Folha do Meio - Sociabilidade LGBTQIA+ em Florianópolis, SC

Page 1

FOLHA DO MEIO Um jornal nada discreto. Produto da Pesquisa Lugares de Sociabilidade LGBTQIA+ em Florianópolis - PET-Arq/UFSC, 2021 (Orientação) Lucas de Mello Reitz e Cristina Muller; (Graduandos) Douglas Hinckel e Gilberto Leite do Nascimento, Gustavo Truppel e Raquel Neves

CARTA DE EDIÇÃO DA VIOLÊNCIA À HISTÓRIA DE SI CADERNO 1 OPINIÃO Editar, cartografar quem cartografa CADERNO 2 NOSSA HISTÓRIA Vida boêmia e clandestinidade Do Footing ao Cruising CADERNO 3 CADERNO DE LAZER Saiba quais são os pontos turísticos mais atrativos (ou nem tanto) para a comunidade. CADERNO 4 CLASSIFICADOS FORA DO MEIO Capa de Luan Gonzatti para Nohs Somos

A Bicharada Está à Solta! Blocos de carnaval LGBTQIA+ se multiplicam! Nós nos espalhamos pela Ilha da Magia folha do meio folha do meio folha do meio folha do meio folha do meio folha do meio folha do meio folha do meio folha do meio folha do meio folha do meio folha do meio

Especial: A história do HIV em Florianópolis através dos recortes do Jornal Zero entre 1987 e CADERNO 5 PREGAÇÃO E OBITUÁRIO As conquistas alcaçadas pela população LGBI+ para a promoção do direito à cidadania e a vida


Editar, cartografar quem cartografa

inscrite no corpo inscrite na cidade

Os nossos corpos permanecem ali da mesma forma daqueles que vieram antes de nós. A permanência, contraditoriamente transitória, marca nossas práticas, nossas falas, nossos espaços. Essa pesquisa começou com o intuito de gerar um mapeamento urbano, em Florianópolis, Santa Catarina, da violência contra LGBTQIA+ e outres corpos marcades pela dissidência do sistema sexo-gênero. Nossa primeira aproximação do tema, como grupo de pesquisadores LGBTQIA+, em 2019, pautou-se na dor e angústia de olhar para os índices de violência que nossos corpos são diariamente submetidos no país em que vivemos e, gradualmente, transfigurou-se na percepção de que essa violência extrapolava a palavra, o número subnotificado e a a produção de um necessário mapeamento quantitativo sobre o tema, para o entendimento que a vivência LGBTQIA+ no Brasil contemporâneo é marcada por e constituída na violência. Optamos por contornar a temática da violência e dos nossos corpos que abarcam sexualidades dissidentes a partir da repulsa pelo número absoluto e pela quantificação excessiva da cartografia clássica - tão notadamente heteronormativa e colonizadora e entender o que, desse duro processo de violências, se inscreve na nossa história como comunidade, corpo e, primordialmente, a extensão de nossa existência, resistência e persistência na cidade. Partimos do olhar para a violência como número e fenômeno absoluto e concluímos circundando-a como experiência e processo de narrativa e de

oproc on etircsni edadic an etircsni

Somos corpos unidos e violados por uma geografia de ilhas, pontes e continentes

FOLHA DO MEIO

subjetivação. Utilizamos, em negação ao modelo cartográfico colonizador - da criação de narrativa, identidade e eleição proposital de dados - uma experiência de cartografia pós-estrutural, em uma costura entre a cartografia zorra, apresentada por Preciado, entendendo nossa experiência dissidente como definidora de conteúdo e tema, a corpografia de Paola Jacques, entendendo o que dessa violência e da nossa existência se inscreve no nosso corpo como memória e meio entre sujeito e cidade, e a cartografia pós-estruturalista em Raquel Rolnik como exploração metodológica da experiência de cartografes e seus corpos na cidade de Florianópolis. Munidos da experiência de violência vivida que é ser LGBTQIA+ em Florianópolis, resgatamos o que de cidade e da experiência urbana se inscreve em nossos seis corpos. Seis corpos LGBTQIA+ de diferentes gêneros, sexualidades, raças e idades que se interseccionam para escrever juntes uma história que parece se repetir, parece nos unir. As lágrimas, medos e corpos tremidos de dúvida e náusea parecem definir nossa experiência percursiva, deslocativa. O nosso ir e vir, estar e fugir, correr e se encontrar do espaço público e semipúblico ao privativo, virtual e invasivo é que redigiu as próximas páginas. A experiência de seis corpos que são percorridos por uma cidade que busca e, com êxito, consegue nos violar.


O que dura mais, a estrutura inabalável do ferro fundido ou a união sólida da bandeira maleável? a ponte vai cair vamos derrubar a ponte a ponte vai cair vamos derrubar a ponte a ponte vai cair vamos derrubar a ponte a ponte vai cair vamos derrubar a ponte a ponte vai cair vamos derrubar a ponte a ponte vai cair vamos derrubar a ponte a ponte vai cair vamos derrubar a ponte

Na foto, a Parada LGBTQIA+ de Florianópolis, realizada na Beiramar Continental. Um homem levanta a bandeira de arco-íris, a Ponte Hercílio Luz ao fundo. Fonte: Marco Fávero/BD

FOLHA DO MEIO


É no mínimo interessante observar as reações das pessoas frente a mim. Olha só: eu tenho um corpo masculino e que é lido pelas pessoas dessa forma, afinal não tenho desejos de mudá-lo ou passar outra imagem. Nele, deixei crescerem unhas grandes que estão sempre coloridas e uma barba rala; uso brincos, lenços e leques por aí. Tenho uns trejeitos, sou meio fechado. Enxergo-me como homem? Não. Como mulher também não. E se eu fui atrás de pesquisar gêneros com o propósito de tentar me encaixar em um? Não também. Me chame pelo que quiseres aí, pra mim está ótimo. … ou talvez não. Sei lá. Queria que gay fosse gênero, pois acho o melhor sinônimo de eu. Ah é, e eu me sinto atraído por outros corpos masculinos. Não que uma coisa esteja relacionada a outra, mas elas estão totalmente relacionadas. Eu também não entendo, e tá tudo bem. Enfim. Uma cidade é feita de pessoas e é através das nossas relações com as pessoas completamente desconhecidas que vivenciamos a cidade - relações que vão desde uma troca de olhares com um estranho na rua que você nunca mais verá de novo, uma amizade de “bom dia” com um caixa de mercado que você vê semanalmente, sei lá. Esse ponto parece aleatório, mas é a justificativa para minha escrita. Quero falar sobre as minhas relações e trocas com as pessoas que fazem a cidade. É circulando pelas ruas e fazendo coisas cotidianas que me deparo com pessoas com os mais diferentes níveis de contato com o mundo LGBTI+. E quando elas são enfrentadas pela minha imagem e a liberdade curiosa que ela pode representar, surgem diversos tipos de resposta. Há quem puxe assunto sobre algum trejeito ou adorno meu. Há quem queira falar sobre, mas não se sente capaz (e não é difícil perceber quando alguém fica assim, né?). Tem também quem fica desconfortável e evita até mesmo contato visual. Tem quem julgue, tem quem goste. Mas sempre existe alguma reação. A minha favorita é das pessoas curiosas que esperam que eu seja um ser de outro mundo e que, depois de interagirem comigo, percebem que não tem nada demais. Sou só uma pessoa meio simpática e tímida, eu acho. Elas começam com uma cara curiosa e até mesmo espantada, e segundos depois estão com umas caras bobas quando se dão conta. É engraçadinho. Mas pra além de engraçado, gosto dessa quebra de expectativa pois vejo que ela passa uma mensagem que considero valiosa: ser quem você quiser não precisa ser coisa de outro mundo. Leva tempo, exige seus esforços (principalmente dependendo de quem está ao seu redor), mas, sinceramente, é bom pra car@!ho.

FOLHA DO MEIO


FOLHA DO MEIO

Ser LGBTI+ é ser


a� ������������ �� �� ���� ���ta �ivenciar a cidade como um gay negro certamente tem seus desa�os� a segregação dos espaços é um fato que permeia o tempo e ainda é muito recorrente� até mesmo dentro da comunidade LGBT o corpo negro é alvo de violências� �epois de me entender como negro e gay� que não foi um processo r�pido ou f�cil e� que estou em constante construção� me deparei com questionamento de acessos aos espaços� depois de me ver como um corpo excluído dentro da cidade foi que comecei a entender sentimentos e pensamentos que tinha quando estava em ambientes públicos� por exemplo de um constante “Quando escrevo isso lembro constantemen- julgamento vindo de olhares das pessoas que te da sensação que bate quando estou em pela minha cor� pelo meu modo de se portar� locais que normalmente pessoas brancas e pela minha vestimenta� faziam com que eu não ricas vão, por exemplo em lojas de produtos caros, ou até mesmo em ambientes de servi- me sentisse bem em estar no mesmo local que ços privados, é desconfortante ver a forma elas� é not�vel a mudança do comportamento que as pessoas me olham e me julgam pela das pessoas conforme as horas vão passando� minha cor, e isso acontecem sempre.” durante o dia é o olhar de reluta e durante a noite é o distanciamento e o olhar de medo. � perceptível a incomodação das pessoas quando ocupo espaços que tendem à ser segregativos� ocupados pela população branca� até mesmo espaços que são pré destinados à comunidade LGBT� onde o negro também sofre constante preconceito e quando não� é hipersexualizado ou visto como algo fora do comum� �iversas vezes fui julgado até mesmo por funcion�rios de espaços privados� onde �cavam incomodados com minha presença� por exemplo seguranças� que sempre �cavam me olhando e cuidando sempre quando eu me movimentava ou saía para outro local� �m espaços públicos não é muito diferente� j� fui parado diversas vezes por policiais� j� vi pessoas atravessando a rua para não �carem na mesma calçada que eu� por medo� e apressarem seu passo� quando isso não ocorre pela minha cor� acontece pela minha sexualidade� onde é visível o “Lembro de piadas que já ouvi em baladas, cantadas que julgamento das pessoas quando es- pras pessoas pareciam engraçadas como “é da cor do petou nesses espaços e demostro tre- cado que eu gosto” ou “deve ser dotado” e outras parecijeitos ou pelo meu modo de se vestir� das que sempre me fazem pensar que é dificil ter um relacionamento afetivo por sempre estar sendo sexualizado e

�ivenciar esses dois meios� seus colocado como objeto.” conhecimentos e suas lutas me fez re�etir em diversos momentos� apesar de serem � grupos segregados que sofrem com preconceitos me levam à uma construção totalmente diferentes� �uando cheguei em Florianópolis para residir� foi onde iniciei esse processo de pensamentos e contato com a história e luta LGBT� e negra� em alguns momentos separados� outros em conjunto� entendendo como cada um auxilia na formação do outro ou interfere� Cada local que eu frequentava percebia uma leitura diferente das minhas vivências� e me fez questionar por diversas vezes coisas que j� aconteceram também� �niciar a faculdade em Arquitetura e Urbanismo “Escrevendo isso vem de um questionamento reforçou mais meus pensamentos e me interno sobre entender que simplesmente es- fez questionar coisas mais profundas aintar nesses espaços é uma luta, e que devia me da� pessoas que entraram na minha conviposicionar, quanto negro e gay, pensamentos vência me faziam questionar o espaço em que antes eram distantes, me colocar como que eu estava� como eu ocupava e o que algo necessário para levantamento de debaestava fazendo com aquela ocupação. tes.”

FOLHA DO MEIO


�eu entendimento como um corpo gay veio desde muito cedo� apesar de morar em uma cidade do interior e conservadora e ter uma inf�ncia e adolescência dentro de igreja evangélica� uma experiência que me fez questionar muito sobre o que eu era e como aquilo me afetava� eu j� entendia minha sexualidade mas não tinha nenhum contato ou referência forte� Logo mais tarde� no meu ensino médio eu tive um contato maior com o mundo LGBT� comecei a ter amizades com lésbicas� gays e travestis� ter esse contato com toda essa cultura e essas vivências me trouxe um autoconhecimento maior “Ainda é fresco na minha memória o primeiro contato além de descobrir coisas sobre mim que eu que tive com a cena noturna e conheci toda essa cul- nem tinha ideia� porém ainda não tinha essa tura, saber do pajubá, entender o porquê das travestis vivência negra de forma coesa em mim� ainestarem na rua a noite, ou do porque a comunidade da não entendia como todas as questões esLGBT ocupava saia às escondidas pela noite.” truturais e históricas de ser negro re�etiam na minha vida e como re�etiam em ser gay� Com o início da pesquisa consegui ter um acesso maior à história LGBT de Florianópolis e consequentemente da história da ocupação negra� o que foi algo muito necess�rio para formação minha enquanto gay e negro� entender coisas internalizadas sobre minha vida e perceber outras� entrar em contato com essa história foi me redescobrir� compreender como minha vivência enquanto negro in�uência na minha enquanto gay e como as duas estão em “É interessante o pensamento que tenho de que constante e associação� �esquisar essas todas a minorias devem se juntar e se ajudar, mas histórias me fez re�etir que em sua grande maio- ao mesmo tempo existe um intenso conflito de ria� a população negra LGBT� sempre foi precur- opiniões e que cada luta tem um ponto e internamente isso está em constante divergência.” sora em movimentos de luta e construção de espaços e que é uma que mais sofre repressões� Com a ideia da escrita dessa cartogra�a eu entrei num processo de entender melhor o que eu sempre me questionei� a separação das experiências enquanto gay e negro� depois de parar para pensar consegui reforçar uma certeza de que essas duas vivências estão entrelaçadas e que uma condiociona a outra� e as duas condicionam os espaços que eu frequento e as possíveis violencias ou não� �sse processo de escrita est� sendo uma revisitação e entendimento de dúvidas internas que estavam dormentes� de processos que passei e que no momento não entendi� como meu questionamento sobre minha apa“Cá estou eu a relembrar de toda construção que me foi imposta direta e indiretamente e como tudo isso seria mais fácil se eu tivesse um entendimento sobre o que é ser preto e o que é ser gay”

rência, sobre meu cabelo, sobre ser afeminado e como isso tudo está ligado com essa intersecção entre ser negro e gay, sa-

ber que só surgiram essas dúvidas pois foram colocadas em mim pelos ambientes em que eu vivia� as pessoas com quem eu tinha vivência� a sociedade na forma que é construida e suas segregações�

Ao decorrer da pesquisa consigo entender as nuances que existem dentro da comunidade LGBT� e que em cada uma existe uma luta por respeito� que todas podem se unir e construir algo grande� como ao mesmo tempo podem invalidar a luta de outras vivências� e não contar outras histórias� memórias e ocupações� Com a �nalização da pesquisa� ao rever esse recorte histórico eu consigo entender que cada rótulo� cada luta� cada grupo tem sua luta e reforç��la no país que mais mata LGBT� é muito importante� que a ocupação de espaços e a repercussão de histórias j� vividas� de vivências muitas vezes apagadas me faz pensar que apesar de termos conquistado muito� ainda estamos longe do mínimo� FOLHA DO MEIO


Ent

us. Só e u ro no ônib , om ot o

nti r

ed o O ? s 2

0 km de

ontinente continente continente continente continente continent continente continente continente continente continente continent continente continente continente continente continente continente ntinente continente continente continente continente continente co inente continente continente continente continente continente contin dor n t e c o n tMeu i n e ncorpo t e c o nno t i nespaço e n t e c oNão n t i née fruto n t e c ode n t fracasso i n e n t e c oContra n t i n e nat e coe n toi nsumiço e n t e c Eu ex n t i n e n t Minha e c o n t imente nente c o n té i nfraca ente E c opor n t i mais n e n t eque c o neu t i nsaiba e n t e Que c o n t não i n e nme t e cquerem o n t i n e n aqui t não c o n t i n eirão n t e dizer c o n t ique n e n tlutei e con t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n en C e combati Por nós, por mim, por ti Contra o roído pequí c o n t i ndente e n t e ccriminoso o n t i n e n t einútil, c o n t i moroso, n e n t e c oIncompetente, n t i n e n t e c o n t ipavoroso nente con t i n e n t e c o n t i n ent Lutamos, existimos ontinente continente continente continente continente continente continente c desistir Nesse cenário de dor, de genocídio e de pavor Nossa arma é a esper ente continente continente continente continente continente continente conti busco vou me entendam n t i n e n t que e con t i n e nme t e cestabelecer o n t i n e n t e cE o ncom t i n eisso nte c o n tvencer i n e n t e Mas c o n tnão inen te c o n t i n e n t ema co travesti, i n e n t e só c o por n t i nmim e n t eO c ocaminho n t i n e n t etambém c o n t i n eé n tdos e c omeus n t i n e Bicha, n t e c o Sapa, ntinen t e c o n t não-binári inente con c o n t i n etodes n t e c oaqui n t i nPara e n t e vencer, c o n t i n epara nte c o n t i npara e n t eviver, c o n t ipara n e n tresistir e continente continente amar, ntinente continente continente continente continente continente continente co tinente continente continente continente continente continente continente con nente continente continente continente continente continente continente con ente continente continente continente continente continente continente conti te continente continente continente continente continente continente contine ontinente continente continente continente continente continente continente ente continente continente continente continente continente continente conti ontinente continente continente continente continente continente continente te continente continente continente continente continente continente contine ente continente continente continente continente continente continente conti n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e nN te c E são t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t eaocToICn t i n e n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o çna t i n e o n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i anlhe n t e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o nPt i n nente continente continente continente continente continente co e continente continente continente continente continente contine São 20h30 e é t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n ehora n t edecme o narrumar tinente continente continente c e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n tpara e c sair. o n tSinto i n emeu nte continente continente con n e n t e c o n t i n e n t e peito c o n borbulhando t i n e n t e cde on t i n ente continente continente c empolgação, o n t i n e n t e c o n t i n sabendo e n t e c que o n tverei i n emeus n t e amigos. c o n t iJá nente continente continen n e n t e c o n t i n e n tsinto e c aoenergia n t i n ecorrendo n t e c opelas ntin ente continente continente c minhas veias, on barulho ntinente contin e n taepossibilidade c o n t i n ede n touvir e co t i n e do n t e c o n t i n e n t e c o n tui m nen e c o n t i n e n t e cgrupo, o n t i de n esentir n t e occalor o n tda i nrua, e nde t esentir c o nat i n e n t e c o n t i n e n t io e oc o n t n e n t e c o n t i n eliberdade n t e c o de n tsermos i n e n tquem e c osomos. n t i n Primeiro, e n t e c um o n t i n e n t e c o n atlíiv n e n t e drink: duas rodelas de limão, duas doses de gin, uma ontinente continente continente continente continente contin lata de tônica e muito gelo. Segundo, qual o tema n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n de e nhoje? te continente c É casual, é tropical, é bourgeois? Cada ocasião é um look, é um se n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n evon t e c o n t i n e brinco, é uma playlist. Bom, decidi que hoje é dia de brilho. E seeé t e c o n t i ndia e nde t ebrilho, c o nhoje t i néedia n tde e se c oarrumar n t i n eao n som t e cde on t i nJohn. e n t Liga e .cDoa n t i n e n t e c o Elton r t i n e n t e caixinha c o n t i que nen t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t dion e n t e c o n t i n e n t quero ouvir alto. “Pessoal, que horas vocês vão chegar? a r continen t e cpegar o n to in e n t edas co ntine n t e mais c o num t i ndrink, e n tbe c o n t i n e n t e c o n t i n Posso ônibus 21h45?”. Banho, o co escolhe a n t e c o n t i roupa. n e n t“Galera, e c o ncomo t i n evcs n tvão e cvestidos?”, o n t i n e pergunto n t erisc ntinent e contin taoeescolhendo n t e c o n t i num e nsobretudo t e c o n tlilás i n brilhante, ente co n t i n eimperdível n t e c o nde t ibrechó. nen te con garimpo aquela n e n t e c o n tÉiisso, nen t e c calça o n t prateada i n e n t ee cum o ntopzinho t i n e nbranco, t e c o acho nti n para n t e c o n t i n eque n t etácbom o n tné? i nSe e nmaquia t e c o(destaque n t i n e nespecial te con t i no bebê excesso n t e c o n t i n e nlápis t e de c oolho n t iazul nen t e em con t i n ee n pra te co sombra rosa chamativa). “Já saíram?” t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i nMe e t e c o n t i n e n t e atrasei, c o n tjá i nsei e que n t evou c operder n t i nmeu e n tônibus. e co Agora é só 22h30. Decide o que levar pro tinente continente continente continente esquenta, mas depende pra onde vai: ontinente contin e n t leste e c oou n tpedreira? i n e n t Garrafinha e c o n t i nde ent centro c o n t i n e n t e c o n t iplástico, nente c o n t i n e n t e c o n t i nen duas rodelas de limão, duas doses e c o n t i n e n t e c o n t de i n gin, e n tuma e c lata o n de tin e n t e c o n t i ncabe en tônica e... bom não e continente contio n gelo, e n t então e c o vai n t quente i n e n tmesmo. e c o nPra t i nPadre ent c o n t i n e n t e c o n t i n eRoma n t e ou c oParque n t i n da e nLuz, t e uma c o ngarrafa tinen det e o n t i n e n t e c o n t i n e n vinho, t e c oporque n t i n serve e n t ecomo c o nforma t i n edenme te con docui n e n t e c o n t i n e n t e c defender. o n t i n e Pronta n t e cprontinha? o n t i n e nPega t e co o ntine t e c o n t i n e n t e c o n t imento, n e n t oe cartão c o n tdo i nônibus, e n t eo cdinheiro o n t i neeoncartão. te c Põe sapato, ntinente continente c oo n t i n esenta n t e um c o pouco n t i n pra e n fazer t e c hora, o n t já ine Ir pro ée tenso, t e c o n t i n e n t e c o n t i nque e nperdeu t e c oonônibus. tinen t e ponto c o n tjá in n t eosc o n t trezentos metros na rua vazia, fechando a roupa ao nente continente continente continente continente co máximo para não ser encarada. No ponto, só eu e tinente continente contine nte c me o n encarando. tinente continente c mais um ntinente continente continente continente continente c ntinente continente continente continente continente co tinente continente continente continente continente cont nente continente continente continente continente contine t e c o n t i n e n t e c o n t i n e n t e c o n t i n eFOLHA n t e c oDO n t iMEIO nente continente c


i ag od m gu r fi po e nt la n s juv e c o d da ta

pago uro o im ã o ç ro ula c e preço sviad os

em

lI h e facasa da d do tra a a ari n ei a do r lu te a da com e p pú bli sp ude tracno a ov sses d sia ã

so

o do cara q huveir ue p e c rasil da segr u o e b g l a a d a v i do tasuspe iada aç ão ur aro d ba g e an m da putna ociais ditador d a d gue o p

b p dailid r

ha ilha ilha ilh a ilha i ha ilha ilha lha ilha il xisto, eu resisto a ilha il i No futuro a ilha i ha ilha Contra o Presilha ilh st ee não vamos cont ilha ilha ilh a ilha i rança E é aqui inente c ha ilha ilha ilha ilha ilha ilha al Isso o n t i n enão nte é co ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilh ie, n t i Bi n e Estamos nte continent ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha e continente continente c lha ilha ilha ilha ilha ilha ilha i ontinente continente co ha faogi l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l ão i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a ntinente continente con a ialdh e a a tinente continente conti h l l hua i l hf a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i g nente continente contine hroadai al rhmaotoi l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i o n u i o o nte continente continente hno a ial dhaoapen i cl ahcaia di l ch a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i m n d r s s ê á aro i l h continente continente conti ist i tulo l hbea ob i illih ha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilh ou da resimaaen br e v nente continente continente d i l h a i l haa i ol h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h m continente continente contine a ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha o l i nêt e c o n t i nte continente contine u v n cia. Cheguei, h e aagi l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h o n e n t ,edc o netdiondee nast e c io n t i nente c i l hoa i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a o á m s s ra ootennt i n e n t e c o n t i néedn t e c o n t i n e h a ?i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a nte continente continente c lha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha nte continente contin lha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha il e continente conti a ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilh ente continente con ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ntinente continen lha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha nte continente co ha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha i ontinente conti a ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilha ilh tinente con ilha ilh a ilha ilha ilha ilha ilha i ontinente ha i lha ilha ilha ilha ilha te con lha ilha ilha ilha il a ilha ilha ilha ilh i l h a i l hV a ilha ilha h a iol h i l rh a i l h a i ua p e si lthea, i l h a i l h a o i l hl a pa rial h V to a ii c lh a ilha il r M e i r e l l e as i l h a i l a i l h a i l h ? Fico um pou l hnaqi u l hi laai ,l hoa i l c o m a i s at ri a i l haias i li h i l ihna i l c a m i n h o éa m l ua m V o u a d o e m a ias i lm me ta ho av i li h a inl h a il e s e n t r e p r o o e s d o . A s c h aa v i l h a i l h a i l ho a il i x a d aa s e t e , p r a P a d s d e d o s , ean icl a hga ai rl h i l, hj a i l f i r m e s c o m o r a s r e R o m a ? O c a m á b a s t a m ap a i l rhaa m i l hea p i l rh a i i n h o é v a z i o e e s c u r o t e g e r . O f lhua xi o l hd ae i l hpae i l h o , s ó t e m e u e u m o u o s s o a s é u m i lphoaui c aa i l l hoa m ilh e n u t r o . C a r a f e c h a d a e m ã i s i n t e n s o , agi el hraa illm ha ilha r áa ri l h o e m p u n h o , p r e p a r a d o p t e e m d i r e çhãao i lchoani tl h i a à m i n h a , s a i n d o do a r a m e d e f e n d e r . S e g u r o t r a b a l h o e mi l d ha i riel h ç aã oi l haa i a g a r r a f a c o m o u m p o rar e i l o TICEN . É e n g rhaaçi a l hdao i, l h pa i t e , m e u m e d o s e s o b rheapi õ l hea o i l rhqa ui le n a H e r chí lai o i l hLauz i l hfa i o B e m d e v i o l ê n c i a s hda ei l g ên ha i le h aui n l hcai o i ln ho au i l haar i lRhoa m ila ha p o r m u i t o s a n o s , d e s dh ea i r o , d e s e x u a l i d ha ad iel ,h ao u u i l h a iol s h ai d i lohsa 1970s i l h a i lahtaé i ll h a i l á pelo r b a n a s . C h e ghoa n i lo h api o l hsat i s l ha an i lohsa 2000. i l h a iU l hm a id l hoas i lphrai i l o d a P a d r e aRiol hma ai l e h af ii c lha i lo hm a iol h a mi el hi raoi sl hlao icl ah ias i ldhea h o tr a n q u i ll ah ,a m a i s n si l hsas o i lai di lahda ei l d e iF i l h a i lu ha i lc h iaa ibl h ha l hl o a ri l h i p a , e a g e n t e e s q u e c c e m m e ti lrhoasi l eh aei sl ht o u a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a ei l h a ih i s t ó r i a n é ? H ao ji e aa iHl h a n a f i l a . Ni e s s a á r e a , l h a i l h a i l h a ji á lha lchí al i iol hLauizl héa iul h lh e r m d o s p m e s i n t ol hm . iol ihna tisl hda ei l hv ai di lah an iol ht u a ial is h a si e l hgaui rl o ha a ri lnhaa i T e m maaiil sh ag iel h n at ei l hnaa i lrh ad e i l hnaoi vl h hm a i lb ha a ri e l hs a bi lah a o a, icl o u a , lo p e s s o r aa ti ol hs a ei l e o .i l h h a i l h a i la h la idl a h a bi l h hs a pi lahçaoi l ah b a ei lrht a O b o m é q u e a g o r a a a l a d a , a s p r o s t i i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h a i l h agi l h e n t e a ai tl h é af ii lchaa n a ru ah ,a si l h u im i l h a ti u l ht aa isl ,h a l h ao iul hóa itlehm i lehra u i lm q u e t e m p n a oi l uh ca oi l h l h a i l h a oi luhtar iol h sa ai il h o as ipl hoal iicl h i aai si l hma i il li ht a h a i l h a i l h a di loh adiol h tari lahraeisl h( aa fi li h l haa ai l n aa li ,l hcaoinl ht iani u baa ill h l an ial sh aá irlehaa i l h a i l h a i l h a i l h a ial h h abi a l ht ai di lah p a o i llhi c a iial h u iel htae im e si lsheasi lLGBTQI+ h a i lFOLHA h a i l hDO a i lMEIO h a i l hoa i l h. a si l q ha lha ha ilha

degenera dos

n é ?)


Á você, aqui estão pequenos relatos do que é ser eu na cidade. Não sou mais nem menos. Não sou

tudo nem nada. Sou só um cara que tem medo de algumas coisas e de outras não. É um medo que adiciona aos outros receios cotidianos. É um medo que é acionado em alguns períodos do dia, em alguns espaços, em algumas movimentações. Mas também essas narrações também são resistência. Falar é resistência. Escrever é resistência. E ser, existir e se representar é resistência. Sentar num banco da praça, caminhar no chão de pedra portuguesa; abraçar encostado na parede histórica, beijar olhando o mar. Então, se assim servir de ajuda para entender quem eu sou nessa cidade, eu digo que sim, eu sou resistência.

I. Não consigo segurar a mão do meu namorado na rua. Na teoria tudo é forte, mas na realidade tudo é frágil. Os olhares são fortes, os julgamentos são fortes, uma aproximação é forte. E isso me

torna frágil. Duram poucos segundos de um carinho em público. E por que não muitos segundos ou minutos? Eu nunca passei por repressão, mas tenho medo de passar o que meus companheiros passaram. Às vezes não tem olhares, não têm julgamentos e nem aproximações; só o medo de segurar a mão do meu namorado na rua. Por isso gosto tanto do carnaval, quem sabe? O paradoxo de que muitos olhares em festa traz conforto mas poucos no dia a dia podem trazer medo se forem os olhares errados. E é no meio do bloquinho, das latas de cervejas no chão, dos vômitos na parede e o mijo no chão — ou vice e versa — que eu me sinto bem de segurar a mão dele na rua e sentir ele me puxando dentro do povão.

II. Já passei pela rua de noite, hoje não mais. Desci do transporte público, atravessei a avenida. Os olhos pros dois lados e o coração na mão com medo de um assalto, uma

abordagem. Mas o que me confortava eram os meus irmãos e irmãs que também desceram do transporte público e atravessaram a avenida. Mais corajosos e vividos que eu, não tinham medo de nada. Não tinham medo de vestir uma roupa chamativa, uma maquiagem no rosto. Mas, mesmo se tivessem medo — e será que não tinham? — não importava naquele tempo ali, rumo a noite de música boa na balada. Antes, encontrei mais. Tão diferentes da gente mas tão iguais. Marginalizadas? Com certeza. Felizes? Talvez. Resistência? Exaustivamente sempre. As travestis da rua, belas e fortes, já estavam pro combate. Um combate de riscos. E antes de entrar pelas portas da música alta, refleti que, enquanto eu me divirto, elas estão na linha de frente. Não desciam do transporte público, muito menos atravessaram a avenida. Vestiam roupas chamativas, mas com certeza tinham medos, quem sabe diferentes dos meus e dos outros. E me entristece o fato de que eu já passei pela rua de noite e vi elas, e hoje, na era da pandemia, não mais.

FOLHA DO MEIO


III. Já tive que andar de forma dita “mais masculina” para não notarem que eu sou gay. Meados do ensino médio e o armário

ainda tinha alguém dentro. Tudo é muito confuso quando se é adolescente, por mais que eu já tinha a convicção de quem eu sou. Julgamentos, pressões, olhares. Tentava evitar qualquer tipo de constrangimento ao meu redor, então eu me encontrava dentro daquele armário. Será que perdi momentos incríveis? Será que se eu tivesse mais força e coragem, não poderia ter tido uma experiência boa da minha sexualidade de verdade naquela época? Ou será que, nos anos que foram, se privar e conseguir amadurecer esse conceito tão intrínseco dentro de mim foi o correto? Não sei ao certo a resposta, mas queria ter tido meu primeiro beijo com um garoto que eu estava apaixonado e nem sabia. Queria ter segurado a mão dele indo pra casa igual os meus colegas faziam com as namoradas. As várias namoradas, os vários beijos, os vários abraços calorosos. E eu só tive que usar a imaginação pra saciar uma vontade que não dependia só de mim, mas sim da evolução da mente dos que estavam a minha volta.

IV. Entre o camelódromo e o Mercado Público eu e ele parávamos todos os dias de aula para se despedir. Era uma despedida longa, onde nenhum dos dois queria caminhar até as respectivas

casas. Tínhamos muita preguiça. Era um momento fofo. Ficávamos conversando, sentindo as pessoas caminharem de lá para cá, como sempre é. Vendedores de chips pré-pagos, cd e dvd pirata, trimania. Falávamos sobre as provas, as bandas, os livros. E era ali, na rua, no meio de dois edifícios históricos tão importantes, que eu lembro dos meus sentimentos viados. Algo bom mas ao mesmo tempo triste. Só ficávamos na despedida, que evoluiu de um aperto de mão para um abraço. Mas só. E ta tudo bem, afinal, raros os gays que não foram apaixonados por um hétero na adolescência.

V.

O dia de ir no Treze era sempre um dia bom. Colocar uma roupa bonita, aguardar ansiosamente uma boa música tocar e ter esperança de que tudo corra bem. A primeira vez que fui lá vai ficar marcada na minha memória. Minha primeira balada, meu momento de libertação de muitas coisas internas. Tocou um dos meus gêneros de música preferidos, das minhas bandas preferidas, com as minhas pessoas preferidas da época. Tudo correu bem. Meus pés, mesmo que cansados, continuavam a balançar de um lado para o outro em sintonia com os meus braço. A garganta já não aguentava mais berrar as letras que eu tanto ouvi nos fones de ouvido. E ao meu redor, tinham várias e várias faces, corpos, felicidades. Encontrei antigos amigos, descobri novos amores. E é por isso que sinto tanta falta desse lugarzinho que vai sempre me recordar que ir até lá era sempre um dia bom.

VI. Via-me diante de ensinos que não eram voltados para a caminha comunidade. Estudos sobre os espaços públicos de uma sociedade acima da margem sempre foram e sempre vão ser o padrão, porque é mais fácil. Não fazia sentido pra mim não pesquisar sobre algo que me movia a investigar, e aqui estou eu. Manezinho nato, conversar, buscar e denunciar o histórico da luta da comunidade LGBTQI+ dentro da minha cidade foi - e ainda é - muito gratificante. Florianópolis sempre teve sua fama de cidade “gay”, mas pra quem? Onde estão os espaços de representatividade nessa ilha da magia que não vemos? Cadê as pessoas que, no seu dia a dia, vivenciam essa capital tão linda? Bom, agora eu to no caminho de saber. Saber sobre elas, saber sobre tudo, saber sobre mim.

FOLHA DO MEIO


O privilégio de se encaixar em um padrão e ter o direito de pertencer e ocupar espaços, sem ter seu corpo violado e julgado é algo cômodo e em teoria, confortável. Ser alvo de violência e julgamentos não faz parte do objetivo de vida de ninguém. Ter consciência dos processos históricos que nos levaram até o sistema atual de sociedade pode ser considerado uma virtude, mas ao mesmo tempo um fardo. Não é muito mais fácil viver atendendo as demandas da norma? Seria, se isso não significasse a renúncia do meu próprio eu. Esse eu que não tem definição, e que não precisa necessariamente, ter. Mas que mesmo assim certas vezes têm seu corpo objetificado e julgado. Que deveria ser de certa forma, se comportar de outra, e se ajustar para atender ao padrão cristão. Caminhar contra isso tudo, denunciar essa forma de vida, opressões e violências faz parte de entender o meu eu. Faz parte de me reconhecer dentro de uma comunidade, que como eu, vivencia outras formas de experiências, de amor e de vida. Quando me reconheço num grupo de pessoas semelhantes não me sinto só, reparo em todos que vieram antes de nós e tenho a consciência de que a nossa história está aqui e precisa ser contada. Nós somos diversos, únicos e precisamos ter o direito de fazer parte, de ocupar espaços além dos que nos foram destinados e tolerados, e tendo nossos corpos respeitados.

FOLHA DO MEIO


Um corpo que é lido como feminino passa por um trajeto. Ele sai do ambiente privado a fim de explorar o ambiente público, na esperança de encontrar sua liberdade. A primeira parte do processo é se arrumar, você sabe como eles se vestem, já viu como falam, você quer fazer parte, já que tudo que está em casa a sua volta não faz sentido e não te representa. Feito isto, está na hora de finalmente sair. O caminho até o centro é longo. No transporte, você reflete se a roupa não está curta demais, se o cabelo não está curto demais, se você está dando pinta, se o cobrador é confiável, se o dinheiro vai ser suficiente… Tem algum objeto por perto que eu poderia usar caso acontecesse algo? Passada a aflição, está na hora do táxi. Dinheiro contado, medo, olhar intimidador, corpo quase que totalmente coberto. Estamos em duas mas será que conseguiríamos contra um? Os outros taxistas estão olhando, é melhor ir mais rápido. Cada comentário invasivo tem como resposta uma risada nervosa, no curto trajeto é possível ver outras pessoas caminhando para o mesmo destino. Por que não fiz isso? É tudo muito novo! Na noite as pessoas mostram suas personalidades autênticas e com a música alta é quase impossível não se render ao ritmo. Você pode ser quem você quiser, você pode falar sobre todos os assuntos (inclusive dos que sua família te proibiu), você reencontra seus amigos de sempre e conhece muitas pessoas novas, e que como você, agora se sentem à vontade para deixar seus corpos livres. No final da festa você percebe que ainda há barreiras físicas neste ambiente, você se sente livre pois pode ser você, mas ainda é um ambiente privado, pelo qual você pagou para frequentar. Seu tempo acabou, está na hora de voltar à realidade. Veste a roupa comprida e torce pra não dar pinta.

FOLHA DO MEIO


Cartografar a mim mesmo nunca foi meu hábito. A nossa gente se acostuma a não olhar praquilo que fica metamorfoseando entre uns pedaços de epiderme e as pulsões de vida. A minha estratégia se direcionou constantemente em direção ao sobreviver. Continuar vivendo, assim: permanecer, ocupar, resistir. Ir além do que tenta mascarar o que palpita entre a pele e o âmago. Sobre viver, para fazer pulsar o repulsivo. Então, cartografar as permenâncias e perambulâncias de um viado professor branco sul-brasileiro de 30 anos, é (auto)investigar um corpo que, de tanto vagar em sua superfície, fundiu-se à cidade, colou. As palavras materializam concreto, sangue, sarjeta, alegria, sorriso e lágrimas. É uma cartografia zorra, daquelas que não pretendem planificar, decodificar o corpo e colocá-lo em altimetria. Essa cartografia costura tempo, forma, memória, história, trauma.

1. a cidade não é nossa Sobe e desce ladeira [ ]. Ultrapassa vales escuros e picos iluminados [ ]. Fica com a perna bamba. É tomado pela escuridão e se sente vulnerável [ ]. Conversa. Finge normalidade de um assunto que está rolando entre os amigos, entre os namorados [ ]. Continua com a perna bamba. É iluminado por um fio de luz ofuscante pelas costas [ ]. Por que o carro está andando tão devagar? É assalto? É pegação? Ele está se querendo ao meu corpo ou está querendo algo do meu corpo? Continua com a perna bamba. Atravessa [ ] para buscar segurança na luz do bar, para buscar aquilo que perdeu na última esquina [ ], evitando a praça [ ] onde tudo está para acontecer. Chega na avenida [ ] . O som de alegria do bar se esvai, tomado pela escuridão e o perigo do que sempre está por vir. Sobe outra ladeira. Enfim, sente-se aliviado. A perna bamba é iluminada pelas vozes alegres de corpos coloridos que bebem em uníssono sob a marquise [ ]. Descansa a perna. Sorri. Em algumas horas ele desce novamente para o vale e para a escuridão que o persegue.

[da avenida rio branco] [que são raros] [em quase todos os muros da cidade] [namorades, amigues que foram feitos nessa mesma condição de fuga] [a quadra ou qualquer outros 100m possível em pouco tempo] [vazia] [hercílio luz] [dos silenciosos prédios que nos acolhem]

FOLHA DO MEIO


Só consigo estar inteiramente linear aqui nessa carta. enquanto me faço texto e carta, percebo minhas permanências e repetições. Para cartografar uma bixa, se faz necessário pajubear [ ]. Nas andanças entre a palavra e o afeto, um mergulho de mim em mim, para me mostrar carta pro outro, percebo o quanto nunca consegui estar [ ] nessa cidade que tanto cola em mim. estar [ ? ] nessa cidade-arquipélago onde todes estão ilhades, sós, entre a ressaca marítima e o vento que nos despe e deixa desamparades. essa cidade é nossa?

2. a cidade pode ser nossa? Primeiro sorriu e cantou bastante. sentiu a purpurina dourada incendiar o corpo e a alma ao som do atabaque. viu elas passarem. O nome delas é singular por sua pluralidade. Cores de Aidê cantou, sambou e arrepiou dando voltas na praça XV. [ entre o [ bumbo e a cerveja ], procurei o olhar dele há poucos centímetros do meu. o verde se desfazia em cristalinas lágrimas de [ alegria ] por estar ali ]. o bumbo, as Aidês, o carnaval próximo do bar da amiga Ana diziam, juntos que, enfim, que podíamos ficar ali. a cidade, naquela noite, podia ser nossa. a cola que pegava nossos corpos ao tijolo e ao asfalto, também pegava orgulho e euforia. os perigosos vales se iluminavam. encontro as amigas. beijos, colo, afago, euforia, perna bamba. encontro os amigos. beijos, colo, afago, euforia, perna bamba. encontro a drag Suzaninha. beijos, colo, afago, euforia, perna bamba. beijos, colo, afago, euforia, perna bamba. a cidade, naquela noite, podia ser nossa.

[vermelho giratório acompanhado de som estridente saído de um carro grande bege parecido com um tanque de guerra com homens fardados com boinas e fuzis e pouca moralidade e ética ] [a rua Victor Meirelles, onde está o bar da amiga Ana ] [ a alegria dos olhos verdes ao ver as Aidês no carnaval] [XV]

Continua com a perna bamba. É luminado por um fio de luz ofuscante pelas costas [ ]. Por que o carro está andando tão devagar? É assalto? É pegação? Ele está se querendo ao meu corpo ou está querendo algo do meu corpo? Continua com a perna bamba. Atravessa [ ] para buscar segurança na luz do bar, para buscar aquilo que perdeu na última esquina [ ], evitando a praça [ ] onde tudo está para acontecer.

[vermelho giratório acompanhado de som estridente saído de um carro grande bege parecido com um tanque de guerra com homens fardados com boinas e fuzis e pouca moralidade e ética] [dos silenciosos prédios que nos acolhem] [ entre o [ ], procurei o olhar dele há poucos centímetros do meu. o verde se desfazia em cristalinas lágrimas de [ ] por estar ali

o [ vermelho giratório acompanhado de som estridente saído de um carro grande bege parecido com um tanque de guerra com homens fardados com boinas e fuzis e pouca moralidade e ética ] não queria que a cidade fosse nossa naquele dia. [ palavras berro choro fuzil arma na cabeça gay viado filho na puta vai tomar no cu não filma não pode filmar vou te levar pra ti aprender quem manda] [ entre o [ chumbo e o silêncio ], procurei o olhar dele há poucos centímetros do meu. o verde se desfazia em cristalinas lágrimas de tristeza e medo ] por estar ali. ] a cidade, naquela noite, poderia ter sido nossa.

FOLHA DO MEIO


Vida boêmia clandestinidade A vida das LGBTQIA+ quando esse nome pouco significava e nossa existência começava a se pautar na resistência Você já se perguntou como era ser LGBTI+ em Florianópolis antes de você nascer? O que você sabe sobre a história da população LGBTI+ em Florianópolis? Após a introdução da série, fomos ao fundo do baú para descobrir como viviam essas pessoas décadas atrás (e pra começar a contar a história do começo - ou dos mais antigos registros-, claro).

A vida noturna de Desterro Culturalmente, a noite sempre foi trazida como algo do mal, ou de desordem. Antes da iluminação pela rede elétrica, que chega à ilha em 1911, onde somente aconteciam coisas não permitidas para o “homem de bem”, a escuridão era tida como palco do caos. Muitos desses dogmas vem de uma cultura religiosa cristã e medieval que mistifica a noite e trás esses preceitos para conseguir controlar a população e impedi-la de se aventurar na escuridão da noite, isso até o fim do século XIX. Em Florianópolis, ou Desterro, dado à época, isso não era diferente, a noite sempre foi velada, com ordem de restrição, onde a população tinha somente como momento de descanso em suas residência. Por outro lado, as festividades aconteciam somente em locais privados e acessíveis somente pela burguesia e elite. As medidas impostas pelo código de posturas municipais, junto com a falta de iluminação pública, restringiam a possibilidade de vida noturna, para que o “homem de bem” não saísse de sua

residência, mas isso não impedia que a vida noturna não acontecesse (Costa, 2004). A noite era ocupada pelos escravos e prisioneiros, que utilizavam desses horários para jogar no mar as águas servidas e fezes e, apesar do código de posturas proibir sambas e batuques, não é identificável que não acontecesse, dado o proibimento por parte do município para com a cultura negra. A sociabilidade noturna era permitida somente em momentos religiosos e festas municipais. Fora dessa esfera, acontecia em tabernas - que era o mais próximo de um bar como conhecemos atualmente - e que estava sempre ligado a prostituição e jogatina, logo, um divertimento marcado pelo segredo e infração.

A vida boêmia e a clandestinidade Neste contexto de proibição e tabu, a sociabilidade da comunidade LGBTI+ não tinha espaço na cidade e nem na sociedade. De acordo com o estudo de Córdova (2006) a geração da década de 1930/40, que ele chama de “primeira geração” por compartilhar coletivamente espaços, eventos e significados da história LGBTI+, não tinha locais públicos no qual poderia realizar encontros e se entender como comunidade. Desse modo, a clandestinidade era a demarcadora da sociabilidade LGBTI+, seja em encontros casuais na região portuária, ou pelas áreas de

FOLHA DO MEIO

prostituição. Naquela época, a cidade ainda não provia de iluminação pública elétrica e a iluminação existente era precária e, por isso, ainda não existiam estabelecimentos noturnos. Neste período “sem luz” - que dura até meados do século XX, a vida noturna dos “desviados”, era vista como oposta à vida diurna, legitimada. Os relatos das pessoas entrevistadas por Córdova retratam o sentimento de medo diante do contexto brasileiro em que, segundo Trevisan (2018), Soares de Melo propunha um Código Penal paralelo ao existente, com o intuito de criminalizar a homossexualidade. Suas ideias, que alcançaram muitos adeptos, foram introduzidas em um projeto de Código Penal pela Comissão Legislativa, mas negada em 1940. Apesar da negação do projeto, os intelectuais adeptos daqueles ideais agiam como se o projeto tivesse sido aprovado, o que reforçou a violência contra essa população. Além disso, no ano de 1935, Leonídio Ribeiro ganhou um prêmio internacional por seu trabalho com a equipe do Laboratório de Antropologia do Instituto de Identificação do Rio de Janeiro por fazer um estudo biológico em 184 homossexuais. Trevisan (2018) conclui que diante disso, havia “um intercâmbio da Justiça e das ciências com o aparelho policial” deixando explícitas as consequências de ser homossexual naquela época. Ao passo que havia tentativas jurídicas de criminalizar a prática, e a procura de uma justificativa biológica para a existência do então chamado


proibide, clandestine, segredo, não conta, fora proibide, clandestine, segredo, não conta, fora proibide, clandestine, segredo, não conta, fora “homossexualismo”¹, no final da década de 1950, gays e lésbicas brancos da classe média e da elite de Florianópolis, nesse momento começam a encontrar espaços de sociabilidade nos bares e estabelecimentos noturnos que se firmam na região da Praça XV e no centro fundador a partir da instalação da iluminação pública.

A chegada da rede elétrica

No início das décadas do século XX inicia-se a onda do movimento higienista na capital de Santa Catarina, fazendo com que a cidade passasse por uma remodelação do seu espaço urbano. Com a implantação da rede elétrica em 1911 e com a melhora dos equipamentos urbanos as pessoas que saiam ao cair da tarde para se encontrar ou até namorar já não são mais pessoas de “baixa índole”. Mesmo nesse contexto, as pessoas marginalizadas pela sociedade (por questões de sexualidade, raça e classe) continuavam ocupando a noite de forma clandestina. A vida noturna de Florianópolis se beneficiou com essas mudanças urbanas, pois a ampliação da rede elétrica e da iluminação trouxe mais oportunidades de lazer. Agora, os “desviados” também podiam usufruir de espaços como como bares, cafés e cinemas. É a partir das melhorias

urbanas e de revisão de código de condutas é que a noite lentamente deixa de seu estigma de ambiente privado e imoral.

O carnaval Entretanto, historicamente, como já foi mencionado aqui, os escravos e a população negra eram excluídos das atividades culturais, e o carnaval era uma delas. No período da escravatura, a câmara municipal e a sociedade carnavalesca “Diabo a Quatro”, que eram abolicionistas, conseguiram a libertação de alguns escravos na ilha de Santa Catarina em março, meses antes da abolição de 1888. E apesar disso, é sabido que os ex-escravos ainda continuaram à margem da sociedade, num ambiente segregado e de preconceito, e também não podiam participar das sociedades carnavalescas. O que manteve a festa nos moldes europeu, branco e elitista, e permaneceu sem influência declarada e explícita da cultura negra até o século XX. (COLAÇO, 1988) Com o surgimento das escolas de samba na década de 1950 em Florianópolis, influenciado pela chegada de marinheiros do Rio de Janeiro e da região Norte do país, a dinâmica do carnaval de Florianópolis vai se modificar significativamente. Os habitantes do Morro da Caixa,

FOLHA DO MEIO

enrrustide, do meio, enrrustide, do meio enrrustide, do meio.

comunidade tradicional da área central da cidade, juntamente aos marinheiros da região portuária, dão início ao processo de “expansão da organização das camadas populares – geralmente de origem negra através do samba, do carnaval, e principalmente das Escolas de Samba” (TRAMONTE, 1995, p. 80). Desse período que figuram os primeiros registros de blocos de carnaval compostos por homens vestidos de mulher nas ruas adjacentes à praça XV.Hoje, as imediações da praça constituem locais tradicionais de encontro carnavalesco. Portanto, é a partir da expansão da infraestrutura urbana elétrica e da diversificação de usos da área central em Florianópolis que a comunidade LGBTI+ começa a frequentar espaços de lazer e sociabilidade na cidade. Apesar da “saída da escuridão” e uma breve conquista de legitimidade principalmente de homens cisgênero homessuais brancos - os anos seguintes serão marcados por perseguição e proibição sob o regime militar. Vale ressaltar que pessoas transgêneras não obtiveram o mesmo reconhecimento e legitimidade gozada por cisgêneros homossexuais no mesmo período. O acesso limitado e a violência constante, manteve-as à margem desses espaços.


Do Footing ao Cruising Você sabe o que é footing? Já andou por aí paquerando pela rua igual a vovó? Ou é do tipo que anda procurando pegação nas trilhas da Ilha da Magia? Você sabe o que é o footing ? Já ouviu falar sobre ? Talvez alguma pessoa um pouco mais velha saiba o significado desse termo. Traduzido do inglês, footing quer dizer andar, caminhar, mas esse termo ganhou uma maior definição na década de 30, onde significava um tipo de passeio delimitado a um espaço típico. O “footing” era a forma como os rapazes e moças se colocavam no espaço público para as paqueras. A atividade funcionava desta forma: quase sempre os rapazes ficavam parados numa rua, e as moças passeavam no espaço dessa rua (MARIA, 1995). Nesses espaços, os solteiros se encontravam, aconteciam as paqueras, as trocas de olhares e flertes. Os arredores da Praça XV eram o principal local de encontro entre homens e mulheres hetero cis brancos, os “cidadãos de bem”, que à luz do dia caminhavam a fim de encontrar um parceiro(a). O flerte se dava através de olhares, piscadas de olho e assobios. As mulheres, muitas vezes acompanhadas pelos pais, desfilavam na calçada, enquanto que os homens ficavam escorados nas paredes dos estabelecimentos. Essa prática era marcada por uma segregação racial e de sexualidade. Enquanto o pessoas hetero cis ocupavam a cidade livremente e seguramente durante o dia, a população LGBTI+, ocupava predominentemente o período noturno. Segundo Maria (1995), ao passo que o footing acontecia na mesma rua, um lado era ocupado por

pessoas negras e o outro por pessoas brancas. Mas também era comum que acontecesse em ruas distintas, “[...]os negros o praticavam na rua em frente ao palácio do governo e os brancos, na Felipe Schmidt, em frente à padaria do Chiquinho.” (MARIA, 1995, P. 61). O footing expressava a divisão social e espacial do contexto urbano daquela época, tendo a rua como palco de discriminação, pois assim formou distintos territórios para caminhada de negros, brancos, ricos e pobres. Como já mencionado em posts anteriores, a ocupação noturna da comunidade LGBTI+ se tornou um refúgio dos olhares de repúdio e acusação que se davam no período diurno, práticas de exclusão que não se limitavam à Florianópolis. Diferentemente da espacialização declarada e territorializada das paqueras nos centros urbanos (“footing”), praticada principalmente por homens e mulheres cis heterossexuais, a população LGBTI+ começou a adaptar as práticas legitimadas pelo “footing” em espaços reclusos, pouco movimentados e, ditos, indesejados. Nesse sentido, são escassas as referências entre as décadas de 1950 e fins da década de 1980 que documentem e discutam práticas sociais ao ar livre praticadas por LGBTI+, provavelmente pela censura à temática durante os anos da ditadura. A partir de produções acadêmicas e publicações de periódicos e folhetins da década de 1980, que usam entrevistas e métodos de etnografia, por exemplo, o acesso à relatos

FOLHA DO MEIO

sobre essas práticas tornaram-se mais frequentes. Córdova (2006) aponta que, até a década de 1970, era comum a interação de olhares e conversa entre homens na região da Praça XV, que seguiam para hotéis populares nas regiões de comércio e prostituição da área central, prática marcada, principalmente, pelo fluxo frequente de marinheiros na região portuária. Além disso, relata-se também a prática sexual em circuitos estabelecidos entre áreas de sociabilidade noturna, como cinemas, que a partir da década de 1970 começam a exibir Pornochanchadas. As diferenças das práticas de paquera legitimada, como o footing, e a sexualidade velada das LGBTI+ na região, marca um campo de tensionamento potencializado pela localização da Praça e o contraste de sua composição paisagística. Ao passo que o perímetro da praça é marcado por aberturas para ruas comerciais movimentadas, separado do interior por uma massa vegetal de grande porte, seu interior compõe-se maciços vegetais densos e um traçado sinuoso no estilo Inglês. Essa diferença de configuração separa o espaço das paqueras heterossexuais, abertas, permitidas e um interior propício para encontros furtivos, perseguidos e longe dos olhos dos “cidadãos de bem”. Os planos de Desenvolvimento Urbano Metropolitano de 1971 e o Plano Diretor de 1976, focados em conexões viárias e expansão da malha, arraigados na lenta abertura econômica e a expansão turística da cidade (Cravo, Rossetto e Storch,


2016), impactaram profundamente nos modos de sociabilidade da área central. Os investimentos gradativos no sul e norte da Ilha, seguida da interiorização geográfica de serviços e instituições públicas (UFSC, Celesc, Telesc, Udesc e Eletrosul), reconfiguram a ocupação do centro fundador. Assim, consolidam-se áreas e regiões centrais ociosas, públicas e privadas, entre as décadas de 1970 e 1980, expandindo o campo de práticas sexuais casuais entre LGBTIs. No contexto de expansão urbana centrada em um modelo rodoviarista, que foi um dos principais motivos para o decaimento da prática do footing. Os passeios que a população fazia na Praça XV, gradativamente vão rareando, sendo substituídos pela privacidade e acesso a espaços remotos que os passeio de carros começam a proporcionar (citação). Esse quadro de expansão rodoviarista ajuda a provocar o esvaziamento da área central, principalmente por populações emergentes e de maior poder aquisitivo. Logo, a desocupação em cafeterias e a vida boêmia da área central configura-se como um campo de possibilidade para as LGBTIs e

outras populações marginalizadas, que encontram nas áreas ociosas menos olhos vigilantes e embate. Portanto, é a partir da década de 1980 que áreas como parques, praças e praias começam a figurar como espaços para encontros e pegação (ou cruising, em inglês), marcadas por configurações urbanas (isolamento, acesso dificultado etc.) e paisagísticas-ambientais (massas arbóreas, áreas sombreadas, ocupação noturna etc.) que promovem a proteção da vigilância. Podem-se destacar espaços como o Parque da Luz, que, como coloca Pontes (2016), mudam drasticamente sua ocupação ao entardecer, sendo marcado por um circuito de pegação entre homens ocorrido nos seus bambuzais, trilhas e arbustos. Vale ressaltar que as operações de revitalização ocorridas no final década de 2010 no contexto de restauro da Ponte Hercílio Luz, são também motivadas pelo impedimento dessas práticas. Além dos parques, e fora do contexto central, as trilhas e mata densa de praias como a Galheta operam na mesma lógica de segregação. No caso específico, a praia conta com acesso apenas por trilhas a partir da Praia

Mapa de lugares históricos de sociabilidade LGBTQIA+ em Florianópolis. Fonte: Cristina Müller (2021)

FOLHA DO MEIO

Mole e, historicamente, abriga práticas não obrigatórias de naturismo e nudismo - oficializada por lei em 1997. Mesmo no espaço da praia, há notada segregação de ocupação das faixas de areia entre “famílias tradicionais”, mais ao sul, e LGBTIs, mais ao norte. Além disso, assim como no caso Parque da Luz, a área acidentada da praia localizase a chamada “Trilha do Pecado”, destinada a pegação e encontros ao ar livre. Portanto, percebe-se que desde área central, até a ocupação das praias e parques, a sociabilidade e encontro da comunidade LGBTI+ é espacial e territorialmente segregada. Seja por instituições não declaradas, como no caso da Praça XV e do footing, ou, até mesmo por leis que promoveram o esvaziamento da área central e a determinação localizada de áreas de nudismo. Desde a década de 1950 detectam-se esforços para nossa constante marginalização e invisibilização. E como você vive esses espaços em Florianópolis? Você percebe que os locais que você encontra seus amigues ou seus parceires são segregados, fora do circuito oficial?


Caderno de lazer Saiba quais são os pontos turísticos mais atrativos (ou nem tanto) para a comunidade Aqui você pode planejar seu fim de semana já prevendo o BO!

Praias Praias? Nós estamos em uma ilha, baby! Praia é o que não falta por aqui. Umas das mais recomendadas pra quem curte essa coisa de LGBT são a praia mole e a galheta. A primeira tem, bem na ponta esquerda, o Bar do Deca, um exemplo magnânimo de apropriação do espaço hetero que você precisa conhecer, my angel. A gente faz do lugar um babado desde a década de 1990! Ótimo lugar pra ouvir uma eletrônica, fritar até o sol raiar e ver o dia nascer de frente pro mar e pé na areia. Ui, que delícia! A galheta já é uma opção pra quem gosta de belezas naturais mesmo. Ah, não tô falando do mar, não! É de gente pelada mesmo, já que é uma praia de nudismo. Boatos que rolam umas pegações bem gostosinhas por lá também! Só não vai sentir tesão na pessoa errada pra não acabar levando uma surra, viu?

Na foto, quatro Drags e Travestis no Bar do Roma, em 2002. Fonte: Marco Aurélio Silva (2003)

Baladas Eu não espero o Carnaval chegar pra… curtir uma festa! Quem não quiser esperar um Gala Gay pra festar pode sempre visitar a Oppium! Desde 1980 sendo a queridinha da elite guei (e uma das poucas boates GLS) de Floripa, ali junto da escadaria do Rosário.

Na foto, uma concentração de pessoas no Bar do Deca na Praia Mole em 2003. Fonte: Marco Aurélio Silva (2003)

FOLHA DO MEIO

Mas aviso: chegue antes de 1995, pois depois ela não vai estar mais lá. Não deu tempo? Bem, os millenials podem ter um bom tempo no Mix Café também. Não se engane pelo nome: o lugar é uma baladinha beeem goshtosah, bem farofa e bem povão. É drag queen que você quer? Ela tem. Uma coisa mais… quente? Tem lá também. Mas fica ixperto: ela funciona de 1997 até 2014 ali no comecinho da Mauro Ramos. Pros mais atrasados (ou aqueles que ainda querem festar um pouco mais) tem ainda a Jivago. E olha que mesmo sendo a caçulinha do role ela ainda tem fôlego, viu? Desde 2007 a danadinha dá uns agitos e ainda continua de pé, dançando. Independente de qual for a sua, não esquece de ir acompanhado e tomar cuidado na saída… Seja 1980 ou 2021, os “valentões’’ continuam à espreita, viu.


Na foto, uma pessoa em frente ao outdoor que divulga a festa “Gala Gay” na Oppium, em 1984. Fonte: Ricardo Medeiros/OPPIUM

Carnaval Agora, se tu busca a ferveção carnavalesca, não bobeia, ixtepô! O carnaval do Roma é o teu lugar, na certa. Já pelos fins dos 1970s, aquele pedaço da Avenida Hercílio perto do bar do Roma vira espaço de todo tipo de glamour e contracultura. Foi ali que começou o Pop Gay, em 1993: um concurso bapho de montação das melhores beauty queens e drag queens do pedaço, e olha só: promovido pelo poder público municipal!!! Muito legal da parte da prefeitura fazer propaganda pró turismo LGBTI+ no carnaval e esquecer das manas o resto do ano, né? Apesar de o Roma original não estar mais lá desde o ano 2000, o bloquinho “Não me Kahlo”, que é promovido pelo La Kahlo Bodega, acontece hoje em dia mais ou menos no mesmo ponto da avenida. O Pop Gay segue firme e forte toda segunda-feira de carnaval. E do outro lado do centro, a Jivago também organiza seu bloquinho, bem

como a 1007, o Blues Velvet… é, mô quiridu, essa cidade quase vira a tal da “ditadura gay” durante esses dias, e ao contrário do que dizem as más línguas - é uma alegria só. Pelas ruas da cidade Ainda não achou o que queria? Seja você um miguxo emo frequentador da Praça do Majestic ou não, pode também se interessar pelo evento do Beijaço & Abraçasso agendado pra abril de 2005, que tá sendo organizado pelo pessoal do Grupo New-Floripa de Adolescentes e Jovens GLBTA. Ele é pra acontecer na frente do Bob’s da Rua Trajano, que tinha sido então acusado de reprimir demonstrações de afeto de alguns frequentadores homossexuais. Nos anos seguintes, o estabelecimento ficou marcado por ser um dos únicos no centro da cidade com banheiro livre para não-bináries. Parece que o evento fez efeito.

FOLHA DO MEIO

Ah, uma curiosidade: numa das pontas da Rua Trajano, que é a rua desse Bob’s e do evento do Beijaço, é onde fica a escadaria do Rosário. Aquela mesma, que tinha a boate Oppium - e diversas outras - no seu entorno, e presenciou os mais diversos tipos de afetos “desviantes”... Mudam-se os tempos, mas os lugares ainda são os mesmos. E os perrengues também.

PARA TREINAR ANTES DA FESTINHA... “Nunca vi rastro de cobra Nem couro de lobisomem Se correr o bicho pega Se ficar o bicho come” Homem com H Ney Matogrosso


03/1988

Classificados fora do meio Especial: A história do HIV em Florianópolis através dos recortes do Jornal Zero entre 1987 e 1999

11/1987 07/1987

FOLHA DO MEIO


01/1990

11/1987

FOLHA DO MEIO


05/1991

O vazio como protesto O vazio como silêncio Usamos esse espaço e as lacunas entre palavras e imagens como espaço de silêncio para honrar aquelas e aqueles que foram vítmas de doenças decorrentes da HIV/AIDS e como suporte para reconstruir fragmentos da estigmatização da HIV/AIDS em Florianópolis.

08/1

03/1999

FOLHA DO MEIO


10/1993

1995 11/1997

FOLHA DO MEIO


Pregação Você sabe o que é footing? Já andou por aí paquerando pela rua igual a vovó? Ou é do tipo que anda procurando pegação nas trilhas da Ilha da Magia? Quando entramos no assunto de legislação para a população LGBTI+ vemos que o Brasil tem se desenvolvido de forma progressiva e foram conquistados diversas políticas e amparo legal para violências contra a comunidade. Em 2013 já conseguimos notar esse avanço quando o Conselho Nacional de Justiça aprova a conversão da União Estável Homoafetiva em Casamento em todo país, apesar de não ser lei já se torna um respiro para a comunidade. Já em 2019 através de muita luta o Supremo Tribunal Federal deter-

mina que a discriminação contra pessoas LGBT seja enquadrada nos crimes previstos na Lei Nº 7.716/1989, sendo esse um passo enorme para a retomada de direitos da comunidade. Em Florianópolis, uma das cidades consideradas mais LGBTfriendly no país podemos notar que já avançamos bastante também em questões de políticas públicas, contando com dois planos municipais dessas políticas voltadas para a comunidade, o primeiro é aprovado em 2012 e traz diversas propostas para promover a cidada-

nia LGBT+ e foi elaborado pela primeira Conferência Municipal LGBT. Em 2019 então surge o segundo plano muncipal, um documento que reflete as necessidades da população LGBT de Florianópolis e traça um fortalecimento na fomentação da luta e do engajamento coletivo para a construção de uma sociedade com cada vez menos violência.

OBITUÁRIO CONVITE PARA MISSA Ainda em luto por nossos integrantes a comunidade LGBTI+ convida toda a população para a missa da morte de diversas pessoas que faleceram vítimas do preconceito e intolerância.

A. ALVES NASCIMENTO,

travesti, 22 anos - encontrada morta com sinais de tiros no corpo - 2017 / Criciúma - SC

ALEXSANDRO LUZ FERREIRA , gay - morreu após ser espancado - 2017 / Itajaí- SC

NOTA DE SEPULTAMENTO Lamentamos a perda inestimável de tantas trans e travestis que tem uma expectativa de vida de até 35 anos no Brasil, o país que mais mata e consome seu conteúdo

CHAIANE NAZÁRIO, lésbica, 23 anos - encontrada morta e amarrada à pedras com marca de tiros - 2012 / Florianópolis - SC

RUSSEL K. W. ROSA, travesti,

37 anos - morta com perfurações de tiros no corpo - 2012 / Joinvile - SC

GIOVANA ATANÁZIO,

transsexual, - encontrada morta às margens de um rio - 2016 / Florianópolis - SC

NOTA DE FALECIMENTO É com muito pesar que comunicamos que em média à cada 19 horas morre um LGBTI+ no Brasil, um dos países que mais mata pessoas da nossa comunidade. JENNIFER HENRIQUE,

transsexual, 38 anos - assassinada a pauladas - 2017 / Florianópolis - SC

LUIZ P. PFEILSTICKER, gay ALEXANDRE J. B. SANTIAGO, gay 32 anos - pedrejado até a morte em praça - 2016 / Florianópolis - SC

- encontrado morto com marcas de facadas no corpo - 2017 / Itajaí - SC

MARY MAX , lésbica - suicídio 2017 / Joinville- SC

FOLHA DO MEIO

J.C.W.P , travesti, 27 anos - encontrada morta com marcas de tiros em via pública - 2015 / Lages - SC

ÉRICK K. X. SILVA, gay , 15

anos- espancado até a morte - 2017 / Araranguá- SC

TELMO V. DE SOUZA, gay, 29

anos - encontrado morto com sinais de espancamento - 2017 / Camboriú - SC

JENIFER TOLEDO, transsexual, 27 anos - encontrada asfixiada com um cinto no pescoço - 2016 / Camboriú - SC


CAROL MACHADO, transsexual, 27 anos - espancada e morta à tiros - 2018 / Xaxim - SC

ROBERTONA, travesti, 38 anos - encontrada morta com sinais de tiros no corpo - 2014 / Chapecó - SC

MIRELA, transsexual, encon-

trada morta embaixo de pilha de entulho - 2018 / Balneário Camboriú - SC

TANIA LOPES, transsexual,

morta à tiros dentro de casa - 2018 / Florianópolis - SC

DANIEL ANTUNES, gay, 21

anos, suicídio - 2018 / Florianópolis - SC

ROBERTO C. SCHNEIDER, gay, 49 anos, encontrado

morto om sinais de facadas - 2015 / Joinville - SC

ORAÇÃO PRINCIPAL Ave Maria sozinha na praça, o senhor nunca é convosco Bendita é tua voz entre as travestis Bendito é o fruto do teu trabalho na luz Santa Maria, não és mães, tão pouco acredita em Deus Rogai por nós trabalhadoras, agora e na hora de tua morte Quem roga por Maria ? Jesus ? Deus ? Quem ? Amém ? Poema: Oração Principal, escrito por Amanda Kahlo e Vita Pereira, faz parte da série documental O Babado Periférico disponível no YouTube

JULIA VOLP, transsexual, 20

anos, encontrada morta em terreno baldio - 2017 / Florianópolis - SC

CHARLES A. S. WOLODASCZIK, gay, 24 anos, encontrado morto com vários ferimentos 2015 / Joinville - SC

BENHUR M. CASTRO, gay,

VITÓRIA M. ANACLETO

40 anos, assassinado com mais de 40 facadas - 2012 / Camboriú - SC

lésbica, 18 anos, morta com tiro na cabeça - 2014 / Camboriú - SC

MAURÍCIO R. BENTO, gay,

F.J.R, transsexual, 27 anos,

43 anos, morto à facadas - 2013 / São José - SC

encontrada morta com sinais de faadas e enforcamento - 2014 / Florianópolis - SC

ALEXSANDER BERNARDES , gay, 27 anos, morto com tiros na

ARTHUR R. ROSA, gay, 16

cabeça - 2013 / Itajaí - SC

anos, enforcamento - 2013 / Florianópolis - SC

NORIVAL CARDOSO, gay, 69 anos, encontrado morto e amarrado as margens de uma rua - 2016 / Florianópolis - SC

KAROL MELLO, travesti, 30

anos, encontrada morta às margens de rodovia- 2015 / Içara - SC

BRUNO V. VARGAS, gay, 19

anos, encontrada morta em matagal com sinais de tiros - 2014 / Florianópolis - SC

C.A.R, travesti, 22 anos, encontra-

da morta om sinais de espancamento - 2013 / Videira - SC

S.S. , transsexual, 27 anos, morta com tiro na cabeça - 2013 / Palhoça - SC

STEFANNY, transsexual, 26 CLEVERSON S. ROCHA,

gay, 33 anos, morto à tiros - 2012 / Jaraguá do Sul- SC

ROUX, travesti, 20 anos, encontra-

da morta com sinais de tiros - 2012 / Indaial - SC

NOTA DE PESAR Manifestamos profundo pesar pela perda de 89 trans mortas no 1º semestre de 2021 no Brasil, o que denota mais ainda a marginalização e precarização desses corpos.

FOLHA DO MEIO

anos, encontrada com sinais de enforcamento embaixo de viaduto 2012/ Blumenau - SC

J.F.L, travesti, 21 anos, encon-

trada morta - 2012 / Indaial - SC


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.