Itu, reflexões um ensaio sobre memória e ensino, a partir dos traçados fluviais
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Trabalho Final de Graduação Prof. Dr. Alexandre Delijaicov Lucas Roca dos Santos São Paulo, junho de 2016
Antes de mais nada, agradeço – e dedico – este trabalho às três pessoas que estiveram mais presentes em meus anos na cidade de Itu. À meu Pai, que mesmo não estando mais, guarda os mais singelos ensinamentos em minha memória, ficando a eterna admiração. À minha Mãe, inspiradora, pela força e delicadeza com que se trata da vida que fica. E ao meu Irmão, pelo eterno companheirismo. Ao professor Alexandre Delijaicov, pela paciência e dedicação ao longo deste último ano, capaz de instigar novos olhares a respeito de um lugar que, erroneamente, considerava já conhecido. Ao Angelo Bucci, que sendo um chefe, mostrou-se um incrível professor e grande amigo. Ao Sérgio Salles por ter sido o primeiro professor de todo este ciclo e responsável pelos primeiros passos no campo da arquitetura. À Yu, pela imensurável ajuda, paciência e companhia. a Nati, Rafa, Raquel, Dodô e Froes - atenciosos amigos que estiveram presentes ao longo deste último ano, com ajudas e indagações. A Shigueo, Brunão, Fabu, Temaki, Aninha, Nina e Carlinha, que, estando próximos durante os anos de graduação, dividiram o tempo, o conhecimento e as alegrias, contribuindo para que a formação se tornasse algo muito mais rico e animador do que precisava ser.
ao Campo, e à Base, pela indispensável amizade e pelo despertar do interesse em olhar criticamente para as questões mundanas.
1. INTRODUÇÃO 4 2. MIOLO HISTÓRICO
FORMAÇÃO HISTÓRICA - O SÍTIO DE ORIGEM
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TRAÇADO INICIAL 16
AS 3 FASES HISTÓRICAS | ITU , EDUCAÇÃO
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CULTURA DE MASSAS, QUESTÃO TURÍSTICA
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3. ALÉM RIOS ASPECTOS DO MEIO NATURAL 38 A CIDADE ALÉM-RIOS 43 O ARRABALDE URBANO 47 A ESCASSEZ HÍDRICA 51 4. PARQUE FLUVIAL URBANO 58
DEFINIÇÃO DA ÁREA DO PARQUE
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DEFINIÇÃO DOS LAGOS 68
DEFINIÇÃO DAS NOVAS FORMAS DE TRANSPORTE
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DEFINIÇÃO DE REDE DE SANEAMENTO
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APROXIMAÇÕES PROJETUAIS 84 5. UNIFESP ITU APROXIMAÇÃO 98 PROJETO 104 PROPOSTA FINAL 108 6. BIBLIOGRAFIA 128
1. INTRODUÇÃO
KOOLHAAS, in EISENMAN. p24, ano 2013 KOOLHAAS, in EISENMAN. p24, ano 2013 3 KOOLHAAS, in EISENMAN. p24, ano 2013 MENDES DA ROCHA, in: VILLAC. p89, ano 2012 1 2
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Croqui Vista da Colina Histórica. 1981, TOSCANO
O ensaio parte de duas declarações, dadas em situações completamente distintas por dois importantes nomes do cenário arquitetônico mundial. Aponto que, mesmo não havendo nenhuma relação entre os dois pronunciamentos, ambos se fazem como provocações para mim, influenciando tanto na forma de análise do objeto, como na maneira de lidar com a situação existente. Rem Kolhaas, início de 2006, em conferência dada na cidade de Nova Iorque, ao lado de Peter Eisenmman, começa sua apresentação com a seguinte declaração: “penso que posso fazer arquitetura como um jornalista, e uma das coisas mais instigantes sobre o jornalismo é ser uma profissão sem uma disciplina. O jornalismo é apenas um regime de curiosidades, aplicável a qualquer assunto, e eu diria que esse ainda é um dos fatores mais importantes que movem a minha arquitetura.” 1
A frase apontada no livro Supercrítico pode ser entendida como apenas uma introdução ao que o arquiteto tinha por comentar posteriormente a respeito de sua própria obra. Destaco-a pelo apreço que dou para a diferente forma de se compreender como se realiza o exercício de análise e projeto para o holandês. Continuando com o excerto, Koolhaas explica o motivo da inspiração pela diferente profissão: “Eu me tornei arquiteto nos anos 1970, época em que eu identificaria como o início da globalização, e assim pude usar meu interesse jornalístico pelo mundo. Examinar, como um tipo de jornalismo, quais poderiam ser os efeitos da globalização sobre a arquitetura se tornou um projeto extremamente relevante.” 2
Além deste objeto de interesse, o holandês conta que, logo após os anos de sua graduação, se interessou pelo Muro de Berlim, e o reflexo deste objeto na vida dos moradores da Alemanha, na época, dividida. A conclusão, então, aparece da seguinte maneira:
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“Quero dizer que tudo o que envolve a arquitetura – todas as narrativas e tragédias – é incorporado em minhas preocupações e no trabalho que fazemos. O que me instiga é que, com a maneira deste arquiteto notar seu objeto de estudo: todas as situações que influenciam a organização da vida humana devem ser atentadas, sendo elas uma situação política, uma construção física, ou uma mera corrente ideológica. Todo este complexo universo de situações tem potencial para ser levado em conta em um momento de proposição arquitetônica.” 3
Ao ver essa frase apontada acima, consigo facilmente ler: tudo que envolve a vida humana, nas mais diferentes escalas, narrativas e tragédias, por mais desconexas que sejam entre si, devem ser levadas em conta no trabalho realizado. Assim como faz o jornalista, que tem em sua profissão uma ferramenta para se aprofundar em outras situações, obtendo a capacidade de analisá-las, por mais díspares que sejam. Já o presente trabalho tem por inspiração esta forma de olhar para a situação. Procuro me basear nesta provocação realizada pelo arquiteto holandês por entender que, em boa parte das vezes, deveríamos atuar de fato como jornalistas. O ato de deflagrar, interpretar e apresentar situações críticas, no que estas tocam diretamente as formas das pessoas se organizarem, por mais diferentes que elas possam parecer, tem um contato direto com que nossa profissão nos propõe. Aponto isto pela intenção primordial que o exercício apresentou para mim. Inspirado no método de abordagem utilizada por Koolhaas, que lhe rendeu importantes trabalhos analíticos como Nova York Delirante, ou que posteriormente investigou o que vinha ocorrendo com o rápido enriquecimento na cidade de Lagos, Nigéria, parto da tentativa de levantar vários pontos que são entendidos por mim como críticos e que, consequentemente, tem influência direta na organização da população. Desta forma, quase que fazendo um percurso similar ao do olhar
que se lança a um determinado local no mundo, e que mesmo sem ter tido nenhum contato prévio com o seu objeto de estudo perpassa vários pontos do que se depara e define uma proposição crítica do espaço, procuro me aprofundar, de maneira crítica, em várias situações curiosas de uma ocupação urbana específica, tanto em seus fatores históricos, cruciais para a definição da ocupação urbana, como em acontecimentos ocorridos nos últimos anos. A diferença entre o meu trabalho e este apresentado acima é referente ao local escolhido: ao invés de me ater em um local completamente novo, tenho por objetivo voltar para a cidade onde cresci, Itu, local onde parte de minhas raízes ficaram marcadas e que foi responsável para minha formação pessoal como cidadão. Entretanto, tenho por intenção me esforçar para me ver livre de possíveis preconceitos surgidos com o tempo. Assim, como se nunca tivesse a visto antes, pretendo me basear principalmente em materiais bibliográficos como em relatos jornalísticos, além de breves conversas com munícipes, para que, como quem se depara com uma situação totalmente nova, necessita de diversos pontos de vista de quem já esteve ou está em contato com as questões levantadas. O segundo excerto parte de uma entrevista dada por Paulo Mendes da Rocha a Anatxu Zabalbeasca, para o jornal El País, em 2001. Quando questionado, o arquiteto brasileiro comenta: “Nunca me interessaram os edifícios isolados, autorreferentes, porque não é assim que funciona a vida. Os edifícios são instrumentos para a cidade da mesma maneira que as pedras o são para as catedrais. [...] nós, brasileiros, ainda temos tudo por fazer: devemos construir trens e tornar os rios navegáveis. Tudo isso são questões arquitetônicas que mudaram a vida dos homens. Pense nos rios. As águas não sabem quando saem de um país e entram em outro. Com isso deveríamos aprender que, para conseguir as coisas, as pessoas precisam se unir. 4
Para além de uma provocação, esta fala toma um caráter de dire-
BACHELARD. p2, ano 2002 BACHELARD. p31, ano 2002 7 BACHELARD. p25, ano 2002 5
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triz para a proposição projetual do ensaio. A cidade, seus edifícios e seus espaços, não devem ser entendidos como espaços isolados em prol do interesse de determinados grupos. Por mais que, ao longo da história, o solo urbano de grande parte das cidades brasileiras sofreu com intenções meramente especulativas, e a população passou a entender como sendo esta a única forma possível de organização, fica o questionamento proposto por Paulo: quando que entenderemos que a vida não se configura isolada, quando nossas cidades serão pensadas a partir do todo, ante a uma expansão desconexa e predatória? Reflexões surge, então, da tentativa de se deparar com vários assuntos díspares de um mesmo objeto. De acordo com o dicionário Houaiss, o termo reflexão significa o ato ou efeito de concentrar o espírito sobre si próprio, suas representações, ideais e sentimentos, uma virtude que consiste em evitar a precipitação nos juízos, a imprudência ou a impulsividade na conduta. Refletir diz respeito, dentre outros, a pensar sobre um determinado tema, meditar sobre os vários assuntos que o tangem, analisar, perceber suas influências, levantar as potencialidades, criticar. Refletir, no entanto, pode ser vista também como uma das competências mais notáveis de um elemento crucial para este ensaio: a água. Sendo ela o primeiro espelho que a humanidade teve acesso, Gaston Bachelard comenta que “a água serve para naturalizar a nossa imagem, para devolver um pouco de inocência e de naturalidade ao orgulho de nossa contemplação íntima. [...] os espelhos, por sua vez, são objetos demasiado civilizados, demasiado manejáveis, demasiado geométricos; são instrumentos de sonho evidentes demais para adaptar-se por si mesmos à vida onírica. [...] a fonte, ao contrário, é um caminho aberto. O espelho da fonte é, pois, motivo para uma imaginação aberta. O reflexo um tanto vago, um tanto pálido, sugere uma idealização” 5
O fluído, sob esta ótica, tem a função de reproduzir a vida ao seu
espectador, traduzida, porém, para uma linguagem sensível ao contato humano. Uma representação que se faz menos estática, mais ilustrada e coberta de diversas influências externas. A intenção deste ensaio surge primordialmente da nova relação que busca ser proposta para o meio urbano do município escolhido. Entendendo o espaço edificado como o verdadeiro e constante objeto de reflexão do espetáculo que os cursos d’água podem oferecer, recuperar o contato do ituano com o elemento, que há tempos fora esquecido, tem como intuito reapresentar o ambiente construído e já conhecido, sob uma nova ótica para seu munícipe, visando uma recuperação dos valores históricos, espaciais e sociais. “O lago é um grande olho tranquilo. O lago recebe toda a luz e com ela faz um mundo. Por ele, o mundo é contemplado, o mundo é reapresentado. Também pode dizer: o mundo é a minha representação”6
Esta ressignificação do espaço envoltório despertaria novos olhares, perspectivas, contatos, espaços de contemplação, dando origem ao que o filósofo e poeta francês defende como um benefício público, já que a vida “caminha melhor se lhe dermos suas justas férias de irrealidade”7. Porém, não é somente da filosofia e poesia que se inspira o exercício. Itu, cidade de famosas alcunhas, foi marcada no cenário nacional por uma grande crise. De cidade onde tudo era grande, se tornou a cidade onde não havia mais água. Durante o final do ano de 2014 e começo de 2015, o local, pagando o preço por uma gestão dos recursos deficitária e mal planejada, foi assolado pela maior falta d’agua já vista em sua história. Vale lembrar que o grande período de estiagem atingiu vários dos municípios do estado de São Paulo, sendo este o fator apontado como o principal motivo pela crise de abastecimento, de forma perversa, pelos governantes e gestores do bem público. O que desperta
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a atenção é que em Itu, município de cerca de 163.882 habitantes [de acordo com o IBGE para 2013], situado sobre a bacia de Sorocaba e Médio Tietê e com território marcado por longos cursos fluviais como o próprio Rio Tietê, só não declarou estado de calamidade pública, de acordo com boa parte dos revoltados munícipes, pois o que ocasionaria uma péssima propaganda no momento de período eleitoral. A dúvida fica, o que aconteceu com a água? Gostaria, então, de fazer um convite para a reflexão a respeito de situações como esta. Encará-la como reflexo de uma situação climática foi a saída dada por muitos. Contrapondo, apontou-se como uma crise de cunho meramente político. Mesmo sendo situações que poderiam ter sido previstas, interessa-nos questionar quais as consequências que esta difícil fase deu origem. Vale levantar as obras que foram realizadas a partir de tal momento e qual seria seu público alvo delas. Além, pretendo apresentar como se deu a relação entre o bem público e sua gestão, quais medidas foram tomadas ao longo do tempo e como que chegamos a esta situação. Isto para entender o porquê que, no imaginário do munícipe, a sensação que se têm quando se levanta a questão da água não se mostra nada otimista. “Estudar água em Itu? Mas Itu não tem água, é melhor você ir para outra cidade ver isto”, respondeu-me Renan Paradella, estudante de Direito e morador de Itu desde que nasceu, que, sem perder o tom de brincadeira, dá indícios que a ausência do elemento na vida coletiva é um reflexo mais presente do que se imagina. Por mais profunda que a questão hídrica possa parecer, as reflexões acerca do munícipio não encerram. Como quem define um objeto, como sendo algo que desperta uma imensa curiosidade e questionamento, refletir a respeito passa a ser uma atividade inevitável. Tudo se torna um ponto de interesse, correndo o risco
de se tornar algo eterno. Este ensaio acaba por entrar nesta mesma crise. Vale, para o momento, elucidar recortes do que se foi decidido apresentar, visando o embasamento da proposição projetual desejada. A questão da água e sua relação com o munícipe surge, desta forma, como um dos pontos do trabalho, apesar de não ser o único. Há diversas outras situações notáveis, que, como já descrito por Rem acima, envolvem vida humana – e todas as narrativas e tragédias – e consequentemente, a arquitetura. O trabalho parte de uma clara organização analítica, como forma de abordagem dos diversos temas que circundam o recorte definido. A organização da cidade conforme o período em questão consolida a estrutura central da análise. Dentro dos dois momentos distintos de ocupação urbana, aborda-se os pontos que decido por atribuir uma especial atenção. O primeiro, então, consiste na colina histórica da cidade, sendo ela o local de início da ocupação urbana. Chamo o trecho de Miolo Histórico, já que consiste na área mais antiga da cidade, e que, com o passar do tempo, foi se envolvendo de novos tecidos urbanos. Seus limites são marcados geograficamente pelo percurso de dois eixos fluviais de Itu, que definiram o esguio traçado entre o córrego do Taboão e seu afluente, o córrego do Broxado. É sob este aspecto que viso apontar uma particularidade da cidade de Itu. Sabendo que foi fundada no início do século XVII, o município apresentou ao longo de sua história períodos de grande prosperidade, todos vinculados à economia agrícola: em seu início a cultura do açúcar, e posteriormente e mais importante, o café. A cidade formada pelos grandes e ricos fazendeiros ficou marcada pela presença de uma série de edifícios de grande valor histórico, vinculados ora com o poder religioso ora com o interesse particular dos grandes barões. É sabido ainda a
Fotografia Colina Histรณrica da Cidade de Itu [acervo pessoal]
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importância que teve o cenário para um dos períodos políticos e históricos de grande importância nacional, a Proclamação da República. O que procuro destacar, neste momento, é como estas instâncias de altíssimo valor cultural são vistas hoje em dia. O professor e arquiteto João Walter Toscano, aponta em sua tese de mestrado a respeito do centro histórico da cidade, como delicada foi a relação entre o valor histórico e a especulação imobiliária a partir de determinada época, principalmente devido à expansão urbana. “Como decorrência de um grande progresso regional (muito especialmente, do próprio desenvolvimento de São Paulo) a velha sede começa a se depreciar. [...] A desfiguração do espaço urbano e regional se vem fazendo no sentido da destruição das relações espaciais e humanas decorrentes da mudança da escala física entre o existente, as novas edificações e as comunidades onde se encontram”8
Abordar o assunto busca apresentar uma situação que pode ser entendida como crítica, levando em conta o potencial educativo e turístico que o aspecto possui. O segundo trecho, por sua vez, chama-se Além-Rios. Correspondendo à maior área urbana do munícipio atual, o trecho visa englobar, o que surgiu para além da colina histórica, ou seja, a ocupação que avançou para fora do que os dois córregos definiram como um primeiro limite.. Neste recorte viso apresentar diversos pontos inerentes dessa porção da cidade, como o perfil geográfico do local de inserção da mancha urbana e sua situação hidrográfica. Posteriormente, apresento o primeiro momento de expansão de Itu, ocorrido entre as décadas de 1950 a 1970, e como se dava sua relação com o espaço já edificado. Para além, vale o apontamento sobre os loteamentos que surgiram a partir da data em questão, ou seja, os dispersos trechos de aglome-
TOSCANO. p100, ano 1981
ração realizados intra-muros. Isto porque a situação da zona apontada, até a década de 1970, não havia presença de nada além de grandes fazendas, que tinham como papel dar base ao cultivo de insumos agrícolas. A situação se inverteu em um momento em que, não sendo mais tão lucrativo a manutenção do setor primário no local, o interesse do capital apropriou-se do espaço, percebendo-o como um promissor sítio a ser loteado, fundamentado pela ideia de isolamento e fuga dos problemas que uma cidade grande nos proporciona. Sendo assim, estes são os pontos que apresento como base de compreensão para um determinado recorte do lugar. Posteriormente, são apresentadas as proposições projetuais, fundamentadas nas necessidades, nos pontos críticos, análises, influências e potencialidades que foram destacadas. Tudo isto como base para propor uma intervenção em um sítio com um valor histórico notável, situado em um ponto estratégico do estado de São Paulo, que se esquecera da importância que os traçados fluviais tiveram ao longo de sua história. Procurando contribuir para uma nova leitura do local, visando, assim, realçar e enriquecer suas características.
fotografia colina histórica aquarela da Vista da Cidade de Ytú, c. 1850, autor Miguel Dutra [LIMA, P 21. 2014 TARASANTCHI, 2003, p. 153]
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2. MIOLO HISTÓRICO
FORMAÇÃO HISTÓRICA - O SÍTIO DE ORIGEM Século XVI, capitania de São Vicente. Idos de 1600. A futura capital do estado ainda se encontrava no posto de vila. Vila de São Paulo, recém fundada, que preenchia um território não muito maior do que as singelas ruas que uniam o triângulo inicial – Páteo do Colégio, Convento do Carmo e Mosteiro de São Bento. Economicamente, a vila em questão tinha importância completamente marginal perante à economia colonial, que se baseava na exportação açucareira, principalmente no litoral nordestino. “Naquela época a cidade era pobre, e sua população, gente de poucos recursos econômicos se comparadas aos colonos que viviam no litoral. Essa se via obrigada a organizar expedições oelo sertão em busca de mão-de-obra indígena e ouro: ‘o remédio para a pobreza’” 1
A colônia portuguesa, como apontada por Sérgio Buarque de Holanda, limitava sua ocupação apenas a porção litorânea do território. O movimento bandeirista surge em decorrência da falta de atenção dada aos trechos menos produtivos da colônia brasileira, e teve, assim, uma grande importância na interiorização da ocupação do território nacional. A Vila de São Paulo tinha, porém, uma peculiaridade. Peculiaridade esta que deu base para eixo de deslocamento do determinado grupo, e com ele, iniciou uma série de fatores que marcariam a importância da vila no cenário nacional. Indo contra o que se faz mais comum, o traçado do seu rio que cruzava pouco mais a norte a pequena ocupação, não ia em direção ao mar, mas sim para o interior do continente. O tal rio, a que depois foi dado o nome de Tietê, tinha sua nascente muito próxima do litoral, atualmente no munícipio de Salesópolis, e saindo de próximo da região da Serra do Mar, percorre cerca de 1010km de exten-
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KOK. ano 2004
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Carta Topográfica de uma parte da Provícia de São Paulo, s/d, autor Sargento Mor João da Costa Ferreira [LIMA. p55, 2014 - Leituras cartográficas históricas e contemporâneas, 2003].
são, encontrando sua foz no Rio Paraná, à oeste, junto da cidade de Três Lagoas. Este grande curso d’agua que dá nome à uma série de bacias hidrográficas no estado de São Paulo teve um papel fundamental nos movimentos bandeirantes da época, já que serviu como a principal via de transporte utilizada pelos mesmos, dando origem a um eixo inicial de interiorização do território brasileiro. A busca realizada pelos tais bandeirantes variava bastante.
Tendo em vista a situação econômica da capitania, bastante longe da principal rota comercial da colônia, o movimento procurava, em suma, suprir a falta de atenção dada por Portugal, com um circuito comercial paralelo. O principal objetivo variava entre a procura por pedras preciosas e o apresamento dos povos indígenas, para que fossem comercializados no mercado escravocrata. Desta maneira, iam contra o movimento jesuítico, que pregava a catequisação dos mesmos.
aquarela do Salto de Itú no Tietê, tirado em 1845, autor Miguel Dutra [LIMA. p73, 2014 - BARDI, 1981, p. 43] gravura do Salto do Tietê. 1849, autor Hercule Florence [LIMA. p77, 2014 - edhorizonte.com.br, em 13 de julho de 2011] gravura da Queda do Tietê perto de Itu, 1829, autor Jean-Baptiste Debret [LIMA. p80, 2014 - BANDEIRA, 2007, p. 267]
LUIS. p92, ano 1980 TOSCANO. p04 4 TOSCANO. p04 5 IANNI. p15, ano 1996 6 TOSCANO. p04 2 3
“Reis, por direito divino, supunham não precisar de mais intermediários junto à Deus. Queriam a catequese dos aborígenes, não há dúvida, mas nestes queriam vassalos para descobrir minas e para segurar seus domínios na América. Faziam esses reis uma política de equilíbrio. [...] Sustentavam os jesuítas fazendo leis proibindo a cativação dos índios; mas por muitas vezes fizeram vistas grossas a essa cativação, apoiando os colonos, que só se abalançavam a descobrir minas com o intuito de cativar mais índios” 2
Além dos dois principais motivos, uma movimentação bastante frequente acontecia em apoio às outras, provendo suprimentos aos que estavam em situação de desbravamentos. Eram denominadas de monções, tendo em vista a época de chuvas, mais favorável para o transporte fluvial. “O povoaento da área coincide com as reinvestidas coloniais entre 1597/1607, pelo Tietê, rumo às populações indigenas do sertão dos Carijós e Guaranis, estes últimos no velho roteiro do Paraguai, - para apresamento de mão-de-obra; e coincide também com a fundação estratégica de um estabelecimento castelhano no interior percorrido pelos paulistas” 3
O local era denominado como Boca do Sertão, e por muito tempo foi a ocupação mais a oeste do território nacional. Utu-Guaçú, do guaraní, “salto d’agua ou cachoeira grande”, e posteriormente Ytu, surge como local estratégico na região, por anteceder os cânions do rio Tietê [hoje em dia situados na cidade de Salto], momento em que a navegação no corpo d’água se torna muito dificultada pela presença de duras rochas, típicas do embasamento cristalino, onde inesperadas cachoeiras e corredeiras se formam. E nesta especificidade geográfica foi visto um importante cunho estratégico e logístico, que “por volta de 1604, no desembocamento do antigo caminho de Parnaíba ao Porto do Sertão, no campo em que se forma entre a Barra do Pirapitingui, antes de Salto, e o Porto de Goes, vai se instalar uma família
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de colonos, com seus agregados, e índios escravizados naquele sertão adiante” 4
Durante os anos posteriores, a ocupação se afirmou “como um ponto de apoio e ligação entre a vasta rede de comunicações e aviamentos organizada para a preação de índios, a busca do ouro, a cata de pedras preciosas e o núcleo de mineração. Itu começou a ser fundada, então, por um sertanista que decidira abandonar o bandeirismo pela agricultura” 5
Em 1610, Domingos Fernandes, cria, então, um centro populacional que se conecta à vasta rede de trilhas, rios e caminhos existentes, entre a Vila de São Paulo e as ocupações das regiões interioranas e ao sul, futuramente Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Paraná. “A Boca do Sertão, as ‘armações’, sociedades mercantis em embrião, passam por ali, em busca de mercadoria-índio. Ponto de aldeamento forçado e triagem de mão de obra conquistada; ponto de catequese dessa mão-de-obra; ou ponto de dominação do espaço colonial, da fixação de propriedade e do aproveitamento daquela mão-de-obra para a produção de gêneros comercializáveis” 6
Com este embrião de sociedade se formando no local, surgem os interesses de âmbito político e religioso para a região. Para a metrópole portuguesa, é sabido que a presença do Estado na vida dos colonos se traduzia não somente com edifícios públicos. A Igreja, neste momento, era um fator de destaque na sociedade. E para o poder religioso, como já apontado, era considerada “ilegal” a escravização do povo indigena. O povoado de Ytu passara a ser atrativo também aos jesuítas, tendo em vista o interesse em catequisar os povos não católicos da colônia. No local, era percebido um alto potencial de se tornar o “[...] ponto de catequese dessa mão-de-obra; ou ponto de dominação do espaço colonial, da fixação da propriedade e do aproveitamento da mão-de-obra para a produção de gêneros comercializáveis, ali então se
TOSCANO. p05 TOSCANO. p05 9 TOSCANO. p15, ano 1981 10 TOSCANO. p06 11 TOSCANO. p08, ano 1981 7 8
fez necessária a existência de um edifício votivo ao agrado que compõe a vida colonizadora – uma capela provida e benta: a devoção à Nossa Senhora da Candelária [‘candeia’, ‘luz’, ‘guia’] [...] A localização da capela nos ‘Campos do Pirapitingui’ era na paragem chamada de UtuGuaçu, e de 1610 a 1644, notando o aumento da povoação, assim justificava o instituidor da capela a necessidade de se ter ali um capelão nomeado” 7
Pouco tempo se passou, e em 1657, o pequeno povoado já recebia a denominação de Vila. Com isso, havia a necessidade de uma “sede político-jurídica para aquela região povoada e agriculturada” 8. Havia uma intenção estratégica do governo colonial com esta determinação, ampliando suas dominações à oeste do continente: “era a necessidade de um centro, onde se afirmem os cargos de milícia, justiça e governo, para que sejam distribuídos para os ‘homens bons’”. A destinação de determinados cargos públicos na recém-fundada vila deu início a um traçado urbano, com seus símbolos necessários de poder – político, sacro e das justiças – ao longo da delimitação do que seria um novo “centro”, com a distribuição inicial dos lotes, os logradouros públicos e as áreas destinadas ao patrimônio do conselho. TRAÇADO INICIAL Por volta de 1680, a expoente vila do interior de São Paulo contava já com cerca de 300 casas. O desenho urbano da cidade começa a ser delimitado, a partir de um eixo definido entre os dois primeiros estabelecimentos sacros do vilarejo, a primeira Igreja da Matriz [hoje chamada de Igreja do Bom Jesus], e o pátio central da cidade, denominado de Largo da Candelária [atualmente chamada de Praça Padre Miguel]. O eixo sacro, assim, foi sendo ocupado pelos casarões dos colonos mais abastados, que
possuiam maior quantidade de terras e escravos. “Considerada como a ‘mais enobrecida, populosa e abastada’ das vilas da capitania, seu espaço urbano foi sendo estruturado em função dessa opulência e da sua função de sede da economia rural da capitania” 9
É importante frisar, para que não se estimule um equívoco, que a situação da economia tanto ituana, como paulista, ainda eram vistas de forma muito aquém do esperado pela metrópole portuguesa. Assim, embora se deflagre, para esse caso, uma ocupação urbana com maiores recursos financeiros, isto se faz em comparação apenas às outras vilas de uma capitania com baixíssimo interesse para o Império, na época. “Em tais condições, o que se poderia considerar como plano da vila não passaria de uma rua-eixo ligando dois pátios – o da antiga – ermida e o pátio central da cidade”10
Durante um bom período, a economia da vila de Itu se manteve intacta, mesclando a agricultura de subsistência, o comércio e apoio aos movimentos sertanistas e o apreamento de povos indigenas. O professor Walter Toscano descreve que “penetrada por largos quintais com até criação de gado, e mais as chácaras (pequenas sesmarias distribuídas no rocio da vila), fora de arruamentos, a vila deveria abrigar algumas pessoas vinculadas a um esboço de comércio (pequenas produções como de ovos, bananas, milho, mandioca e porcos) ou a ofícios artesanais, para a prestação de serviços aos ‘bandos’ itinerantes de sertanistas, o que deve justificar a existência de construções diminutas, precárias de propriedade desses homens” 11
e aponta que até o início do século seguinte, pouco havia se alterado na forma de ocupação urbana. Francisco Nardy Filho, cronista ituano, conta que foi só a partir ano de 1750 com a volta da viagem de alguns ituanos, “retornando dos campos de Cuiabá e Goiazes, trazendo muito ouro e
TOSCANO. p07, ano 1981 TOSCANO. p15, ano 1981 14 LIMA. p22, ano 2014 12 13
investindo em escravos, instalações para engenhos e sua sede rural”, que foi dada uma guinada na economia. Nesta mesma década fora finalizada a construção de mais um edifício religioso, destinado, desta vez, à ordem das Carmelitas. A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, implantada ao longo do eixo das duas igrejas inicias, a sudeste, determinava um novo eixo de expansão para Itu. Novos arruamentos são inaugurados, destinados principalmente à classe mercantil burguesa da cidade – afazendados e negociantes.
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O promissor povoado se via em constante crescimento, que acompanhava sua economia cada vez mais enriquecida.
Neste momento, Itu era considerada a terceira vila da capitania em população, atrás apenas de São Paulo e Parnaíba. A produção agrícola do açúcar ganhava força econômica, surgindo a possibilidade de se pensar em exportação.
Geograficamente, a vila ocupa o espigão divisor de águas, que conforma uma colina de inclinação suave entre os dois córregos – Taboão e Brochado - de crucial importância para a definição do sítio. O traçado inicial definido pelas edificações de cunho religioso se aproveitou desta topografia, acompanhando seu sentido, e definiu, assim, o principal eixo da vila entre as três ordens sacras já apontadas. A partir daí, é percebido que as vias, seguindo esse alinhamento, foram ocupando o sentido nordestesudoeste da colina, de forma longitudinal, e se entrecruzando com algumas pequenas ruelas transversais. Além, Lima explica que
“Apesar de sua distância do porto de escoamento – Santos – Itu é convocada para contribuir para o melhoramento e conservação do ‘caminho do mar’, com forte participação, por ser considerada a mais nobre das vilas da capitania“ 12
“a cidade foi se abrindo, amarrada aos caminhos de chegada e também de partida: São Paulo/Jundiaí, Porto Feliz, Sorocaba e a cachoeira do Utu-Guaçu. Este último, ligação com a queda d’agua do Rio Tietê, que hoje corta o município de Salto” 14
A vila atingia, neste momento, um alto grau de importância regional, sendo a terceira mais rica economia do sudeste brasileiro.
Para além da descrição realizada na obra de Toscano e de Lima, cabe aqui uma análise do desenho da evolução da mancha urbana a partir do esquema gráfico levantado pelo CONDEPHAAT. No primeiro desenho, que apresenta a ocupação da vila por volta do ano de 1775, nota-se a implantação dos edíficios religiosos, e sua localização bastante centralizada entre os dois córregos em questão. Indo da cota mais baixa, onde se situa o Cruzeiro Franciscano e a Igreja de São Francisco, até a mais alta, no Convento do Carmo, pode se ter uma ideia do que Toscano afirmara como a junção dos três poderes imperiais necessários para uma apropriação espacial do território. A justiça, apresentada à sociedade com a cadeia, o poder político, ilustrado pelo Pátio do Carmo e o mais notável, o poder religioso, de maior contato com a sociedade da época, definindo o eixo principal da vila. Ainda se nota a existência das primeiras quadras, já lotea-
“Neste período, que vai até os inícios do século XIX, os templos principalmente, até então diminutos ou em estado precário, ou por fazer, é que darão monumentalidade à vila, marcando a ‘glória do Estado e da Religião’ e, obviamente, o poder do açúcar. As residências que se levantaram na área ‘nobre’ da vila, algumas assobradadas, serão, principalmente de negociantes, ou fazendeiros-negociantes. Todos os templos serão ampliados, abundantemente redecorados e até levantados de novo. [...] Quanto às ruas, consertá-las, fazer cintas de pedras nelas, e calçadas, são indicações constantes nas atas de administração do período. [...] Também a mendicância e a insanidade crescem na vila e no campo: o pietismo fervoroso de um padre-fazendeiro conseguirá erguer um hospital para os lázaros, na saída para Porto Feliz” 13
reprodução de mapa da evolução urbana de Itu [acervo do Museu Republicano Convenção de Itu. fonte CONDEPHAAT - Diagnóstico de Itu , TOSCANO]
reprodução de mapa da evolução urbana de Itu [acervo do Museu Republicano Convenção de Itu. fonte CONDEPHAAT - Diagnóstico de Itu , TOSCANO]
das, seguindo o eixo definido pelo Estado. Nos desenhos posteriores, nota-se que a ocupação urbana vai se dando a volta do eixo cívico e político da vila. Respeitando os largos das Igrejas e parte dos alinhamentos, a expansão inicial se dá apenas no sentido leste-oeste, e somente depois ela passa a ocorrer nos diversos sentidos, mas sem perder seu caráter nuclear. Algumas rotas que apontam para uma expansão ora a sul, ora a noroeste, como já apontado por Lima, dão sinal da conexão que ia sendo estabelecida com os municípios vizinhos. A partir do século XVII, começam a despontar novas edificações de caráter público, como colégios, novas capelas e até um mercado municipal, o que dava sinal do bom momento que a economia ituana passava. É interessante notar ainda que, mesmo com a constante expansão ao longo dos anos, a vila ainda respeitou o caráter inicial de seu desenho urbano, com quadras longilíneas que não variavam muito de dimensão [respeitando uma média de 150 metros por 75 metros], e com traçado expandindo sempre na direção sudeste-noroeste, conforme o relevo e a hidrografia indicavam. No último gráfico apresentado, já com o traçado existente no início do século XX, é interessante como a cidade se manteve entre-rios e sem uma ocupação marcante de suas margens, esboçando, neste momento, apenas algumas tentativas de ocupação além das barreiras naturais.
Destaca-se ainda, nas imagens apresentadas, uma linha que, ao cortar o traçado urbano da vila, a divide em “Villa Nova e Villa Velha”. Esta seção corresponde à uma diretriz administrativa da época, que, dividindo a vila em duas porções, no traçado da travessa de Madre Maria Teodora, direta de córrego a córrego, teria o efeito de fiscalização municipal, além de “determinar que a expansão deveria ser para aquele lado” [toscano, p28, ano xxx]. Neste momento a vila passa a tomar sua forma mais alongada, já que as novas edificações deveriam respeitar a distância existente até a confluência dos dois córregos, e assim, se voltarem para a parte mais alta da colina, à sudeste. Com isto conformouse uma área que tomaria o aspecto de centro histórico da vila, e que chegou a ser respeitada por cerca de meio século. Como vê-se nas imagens, apenas no levantamento realizado para o ano de 1878 que novos arruamentos voltam a ser realizados na direção contrária ao que havia sido determinado anteriormente. Nota-se ainda que, desta maneira, as autoridades administrativas apresentavam um alto grau de cuidado com a feição que a vila estava tomando, “As preocupações com a manutenção dos alinhamentos, [...] são frequentes nas atas e ofícios das municipalidades. E não só para Itu: para as freguezias que se formam ao fim dos anos de 1820 – Indaiatuba, Capivari e Cabreuva – e onde se começam a construir casas, os vere-
adores ituanos fornecem um traçado, ou criticam e orientam: “as ruas devem seguir paralelas às outras [...] deve-se evitar a tortuosidade com que se vai edificando cazas. Alinhar pela forma que vai demonstrada, de qualquer outro modo, que seja, será seguir os defeitos das antigas povoaçoens” 15
Auguste de Saint-Hillaire, pintor, fez uma descrição bastante minuciosa à época, a respeito de como a vila era percebida para quem a percorresse: “A cidade é estreita e alongada, compondo-se de algumas ruas paralelas, de pouca largura, mas bem-alinhadas, que cortam outras ruas estreitas, em geral, e marginadas por muros e jardins. Nas ruas principais, a frente das casas é calçada com largas pedras lisas e compactas; as demais não são calçadas, pelo que os transeuntes afundam os pés na areia do respectivo leito. As casas são pintadas de branco e, em sua maioria, construídas de taipa; algumas, que podem se passar por belas, têm um andar além do rés do chão; [...] Vêem-se em Itu várias pequenas praças; mas a que está edificada a igreja paroquial é a única pouco mais notável. Essa igreja, dedicada a Nossa Senhora da Candelária, ocupa um dos pequenos lados da praça, que tem a figura de um longo quadrilátero; é ornada com gosto e tratada com extrema limpeza, apresentando a majestade que convém a um edifício consagrado de culto divino. [...] Além da igreja paroquial, possui Itu mais oito edifícios consagrados ao serviço divino. [...] Nos domingos e dias de festa, Itu tem muito movimento. Nesses dias, os proprietários da vizinhança vão à cidade a fim de assistir ao serviço divino.” 16
AS 3 FASES HISTÓRICAS | ITU , EDUCAÇÃO Mas ao se deparar com todas estas informações, um leitor, possivelmente desavisado, deve se questionar o que fez essa pequena vila, fundada por grupos marginais perante a economia colonial, receber tanto destaque em escala regional? Para além disto, e notando o grau de influência que tal centro possuía perante às novas vilas que iam se formando à sua volta, fica mais uma dúvida quanto ao seu papel como “cidade – boca do sertão”: quais trocas eram realizadas? Existia em Itu uma cultura de polo do conhecimento interiorano, ou ela se baseava apenas na sua economia agroexportadora, ligada às outras grandes freguesias, como São Paulo e Santos? Vamos à estas dúvidas. E para isto, acredito que seja interessante se basear na historiografia existente a respeito da cidade, que divide suas histórias em 3 momentos-chave, tendo em vista a base de sua economia. Pretendo destacar aqui quais eram as trocas realizadas durante cada um deles, que ilustram como a importante vila do sertão da capitania exercia seu papel de destaque no cenário colonial, e que foi crucial para a sua rápida expansão populacional e economica. Neste sentido, viso explorar os vários momentos econômicos e como Itu se apresentou como uma cidade educadora em cada um deles.
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15 TOSCANO. p28, ano 1981 SAINT-HILAIRE in IANNI. p28, ano 1996 17 IANNI. p15, ano 1996 18 IANNI. p16, ano 1996 19 HOLANDA in IANNI. p16, ano 1996
corte esquemático da Rua Paula Souza [acervo do Museu Republicano Convenção de Itu. fonte CONDEPHAAT - Diagnóstico de Itu , TOSCANO]
Inicio pelo momento de fundação da cidade, em que o autor Octavio Ianni caracteriza como a Fase Sertanista da vila de Itu. Sem entrar em aspectos já apontados anteriormente, abordo aqui este momento histórico para discriminar mais profundamente como eram feitas as relações econômicas e sociais no cenário recém-fundado, e quais eram as principais contribuições dadas pelos diferentes grupos que compunham o cenário em questão. Apenas para retomar o raciocínio, cito que “primeiro, durante o século XVII, foram as bandeiras formadas para prear índios ou buscar metais e pedras preciosas. Depois, durante a primeira metade do século XVIII, foram as monções, formadas para comerciar nos núcleos de mineração em Cuiabá, Goiás e outras partes da colônia” 17
Aponto este trecho para que se note um recorte da composição social da vila, no século apontado pelo historiador. Os atores principais eram os bandeirantes, sendo que, parte deles estavam em direção ao sertão, e viam na vila um entreposto comercial e de repouso e uma outra parte, a que havia decidido por se estabelecer ali, passaria a viver do comércio agrícola. E além destes, vale apontar a presença dos povos indígenas no local, que, tendo em vista a sua situação de apresamento e o trabalho compulsório, acabaram também por compor o quadro social da vila. A sociedade, desta maneira, era muito particular por unir diversos interesses em torno de um mesmo espaço. “A despeito da predominância dos negócios dos sertanistas, bandeirantes ou comerciantes, em suas idas e vindas por longos espaços e tempos, formaram-se roças e criações no lugar, fixaram-se famílias e gerações, meio ligadas aos movimentos em questão, meio ligadas à terra, às roças e criações. Mesclaram-se os portugueses e os índios, escravos e forros [...] Assim, enquanto se estendia a rede de povoamento e negócios pelas longas lonjuras, formava-se [em Itu] a base de uma sociedade peculiar, a sociedade caipira” 18
Ianni se refere à nova sociedade que ia se formando por entre os anos de 1610-1750, momento em que se iniciara a ocupação do local, embora ainda não houvesse nenhum traço de mancha urbana. Era uma sociedade completamente agrícola que se formava, e as trocas de saberes entre os diversos atores que a compunham foi essencial para o que se denominou de cultura caipira. Vale apontar que esta situação não era uma peculiaridade apenas da vila ituana, já que, de acordo com Sérgio Buarque de Holanda, esta relação pode ser vista quase que em boa parte do interior paulista: “durante a maior parte do século XVII, as terras a oeste foram consideradas grandes reservatórios de índios domesticados ou brabos, que os paulistas iam prear para as suas lavouras” 19
Com o passar do tempo, e consequentemente com a queda das atividades bandeiristas, as atividades comerciais e agrícolas ganham força nas diversas ocupações territoriais que iam ocorrendo no interior de São Paulo, sempre muito voltada para o apoio das atividades de mineração que aconteciam em Goiás ou Minas Gerais. Esses acontecimentos estão bastantes ligados à história da cidade de Itu, já que, como exemplo, Nardy Filho conta que “em 1678, parte de Itu, embarcando no porto de Pirapetingui, uma monção formada por seis canoas grandes com destino ao Paraguay [...] as monções deram também notável incremento ao progresso de Itu; partiram as monções de Araritaguaba [Porto Feliz] porém, era em Itu que elas se organizavam. Itu era o empório em que os que iam partir se abasteciam do que lhes era necessário – roupas, fazendas, ferramentas e outros artigos do gênero.” 20
E era neste contexto que efervescia uma nova sociedade, tipicamente brasileira. A mistura de interesses portugueses e bandeirantes com os conhecimentos naturais dos saberes indígenas foram explorados para que se desenvolvesse uma economia
NARDY FILHO, in IANNI. p18, ano 1996 HOLANDA in IANNI. p19, ano 1996 22 HOLANDA in IANNI. p20, ano 1996 23 IANNI. p20, ano1996 20 21
de subsistência mais fértil, além das atividades econômicas ligadas às explorações do “sertão paulista”. Os bairros rurais, recém-criados, voltados à criação de gado e plantio se apoiaram nos saberes trazidos pelos portugueses em contraposição com as técnicas indígenas, já conhecedoras das potencialidades da região, para formular um saber caipira. Essa miscelânea de culturas foi apresentada por Sérgio Buarque de Holanda da seguinte maneira: “A sociedade constituída no planalto da capitania de Martim Afonso manteve-se por longo tempo ainda, numa situação de instabilidade ou de imaturidade, que deixa margem de maior intercurso dos adventícios com a população nativa. [...] É inevitável que nesse processo de adaptação, o indígena se torne seu principal iniciador e guia. Ao contato dele, os colonos, atraídos para um sertão cheio de promessas, abandonam, ao cabo, todas as comodidades da vida civilizada. [...] A capacidade de resistir longamente à fome, à sede, ao cansaço; o senso topográfico levado ao extremo; a familiaridade quase instintiva com a natureza agreste, sobretudo com seus produtos medicinais ou comestíveis.” 21
Sendo, assim, uma situação de constante troca cultural, em que os portugueses passaram a compreender a forma de vida dos povos indígenas e notaram que, aplicá-las em seus costumes, traria benefícios. Dentre as técnicas, destaca-se o abandono do uso de sapatos e botas ou o caminhar em “filas indianas”, visando facilitar os grandes deslocamentos, além das rústicas técnicas de produção agrícola, que se mostravam extremamente eficazes. “O recurso a numerosas técnicas primitivas, em parte ainda persistente, de aproveitamento do solo americano, resultou, sem dúvidas, dos contatos mais ou menos íntimos que manteve o colonizador europeu com antigos naturais da terra [...] Em São Paulo, por exemplo, e nas terras descobertas e povoadas por paulistas, atestam numerosos documentos e permanência geral do bilinguismo tupi-português durante todo o século XVII” 22
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É nesse contexto geral que a vila de Utu-Guaçu se encontrava sob efeito de constantes ensinamentos da vida indígena com os interesses portugueses. E pela sua posição estratégica, de entrada do sertão inóspito, a cidade tinha a capacidade de difusão destes saberes entre as vilas que iam se criando a oeste. Mas, como já foi apontado, nada se manteve provisório e nômade. Com o passar do tempo, a população foi se firmando e criando raízes na vila ytuana. As técnicas agrícolas foram melhoradas, a produção cresceu e passou a ser comercializada com maior afinco. Do provisório, criou-se a permanência, e logo uma classe aristocrática se fazia presente naquele povoado. “O poder religioso, o poder econômico e o poder político emergentes começaram a assinalar posições e lugares”. Com a vinda dos jesuítas e suas missões catequizadoras, “começaram a ser construídas igrejas e conventos, que expressaram a sobriedade dos recursos econômicos e culturais, por um lado, e a emergência de uma cultura aristocrática, por outro” 23
A religião, sempre muito unida com a cultura agrícola da época, passou a se fazer cada vez mais presente no local. Como aponta Alcantara Machado, não se via nenhuma família da governança da terra, em que não contivesse freiras ou clérigos em profusão. Com as primeiras igrejas, surge um esquiço de núcleo urbano na vila. O avanço econômico dos produtores agrícolas, levaria a uma progressiva consolidação da ocupação deste território, além de uma emancipação de um setor privilegiado por sobre a face caipira que havia tomado forma. Era o início de uma nova fase na vida da cidade de Itu. A nova cultura agrícola dava sinais de prosperidade, o poder religioso, em consonância com as famílias mais abastadas da produção açucareira, aumentava sua influência na pequena vila, o aumento do fluxo de capital dava ares de suntuosidade aos edifícios recém construídos e novas
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NARDY FILHO in IANNI. p26, ano 1996 NARDY FILHO in IANNI. p27, ano 1996 26 SAINT-HILAIRE. p239, ano 1945
fotografia do Largo do Carmo, c. 1880, autor desconhecido [LIMA, p 108, 2014 OLIVEIRA et al., 2011, p. 109] fotografia da Rua Direita, atual Paula Souza, a partir do Largo de São Francisco, com Igreja do Bom Jesus ao fundo, c. 1890, autor desconhecido [LIMA, p 104, 2014 - OLIVEIRA et al., 2011, p. 163]
relações eram firmadas. Foi a fase denominada de Prosperidade Açucareira.
nava uma baixa do preço no mercado externo. Como consequência, a vila cada vez mais se via integrada à capital e ao porto.
A vila, beneficiada então pelo cenário criado com as monções, que dando base para um setor comercial, além de trazer índios e metais preciosos, gerou um grande acúmulo financeiro para as famílias já estabelecidas. Boa parte do capital era investido nas fazendas, e em sua grande maioria na cultura canavieira, já que correspondia ao insumo agrícola mais explorado na colônia até o momento.
Vale destacar que o aumento da cultura canavieira não era uma peculiaridade da cidade de Itu, e muito menos a produção do estado era toda realizada na mesma. O grande valor de venda do produto, tanto no mercado interno como no externo difundiu a cultura por boa parte do oeste paulista. Dentre as que se destacaram, 4 vilas eram apontados como os mais importantes centros produtores. A estas, era dado o nome de “quadrilátero açucareiro’. Eram elas Jundiaí, Sorocaba, Mogi-Guaçu e Piracicaba, e no centro deste quadrado, fazendo uma alegoria à sua importância, estava Itu. Apesar de ocorrido um notável aumento da quantidade de fazendas que lá existiam, como afirma Maria Petrone, que de cerca de 25 engenhos existentes para ano de 1776, passaram a ser contabilizados 113 para o ano de 1799, Itu tivera principalmente o papel de refinamento do produto bruto. Seguindo, desta maneira, a lógica da produção açucareira já ocorrida no nordeste brasileiro, aumentou a quantidade de engenhos e de mão-de-obra escrava negra presente na vila.
“Após as monções, veio o ciclo da cana; grandes latifundiários [...] que tanto se distinguiram nos esforços pelo progresso de sua terra natal, montaram seus engenhos, estenderam seus canaviais no que foram seguidos por outros, e Itu tornou-se o maior centro produtor de açúcar da capitania e daí ser considerada a vila mais próspera, populosa e rica [do interior paulista]” 24
Com este acúmulo financeiro, veio o destaque regional entre as pequenas vilas próximas, e a modesta vila passou a ser vista como o centro comercial e bancário entre suas vizinhas. O produto oriundo da cultura canavieira passara a ser conhecido em toda a capitania, sendo vendido tanto na capital como internacionalmente. O contexto contribuía para este aumento da produção do artigo, que era “estimulado pelas condições favoráveis do comércio internacional e pelas medidas governamentais que tenderam a valorizar o Porto de Santos. Em cerca de um quarto de século a grande lavoura açucareira veio a dominar completamente a economia da área, e tornou-se o motor da economia paulista. A estrada de Itu, os 80 Km que ligavam a vila à capital paulista, adquiriu renome, ‘aquela onde passa quase toda a riqueza dos efeitos da capitania’” 25
Estas novas redes foram criadas como solução ao problema inicial de transporte do produto, que, por ser dificultada em comparação ao que era produzido no litoral nordestino, ocasio-
A descrição realizada por Auguste Saint-Hilaire, novamente ilustra bem o cenário: “Antes de chegar à cidade de Itu, o terreno é cultivado e todos os campos são ornados com plantações de cana e ao pé de cada rio encontramse engenhos e alambiques, que são movidos por águas. [...] Viajando pelos arredores de Itu é impossível não notar que toda gente da classe baixa tinha os dentes incisivos perdidos, pelo uso constante da canade-açúcar, que sem cessar chupam e conservam na boca em pedaços de algumas polegadas. [...] Colhe-se no distrito de Itu pequena quantidade de café, algodão, chá, óleo de rícino, certa quantidade de trigo e feijão, mas é a cultura da cana que constitui a riqueza desse distrito.” 26
Concomitantemente ao avanço do capital ligado ao comércio agrícola, o crescimento demográfico ocorria e junto dele, o
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NARDY FILHO in IANNI. p30, ano 1996 28 IANNI. p32, ano 1996 29 ANDRADE. p40, ano 1963 30 ANDRADE. p40, ano 1963
aumento do núcleo urbano. As igrejas recém inauguradas, oriundas do apoio financeiro das famílias aristocráticas ditavam os primeiros arruamentos e a cidade se fazia “rústica e agradável” à sua volta. Martim Francisco Ribeiro de Andrade fez um depoimento à época, em que observa que
que buscavam este tipo de produção cultural. Mario de Andrade, em suas investidas ao interior brasileiro a serviço do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, futuro IPHAN, se depara com a produção artística do religioso na vila de Itu, e conta:
“os templos eram ricos e bons, a igreja matriz é das melhores da capitania, tem um hospício de carmelitas muito lindo e um convento de franciscanos, além de outras duas capelas [...] Sua povoação sobe acima dos 8.000 habitantes, a qual vai sempre em crescimento, não só pela concorrência de homens de outras vilas atraídos pela fertilidade do terreno, mas também pela abundância de casamentos. O furor de casar é tal em Itu, que até casam homens e mulheres aleijados. Tenho feito uma observação quase geral, e vem a ser, que todos os moradores desta vila são pelo menos nobres, pois pela lei do reino derrogarão a nobreza” 27
“Jesuíno Francisco é mais do povo e gosta dos enfeites e das cores do povo. Lhe agrada mais, e sabe que lhe é mais útil, frequentar a matriz nova onde um conterrâneo dele, José Patrício da Silva Manso, doura então o altar e pinta o forro da capela-mor. José Patrício simpatiza com o rapaz, santista como ele [...] José Patrício o experimenta. É: o rapaz pinta mal mas tem habilidade. E o pintor verdadeiro, bastante erudito mesmo, meio por bem, meio por esperteza, se aproveita de Jesuíno, lhe dando uns rabinhos de decoração por qualquer cruzado. [...] Mas a sacra fúria artística de Itu não para nisso, e vai continuar enquanto Jesuíno viver” 29
E este ambiente de larga produção agrícola e rápido enriquecimento das famílias deu origem à uma estrutura social já conhecida pela cultura canavieira, onde
E apontando que tal arte estava completamente ligada à expansão econômica oriunda da economia açucareira, conta que com o passar do tempo,
“a sociedade, por sua aristocracia e seu clero, muitas vezes associado na mesma família e nos mesmos ideais de sobriedade refinada e devota, deixava para trás a época rústica. Ganhava uma fisionomia mais nítida a sociedade dividida em senhores, escravos, caipiras e libertos. Já haviam bastantes homens que trabalhavam, principalmente escravos e roceiros e riqueza bastante acumulada, para que a aristocracia do lugar pudesse dedicar-se um pouco mais à religião e às artes” 28
“escasseiam as andorinhas do verão, entalhadores, pintores, operários, mestres de ofício. [...] A grande época havia acabado. O café vai se dar melhor noutras zonas. A grande floração artística de Itu corresponde à sua grande floração econômica. Ainda viverão por ela um entalhador como Bernardino de Sena Reis e Almeida; um construtor de pianos como o Venerando; pintores como Joaquim José de Quadros e Miguel Arcanjo Benício da Assunção Dutra; um compositor como Elias Álvares Lobo. Mas a festança morreu. Do seu rescaldo, porém, a comarca produzirá dois dos maiores artistas brasileiros do século: um nascido na antiga São Carlos, outro na própria vila, Carlos Gomes e Almeida Junior.” 30
Era a fase destinada às artes sacras, em que a vila de Itu recebia, mais uma vez, destaque regional. Floresceram a música, a pintura, a arquitetura e a escultura, sempre embasadas na inspiração religiosa, já que era neste local que se difundia a produção artística para a glória a Deus e aos senhores da terra. Em meio à larga produção, alguns nomes obtiveram destaque, como o Padre Jesuíno de Monte Carmelo, que, sendo nascido na vila de Santos, mudou-se para Itu aos 17 anos para aprimorar seus dotes artísticos. Novamente Itu se fazia atrativa para os
Assim, em 1842, Itu deixara de ser considerada vila e atingira o posto de cidade. Sua mancha urbana ainda se limitava nos dois conventos, do Carmo e de São Francisco, mas já eram vistos casarões assobradados de bastante suntuosidade, alguns decorados com azulejos portugueses, outros com “adornos de muito bom gosto”. A época, porém, ficou marcada pelo declínio
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CANABRAVA in IANNI. p46, ano 1996 RODRIGUES in IANNI. p47, ano 1996
comercial do principal insumo agrícola que a cidade produzia, o que não representou uma ameaça às famílias aristocráticas. Em 1850, a lavoura canavieira ainda predominava em Itu. Mas o café já vinha ganhando importância. Em 1803, nota-se a existência de registros que, ao lado da cana de açúcar, já era necessário mencionar o café, como sendo um produto em que vai se aplicando boa parte da força. Pode-se dizer que a transição se deu de forma rápida, já que, impulsionado por uma estrutura social escravocrata, com base na produção agrícola, a queda do preço de um dos produtos impulsionou o aumento da produção do outro. E o lucro oriundo da venda do café se fazia cada vez mais atrativo. Com a cafeicultura, a população despertava para novos interesses, novas ideologias e passos diferentes em sua longa história. O Brasil já dava seus primeiros movimentos longe do comando da metrópole portuguesa. O eixo econômico de maior interesse do país havia mudado também, e chegando ao sul, o mercado agrícola na região se fazia cada vez mais firme. O café trouxe mudanças na conjuntura econômica e social, e Itu se aproveitava destas para acumular mais capital. A nova fase correspondia ao café, e a consolidação econômica da cidade.
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para o vestiário dos pobres e escravos, como mesmo para tecidos mais delicados e finos de exportação’.” 31
De acordo com a autora, que em seu trabalho explica como foi o desenvolvimento da cultura de algodão pelo interior paulista, nota-se que esta época correspondia a um momento de declínio da economia da cidade de Itu, assim como de seus vizinhos próximos, ligados à produção de açúcar. A queda internacional no preço do produto atingira os seus produtores, que tinham neste a base de toda a sua economia. O cultivo de tecidos surge neste cenário, como uma solução à crise financeira. Apoiados na conjuntura internacional, momento em que a Guerra de Secessão atingia os Estados Unidos da América e prejudicava sua produção, os lavradores de Itu estenderam grandes algodoais, ao longo das terras em que não se produzia mais açúcar: “onde era pequena a cultura da cana, Itu tornou-se um bom produtor de algodão, o que levou um grupo de ituanos a fundar em sua terra uma fábrica de tecidos de algodão a vapor, a Fábrica São Luiz [...] Inaugurada em 1869, a pequena fábrica iniciava as suas atividades manufatureiras, de fiação e tecelagem de algodão, encontrando pela frente dificuldades de todas as ordens – de mão-de-obra especializada, de recursos técnicos, de assistência financeira, e sobretudo, de transporte que, na época, era precaríssimo” 32
Vale, aqui, um breve apontamento em relação à produção agrícola da cidade, apenas para que não fiquem faltando etapas. Entre o declínio da produção açucareira e a ascensão imediata do café, outro produto recebeu atenção dos fazendeiros da cidade de Itu. Não sendo uma exclusividade destes, vale o destaque apenas pela rápida modernização que se notara aos produtores locais.
A fábrica se instalara nos limites da cidade, junto ao Largo de São Francisco, praça onde se encontra o importante marco, o Cruzeiro Franciscano, e mesmo com as dificuldades encontradas típicas de uma cidade agrícola que ensaiava seus primeiros momentos no mundo industrial, tivera um bom desempenho, tendo permanecido em atividades durante um bom tempo.
“O surto da agricultura algodoeira foi notável não somente porque a produção de algodão cresceu bastante e rapidamente, mas também porque foi nesta época que se instalou a primeira fábrica de tecidos da Província de São Paulo: ‘em Itu, como nos municípios vizinhos, o algodão havia sido cultivado em tão larga escala que chegava não só
Mas o café já dava claros sinais de ascensão, e logo a cultura algodoeira havia se tornado a menor das importâncias entre os produtores agrícolas. Sua produção era incentivada pelas altas taxas de lucro no mercado, além de ser uma planta perene e
32 33 MOMBERG. p83, ano 1952, p49 NARDY FILHO in IANNI. p50, ano 1996 35 NARDY FILHO in IANNI. p50, ano 1996 36 PUPO in IANNI. p52, ano 1996 37 SILVEIRA in IANNI. p65, ano1996 33 34
nova sede do Colégio São Luís em Itu, inaugurada em 1872, com professores e alunos à frente, c. 1872, autor desconhecido [LIMA. p101, ano 2014 - acervo do Centro Histórico do Colégio São Luís] gravura da inauguração da ESTRADA DE FERRO ITUANA, em 1873, autor Jules Martin [LIMA. p 91, ano 2014 SOUZA, 2013, p. 155]
não-sazonal, o que rendia bons negócios durante o ano todo aos produtores. Com a mudança de cultura, modificava-se a estrutura social da cidade, no momento que que o trabalhador livre ia ocupando os cargos destinados ao trabalho escravo. “Neste caso, a introdução de um novo produto agrícola não ocorria sem provocar uma revolução na sociedade rural paulista. Cultura comercial, ela contribuía para a formação de uma classe numericamente pequena mas econômica e financeiramente poderosa. [...] correspondia aos novos modos de pensar.” 33
Para além do perfil social da cidade, cada vez mais composto por trabalhadores livres, novos melhoramentos eram implantados, aumentado as vias de transporte entre Itu e São Paulo. Era o surgimento da ferrovia ligando os centros econômicos do oeste paulista com a capital e o porto de Santos. A cafeicultura refez e expandiu os caminhos, articulando uma rede de comunicações rápidas. Nardy aponta: “Das novas empresas, a primeira a organizar-se foi a chamada Ituana [Companhia Ituana de Estrada de Ferro]. Nem havia ainda a Paulista inaugurado seu primeiro trecho, até Campinas, exatamente ‘ao meio destas duas datas’ [a fundação e inauguração da São Paulo Railway].” 34
O trecho da via férrea em questão, inaugurado para a cidade do interior se refere ao braço inicial, que ligava Itu a Jundiaí, e depois se estenderia, em um primeiro momento até Itaici, Capivari e Piracicaba, e posteriormente até Campinas e Sorocaba. À esta obra estaria intimamente ligado um importante momento da história política nacional. “A reunião realizada em 20 de janeiro de 1870, no Paço Municipal de Itu, destinada a lançar as bases da tão desejada estrada de ferro. Contou a reunião com a presença do presidente da Província, Antônio Cândido da Rocha, e de grande número de cidadãos dali, de outros municípios e alguns da capital.” 35
Ao passo que depois de sucessivas conversas, em 17 de Abril de 1873: “era a Ituana festivamente inaugurada, uma data que antecedeu de apenas um dia a reunião de republicanos convocada para a história da cidade, e que se tornou conhecida por Convenção de Itu [que instaurou a discussão a respeito do fim da monarquia]. Aliás, sabe-se da vinculação destes dois eventos: a assembleia republicana foi marcada intencionalmente para a referida data a fim de aproveitar-se do ambiente festivo que a cidade estaria vivendo pela inauguração da estrada de ferro” 36
Sabe-se então que a nova ideologia se espalhava entre os barões do café. Documentos provam que em 1872, ano anterior à famosa convenção, funda-se na cidade de Itu o Clube Republicano, que era conhecido por ser um dos centros mais fortes dos ideais republicanos da província. “Na convenção reuniram-se representantes de clubes republicanos de 16 cidades da Província de São Paulo, além de representantes da capital e da cidade do Rio de Janeiro. Daí surgiu a decisão de fundar um Partido Republicano, com o programa de lutar pela causa democrática, manter um jornal como órgão do partido e desenvolver o intercâmbio entre os núcleos republicanos da província e com os das outras províncias” 37
O momento da cidade se pautava por estas diversas situações. Nova cultura agrícola, extremamente lucrativa para as famílias produtoras, queda da mão de obra escrava, ora impulsionada pelo pensamento libertário, ora pelo aumento do preço desta mão-de-obra tendo em vista a proibição do tráfico negreiro, aumento do trabalho livre e da massa de imigrantes que se direcionava para a produção de café do interior paulista, que compunham uma nova fatia social da sociedade, os colonos. O colonato, novo modelo de mão-de-obra composto principalmente por imigrantes, traria mudanças na forma de organização urbana para a cidade de Itu. Vale lembrar que consistia em um trabalho livre, que recebia pagamentos em dinheiro à base das
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tarefas realizadas, as chamadas “empreitadas”. Era comum o acordo entre o colono e o fazendeiro de que em uma pequena parte da terra lhe seria dado o direito de cultivar, delimitando uma pequena horta ou criação, proporcionando uma certa autossuficiência alimentar para cada uma das famílias. Octávio Ianni explora as consequências desta nova organização de trabalho: “Na fazenda de café, ressaltam-se vários aspectos importantes. O regime de colonato instaura relações mercantis entre os trabalhadores e os fazendeiros, o que significa criação ou ampliação do mercado interno de produtos manufaturados. O fato do colono ser estrangeiro implica que pode trazer alguma contribuição cultural: técnicas de trabalho, hábitos alimentares, modos de falar, música, artesanatos, técnicas de construção de moradia e de fabricação de instrumentos de trabalho, móveis etc. Além disso, os descendentes dos imigrantes, quando não eles próprios, deslocam-se para outros ramos de atividade, circulam na estrutura social, casam-se com pessoas do lugar, tornam mais diferenciadas a sociedade local, em sua composição étnica, ou racial, em seus modos de viver, trabalhar, pensar, dizer.” 38
Tira-se que, desta nova forma de organização trabalhista, diversificou-se o modus operandi da cidade. Como apontado, não eram raras as situações em que os filhos destes imigrantes, ao completar idade, saiam da casa familiar, estabelecida na fazenda de café, e iam procurar novas atuações comerciais no meio urbano. A cidade de Itu se expandira, e delineava-se a nova classe burguesa no interior de São Paulo. E Itu, nesta fase de sua história, influenciada pelos ideais burgueses, ganharia novamente o prestígio de centro educacional em âmbito regional, e até certo ponto, nacional. Os anos de 1850 -1930 foram marcados pela abertura de uma série de escolas na cidade, tendo destaque para duas: o Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, para as meninas, e o Colégio de São Luiz, para os meninos, “que atraíram para Itu estudantes de outros munícipios e províncias, ou estados”. Além destes dois, no final do século
38 IANNI. p52, ano 1996 CHAVES in IANNI. p68, ano 1996 40 TOSCANO. p47
XIX, mais outras seis escolas públicas para o sexo masculino e quatro para o feminino eram contabilizadas na cidade. Um depoimento dado à época declarava que “o Colégio S. Luiz é estabelecimento de primeira ordem. A média anual de alunos é de 400, vindos de quase todas as províncias do Império. [...] É também estabelecimento de primeira ordem o ‘Internato N. S. do Patrocínio’. Conta com cerca de 200 alunas, entre as quais 30 órfãs, que são educadas gratuitamente. [...] A cidade ainda conta com um ensino público de Latim, de Francês e diversas escolas particulares. Todos estes estabelecimentos de ensino são frequentados por mais de mil alunos” 39
Apoiada no poder clerical para a organização escolar, a cidade se fazia, mais uma vez, um polo regional de difusão do conhecimento. Sendo assim, Itu era vista de maneira atrativa para jovens, que visando uma formação curricular, saiam de suas cidades natais e se dirigiam para lá, aumentando a população do munícipio. A cidade republicana crescera. Pautada pelos ideais burgueses, foram criadas instituições jornalísticas para a disseminação de uma ou outra ideologia dos partidos políticos que eram fundados. O centro expandira, assim como a produção cultural. A população se tornara cada vez mais heterogênea, e nos anos finais do século, “já vai refletir novas forças econômicas – a expansão cafeeira e uma indústria em formação ‘que talvez não encontre um símile em todo o império’, na zona cortada pela estrada de ferro ituana – e nessas relações de mercado, a transformação das relações de trabalho escravistas para assalariadas, contratuais. É a república”. 40
Os anos seguintes foram marcados por novas mudanças. Era a dita cidade republicana, em sintonia com “os mais modernos ideais do país”. Em relação à dinâmica da cidade, notou-se uma maior divisão entre o meio urbano e o meio rural. O centro histórico se expande, consolidando cada vez mais a ocupação terri-
TOSCANO. p55 IANNI. p89, ano 1996 43 IANNI. p93, ano 1996 41 42
torial da cidade. O café, por sua vez, domina completamente a produção agrícola. Os barões, cada vez mais ligados à capital do estado, fundamentam a sua acumulação financeira somente na cultura do café, e, consequentemente, a cidade vivia, cada vez mais, em função deste insumo agrícola. Mas com o passar do tempo e o baixo grau de modernização da estrutura econômica do munícipio, a produção começou a dar sinais de esgotamento. O poder público se mostrava desinteressado quanto às melhorias urbanas necessárias para a instalação de novas formas de mercado interno. E alertavam: “a cidade é considerada ‘quase desprovida de industrias’, onde o operariado é pequeno e pouco ligado às massas mundiais. [...] E aí começa a campanha jornalística de crítica à política municipal: ‘E a indústria? Quem se arriscará a instalar uma fábrica qualquer em uma cidade onde a água encanada é insuficiente? [...] No cenário atual, as indústrias não se desenvolvem; a agricultura e o comércio perecem” 41
E mesmo com os avisos, a situação mantivera-se. Ano a ano a produção agrícola dava resultados negativos, mas pouco era feito para conter a queda econômica. A década de 30 chegou, e juntamente a ela, o grande crack da bolsa de Nova York. O mercado internacional fechava as portas para a produção local e a situação complicara-se para a agricultura paulista. Apesar das medidas tomadas pelo Estado, visando a proteção aos produtores, a situação não apresentava uma luz ao fim do túnel. A situação induziu os produtores à passar da monocultura para a policultura, e junto disso, grandes latifúndios passaram a ser repartidos entre os colonos, como forma de pagamento às dividas, que só aumentavam. “Devido às crises do café, em especial a dos anos 30, houve uma reordenação das atividades econômicas na agricultura. A mudança da estrutura fundiária e a passagem da monocultura cafeeira à policultura modificou o quadro econômico e social no campo. [...] Aos poucos, cresceu a
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cidade e cresceram as atividades industriais, comerciais, de transportes, sociais, educacionais e outras” 42
A busca de soluções para a grande crise marcou a atividade ituana, e de 1920 até 1970, apresenta dados que correspondem à situação. De forma bastante gradual a atividade agrícola diminuiu, novas industrias passaram a ser instaladas ao longo dos eixos de transporte rodoviários e o setor comercial expandiu. Itu acompanhou as mudanças na estrutura econômica nacional, porém sua dependência às atividades agrícolas dificultou o avanço econômico e social que a cidade poderia ter. O munícipio, histórico polo de importância regional, ficara para trás em relação aos seus vizinhos. CULTURA DE MASSAS, QUESTÃO TURÍSTICA Com o decorrer do século XX, o município passou a sofrer mudanças que trouxeram seu perfil econômico para mais próximo do padrão nacional. Com uma vagarosa industrialização da economia, que foi se consolidar apenas depois da década de 1970, o setor primário da produção caiu e a classe operária, como era de se esperar, aumentou. A cidade ganhou proeminência sobre o campo, expandindo sua mancha urbana de forma espraiada, e com ela, o setor de comércio e serviços também se firmou. Novas vias de comunicação entre as cidades vizinhas foram criadas, facilitando o acesso de produtos, informações e principalmente, pessoas. “Além do cinema, chegou o rádio e a televisão; também chegaram mais jornais e revistas, além das histórias em quadrinhos e fotonovelas, radionovelas e a telenovelas.” 43
Itu entrara na lógica da cidade moderna, extremamente conectada à todas as inovações tecnológicas surgidas no mundo. O
36 37 IANNI. p95, ano 1996 IANNI. p95, ano 1996 46 TOSCANO. p30 44 45
desfile na Rua Direita, atual Paula Souza, s/d, autor Oswaldo Tozzi [LIMA. p 177, 2014 - acervo do Museu Republicano convenção e Itu] reprodução de fotografia do Largo do Carmo, realizada por Benjamin Lacorte em 1900 [LIMA. p 150, 2014 - OLIVEIRA, 2011, p. 265]
caminho era inevitável, e graças a ele, surgiram melhorias. O sistema educacional se expandiu, multiplicando os estabelecimentos de ensino. Foram criadas, na década de 60, as duas primeiras faculdades do munícipio: a Faculdade de Filosofia [1958. Sendo esta, hoje, parte do complexo universitário CEUNSP – Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, em que funciona uma faculdade de ciências biológicas] e a Faculdade de Direito de Itu [1969]. Nota-se que as tais mudanças, ocorridas em menos de um século, alteraram toda a forma de funcionamento da cidade. E em contrapartida a todas estas melhorias, vale apontar aqui algumas consequências que as tais modernizações tiveram. À esta situação ficou caracterizada a expansão da cultura de massas, que se sobrepondo às particularidades sociais e culturais existentes no local, acabou por regredir ou simplesmente extinguir todas as atividades e festividades culturais, profanas e religiosas. Foi o fim do que chamamos de festas típicas: “assim, no contexto de urbanização e industrialização, as atividades e os interesses culturais da população se modificaram. Pode-se dizer que ocorreu uma modificação drástica da vida cultural do lugar. Abandonaram-se as festas juninas e do Divino, além de certos aspectos da festa de São Benedito, ao mesmo tempo que se adotaram amplamente o futebol, o carnaval e a televisão [...]. Modificaram-se as práticas de lazer e intercâmbio cultural. Pouco a pouco, a sociedade urbana, em grande parte, e a sociedade rural, em menor grau, passou a ser objeto da indústria do lazer e cultura que predomina na televisão” 44
e para além do que seria apenas uma crise das datas festivas típicas da cidade, Octavio Ianni alerta como esta situação teria reflexos mais profundos na vida cultural da cidade, “a medida que se desenvolveu a cidade, a indústria, o operariado, a classe média e a burguesia, houve um paulatino abandono ou indiferença, quanto às produções culturais herdadas das épocas anteriores. Tanto
na cidade como no campo [ainda que no campo de forma mais lenta] foi geral o progressivo abandono, ou distanciamento, em face das produções arquitetônicas, pictóricas, musicais e outras realizadas ao longo da história da cidade” 45
Walter Toscano, em sua obra a respeito da cidade de Itu, na qual levanta uma série de aspectos relacionados à formação histórica do local, e com isso elabora um plano de metas futuras, entra também nesta questão. “As possibilidades turísticas de Itu e sua região merecem uma análise especial. Dadas certas características de sua localização, de seu clima, da riqueza paisagística de sua região, de seus monumentos históricos e artísticos, bem como sua posição na história do país como centro do movimento republicano, e finalmente como cidade na qual estudaram, em dois famosos colégios, muitas gerações de brasileiros eminentes, e ainda como ponto de origem de muitas famílias paulistas, Itu poderá vir a ter um movimento turístico de grande importância econômica para o município.” 46
Somado ainda a todo este potencial apresentado pelo professor e arquiteto, sua obra apresenta certos pontos que deveriam receber atenção por parte do poder público, visando uma exploração construtiva deste valor histórico. Mas, ao contrário do que foi dito, vale apontar que a questão turística ainda é uma situação crítica da cidade, mesmo com apoio financeiro das instituições de patrimônio histórico nacional e do governo federal. Ianni, se aprofundando no tema, comenta que “o turismo desenvolvido ali tem, um pouco, o caráter de qualquer outro turismo, brasileiro ou europeu. Alguns turistas têm curiosidade ou preocupações culturais: vão as igrejas, procuram sobrados de estilo, visitam os museus. Esses, provavelmente, são os que às vezes também procuram os antiquários, para comprar alguma peça, pelas suas linhas, antiguidade ou outro motivo. Outros estão mais interessados em comprar bugigangas. As naves silenciosas das velhas e ricas igrejas, as casas
47 IANNI. p96, ano 1996 TOSCANO. p54, ano 1981 49 IANNI in TOSCANO. p133, ano 1981 48
verso do cartão-postal CRUZEIRO E FORUM, coleção Foto Postal Colombo, déc. 1960 [LIMA. p 190, 2014 - acervo do Museu Republicano Convenção de Itu]
antigas, o histórico Paço Municipal foram esquecidos pelos turistas, cujo interesse se voltou para os restaurantes e as mercadorias acessíveis: os pentes enormes, o pão de um metro, os cigarros, os chaveiros, as canetas. Tudo exageradamente grande. Isto transformou a cidade. Criou o mito da grandeza, movimentou o turismo, trouxe divisa para os cofres municipais.” 47
E nisto surge um outro tópico, que envolve o motivo pelo qual foi dada tamanha importância para o mito da grandeza que envolve a cidade de Itu. “O turismo de Itu passou a ser uma ‘industrialização’ do ridículo – orelhão gigante, pizza de metro, etc – complementada por uma minoria que viaja nos finais de semana apenas para poder comer fora de casa. Apenas uma pequena parte esclarecida da população do centro de Itu se mostra consciente dos aspectos negativos desse turismo e explicitamente o condena, por ser atraído por falsas ‘grandezas’ inventadas por um programa supostamente humorístico de TV, e não pelos verdadeiros valores históricos e estéticos do ainda rico Patrimônio Cultural de Itu.” 48
e o professor completa seu incômodo perante ao assunto com uma citação de Constatino Ianni, que compara a atenção dada pelo poder público a certos pontos turísticos em comparação ao mito em questão: “Nem sequer a Igreja da Matriz [Igreja Nossa Sra. da Candelária] está aberta nas horas de ponta, em que os visitantes dos subúrbios de São Paulo estão chupando sorvetes-gigantes no Largo da Matriz, ou de boca aberta embaixo do ridículo ‘orelhão’ com que um ministro de mau gosto resolveu presentear a cidade de Itu” 49
A situação apontada pelos dois estudiosos se mostra de forma crítica. Nota-se que a preocupação com a preservação do patrimônio fora esquecida, já que para efeito da “indústria do turismo”, se basear em uma alcunha infundada apenas para receber um destaque regional, parece fazer sentido. Seguindo esta lógica rasa, o único motivo do turismo seria atrair pessoas de cidades próximas visando promover trocas financeiras com o
IANNI. p96, ano 1996 IANNI. p98, ano 1996 52 IANNI. p100, ano 1996 53 IANNI. p100, ano 1996 50 51
mercado local. Tirando as barbaridades cometidas pelo citado ministro, em que fora implantado um orelhão [que hoje, pintado de roxo, funciona como um outdoor gigante de uma empresa de telefonia] e um semáforo, ambos de tamanho desmedido, no eixo histórico inicial de formação da vila [entre as Igrejas do Bom Jesus, da Candelária e do Carmo], esta fórmula adotada para a atração de turistas apenas renega todo o passado histórico, os momentos de destaque que a vila em questão teve, e resume cerca de 400 anos de história à uma brincadeira sem valor cultural algum. E Octávio Ianni aponta que o principal motivo desta lógica turístico-mercadológica corresponde à forma em que os próprios munícipes da cidade entendem o patrimônio histórico e cultural em questão. “A maior parte é simplesmente indiferente, por falta de condições sociais, escassa ilustração, falta de iniciação nas casas da cultura” 50. A partir do momento em que nem os próprios cidadãos sabem do valor envolvido tanto nos edifícios, como na forma de ocupação da cidade, e nem o poder público incentiva assiduamente este tipo de conhecimento, tudo o que se vê não passa de meras construções antigas, que podem ser bonitas ou não, mas que não significam nada para além disto. E para o comerciante local, que visa o aumento de vendas, o maior interesse são formas de se trazer mais e mais turistas, sendo com a história, sendo com um apelido. “É grande, em termos de número de pessoas e interesses constituídos, o contingente de ituanos que se ligou à indústria turística local. Há lojas de bugigangas, casas de antiguidades, lanchonetes e restaurantes que dependem do turismo para realizar os seus negócios. Desenvolveu-se ali um comércio quase que exclusivamente no turista que vem de perto ou de longe. ” 51
E conclui:
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“o problema central na sociedade de Itu é encontrar uma fórmula ou os meios e os modos, para lidar com seu passado, com seu patrimônio cultural, religioso, artístico, arquitetônico, aristocrático, escravocrata, etc. A rigor, são vários e diversos passados do lugar; ele se distribui pelas épocas e castas, ou classes sociais [...]. São vários e diversos os patrimônios culturais do lugar. De qualquer forma, no entanto, a sociedade do presente precisa pôr-se em paz com seu passado” 52
Isto para que um interesse não se sobreponha ao outro, renegando-o, descaracterizando-o. Mas para que todo este patrimônio possa ser entendido pela população como um feito grandioso, que carrega uma quantidade de história, de informações, de sabedoria, e consequentemente, de importância, ele precisa ser notado, compreendido. Não deve ser visto como uma fórmula, que se aplicada no setor comercial tem potencial lucrativo garantido, porém que pouco significa para os outros cidadãos. Ianni aponta que devemos lidar com isto de forma criativa e construtiva. Para além, deve ser estudado, apresentado para toda a sua população, reapresentado sob diferentes óticas, e assim por diante. Porque quando um próprio povo tem noção do potencial envolvido em questão, ele mesmo passa a se apropriar de seu bem imaterial. Necessita assim, de ser reinterpretada a forma como lidamos com a história. “Em que medida as classes que compoem a sociedade do presente, por exemplo, podem abrir-se para todas as realizações culturais do passado, aristocráticas e populares, dos senhores e escravos, dos bons e dos pobres?” 53
Se a própria sociedade começar a reconhecer que nas produções culturais passadas podem surgir significados artísticos e sociais, tanto para reconhecimento da história do lugar, como para um aprofundamento em qualquer outra questão, ela própria se debruçará sobre o conhecimento de si mesma.
3. ALÉM RIOS
ASPECTOS DO MEIO NATURAL Para além de toda a formação histórica do munícipio, existe uma série de outros aspectos necessários a serem considerados para se ter uma compreensão pouco mais embasada em torno da situação atual do município. É impossível analisar uma cidade em si sem levar em consideração a região em que ela está inserida. Nenhuma cidade se encontra isolada, e seria imaturo imaginar que qualquer fato histórico analisado apareceria de forma indissociada ao local de inserção, ou seja, de seu espaço geográfico. Ainda mais “no caso de Itu, em que sua pesquisa histórica retrocede para uma época onde o urbanismo ainda estava muito mais vinculado ao meio ambiente” 1 . Isto porque é facilmente notada a presença do meio natural, tanto no momento de escolha do sítio de fundação e no desenho urbano que se procedeu e na forma de ocupação, como na produção agrícola, que depende diretamente do solo e do clima, entre outros muitos aspectos. Helmutt Troppmair, a serviço do programa de Diagnóstico Geral da Cidade de Itu para a Implantação de um Programa de Ação Cultural, sendo este uma série de levantamentos realizados pelo CONDEPHAAT e liderados pelo arquiteto e professor João Walter Toscano, se aprofundou na questão da formação histórica da cidade a partir da geografia física do sítio em questão. Para este, “a própria linha arquitetônica adotada era uma resposta aos estímulos do meio ambiente. [...] A prosperidade dos cidadãos de Itu se deu pelo crescimento da cidade em épocas passadas, diretamente vinculados ao meio rural”. A produção agrícola, principal atividade do munícipio ao longo de sua história, forneceu matéria prima e capital para as primeiras indústrias. Seu lucro foi responsável pela criação de casarões e igrejas na pequena cidade. A partir deste ponto de vista, se torna impossível ignorarmos esta outra chave de compreensão da ocupação urbana do município.
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TROPPMAIR. p03 TROPPMAIR. p04
Mas para que este não se torne um ponto de estudo muito extenso, aponto que vou me ater aos pontos geográficos de interesse na região, principalmente os que tiveram um papel direto na definição das particularidades do sítio em questão. Para iniciarmos o estudo, vale apontar o que Troppmair descreve como “paisagem geográfica”. Esta “corresponde a uma unidade quadridimensional, de espaço e tempo que resulta da conjugação e agrupamentos de forças, sejam estas de causas físicoquímicas, biológicas ou culturais”, que elaboram o que o autor chama de “estruturas espaciais”. Isto para apontar que diversos elementos compõem uma paisagem geográfica em questão, e dentre eles estão a topografia, a hidrografia, a fauna e a flora do local. “Os geógrafos brasileiros costumavam dividir o Estado de São Paulo em quatro regiões geográficas: a Planície Costeira, o Planalto Cristalino, a Depressão Periférica e o Planalto Ocidental” 2
É sabido que cada uma destas regiões é constituída por diversos aspectos característicos, ou seja, toda a estrutura dita como paisagem geográfica do local, e não somente em seu relevo físico, como poderia ser imaginado. O município de Itu se insere no encontro entre duas destas quatro regiões geográficas. “Dentro do quadro geográficogeomorfológico do Estado de São Paulo, Itu ocupa uma posição de contato entre o Planalto Cristalino e a Depressão Periférica. A primeira região é caracterizada pelo relevo vigoroso, que forma o chamado ‘Mar de Morros’ [...]. Por outro lado, temos a depressão periférica onde a topografia se apresenta de forma mais suavizada”. O diagrama exposto por Troppmair apresenta bem como se faz essa divisão, e em qual situação deste encontro topográfico se insere a cidade de Itu. Os estudos geomorfológicos de Aziz Ab’Saber se apresentam
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de forma bastante aprofundada a respeito. De acordo com o geógrafo brasileiro, a sul e a leste da mancha urbana da cidade, o relevo se faz de forma mais vigorosa, variando sua cota entre os 600 e os 800 metros. Estes são formados pelos esporões da Serra de Itaguá, e contém nele estreitos e profundos vales que são resultados erosivos dos rios que cruzam a região, o Tietê, o Pirapitingui e seus afluentes. Esta configuração corresponde ao cenário típico do Planalto Cristalino paulista, e dá origem ao que foi chamado de “Canyon do Tietê”, momento único em que o rio que corta o estado torna dificultada a sua navegação fluvial, tendo em vista os acidentes geográficos, as várias quedas d´águas e seu estreitado leito fluvial. Como já foi apontado, esta situação teve um importante papel na fundação da cidade, tendo em vista que era o momento em que os bandeirantes, adeptos do transporte fluvial, se viam em uma situação delicada e eram obrigados a fazer a transposição deste sítio por terra. Por um outro lado, indo em direção noroeste-sudeste, o relevo se torna mais suave e não ultrapassa mais a cota de 600 metros. Neste quadro, o traçado dos córregos Guaraú e Itaim-Guaçu são mais abertos, e um grande anfiteatro natural se abre na direção do Rio Tietê. A esta situação, foi dado o local de origem da cidade. Sendo o córrego do Guaraú a confluência dos dois córregos que delimitam a colina histórica do centro de Itu, este “grande anfiteatro” descrito por Ab’Saber teve uma importância crucial para o momento de escolha do local, tendo em vista os principais interesses dos bandeirantes consistia na definição de um sítio seguro para acampamento, visando a defesa contra ataques indígenas, além do apresamento dos mesmos, para a comercialização no mercado escravista. Indo além da fundação da cidade, as regiões geográficas apontadas tiveram também importância na vida dos que lá se instalaram.
TROPPMAIR. p06 TROPPMAIR. p14 5 TROPPMAIR. p14 6 AB’SABER. p66, ano 2010 3 4
diagrama topográfico do contato entre Planalto Cristalino e Depressão Periférica [TROPPMAIR. p08, 1978]
“Estudos históricos-geográficos demonstram que a posição de contato foi preferida pelos antigos colonizadores, uma vez que oferecia alternativas entre as áreas serranas cobertas de florestas com recursos ligados à mata, e áreas planas ou suavemente onduladas com vegetação de campo ou cerrado, próprios para a criação e agricultura” 3
de maneira que a particularidade geográfica, onde se inseriu a vila de Itu, foi crucial tanto para a escolha do local onde seria a futura cidade, como nos anos seguintes para a sua economia. Dentre as consequências que a região geográfica teve para a definição do traçado urbano, Troppmair descreve que o patamar divisor de água entre os dois córregos apresenta fraca declividade tanto em direção noroeste, ou seja, da direção que vai de encontro à confluência dos mesmos, como no sentido transversal a ele. Sabendo que este patamar divisor corresponde ao centro histórico da cidade, e que estas declividades tiveram papel fundamental na evolução do desenho urbano, apontou-se que “a evolução histórica da cidade se reflete na rede de circulação que evoluiu desde os primórdios em função da topografia. Assim, as ruas principais para o atual setor terciário – rua dos Andradas, da Convenção, Floriano Peixoto – seguem a direção SE-NO [de menor declive], enquanto suas ruas transversais são estreitíssimas [declive mais acentuado]” 4
E para além das influências que o relevo físico teve na formação histórica da cidade, vale apontar uma singularidade do sítio ituano que se origina desta mesma região geográfica apontada. Ao se aprofundar na formação do solo decorrente da região da depressão periférica paulista, nota-se que ele é “de modo geral composto por um material rochoso pouco resistente e facilmente decomponível, originando solos que se caracterizam pela textura arenosa. Estas séries geológicas compreendem material de origem e trabalho glacial, destacando-se sob este aspecto os Varvitos” 5
Ab’Saber explica, em artigo denominado de Sequências de rochas glaciais e subglaciais dos arredores de Itu, que na cidade
pode ser notada a presença de um solo característico, que foi formado “por sedimentos glaciais e glaciolacustres”. Erroneamente chamado de Ardósia de Itu, o Varvito corresponde à uma espécie de granito que remete à província sedimentar gondwanica [nome dado a uma antiga massa de terra resultante da porção meridional do supercontinente denominado Pangeia]. Antes da descoberta da importância histórico-geográfica que possuía este tipo de formação rochosa, ela foi bastante explorada e vendida como um material de revestimento. Muitas foram as calçadas do centro histórico que receberam a rocha como seu calçamento. A consequência desta exploração pode ser apontada como negativa, pois devastou uma boa parte da reserva, porém criou cenários curiosos na cidade: “as duas pedreiras principais onde se observam exposições mais completas, distam 2,5 Km de Itu, estando situadas a W-SW da cidade, na direção de uma estrada municipal que demanda a zona rural conhecida por Jacuí. Devido à forma com que foram retiradas as lages de varvitos e saltitos, sobraram, nas pedreiras, paredões verticais, muito lisos, de 12 a 15 metros de altura, nos quais pode-se observar uma seção geológica e edáfica das mais detalhadas” 6
Hoje em dia, tendo sido proibida sua exploração, encontra-se a oeste do centro da cidade a Reserva-Parque do Varvito, antiga pedreira de extração do mineral onde pode-se observar o material existente. Em relação à hidrografia do município, Itu se insere completamente na macrobacia do Rio Sorocaba e Médio Tietê, sendo ainda muito próxima do limite desta com a macrobacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Dentre as características gerais desta bacia, aponta-se que sua população média é de 1.811.904 habitantes e sua área de drenagem corresponde à 11.829 Km². Dentre as áreas de proteção ambiental inseridas na macrobacia em questão, a mais importante para o munícipio de Itu é a
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RODRIGUES. p40, ano 2008
fotografias da Cachoeira do Tietê em Salto, SP, 1880, autor Marc Ferrez [LIMA. p 132, 2014 - acervo do Instituto Moreira Salles]
APA Tietê, situada a nordeste dos limites, e onde se encontra uma das principais áreas turísticas, a Estrada Parque. Indo mais próximo do município, constata-se que ele se encontra quase que totalmente inserido ainda na sub-bacia do Médio Tietê Superior, onde consta uma área de drenagem de 2.550 Km², além de ter uma pequena parcela do seu território ocupando a sub-bacia do Rio Sorocaba, Piraju. Dentre as 14 microbacias existentes no munícipio, 12 pertencem à bacia hidrográfica do Tietê e apenas 2 pertencem à do Rio Sorocaba. Dentre os rios que cruzam o território ituano, o destaque fica para o Rio Tietê, “que corta o município ao norte, sendo ele, indiscutivelmente, o mais importante rio. Sua largura média, no trecho em que passa pelo município, é de 50 metros, com uma profundidade média de 3 metros, sendo que nas épocas de estiagem, este nível chega a cair cerca de 0.5 metros e na época de grande precipitação sobe cerca de 1 metro. ” 7
Para além do rio que dá nome à bacia, vale apontar que Itu conta com outros importantes cursos d’água ao longo de seus limites políticos, e que, tendo em vista à poluição da água existente no maior corpo fluvial do município, todos os outros tem a função vital de abastecimento público da população. São eles: Ribeirão Pirapitingui, Ribeirão do Taquaral, Ribeirão do Itaim-Guaçu, Ribeirão Varejão, Córrego Braiaiá, Córrego dos Gomes e Córrego São José. Ainda, temos os dois córregos que foram importantes para a formação urbana da cidade, não citados aqui por não terem uma importância infraestrutural no abastecimento de água do município. Eles aparecem entre o Ribeirão do Pirapitingui e o Ribeirão Itaim-Guaçu, sendo também afluentes do Rio Tietê. Dentre os mananciais apontados, vale destacar três deles, já que são os mais utilizados para a função do abastecimento hídrico
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RODRIGUES. p40, ano 2008 RODRIGUES. p42, ano 2008
fotografia do canal aberto paralelamente à Cachoeira do Tietê em Salto, SP, 1880, autor Marc Ferrez [LIMA. p 131, 2014 - acervo do Instituto Moreira Salles]
da cidade: o Ribeirão do Pirapitingui, que, cortando a periferia da mancha urbana, recebe a Represa do Fubaleiro. “Deste ponto são captados 330 l/s e enviados para tratamento e posterior distribuição na estação de tratamento d’água (ETA1) localizada no bairro Rancho Grande. A micro-bacia do Pirapitingui abrange uma área de 73 Km² e tem como os principais cursos de água, além do próprio Ribeirão Pirapitingui, o Ribeirão Taquaral, o Córrego Santa Cecília e o Ribeirão Manjolinho. O principal problema que afeta os cursos de água desta microbacia é o assoreamento, ocasionado, sobretudo, pelas inadequadas movimentações de terra para a construção de condomínios e pelo manejo agrícola inadequado” 8
O segundo curso de água, em termos de importância, é o Ribei-
rão Itaim-Guaçu, já que suas águas abastecem cerca de 30% da população do núcleo urbano. Sua captação é realizada na Barragem do Itaim, próxima a rodovia Marechal Rondon. “A microbacia do Itaim-Guaçu tem 62 Km² e seus principais cursos de água são, além do Rio Itaim-Guaçu, os córregos da Taperinha, do Deserto, da Conceição, Jacu e Bernardino. Em relação aos principais problemas que afetam esta microbacia podemos destacar a poluição causada pelo uso indiscriminado de pesticidas agrícolas e principalmente os assoreamentos resultantes da prática de extração de argila” 9
Por último, com cerca de 47 Km², temos o Córrego do Braiaiá, localizado a sudoeste da cidade.
RODRIGUES. p42, ano 2008 RODRIGUES. p43, ano 2008 12 RODRIGUES. p43, ano 2008 13 TROPPMAIR. p14 14 MIYAZAKI. p124, ano 2013 10 11
“A microbacia do Braiaiá tem como curso d’água secundário o Córrego do Brás, que se localiza dentro de uma propriedade particular, denominada Fazenda de Santa Marta. Os principais problemas existentes na microbacia estão associados à proximidade dos mananciais com os ‘lixões’, ao assoreamento, e ao mal-uso dos recursos hídricos por particulares, principalmente a captação intensa e desordenada da água para uso nas atividades agrícolas.” 10
Murilo Rodrigues, em sua tese a respeito das frequentes crises de abastecimento público de água na cidade de Itu, aponta um fato que merece destaque, por mostrar o descompasso que o poder público do munícipio trata suas diversas áreas, tendo uma consequência direta na qualidade da água consumida. “Vale ressaltar que a poluição dos mananciais do núcleo urbano principal por lançamento de esgoto sem tratamento é praticamente nula (98% do esgoto é tratado). Já no núcleo urbano secundário do Pirapitingui, o tratamento é inexistente e o esgoto é lançado in natura no Córrego Tapera Grande e Ribeirão Varejão (a jusante do ponto de captação para abastecimento público).” 11
A microbacia em questão é a do Sorocaba, e nota-se, ao olhar o traçado destes dois corpos d’água, que ambos são afluentes do Ribeirão Pirapitingui e este corre para fora do munícipio de Itu. Este ribeirão desagua ainda no Ribeirão Pirajibú, que consiste no principal afluente do Rio Sorocaba. “Ao receber esta carga de esgoto proveniente do município de Itu, o rio recebe ainda uma carga ainda mais pesada proveniente do município de Sorocaba. Toda esta poluição misturada à água vai em direção Noroeste do estado onde é captada pelo município de Cerquilho. Este município, distante 60 Km de Itu, acaba por sofrer várias consequências econômicas e sociais advindas desta situação. Entre as principais podemos citar a proliferação de doenças relacionadas à contaminação da água e o alto custo do tratamento da água para torna-la potável novamente.” 12
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A CIDADE ALÉM-RIOS Desta maneira, já é sabido que os traçados fluviais citados anteriormente delimitaram uma barreira inicial para expansão da cidade de Itu. Como já foi apontado, até o início do século XX, a mancha urbana ficou contida no sítio que caracterizamos como a colina histórica, ou seja, no espigão divisor de águas, entre os córregos do Taboão e do Brochado. Os primeiros vetores de expansão se deram a sudoeste e nordeste, porém, em ambos os casos, ocorreram raros casos de transposição dos ditos corpos d’água, ficando a cargo apenas das vias de comunicação com as outras vilas da região. Na figura, representado o plano urbano de 1939, podemos ter uma noção melhor do que era entendido como mancha urbana da cidade até o momento. Nota-se que a configuração ainda se dava compacta e contínua. Troppmair aponta como se deu o primeiro momento de expansão deste centro urbano: “É a partir de 1925, quando todo espigão já é ocupado por edificações, que a cidade ultrapassa os dois córregos para ganhar novos espaços. Assim, no período que se alonga até 1955, podemos observar que houve um acréscimo descontínuo no espaço urbano, com características não comuns, pois se é normal crescer ao longo de caminhos e estradas, porém Itu cresceu em núcleos e áreas assimétricas, nunca de forma alongada.” 13
É apontado também que, durante este momento, a cidade passara por uma época de estagnação econômica muito acirrada. A queda do preço do café, “decretou tempos difíceis para a cidade de Itu. Praticamente seu crescimento foi quase nulo de 1930 a 1950” 14. A cidade se encontrava em um momento brusco de transição econômica. Diferentemente de outros momentos históricos, em que o declínio da capacidade financeira de um insumo agrícola logo era suprido pela cultura de uma nova, no
IANNI. p71, ano 1996 MIYAZAKI. p127, ano 2013 17 TROPPMAIR. p15 18 MIYAZAKI. p127, ano 2013 15 16
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Croqui da cidade de Itu e arrabaldes, 1939. Fonte: Mapa do município de Itu [MIYAZAKI. p124, ano 2013]
início do século XX a situação se dava um pouco mais complicada. Era a hora de desestimular a economia agrícola e entrar no promissor capital industrial. Porém estas mudanças tomariam mais tempo do que o imaginado, além de ocasionar mudanças mais bruscas no perfil social do município. “A partir de 1930, a sociedade de Itu alterou sua agricultura, teve alguma industrialização, modificou sua estrutura econômica em geral, desenvolveu as classes sociais de base urbano-industrial, entrou no estilo de sociedade de massas, ganhou ares de cidade” 15
O que foi citado como momento de expansão inicial, ocorrido entre os anos de 1925 e 1955, pode ser analisado então como um breve ensaio de crescimento, tendo em vista o que viria posteriormente. Victor Miyazaki, em sua tese a respeito da estruturação de várias cidades do chamado oeste paulista, aborda o crescimento da cidade, principalmente depois da década de 50. De acordo com o levantamento gráfico feito pelo geógrafo, até o ano de 1950, apesar de já existirem bastantes ocupações além dos rios, nenhuma delas acarretava em um núcleo urbano consolidado. Apenas a partir deste momento que “é possível observar um processo de expansão bastante descontínuo, com o surgimento de áreas urbanas significativamente distantes do centro principal” 16 sendo esta uma iniciativa que pode estar atrelada com o interesse dos especuladores imobiliários. A partir da década de 1960 fica marcado então o surgimento de loteamentos com relativa distância e desconexão com o traçado existente da cidade. Itu passara a ter um tecido urbano descosturado, em que Troppmair aponta que “o espaço urbano sofre um acréscimo de 7 Km² quando são ocupados as altas encostas e os espigões ao norte e ao sul, a cidade sofre uma reestruturação interna, no que se refere à ocupação do espaço, fato que vem se acentuando cada vez mais nos últimos anos e que é responsável pela descaracterização da paisagem colonial urbana.” 17
Os anos seguintes seriam marcados por uma reaproximação.
Os novos núcleos urbanos surgidos entre o final da década de 60 e o começo da década seguinte, marcaram sua ocupação em um espaço intermediário entre o centro do município e o que havia sido loteado nos anos anteriores. Isto, claro, seguindo uma simples lógica especulativa, que, em um primeiro momento delimita loteamentos isolados, situados em terras mais desconexas, e com isto, mais baratas, para que, posteriormente, quando estes passam a ser integrados com os serviços públicos necessários, as terras intermediárias recebem um maior valor de venda. O tecido urbano, porém, se faz confuso e desintegrado, por não se ater ao desenho da cidade existente, mas sim com as ocupações que vem a surgir como núcleos isolados. Pode se notar pelo diagrama criado por Miyazaki, porém, que mesmo com estes ditos acréscimos ocorridos, a mancha urbana ainda se mostrava compacta se comparada com a existente nos dias atuais. A população total do município chegara na casa dos 49 mil habitantes na década de 70 [de acordo com o IBGE], já apresentando um grande aumento se comparado com o levantamento realizado nas décadas anteriores. Mas a década de 1970 ficaria marcada por um novo fenômeno de modelo de ocupação urbana, que iria muito mais além no seu sentido de isolamento. “Se verificou, neste momento, a implantação de loteamentos em locais consideravelmente distantes do centro. Destaca-se neste período o Condomínio Terras de São José, considerado o primeiro loteamento fechado do país, implantado em 1975” 18
A lógica especulativa do isolamento geográfico como forma de aumento de valor do solo não era mais suficiente. O mercado imobiliário iria atrás de um novo sentido para o conceito de moradia, voltado para as classes médias e altas, e este se basearia no isolamento espacial, físico e social. E seu sucesso marcaria toda forma de loteamento até os dias de hoje.
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MIYAZAKI. p127, ano 2013 MIYAZAKI. p128, ano 2013 21 MIYAZAKI. p135, ano 2013 19 20
Levantamento da mancha urbana de Itu, 1980. [fonte CONDEPHAAT - Diagnóstico de Itu , TOSCANO]
O ARRABALDE URBANO Inicio este tópico apresentando um dos loteamentos surgidos na década de 70 que ilustra muito bem as premissas desta forma de moradia e o motivo de seu sucesso, tanto para a iniciativa particular, como para seu público consumidor. A partir dela, poderemos encontrar as consequências com que o Estado se viu obrigado a lidar nos anos posteriores. “Ainda neste período foi implantado também o loteamento fechado City Castelo, localizado nas margens da Rodovia Castelo Branco. Chamamos atenção para este empreendimento, uma vez que se encontra localizado a mais de 15 quilômetros do centro de Itu, mostrando uma dispersão territorial bastante significativa já na década de 1970, impulsionando a ocupação urbana nas imediações do bairro do Pirapitingui, que atualmente é classificada como ‘Macrozona de Urbanização II’, contando inclusive com uma administração regional da prefeitura, terminal de ônibus, unidades de saúde, entre outros serviços. Na realidade, a ocupação desta área teve início já na década de 1930, com a instalação de uma das maiores colônias/asilos para isolamento de pessoas contaminadas por hanseníase. Na ocasião de sua inauguração, a colônia/asilo Pirapitingui já possuía cerca de 60 casas” 19
Vale lembrar aqui que a doença hanseníase consiste em uma doença altamente infecciosa, que causa, em um primeiro momento, manchas despigmentadas na pele, tornando-a menos sensível, e que se evolui de forma tuberculosa, chegando até a perda do membro. Popularmente, esta doença é conhecida como lepra, e durante muitos anos da história nacional, pelo fato de não se haver uma forma de tratamento conhecida, as pessoas infectadas pela bactéria eram obrigadas a ficar retidas em colônias de completo isolamento, bastante distante da sociedade para que não ocorresse uma contaminação geral. O sítio escolhido pela Companhia City de Desenvolvimento
Urbano implantar seu novo loteamento fora este. Local onde, até o momento, sua única ocupação se dava por motivos de “se manter longe da sociedade”. “O empreendimento City Castelo foi lançado a partir de sua localização estratégica, no entroncamento da Rodovia SP-079 [a chamada Castelinho], com a Rodovia Castelo Branco, permitindo assim, fácil acesso não só para Itu e Sorocaba, mas também para a cidade de São Paulo”. 20
Este, sem dúvida, foi o principal motivo para a proliferação deste tipo de empreendimento em uma primeira etapa. Ao se deparar com a campanha publicitária destes loteamentos, notamos que a ideia vendida correspondia sempre a algo como “facilidade de acesso em relação a cidades como Sorocaba, Jundiaí, Campinas e principalmente, a capital paulista”. Apoiados nas vias de acesso intermunicipais, é apresentada como vantagem o tempo médio de deslocamento entre a propriedade e a cidade de São Paulo, e assim, focando o público externo ao munícipio de Itu, principalmente da Região Metropolitana da capital. “A localização estratégica de Itu, aproximadamente 100 Km da cidade de São Paulo e servida por rodovias e autopistas, tem contribuído para a o surgimento deste tipo de empreendimento. Somado a isto, o discurso relativo à valorização do verde, da paisagem rural e do bucólico em contraposição ao ‘caos’ cotidiano das grandes cidades tem colaborado na divulgação destes espaços residenciais.” 21
A localização estratégica, que outrora fora fundamental para o avanço econômico e social do munícipio, se tornara o principal motivo para tal forma de ocupação predatória e desorganizada do espaço. Seguindo a lógica dispersa e desordenada dos exemplos já citados, ao longo das décadas seguintes foram inaugurados uma série de loteamentos murados, como o Campos de Santo Antônio, Plaza Athéné, Portal de Itu, Parque Xapada Ytu, Terras de São José II, Village Castelo, Jardim Theodora, entre outros.
AVANÇO DA OCUPAÇÃO POR PERÍODO até 1950 1951 - 1963
1983 - 1990
1964 - 1975
1991 - 2006
1976 - 1982
2006 - 2011
diagramas Itu: expansão territorial urbana 1950 - 2011 [fonte: MIYAZAKI. p126, ano 2013]
RELAÇÃO DA OCUPAÇÃO ocupação urbana [até 1975] loteamentos residenciais fechados [1975 em diante]
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Dentre as utilidades intra-muros oferecidas pelos incorporadores, nota-se sempre uma sede social de convivência, campos de futebol, piscinas, lagos para pescas e esportes náuticos, equipamentos de lazer, bares e restaurantes, capelas e em alguns casos mais extremos, como o Terras de São José I, encontra-se complexos para prática de tênis [20 quadras], campo de golfe, centro hípico, heliponto e até um colégio. Daí é possível imaginar qual é o público alvo em questão, de altíssima renda que busca, além da fuga da vida urbana e seus “problemas inerentes”, um complexo residencial com todas as facilidades possíveis para que, cada vez menos, seja necessário o contato com o mundo externo. É interessante aqui apontar uma entrevista cedida por Jacob Federmann, incorporador responsável pelo Terras de São José I, apontada por Victor Miyazaki em sua tese, no qual se nota, além das influências para este modelo de moradia, as suas diferentes formas de venda ao longo do tempo. “Federmann visitou alguns condomínios residenciais de alto padrão no Sul dos Estados Unidos, no início da década de 70 e, na ocasião, notou que tais iniciativas se difundiam naquele país atreladas à questão da violência urbana. Ao trazer este modelo para o Brasil, implantando o Terras de São José em Itu, o engenheiro destacou que naquele momento a questão da violência não era um aspecto que caracterizava a demanda do mercado paulistano: ‘essa necessidade ainda não era tão premente na cidade de São Paulo, o que levou a promover adaptações no modelo norte-americano de loteamentos de luxo. A elite paulistana não buscava, naquele momento, uma fuga da violência da cidade grande, e sim um reencontro eventual com a vida no campo’.” 22
E de fato, ao se deparar com os anúncios publicitários realizados até o final do século, a segurança não era um fator primordial, sendo encoberta pela questão da proximidade e facilidade de acesso à capital. Porém, ao olhar a página de internet do condomínio Terras de São José II, inaugurado em 2006, encontra-se a
MIYAZAKI. p138, ano 2013 MIYAZAKI. p131, ano 2013
seguinte frase: “Terras de São José II, liberdade e segurança. Um refúgio muito perto das grandes metrópoles”. [homepage do loteamento]. O discurso já havia incorporado à nova questão. Mas sendo a cidade de Itu um laboratório para esta nova forma de apropriação espacial, quais teriam sido as consequências imediatas para o poder público? Para respondermos brevemente a questão, voltemos ao estudo de caso apontado anteriormente, o condomínio residencial que fora implantado junto ao Hospital do Pirapitingui, a cerca de 15 quilômetros do centro de Itu. Tomo ele como um exemplo pois, como já apontado acima, tal “bairro” foi o elemento propulsor da urbanização de um novo núcleo urbano para a cidade de Itu, completamente desconexo à qualquer rede de equipamentos já existente. Isto porque “diante da localização periférica das áreas residenciais da elite, é preciso considerar as mudanças relativas ao conteúdo das periferias urbanas. Nos últimos anos, verifica-se uma redefinição da periferia, uma vez que há: ‘justaposição contraditória de conjuntos habitacionais implantados pelo poder público, loteamentos populares, cuja paisagem urbana resulta da autoconstrução, e loteamentos voltados aos de maior poder aquisitivo, alguns fechados e controlados por sistemas de seguranças particulares’.“23
A contradição encontrada no discurso segregatório destes condomínios residenciais corresponde da necessidade que os tais empreendimentos tem em possuir uma oferta de mão-de-obra barata e próxima a eles, tendo em vista que os grandes lotes, as piscinas e os jardins não são cuidados pelos próprios moradores, e sim por caseiros e jardineiros contratados. É frequente, em casos como este, a presença de dois ou mais funcionários semanais para a manutenção da propriedade. Com isto, prolifera-se, juntamente aos loteamentos murados, bairros de baixo poder aquisitivo, que operam em uma lógica marginalizante de
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MIYAZAKI. p128, ano 2013 MIYAZAKI. p143, ano 2013
muito trabalho e pouco usufruto dos estabelecimentos. Com isto, a inauguração de um loteamento deste padrão logo traz consigo uma série de ocupações de baixa renda, que consolidam um núcleo urbano à parte da cidade já existente, que acaba por se conectar com qualquer tipo de mancha urbana próxima. O caso do bairro do Pirapitingui ilustra bem esta situação, já que “hoje, a região apresenta continuidade territorial mais significativa com a malha urbana de Sorocaba do que em relação à sede municipal de Itu. Porém, cabe ressaltar que no período de sua implantação, ainda na década de 1970, a descontinuidade territorial em relação ao tecido urbano de Itu, bem como o de Sorocaba, era bastante expressiva.” 24
Com o decorrer dos anos, e com o lançamento de mais um condomínio próximo, o Village Castelo, maior contingente de mão-de-obra se tornou necessário, e com isso, a região, cada vez mais populosa, passou a entrar no plano diretor do município como uma Macrozona de Urbanização II, obrigando o poder público a implantar uma série de equipamentos públicos de saúde, educação, lazer, e até uma sede administrativa, além de novas redes de infraestrutura, visando conectar o bairro à cidade já existente. Sendo este um caso específico, e talvez o mais extremo, vale apontar que pode ser considerado o mais custoso para a prefeitura do munícipio. Cabe dizer, porém, que em boa parte destes loteamentos voltados para as altas classes, sendo eles periféricos e desconexos, também deram origem à uma ocupação lindeira, frequentemente de baixa renda e isolada, que necessita de atenção por parte do Estado. Sendo assim, fica fácil apontar que a “nova forma de morar” é extremamente lucrativa para a iniciativa privada, e altamente custosa para o poder público. Miyazaki, então, resume que “estes elementos, apontam para um tipo específico de estrutura urbana,
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caracterizada por extensas áreas urbanizadas com significativa presença de uso ocasional e baixa densidade demográfica. Os espaços residenciais fechados podem trazer problemas para a circulação e acesso na cidade, em decorrência de seus muros e, em alguns casos, da grande extensão territorial. Ou seja, ao mesmo tempo que se constituem como ‘enclaves fortificados’ que separam e fragmentam a cidade, tais espaços se articulam com outros que não estão localizados necessariamente próximos, ou de forma territorialmente contínua” 25
Sendo assim, valoriza-se o transporte individual, tendo em vista a dificuldade de conexão, privilegia-se as rodovias como principal eixo de circulação do munícipio, e não as vias intra urbanas, além de transformar Itu cada vez mais em uma cidade-dormitório, para indivíduos que preferem o deslocamento de quase 100 quilômetros diários a viver em meio às questões urbanas. A ESCASSEZ HÍDRICA O munícipio de Itu se viu em mais um momento impar nos últimos anos. Durante o ano de 2014, período que foi marcado pela falta de chuvas e problemas de abastecimento por todo o estado de São Paulo, a cidade apresentou ao Brasil como seria o cenário em sua forma mais crítica. Apontado principalmente pela imprensa alternativa, em especial por Laura Capriglione em reportagem para o Coletivo Jornalístico Ponte, que revelou como foi o momento vivido pelo munícipio em uma das mais graves crises hídricas vividas na história nacional: “Em 2007, a prefeitura de Itu (102 km de São Paulo) deu cabo da autarquia pública que cuidava da água e do esgoto da cidade e privatizou o serviço, entregando-o a uma empresa chamada Águas de Itu. Dizia-se que, enfim, a cidade estaria livre de privações como as ocorridas em 1991, quando um vendaval destruiu barragens, interrompendo o abastecimento da cidade por três dias. Ou como em 1999–2000, quando uma estiagem severa, a pior que o município tinha enfrentado até ali,
CAPRIGLIONE. p02, 2015 NARDY FILHO. p210, 2006 28 NARDY FILHO. p210, 2006 29 NARDY FILHO. p223, 2006 30 RODRIGUES. p51, 2008 26
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também deixou a população por dois dias sem água. O edital de licitação que acabou privatizando a água e esgoto de Itu previa que o serviço deveria ser prestado “de modo a atender as necessidades de interesse público, correspondendo às exigências de qualidade, continuidade, regularidade, eficiência, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação, segurança e modicidade das tarifas. [...] Classe média, pobres e doentes da cidade sofrem desde fevereiro com um racionamento cruel da água que, em alguns bairros, já contabiliza 55 dias de torneiras secas. Por toda a cidade veem-se faixas e cartazes afixados às fachadas: “Itu pede Socorro!” 26
Mas, antes do aprofundamento na questão, vale uma breve revisão histórica com a intenção de ilustrar como se deu esta situação ao longo dos anos. Para tal, retomo as crônicas de Nardy Filho a respeito da cidade de Itu. Em alguns trechos, já nota-se a presença da questão hídrica na pequena vila de então: “Desse modo, embora toda a previdência de seu fundador, já em começo de 1800 estava a villa Ytuana com falta de água [...] Por este tempo o Padre Antônio Pacheco da Silva, que em suas visitas ás famílias de suas relações e parentesco, ouvia sempre a queixa geral contra a falta de água, condoeu-se à população [...] e dispondo de avultados bens de fortuna, resolveu dotar a sua custa, a villa ytuana de água encanada... captou elle as águas de uma vertente próxima, e servindo de grandes telhões de barro, fez um encanamento com o qual conseguiu trazer água à cidade” 27
E como era de se imaginar, não apenas alguns ‘encanamentos de telhões de barro’ solucionariam a questão. “Em 1820 e 1821 foram construídos os chafarizes, ou melhor, as bicas do Padre Campos e do Broxado [...] Servida desse modo a população, e dado seu crescimento, que vinha se verificando de anno para anno, começou logo a sentir novamente a falta de água.” 28
Nota-se que a questão de abastecimento se tornou algo relacionado com a história do crescimento da cidade de Itu, em que frequentemente voltava a assolar os cidadãos. Percebe-se
ainda, pelos dois trechos apontados, que a solução para estas constantes crises tinha o costume de ser pensada a posteriori, apenas depois de seu momento crítico. Claro que para ambas as situações, ocorridas no século XIX, o planejamento futuro talvez fosse algo complicado para a pequena vila. A forma de lidar com as questões, porém, se manteve ao longo do tempo. Nardy Filho destaca ainda mais um momento em que a população da então já cidade de Itu se viu em “tempos de seca”: “Possuía a cidade de Ytu o seu abastecimento de água; porém, com o aumento sensível da população, com o desenvolvimento de suas indústrias, no correr de alguns annos as águas captadas no manancial da Fazenda da Serra não bastavam para suprir a população [...] Assim, é que, em sessão de 15 de Abril de 1902, incumbiu o engenheiro Dr. Francisco de Mesquita Barros de proceder o estudo e exame de diversos mananciais, a ver qual o melhor a ser captado” 29
Outra característica que pode ser destacada nestes trechos apontados por Francisco Nardy Filho, se refere ao momento em que estas crises vieram a provocar novas preocupações. Nota-se presente no discurso do cronista, em ambas as vezes, a presença do fato do aumento populacional como um dos fatores que davam origem à diminuição da oferta do recurso hídrico. O geógrafo Murilo Rodrigues apresenta, em sua tese a respeito da escassez de água no munícipio, que os pontos levantados pelo cronista ituano não foram uma exclusividade do passado, como poderia se imaginar. “Durante todo o século XX pudemos verificar que a ocorrência de problemas relacionados à falta de água tornou-se demasiadamente constante principalmente meio para o final do século, devido, sobretudo ao crescimento acelerado da população total e urbana. A população total de Itu quase que triplicou em 30 anos [1970-2000], e consequentemente, cresceu a demanda por água no período” 30
De acordo com o IBGE, a população ituana no início do século,
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RODRIGUES. p51, ano 2008 RODRIGUES. p65, 2008
mais precisamente na década de 1910, era de 23.718 habitantes. Para o levantamento realizado nos anos 1970, o número era de 49.090 habitantes, apresentando um acréscimo de cerca de 25.000 habitantes em 60 anos. Na virada do século, ou seja, 30 anos depois, o censo realizado deflagrou que a população havia passado da casa dos 135.000 habitantes. Crescimento que fora bastante impulsionado pela nova forma de moradia criada pelo interesse privado, que estava sendo difundida entre os moradores da capital e de sua região metropolitana. Como aponta Laura Capriglione no excerto já apontado, a “estiagem severa” que, em 1999-2000 deixou a população por cerca de dois dias sem água, corresponde, de acordo com o geógrafo: “aos anos mais críticos que o munícipio havia enfrentado até ali, no que diz respeito à água e abastecimento público. Na ocasião, praticamente toda a cidade passou a viver em função de racionamentos crônicos. Em diversas ocasiões escolas e indústrias tiveram que interromper seu funcionamento rotineiro por não terem disponibilidade de água potável”31
A situação se tornara crítica, principalmente para a camada mais pobre da sociedade, que, por não possuírem caixas d’água em suas residências, se viam obrigadas a improvisar reservatórios para a estocagem do bem natural, o que gerou um grande aumento da incidência de doenças relacionadas à contaminação da água [infecções estomacais, intestinais e hepatite]. Os anos passaram e o problema se diluíra em meio aos regimes pluviométricos mais favoráveis. A sociedade ituana, já acostumada com periódicas faltas de água, cobrava melhorias na infraestrutura hídrica, por parte do poder público. A resposta dada pelos governantes não foi bem a que se esperava. “Desde a sua criação em 1972, o poder público local sempre fez questão que a administração dos recursos hídricos ficasse a cargo do SAAE, e
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evitou inclusive aderir ao PLANASA [Plano Nacional de Saneamento]. O PLANASA foi instituído pelo governo brasileiro em 1971 e foi um instrumento criado para que os Estados brasileiros implementassem, em suas cidades, sistemas de abastecimento de água e esgoto. Foram criadas, assim, companhias estaduais de saneamento básico às quais foram concedidos os sistemas de saneamento urbano. [...] Apesar de alguns problemas de ordem estrutural, o PLANASA pode ser considerado um plano bem-sucedido da administração pública, pois, ‘em pouco mais de 20 anos, foi possível estender os serviços de abastecimento de água e esgoto sanitário para cerca de 70 milhões de pessoas. ’ Sem ter aderido ao plano, os investimentos no setor de água e esgoto de Itu foram menores, ficando o SAAE dependente de suas próprias forças e, eventualmente, do repasse de verbas extras por parte do poder público municipal. [...] No final de 2007, depois de anos de discussão na câmara municipal de Itu e de um processo de concorrência pública, parte do SAAE foi concedida por trinta anos a uma organização privada intitulada ‘Águas de Itu’, de propriedade de um grupo empresarial denominado Equipav S/A – Pavimentação, Engenharia e Comércio.” 32
E essa fora a solução encontrada pelo poder público para responder os anseios da população. A ideia já vinha sendo trabalhada desde a crise de 2000, quando ocorreu a primeira votação na Câmara. Se em um primeiro momento a maioria dos vereadores votara a favor da continuidade da administração municipal no SAAE, a inabilidade com a gestão do recurso público por parte do órgão levou à uma nova votação, e em julho de 2007, o governo municipal aprovara a privatização da gestão da água na cidade de Itu. A cargo da empresa particular ficaria a promessa de “melhorar significativamente a qualidade do serviço de água e esgoto municipal, tendo como maior desafio solucionar o problema do abastecimento público de água que há séculos aflige o munícipio de Itu. ” [RODRIGUES, p66, 2008]. Para o SAAE, restou a função de agência reguladora e fiscalizadora do serviço de água, enquanto durar sua concessão, ou seja, trinta anos. Apenas sete anos foram necessários para mostrar que a solução
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CAPRIGLIONE. p14, 2015 CAPRIGLIONE. p14, 2015 35 RODRIGUES. p60, 2008 36 RODRIGUES. p61, 2008
Primeiro protesto #ItuVaiParar, reuniu mais de 2000 pessoas durante a crise de abastecimento [CAPRIGLIONE. p5, 2015 - Fotos: Paulo Roger] ‘Copinho’ de Itu, instalado próximo a favela Novo Itu. [CAPRIGLIONE. p12, 2015 - Foto: Mídia NINJA]
tomada não foi exatamente a melhor. Voltemos à Capriglione para ilustrar a cena, onde, a partir do relato jornalístico, ela mostra não acreditar que: “o povo ituano seja obrigado a consumir tempo, saúde e esforço físico (demais) em busca desesperada por água potável. Sem nenhuma mísera gota na torneira para cozinhar, tomar banho, descarregar a privada, fazer faxina, lavar louça. Cidade de exageros, onde tudo é grande, Itu há anos ostenta na sua praça principal um semáforo e um orelhão gigantes. Agora, esse cenário foi aperfeiçoado. Espalharam-se pela cidade gigantescas caixas d’água de 20 mil litros, além de um contêiner com capacidade para 70 mil litros, e de reservatórios de plástico, que se parecem com sacos de leite gigantes, mas que são cheios d’água. [...] A rotina das filas de água só teve um alívio no fim da semana passada, quando a cidade viu despencar uma chuva redentora. Em dois dias (quinta e sexta), choveram 70 mm de água. Foi um imenso alívio – o povo colocando panelas, vasilhas, vasos, baldes, bacias, copos, jarras e até a boca aberta para recolher as gotas caindo do céu.“ 33
A situação de 2014 foi desse cenário para pior. A prefeitura se viu obrigada a contratar caminhões-pipa, que fariam a distribuição emergencial de água nos bairros mais afetados. Surgiram ainda os chamados “traficantes de água”, ou seja, “gente que enche grandes reservatórios de água colocados na caçamba de camionetes ou nos porta-malas dos carros de passeio ou kombis, e sai vendendo o produto pela rua. Mil litros, na semana passada, saíam por 120 reais” 34. A resposta por parte do poder público foi o que já se imaginava: a culpa era, mais uma vez, das chuvas e da hidrografia de itu, já que a oferta superficial de água, oriunda dos rasos mananciais, era pequena. Rodrigues desconstrói o discurso: “o problema de falta d’água no munícipio de Itu não está diretamente ligado com a pluviosidade, pois, apesar de estar localizado numa zona
de ‘sombra de chuvas’ pelo seu lado leste, apresenta o mesmo índice pluviométrico de outras cidades da região, muitas das quais possuidoras de população bem superior à de Itu. Além do mais, o volume de chuvas em Itu é maior que de muitos munícipios do estado de São Paulo, cujas demandas são maiores em função do número de habitantes que possuem [...] A hidrografia no município de Itu também exerce pouca influência sobre o problema, já que a oferta de água é relativamente boa. No entanto, é preciso que essa água seja captada de maneira consciente e sensata, ao contrário do que vem sendo feito, pois está captando-se muito mais do que a capacidade dos mananciais pode suportar” 35
Sendo assim, o geógrafo conclui que o problema deve começar a ser analisado de forma diferente, sendo a natureza humana a raiz da sua questão: “O que realmente causa o problema da escassez de água para o abastecimento em Itu são os fatores técnicos [...] Redes e filtros de água obsoletos, falta de manutenção de redes de distribuição e de hidrômetros [...] causam enormes perdas que, em última análise, são as responsáveis imediatas pelos problemas relacionados ao abastecimento público de água em Itu.” 36
Mas para além da falta de manutenção e cuidado por parte do órgão responsável pela gestão do recurso hídrico, a situação toma ares de angústia quando se nota quem sofre de fato com ela. Já fora apontado que a cidade passara mais de 30 dias sem água saindo da torneira de boa parte de sua população e que um fator importante para que se tenha chegado a este ponto foi a quantidade absurda do recurso que era perdido em seu translado, chegando a 55% de acordo com Rodrigues. Mas vale um breve apontamento sobre as obras que foram realizadas para solucionar a questão. De acordo com o portal da agência reguladora da gestão da empresa Águas de Itu, ações emergenciais foram tomadas. Dentre elas, a que traria um resultado mais incisivo seria construir um novo ponto de captação de água no Rio Mombaça e no córrego do Pau D’alho, e implantar uma
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Portal G1 Sorocaba e Jundiaí, 06/04/2015 38 CAPRIGLIONE. p25, ano 2015 39 CAPRIGLIONE. p11, ano 2015
Margem do Rio Tietê, na altura de Itu. [CAPRIGLIONE. p27, ano 2015 - Foto: Mídia NINJA] Faixas no centro da cidade pedem socorro e ação da Prefeitura. [CAPRIGLIONE. p3, ano 2015 Foto: Mídia NINJA]
adutora de cerca de 20 Km, direcionando até a estação de tratamento mais próxima e depois até o público afetado. O custo se faz muito maior do que em comparação à intervenções pontuais em reservatórios já existentes, que poderiam promover o desassoreamento dos mesmos. Inclusive, de acordo com o portal de notícias G1, da Globo, os prazos de entrega desta nova obra de infraestrutura não foram respeitados e novos impasses voltaram a assolar a vida dos munícipes. “O atraso na entrega da adutora do córrego Mombaça, em Itu (SP), se deve, segundo a concessionária Águas de Itu, a um impasse entre as construtoras Contern e Engefor Mix, contratadas para a execução das obras e construção das estações elevatórias que farão parte do complexo. A adutora deveria ter sido entregue no fim de março de 2015. [...] Em virtude desses problemas, a Engefor Mix informou à Contern, através de notificação extrajudicial, sobre a paralisação da prestação dos serviços, já que a dívida se aproxima de R$ 2 milhões” 37
E Laura Capriglione deflagra como a atenção do poder público se dá de formas diferentes quanto à faixa de renda que está sendo afetada pelos problemas. Em uma visita da jornalista ao condomínio Campos de Santo Antônio, ela conta que lá, “dotado de piscinas para adultos e crianças, além de lagos para pesca, o condomínio tem casas de três dormitórios dotadas de piscinas sendo vendidas por R$ 2.300.000. Trata-se de uma clientela privilegiada, certo? Pois a empresa que fornece água para Itu considerou necessário dar uma forcinha extra para os moradores deste condomínio, e instalou uma caixa d’água dentro dos muros do empreendimento privado dos bacanas. Quem não tem autorização para entrar no condomínio, não pode usar a caixa d’água que deveria atender ao público em geral.“ 38
E tudo isto na cidade em que se encontra instalada a fábrica de cervejas Brasil Kirin, responsável pela produção da famosa Schincariol. Em meio ao período de maior seca, a produção da bebida não cessou e o relatório anual apontou uma produção de cerca de 3,250 bilhões de litros de cerveja em suas diversas fábricas. “Segundo o relatório de sustentabilidade de 2013 da
Brasil Kirin, a empresa usa 3,54 litros de água para produzir um litro de bebida” 39. Isto apenas para se ter uma noção da quantidade de água utilizada. Talvez a falta de contato nos tenha feito esquecer que a água deveria ser considerada o recurso mais público que a humanidade tem direito ao acesso. Talvez a falta de transparência na gestão por parte do poder público tenha levado à um distanciamento tão grande da população quanto à manutenção do serviço, a ponto de chegarmos a este momento tão crítico. A única certeza que podemos ter é que, definitivamente, água não falta.
4. PARQUE FLUVIAL URBANO
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ANELLI. p70, ano 2015 ANELLI. p69, ano 2015
“Estudar água em Itu? Mas Itu não tem água, é melhor você ir para outra cidade ver isto”, disse-me um colega, brincando. A frase surtiu efeito de provocação para mim. E indagações surgiram com ela: Como não temos água em Itu? Como chegamos ao ponto de não saber da presença dos eixos hídricos que cortam a cidade? Deveríamos recuperá-los ao imaginário fragilizado dos habitantes que há meses sofrem com a própria torneira seca. Mas como uma intervenção projetual teria a capacidade de aflorar os traçados fluviais que foram tão importantes para a formação da cidade e para definir o tecido urbano que existiu até a década de 50? E entrando no redesenho urbano, como propor algo que não seja meramente decorativo para a cidade de Itu? O arquiteto Renato Anelli, em texto sobre as águas urbanas e novas relações que deveriam ser ensaiadas, problematiza a questão: “a irreversibilidade da urbanização exige uma maior atenção do debate ambiental às cidades, inclusive propondo a radical revisão do modo como elas se relacionam com seus cursos d’água [...] Conforme as possibilidades de expansão e captação em áreas distantes se demonstram cada vez mais limitadas, a importância das águas nas áreas urbanizadas se amplia” 1
O autor aponta essa forma de análise para instigar o leitor: “o desafio agora envolve a recuperação dos recursos hídricos existentes no território urbanizado, visando a sua disponibilidade para a captação de água passível para ser tratada para o consumo humano” 2
O trecho acima apresenta o que o arquiteto chama de water sensitive design, um termo já bastante refletido no cenário internacional que passa a ser cada vez mais presente na forma de pensar as cidades atuais. Não se trata de um movimento inédito, pois segundo o autor “retoma-se assim a estratégia de ocupar as margens dos rios com parques, algo que já havia sido concebido por Saturnino de Brito e outros no começo do século XX” [ANELLI, p75, 2015], voltando a ser debatido a partir dos anos 1990, quando algumas experiências inovadoras para o cenário
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ANELLI. p81, ano 2015
brasileiro apareceram, como o Parque Linear do Tietê ou a renaturalização dos córregos de São Carlos. Isto como uma “oportunidade para pensarmos as novas configurações das cidades que permitam a presença difusa pela rede de córregos, de água em condições de ser facilmente tratada para consumo em situações graves de seca e redução da disponibilidade nos grandes reservatórios do sistema de abastecimento. A definição de política pública para a elaboração de projetos integrados de infraestrutura de captação, tratamento, drenagem, coleta de esgoto e renaturalização dos cursos d’água associadas a políticas públicas de novas ofertas de habitação social e infraestrutura de transporte público de média capacidade.” 3
A intervenção projetual deste trabalho parte do olhar apontado por Anelli para uma cidade que pouca atenção deu para o recurso hídrico ao longo de sua história. Fica como um meta-projeto, um ensaio crítico de como a cidade poderia ser pensada para dar o devido valor aos seus rios. Sabendo da importância dos traçados fluviais para a consolidação do desenho urbano inicial de Itu, a intervenção ao longo dos córregos tem um objetivo secundário: lidar com o tecido urbano que se fez desconexo durante os momentos de crescimento territorial da cidade. O projeto vai de encontro ao que foi exposto pelo professor Walter Toscano, que deflagra como o momento de expansão inicial de Itu, ocorrido por volta dos anos 1950, descaracterizou seu traçado original. Feita de maneira polinucleada, em vista da especulação imobiliária, a expansão criou glebas desconexas de ocupação. Ocuparam-se as margens dos córregos, a mobilidade urbana foi prejudicada, a cidade se espraiou e o centro histórico, outrora conciso, ficou descaracterizado. O raciocínio projetual parte do que Toscano aponta como situações críticas da cidade para estabelecer suas diretrizes iniciais. São elas: destacar a ocupação primeira da cidade, envolvendo -a de vegetação; recuperar os traçados fluviais, trazendo-nos de volta ao imaginário do habitante; reconectar os diferentes tecidos, organizando sua leitura e buscando novas transposições
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dos córregos; trazer os habitantes para perto do centro, definindo novas formas de transporte ancoradas nas potencialidades existentes e propostas; e fornecer, ainda, áreas livres para o usufruto público. O projeto do Parque Fluvial Urbano da Cidade de Itu foi pensado a partir destes pontos. Procura-se responder questões quanto à área de implantação do parque em um ambiente já boa parte ocupado, os recursos paisagísticos propostos, visando atratividade pública, além de dar apoio às necessidades infraestruturais de Itu, como saneamento e transporte. A intervenção se estrutura, assim, a partir de quatro macro etapas, que têm por objetivo organizar e consolidar as diferentes propostas de forma integrada entre si. A intervenção ao longo dos eixos fluviais integraria, desta maneira, um conjunto de operações gerais para o meio urbano da cidade. Algo que ficaria caracterizado como o Plano Diretor Arquitetônico para a cidade de Itu. Além desta intervenção projetual, valem alguns apontamentos mais no campo legislativo, visando melhorar a qualidade do centro histórico da cidade. São estes: .recuperação do caráter pedonal das vias do centro histórico, fornecendo estímulo à formas de transportes lentas e não motorizadas. .enterramento de toda a fiação elétrica existente, dando maior qualidade às calçadas .estimulo à uma alta densidade arbórea ao longo das vias do centro histórico .criação regulamentação quanto à quantidade de anúncios publicitários e banners de lojas, nos moldes da Lei Cidade Limpa, visando combater a poluição visual em respeito ao potencial histórico da cidade.
FOTO AÉREA DA MANCHA URBANA DE ITU | fonte: google maps
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SITUAÇÃO ATUAL DE ITU | centro histórico e traçado dos corrégos O
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DEFINIÇÃO DA ÁREA DO PARQUE E DE QUADRAS DE ADENSAMENTO POPULACIONAL O meio urbano da cidade de Itu tem um perfil bastante horizontal. Certa parte de sua área já se encontra ocupada por residências unifamiliares e atualmente surgem ensaios de verticalização realizados a partir de condomínios fechados, mas ainda muito pouco densos. Todo o traçado dos córregos aparece ocupado por avenidas marginais, que contêm residências, no caso do córrego do Brochado e comércios voltados para o mercado automotivo, no córrego do Taboão. A definição da área livre surge respeitando os 30 metros de distância que qualquer ocupação deve fazer em relação aos traçados fluviais, permitindo área para a mata ciliar. Como grande parte deste espaço se encontra atualmente ocupado, o desenho se ateve em levantar as edificações mais próximas dos córregos e propor a retirada e demolição de toda construção, com objetivo de melhorar a permeabilidade do solo e a recuperação das matas. Os terrenos já vazios que aparecem nesse espaço também são abrangidos pela intervenção. No caso do córrego do Taboão, que corta a cidade bem no limite da colina histórica, foi feito um levantamento das construções que respeitavam o desenho inicial da cidade. Estas passariam a ser mantidas, recebendo a possibilidade de expansão para que fossem voltadas ao parque, dando apoio com comércios e serviços na escala do pedestre. A partir disto, surge a necessidade de um redesenho do sistema viário da cidade. Almejando uma maior legibilidade do espaço urbano, além de uma valorização do transporte pedonal, novas conexões são propostas em casos de grandes quadras, repartindo-as em quadras mais agradáveis para o transeunte. Novas transposições também se fazem necessárias. Sabendo que ambos os córregos se deram historicamente como uma barreira de contenção da expansão urbana, nota-se que o avanço para
além deles continuou sendo dificultado pela falta de pontes e obras viárias. Respeita-se assim as conexões já existentes e cria-se algumas novas, visando uma maior conexão entre os diversos bairros da cidade. Sabendo que o projeto geraria um número enorme de pessoas desalojadas de suas casas, a proposta passa a definir um cinturão de quadras ao longo do parque para adensamento populacional. Esta diretriz aparece da tentativa de respeitar o morador da área, já que este seria destinado à um conjunto habitacional próximo, como forma de consolidar o parque como área livre destinada à uma grande parcela da população. Assim, levantamse quadras principalmente ocupadas por residências unifamiliares de baixíssima densidade habitacional e propõe-se que estas sejam substituídas por conjuntos habitacionais de densidade próxima aos 500 habitantes por hectare. Desta maneira seria possível realocar todas as famílias que foram afetadas pelas desapropriações necessárias para o parque, além de permitir um aumento de habitantes morando à uma distância menor de 2 Km do centro histórico, sabendo que esta corresponde à área mais abastecida de serviços públicos da cidade. Esta diretriz tem ainda a intenção de não deixar estas áreas a mercê do mercado imobiliário, que, se apropriando da nova infraestrutura proposta, poderia se apropriar do meio urbano pouco consolidado e incorporá-lo novamente às áreas voltadas para a especulação imobiliaria. Algo que poderia descaracterizar ainda mais o valor histórico existente no centro da cidade.
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รกrea do parque proposto
รกreas adensamento habitacional [HIS | HMP]
รกrea expansรฃo e oportunidades
รกrea verde existente
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PARQUE FLUVIAL URBANO | definição área do parque O
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DEFINIÇÃO DOS LAGOS Esta macroetapa, para um olhar inicial, teria um caráter mais paisagístico. Mas vale apontar aqui que, para além da composição cenográfica do parque, ela tem uma importância infraestrutural para a cidade de Itu. A situação atual dos córregos é de total canalização [sendo que o último trecho do córrego do Brochado ainda se encontra em obras, visando conter possíveis alagamentos, de acordo com a prefeitura da cidade]. O córrego do Taboão, por sua vez, já canalizado, não se mostrou eficiente para esta questão. Durante o período de chuvas no final de 2015, a Avenida Dr. Otaviano Pereira Mendes, conhecida por marginal de Itu, foi assolada pela alta vazão das águas, ocasionando uma enchente que prejudicou parte das lojas ali instaladas. Seguindo a lógica dos piscinões urbanos, que controlam a vazão hídrica de montante à jusante em momentos de cheia, o Parque Fluvial Urbano da cidade de Itu receberia, ao longo de seu percurso, uma série de barragens móveis instaladas juntamente às pontes [que seriam refeitas], para que mantivessem o nível da água em um limite pré-estabelecido. Define-se, assim, cotas de alagamento que manteriam o nível da água conforme a necessidade. As barragens móveis permitiriam um planejamento integrado que, em momentos de maior pluviosidade, desceriam e deixariam o caminho livre para o fluxo hídrico, permitindo um escoamento mais organizado. O desenho desse equipamento deve ainda receber uma canaleta inferior de contenção dos sedimentos decantados que são levados junto com o fluxo, além de bombas de sucção para a constante retirada e manutenção do leito fluvial.
Para os momentos de seca, como o ocorrido no final de 2014, as barragens manteriam sua altura máxima. Conformam-se assim, 17 lagos para a cidade de Itu, sendo o maior deles na confluência dos dois traçados, mais sete para o córrego do Taboão e nove para o Brochado. A cidade, desta maneira, teria a capacidade de sempre oferecer o recurso para seus habitantes. O caráter paisagístico fica definido pelas diferentes situações que são criadas. Ora de forma espraiada, ora com profundidade mais acentuada, o sistema lacustre da cidade daria espaço para diversas formas de lazer aquático ao longo de sua área livre. Este olhar paisagístico já é bastante explorado no município, já que todos os condomínios residenciais fechados possuem, em seu centro de convivência, um lago conformado a partir de uma barragem similar a que está sendo proposta. A diferença fica apenas quanto ao funcionamento da forma de estocagem, já que em boa parte dos condomínios ela se faz de forma fixa, não tendo capacidade de controle da vazão hídrica.
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รกrea do parque proposto
alagamento proposto
traรงado fluvial existente
PARQUE FLUVIAL URBANO | definição cotas de alagamento
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DEFINIÇÃO DAS NOVAS FORMAS DE TRANSPORTE O centro histórico da cidade de Itu apresenta uma configuração típica: estreitas vielas transversais e ruas um pouco mais largas no sentido longitudinal da ocupação. São raras as vezes que estas ruas extrapolam os 8 metros de largura para o leito carroçável e 1,5m de calçada. A circulação neste trecho se faz difícil, levando em conta a massiva presença do carro como forma de transporte, em um tecido urbano que não fora pensado para tal. Dentre as três faixas que conseguem ser estabelecidas nas maiores ruas da cidade, geralmente nota-se a presença de apenas uma de rolagem, sendo que duas ficam para o estacionamento dos automóveis. As pessoas, confinadas nesse espaço, geralmente acabam ocupando os leitos automotivos para o trânsito pedonal. A situação fica bastante crítica com a confusa relação criada. As declividades, no entanto, são bastante respeitosas ao transeunte. Mesmo no sentido transversal mais estreito entre os dois córregos, não se fazem presentes grandes subidas ou descidas. Nas poucas vezes que se nota um grande desnível na área, percebe-se que foi feito pelo homem, para a implantação de alguma edificação. O traçado dos rios e consequentemente do Parque Fluvial Urbano, cria um anel que envolve a colina histórica. Com a proposta dos alagamentos, cria-se algo parecido a uma península. O sentido circular fica claro com o desenho. São propostas aqui duas linhas de veículos leves sobre trilhos, que contam com uma média capacidade de transporte e não possuem custo de instalação elevados, já que, sendo de superfície, se apropriam das vias já existentes, permitindo um livre convívio com carros, pedestres, bicicletas, entre outros. As duas linhas consistiriam em uma implantação ao longo do miolo histórico, circular, de apenas um sentido e outra para além dos rios, sendo esta dupla, já que tem uma área maior de abran-
gência. As baldeações ficariam nas duas cabeceiras do traçado: na já existente estação ferroviária da cidade, hoje desativada, e no seu ponto oposto, o Estádio Municipal Novelli Junior. Ao longo destas duas linhas, definem-se, assim, 24 estações para a cidade de Itu, respeitando as distâncias máximas a serem percorridas entre as estações [500 metros] e se apropriando do potencial turístico e de serviços dos equipamentos já existentes. A linha além rios faz ainda 3 conexões intermunicipais, baseando-se nos eixos inicias de expansão da cidade de Itu. Assim, com um tempo de espera mais controlado, torna-se possível pegar um trem para o bairro do Pirapitingui, para Sorocaba, Porto Feliz ou Salto, dando mais sentido à integração visada pela nova Região Metropolitana de Sorocaba. O desenho visa consolidar a proposta do parque, já que utiliza do anel proposto para implantar uma das duas linhas. A distância entre as várias áreas de interesse público existentes ao longo da cidade de Itu fica diminuída, e o adensamento populacional proposto passa a fazer sentido prático na vida dos moradores. Desestimula-se ainda o transporte automotivo, já que uma nova parte da rua passaria a ser destinada para o trem de superfície. E as linhas de ônibus passariam a ter um efeito mais capilar, fazendo a conexão das estações com os bairros mais distantes do centro, não havendo a necessidade de cruzar todo o município para completar seu traçado.
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parada v.l.t. | linha miolo histórico parada v.l.t. | linha além rios ponto interesse | valor turístico ponto interesse | educação ponto interesse | serviços ponto interesse | saúde traçado da linha de v.l.t.
PARQUE FLUVIAL URBANO | definição traçado do v.l.t.
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JACOBI, CIBIM e LEÃO. p33, ano 2015
DEFINIÇÃO DE REDE DE SANEAMENTO A quarta e última macroetapa tem caráter infraestrutural de manutenção dos leitos fluviais. O intuito, porém, é que esta consolide a presença constante da água na vida dos habitantes da cidade, já que tem como sua função básica a preservação da qualidade do recurso hídrico. Ela parte de uma simples pergunta: já que estão sendo propostos 17 lagos para Itu, como fazer que eles sejam atrativos para a população? Entende-se que um parque fluvial, que tem no cerne de sua estrutura os eixos fluviais da cidade, merece ser constantemente cuidado. As pessoas, desta maneira, teriam a possibilidade de usufruí-lo para as mais diversas funções, desde a contemplação até sua utilização para atividades aquáticas. A água precisa, incondicionalmente, estar limpa. De outra forma ela teria um efeito de repulsa para os potenciais usuários do parque. São propostos, portanto, dois anéis, que na verdade são quatro. Cada um destes anéis deve conter uma rede interceptadora para as águas pluviais, e outro, separado, uma rede interceptadora para as águas de esgoto. Eles seriam implantados nas duas margens dos córregos, e teriam por função primordial receber o despejo de água, ora da chuva, ora das ocupações humanas, e destiná-las às duas estações de tratamento mais próximas: a Estação de Tratamento de Águas Pluviais I, situada no bairro Rancho Grande [à leste do centro] e a Estação de Tratamento de Esgoto, situada próxima ao bairro Progresso, no caminho para Salto [à noroeste]. Os efluentes, assim, não encontrariam os córregos da cidade antes de serem tratados, permitindo uma boa qualidade da água. Para complementar a proposta, aponta-se um artigo escrito por Pedro Roberto Jacobi, Juliana Cibim e Renata de Souza Leitão a respeito da crise hídrica ocorrida na cidade de São Paulo e seus reflexos na sociedade civil. Os três doutores no campo da ciência
ambiental apontam que dentre as fragilidades do sistema de oferta do recurso hídrico, uma que merece atenção diz respeito ao distanciamento entre o poder público que oferece o recurso hídrico e o usuário consumidor: “um dos pontos centrais da discussão sobre a crise, entretanto, deve ir em direção às responsabilidades das instituições governamentais em relação ao planejamento, transparência e informação. [...] A criação de condições para uma nova proposta de diálogo e engajamento corresponsabilizado deve ser crescentemente apoiada em processos educativos orientados para a ‘deliberação pública’. Essa se concretizará principalmente pela presença crescente de uma pluralidade de atores que, por meio da ativação do seu potencial de participação, terão cada vez mais condições de intervir consistentemente e sem tutela nos processos decisórios de interesse público” 4
É notável que falta no público um conhecimento a respeito do tratamento do recurso. Poucos sabemos para onde vai a água que sujamos e o que acontece com ela depois. Cria-se aí um lapso na conscientização sobre o serviço, que ficou bem caracterizado na cidade de Itu onde a gestão, já deficitária, foi privatizada, tornou-se um produto com potencial lucrativo e depois acabou. Chegou a hora dos munícipes se tornarem agentes atuantes na gestão do recurso, e para isto, surge a necessidade de transparência. O último ponto da quarta macroetapa do Parque Fluvial Urbano de Itu aborda a preocupação com o tratamento da água. Foram levantados os principais afluentes dos dois córregos, marcados pelo desenho da topografia do município. No momento em que estes encontram os traçados fluviais, implanta-se, em um local próximo, uma Micro Estação de Tratamento das Águas Pluviais, a METAP. Esta corresponderia a um cilindro, com um diâmetro de pouco mais de 10m que receberia o afluente e faria sua limpeza imediata, em pequena escala, devolvendo-o para o rio. Este
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pequeno equipamento, que tem como intenção a maior transparência possível nos processos de limpeza da água, teria, além do efeito de manutenção da qualidade, a intenção de aproximar do usuário do parque como são dadas as etapas de recuperação do recurso. Um caráter educativo para que esta situação passe a fazer parte da vida dos habitantes da cidade de Itu, e não somente do poder público.
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METAP [microestação de tratamento de águas pluviais] traçado da linha interceptadora [águas pluviais | esgoto]
PARQUE FLUVIAL URBANO | definição rede de saneamento
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PARQUE FLUVIAL URBANO | proposta geral
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PARQUE FLUVIAL URBANO | foto inserção da proposta
APROXIMAÇÕES PROJETUAIS Partindo da proposta geral para o Parque Fluvial Urbano da Cidade de Itu, este memorial pretende direcionar o olhar para algumas áreas específicas do trabalho. É um ensaio projetual que aponta como seria a relação entre essa extensa área livre e seus usuários. Para cada uma das áreas são pensados percursos para práticas esportivas, calçadas alargadas para os pedestres, beneficiados pela nova estrutura de transporte, locais de contemplação e descanso e uma nova cobertura verde de alta densidade. Assim, a intenção desse exercício é apresentar, em uma escala mais próxima do pedestre, como poderia ser compreendida aquela série de camadas infraestruturais propostas para a cidade. Alguns locais foram escolhidos por suas situações específicas. Fica a cargo do discurso descritivo apresentar potencialidades, sendo que para apenas uma das seis áreas selecionadas, apresenta-se um ensaio projetual. O texto seguirá a ordem do percurso de um cidadão de Itu, que resolve passear pelo Parque Fluvial Urbano acompanhado de um visitante que acabara de chegar na rodoviária. Começamos, assim, pela ampliação 01, a mais próxima da rodoviária intermunicipal da cidade. Seguindo o fluxo das águas, iremos à jusante do Córrego do Taboão até seu encontro com o Córrego do Brochado. A partir deste ponto, subiremos o segundo córrego, estabelecendo um percurso em forma de anel até o último ponto a ser destacado. A primeira parada corresponderia à uma seção típica do leito renaturalizado do córrego. O local que, anteriormente, contava com um canal apertado, uma via marginal e comércios voltados para o mercado automotivo, além de super-mercados e seus gigantescos estacionamentos, passaria a se ver livre de tudo isto. Ao parar no Lago 01 do Taboão, notaríamos a presença de
novos estabelecimentos comerciais na base da colina histórica, aproveitando-se da área de expansão e oportunidades, que alimentariam o usufruto do local de lazer com restaurantes, bares e serviços. Na outra margem do córrego, os galpões utilizados para o comércio de grande escala seriam removidos, e nos aterros existentes surgiriam novas quadras e praças esportivas de usufruto público. O traçado proposto do Veículo Leve sobre Trilhos passaria no limite externo do parque, dando apoio à todos que passaram a morar nas áreas de adensamento populacional ali implantada. Partindo para segunda parada [ampliação 02], nos deparamos com os dois maiores lagos, que correspondem ao local de confluência dos dois córregos, Taboão e Brochado. Eles dão origem ao Córrego do Guaraú, que encontra o Rio Tietê mais a frente. Um raso espelho d’água ocupa boa parte dessa ampliação, que poderia ser destinada à atividades aquáticas: pedalinhos, botes e boias dariam origem aos mais diversos divertimentos para os usuários. O traçado viário seria reorganizado também, destacando de forma melhor o que deveria ser valorizado no local: o pé da colina histórica que avançou até os traçados fluviais e, na outra margem, a importante estação de trem, que em outro momento fora elemento impulsionador do movimento republicano do estado de São Paulo. Ali se instalaria o local de parada e manutenção das linhas de VLT [estacionamento, salas de controle, etc], além de ser o local de saída para as linhas intermunicipais de transporte. A terceira parada ficaria pouco mais acima no Córrego do Brochado, mais especificamente no Lago 03 [ampliação 03]. Nesta área encontra-se a Fábrica de São Pedro, espaço utilizado para a indústria têxtil até meados dos anos 90. Após a desativação por falência, ela encontra-se em um imbróglio jurídico
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e tornou-se um local abandonado. No entanto, recentemente o lacal fora re-descoberto pela indústria criativa dando sede à uma série de espaços de trabalho voltados à arte e dança, mas que ainda se veem marginalizados em relação ao centro da cidade pelo seu difícil acesso. A estrutura, que conta com cerca de 25.000 m², possui sua configuração original protegida pelos órgãos de patrimônio histórico. O parque, com seus lagos, sua facilidade de transporte e sua atratividade populacional, abraçaria essa antiga fábrica, impulsionando ainda mais sua ocupação pela economia criativa.
entre o limite do parque no trecho do Brochado e no do Taboão, e fica, desta maneira, mais interligado com as atividades de lazer e de esportes da cidade. Chegando assim ao Lago 05 do Taboão [ampliação 05] nos deparamos com a nova Prefeitura Municipal da cidade de Itu, o bairro recém-criado Itu Novo Centro e o Parque Ecológico do Taboão. Já havendo a existência destes pontos de interesse, fica a cargo da proposta apenas facilitar o acesso da população até sua sede administrativa, já que a implantação dela, em uma cota alta de um terreno além do traçado fluvial, não se ateve a esta situação.
Seguimos o percurso subindo mais o córrego do Brochado, chegando até seu quinto lago [ampliação 04]. O local de grande área vazia, que tomava formas de um piscinão, foi também abraçado pelo parque. Originaria-se, assim, uma área constantemente alagada, que vai se espraiando ao longo do trecho até chegar em um Centro de Lazer e Práticas Esportivas do município de Itu. O equipamento já se via implantando naquele trecho, mas tinha seu limite fechado por cercas físicas para que a avenida Galileu Bicudo pudesse cruzar tranquilamente o local. Propõe-se uma inversão desta ordem. Como a avenida apresenta momentos de muita proximidade com o traçado do córrego, surge a proposta de que ela seja desviada. Com o terreno livre da circulação rápida de automóveis, existe a possibilidade de expansão do equipamento público de cunho esportivo, além de sua aproximação até o trecho ocupado pela água, que sendo ela limpa, permitiria aulas e treinamento de esportes aquáticos.
O último local a ser apresentado fica logo ao lado, em um terreno que abraça as duas margens do córrego, dando espaço para o lago 03 e 04 do Taboão e que hoje encontra-se ocupado pelo 2º Grupo de Artilharia de Campanha Leve do Exército Nacional – Regimento Deodoro, desde 1920. O terreno abriga atualmente o Museu do Exército e corresponde ao local do antigo Colégio de São Luiz de Gonzaga, já apresentado anteriormente, com área de cerca de 160.000 m², apenas para sua margem situada na colina histórica [esquerda, de montante à jusante]. Desta maneira, foi o local escolhido para a intervenção projetual deste ensaio.
Para chegar até a quinta parada, cruzamos a colina histórica no trecho onde os córregos são mais próximos. Neste miolo, no qual notamos a presença de conexões entre as duas linhas de VLT para uma possível baldeação, encontramos também o Estádio Municipal Novelli Junior. Ele surge como o ponto central
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AMPLIAÇÃO 01 | CÓRREGO TABOÃO
situação atual do Córrego do Taboão, avenida marginal e forma de ocupação do local [acevo pessoal]
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AMPLIAÇÃO 02 | CONFLUÊNCIA
edifício da antiga estação ferroviária de Itu e largo da estação [acevo pessoal]
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AMPLIAÇÃO 03 | FÁBRICA SÃO PEDRO
galpões da Fabrica de São Pedro e Avenida Galileu Bicudo [acevo pessoal]
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AMPLIAÇÃO 04 | EQUIPAMENTO ESPORTIVO
Córrego do Broxado e instalações do Centro Municipal de Lazer e Esportes [acevo pessoal]
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AMPLIAÇÃO 05 | PREFEITURA MUNICIPAL
sede da nova Prefeitura Municipal de Itu e Parque Ecológico do Taboão [acevo pessoal]
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5. UNIFESP ITU
APROXIMAÇÃO O terreno em que será proposto um novo equipamento para a cidade de Itu apresenta uma série de particularidades que merecem ser destacadas, antes de partirmos para o ensaio projetual. Como já foi dito, sua ocupação inicial se deu pela criação do Colégio e Igreja de São Luiz de Gonzaga, escola destinada aos meninos, que durante o final do século XIX foi considerada uma das mais importantes do interior de São Paulo e era um polo de atratividade populacional para a cidade. Com o aumento da quantidade de alunos, a escola acabou transferida para a capital do estado, situada hoje no bairro Jardim São Luis, próximo ao Morumbi. Com a saída da instituição de ensino, o terreno e todas as estruturas ali instaladas foram cedidas, no ano de 1915, para a instalação do quartel militar. O edifício principal, que antes abrigava a escola, se tornou o Museu do Exército / do Quartel, além de receber as funções administrativas, e todo o pátio foi ocupado por instalações voltadas para o treinamento e alojamento dos militares. Com esta mudança, o longilíneo espaço aberto fora fechado por muros e guaritas, que restringem o acesso até de olhares curiosos. Sendo o museu e a Igreja os únicos espaços a que são permitidos contato com o público, mesmo em horários bastante restritos, o local que se encontra a menos de um quilometro de boa parte do centro histórico, passou a ser visto como um espaço desconexo da cidade de Itu. A área conforma uma barreira para qualquer circulação na região, sendo assim, muito pouco atrativa, sem acesso público, sem relação com seu perímetro urbano e de pouco retorno à população moradora do município. Ao questionar a moradores qual era papel do exército ali, a resposta não fora nada animadora: mandar soldados – garotos de faixa etária entre 18 e 25 anos – para as Unidades de Polícia Pacificadora nas favelas da cidade do Rio de Janeiro.
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BARONE. p19 BARONE. p26
O ensaio projetual, desta maneira, propõe um equipamento para a cidade de Itu que tivesse como intenção primordial responder às questões existentes do local que ele se encontra inserido. Estabelecer uma rede de interações. Instigar o debate sobre as situações existentes, proporcionar novas formas de compreensão do meio urbano, das políticas públicas, dos recursos existentes. Algo que fosse aberto e se tornasse parte da vida do morador de Itu. Em artigo a respeito do arquiteto italiano Giancarlo de Carlo, a professora Ana Claudia Barone aponta como o membro do Team 10 compreendia a relação entre arquitetura moderna e as cidades: “Uma das propostas centrais defendidas pelo grupo era a ampliação do entendimento das relações entre arquitetura e urbanismo, por meio da interação do habitante com o lugar. Para ele, morar era mais que possuir uma casa, era pertencer a um lugar, apropriar-se do lugar como parte da cidade. Apreender o lugar e pertencer era entendido como uma necessidade básica emocional. ” 1
Esta foi a intenção primordial de seu plano urbano para a cidade de Urbino, e este olhar foi inspirador para minhas propostas de intervenção em Itu. “Desde o plano, de Carlo priorizou o fortalecimento da atividade educativa já presente na cidade, incentivando a ampliação da universidade e de cursos técnicos, criando um campus aberto a envolver todo o centro histórico. A partir desse plano, estabeleceu-se um outro vínculo profissional entre o arquiteto e a cidade: o projeto dos edifícios das escolas, associado a um forte compromisso com a preservação do centro histórico, constituído por edifícios medievais. O resultado foi a integração de edifícios modernos aos edifícios existentes, sem que o contexto urbano fosse agredido, pois os novos edifícios, de amplos espaços e grandes aberturas, encaixam-se aos medievais de maneira pertinente, não impositiva.” 2
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Um campus universitário aberto e integrado com o meio urbano poderia responder as mais diversas questões que Itu enfrenta. Uma relação com o passado, com a história existente e todo seu potencial pouco explorado. Os recursos naturais existentes, sua gestão, suas particularidades. O estudo das políticas públicas, que soa muito bem se situada numa cidade que fora responsável pela Convenção Republicana. As artes sacras, a filosofia e as letras. Um campus que recebesse as ciências humanas, e, como já realizado na história da cidade quando Itu era conhecida como a “boca do sertão”, tivesse a capacidade de expandir esse conhecimento pelo interior do estado. Recuperar ainda o caráter de cidade educativa, posicionando Itu como um polo à oeste de São Paulo dos saberes humanos. Trazer estudantes dos mais diversos munícipios, renovar a mentalidade, impulsionar a vida urbana no centro, criar novos contatos. No entanto, para que se possa realizar uma proposta desta importância, vale levantar como é a oferta dos equipamentos públicos oferecidos pelo Estado na cidade de Itu, além da oferta das universidades públicas em escala regional. Nota-se, pelos mapas apresentados, que a cidade não apresenta uma carência de oferta de serviços públicos, principalmente na região do central. Nos bairros mais espraiados, ainda se percebe a presença de escolas e equipamentos voltados à educação, porém a oferta de instituições de saúde e administrativas passam a ser mais restritas. Quanto às instituições de ensino superior, o município conta com apenas uma FATEC, sendo a única de cunho público, além de mais oito faculdades particulares, de acordo com o MEC. Sabendo que um equipamento deste porte possuí um grau de influência regional, analisa-se também a quantidade de faculdades e universidades públicas na nova Região Metropolitana de Sorocaba [que conta com 27 muni-
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ATA REUNIÃO CONSELHO UNIVERSITÁRIO 12.06.2008
bloco principal do antigo Colégio de São Luiz de Gonzaga e Praça Duque de Caxias [acervo pessoal]
cípios e cerca de 2 milhões de habitantes]. Para esta análise, encontra-se a presença de apenas 3 universidades públicas, sendo duas delas na cidade de Sorocaba [UNESP e UFSCAR] e uma na cidade de Votorantim [Universidade Aberta do Brasil – UAB]. Além destes, a região conta com mais 7 cursos técnicos profissionalizantes [FATEC e IFSP]. Dentre todos estes, o campo das ciências humanas só é contemplado em alguns raros casos, como nos cursos oferecidos pela UFSCAR, de Administração, Turismo e Geografia. Desta maneira, fica clara a carência do Estado no oferecimento deste tipo de serviço para a região. A proposta visa a implantação de um equipamento como forma de supri-la. Quanto à decisão pela instituição a ser instalada, o ensaio projetual se baseia em um acordo já ocorrido anteriormente. A ata do Conselho Universitário, para a reunião realizada no dia 12 de março de 2008 apresenta a “Aquisição de terreno em Osasco de 210 mil m², pela UNIFESP, com recursos alocados especificamente pelo MEC: Reitor relatou que no ano de 2006 o Exmo. Sr. Ministro da Educação, Prof. Fernando Haddad, manifestou intenção e necessidade de criação de uma Universidade Federal no Município de Osasco e que gostaria que a UNIFESP a gerenciasse, formando assim o anel universitário – Diadema/Guarulhos/Osasco. [...] Em seguida, o Assessor do Sr. Prefeito, que os acompanhava levou -os para conhecer a área pertencente ao Exército [...] relatando a avaliação e negociações para a aquisição do terreno, considerando-o de utilidade pública e garantindo o aporte de recursos da SESU/MEC, no valor aceito pela Fundação do Exército” [ATA REUNIÃO CONSELHO UNIVERSITÁRIO 12.06.2008]. Sabendo que como se tratam de duas instituições federais, este acordo poderia ser facilitado.
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS | REGIÃO CENTRAL DE ITU
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS | ADMINISTRATIVAS PREFEITURA INSTITUIÇÕES PÚBLICAS | SAÚDE UBS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS | EDUCAÇÃO EMEF | EMEI | ETEC FATEC INSTITUIÇÕES ENSINO SUPERIOR [PRIVADAS] INSTITUIÇÕES SEMI-PÚBLICAS [SESI | SENAI] INSTITUIÇÕES PÚBLICAS | CULTURA
ENSINO SUPERIOR PÚBLICO | REGIÃO METROPOLITANA DE SOROCABA
ENSINO SUPERIOR | UNIVERSIDADES ENSINO SUPERIOR | CURSO TÉCNICO
PRIMEIRA PROPOSTA croqui teatro central croqui da faculdade corte da faculdade
PROJETO A lógica de composição do novo Campus para a UNIFESP segue algumas premissas. Sabendo do potencial que o terreno adotado possui para a implantação por suas áreas livres, sua proximidade com boa parte dos pontos de interesse da cidade de Itu e pelo seu conjunto já edificado, o projeto parte da decisão de se abrir todo o complexo universitário, reintegrando-o à cidade e ao público. Desta maneira, todos os muros [e, consequentemente, suas guaritas] seriam removidos. Aberta, a universidade se colocaria como um espaço de convivência da cidade, podendo ser aproveitada como um local de encontro ou apenas como um ponto de passagem para quem visa se deslocar entre centro histórico de Itu e o parque. Estando o conjunto edificado completamente conectado à cidade, vale definir diferentes graus de acesso: imaginando que se possa chegar rapidamente às salas de aula, sem que se cruze as áreas de convivência, ou que, não sendo a pressa um fator a ser contabilizado, permita-se que o ato de ir para a aula seja beneficiado pelos encontros possíveis entre colegas, que desfrutam das áreas públicas do campus. O equipamento fica, assim, como uma camada intermediária, se situando entre a cota alta da colina central e a cota baixa dos traçados fluviais, permitindo que a sociedade se aproprie do conhecimento que é produzido internamente. Também merece destaque o lugar de inserção do projeto. O complexo do Regimento Deodoro do Exército Brasileiro está implantado em um terreno bastante extenso, com um desenho marcado pela sua longitudinalidade. Suas práticas foram sendo alocadas em diversos galpões ao longo do que antes era conhecido como o pátio da escola. Não fica como intenção primordial do projeto se apropriar das instalações existentes, por entender que o caráter delas difere da lógica universitária. A intervenção,
por sua vez, busca recuperar um outro fator da ocupação existente: sua composição entre locais edificados e áreas livres. Desta maneira, respeita-se a configuração física do terreno, sem que seja necessário realizar qualquer movimentação brusca de terra. Assim, o acentuado desnível criado entre a rua Padre Manuel Luciano e a cota do pátio, realizado para dar local à um campo de futebol e uma pista de corrida, são respeitados, e a partir deles, permite-se criar uma praça rebaixada totalmente exposta a qualquer transeunte externo e um acesso superior direto até o conjunto de aulas, sem que se cruze com locais de convívio. A integração entre o campus universitário e o Parque Fluvial Urbano, entretanto, se daria não somente pela falta de limites físicos entre eles. Recuperando os caminhos existentes entre o tecido urbano, que a partir da ocupação militar foram interrompidos por barreiras, a proposta se apoia nestes eixos já criados desde a cota alta do terreno até o outro lado do Córrego do Taboão e seus dois novos lagos. Respeitando a malha viária já existente, a universidade ainda se vê privilegiada pela implantação de uma estação da linha além-rios do V.L.T. [a única que, pelos acidentes topográficos existentes do outro lado, cruza o eixo fluvial e vai se implantar no lado do centro histórico].
Com ela, qualquer usuário do complexo universitário consegue acessar rapidamente qualquer outro ponto da zona central da cidade. A ida para a aula se torna facilitada, e a volta, em possíveis períodos noturnos, mais confortável. A definição do projeto considerou outras configurações um tanto opostas até chegar ao seu desenho final. Uma primeira proposta considerava o edifício como sendo um bloco único, implantado no alto da margem oposta ao centro de Itu. Sua intenção ficava marcada pela tentativa de se mostrar sempre presente no horizonte do munícipe: uma universidade que olhava pelo alto o centro de sua cidade, um centro que se configurava como paisagem primordial dos estudantes. Uma relação de memória e contemplação sempre presentes, mas que se fazia a partir de um acesso dificultado. A travessia do córrego e de seus lagos transformava-se, nesta situação, em uma barreira que, ainda, se somada aos 20 metros de desnível necessários para a chegada até o local, dificultaria a presença da faculdade na vida dos habitantes da cidade. Uma segunda alternativa foi uma tentativa intrínseca de transpor o eixo hídrico. Um edifício-ponte abrigaria, desta maneira, todas as áreas de convivência da universidade, e os blocos da
SEGUNDA PROPOSTA croqui trasposição do córrego croqui conjunto universitário corte edifício ponte
biblioteca, restaurante universitário, teatro central e o prédio de aulas se conectariam com este corpo central como aviões que se plugam ao seu terminal de embarque e desembarque. O acesso, assim, se fazia facilitado, e a ponte central – sendo uma área estritamente pública – serviria à população como um novo eixo de acesso para as outras áreas da cidade. O complexo universitário, porém, ignorava todo o lugar já existente e fazia sua composição formal em uma quantidade de área construída extremamente maior à estipulada no programa. O exercício se deparou com um novo desafio: sendo o projeto um edifício público, construído com os esforços de tal esfera, valeria se ater à menor quantidade possível de área livre edificada, diminuindo assim, o custo final da possível obra. A terceira proposta parte desta provocação. Atendo-se de maneira mais rígida ao programa de necessidade preliminar, elaborado em junho de 2013 pela pró-reitoria de planejamento da UNIFESP para a instalação de um campus universitário na zona leste da cidade de São Paulo, delimitaram-se os pontos iniciais da intervenção projetual. A nova sede da UNIFESP Itu
receberia 5 cursos iniciais: História, Geografia, Ciências Sociais, Filosofia e Letras e a quantidade de usuários [alunos, professores e funcionários] prevista pela Instituição giraria em torno de 3350 pessoas. A organização programática se resolve em torno de 3 principais blocos: um edifício longitudinal, de maior metragem, que se implanta de forma paralela às ruas do centro a uma distância de 100m metros da rua de acesso, por sobre o eixo de galpões já definidos pelas atividades militares. Este bloco recebe todas as necessidades relacionadas à aulas, salas de professores, laboratórios de pesquisa e ateliês, além da biblioteca, cafés e áreas de convivência estudantil. O edifício daria frente para a porção histórica da cidade e para o Córrego do Taboão, com todas as atividades que o parque fluvial proporcionaria. O segundo bloco se insere na esquina existente entre a rua Benjamim Constant e a rua Quintino Bocaiúva. Este avanço do terreno surge em decorrência da extensão do antigo Colégio São Luiz, porém se apresenta ocupado apenas por pequenas casas, provavelmente aproveitadas pelas instalações militares. O local, sendo o trecho mais
próximo do centro da cidade e, consequentemente, da área de maior fluxo público, daria espaço para o teatro central da universidade. Dando frente para a rua Benjamim Constant, este edifício permitiria uma possível abertura do palco em sua fachada posterior, voltada para dentro do terreno da universidade, sendo um local que poderia ser aberto para apresentações e aulas públicas. O terceiro e último bloco, que abrigaria as funções de restaurante universitário e salas dos funcionários implantariase centralizado com o alinhamento da rua Pedro de Paula Leite, implantado na cota 575,5 m (nível da praça da universidade), 4m abaixo do nível da rua citada. Este bloco, inserido próximo da porção média da área livre, tem por função dividir o espaço em duas praças: a de convivência universitária e a esportiva, que se apropria do campo e da pista de corrida já existente. A proposta se complementaria com uma passarela técnica, que no nível superior se apresentaria como uma extensão da calçada existente, permitindo um acesso facilitado às duas praças, e no nível inferior daria abrigo a uma série de necessidades técnicas, além de uma rua para o acesso de serviços [carga e descarga].
O conjunto se complementa ainda com a existência da antiga Escola de São Luiz Gonzaga. O plano para este edifício fica no caráter das intenções, já que os desenhos, por motivos de sigilo da instituição militar, não se encontram liberados para acesso público. Assim, a antiga escola fica como o principal acesso para o campus universitário podendo abrigar um museu da universidade que se alimenta constantemente com a produção estudantil, além de salas de conferências e reuniões que exigiriam maior rigor formal. Os outros acessos complementariam a proposta, já que a chegada até a área livre do campus pode ser realizada por qualquer ponto, desde o parque até o centro, porém todo o controle de acesso seria realizado juntamente das entradas de cada bloco, permitindo um horário de funcionamento controlado apenas para as áreas que tem necessidade de serem fechadas.
PROPOSTA FINAL
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IMPLANTAÇÃO GERAL | Parque Fluvial Urbano + UNIFESP Itu
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FOTO AÉREA DA SEDE REGIMENTO DEODORO | fonte: google maps
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CORTE TRANSVERSAL AA
croqui inicial da proposta [com teatro central voltado para o lago]
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PLANTA NÍVEL 575
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PLANTA NÍVEL 580
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PLANTA NÍVEL 585
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PLANTA NÍVEL 590
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CORTE LONGITUDINAL DD
CORTE LONGITUDINAL EE
CORTE LONGITUDINAL FF
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croqui da proposta final
CORTE TRANSVERSAL BB
CORTE TRANSVERSAL CC
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6. BIBLIOGRAFIA
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