FIDEL: 90 ANOS

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O Coletivo de Jornalistas e Comunicadores Brasileiros Amigos de Cuba teve a iniciativa de compendiar alguns textos de Fidel Castro Ruz, em comemoração aos 90 aniversários dele, o dia 13 de agosto de 2016. A seleção mostra a dimensão e preocupação que o líder da Revolução Cubana, sempre teve pela defensa das ideias e conquistas, pela juventude, pela solidariedade com os povos, pelos perigos que ameaçam o mundo. Esse folheto tem a intenção de levar até os jornalistas, acadêmicos, estudantes e amigos de Cuba em geral, os principais alertas e conceitos que Fidel faz à luz da longa visão de estrategista que é. Cada um dos textos plantará a semente de procurar na obra dele uma resposta a que o mundo apronta nesses dias. São 90 anos dedicados a uma Revolução, à sustentabilidade de um projeto, à cooperação internacional, à resistência contra um império que teve que reconhecer seu fracasso. São 90 anos fazendo história.

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Conceito de Revolução Revolução é sentido de momento histórico; é mudar tudo que deve ser mudado; é igualdade e liberdade plenas; é ser tratado e tratar aos demais como seres humanos; é emancipar-nos por nós mesmos e com nossos próprios esforços; é desafiar poderosas forças dominantes dentro e fora do âmbito social e nacional; é defender valores nos quais se crê ao preço de qualquer sacrifício; é modéstia, desinteresse, altruísmo, solidariedade e heroísmo; é lutar com audácia, inteligência e realismo; é não mentir jamais nem violar princípios éticos; é convicção profunda de que não existe força no mundo capaz de esmagar a força da verdade e as ideias. REVOLUÇÃO é unidade, é independência, é lutar por nossos sonhos de justiça para Cuba e para o mundo, que é a base de nosso patriotismo, nosso socialismo e nosso internacionalismo.


..Fragmentos de discursos de Fidel Castro Ruz..

“Eu não era chefe de Estado antes, mas um homem comum. Não herdei cargo. Não sou rei e não preciso preparar o meu sucessor”

O povo de Cuba vencerá É um esforço sobre-humano dirigir qualquer povo em tempos de crise. Sem eles [os dirigentes], as mudanças seriam impossíveis. Em uma reunião como esta, aos mais de mil representantes escolhidos pelo próprio povo revolucionário, que a eles delegou sua autoridade, significa a maior honra que receberam na vida, e a isso se soma o privilégio de ser revolucionário que é o resultado de nossa própria consciência. Por que eu me tornei um socialista, de forma mais clara, por que eu me tornei um comunista? Essa palavra que expressa o conceito mais distorcido e caluniado da história por aqueles que tiveram o privilégio de explorar os pobres, despossuídos uma vez que eles foram privados de todos os bens materiais que proporcionam o trabalho, talento e energia humana. Desde quando o homem vive neste dilema, ao longo do tempo, sem limite. Eu sei que vocês não precisam dessa explicação, mas talvez alguns dos ouvintes. Simplesmente para que se compreenda melhor que não sou ignorante, extremista, ou cego, ou que não adquirida a minha ideologia por conta própria estudando economia. Eu não tive preceptor, quando era um estudante de direito e ciência política, naquelas em que eles tem um grande peso. Desde que tinha ao redor de 20 anos, gostava de esportes e de escalar montanhas. Sem preceptor para me ajudar no estudo do marxismo-leninismo; não era mais do que um teórico e, é claro, tinha total confiança na União Soviética. A obra de Lenin seria ultrajada após 70 anos de revolução. Que aula de história! Podemos dizer que não devem transcorrer outros 70 anos para que ocorra outro evento como a Revolução Russa, para que a humanidade tenha outro exemplo de uma grande Revolução Social, [como a] que significou um grande passo na luta contra o colonialismo e seu ajudante, o imperialismo. Talvez, no entanto, o maior perigo agora pairando sobre a terra deriva do poder destrutivo das armas modernas que poderia minar a paz no mundo e tornar impossível a vida humana na superfície terrestre. As espécies desapareceriam como os dinossauros desapareceram, talvez não haveria tempo para novas formas de vida inteligente ou talvez o calor do sol cresça até


fundir todos os planetas do sistema solar e seus satélites, como muitos cientistas reconhecem. Se certas, as teorias de vários deles, que não são leigos ignorantes, o homem prático deve aprender mais e se adaptar à realidade. Se a espécie sobrevive a um espaço de tempo muito maior, as gerações futuras saberão muito mais do que nós, mas primeiro terão que resolver um grande problema: Como alimentar os milhares de milhões de seres humanos cujas realidades inevitavelmente colidem com os limites para a água e os recursos naturais que necessitam? Alguns ou talvez muitos de vocês se perguntem onde está a política neste discurso. Acreditem, eu tenho vergonha de dizer isso, mas a política está aqui nestas palavras moderadas. Esperemos que muitos humanos se preocupem com essas realidades e não continuem como nos dias de Adão e Eva a comer maçãs proibidas. Quem vai alimentar as pessoas famintas da África sem a tecnologia na ponta dos dedos, sem chuva, sem barragens, sem depósitos subterrâneos cobertos por areias? Veremos o que dizem que os governos que quase em sua totalidade subscreveram os compromissos climáticos. Devemos martelar constantemente sobre estas questões e eu não quero me estender além do essencial. Devo, em breve, cumprir 90 anos, eu nunca teria pensado em tal ideia e isso nunca foi o resultado de um esforço, foi capricho da sorte. Logo serei, já como todos os demais. A todos nós chegará nossa vez, mas ficaram as ideias dos comunistas cubanos como prova de que neste planeta, se você trabalha com fervor e dignidade, é possível produzir os bens materiais e culturais que os seres humanos necessitam, e nós devemos lutar incansavelmente para obtê-los. Para nossos irmãos da América Latina e do mundo, devemos transmitir que o povo cubano vencerá. Talvez seja a última vez fale nesta sala. Eu votei em todos os candidatos apresentados para consulta pelo Congresso e agradeço ao convite e a honra de que me escutem. Felicito a todos, e, em primeiro lugar, ao companheiro Raul Castro por seu magnífico esforço. Empreenderemos a marcha e aperfeiçoaremos o que devemos melhorar, com a máxima lealdade e força unida, como Martí, Maceo e Gómez em marcha imparável. Fidel Castro Ruz, no encerramento do 7º Congresso do Partido Comunista de Cuba, em 19 de abril de 2016


“Uma revolução não é um mar de rosas. É uma luta de morte entre o futuro e o passado”

O irmão Obama Os reis da Espanha trouxeram-nos os conquistadores e donos, cujas pegadas ficaram gravadas nos terrenos circulares atribuídos aos buscadores de ouro na areia dos rios, uma forma abusiva e vergonhosa de exploração cujos sinais ainda hoje podem ser advertidos, do ar, em muitos lugares do país. O turismo hoje, em boa parte, consiste em mostrar as delícias das paisagens e degustar os alimentos requintados de nossos mares, e sempre que sejam compartilhado com o capital privado das megacorporações estrangeiras, cujos ganhos se não atingem os bilhões de dólares per capita não são dignos de atenção alguma. Já que fui obrigado a mencionar o tema devo acrescentar, principalmente para os jovens, que poucas pessoas percebem a importância de tal condição neste momento singular da história humana. Não direi que o tempo tenha sido perdido, mas não vacilo ao afirmar que não estamos suficientemente informados, nem vocês nem nós, dos conhecimentos e da consciência que deveríamos ter para enfrentar as realidades que nos desafiam. O primeiro a ser levado em conta é que nossas vidas são uma fração histórica de segundos, a qual é preciso compartilhar, ainda, com as necessidades vitais de todo ser humano. Uma das características deste é a tendência à sobrevalorização do seu papel, questão que contrasta, por outro lado, com o número extraordinário de pessoas que encarnam os sonhos mais elevados. Ninguém, contudo, é bom ou é mau por si próprio. Nenhum de nós está desenhado para o papel que deve assumir na sociedade revolucionária. Em parte, nós os cubanos tivemos o privilégio de contar com o exemplo de José Martí. Pergunto, inclusive, se ele devia ter morrido ou não em Dos Rios, quando disse “para mim está na hora”, e avançou contra as forças espanholas entrincheiradas em uma sólida linha de defesa. Não queria retornar para os Estados Unidos e não haveria quem o fizesse retornar. Alguém tirou algumas folhas do seu diário. Quem arcou com essa pérfida culpa, que foi, sem dúvida, obra de algum intrigante inescrupuloso? Soube-se que existiam diferenças entre os chefes, porém jamais houve indisciplinas. “Quem tente apropriar-se de Cuba colherá o pó do seu solo alagado em sangue, se antes não perece na luta”, declarou o glorioso líder negro Antonio Maceo. Reconhece-se, igualmente, que Máximo Gómez foi o chefe militar mais disciplinado e discreto de nossa história. Olhando de outro ângulo, como a gente não vai ficar admirada da indignação de Bonifacio Byrne quando, da distante embarcação que o trazia de retorno a Cuba, ao divisar outra bandeira junto da estrela solitária, declarou: “Minha bandeira é aquela que


jamais tem sido mercenária…” para acrescentar imediatamente uma das frases mais belas que jamais escutei: “Se desfeita em miúdos pedaços chega a estar minha bandeira algum dia… nosso mortos, erguendo os braços, ainda saberão defendê-la…” Tampouco esquecerei as palavras ardentes de Camilo Cienfuegos naquela noite, quando a várias dezenas de metros de nós, bazucas e metralhadoras de origem norte-americana nas mãos de agentes contrarrevolucionários apontavam para nós. Obama tinha nascido em 1961, como ele próprio explicou. Mais de meio século decorreria desde aquele momento. Contudo, vejamos como pensa nosso ilustre visitante: “Vim aqui para deixar atrás os últimos sinais da guerra fria nas Américas. Vim aqui estendendo a mão de amizade ao povo cubano”. E imediatamente um dilúvio de conceitos, inteiramente novos para a maioria de nós: “Ambos vivemos em um novo mundo que foi colonizado pelos europeus”. Prosseguiu o presidente norte-americano. “Cuba, tal como os Estados Unidos, foi constituída por escravos trazidos da África; tal como os Estados Unidos, o povo cubano tem herança de escravos e de donos de escravos”. As populações nativas não existem para nada na mente de Obama. Tampouco disse que a discriminação racial foi varrida pela Revolução; que a aposentadoria e o salário de todos os cubanos foram decretados por esta antes que o senhor Obama completasse dez anos. O odioso costume burguês de contratar esbirros para que os cidadãos negros fossem expulsos de centros de lazer foi varrido pela Revolução Cubana. Esta ficaria gravada na história pela batalha que travou em Angola contra o apartheid, pondo fim à presença de armas nucleares em um continente de mais de um bilhão de habitantes. Esse não era o objetivo de nossa solidariedade, mas sim o de ajudar aos povos de angola, Moçambique, Guiné-Bissau e outros da dominação colonial fascista de Portugal. Em 1961, apenas um ano e três meses depois do triunfo da Revolução, uma força mercenária com canhões e infantaria blindada e com aviões foi treinada e acompanhada de navios de guerra e porta-aviões dos Estados Unidos e atacou de surpresa nosso país. Nada poderá justificar aquele aleivoso ataque que custou ao nosso país centenas de vidas, entre mortos e feridos. Da brigada de assalto pró-ianque, em nenhuma parte consta que tivesse podido ser evacuado nenhum mercenário. Aviões ianques de combate foram apresentados nas Nações Unidas como aparelhos cubanos revoltados. É bem conhecida a experiência militar e o poderio desse país. Na África pensaram igualmente que a Cuba revolucionária seria igualmente posta fora de combate. O ataque pelo Sul de Angola por parte das brigadas motorizadas da África do Sul racista levou-as até as proximidades de Luanda, a capital desse país. Aí se iniciou a


luta que se prolongaria não menos de 15 anos. Nem sequer falaria disto a menos que tivesse o dever elementar de contestar o discurso de Obama no Grande Teatro de Havana Alicia Alonso. Tampouco tentarei dar detalhes, a não ser que ali foi escrita uma página de honra na luta pela libertação do ser humano. De certa forma eu desejava que a conduta de Obama fosse correta. Sua origem humilde e sua inteligência natural eram evidentes. Mandela ficou preso a vida toda e se tinha convertido em um gigante da luta pela dignidade humana. Um dia chegou às minhas mãos uma cópia do livro no qual se conta uma parte da vida de Mandela e, surpresa! O prólogo tinha sido escrito por Barack Obama. Folhei-o rapidamente. Era incrível o tamanho da minúscula letra de Mandela precisando dados. Vale a pena ter conhecido homens como aquele. Acerca do episódio da África do Sul devo assinalar outra experiência. Eu estava realmente interessado em conhecer mais detalhes sobre a forma em que os sulafricanos tinham adquirido as armas nucleares. Somente tinha a informação muito precisa de que não eram mais de 10 ou 12 bombas. Uma fonte certa seria o professor e pesquisador Pero Gleijeses, quem tinha redigido o texto de “Missões em conflito: Havana, Washington e África 1959-1976”; um trabalho excelente. Eu sabia que ele era a fonte mais segura do que tinha acontecido e assim o comuniquei a ele: respondeume que ele não tinha falado mais do assunto, porque no texto tinha respondido as perguntas do companheiro Jorge Risquet, quem tinha sido embaixador ou colaborador cubano em Angola, muito amigo dele. Localizei Risquet que, entre outras ocupações, estava acabando um curso ao que faltavam ainda várias semanas. Essa tarefa coincidiu com uma viagem bastante recente de Piero ao nosso país; eu tinha advertido a Piero que Risquet já tinha uma idade avançada e que sua saúde não era ótima. Poucos dias depois ocorreu o que eu estava temendo: Risquet piorou e faleceu. Quando Piero chegou não havia nada a fazer exceto promessas, mas eu já tinha conseguido informação acerca do relativo a essa arma e a ajuda que a África do Sul racista tinha recebido de Reagan e de Israel. Não sei o que terá de dizer Obama sobre esta história. Desconheço o que ele sabia ou não, embora seja muito duvidoso que não soubesse absolutamente nada. Minha modesta sugestão é que reflita e não tente agora elaborar teorias sobre a política cubana. Há uma questão importante: Obama proferiu um discurso no qual lança mão das palavras mais adocicadas para expressar: “Já é hora de esquecer-nos do passado, deixemos o passado, olhemos para o futuro, olhemos juntos o futuro, um futuro de esperança. E não vai ser fácil, vai haver desafios e a esses vamos dar tempo; mas minha estadia aqui me dá mais esperanças acerca do que podemos fazer juntos como amigos, como família, como


vizinhos, juntos”. Supõe-se que cada um de nós corria o perigo de sofrer um infarto após escutar essas palavras do presidente dos Estados Unidos. Após um bloqueio desapiedado que já durou quase 60 anos, e aqueles que morreram nos ataques mercenários a navios e portos cubanos, um avião regular cheio de passageiros feito explodir em pleno vôo, invasões mercenárias, múltiplos atos e violência e de força? Ninguém acalente a ilusão de que o povo deste nobre e abnegado país renunciará à glória e os direitos e à riqueza espiritual que ganhou com o desenvolvimento da educação, a ciência e a cultura. Advirto, ademais, que somos capazes de produzir os alimentos e as riquezas espirituais de que precisamos com o esforço e a inteligência de nosso povo. Não necessitamos que o império nos entregue de presente nada. Nossos esforços serão legais e pacíficos, porque é nosso compromisso com a paz e a fraternidade de todos os seres humanos que vivemos neste planeta. Fidel Castro Ruz 27 de março de 2016

“As bombas podem matar os famintos, os doentes, os ignorantes, mas não podem matar a fome, as doenças, a ignorância”

Os perigos que nos ameaçam Não se trata de uma questão ideológica relacionada com a esperança irremediável de que um mundo melhor é e deve ser possível. É conhecido que o homo sapiens existe há aproximadamente 200 mil anos, o que equivale a um minúsculo espaço do tempo decorrido desde que surgiram as primeiras formas de vida elementares em nosso planeta há por volta de três mil milhões de anos. As respostas perante os mistérios insondáveis da vida e da natureza têm sido fundamentalmente de caráter religioso. Careceria de sentido pretender que fosse de outra forma, e estou convencido de que nunca deixará de ser assim. Enquanto maior for o aprofundamento da ciência na explicação do universo, do espaço, do tempo, da matéria e da energia, das infinitas galáxias e das teorias sobre a origem das constelações e das estrelas, os átomos e frações dos mesmos que deram origem à vida e a brevidade da mesma, e os milhões e milhões de combinações por segundo que regem sua existência, mais perguntas se fará o homem na busca de explicações que serão cada vez


mais complexas e difíceis. Enquanto mais se dedicam os seres humanos em procurar respostas a tão profundas e complexas tarefas que se relacionam com a inteligência, mais valerá a pena os esforços por tirá-los de sua colossal ignorância sobre as possibilidades reais que nossa espécie inteligente tem criado e resulta capaz de criar. Viver e ignorá-lo é a negação total de nossa condição humana. Porém, uma coisa resulta absolutamente verdade, muito poucos se imaginam quão próximo pode estar o desaparecimento de nossa espécie. Há quase 20 anos, em uma Reunião de Cúpula Mundial sobre o Meio Ambiente no Rio de Janeiro, abordei esse perigo perante um público seleto de Chefes de Estado e de Governo que escutou com respeito e interesse, ainda que nada preocupado pelo risco que via à distância de séculos, talvez milênios. Com certeza, para eles a tecnologia e a ciência -mais do que um sentido elementar de responsabilidade política- seriam capazes de encará-lo. Com uma grande foto de personagens importantes, os mais poderosos e influentes entre eles, concluiu feliz aquela importante Cúpula. Não havia perigo algum. Apenas se falava da mudança climática. George Bush, pai, e outros flamejantes líderes da Aliança Atlântica, desfrutavam a vitória sobre o campo socialista europeu. A União Soviética foi desintegrada e arruinada. Um imenso caudal do dinheiro russo passou para os bancos ocidentais, sua economia se desintegrou, e seu escudo defensivo frente às bases militares da OTAN, tinha sido desmantelado. À antiga superpotência que contribuiu com a vida de mais de 25 milhões dos seus filhos na segunda guerra mundial, apenas lhe restou a capacidade de resposta estratégica do poder nuclear, que se vira obrigada a criar depois que os Estados Unidos desenvolveram em segredo a arma atômica lançada sobre duas cidades japonesas, quando o adversário vencido pelo avanço incontível das forças aliadas não estava já em condições de combater. Iniciou-se assim a Guerra Fria e o fabrico de milhares de armas termonucleares, cada vez mais destruidoras e precisas, capazes de aniquilar várias vezes a população do planeta. No entanto, o enfrentamento nuclear continuou, as armas se tornaram cada vez mais precisas e destruidoras. A Rússia não se resigna ao mundo unipolar que pretende impor Washington. Outras nações como a China, a Índia e o Brasil emergem com uma força econômica inusitada. Pela primeira vez, a espécie humana, em um mundo globalizado e repleto de contradições, tem criado a capacidade de se destruir a si própria. A isso se acrescentam armas de crueldade sem precedentes, como as bacteriológicas e químicas, as de napalm e fósforo vivo, que são usadas contra a população civil e desfrutam de total impunidade, as eletromagnéticas e outras formas de extermínio. Nenhum canto nas profundezas da terra ou dos mares ficaria fora do alcance dos atuais meios de guerra.


Sabe-se que por estas vias foram criados dezenas de milhares de engenhos nucleares, inclusive de caráter portátil. O maior perigo deriva da determinação de líderes com tais faculdades na tomada de decisão, que o erro e a loucura, tão frequentes na natureza humana, podem conduzir a catástrofes incríveis. Quase 65 anos decorreram desde que estouraram os dois primeiros engenhos nucleares, pela decisão de um sujeito medíocre que após a morte de Roosevelt ficou no comando da poderosa e rica potência norte-americana. Hoje são oito os países que, em sua maioria pelo apoio dos Estados Unidos, possuem essas armas, e vários mais desfrutam da tecnologia e dos recursos para fabricá-las em um mínimo de tempo. Grupos terroristas, alienados pelo ódio, poderiam ser capazes de recorrer a elas, da mesma forma que governos terroristas e irresponsáveis não hesitariam em empregálas dada sua conduta genocida e incontrolável. A indústria militar é a mais próspera de todas e os Estados Unidos da América o maior exportador de armas. Se de todos os riscos mencionados se libertasse nossa espécie, existe um ainda maior, ou pelo menos mais iniludível: a mudança climática. A humanidade possui hoje sete mil milhões de habitantes, e dentro em breve, em um prazo de 40 anos, atingirá nove mil milhões, uma cifra nove vezes maior do que há apenas 200 anos. Em tempos da antiga Grécia, atrevo-me a supor que éramos ao redor de 40 vezes menos em todo o planeta. O espantoso de nossa época é a contradição entre a ideologia burguesa imperialista e a sobrevivência da espécie. Não se trata já de que exista a justiça entre os seres humanos, hoje mais do que possível é irrenunciável; senão do direito e das possibilidades de sobrevivência dos mesmos. Quando o horizonte dos conhecimentos se alarga até limites jamais concebidos mais se aproxima do abismo para onde a humanidade é conduzida. Todos os sofrimentos conhecidos até hoje são apenas sombra do que a humanidade possa ter pela frente. Três fatos aconteceram em apenas 71 dias, que a humanidade não pode passar por alto. Em 18 de dezembro de 2009, a comunidade internacional sofreu o maior descalabro da história, em sua tentativa de procurar solução ao mais grave problema que ameaça o mundo neste instante: a necessidade de pôr término com toda urgência aos gases de efeito estufa que estão provocando o problema mais grave encarado até hoje pela humanidade. Todas as esperanças foram colocadas na Cúpula de Copenhague após anos de preparação com posterioridade ao Protocolo de Quioto, que o Governo dos Estados Unidos? O maior contaminador do mundo? Tinha-se dado o luxo de


ignorar. O resto da comunidade mundial, 192 países, desta vez incluídos os Estados Unidos, tinham-se comprometido a promover um novo acordo. Foi tão vergonhosa a tentativa norte-americana de impor seus interesses hegemônicos que, violando elementares princípios democráticos, tentou estabelecer condições inaceitáveis para o resto do mundo de forma antidemocrática, em virtude de compromissos bilaterais com um grupo dos países mais influentes das Nações Unidas. Os Estados que integram a organização internacional foram convidados para assinar um documento que constitui uma burla, em que se fala de contribuições futuras meramente teóricas para deter a mudança climática. Não tinham decorrido ainda três semanas quando, no entardecer de 12 de janeiro, o Haiti, o país mais pobre do hemisfério e o primeiro em pôr fim ao odioso sistema da escravidão, sofreu a maior catástrofe natural na história conhecida desta parte do mundo: um terremoto de 7,3 graus na escala Richter, a só 10 quilômetros de profundidade e a muito corta distância da beira de suas costas, açoitou a capital do país, em cujas fracas casas de barro vivia a maioria esmagadora das pessoas que resultaram mortas ou desaparecidas. Um país montanhoso e erodido, de 27 mil quilômetros quadrados, onde a lenha constitui praticamente a única fonte de combustível doméstico para nove milhões de pessoas. Se em algum lugar do planeta uma catástrofe natural tem constituído uma imensa tragédia é o Haiti, símbolo de pobreza e subdesenvolvimento, onde moram os descendentes deslocados da África pelos colonialistas para trabalharem como escravos dos amos brancos. O acontecimento abalou o mundo em todos os cantos, estremecido pelas imagens fílmicas divulgadas que beiravam no incrível. Os feridos, derramando sangue e graves, movimentavam-se entre os cadáveres clamando por auxílio. Debaixo dos escombros jaziam os corpos dos seus seres queridos sem vida. O número de vítimas mortais, segundo cálculos oficiais, ultrapassou as 200 mil pessoas. O país já estava intervindo por forças da MINUSTAH, que as Nações Unidas enviaram para restabelecer a ordem subvertida por forças mercenárias haitianas que instigadas pelo Governo de Bush se lançaram contra o Governo eleito pelo povo haitiano. Alguns prédios onde moravam soldados e chefes das forças de paz também se desabaram, causando vítimas dolorosas. Os comunicados oficiais estimam que, para além dos mortos, ao redor de 400 mil haitianos resultaram feridos e vários milhões, quase a metade da população total, sofreram afetações. Era uma verdadeira prova para a comunidade mundial, que depois da vergonhosa Cúpula de Dinamarca estava no dever de mostrar que os países desenvolvidos e ricos seriam capazes de encarar as ameaças da mudança climática para a vida no nosso planeta. O Haiti deve constituir um exemplo do que os países ricos


devem fazer pelas nações do Terceiro Mundo diante da mudança climática. Pode-se acreditar ou não, desafiando os dados, em minha opinião, irrefutáveis dos cientistas mais sérios do planeta e da imensa maioria das pessoas mais instruídas e sérias do mundo, que pensam que ao ritmo atual de aquecimento os gases do efeito estufa elevarão a temperatura não só 1,5 graus, mas até 5 graus, e que já a temperatura média é a mais alta nos últimos 600 mil anos, muito antes que os seres humanos existissem como espécie no planeta. É absolutamente impensável que nove mil milhões de seres humanos que habitarão o mundo em 2050 possam sobreviver a semelhante catástrofe. Resta a esperança de que a própria ciência encontre solução ao problema da energia que hoje obriga a consumir em 100 anos mais o resto do combustível gasoso, líquido e sólido que a natureza tardou 400 milhões de anos em criar. A ciência talvez possa encontrar solução à energia necessária. A questão seria saber quanto tempo e a que custo os seres humanos poderão encarar o problema, que não é o único, visto que outros muitos minérios não renováveis e graves problemas precisam de solução. De uma coisa podemos ter certeza a partir de todos os conceitos hoje conhecidos: a estrela mais próxima está a quatro anos luz do nosso Sol, a uma velocidade de 300 mil quilômetros por segundo. Uma nave espacial talvez percorra essa distância em milhares de anos. O ser humano não tem outra alternativa do que viver neste planeta. Pareceria desnecessário abordar o tema se a só 54 dias do terremoto do Haiti, outro inacreditável sismo de 8,8 graus da escala Richter, cujo epicentro estava a 150 quilômetros de distância e 47,4 de profundidade a noroeste da cidade de Concepción, não ocasionasse outra catástrofe humana no Chile. Não foi o maior da história nesse país irmão; há quem diga que outro atingiu 9 graus, mas desta vez não foi apenas um fenômeno de efeito sísmico; enquanto no Haiti durante horas se esperou um maremoto que não se originou, no Chile o terremoto foi seguido por um enorme tsunami, que apareceu em suas costas entre quase 30 minutos e uma hora depois, segundo a distância e os dados que ainda não se conhecem com toda exatidão e cujas ondas chegaram até o Japão. Se não for pela experiência chilena face aos terremotos, suas construções mais sólidas e seus maiores recursos, o fenômeno natural teria costado a vida a dezenas de milhares ou talvez centenas de milhares de pessoas. Não por isso deixou de ocasionar por volta de mil vítimas mortais, segundo dados oficiais divulgados, milhares de feridos e talvez mais de dois milhões de pessoas sofreram prejuízos materiais. Quase a totalidade da sua população de 17 milhões 94 mil 275 habitantes, sofreu terrivelmente e ainda padece as consequências do sismo que durou mais de dois minutos, suas reiteradas réplicas, e as cenas terríveis e sofrimentos que deixou o tsunami ao longo dos seus milhares de quilômetros de costa. Nossa Pátria se solidariza plenamente e apoia moralmente o esforço material que


a comunidade internacional está no dever de oferecer ao Chile. Se alguma coisa estivesse em nossas mãos, do ponto de vista humano, pelo irmão povo chileno, o povo de Cuba não hesitaria em fazê-lo. Acho que a comunidade internacional está no dever de informar com objetividade a tragédia sofrida por ambos os povos. Seria cruel, injusto e irresponsável deixar de educar os povos do mundo sobre os perigos que nos ameaçam. Que a verdade prevaleça por em cima da mesquinhez e das mentiras com que o imperialismo engana e confunde os povos! Fidel Castro Ruz 7 de março de 2010

“Um revolucionário pode perder tudo: a família, a liberdade, até a vida. Menos a moral”

Enviamos médicos e não soldados Na reflexão do 14 de janeiro, dois dias depois da catástrofe de Haiti que destruiu esse irmão e vizinho país, escrevi: “Cuba, apesar de ser um país pobre e bloqueado, desde há anos está cooperando com o povo haitiano. Por volta de 400 médicos e especialistas da saúde prestam cooperação gratuita ao povo haitiano. Em 127 das 137 comunas do país trabalham todos os dias os nossos médicos. Por outro lado, não menos de 400 jovens haitianos foram formados como médicos na nossa Pátria. Trabalharão agora com o esforço dos nossos médicos que viajaram ontem para salvarem vidas nesta crítica situação. Podem mobilizar-se, portanto, sem especial esforço, até mil médicos e especialistas da saúde que já estão quase todos ali e dispostos a cooperar com qualquer outro Estado que desejar salvar vidas haitianas e reabilitar feridos”. “A situação é difícil? Comunicou-nos a Chefa da Brigada Médica Cubana? Porém temos começado já a salvar vidas.” A cada hora, de dia e de noite, nas poucas instalações que não foram destruídas, em casas de campanha ou em parques e lugares abertos, por medo da população a novos tremores, os profissionais cubanos da saúde começaram a trabalhar sem descanso. A situação era mais grave que o imaginado inicialmente. Dezenas de milhares de feridos imploravam por ajuda nas ruas de Porto Príncipe, e um número incalculável de pessoas de pessoas jaziam, vivas ou mortas, sob as ruínas de argila ou adobe com


que tinham sido construídas as moradias da imensa maioria da população. Prédios, inclusive mais sólidos, derrubaram-se. Foi necessário além disso localizar, nos bairros destruídos os médicos haitianos formados na Escola Latino-americana de Medicina (ELAM), muitos dos quais foram afetados direta ou indiretamente pela tragédia. Funcionários das Nações Unidas ficaram apresados em várias hospedagens e se perderam dezenas de vidas, incluídos vários chefes da MINUSTAH, uma força das Nações Unidas, e se desconhecia o destino de centenas de outros membros do seu pessoal. O Palácio Presidencial de Haiti derrubou-se. Muitas instalações públicas, inclusive várias de carácter hospitalar, ficaram em ruínas. A catástrofe comoveu o mundo, que pôde presenciar o que estava acontecendo através das imagens dos principais canais internacionais de televisão. De todas as partes, os governos anunciaram o envio de peritos em resgate, alimentos, medicamentos, equipamentos e outros recursos. De conformidade com a posição pública formulada por Cuba, o pessoal médico de outras nacionalidades, nomeadamente, espanhóis, mexicanos, colombianos e de outros países, trabalhou arduamente junto dos nossos médicos em instalações que tínhamos improvisado. Organizações como a OPS e países amigos como a Venezuela e de outras nações forneceram medicamentos e variados recursos. Uma ausência total de protagonismo e chauvinismo caracterizou a conduta impecável dos profissionais cubanos e os seus dirigentes. Cuba, do mesmo jeito que já o fez em situações semelhantes, como quando o Furacao Katrina causou grandes estragos na cidade de Nova Orleans e pôs em perigo a vida de milhares de norte-americanos, ofereceu o envio de uma brigada médica completa para cooperar com o provo dos Estados Unidos da América, um país que, como se conhece, possui imensos recursos, mas o que se precisava nesse instante eram médicos adestrados e equipados para salvarem as vidas. Por sua localização geográfica, mais de mil médicos da Brigada “Henry Reeve” estavam organizados e prontos com os medicamentos e equipamentos pertinentes para partirem a qualquer hora do dia ou da noite para essa cidade norte-americana. Pela nossa mente nem sequer passou a ideia de que o Presidente dessa nação rejeitasse a oferta e permitisse que um número de norte-americanos que podiam salvar-se perdessem a vida. O erro desse Governo se calhar consistiu na sua incapacidade para compreender que o povo de Cuba não vê no povo norte-americano um inimigo, nem como culpado das agressões que tem sofrido a nossa Pátria. Aquele Governo também não foi capaz de compreender que o nosso país não precisava mendigar favores ou perdoes daqueles que durante meio século tem tentado inutilmente de nos pôr de joelhos.


O nosso país, igualmente no caso de Haiti, aceitou imediatamente o pedido de sobrevoo na região oriental de Cuba e outras facilidades que precisavam as autoridades norte-americanas para prestarem assistência o mais rapidamente possível aos cidadãos norte-americanos e haitianos afetados pelo terremoto. Estas normas têm caracterizado a conduta ética do nosso povo que, unido a sua equanimidade e firmeza, têm sido as características permanentes da nossa política externa. Isso é bem conhecido por todos aqueles adversários nossos no contexto internacional. Cuba defenderá firmemente o critério de que a tragédia que teve lugar em Haiti, a nação mais pobre do hemisfério ocidental, constitui um desafio aos países mais ricos e poderosos da comunidade internacional. Haiti é um produto absoluto do sistema colonial, capitalista imperialista imposto ao mundo. Tanto a escravidão no Haiti quanto a sua ulterior pobreza foram impostas desde o exterior. O terrível sismo se produz depois da Cimeira de Copenhague, onde foram pisoteados os direitos mais elementares de 192 Estados que fazem parte da Organização das Nações Unidas. Após a tragédia, se desatou em Haiti uma concorrência pela adopção imediata e ilegal de crianças, o que obrigou a que a UNICEF tomasse medidas preventivas contra o desarraigo de muitas crianças, que tiraria a familiares próximos deles tais direitos. O número de vítimas mortais ultrapassa já as cem mil pessoas. Uma elevada cifra de cidadãos perdeu braços e pernas, ou sofreu fraturas que precisam de reabilitação para o trabalho ou o desenvolvimento das suas vidas. O 80% do país deve ser reconstruído e criar uma economia suficientemente desenvolvida para satisfazer as necessidades na medida das suas capacidades produtivas. A reconstrução da Europa e o Japão, a partir da capacidade produtiva e o nível técnico da população, era uma tarefa relativamente simples em comparação com o esforço a fazer em Haiti. Ali, como em grande parte da África e em outras áreas do Terceiro Mundo, é indispensável criar as condições para um desenvolvimento sustentável. Em apenas 40 anos a humanidade terá mais de 9 bilhões de habitantes, e encara o desafio de uma mudança climática que os cientistas aceitam como uma realidade inevitável. Em meio da tragédia haitiana, sem que ninguém saiba como e por quê, milhares de soldados das unidades de infantaria da marinha dos Estados Unidos, tropas aerotransportadas da 82 Divisão e outras forças militares tem ocupado o território de Haiti. Pior ainda, nem a Organização das Nações Unidas, nem o Governo dos Estados Unidos da América tem oferecido uma explicação à opinião pública mundial destes movimentos de forças. Vários os Governos se queixam de que os seus meios aéreos não puderam


aterrar e transportar os recursos humanos e técnicos enviados a Haiti. Diversos países anunciam, por sua vez, o envio adicional de soldados e equipamentos militares. Tais factos, ao meu ver, contribuiriam para criar o caos e complicar a cooperação internacional, já de por si complexa. É preciso discutir seriamente sobre o tema e designar à Organização das Nações Unidas o papel reitor que lhe corresponde neste delicado assunto. O nosso país cumpre uma tarefa estritamente humanitária. Na medida das suas possibilidades contribuirá com os recursos humanos e materiais que estejam ao seu alcance. A vontade do nosso povo, orgulhoso dos seus médicos e cooperantes em atividades vitais é grande e estará à altura das circunstâncias. Qualquer cooperação importante que se ofereça ao nosso país não será rejeitada, mas a sua aceitação estará subordinada totalmente à importância e transcendência da ajuda que se precisar dos recursos humanos da nossa Pátria. É justo consignar que, até este instante, os nossos modestos meios aéreos e os importantes recursos humanos que Cuba tem colocado à disposição do povo haitiano não têm tido dificuldade nenhuma para chegarem ao seu destino. Enviamos médicos e não soldados! Fidel Castro Ruz 23 de janeiro 2010

“Hoje milhões de crianças dormirão na rua, nenhuma delas é cubana”

O IX Congresso da União de Jovens Comunistas de Cuba Tive o privilégio de acompanhar diretamente a voz, as imagens, os argumentos, os rostos, as reações e os aplausos dos delegados participantes na sessão final do IX Congresso da União de Jovens Comunistas de Cuba, que foi realizado no Palácio das Convenções no domingo passado dia 4 de abril. As câmaras da televisão captam detalhes desde as proximidades e desde ângulos muito melhores do que os olhos das pessoas presentes em qualquer desses eventos. Não exagero ao dizer que foi um dos momentos mais emocionantes de minha longa e agitada vida. Não podia estar lá, mas eu o vivi dentro de mim mesmo, como quem percorre o mundo das ideias pelas quais tem lutado as três quartas partes de sua existência. No entanto, de nada valeriam ideias e valores para um revolucionário, sem o dever de lutar cada minuto de sua vida para vencer a ignorância com a qual todos nascemos.


Embora poucos o admitam, o acaso e as circunstâncias desempenham um papel decisivo nos frutos de qualquer obra humana. Entristece pensar em tantos revolucionários, com muitos mais méritos, que não puderam nem sequer conhecer o dia da vitória da causa pela qual lutaram e morreram, fosse a independência ou uma profunda revolução social em Cuba. No fim, ambas inseparavelmente unidas. Desde meados de 1950, ano no qual findei meus estudos universitários, me considerava um revolucionário radical e avançado, graças às ideias que recebi de Martí, Marx e, junto deles, uma legião incontável de pensadores e de heróis desejosos de um mundo mais justo. Tinha transcorrido então quase um século desde que nossos compatriotas iniciaram no dia 10 de outubro de 1868 a primeira guerra pela independência de nosso país contra o que restava na América de um império colonial e escravista. O poderoso vizinho do Norte decidiu a anexação de nosso país como fruta amadurecida de uma árvore podre. Na Europa tinham surgido já com força a luta e as ideias socialistas do proletariado contra a sociedade burguesa que tomou o poder por lei histórica durante a Revolução Francesa que estalou em julho de 1789, inspirada nas ideias de Jean Jacques Rousseau e dos enciclopedistas do século XVIII, as quais também constituíram as bases da Declaração de Filadélfia em 4 de julho de 1776, portadora das ideias revolucionárias daquela época. Com crescente frequência na história humana, os acontecimentos se misturam e sobrepõem. O espírito autocrítico, a incessante necessidade de estudar, observar e refletir, são, na minha opinião, características das quais nenhum quadro revolucionário pode prescindir. Minhas ideias, desde muito cedo, eram já irreconciliáveis com a odiosa exploração do homem pelo homem, conceito brutal no qual estava baseada a sociedade cubana sob a égide do país imperialista mais poderoso que tenha existido. A questão era fundamental, em meio à Guerra Fria, era a busca de uma estratégia que se ajustasse às condições concretas e peculiares de nosso pequeno país, submetido ao abjeto sistema econômico imposto a um povo semi-analfabeto, embora de singular tradição heroica através da força militar, o engano e o monopólio dos meios de informação, que tornavam em atos reflexos as opiniões políticas da imensa maioria dos cidadãos. Apesar dessa triste realidade, no entanto, não podiam impedir o profundo mal-estar que semeavam na imensa maioria da população a exploração e os abusos desse sistema. Após a Segunda Guerra Mundial pela repartição do planeta, que foi a causa da segunda chacina? separada da anterior por apenas 20 anos, provocada esta vez pela extrema direita fascista, que custou a vida a mais de 50 milhões de pessoas, entre elas aproximadamente 27 milhões de soviéticos -, no mundo prevaleceram durante um tempo os sentimentos democráticos, as simpatias pela URSS, a China e outros Estados


aliados naquela guerra que findou mediante o emprego desnecessário de duas bombas atômicas, que provocaram a morte de centenas de milhares de pessoas em duas cidades indefesas de uma potência derrotada pelo avanço imparável das forças aliadas, incluídas as tropas do Exército Vermelho, que em poucos dias tinham aniquilado o poderoso exército japonês da Manchúria. A Guerra Fria foi iniciada pelo novo Presidente dos Estados Unidos da América quase logo depois da vitória. O anterior, Franklin D. Roosevelt, que gozava de prestígio e simpatia internacional por sua posição antifascista, morreu depois de sua terceira reeleição, antes do fim daquela guerra. Substituído então por seu vice-presidente Harry Truman, um homem descolorido e medíocre, foi ele o responsável por aquela política funesta. Os Estados Unidos da América, único país desenvolvido que não sofreu nenhuma destruição devido a sua posição geográfica, possuía quase todo o ouro do planeta e os excedentes da produção industrial e agrícola, e impôs condições onerosas à economia mundial através do famoso acordo de Bretton Woods, de funestas consequências que ainda perduram. Antes de se iniciar a Guerra Fria, na própria Cuba existia uma Constituição bastante progressista, a esperança e as possibilidades de mudanças democráticas, embora nunca fossem, é claro, as de uma revolução social. A liquidação dessa Constituição mediante um golpe reacionário em meio à Guerra Fria, abriu as portas à revolução socialista em nossa Pátria, que foi o contributo fundamental de nossa geração. O mérito da Revolução Cubana pode ser medido pelo fato de que um país tão pequeno tenha podido resistir durante tanto tempo a política hostil e as medidas criminosas aplicadas contra o nosso povo pelo império mais poderoso surgido na história da humanidade, o qual, costumado a manipular a seu bel-prazer os países do hemisfério, subestimou a uma nação pequena, dependente e pobre a poucas milhas de suas costas. Isto não teria sido possível nunca sem a dignidade e a ética que sempre caracterizaram as ações da política de Cuba, assediada por repugnantes mentiras e calúnias. Junto da ética, forjaram-se a cultura e a consciência que tornaram possível a proeza de resistir durante mais de 50 anos. Não foi um mérito particular de seus líderes, senão fundamentalmente de seu povo. A enorme diferença entre o passado? Em que apenas podia proferir-se a palavra socialismo? E o presente, foi possível enxergar no dia da sessão final do IX Congresso da União de Jovens Comunistas de Cuba, nos discursos dos delegados e nas palavras do Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros. Seria muito conveniente que o que lá foi dito seja reproduzido e conhecido dentro e fora do país, através dos mais variados meios de divulgação, não tanto no que se refere aos nossos compatriotas, experientes nesta luta durante longo tempo, senão


porque aos povos do mundo convêm conhecer a verdade e as gravíssimas consequências para onde o império e seus aliados conduzem à humanidade. Nas suas palavras durante o encerramento, breves, profundas e precisas, Raúl pôs os pontos nos is em vários temas de muita importância. O discurso foi uma estocada profunda nas entranhas do império e de seus cínicos aliados, ao exprimir críticas e autocríticas que tornam mais fortes e incomovíveis a moral e a força da Revolução Cubana, se somos consequentes com o que cada dia nos ensina um processo tão dialético e profundo nas condições concretas de Cuba. Tão costumado estava o império a impor sua vontade, que menosprezou a resistência de que é capaz um pequeno país latino-americano do Caribe, a 90 milhas de suas costas, no qual era proprietário de suas principais riquezas, monopolizava o controle de suas relações comerciais e políticas e impôs pela força uma base militar contra a vontade da nação, sob o disfarce de um acordo legal ao qual lhe outorgaram caráter constitucional. Menosprezaram o valor das ideias perante o seu imenso poder. Raúl lhes lembrou como as forças mercenárias foram derrotadas em Baia dos Porcos antes das 72 horas do desembarque, perante os olhos da frota naval ianque; a firmeza com a que nosso povo se manteve incomovível durante a Crise de Outubro de 1962, ao não aceitar a inspeção de nosso território pelos EUA? Após a fórmula inconsulta do acordo entre a URSS e esse país, que ignorava a soberania nacional? Apesar do incalculável número de armas nucleares que apontavam contra a ilha. Tampouco faltou a referência sobre as consequências da desintegração da URSS, que significou a queda de 35% de nosso PIB e de 85% do comércio exterior de Cuba, ao qual se acrescentou a intensificação do criminoso bloqueio comercial, econômico e financeiro contra nossa Pátria. Já quase transcorreram 20 anos daquele triste e funesto acontecimento, no entanto, Cuba permanece de pé decidida a resistir. Por isso, tem especial importância a necessidade de ultrapassar e vencer tudo o que conspire contra o sadio desenvolvimento de nossa economia. Raúl não deixou de lembrar que hoje o sistema imperialista imposto ao mundo ameaça seriamente a sobrevivência da espécie humana. Temos atualmente um povo que passou do analfabetismo para um dos mais altos níveis de educação do mundo, que é o dono da mídia, e pode ser capaz de criar a consciência necessária para ultrapassar dificuldades velhas e novas. Independentemente da necessidade de promover os conhecimentos, seria absurdo ignorar que, em um mundo cada vez mais complexo e que muda constantemente, a necessidade de trabalhar e de criar os bens materiais que a sociedade precisa é o dever fundamental de um cidadão. A Revolução proclamou a universalização dos conhecimentos, ciente de que enquanto mais conheça mais útil será o ser humano em sua vida; mas nunca se deixou de exaltar o dever sagrado do trabalho que a sociedade requer. O trabalho físico


é, pelo contrário, uma necessidade da educação e da saúde humana, por isso, seguindo um princípio martiano, proclamou-se desde muito cedo o conceito de estudo e trabalho. Nossa educação avançou consideravelmente quando foi proclamado o dever de ser professores e dezenas de milhares de jovens optaram pelo ensino – ou por aquilo que fosse mais necessário para a sociedade. O esquecimento de qualquer destes princípios entraria em conflito com a construção do socialismo. Exatamente igual que todos os povos do Terceiro Mundo, Cuba é vítima do roubo descarado de cérebros e de força de trabalho jovem; não se pode cooperar jamais com esse saqueio de nossos recursos humanos. A tarefa à qual cada um consagre sua vida, não só pode ser fruto do desejo pessoal senão também da educação. A requalificação é uma necessidade irrenunciável de qualquer sociedade humana. Os quadros do Partido e do Estado deverão encarar problemas cada vez mais complexos. Dos responsáveis da educação política demandar-se-ão maiores conhecimentos do que nunca sobre a história e a economia, precisamente pela complexidade de seu trabalho. Chega ler as notícias recebidas todos os dias desde todas partes para compreender que a ignorância e a superficialidade são absolutamente incompatíveis com as responsabilidades políticas. Os reacionários, os mercenários, os que desejam consumismo e esquivam o trabalho e o estudo, terão cada vez menos espaço na vida pública. Não faltarão nunca na sociedade humana os demagogos, os oportunistas, os que desejam soluções fáceis na procura de popularidade, mas os que traem a ética terão cada vez menos possibilidades de enganar. A luta nos ensinou o dano que podem provocar o oportunismo e a traição. A educação dos quadros será a tarefa mais importante que os partidos revolucionários deverão dominar. Não haverá jamais soluções fáceis, o rigor e a exigência terão que prevalecer. Cuidemo-nos especialmente também daqueles que junto da água suja vertem os princípios e os sonhos dos povos. Há dias desejava falar sobre o Congresso da Juventude, mas preferi esperar sua divulgação e não lhe roubar nenhum espaço na imprensa. Ontem, sete de abril foi o aniversário de Vilma. Escutei com emoção, através da televisão, sua própria voz acompanhada pelas finas notas de um piano. Cada dia valoro mais seu trabalho e tudo o que fez pela Revolução e pela mulher cubana. As razões para lutar e vencer multiplicam-se a cada dia. Fidel Castro Ruz 8 de abril de 2010


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