depois, foi atendido. Levava uma bolsa pesada. Sentou-se à mesa. Disse logo o que estava acontecendo. O amante assustou-se e tentou escapar, mas o corno, com seu orgulho ferido e humilhado, sacou um tijolo da bolsa e fez horrores. A mulher perdeu o amante e teve o marido preso. Nova rotina. Mas sempre que podia, lavava a cabeleira e ia assistir às sessões de cinema. De quando em vez, chorava um pouco. Mas agora, ela já carregava lenços.
_____________________________________________ Camila Holanda é estudante de Jornalismo.
ARQUIVOPESSOAL
( entrevista )
joão paulo site.com
Cuecas de Chiffon
A tradição que, por muito tempo, marcou o Ceará como uma terra em que o homem tinha que se vestir à moda antiga, e que acompanhar as tendências da moda colocava em dúvida a masculinidade, está enfraquecida. São novas peças de roupas e adereços que unem-se para concretizar a forma como os homens da nossa região gostam de se vestir. O cearense de 21 anos, Lucas Magno, jornalista e criador do blog “O Homem e a Moda”, falou sobre a relação entre moda e o homem cearense.
João paulo de freitas Aldeota - Como você avalia a moda masculina no Ceará? Lucas Magno - É indiscutível que houve uma evolução na moda masculina local, mas pelo fato do Ceará ter uma cultura que dissemina o homem forte, do interior, que tem aparência um pouco desleixada e bruta, os homens ainda têm uma mente fechada em relação a isso. Embora muitos designers daqui investirem em ótimas peças para a ala masculina, posso citar como exemplo Iury Costa, os homens são receosos, têm medo de ousar e acabam ficando monótonos. Mas eu acredito que uma mudança grande está por vir. A - Os homens cearenses estão se vestindo melhor? LM - Sem dúvida, sim. Não é raro ver, tanto homens mais maduros, como mais jovens, com roupas em que existe informação de moda. Mas ainda assim, um homem que ousa na produção sofre com certos preconceitos. Espero que isso mude o mais rápido possível, mas de uma maneira geral, nós estamos no caminho certo. A - O Ceará está ganhando espaço na moda, o que falta para que a moda masculina do Estado se torne um referencial? LM - Informação. Eu bato nessa tecla porque é muito óbvio que ela faz falta. Me diga você: quantos blogs de moda masculina temos por aqui? Quantos sites especializados produzem conteúdo direcionado? Quantas revistas ou programas de TV abordam a moda masculina com a importância que ela merece? A resposta se pode contar nos dedos. Os homens cearenses só vão virar um referencial quando essa tão falada informação chegar até eles. A - Uma peça masculina que sempre esteve na moda e uma que nunca esteve. LM - A camisa de botão. Ela é a principal peça do Guarda-roupa masculino. Ela é atemporal e ainda pode ser usada de várias formas. Clássica, ela será nosso símbolo pra sempre. Uma coisa que nunca esteve na moda e que muitos homens usam é o desconforto. A moda precisa ser divertida e experimental, mas vestir algo que não te faz se sentir bem é o maior erro cometido pelos homens.
A - O que aproxima e o que separa a moda masculina do Ceará com a das outras regiões do país? LM - Eu vejo uma falta de coragem nos homens daqui. Lá fora, eles experimentam, não têm medo de sair de casa vestindo algo que não é habitual e não ligam para o que os outros vão pensar. No Ceará, o homem já se veste pensando em ficar o mais casual possível pra não chocar ninguém. A questão não é chocar, é apenas sair da monotonia que nos segue. A - O que está na moda para os homens que você não concorda ou não gosta? LM - Eu respiro moda quase que 24 horas por dia e fico muito, mas muito irritado quando alguém diz que certa pessoa não pode usar certa tendência. Tenho a opinião formada de que quase tudo pode ser adaptável ao estilo pessoal de cada um. Mas eu tenho que admitir que não sou fã de algumas tendências esportivas. É uma opinião muito pessoal, que pode ser explicada pela minha obsessão pelo vintage (risos). A - Quais as peças ou tecidos que não combinam com a moda cearense devido ao clima? LM - Acredito que seja mais uma questão de tecido. Somos de um Estado que o calor predomina quase o ano todo e não dá pra usar um casaco de lã ou uma jaqueta bomber de couro. Mas tem peças que originalmente são construídas com tecidos mais pesados, mas que encontramos o mesmo estilo feito com materiais mais leves. Eu, por exemplo, uso bastante cardigans, mas todos feitos em algodão e outros tecidos freshs. Agora imagina um homem no teatro vestindo um Trench Coat? Impossível, e o corpo nem aguentaria. ______________________________ João Paulo de Freitas é estudante de Jornalismo.
“que lindos olhos, que lindos olhos, tem você” Villa-lobos
( aldeotismo )
Aos olhos da Vitória márcia feitosa
“Uma aj
udinha pra Vitória, pelo amor de Deus”. É isto que escuta quem chega à calçada de um badalado restaurante, no coração da badalada Aldeota. O pedido é feito com uma entonação triste, quase como uma prece, por um espectro humano que há muito deixou de ser gente. Ela é um ser sujo, banguela, descabelada, maltrapilha que traz consigo, como um apêndice do próprio corpo, a filha igualmente “ninguém”, Vitória.
Ao invés de escutar o discurso dramático e cansado da mãe, a menina é atraída pelos detalhes dos que raramente notam a sua presença. Quando a mãe ganha alguns trocados, ela se concentra nas unhas grandes e vermelhas das mãos que depositam moedas na latinha e no cintilar das muitas peças douradas que estão nos punhos das bondosas madames. Aos olhos da Vitória, gente é mesmo feita para brilhar. Ao sentar-se à porta do restaurante, morrendo de fome, ela parece não entender como as pessoas engordam. A obesidade é, aos olhos da Vitória, a confirmação de que comer demais não é pecado, é privilégio. Cada vez que se abrem os portões de um condomínio em frente ao restaurante, ela olha como se quisesse dizer: “Quem lhes deu o direito de pedir tudo isso?”. Aos olhos da Vitória, uma casa já é o maior presente que poderia ser dado. De
tanto pedir ao Papai do Céu a sua, ela já estava se sentindo envergonhada de tanta repetição, mas mesmo assim não para, pois teme que Ele se esqueça. A garota até entendia que os moradores do prédio tivessem conseguido antes dela, mas não entendia como eles tinham arranjado tempo pra pedir carros, belas roupas e óculos escuros.
O que m
ais a encantava era essa alegria fácil e transbordante que exibiam. Aos olhos da Vitória, viver era exatamente aquilo, era ter a oportunidade de aproveitar muitas coisas, experimentar as mais diversas sensações, e ter com quem dividir seus Victoria’s Secrets. A Aldeota não foi escolhida por acaso. Gostava de estar onde moravam seus sonhos. Mesmo que ninguém a visse, pelo menos ela via alguém. Lá, o preto e branco de sua vida é diariamente colorido pela opulência dos que passam por ela. Aos olhos da Vitória, a Aldeota era o melhor lugar para se viver. E o lamentável nisso tudo, é que os moradores do paraíso, os merecedores do conforto, os
abençoados por Deus, raramente percebiam que a Vitória já era parte deles. _____________________________________________ Márcia Feitosa é estudante de Jornalismo.
( literatura )
Vestindo-se com a roupa do cotidiano Aline veras
Durante
uma palestra, na década de 1980, o contista cearense Moreira Campos falava sobre o fazer literário e usou como exemplo as narrativas de um escritor russo, pouco conhecido até hoje. Pedro Salgueiro, que fazia parte da plateia, ficou com uma curiosidade: “Quem é este escritor russo que Moreira fala com tanto encanto?”. A partir daí começou a pesquisar e ler tudo o que pudesse do escritor de nome complicado. No decorrer da leitura inveterada do tal autor nascido na pequena cidade de Taganróg, no sul da Rússia, Pedro vislumbrou principalmente sua naturalidade de narrar um episódio, que na maioria das vezes era apenas um fragmento deste episódio. Essa “naturalidade”, depois foi percebendo, advinha de sua enorme capacidade de escolha do detalhe certo, do detalhe preciso, dentre tantos detalhes que uma história contém. Uma narrativa inovadora, que fugia da velha fórmula da história com começo, meio e final surpreendente, e que influenciou todo um fazer literário de gerações posteriores a ele.
escreveu quatro livros de contos que, segundo ele, foram influenciados pelo mestre russo.
Linguagem tchekhoviana
Conhecido como o “escritor do cotidiano”, Anton Tchekhov, mergulhou, em seus contos e novelas, na vida cheia de fatos miúdos para captar o essencial da existência humana. Não apresentou fórmulas e resoluções complexas, mas abriu caminhos para a literatura contemporânea e influenciou profundamente a formação da prosa e do drama do século XX. Na obra de Tchekhov pode-se enxergar a imensidão do ser humano e do mundo da forma mais simples, desenvolta e natural. Tchekhov, formado médico, mas que desde cedo mostrou talento para a literatura, apresentou um traço muito peculiar, sempre tentando encontrar com precisão cada palavra escrita. Segundo o próprio Tchekhov, seu objetivo era “matar dois pássaros com um tiro: descrever a vida de modo veraz e mostrar o quanto essa vida se desvia da norma. Norma desconhecida por mim, como é desconhecida por todos nós”. Para ele, o leitor era o grande protagonista de tudo e possuía sua total confiança para criar a continuação da obra literária por meios subjetivos. “Quando eu escrevo, confio inteiramente no leitor, suponho que ele próprio vai acrescentar os elementos subjetivos que faltam ao conto”, afirmava o contista.
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Pedro Salgueiro deixou a palestra com algumas frases que, de acordo com Moreira Campos, pertenciam a Anton Pavlovitch Tchekhov: “Se a espingarda não vai atirar, retira-a da sala”, “Se alguém tosse no início do conto, no final tem que morrer de tuberculose” e “Se a casa vai tombar, trate logo de apodrecer a cumeeira”. Com isto, ele se referia, exatamente, à importância de o escritor se fixar no essencial, descartando tudo o que é supérfluo. Depois da palestra e do descobrimento de Tchekhov, Pedro
Aline Veras é estudante de Jornalismo.
DIVULGAÇÃO
DISCO
Dúvida (Doubt) de John Patrick Shanley, EUA, 2008.
Leave This Town de Daughtry, EUA, 2009.
Já imaginou poder personificar a morte? Uma bela mulher sedutora, que está disposta a ir até onde você quiser, com a única finalidade de te arrastar para as profundezas da vida eterna. Agora imagine não morrer. Doentes e idosos sofrendo, em seus leitos de morte sem poder ‘passar dessa vida para uma melhor’. O português José Saramago surpreendenos com uma ideia precursora e irônica de que a morte pode ser encarada de outra forma, capaz até de se apaixonar. O escritor faz críticas à sociedade moderna, relacionando ao tema a igreja, o governo e a mídia. A Morte está tão próxima de nós que se torna semelhante, e no fim ela teme, tanto quanto os mortais, morrer.
Dúvida conta uma história surpreendente, adaptada do teatro e dirigida por John Patrick Shanley, passando-se no ano de 1964. O filme tem como personagem central uma freira, interpretada por Meryl Streep, diretora da escola St. Nicholas, no Bronx, que passa a suspeitar que o padre da escola, Flynn (Philip Seymour Hoffman), está interessado sexualmente por um garoto negro, o primeiro aluno afrodescendente da escola. A ideia de pedofilia, a questão da sexualidade, a mudança de comportamente do padre, a eterna dúvida e a luta por uma solução do caso da diretora fazem desse filme uma bela caricatura da sociedade contemporânea.
A batida pop é a característica primordial desse segundo álbum da banda que há quatro anos está na estrada. Liderada pelo ex-participante do programa televisivo American Idol, Chris Daughtry, a banda inovou em composições mais românticas. A atual música de trabalho é September. Ao todo, cinco membros fazem o sucesso do grupo americano. Chris Daughtry (vocal e guitarra), Josh “JP” Paul (baixo e vocais), Josh Steely (guitarra principal e vocais), Brian Craddock (guitarra rítmica e vocais) e Joey Barnes (bateria, percurssão, piano e vocais).
PRATO FEITO
FILME
As Intermitências da Morte de José Saramago, Portugal, 2005.
João Paulo de Freitas
LIVRO
TODO DIA ELES FAZEM TUDO SEMPRE IGUAL... criada e estrelada pelos labjorianos
08:16
Aí, cala a boca...
Bora, mulher! A gente tá atrasada... Bora pra praia?!
08:10
A professora Já, se lascaram!
já fez a
Me deixa em paz, besha.
chamada?
Até amanhã.
08:22 Senhor, ainda tem prova de semiótica amanhã e ainda não estudei.
A roupa daquela menina tá tuudo!
08:13
Bate, Kátia!
Comi muito. Preciso malhar, preciso malhar, preciso malhar...
E essa enxerida olhando meu tweet?
09:00 Ela segue o professor, que brega!
12:43
15:24 14:13
Pessoal, vocês não sabem da nova...
Gente, vamo sair mais tarde?! Lia, mulher, presta atenção, eu tô falando.
17:38
20:02