Destaque: Mulher!

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Comunicação DST/Aids - sms

II Seminário de Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre Mulheres


Destaque: Mulher! II Seminário de Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre Mulheres Cidade de São Paulo

DST/Aids Cidade de São Paulo Rua General Jardim, 36 - 3° andar Vila Buarque - São Paulo/SP CEP 01223-010 dstaids@prefeitura.sp.gov.br www.prefeitura.sp.gov.br/dstaids

Gilberto Kassab Prefeito do Município de São Paulo

Maria Cristina Faria da Silva Cury Secretária Municipal da Saúde

Silvia Takanohashi Kobayashi Coordenadora de Desenvolvimento de Políticas e Programas de Saúde

Maria Cristina Abbate Coordenadora da Área Técnica de DST/Aids

Organização Damares Pereira Vicente Edição Luciana Oliveira P. de Abreu Projeto Gráfico Roberto Ramolo

Abril 2006


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ÍNDICE APRESENTAÇÃO

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SEMINÁRIO O Percurso do Movimento Social pela Atenção à Saúde das Mulheres que fazem Sexo com Mulheres Rita Quadros

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Irina Bacci

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Márcia Cabral

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Acolhimento e Aconselhamento em DST/Aids nos Serviços de Saúde Simone Diniz

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Ana Fátima M. Galati

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Regina Facchini

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Kátia Guimarães

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A Eqüidade na Atenção à Saúde da Mulher Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre Mulheres com Deficiências Dora Simões

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Marta Gil

41

Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre as Mulheres Idosas Marília Anselma Berzins

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Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre as Mulheres Negras Fernanda Lopes

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É com muita satisfação que a Área Técnica de DST/Aids do Município de São Paulo traz ao público as falas proferidas na segunda edição do seminário "Destaque: Mulher! - II Seminário de Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre Mulheres", realizado em 17 de março de 2006, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. O objetivo desta edição foi a proposição da discussão de temáticas que, embora fundamentais, encontram-se subsumidas na complexa trama social cotidiana que por vezes naturaliza as mais perversas expressões de preconceito, de estigma e de discriminação. Esses processos vêm dificultando o exercício de direitos, especialmente o direito à saúde, impedindo o acesso às informações, aos serviços, aos profissionais de saúde e aos insumos de prevenção às DST/Aids, dentre outros. Os temas abordados foram: • O universo da vida, da saúde e do movimento social das mulheres que mantêm relações sexuais/afetivas com outras mulheres, por meio das exposições de Rita Quadros - Liga Brasileira de Lésbicas-SP, Márcia Cabral - ONG Minas de Cor-SP, Irina Bacci - ONG INOVA-SP, Simone Diniz e Ana Galatti - Coletivo Feminista - Sexualidade e Saúde- SP,] Regina Facchini - Pesquisadora da UNICAMP e Kátia Guimarães da Área Técnica De Prevenção do Programa Nacional de DST/Aids; • A atenção à saúde das mulheres com deficiências, por Dora Simões - Coordenadora Nacional do Grupo Brasileiro de Inclusão Social e Marta Gil - Coordenadora da Rede SACI; • A atenção à saúde das mulheres idosas por Marília Berzins - Área Técnica da Saúde do Idoso - Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo; • A atenção à saúde das mulheres negras por Fernanda Lopes - UNAIDS. Na oportunidade, as palestrantes expuseram dados estatísticos, conceitos e, principalmente, a urgência do desafio colocado não só para a sociedade brasileira, mas especialmente, para os serviços e profissionais de saúde, na criação de iniciativas concretas de construção de políticas públicas para essa população, com base nos princípios do Sistema Único de Saúde - SUS, em especial, na garantia do princípio da eqüidade. A quebra das barreiras geográficas, físicas institucionais e humanas, que dificultam essas populações de usufruírem o direito constitucional à saúde, é de responsabilidade do Estado brasileiro e de acordo com o SUS, deverão ser objeto de políticas públicas de saúde executadas em nível municipal. Assim, o Programa de DST/Aids do Município de São Paulo, buscando o cumprimento dessa tarefa, apresenta estes textos para iniciar a tessitura do caminho para o cumprimento desses objetivos, em consonância com as determinações da II Conferência Municipal de DST/Aids. Agradecemos a todas as palestrantes que permitiram a gravação de suas falas, assim como, a todos os profissionais de saúde, organizações governamentais e não-governamentais presentes no evento e muito especialmente, aos usuários dos serviços de saúde, que são os verdadeiros sujeitos dessa história.

Damares Pereira Vicente Setor de Prevenção

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Maria Cristina Abbate Coordenadora da Área Técnica de DST/Aids Município de São Paulo


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"O percurso do movimento social pela atenção à saúde das mulheres que fazem sexo com mulheres". Rita Quadros Bom dia. Gostaria de iniciar agradecendo a possibilidade de estar aqui pela segunda vez, pois no ano passado tive a oportunidade de estar no evento organizado pelo Programa de DST/Aids da Secretaria Municipal da Saúde. Antes de me ater à fala que me foi solicitada gostaria, também, de fazer um agradecimento especial a Cristina Abbate e a Damares, pois elas se colocaram como parceiras do movimento de lésbicas e totalmente à disposição para ajudar a pensar políticas públicas para este segmento. Minha contribuição nesta mesa será resgatar, contar um pouco a história do movimento de lésbicas; suas lutas diárias e cotidianas por respeito, direito e cidadania. Neste seminário estaremos tratando mais especificamente da questão saúde. Para falar das lésbicas no Brasil, vamos estabelecer um ponto de partida,poispoderíamos começar lá na Inquisição onde encontraremos Felipa de Souza, primeira lésbica que durante a Inquisição, ao ser inquirida sobre suas práticas sexuais disse: "eu gosto disso" e, ao ser obrigada a se desculpar, penitenciar respondeu: "não, não, eu gosto disso, não consigo viver sem isso". Mas aí a história, em que pese ser muito interessante, seria um tanto longa, portanto, me aterei às histórias e experiências de São Paulo, a partir do final dos anos 70. No final da década de 70 ocorreu, em São Paulo, a constituição de um grupo chamado "Somos", que, além de se discutir homossexualidade, incluía na pauta questões relacionadas a outras minorias como as mulheres, índios e negros. A importância do "Grupo Somos" está relacionada ao papel que desempenhou quando pautou a sexualidade para a sociedade. O surgimento do "Grupo Somos" estimulou a organização de outros grupos, que se espalhavam pelo país. Naquela época, o Somos reunia aproximadamente 100 pessoas. Vocês conseguem imaginar, no final dos anos 70, um grupo conseguir reunir 100 pessoas para falar sobre sua homossexualidade? - termo usado na época -. Há que se destacar que naquele momento já fazia parte da luta do movimento tirar o "ismo" da palavra que designava pessoas que se relacionavam sexualmente com pessoas do mesmo sexo, porque era o que nos colocava na categoria de doentes. Desde seu início, o Grupo Somos contava com a participação de lésbicas, mas como vivemos numa sociedade machista, sul-americana e brasileira, os gays não estão imunes a desenvolverem posturas machistas, portanto, as questões masculinas se sobrepunham às das lésbicas. A baixa participação lésbica dentro do grupo fez com que algumas mulheres organizassem um grupo só de lésbicas e isso é muito importante porque é o momento em que começa a se visibilizar as questões específicas. É importante dizer, também, que além da atuação em grupo misto, as lésbicas também atuam junto ao movimento feminista e lá também tentam pautar a lesbianidade juntamente com as discussões gerais. Havia resistência, dentro do movimento feminista, em discutir homossexualidade feminina porque havia a preocupação de que as feministas fossem identificadas como lésbicas; o movimento já convivia com uma série de estigmas e não havia a disposição de acrescentar mais um. É bom que se diga que esta realidade vem se alterando paulatinamente durante estes anos, até porque, as lésbicas continuam militando no movimento feminista. Por falar em lésbicas e movimento feminista, temos a participação, neste evento, da Miriam Martinho, que tem uma contribuição importantíssima na história do movimento de lésbicas do Brasil, particularmente, pra gente aqui em São Paulo. Ela faz parte de tudo que já falei até aqui e tem um episódio marcante do qual ela participou. Miriam fazia parte de um grupo que editava um jornal chamado "Chanacomchana", que as militantes vendiam nos bares; existia aqui em São Paulo um lugar chamado Ferro's Bar, de freqüência majoritariamente lésbica e as militantes iam ao bar vender seu jornal. O que aconteceu? Elas foram impedidas de entrar no Ferro's para vender o "Chanacomchana", e, em sinal de protesto, organizaram uma manifestação em frente ao bar. 5


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A manifestação terminou em invasão, com direito a polícia e notícia de jornal. Era o início dos anos 80, precisando a informação com a Miriam, 1983. Vejam só: em 83, essa "mulherada" já estava ali num momento super difícil, pensando que estávamos saindo de um período de ditadura. Nesse período de transição política e ainda de muitas barreiras, é organizado o Primeiro Encontro Brasileiro de Homossexuais, que era chamado de EBOH - Encontro Brasileiro de Homossexuais. Os encontros se sucedem com uma participação majoritariamente masculina e com as lésbicas pautando suas especificidades com muitas dificuldades. Um momento importante é quando, em 97, com a organização do evento sob a responsabilidade de São Paulo, coloca-se a demanda de se especificar que é um encontro não apenas de homossexuais, que lésbicas participavam e que era importante afirmar isso. De um lado havia a preocupação de alguns gays de não se tirar a referência que o nome EBOH já criara e, por outro lado, mulheres dizendo: "lésbicas não são gays". Este Encontro aconteceu em Cajamar e foi um marco para as lésbicas. E m 96 acontece o Primeiro Seminário Nacional de Lésbicas - SENALE no Rio de Janeiro, que tem como finalidade discutir política pública para as lésbicas. Quando nos propomos a conversar sobre esse tema ouvimos: "mas o que querem essas lésbicas, o que querem essas mulheres? Pra que, por que estamos aqui discutindo saúde se nós temos programas de saúde da mulher?" O que queremos, se podemos estar incluídas no programa de DST? O quê, por que estamos aqui? Estamos aqui porque, de uma maneira geral, os serviços públicos não nos vêm, e nós também não nos mostramos. Na próxima mesa, com a Regina Facchini, vocês terão a oportunidade de conhecer dados que acho que são interessantes, importantes para se pensar essa questão: política pública para lésbicas. Retomando um pouco mais a história do movimento: aconteceram duas Conferências Municipais da Mulher e nós, lésbicas, fizemos pré-conferências para estabelecer prioridades dentro de nossas especificidades. O que dissemos: "olha, as lésbicas quando vão ao serviço público, quando vão ao ginecologista, em geral, elas não dizem que são lésbicas e quando se propõem a dizer, não sabem como é que esse profissional que está sentado do outro lado da mesa está preparado para receber essa informação". O que é que ele tem pra dizer para essa mulher que é lésbica? O que ele vai dizer sobre prevenção, sobre como cuidar da sua saúde? Que diálogo irá se estabelecer? Qual é a formação e a informação que ele tem pra isso? Então, é o seguinte: penso que esse seminário é importantíssimo porque começa a colocar questões que podem ser muito importantes, porque não queremos pensar apenas na questão ginecológica, queremos pensar a saúde integral porque do ponto de vista emocional também temos problemas que são acentuados pela invisibilidade: depressão, uso abusivo de álcool e drogas lícitas e ilícitas, que para nós é uma questão importante a ser tratada como uma questão de saúde. Não está em discussão a reivindicação de um atendimento exclusivo para lésbicas, nós queremos que o serviço público esteja preparado pra receber todas as pessoas, com todas as suas diferenças. Mesmo militantes têm dificuldades em acessar os serviços de saúde, em função de sua identidade e/ou prática sexual, sobretudo o acompanhamento ginecológico. A questão é mais ou menos assim: Como este ou esta profissional vai enxergar a lésbica? Será que todo (a) ginecologista pode entender que a mulher não se resume a um útero, uma vagina e, conseqüentemente, vai reproduzir? (é lógico que existem as lésbicas que já são mães e as que querem ser). Será que este (a) profissional vai entender que a lésbica precisa cuidar do câncer de mama? Este (a) profissional levará em conta a identidade sexual dessa mulher, se ela se toca, como se toca? São abordagens que podem ajudar a pensar não só a questão da lésbica, mas das mulheres como um todo, como é que você vê o corpo, como o corpo da mulher é visto dentro de um serviço público de saúde. Quando nos propusemos a participar das Conferências Municipais de Mulheres, assumimos a responsabilidade pra ajudar a pensar e a propor uma política pública, pensar qual é a nossa tarefa nesse processo. 6


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Nossa expectativa em relação a esse seminário é apurar o olhar, poder contribuir com a informação, poder estabelecer este canal de diálogo. Pegando o começo da história, lá se vai um quarto de século. Muitas mulheres que ajudaram a construir este seminário, quando botaram a cara pra fora, no início dos anos 80, não estão mais aqui e merecem nossa saudação e respeito. Uma última coisa que é importante, não perder de vista: é o fato de termos muitas companheiras que estão em bairros distantes, na periferia, vivendo essa questão da homossexualidade de uma forma muito mais pesada do que outras companheiras que estão em outro lugar da cidade, numa outra condição sócio-econômica. Faz parte, também, ao pensar política pública, levar isso em consideração. O recorte sócio-econômico é fundamental pra gente poder pensar como é que você chega nessas mulheres; uma de nossas reivindicações é que o serviço público faça uma campanha que estimule as lésbicas a procurar o serviço, essa é uma demanda que trazemos das 2 conferências que participamos; que a Secretaria de Saúde produza materiais que ajudem a estabelecer o diálogo com as mulheres que não procuram os serviços. P ra finalizar, quero reafirmar a importância desse diálogo, que a gente começa a ter agora e que, na verdade, não começa agora, mas sim, há 25 anos. Acho que nenhuma das partes tem a receita de como isso vai se efetivar, ninguém tem a resposta, mas se a gente conseguir formular perguntas importantes, o caminho para a resposta é mais seguro. Fica o agradecimento e o desejo imenso de que a gente consiga sair daqui muito mais fortalecidos para poder implementar a política para as lésbicas.

Obrigada.

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"O percurso do movimento social pela atenção à saúde das mulheres que fazem sexo com mulheres” Irina Bacci

Primeiro, eu gostaria de agradecer também o convite da comissão organizadora, da Damares especialmente, da Cristina Abbate e dizer que nós, nesta mesa, não representamos somente as nossas entidades, mas todo o movimento de lésbicas de São Paulo e sua história que começou muito antes de nós, no final dos anos 70 mais precisamente e exclusivamente nos anos 80 e que desde então vem batalhando por políticas públicas e acesso à saúde. O movimento lésbico de São Paulo iniciou-se nos anos 70, principalmente no final dos anos 70. A partir dos anos 80 formaram-se os primeiros grupos exclusivamente de lésbicas e alguns destes grupos estão em atividades há mais de 20 anos e é por isso que eu reforço que não é uma luta que começou agora, uma luta que vem acontecendo desde então e a palavra lésbica passou a ser contemplada no movimento só em 1993, no 7º Encontro Brasileiro e o Encontro Brasileiro de Homossexuais passa a se chamar Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais, porque como bem sabemos, vivemos em uma sociedade machista e os gays não fogem a essa regra, sendo então o movimento extremamente hegemônico, extremamente machista e as lésbicas vêm numa batalha para que sejam visibilizadas desde então. Dentro dos avanços do movimento a gente pode destacar aqui em São Paulo que até 2003, existiu o Fórum HSH, de homens que fazem sexo com homens e a partir de então passou a se chamar Comitê Técnico da Diversidade, com participação gradativa das mulheres e no último ano, as mulheres estiveram mais ativas dentro do comitê tendo participações inclusive marcantes. Também o Fórum Paulista GLBTT que foi criado em 1990, ele se desarticulou nesse meio tempo e foi rearticulado em 2004, depois do 2º Encontro Paulista GLBT, tendo também, cada vez mais, mulheres ativistas dentro desse espaço e hoje eu ousaria dizer que mulheres e homens dividem esse espaço igualmente. É um grande avanço, e acho que uma grande conquista pro movimento de lésbicas e para o movimento LGTB de São Paulo, a aprovação do Projeto Redes pelo Programa Nacional de DST/AIDS que visa capacitar lideranças para trabalhar com DST/Aids, aqui no estado de São Paulo e quem vai coordenar esse projeto é uma lésbica. Daqui adiante, falarei sobre aquilo que eu milito no dia a dia que é a família, interagir as questões de família com as questões de acesso à saúde e é importante ressaltar que a livre manifestação do afeto é uma conquista das mulheres e como já citei, vivemos em uma sociedade patriarcal que exige a heterossexualidade compulsória que nos trás, não só para as lésbicas, mas para as mulheres como um todo, uma série de tabus e repressões, principalmente repressão sexual. Os avanços do movimento feminista, que conquistou o espaço para que as mulheres pudessem ser donas do seu próprio corpo, decidir quando e onde queria transar e como queria transar e o que ela queria fazer com o corpo dela, também facilitou um pouco essa questão das mulheres poderem escolher outras mulheres para se relacionar afetiva e sexualmente e esses avanços, tanto no movimento homossexual, como era chamado antes e no movimento lésbico, quebraram essas barreiras e hoje a mulher, mesmo que com muitos preconceitos e muitas coisas ainda a vencer, ela pode dizer que quer se relacionar afetivamente com a mulher e quer transar com uma mulher. E essas conquistas todas abrem caminhos pra novos arranjos familiares, dando uma nova constituição à família conjugal moderna que hoje chamamos de novas famílias, seja ela heterossexual ou homoafetiva, as famílias tomaram novo corpo, hoje as famílias tradicionalmente não são mais o papai, a mamãe, o filhinho, a gente tem família monoparental que tem a mãe e o filho ou o pai e o filho ou o avô e o neto, e com isso, podemos afirmar que o perfil das famílias no mundo, como no Brasil, mudou muito e hoje se baseia nestas três regras: 8


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Primeira, a afirmação da individualidade dos sujeitos nas escolha dos seus parceiros, quer dizer, hoje eu posso escolher quem eu quero como parceiro e conseqüentemente quem eu quero como família; Segunda, uma maior independência dos novos casais em relação a sua família de origem, antigamente a família de origem obrigava as mulheres a se casarem com determinados homens, de posse, os pais vendiam as suas filhas, hoje não; tanto os homens como as mulheres escolhem com quem querem casar, independentemente do posicionamento da família de origem; Terceira, a necessidade sócio-econômica; isso é o quê? São aquelas famílias que obrigatoriamente têm que ficar junto porque só tem uma pessoa que pode manter a casa, podendo ser uma avó que é obrigada a cuidar de todos os filhos, netos, agregados e assim, na verdade, não é uma família de escolha, é uma família por necessidade, então as famílias hoje elas se caracterizam dessas 03 formas. Essas novas famílias têm dois papéis, o papel conjugal, que para homossexualidade e para as lésbicas chamamos de homoconjugalidade, que é o casal de duas pessoas do mesmo sexo e o papel parental que é a homoparentalidade, seja nas relações monoparentais como nas relações homoparentais divididas com parceiro. O que seria isso? Homoconjugal é quando uma mulher relaciona-se afetivo-sexualmente com outra mulher e homoparental quando duas mulheres relacionam-se afetivo e sexualmente e uma das duas mulheres trouxe ao relacionamento uma filha e/ou um filho. Essa família nos faz questionar uma série de coisas; quando a gente começa a observar a composição dessas novas famílias, quando essas pessoas começam a aparecer na sociedade, seja na novela, seja no telejornal que são às vezes formas de visibilizar essas mulheres, ou sejam as nossas vizinhas, seja no nosso trabalho, nos fazendo perguntar: Essas mulheres lésbicas exercem a sua maternidade plena? Quer dizer, as mulheres lésbicas, elas querem ser mães? Elas são mães por acaso ou elas querem ser mães? As mulheres lésbicas elas perdem sua companheira? Será que só a mulher heterossexual que fica viúva? As mulheres lésbicas deixam as suas companheiras viúvas? Quer dizer, só as mulheres heterossexuais é que morrem e os maridos ficam viúvos? As mulheres lésbicas sofrem violência conjugal? A gente imagina que dentro de um relacionamento entre duas mulheres há violência assim como há violência entre um relacionamento de homens e mulheres. Quando a gente para pra pensar nisso, nos perguntamos: que políticas públicas o Estado está dando para essas mulheres? E como eu costumo dizer, o Estado legisla muito bem na moldura porque está tudo escrito lá, mas se esquece do retrato, e todas essas mulheres estão somente no retrato. E se o Estado cumprisse o escrito, a gente não precisaria batalhar por direitos a gente não precisaria pedir acesso à saúde; resolveria muitas das questões se fosse incluído, por exemplo, na anamnese dos pacientes o quesito orientação sexual, se quando a paciente sentasse na frente do ginecologista, do médico clínico, isso fosse questionado: "Qual sua orientação sexual?". Aquelas que estão mais tranqüilas, que já aceitam isso numa boa, já iam dar no mínimo estatísticas, dizendo sou lésbica, pra que o próprio Ministério da Saúde tivesse números pra propor políticas de saúde para essas mulheres, mas como não há este quesito, não há como propor, fazendo-nos reivindicar uma série de pautas para que essas políticas públicas sejam implementadas. A primeira delas é a maternidade lésbica, ou seja, nós lésbicas queremos ser mães, tem as que não querem assim como mulheres heterossexuais, a gente tem que ter o direito de escolha em ser ou não ser mãe e as que querem ser mães, têm que ter acesso à inseminação artificial. Hoje o Estado só dá inseminação artificial às mulheres heterossexuais e casadas, na idade capaz de gerar um filho.

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Elas querem ter direito a adoção homoafetiva e a adoção homoafetiva não é uma mulher lésbica solteira adotar e sim, a adoção por duas mulheres que vivem um relacionamento estável afetivo-sexual, porque se uma das duas morrer, a criança ficará totalmente desprotegida, ela viveu uma vida toda com as duas mães e ela não vai ter direito a nada que era da outra e muito menos poder ficar a mãe "social", pois o Estado não permite. Então eu quero ter direito à adoção homoafetiva, eu quero que os filhos que sejam oriundos de relacionamentos heteros possam conviver comigo e viver comigo e com a minha parceira sem que eu seja ameaçada pelo meu marido de perder a guarda porque sou lésbica, porque vivo uma vida de promiscuidade, enfim, coisas que todas nós vivemos e que vocês com certeza já ouviram falar. E u quero ter direito de fazer produção independente, de me deitar com um gay ou com um heterossexual, com um amigo, engravidar, sem ser cobrada nem pela sociedade, nem pelo movimento de lésbicas. Eu quero a aprovação do projeto de lei, da então deputada Marta Suplicy, de parceria civil registrada, para que a minha parceira tenha direitos a exatamente aquilo que nós construímos juntas, eu quero a aprovação da lei nacional de adoção, que também está tramitando no Congresso Nacional e que ela contemple a adoção homoafetiva enquanto casal. Estivemos no Congresso Nacional no ano passado e agente batalhou isso, tanto a relatora do projeto como a presidente da comissão firmaram compromisso conosco que iam tentar incluir essa pauta na lei e tentar passar. Eu quero inclusão de políticas públicas contra violência entre casais de lésbicas. Eu não quero chegar numa delegacia da mulher e fazer queixa da minha companheira e sofrer preconceito, ser ironizada como muitas vezes acontece com a maioria das companheiras lésbicas que sofrem essas agressões. Eu quero a aprovação do PL que criminaliza a homofobia porque assim como o racismo é crime, homofobia também é crime. Eu quero garantir o acesso à saúde para lésbicas e bissexuais como garantem os princípios do SUS com eqüidade, integralidade e universalidade, quer dizer, se o SUS diz que nós devemos ter acesso, tem que ter o acesso independente da orientação sexual. Eu quero a sensibilização dos programas de saúde da família pra reconhecer o casal lésbico, o casal gay como família porque por mais que a área técnica de saúde da mulher determinou isso, que o PSF tem de ter essa sensibilidade, a gente vê que na maioria, não há essa sensibilidade, hoje a sensibilidade tem de partir do agente de saúde que está lá na ponta, que vai à residência, para que reconheça aquele casal como família e passa pautar na agenda dos visitadores. Eu quero que já venha de cima, eu não preciso da sensibilidade do agente de saúde, eu quero acesso a programas do governo como Fome Zero, Bolsa Família e outros programas, reconhecendo essas famílias de fato e não reconhecendo essas famílias que existem de fato, como de direito, porque a gente vê o nosso presidente dizer que no final do governo dele nenhuma família passará fome, mas essas famílias não são vistas, então, elas continuarão passando fome. Lésbicas de periferia passam fome. Eu quero proposição de emendas constitucionais para alteração, definição de família, porque família, na constituição federal, é constituída entre homens e mulheres. Eu quero a presença da minha companheira no parto e eu quero acesso às lésbicas e bissexuais nas ações do Brasil sem homofobia. O governo Lula criou o Brasil sem Homofobia, que é um programa interministerial para propor ações para o movimento GLBT, só que nós lésbicas temos pouquíssimo acesso ao programa. O programa ainda não foi implementado no estado de São Paulo, e nós lésbicas não temos quase acesso nenhum. Só para vocês terem uma noção, existem apenas três lésbicas que têm conhecimento desse programa e que já tiveram a oportunidade de sentar com o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos para debater, e nós somos muitas. E por fim, como disse o biólogo e prêmio Nobel francês François Jacob em 1997, "durante muito tempo as pessoas tentaram ter prazer sem filhos, sem fazer filhos; com a fecundação in vitro puderam fazer filhos sem prazer e agora pode se fazer filhos sem prazer nem espermatozóide, quem sabe a paz reinará no mundo". 10


"O percurso do movimento social pela atenção à saúde das mulheres que fazem sexo com mulheres” Irina Bacci

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"O percurso do movimento social pela atenção à saúde das mulheres que fazem sexo com mulheres” Irina Bacci

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"O percurso do movimento social pela atenção à saúde das mulheres que fazem sexo com mulheres'’ MárciaCabral Lésbicas e o acesso à saúde Bom dia, Mui to obrigada a todas as pessoas presentes, à Damares Vicente e a Cristina Abbate, da Coordenação Municipal de DST/AIDS e sobretudo, obrigada às ativistas lésbicas que iniciaram essa trajetória de dizer e de mostrar a importância de políticas públicas voltadas para as lésbicas. Quero iniciar falando sobre o Grupo Minas de Cor, que nasceu em 2003, com o objetivo de organizar as lésbicas da periferia. Naquele momento não havia nenhum grupo do movimento LGBTT de São Paulo, que fizesse um trabalho sistemático, dirigido àquela população. Um dos projetos do "Minas de Cor" era identificar o perfil das lésbicas que viviam nas periferias da cidade, no intuito de obter subsídios para proposição de políticas públicas específicas e incrementar o debate com grupos do Movimento e gestores nas três esferas do Poder. Essa pesquisa foi quantitativa, com 105 entrevistas, 72 perguntas, em formato de questionário. As entrevistas foram realizadas com lésbicas moradoras de 21 diferentes bairros e em 5 cidades localizadas na Grande São Paulo. As entrevistadoras foram 10 jovens lésbicas moradoras das periferias, treinadas para a aplicação dos questionários. As entrevistas foram realizadas em bares, festas, campos de futebol feminino, nas casas de amigas e nas ruas quando as pessoas eram abordadas. A codificação desses dados gerou 29 gráficos e 137 tabelas. Eu vou falar sobre alguns dados de saúde: 65% das entrevistadas são jovens, entre 16 e 34 anos; mais de 52% são não brancas (mulatas, pardas, negras, morenas); 41% moram com as suas companheiras; 27,6% fazem apenas uma refeição por dia; 43,9% freqüentaram pelo menos nove anos de escola; 50,5% identificam-se como "entendidas"; 47,6% acham que numa relação amorosa, uma deve assumir o papel de homem e a outra de mulher; 69,5% já sofreram algum tipo de violência apenas por ser lésbica; 24,8% nunca foram ao ginecologista e dessas, 16 mulheres, em números absolutos ou 61,5% afirmaram não querer ir ao ginecologista; 33,3% nunca fizeram o exame Papanicolaou; 58,1% nunca fizeram mamografia, talvez pelo fato de muitas delas terem menos de trinta anos de idade. Das 61,5% que afirmaram não querer ir ao ginecologista, 75% se declararam ativas nas suas práticas sexuais ou, numa análise, assumem um papel masculino na relação sexual; 62,9% acreditam que nas relações sexuais com mulheres pode ocorrer infecção pelo vírus HIV e 17,1% não acreditam nessa possibilidade, das 62,9% que acreditam na possibilidade de infecção, 30,3% crêem que a infecção se dê por meio de sexo oral; 81,9% acham que uma mulher pode transmitir alguma DST para outra mulher e dessas, 81,4% acredita que a infecção se dá por sexo oral; 16,2% acredita na impossibilidade de transmissão de DST entre mulheres. Inicialmente, o alto número que informa conhecer a possibilidade de infecção por DST nas relações sexuais entre mulheres, 81,9%, parece indicar um alto nível de informação sobre o assunto, no entanto, perguntadas se já haviam contraído alguma DST, 78,1% disseram que não, nem mesmo um corrimento, uma vaginose ou HPV; 45,7% nada fazem para se prevenir das DST e 39% alegam que o motivo para isso é ter uma só parceira sexual e confiar na fidelidade dela. Sobre as formas de infecção pelo vírus HIV, 22,9% afirmam que o vírus se transmite pelo beijo na boca de pessoa contaminada; 8,6% não acreditam na transmissão por meio de secreção vaginal; 8,6% crêem que a transmissão por uso compartilhado de copos e talheres é possível e 7,6% alegam desconhecimento sobre esta possibilidade; 21% crêem na transmissão por picada de inseto e 26,7% não sabem se picada de

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inseto pode transmitir o vírus; 20% não crêem ou desconhecem a possibilidade de infecção do bebê na hora do parto; 17,1% desconhecem a transmissão por aleitamento materno; 81,9% crêem na contaminação por sexo oral com mulher menstruada; 53,4% já fizeram teste de AIDS e das 44,8% que pegaram o resultado, 4,3% tiveram resultado positivo. Quanto ao uso recente, nos últimos 12 meses, de drogas lícitas e ilícitas, 63,8% usaram cigarro; 80% álcool; 24,8% maconha; 2,9% crack; 19% cocaína e 4,8% anfetaminas. A pesquisa foi realizada com apoio do Fundo Ângela Borba de Recursos para Mulheres e Astraea Lesbian Foundation for Justice. Os resultados dessa pesquisa são muito interessantes porque observamos o grande número de lésbicas que desconhecem as reais formas de infecção e de prevenção das DST/HIV/Aids. Nas lei turas que fiz sobre saúde da população negra, especificamente sobre saúde das mulheres negras, verifiquei que os números sobre as mulheres negras que não vão ao ginecologista são praticamente idênticos ao das lésbicas. Então podemos dizer que na periferia existe um grande número de mulheres negras e a maioria das que são lésbicas, são negras. Comparando alguns dados disponíveis constatei: "Nossa, mas nós estamos falando das mesmas mulheres, o que as difere é só uma coisa, a orientação sexual delas". E o que é ser lésbica? Pode ser que algumas pessoas pensem que lésbica é uma mulher que ama outra mulher, e eu amo minha mãe, minhas amigas, irmãs, e isso não me torna uma lésbica. Quando eu tenho desejo sexual e afetivo por outra mulher, isso me torna lésbica. Quando eu consigo fazer com que esse objeto de desejo vá para a cama comigo, isso me torna uma lésbica bem sucedida. Já a nossa saúde possui vários aspectos, a saúde mental e a saúde do corpo. De que saúde, de que mundo e de que país estamos falando? Felizmente, nós estamos aqui representado o movimento social, de modo que fica aceitável falar do SUS, o Sistema Único de Saúde que bem poderia ser Sistema Eficiente de Saúde. Por exemplo, aqui, quem nos últimos seis meses esteve num Pronto Socorro? Estamos em mais ou menos 150 pessoas, levantaram a mão oito mulheres e um homem, todas vocês sabem da falta de delicadeza com que somos tratados nos Prontos Socorros. E u penso que para melhorar o sistema, para começarmos a discutir políticas públicas, um pouco de educação, seria ótimo. Se as mulheres não trabalhassem no sistema de saúde nós estaríamos perdidas, porque o consultório psicológico é a sala de medicação, o único lugar no qual abrir a boca, trocar uma palavra, não provoca uma reação desagradável por parte do servidor. O impacto é enorme, quando descobrimos que por fazer parte da população negra, temos menos informações numa consulta, o médico dá pouca atenção para você, não responde às dúvidas da paciente e isso acontece com as mulheres, com mulheres negras. Saber que a cor da pele, o gênero e a idade são fatores determinantes para a escuta e o atendimento adequado do profissional de saúde, não deixa e não pode deixar de causar espanto e indignação. Fora estas questões, tem uma outra coisa. Imagine se eu perguntasse aqui para vocês, quantas e quantos de vocês são heterossexuais? Quantos e quantas de vocês são bissexuais? Por favor, essas perguntas são para serem respondidas. Para os que disseram que sim, suponham que eu seja uma médica e pergunte para vocês: por que vocês são heterossexuais? Vocês tiveram algum problema com homossexuais? Algum homossexual decepcionou vocês? Algum homossexual fez alguma coisa errada para vocês? As pessoas homossexuais têm ao longo da vida, nos consultórios médicos, que responder a essas perguntas. Explicar porque somos lésbicas, se sofremos alguma decepção com relacionamentos heterossexuais. Você está ali no médico, com uma cólica renal, ou um problema ginecológico e o foco da consulta passa a ser a sua orientação sexual. Isso acontece milhares de vezes. Comigo, aos 17 anos de idade na primeira vez que fui ao ginecologista, a primeira coisa que ele me perguntou após eu dizer que era lésbica, foi se eu tinha alguma coisa contra os homens. Eu estou fazendo esta explanação a fim de grifar como é o atendimento habitual no sistema de saúde, quando se é lésbica. 14


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Essa realidade fica evidente, também nos dados da pesquisa realizada na periferia. Às vezes eu ouço médicos falarem que não querem trabalhar na periferia por que lá há muita violência. Na verdade, a crença de que a solução de conflitos se dá por meio de violência, permeia todas as classes sociais, embora alcance com mais rapidez as classes C e D, a violência é uma construção cultural. Ocorre que, muitas vezes os médicos percebem que para tratar as pessoas de um modo geral e não só das periferias, é fundamental um pouco de CLASSE, só que aquele tipo de classe que têm a ver com elegância e respeito. Nos primeiros cinco minutos em que eu estava fazendo essa conversa com vocês, uma mulher, em algum lugar do Brasil, sofria algum tipo de violência. Uma questão de saúde pública e é importante saber como ela surge e se manifesta. A negligência e a falta de escuta social a que são submetidas milhares de lésbicas, e os efeitos decorrentes dessas atitudes, são violência de gênero, de classe social e de orientação sexual. É preciso entender que violência é tudo aquilo que fere a dignidade humana. O que é que as lésbicas estão pedindo? Para que os gestores públicos, os médicos, assistentes sociais, enfermeiras e todas as pessoas voltem a sua atenção para a diversidade e tenham a compreensão de que nem todas as mulheres são heterossexuais, nem todas as mulheres querem ter filhos, nem todas as mulheres têm garantido o acesso ao sistema de saúde. As diferenças deveriam ser componentes para uma existência gloriosa. A exclusão e o preconceito dificultam e impedem as pessoas de conduzirem suas vidas com dignidade e plenitude. Será que quando as pessoas homossexuais conseguirem a aprovação do Projeto de Lei de Parceria Civil, quando tivermos garantidos os 37 direitos a menos que os heterossexuais desfrutam como forma de privilégio, estaremos com tudo resolvido? O que queremos transformar? Eu continuo com uma grande convicção de que esse breve retrato da realidade das lésbicas de periferia e todos os elementos aqui trazidos devem servir para uma reflexão profunda, levando para ações efetivas. Reflexão esta que nos impulsione a viver e pensar numa transformação real da sociedade, que beneficie a todos e todas. Acredito que o mundo pode ser simplesmente mais prazeroso, que ele não precisa ser um grande e perfeito mundo, mas que ter acesso à saúde, mais sexo, amor e alegria, tornará a vida de todos e de todas muito melhor. Muito obrigada.

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"Acolhimento e aconselhamento em DST/AIDS nos serviços de saúde” Simone Diniz

Muito bom dia, Nós, do Coletivo Feminista, queremos agradecer muito a oportunidade, o convite feito pelo Programa. Cada uma das falas vai ter 20 minutos, mas eu e a Ana combinamos um jogral onde cada uma irá falar 10, então eu vou fazer um grande esforço. O Coletivo Feminista é uma ONG de mulheres que tem um ambulatório que está fazendo 20 anos, que está aberto ao público e ele, desde suas origens, atende mulheres autoidentificadas como lésbicas. Então eu queria falar um pouco como é a experiência do Coletivo de atender, a questão do acolhimento e aconselhamento em DST/Aids, falar um pouco de como é a história do serviço, como é que estas questões foram incorporadas, de onde é que saíram essas questões, como é que nós lidamos e o que é que isso interfere no modelo de assistência, e a Ana vai falar de algumas situações concretas de atendimento que nós temos atualmente. O Coletivo é uma ONG que desde 1985 faz um trabalho de atenção primária à mulher com a perspectiva feminista e humanizada. Ela é inspirada na experiência feminista internacional, e o método utilizado inclui uma visão crítica ao modelo clássico da ginecoobstetrícia e nós temos, durante todos esses anos, tentado mudar o modelo e pesquisar nisso, e treinar nesse sentido. Também temos uma forte influência desse feminismo internacional e boa parte da assistência, como da mulher que faz sexo com mulher, vem desde o início da influência, principalmente, do Ambulatório da Mulher de Genebra, que era um grupo majoritariamente de lésbicas, que teve uma grande influência na formação do Coletivo, principalmente minha. Queria lembrar aqui o nome da Rina Nisin e da Rosângela Gramoni, que foram as pessoas que nos ajudaram a fazer a anamnese (ficha clínica), a primeira anamnese é de 1985. Então, nosso modelo é de uma medicina suave, dos tratamentos naturais, menos agressivos com grande foco na questão da informação, do conhecimento do corpo como elementos centrais da assistência à mulher. Uma usuária percebida como um indivíduo, sujeito da ação da saúde, capaz de entender e decidir cuidar do próprio corpo. Nós temos vários serviços, um é o Disque-saúde, do qual a Ana é responsável, temos consulta de saúde ginecológica, pré-natal, pesquisas em vários temas, atendimentos psicológicos, atendimento à situação de violência de vários tipos, temos um acervo. Também trabalhamos com treinamento em vários temas: violência, anticoncepção, saúde sexual etc. Aqui é a frente da nossa casa (slide) onde hoje está tendo um festival, depois a Ana pode falar um pouco mais, vocês estão todas convidadas. Aqui é a nossa sala de espera (slide), onde a gente também faz trabalho em grupo. A consulta tem um conteúdo educativo, e a idéia é que seja uma oportunidade da partilha de informação para que a mulher possa entender o seu corpo, seu funcionamento, e nós temos uma forte ênfase em promover a amizade da mulher no seu próprio corpo. Inclusive uma das oficinas que temos lá no Coletivo, chama-se "Fique Amiga dela", a Ana está dizendo que o material da oficina está, inclusive para quem estiver interessado, aí fora, pra distribuição. A oficina trabalha bem essa perspectiva do conhecimento da amizade com o corpo, a consulta é menos uma questão de "fiscalização" do que uma oportunidade da mulher compreender o seu corpo em particular, e como ela pode promover esse cuidado. A consulta tem várias etapas, todas elas com a participação da usuária, aí é o momento da consulta (slide). Essa aqui é a Ju, uma pessoa que faz um atendimento desde o início do coletivo, a gente estimula que tenha acompanhante na consulta. Então, uma das questões inspiradas pela fala das mesas anteriores, a anamnese, que é a ficha clínica, é autopreenchida, desde que a mulher seja alfabetizada, porque isso permite um momento da reflexão da mulher com ela mesma. 16


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E essa anamnese é lida conjuntamente na consulta, quando são identificadas, esclarecidas as questões mais importantes aparecidas no atendimento. Desde o início, essa anamnese inclui um conjunto de questões que normalmente a assistência não inclui, então, o exame físico também, ele é compartilhado porque a gente ensina o auto-exame de mama, de vulva, de colo, do útero etc. Usamos lanterna, espéculo e um espelho, tudo tecnologia bem simplificada, mas altamente efetiva, para a mulher conhecer a vagina, a sua musculatura. Estudamos o fluxo vaginal de rotina, se a mulher quiser ver o exame de lâmina dela, conhecer sua própria flora vaginal, ela é convidada para ver isso no laboratório e tudo. Então aí (slide) temos a mesa ginecológica, mas fazemos quase todas as consultas na cama, a mesa é só para colocar o DIU, coisa deste tipo. Fazemos um conjunto de perguntas para todas as mulheres: como percebe sua saúde, como consegue ou deixa de conseguir cuidar da saúde, a questão da alimentação, atividade física, hábitos positivos ou negativos para a saúde como uso de substâncias, drogas, sedentarismo, coisas deste tipo, as questões de saúde mental, como andam as relações, namoro, casamento, trabalho etc., se a pessoa previne ou não DST/Aids, outras doenças, prevenção do câncer pra todas essas mulheres, tem estas questões. Eu quis trazer pra vocês algumas das questões da anamnese que estão desde o início, nós não perguntamos sobre "identidade sexual" (se é lésbica), mas sobre prática (se namora mulher). A gente pergunta pra todo mundo: você mantém relações sexuais só com homens, só com mulher, com homens e mulheres, e se é com o mesmo parceiro (a), se tem variações de parceiro (as), temos os dados desde 1985, o que permite que possamos, vamos dizer assim, costumizar um conjunto de perguntas do tipo, contracepção não fará sentido com uma mulher que transa com outra mulher ou enfim, um conjunto de questões que se aplica ou se deixa de aplicar a linguagem. Também temos um programa específico de prostitutas, e que a gente inclusive, recentemente adaptou a linguagem, também porque anamnese não é só para a mulher heterossexual, ela não cabe à prostituta, não cabe à freira, não cabe, como nós temos uma clientela muito diversificada, a gente começou a ver como, pelo menos, não discriminar. A outra questão é a da linguagem, nós colocamos sempre, embora em português o masculino seja comum de dois gêneros, colocamos "parceiro ou parceira" pra reforçar que não há nada de padrão, e se enfim fizer com homem ou com mulher, quais são as questões que são, inclusive temos uma série de questões sobre prevenção de DST/Aids relativa à auto-imagem de vulnerabilidade, etc, que nível de diálogo com parceiro (a) tem, independente do tipo de parceria sexual, se a pessoa tem ou já teve DST, se ela se considera uma pessoa protegida do risco contra o vírus, como e por quê. Assim, que medidas ela toma pra prevenir Aids ou outras doenças. Essa é uma questão que a gente usa de rotina, e também perguntamos de rotina a questão de violência, por exemplo, se ela já teve alguma relação sexual contra sua vontade, violências físicas, violência psicológicas, violência sexual, se ela procurou algum tipo de ajuda. Perguntamos, também de rotina, sobre violência institucional, se ela já foi discriminada em algum serviço de saúde, delegacia etc, todo este tipo de informação tem na anamnese. Queria inclusive dizer pra vocês que já abrimos nosso banco de dados para uma pesquisa sobre as características das mulheres lésbicas, inclusive pro Instituto Kaplan, até tentamos recuperar pra mostrar alguma coisa pra vocês, mas na verdade, não tivemos um retorno dos dados da pesquisa. Mas queria dizer que nós temos uma multidão de dados especificados por práticas sexuais à espera de interpretação, inclusive nos colocar à disposição para possíveis parcerias. O Coletivo também tem um forte foco nas atividades educativas, fazemos um conjunto grande de oficinas. Nós estamos fazendo agora, um festival lá no Coletivo, que é voltado pra essa população de prostitutas da área também. Hoje vai ser um dia divertido porque é basicamente para as mães e prostitutas. A gente tem uma série de oficinas, "Fique amiga dela", que é uma oficina de promoção de saúde sexual, fizemos alguma modificações para a população diferente, inclusive uma das oficinas específicas foi para as lésbicas. Mas também adaptamos a oficina para freiras, para puérperas, enfim para a população em geral, para mulheres soropositivos etc. Achamos que esse tipo de conhecimento deve ser ajustado para cada necessidade específica, e nós estamos permanentemente mudando o contexto do conteúdo educativo. Presentemente estamos. Queremos convidar a todos para uma oficina que acho que vai ser o mês que vem, que chama a "A Graça de Envelhecer", que é uma perspectiva de saúde das mulheres relacionadas ao envelhecimento. Quem quiser mais informação sobre o Coletivo, também pode procurar o site que é www.mulheres.org.br. 17


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"Acolhimento e aconselhamento em DST/AIDS nos serviços de saúde” AnaFátima Galati O que eu queria falar sobre o atendimento que a Simone comentou, é que o Coletivo sempre atendeu à diversidade sexual. Queria fazer um comentário sobre mulheres lésbicas. Quando eu vou fazer oficina dentro das boates, ao final das oficinas algumas mulheres que têm orientação lésbica vêm me procurar para conversar em separado, porque dentro das boates as garotas não sabem, isto é, as outras não sabem que elas são lésbicas e que às vezes tem companheiras lá dentro da própria boate. Eu já vi uma cena de uma menina que entrou para o quarto com o cliente e demorou demais, e a companheira dela estava lá e fez um escândalo porque a menina demorou muito, e as duas foram mandadas embora. Foi uma coisa bem chata, e elas vieram perguntar pra gente sobre questões e mitos, sobre a sexualidade das mulheres que transam com mulheres e dos aperreios que elas passam dentro da prostituição. Hoje, elas passam lá no Coletivo e a gente as orienta juridicamente, como elas pediram. Outra coisa dentro do Coletivo que sempre foi muito presente, foi essa diversificação no atendimento. Constantemente lá dentro tem freira, mulçumana, três prostitutas e duas mulheres grávidas, no mesmo dia, sentadas no sofá, conversando entre si, cada uma com sua sexualidade. A oficina para freira surgiu porque elas trabalham na pastoral com a prostituição, e aí pediram para a gente capacitá-las para esse atendimento por termos uma linguagem melhor, no entendimento delas, que a prostituta aceita melhor a abordagem e o atendimento, porque quando a gente vai com as freiras fazer abordagem, as garotas, como elas gostam de ser chamadas no nosso bairro, cada um chama de um jeito. As garotas que fazem programas lá em Pinheiros não aceitam a presença das freiras do atendimento pastoral do centro da cidade. S obre a questão levantada por uma pessoa hoje, é que a gente vai falar um pouquinho, que é sobre as presidiárias. Recentemente o Coletivo foi procurado para fazer oficina para as mulheres que estão em liberdade assistida, porque quando elas saem do presídio feminino, saem completamente confusas com sua sexualidade. Acho que foi a Márcia que falou sobre esse acolhimento que elas têm com as próprias mulheres, que acabam tendo uma relação amorosa com outras mulheres, mas não tem uma orientação sexual pra lésbicas, elas são mulheres que tiveram uma experiência amorosa por carência afetiva e, quando saem, saem totalmente confusas, porque tiveram uma situação de convivência com essas meninas que são realmente lésbicas. E quando elas saem perguntam: O que eu sou? Será que eu virei lésbica? A assistente social do presídio procurou a gente para fazer oficinas, atendimentos psicológicos e discussão sobre essas questões lá no Coletivo. Eu não sei se alguns serviços aqui também foram procurados, porque elas falaram para gente que estão começando a trabalhar com gênero. Agora fiquei um pouco assustada, meu Deus do céu! Será que os responsáveis pelas carcerárias femininas descobriram agora que existem homens e mulheres? Será que alguém falou para elas das necessidades das mulheres dentro dos presídios que não são tão diferentes do masculinos quando se diz respeito à sexualidade? Elas falaram que estão fazendo um estudo sobre gênero, que perceberam essa necessidade de trabalhar com gênero e pediram essa capacitação pro Coletivo Feminista, e que iriam procurar outros serviços. H oje está acontecendo no Coletivo, que vai até amanhã, uma feira que a gente chamou de feira de sexualidade, saúde e beleza, porque terá vários assuntos relacionados à sexualidade, e um dos mais interessantes, é a oficina em que as próprias profissionais do sexo irão contar a vivência delas. Uma dessas vivências quem conta é nossa multiplicadora, que fala muito sobre a relação de mulheres dentro da prostituição, que eu acho é pouco falado. Existem mulheres que fazem sexo com mulheres dentro da prostituição e então, elas sofrem duas discriminações quando vão procurar os serviços, uma de falar que é lésbica e a outra de falar que é prostituta. Também vão falar sobre outras questões, vão ter três cenas lá no coletivo sobre essa vivência delas dentro das boates, e uma delas é a história que os homens contam para elas. Quando se fala de prostituição, se fala pouco sobre o cliente. 18


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O cliente é um coadjuvante da prostituição, e isso não é verdade. O cliente está ali e não existe um perfil desse cliente. É exatamente isso que elas vão mostrar pra gente, quem é esse cliente, porque procuram por elas. Vão fazer isso de uma forma divertida, porque a gente pediu para não chocar o público. Elas queriam contar tudo, nós não deixamos contarem tudo, só algumas coisas. Para que as financiadoras do projeto de DST/Aids façam um projeto mais ligado ao cliente. Na maioria das vezes, quem não quer usar preservativo é o cliente, e essas histórias que elas vão contar, são as histórias que os homens nos contam, contam para elas. Quem quiser participar, a oficina delas vai ser às 17 horas, hoje e amanhã, lá no Coletivo Feminista. Existem várias parcerias entre elas, das casas, dentro das boates e o cliente é visto exatamente como isso, tudo gira em torno dele, é o ganha pão delas, mas as relações amorosas delas terminam sendo entre elas. Queria só recuperar uma coisa que foi falada na mesa anterior, quais seriam os desafios viáveis para rede, pensando SUS especificamente. Por exemplo, as inclusões de questão, não se sabe se mais apropriado seria de orientação sexual ou de prática sexual. Na anamnese isso sinaliza, também para o profissional de saúde, que das pessoas em geral, não só existe a heterossexual e como isso pode contaminar o modelo, ou seja, pequenas mudanças. Talvez até fazer alguns pilotos, alguns projetos experimentais, sensibilizando pequenos profissionais a respeito disso, e tentar ver o que o aparelho formador pode se mover. Esse tem sido o pedaço mais lento da mudança, acho que o serviço tem sido mais à frente, mas esse pode ser um desafio viável para gente estar incorporando imediatamente. A gente quer ia convidar as meninas do movimento a conhecerem o Coletivo, a gente tinha até pensado em um convênio. A consulta não é gratuita, a gente tem um valor, mas tínhamos pensado em fazer um preço especial, já que a gente tem esse atendimento há mais de 20 anos, e convidar as mulheres com orientação lésbica a conhecerem o Coletivo. A gente faz um preço especial para elas, é muito baratinho, já é barato o preço no Coletivo. Para as prostitutas a gente não cobra, porque elas já têm um projeto, mas elas procuravam o Coletivo antes desse projeto, mesmo para pesquisa, para aumentar a pesquisa, já passaram mais de 6.500 mulheres no Coletivo nesse tempo todo. A pesquisa é interessante, é grande o material que a gente tem e o número de mulheres que procuram a gente por telefone. A gente também tem um atendimento por telefone no Coletivo, atendemos meninas que estão começando a ter suas primeiras relações sexuais, todo mundo já deve ter ouvido falar que hoje em dia está muito em moda menina beijar menina no "ficar" em baladas. Todo mundo já deve ter ouvido falar nisso, todo mundo tem sobrinhas adolescentes. Quando elas ligam para gente nesse serviço, perguntam se viraram lésbicas também, porque beijaram um monte de meninas na noite anterior e têm essa preocupação em saber se o beijar torna alguém lésbica. A falta de informação do que é ser lésbica, é muito grande. E hoje em dia com essa "moda" em baladas de mulheres com mulheres, realmente é o que está acontecendo atualmente com essas meninas, porque que isso virou um questionamento da sexualidade. Então as meninas ligam lá no disque querendo saber: O que é ser lésbica, se beijar a amiga as tornam lésbicas. Recentemente as jovens feministas estão tentando se instalar lá dentro do Coletivo Feminista, então vamos ter jovens lá, já que nós somos as anciãs. A Simone é mais anciã do que eu. A gente sempre fala que no Coletivo não usamos a palavra menopausa, mas vagina sênior, vagina sabidas etc. As mulheres jovens são as Juniores. B om, terminado a gente queria fazer esse convite para as mulheres tomarem um café com a gente. Amanhã vamos estar lá o dia inteiro e gostaríamos que vocês fossem prestigiar especialmente nossa feira, e também conhecer o nosso trabalho.

Mais uma vez obrigada pelo convite.

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"Acolhimento e aconselhamento em DST/AIDS nos serviços de saúde” Ana Fátima Galati

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"Acolhimento e aconselhamento em DST/AIDS nos serviços de saúde” Ana Fátima Galati

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"Acolhimento e aconselhamento em DST/AIDS nos serviços de saúde” Ana Fátima Galati

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"Acolhimento e aconselhamento em DST/AIDS nos serviços de saúde" Regina Facchini Eu queria agradecer a oportunidade de poder estar aqui, compartilhando o trabalho e compartilhando saberes, porque nós todas e todos temos saberes em relação a essas questões que estão colocadas aqui. Fico bastante feliz de poder estar aqui falando com vocês. Queria deixar o agradecimento para Rede Feminista de Saúde que disponibilizou uma quantidade do material do dossiê sobre saúde das mulheres lésbicas para gente trazer para vocês. Uma parte do que eu vou falar aqui, a maior parte, está no dossiê que também está disponível na internet na página da Rede Feminista de Saúde, se vocês gostarem do material e acharem que é importante replicar a informação. B om, pode passar a primeira? Eu botei aqui só uma "musiquinha" para a gente começar, "As coisas" do Arnaldo Antunes, onde ele fala que as coisas têm massa, volume, tamanho, peso, cor, posição, textura, duração, densidade, e vai falando dessas coisas, e no fim ele fala que as coisas não têm paz. Só para gente lembrar, para começar essa fala, que a classificação das coisas é fundamental para o ser humano. E nesse processo de classificar as coisas, as pessoas, tudo o que está ao nosso redor, a gente acaba às vezes transformando a diferença em desigualdade, e é isso que a gente está querendo evitar. Essa fala está voltada para gente pensar que é importante tentar evitar transformar a diferença em desigualdade. E u queria começar falando um pouquinho de umas questões que são meio teóricas, que vou falar rapidamente, mas é fundamental para gente entender do que estamos falando nesse debate. Primeiro falar um pouco de gênero, do que a gente está falando quando fala de gênero. Gênero é uma coisa que faz parte, é um elemento constitutivo das nossas relações em sociedade e que está baseada nas diferenças percebidas entre o sexo. Gênero é conseqüência do sexo biológico? Não! Não necessariamente. Ele está preso ao sexo biológico, ao corpo? Também não. As coisas que estão ao nosso redor têm gênero, a consulta ginecológica, por exemplo, tem gênero, um gênero feminino. Uma mulher pode se identificar com gênero masculino? Pode. A consulta ginecológica para ela, vai ser um lugar tão tranqüilo? Não. Um pouco para gente pensar nessas coisas. A idéia de que os sexos sejam complementares e distintos em termos de comportamentos, mulher complementa homem, homem é diferente de mulher, também não é uma idéia que é natural, ela é uma idéia cultural e que está bastante presente em nossa sociedade, mas não é uma norma da natureza. E o restante é o que eu já falei, que gênero não está só nos corpos, mas está em tudo que nos cerca, nas profissões e naquilo que é, e no que não é, adequado para homens e mulheres Com relação à sexualidade, temos sempre que pensar que ela é uma questão que também está perpassada pela cultura, também não é uma coisa natural, por isso o que é de praxe em termos de sexualidade, muda de época para época, muda de cultura para cultura e de grupo social para grupo social. Inclusive, quando você tem uma "sub-cultura" ou um subgrupo lésbico, e aqui a gente estava falando de entendidas, sapas, caminhoneiras, lésbicas, mulheres que gostam de mulheres, bissexuais, em cada rede social dessas, você acaba tendo padrões de conduta que circulam pelo grupo em relação à sexualidade. Esses significados que a gente dá para a sexualidade e para questão do ter prazer está muito ligado a questão de como a gente pensa no masculino e no feminino, a questão do gênero, mas também a questões que começamos a falar aqui na mesa anterior. Outras relações de poder que estão presentes na sociedade, como a questão de raça, de classe, de idade, de deficiência, a questão de soropositividade pro HIV, que já foi levantada aqui, todas essas questões estão ultrapassando também a sexualidade. É só lembrar que esses significados de sexualidade são produzidos, reproduzidos e modificados por vários agentes sociais, entre os quais, o Estado, o sistema educacional, o saber médico, a mídia, as religiões e também os movimentos sociais. Hoje, estamos aqui pensando em como reformular a maneira como a gente vê a sexualidade e a sexualidade das mulheres nos serviços de saúde. Com relação à sexualidade, eu queria fazer uma distinção importante, que é entre a sexualidade e a identidade de gênero, que está um pouco mais para frente. 23


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Para falar de sexualidade da maneira como a gente está abordando aqui, temos que falar sobre orientação sexual. Já falamos aqui tanto de desejo, como de prática e identidade, e eu queria só pontuar uma questão. Essas três coisas, essas três dimensões, fazem parte de uma mesma coisa que é orientação sexual, desejos, práticas e identidades, e é sempre importante a gente ter claro que isso não necessariamente anda junto. Você pode ter a prática separada da identidade, o desejo que não tem prática e não tem identidade, tudo isso faz parte da diversidade da população que está presente nos serviços de saúde. Então, é importante quando alguém diz, eu sou lésbica, ou quando a gente pensa que alguém é lésbica, a gente estar pensando em que dimensão disso tudo estamos falando. O que é fundamental para trabalhar essa questão é lembrar dessas normas sociais que dificultam a gente pensar em tudo isso, e aí eu trago a questão da heteronormatividade, que ao contrário do que a palavra sugere, não tem nada a ver com heterossexualidade ou com heterossexuais, mas é uma norma, e norma que diz para gente o quê? Sexo, gênero e desejo têm que caminhar na mesma direção. Como é que é isso? Bom, se você tem um sexo feminino, você tem que ter comportamentos tidos como femininos dentro dos padrões sociais, você tem que ter um desejo voltado para homens. É essa a norma que orienta boa parte da conduta das pessoas na nossa sociedade, e é com essa norma que a gente tem que se confrontar, porque ela foi passada tanto para as mulheres que chegam ao serviço e que imaginam que vão ser discriminadas, quanto para os profissionais que estão do outro lado. Isso está perpassando o tempo todo essa relação dos cuidados de saúde das mulheres que fazem sexo com mulheres. Não precisa nem dizer que essa norma vai trazer toda a questão da assimetria de gênero das desigualdades entre homens e mulheres e da homofobia na nossa sociedade, e que tudo isso está muito ligado. Para a distinção que eu queria colocar aqui, também é importante trazer essa distinção entre orientação sexual, identidade e a expressão de gênero. A orientação sexual ela tem a ver com o quê? Acho que já ficou bem claro depois das falas da outra mesa. O sexo do objeto de desejo não tem a ver com mais nenhuma outra característica. Ser masculinizada, ser mais feminina, perceberse como mais feminina ou mais masculina, isso tem a ver com uma outra questão que é a identidade ou a expressão de gênero, que é como o sujeito se percebe em termos dessas questões de masculinidade e de feminilidade e de como ele se expressa, a orientação sexual e a identidade de gênero não necessariamente andam juntas. Uma pessoa pode ser masculinizada nos padrões da nossa sociedade sem ser heterossexual? Sim, sem dúvida nenhuma, como ela pode ser homossexual, como ela pode ser bissexual. Para adentrar um pouco mais a questão da saúde, queria só chamar à atenção do quanto é importante percebermos a questão da promoção da saúde a partir da dimensão social dela, a forma como a gente percebe a doença e as necessidades de saúde, os recursos que a gente mobiliza para cuidar disso. Os recursos terapêuticos variam socialmente e a percepção dessas necessidades e cuidados adotados está estreitamente relacionada à forma como a gente concebe e usa os nossos corpos, e também com outras questões como o espaço que a gente ocupa na vida social, o domínio que a gente tem ou não na cultura médica, o quanto a gente conhece dos médicos e dos profissionais de saúde, a gente enquanto população. Então, só pontuando essa questão da importância do social nisso tudo. Isso foi uma lição que a gente aprendeu, uma das lições que a gente aprendeu com a epidemia do HIV/Aids. A epidemia foi fundamental para a gente compreender o papel dos fatores sócio-culturais como o estigma e o preconceito, para a adoção dos cuidados da saúde, e evidenciou também questões importantes no que diz respeito ao profissional da saúde. De uns anos para cá tem sido vista uma relação em que tanto o profissional como o cliente, são sujeitos onde o diálogo e a colaboração são fundamentais e onde os significados devem ser negociados. O que eu trago daqui para frente é um pouco no sentido de facilitar es sa negociação de significado. Apesar de a epidemia do HIV ter nos ensinado muita coisa, é importante que a gente pense que a saúde de qualquer sujeito, seja ele homem ou mulher, sendo mulher, hetero ou homo, não pode ficar restrita à questão da abordagem da saúde sexual e aí, de novo, a questão da integralidade que a gente chamou à atenção aqui nas mesas anteriores. 24


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Dados internacionais mostram que o estigma ligado ao desejo ou às práticas sexuais traz uma vasta gama de complicações para a saúde, como a dificuldade para procurar ou obter ajuda profissional, para informar o profissional, coisas ligadas à sexualidade, ou dificuldade por parte do profissional em abordar questões ligadas à sexualidade. Os dados revelam também a possibilidade de problemas com a auto-estima, imagem corporal, abuso de substâncias e a questão do suicídio traz ainda a questão da adoção de estilos de vida específicos, com impacto na vida muito específico para as questões da saúde das pessoas. Queria trazer também um pouco do que a literatura internacional diz a respeito das demandas de saúde das mulheres que fazem sexo com mulheres. E aí a gente tem na literatura dados sobre a maior prevalência de fatores de risco para câncer de mama: hábitos como tabagismo, consumo de álcool, o sobre peso, a nuliparidade e a baixa freqüência de exames preventivos, tem estado na literatura como algo ligado a fatores de riscos mais presentes nessa população. É importante dizer que esses dados, como se referem às questões ligadas ao estilo de vida, os estudos acabam se contradizendo. Por que? Porque está presente em um subgrupo da população lésbica, mas não está presente em outro subgrupo, não se consegue um dado consistente no sentido de dizer que são questões influentes e presentes para todas as mulheres que fazem sexo com mulheres, mas são questões importantes a investigar. Outra coisa que está presente na literatura é a ocorrência de câncer de colo de útero, e aí a gente tem uma associação entre o HPV e a neoplasia cervical, que foi detectada entre mulheres homo, na presença e na ausência de relações sexuais com homens; isso indica o que? Que há uma possibilidade de transmissão sexual do HPV entre mulheres. Uma outra questão ligada ao câncer do colo de útero é a menor freqüência de realizações de exames de Papanicolaou, que já se começou falar na mesa anterior, principalmente entre as mulheres exclusivamente homossexuais, e aí você tem tanto uma menor oferta do exame de Papanicolaou por parte dos profissionais, quanto uma menor procura por parte das mulheres. Com relação às DST, tricomoníase, herpes genital e HPV foram observados sem histórias de contato sexual com homem, ou seja, o que a literatura está dizendo para a gente é que é transmissível entre mulheres. Uma alta proporção de vaginose bacteriana também foi identificada nesses estudos entre as mulheres lésbicas, ou mulheres que fazem sexo com mulheres e admitese a possibilidade de infecção por HIV na relação entre mulheres. Tem um caso relatado na literatura; a possibilidade é plausível, apesar de a gente não saber qual o tamanho, a extensão dessa possibilidade. Inclusive uma coisa que a gente tem que estar bem atentos, é que a gente tem também muitas mulheres lésbicas que são soropositivos e toda vez que vou falar para servidores da saúde, principalmente quem atua na área de DST/Aids, as pessoas chamam à atenção, "...e aí o que e que eu faço com a prevenção dessas mulheres que são soropositivos e que fazem sexo com mulheres?" Essa é uma resposta que está para se construir, a gente tem que pensar, porque é uma situação que existe: as mulheres que fazem sexo com mulheres não se infectam só no sexo entre mulheres com HIV, tem outras possibilidades, a colega aqui mesmo estava trazendo a questão da prostituição que é presente na população e outras questões, como o uso de drogas e outras questões que podem estar trazendo para dentro da população lésbica a infecção pelo HIV. O que eu trago daqui para frente é um pouco no sentido de facilitar essa negociação de significado. Apesar de a epidemia do HIV ter nos ensinado muita coisa, é importante que a gente pense que a saúde de qualquer sujeito, seja ele homem ou mulher, sendo mulher, hetero ou homo, não pode ficar restrita à questão da abordagem da saúde sexual e aí, de novo, a questão da integralidade que a gente chamou à atenção aqui nas mesas anteriores. Ainda na literatura internacional, a gente tem níveis elevados de sofrimentos psíquicos e de experiências de violência física, em comparação com a população hetero. E como a Irina já havia chamado à atenção, a ocorrência da violência doméstica entre casais de mulheres é similar a existente na população heterossexual. Não é muito diferente, não é menor nem maior, é isso que os estudos tem trazido.

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O us o abusivo de álcool, tabaco e outras drogas, as drogas ilícitas, têm sido apontados, também, com+o proporcionalmente mais alto entre a população de mulheres que fazem sexo com mulheres, do que entre a população heterossexual. É importante lembrar que os determinantes desses padrões que eu estou falando aqui, eles tem menos base nas características individuais especificas do que no contexto social em que vivem essas mulheres marcado pelo estigma, pela discriminação, pela ansiedade, pela expectativa de rejeição, que são decorrentes do homofobia. Quer ia falar um pouco agora da literatura brasileira, pra gente chegar mais perto da nossa realidade. A gente tem dados de pesquisas que foram feitas nas Paradas do Orgulho GLBT, que dizem que existe um padrão específico de vitimizaçâo homofóbica e a gente está falando de violência, de discriminação. Essa vitimizaçâo para as mulheres que fazem sexo com mulheres é uma vitimizaçâo menos visível, mas presente na esfera privada e nas relações pessoais. Ocorre com familiares, amigos, vizinhos, parceiras e parceiros e os parceiros e as parceiras, lembrando que quando a gente fala de mulheres que fazem sexo com mulheres, estão todas, as que fazem exclusivamente e as que não. Indo agora para a questão do acesso ao serviço ginecológico, os dados que existem no Brasil, eles são muito variáveis. Quanto ao acesso aos serviços de saúde, a gente tem um dado que de 13,0% a 70,0 % das mulheres que participaram desses estudos, dependendo do estudo, disseram que não tem acesso anual ao ginecologista. Outro dado é daquelas que nunca acessaram, que vão de 3,0 a 7,0 % No estudo que a Márcia Cabral fez na periferia isso aumenta, então a gente vê que a questão de classe, é bastante importante. Os dados sobre acesso ao papanicolau variaram entre 18 a 30% de mulheres que nunca fizeram o papanicolaou. A classe social e escolaridade são fatores que se mostraram bastante importantes para esse menor acesso ao Papanicolau. Lembrando que um inquérito populacional com mulheres em idade reprodutiva traz o dado de 13,8% de mulheres que nunca acessaram o Papanicolaou. Com relação às DST, tem uma pesquisa, realizada pelo Dr. Valdir, que agora está lá no Programa Nacional de DST/Aids, feita com uma amostra de conveniência com 145 mulheres que fazem sexo com mulheres e que teve como prevalência, 3,5% de tricomoníase, 1,8 % de clamídias, 7,0 % de hepatite B e a importância de prestar atenção nas hepatites: 2,1 % de hepatite C, lembrando que o sexo entre mulheres, pela questão das duas terem menstruação, é um fator importante a ser pensado. A m esma pesquisa mostrou: HPV 6,3 %, o HIV 2,9%, presentes nessas mulheres. Nenhuma dessas mulheres da amostra da pesquisa realizada pelo Dr. Valdir se infectou numa relação com outra mulher, tem uso de drogas, tem histórias de prostituição, mas é importante, o dado está aqui, são mulheres que fazem sexo com mulheres e 33,8 % tinham vaginose bacteriana. Todas as mulheres diagnosticadas com DST relataram sexo com homens na vida em algum momento e o único fator de proteção identificado foi a consulta regular ao ginecologista. Não tem nenhum outro fator de protetivo. Para finalizar eu queria trazer um pouco de material qualitativo. Numa pesquisa que eu e Regina Barbosa temos feito com mulheres que fazem sexo com mulheres, de natureza qualitativa, o que a gente notou e que tem um distanciamento muito grande em relação ao tema saúde, sobretudo no que diz respeito à sexualidade, os fatores como inserção de classe econômica das camadas populares, a inexistência ou a concentração das experiências heterossexuais no início da vida sexual efetiva e a adoção da gramática corporal mais masculinizada, parecem estar associadas com a menor freqüência aos serviços de saúde ginecológicos. São essas mulheres, então, que estão merecendo um pouco mais de atenção, as que estão em camadas populares, que tem menos acesso à informação, as que tiveram menos sexo com homens na vida e aquelas que tem um jeito, uma gramática, um estilo corporal mais masculinizado. 26


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As mulheres que foram poucas vezes ao ginecologista estão todas entre as que não tiveram sexo com homens, ou tiveram apenas no início da vida sexual ou na juventude e estão presentes em todas as faixas etárias e seguimentos de classe. Daí a importância das questões de gênero e de ter tido sexo com homem que é inegavelmente uma porta de entrada pro serviço de ginecologia. Um dos motivos mais citados para não ir ao ginecologista é a ausência de necessidade, e essa ausência de necessidade está relacionada a fatores como não ter sexo com homens, como não precisar se preocupar com contracepção ou não ter sintomas, quer dizer, se eu faço sexo com mulheres eu não tenho que me preocupar com uma gravidez não desejada, e aí a questão do homem que eu vou falar mais lá para frente, se você não tem sexo com homens é como se você estivesse protegida, porque o homem é o promíscuo o homem é o vetor da transmissão de DST. D entre as mulheres que vão menos ao ginecologista, existe uma representação do ginecologista, do profissional, como um médico que trata como se trata mulheres que fazem sexo com homens e a reprodução. Se ela não faz sexo com homens, se ela não está no rol de quem pode reproduzir, não tem porque ir ao ginecologista, como, por exemplo, ir ao médico que trata de DST. Se a DST está ligada ao sexo com homem e eu não transo com homem, logo, o que vou fazer no ginecologista? A explicação para a ausência da necessidade está relacionada às concepções de riscos nas relações com mulheres, elas liberam do risco de gravidez indesejada e o relacionamento sexual exclusivo com mulheres libera de certa forma aí, na concepção delas, do risco de DST. As mulheres muito jovens e de classe média também demonstraram dificuldades de acesso ao ginecologista ou para revelar sua orientação, por que? Porque elas vão muitas vezes ao médico da família ou ao médico da mãe, então se na classe popular você tem uma questão, entre as jovens de classe média, então, você também tem uma questão importante. As portas de entrada das consultas ginecológicas parecem ser o início da vida heterossexual ou à maternidade ou ainda a problemas como cólicas menstruais muito dolorosas ou disfunções hormonais, então se você não está em nenhum desses quesitos, é mais difícil de entrar aí no sistema de saúde. As entrevistadas que relataram ao ginecologista sua orientação sexual são cerca de 70 % das que vão ao serviço de saúde, em geral, ou após uma indicação de tratamento do parceiro sexual, aí ela fala: "...Não, não, não, espera: ...não é um parceiro é uma parceira", ou durante a anamnese, particularmente após perguntas que pressuponham a heterossexualidade. Daí a importância do profissional nunca pressupor a heterossexualidade durante a anamnese. Porque aí o dizer-se lésbica, ou a mulher que faz sexo com a mulher, ou "entendida" para o profissional, sai de uma forma reativa: "... olha, eu não agüento mais esse monte de perguntas incômodas, eu sou lésbica ta!? Não me pergunte tudo isso". Existe para essas mulheres uma ausência de expectativas quanto ao recebimento de orientações da conduta mais específica por parte do profissional ao relatar a orientação sexual. Fica uma coisa meio assim: "... eu vou falar para você não me encher mais o saco", mas não tem, na verdade, uma expectativa de que o profissional possa estar respondendo às suas inquietações. Além disso, há relatos, como já foi dito na mesa anterior, de reação preconceituosa ou violenta por parte do profissional de saúde após esse out, essa saída do armário, essa revelação da orientação sexual. A maior queixa que essas mulheres trazem é o despreparo do profissional para atender uma mulher que se apresente como não heterossexual ou para atuar normalmente após o relato, porque muitas vezes como o profissional não foi preparado para isso em sua formação também, na hora em que a mulher diz para ele: "... sou lésbica, essas perguntas não têm nada a ver comigo", o profissional fica assim: ele não sabe o que dizer. Como e o que ele vai orientar para essa mulher? Por parte das mulheres, tem um receio de julgamento moral por parte do profissional, então a consulta muitas vezes é vista como o local de exposição da intimidade física e comportamental, "...o que esse profissional vai pensar de mim? Todo mundo tem preconceito com relação a minha prática sexual, o que ele está pensando?” 27


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Uma das mulheres entrevistadas nessa pesquisa tem 39 anos e é do extremo leste da periferia. Ela dizia assim: "...eu já conto para o profissional que eu sou lésbica porque na hora que ele for me examinar ele vai perceber que meu corpo é diferente, que não é um corpo penetrado por homem". Então, tem uma serie de fantasias também de que o profissional vai poder entrar nessa intimidade de um jeito que não vai ser de um jeito legal, bacana, que ele vai descobrir coisas a partir desse corpo, que ele não vai gostar dessas coisas e que ele não vai tratar bem essa mulher. Eu estou falando tudo ele, mas é ele, é ela... A diferença em relação aos relatos de vergonha de ir ao ginecologista, que estão presentes nas pesquisas nas mulheres homossexuais, é que essa vergonha venha acrescida de um estigma. Então, além de ter vergonha, tem toda uma questão de medo, do que ele (médico) vai pensar, "... como ele, ela vai reagir em relação a isso que eu trago?” Com relação às DST/Aids, a busca de serviços voltados especificamente voltados para a DST/Aids é muito menor do que a procura por ginecologista. A maior parte das entrevistadas nunca fez teste de HIV, ou faz esse teste quando vai doar sangue. A preocupação com outras DST é maior do que com Aids. A metade das entrevistadas acredita que a Aids não passa entre mulheres ou que é algo que não é preciso se preocupar. As outras DST são muito associadas à idéia de promiscuidade, de traição e principalmente de ter sexo com homens, e aí tem o dado da pesquisa da Márcia que 16,2% das mulheres que ela entrevistou não acreditam na possibilidade de transmissão de DST entre mulheres e 82% das que acreditam nessa possibilidade relacionam essa possibilidade de infecção ao sexo oral. A idéia de contaminação ou de poluição no contato sexual com homens tem como contra partida, muitas vezes, entre as mulheres que fazem sexo com mulheres, a atribuição de um caráter protetivo ou de uma ausência de riscos no contato entre mulheres. Poucas das entrevistadas possuem informações sobre uso de barreira para prevenção nas relações homossexuais e entre as que possuem essas informações, nenhuma considera viável sua utilização cotidiana. O que são essas barreiras? A literatura internacional andou falando muito e também algumas ONGs e Serviços, com materiais produzidos por gestores, passando a informação de que você pode usar luvas, que você pode recortar a camisinha, abrir a camisinha para fazer o sexo oral, que você tem o dental dan. Essas informações foram veiculadas de uma maneira que certamente não alcançou toda a população, mas entre as mulheres que eu encontrei e que conheciam essa informação, nenhuma achava viável. Dados internacionais mostram que o estigma ligado ao desejo ou às práticas sexuais traz uma vasta gama de complicações para a saúde, como a dificuldade para procurar ou obter ajuda profissional, para informar o profissional, coisas ligadas à sexualidade, ou dificuldade por parte do profissional em abordar questões ligadas à sexualidade. Os dados revelam também a possibilidade de problemas com a auto-estima, imagem corporal, abuso de substâncias e a questão do suicídio traz ainda a questão da adoção de estilos de vida específicos, com impacto na vida muito específico para as questões da saúde das pessoas. Queria trazer também um pouco do que a literatura internacional diz a respeito das demandas de saúde das mulheres que fazem sexo com mulheres. E aí a gente tem na literatura dados sobre a maior prevalência de fatores de risco para câncer de mama: hábitos como tabagismo, consumo de álcool, o sobre peso, a nuliparidade e a baixa freqüência de exames preventivos, tem estado na literatura como algo ligado a fatores de riscos mais presentes nessa população. É importante dizer que esses dados, como se referem às questões ligadas ao estilo de vida, os estudos acabam se contradizendo. Por que? Porque está presente em um subgrupo da população lésbica, mas não está presente em outro subgrupo, não se consegue um dado consistente no sentido de dizer que são questões influentes e presentes para todas as mulheres que fazem sexo com mulheres, mas são questões importantes a investigar. 28


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Outra coisa que está presente na literatura é a ocorrência de câncer de colo de útero, e aí a gente tem uma associação entre o HPV e a neoplasia cervical, que foi detectada entre mulheres homo, na presença e na ausência de relações sexuais com homens; isso indica o que? Que há uma possibilidade de transmissão sexual do HPV entre mulheres. Uma outra questão ligada ao câncer do colo de útero é a menor freqüência de realizações de exames de Papanicolaou, que já se começou falar na mesa anterior, principalmente entre as mulheres exclusivamente homossexuais, e aí você tem tanto uma menor oferta do exame de Papanicolaou por parte dos profissionais, quanto uma menor procura por parte das mulheres. Com relação às DST, tricomoníase, herpes genital e HPV foram observados sem histórias de contato sexual com homem, ou seja, o que a literatura está dizendo para a gente é que é transmissível entre mulheres. Uma alta proporção de vaginose bacteriana também foi identificada nesses estudos entre as mulheres lésbicas, ou mulheres que fazem sexo com mulheres e admitese a possibilidade de infecção por HIV na relação entre mulheres. Tem um caso relatado na literatura; a possibilidade é plausível, apesar de a gente não saber qual o tamanho, a extensão dessa possibilidade. Inclusive uma coisa que a gente tem que estar bem atentos, é que a gente tem também muitas mulheres lésbicas que são soropositivos e toda vez que vou falar para servidores da saúde, principalmente quem atua na área de DST/Aids, as pessoas chamam à atenção, "...e aí o que e que eu faço com a prevenção dessas mulheres que são soropositivos e que fazem sexo com mulheres?" Essa é uma resposta que está para se construir, a gente tem que pensar, porque é uma situação que existe: as mulheres que fazem sexo com mulheres não se infectam só no sexo entre mulheres com HIV, tem outras possibilidades, a colega aqui mesmo estava trazendo a questão da prostituição que é presente na população e outras questões, como o uso de drogas e outras questões que podem estar trazendo para dentro da população lésbica a infecção pelo HIV. Uma outra coisa importante de lembrar é que também você não pode pensar o modelo de prevenção ou de aconselhamento nas relações igualitárias entre mulheres, porque essas relações nem sempre são assim. Muitas vezes a gente pensa assim: são duas mulheres, uma pode olhar os genitais da outra, pode dizer se está tudo certo, ver se tem alguma coisa errada, a gente tem sempre que lembrar que tem mulheres que fazem sexo com mulheres que sequer tiram a roupa para o sexo, são exclusivamente ativas, é um dos comportamentos presentes nessa comunidade, e aí não dá para você dizer: "... Vocês vão compartilhar essa tarefa da prevenção!" Tem relacionamentos que não são igualitários, ou seja, tem a fancha que é mais masculinizada, tem a lady... Tem uma série de significados que circulam sobre a sexualidade de cada uma, que dificultam você pensar um único modelo baseado num "igualitarismo" entre duas mulheres. E apesar disso, tudo que eu falei com relação à prevenção, as práticas tidas como de risco, tais quais, abuso de substâncias, inclusive uso de drogas injetáveis, sexo sem preservativos com homem, fazer sexo alcoolizada, muitas vezes pensando :... vou fazer sexo com homens porque eu não sou lésbica, aí eu encho a cara", isso foi muito presente entre as mulheres entrevistadas. Múltiplas parcerias com mulheres, sexo com parceira soro-positivo e troca de sexo por drogas ou dinheiro foram registrados em algumas entrevistas, ou seja, comportamentos tidos como de risco estão presentes na população. No e studo do Dr. Valdir com as 145 mulheres também se verificaram essas mesmas questões ligadas ao risco na população e é importante a gente estar pensando em tudo isso. A titulo de recomendações, a partir da pesquisa que eu tenho feito com a Regina Barbosa, propomos: primeiro você tem que ter uma produção e colocação de conhecimentos sobre a população e sobre as demandas dessa população, então a introdução do quesito de orientação sexual em prontuários e fichas de identificação, acompanhado de treinamento para evitar pressuposição de heterossexualidade na anamnese é fundamental e quando a gente fala do quesito de orientação sexual, a gente está pensando na prática, não em identidade não, que também é uma demanda que está presente colocada pelo movimento lésbico e movimento GLBT de modo geral. 29


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A gente fala também da necessidade de pesquisas populacionais sobre a sexualidade feminina e que nessas pesquisas que se foque a questão da homossexualidade. Produzir e ou divulgar conhecimentos sobre praticas sexuais, possibilidade de infecção por DST e formas de prevenção que possam ser popularizadas, este conhecimento tem que ser gerado, ele tem que circular. Com relação à ampliação do acesso a mulheres que fazem sexo com mulheres aos serviços, é importante treinar e sensibilizar as equipes profissionais atuantes na atenção à saúde sexual e reprodutiva para o acolhimento adequado dessas mulheres, incluir a preocupação com sexualidade e acolhimento da diversidade sexual nos currículos de formação dos profissionais atuantes na saúde e em congressos na área de saúde, planejar campanhas preventivas voltadas à saúde sexual e reprodutiva, incluindo as mulheres não heterossexuais, a partir da firmação de direitos relativos à saúde e à diversidades sexual, ou seja, não necessariamente precisa ter uma campanha para lésbicas mas a campanha para mulheres precisa incluir as mulheres lésbicas, as mulheres bissexuais, apoiar as ações do movimento de lésbicas por direitos sexuais e do movimento feminista, que são ações fundamentais para reduzir a vulnerabilidade dessas mulheres. Na abordagem direta comunitária a essas mulheres coisas muitas básicas, como procurar diluir informações equivocadas presentes na população. Existe, sim, a possibilidade de transmissão do HIV e de outras DST numa relação entre mulheres; isso precisa ser dito, toda a mulher necessita de cuidados ginecológicos, independentemente dela ser freira, dela ter vida sexual ativa, da vida sexual ativa dela ser com mulher ou com homem. O profissional de ginecologia não é um médico para cuidar apenas de DST, contracepção e gravidez. A prevenção focada na idéia de grupos de riscos não funciona, isso a gente viu, quando as mulheres dizem "Ah... eu seleciono: se ela não for usuária de drogas, se ela não for bissexual, tudo bem!". É preciso dizer: toda mulher, mesmo exclusivamente homossexual, pode ter práticas que impliquem em infecção por DST/Aids. Uma última questão que é fundamental nesse processo que a gente está começando aqui hoje, é o de rever as orientações destinadas a promover sexo mais seguro entre mulheres que fazem sexo com mulheres, de modo a torná-las mais adequadas aos dados já existentes sobre prevalência de DST/Aids na população. Se a gente fala que tem que usar luva, ou que tem que usar barreira para o sexo oral, às vezes, as pessoas viram e falam assim: "Eu vou me encapar inteira para o sexo?". Então se a gente tornar essas recomendações mais adequadas aos dados que existem, a prevalência das DST que estão presentes nessa população... acho que a gente consegue negociar melhor essas coisas com as mulheres. Muito obrigada.

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“A eqüidade na Atenção à Saúde da Mulher” Atenção à Saúde e prevenção DST/Aids entre as mulheres negras Regina Facchini

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“A eqüidade na Atenção à Saúde da Mulher” Atenção à Saúde e prevenção DST/Aids entre as mulheres negras Regina Facchini

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“A eqüidade na Atenção à Saúde da Mulher” Atenção à Saúde e prevenção DST/Aids entre as mulheres negras Regina Facchini

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"Acolhimento e aconselhamento em DST/AIDS nos serviços de saúde" Kátia Guimarães

Bom gente, boa tarde para todos e todas e antes de trazer os cumprimentos da Dra. Mariângela, que era a convidada para a Mesa, da primeira que eu vim substituir, queria pedir desculpas por não ter podido conversar com vocês na parte da manhã, mas eu e o motorista que foi me buscar ficamos brincando de "pique-esconde" em Congonhas, e acabou que, fazer esta brincadeira lá, é quase impossível a gente se achar, então eu cheguei atrasada. Vou colocar aqui mais ou menos algumas coisas que eu falaria na primeira Mesa para depois enfocar mais na questão do acolhimento e aconselhamento na perspectiva do Programa Nacional de DST/AIDS. Regina, eu queria trazer da Mariângela, ontem chegou para a gente o dossiê que vocês fizeram com a rede feminista e eu gostaria de fazer publicamente, um agradecimento pelo material, a você, a Regina Barbosa e à Rede Feminista de Saúde, pela produção desse material que vai ser de fundamental importância no trabalho da gente no Programa Nacional. É fundamental que a gente produza esse conhecimento porque ele cada vez mais subsidia tanto as ações na área de serviços, como também nas diretrizes que o Ministério da Saúde vem dando em termos direcionados às mulheres em geral. Começando a falar um pouco daquilo que eu ia falar de manhã, queria dizer que a gente está num processo no Programa Nacional que já vem desde 2003/2004, que é o processo de descentralizar as ações do Programa, e o Programa como a maioria de vocês já sabe, nasce de uma forma vertical para atender um momento crítico e agudo da epidemia de Aids, e agora ele está precisando, necessitando ser incorporado e institucionalizado, efetivamente, no Sistema Único de Saúde. Nossa preocupação nesse momento é de fazer com que essa centralização se dê preservando duas prioridades do Programa, a primeira que eu estou destacando é o respeito à diversidade, o Programa sempre se respaldou na questão do direito do reconhecimento, do direito das pessoas vivendo com Aids. Dar o direito, o respeito à diversidade, e reconhecer, fundamentalmente, os direitos sexuais e os direitos reprodutivos como sendo de fundamental importância dentro do direito à saúde em termos gerais, é fundamental para a vivência cidadã de homens e de mulheres no nosso país, e o outro, a outra prioridade foi que o Programa, apesar de ter nascido de uma forma vertical, sempre acompanhou os princípios do Sistema Único de Saúde, sobretudo, a universalidade, tentando promover o acesso universal à prevenção, aos serviços, aos tratamentos, à perspectiva da integralidade e à perspectiva da eqüidade. Esses três princípios acompanham o tempo todo as nossas ações, e nesse momento de transformação do próprio Programa, se faz demais necessário que a gente esteja o tempo inteiro lembrando que esses princípios precisam ser efetivos na construção de uma política pública de saúde brasileira. E pra que a gente consiga fazer preservar esses princípios do Programa Nacional, a gente tem feitos várias, recorrendo inclusive a uma outra questão do próprio Sistema Único de Saúde que é a inter-setorialidade. A gente tem feito ações contínuas com o Programa de Saúde da Mulher, com a Gestão Participativa, não sei se vocês sabem, o Ministério da Saúde tem coordenado, via Gestão Participativa, um comitê de saúde GLTB. Esse comitê vem se reunindo, agora mais freqüentemente, e no mês de fevereiro nós discutimos o processo transexualizador. Isso para gente foi um ganho fundamental dentro da perspectiva de estar trabalhando a questão dos direitos sexual e reprodutivo, em termos efetivo como um direito mesmo a ser exercido. Nós estamos fazendo essa discussão pra trabalhar a questão da transexualidade para poder subsidiar serviços voltados para o atendimento integral das pessoas que querem fazer mudanças de sexo, enfim, se readequar sexualmente. Temos um setor do Ministério que é bastante complicado, que é a Atenção Básica, esse é o nosso desafio, tanto na Mesa anterior como a Regina apontou aqui, e algumas pesquisas que já estão sendo feitas no Brasil para avaliar o PACS e o PSF, sobretudo vem cada vez mais colocando que a vertente conservadora de se pensar sexualidade ainda é muito predominante. 34


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Isso é um desafio enorme que a gente tem que fazer, porque é por aí que a gente tem que começar a precisar, a gente está querendo fazer um sistema que não seja para pobre, que tenha integralidade e que tenha eqüidade, você tem que trabalhar essas questões de uma forma muito cuidadosa dentro dessas duas instâncias que, afinal de contas, são a ligação entre a comunidade e os serviços de saúde oferecidos pelos SUS. Também estamos numa profícua interlocução, pelo menos tentando fazer com que ela seja profícua, com os fóruns de educação permanente, porque se a gente pensa em transformar a atuação dos profissionais de saúde em termos éticos, a gente tem que manter isso de uma forma constante. Eu me lembro da epidemia de Aids, por exemplo, ela trouxe muita capacitação, de 1995 para cá, a gente vem trabalhando muito com capacitação de profissionais em vários setores, e vem percebendo que essa capacitação, se não é contínua, acaba se perdendo, porque às vezes uma pessoa só que é capacitada e não difunde a informação, não há como fazer com que a informação circule. Mesmo a questão da saída e entrada de profissionais, sobretudo na Atenção Básica, faz com que essas ações não sejam contínuas e a gente tem que retomar sempre, sempre, sempre, e isso atrapalha muito. Fora do Ministério da Saúde a gente também vem trabalhando com a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, que tem um plano nacional retirado da conferência de mulheres que foi feita em 2004. Acompanhando o plano, que tem ações voltadas para lésbicas também, o Programa da Secretaria Especial de Direitos Humanos e a execução do Programa Brasil sem Homofobia, dentro desse esquema, a gente vem tentado fazer com que as ações do PN, ou pelo menos a forma como o PN pensa a organização do enfrentamento da epidemia, seja também uma forma da gente estar incluindo questões em outros setores, tanto no Ministério da Saúde como também do próprio Ministério. Claro que isso não vai ser feito, ou não vai ser construído, ou não vai trazer uma efetivação de uma forma tão rápida, não é em curto prazo, mas a gente vem nesse momento insistindo pra que não corra o risco de falarem que a gente tem transversalidade de gênero, raça e etnia na fala, e que isso não seja uma construção efetiva nas políticas públicas, sobretudo para as mulheres. B om, nesse sentido pegando um pouquinho dessa questão de estar trabalhando com a perspectiva de garantia dessa questão de transversalidade que fica às vezes muito mais no plano etéreo do que concreto, e a gente, pelo menos na unidade de prevenção, está se organizando para não deixar que essas questões de gênero, prefiro chamar problemas de gênero ocasionado pelas representações de gênero, fiquem no genérico. Então estamos tentando em nossas discussões, nomear esses problemas, que é claro, se corporificam de uma forma diferente na mulher que tem orientação heterossexual, na mulher que tem orientação homossexual, enfim, ela repercute de uma forma diferente, mas a gente identifica que o problema, ele centra no que a Regina acabou de discutir conosco, que é essa construção social, baseada em representações sociais de sexualidade, sexualidade feminina, sexualidade masculina, e como o tempo inteiro elas são reativadas. Neste momento, por exemplo, a gente está tendo problemas tanto em relação às mulheres na sua heterossexualidade, como também problemas de crimes homofóbicos, enfim, tem um acirramento dos preconceitos e da discriminação decorrente dessa estrutura heteronormativa, de gênero, que a Regina também nos colocou. Por exemplo, a gente está com problemas no Rio de Janeiro, a Associação de Moradores de Copacabana está fazendo um abaixo-assinado para impedir que a Parada se concentre em Copacabana, então agimos de um jeito, mas você tem outro, tem uma corrente que está vindo atropelando as ações que estamos implementando para remover essas barreiras. Nas mulheres, por exemplo, você estava falando da questão da heteronormatividade, a gente agora está revisitando um projeto de transmissão vertical, olhando o Programa, está realizando algumas ações de avaliação do Projeto Nascer, e percebemos que há uma baixa solicitação de exame HIV por parte dos médicos, baseado no simples fato, de que, a mulher chega e é casada, logo, não há a menor possibilidade de ela estar infectada pelo HIV e então não se pede. Há uma dificuldade geral para trabalhar, a gente tem várias formas dessas desigualdades aparecerem na efetivação do direito à saúde. Então estamos revisitando Programas e Projetos que tínhamos. 35


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Nesse sentido em 2003/2004, se eu não me engano, ensaiamos realizar uma ação voltada para mulheres lésbicas e bissexuais, ainda estávamos com a Lílian Rossi e no meio do tempo o próprio atropelo das formas equivocadas de se pensar na epidemia de Aids acabou atropelando o processo, e a ação acabou não acontecendo de frente. Então, como estamos revisitando os outros projetos do Programa, estamos retomando o projeto com lésbicas e bissexuais. Esse projeto está sendo construído conjuntamente com a Saúde da Mulher, com a Gestão Participativa, com Atenção Básica e, sobretudo com os pólos de educação permanente. Em dezembro, a Regina esteve conosco lá em Brasília, nós fizemos uma conversa com algumas lideranças, nós não estabelecemos para esta reunião representatividade política dos movimentos lésbicos, mas chamamos algumas lideranças que estiveram conosco em Brasília para pensar numa ação mais contundente no serviço de saúde para mulheres lésbicas e bissexuais. Chamamos essas pessoas, fizemos uma oficina, levantamos alguns problemas, a maioria deles já citado pela Regina em pesquisa, e pensamos em estruturar cinco projetos pilotos no Brasil, onde vamos visitar os estados, por sinal São Paulo vai ser o primeiro, já está marcado pra 24 de abril, para entendermos como está se dando este tipo de trabalho na Atenção Básica, se há ou não que fazer um mapeamento e daí começarmos a pensar na proposta de ação para cada um desses cinco pilotos. Ele é piloto porque a gente precisa ter o início de alguma coisa, ver quais são as necessidades reais que cada um desses cinco estados, dessas cinco localidades, nos traz para que a gente possa adequar isso a uma futura capacitação. Enfim, alguma coisa que possa resultar em uma ação efetiva em que a gente possa estar difundindo essa experiência para outros municípios, para outros serviços de saúde, outros estados enfim, que a gente possa estar implementando essa proposta que tem duas direções, uma que tem a ver com os profissionais de saúde, e aí a Regina acrescentaria junto também as meninas, as mulheres lésbicas e bissexuais, pois a gente necessita tanto desmistificar representações sociais que estão dentro do cotidiano do serviço de saúde, como também das mulheres, você trouxe uma série de dados aí de incorporação dessas representações de criação de verdade em cima da sua própria sexualidade, do seu próprio cuidado com o corpo, e também de outra maneira, cria uma descontinuidade desse diálogo que acaba resultando no distanciamento das mulheres lésbicas e bissexuais dos serviços de atenção à saúde. O outro eixo a que estamos trabalhando, é a questão do controle social, o Programa entrou em contato com a organização do SENALE e propôs que a gente tivesse uma linha de apoio pra formação de mulheres que estejam no contexto trabalhando, ou estejam no cenário para discutir formas mais efetiva de atuar no controle social. Inicialmente, essas duas linhas estão subsidiando a ação que vamos fazer para a questão das mulheres lésbicas e bissexuais. Uma das coisas que a gente tenta frisar no Programa é o entendimento que a gente tem de trabalhar em prevenção, ele é complexo, não tem uma visão restrita à epidemiologia da epidemia do HIV, acho que por mais que a gente olhe os números, a obrigação que sempre temos é de estar andando um pouco adiante e não correr atrás da epidemia, é o que fazemos há mais de 20 anos, então a gente trabalha muito com dois conceitos, o de promoção e o de prevenção, nesse caso, atuamos muito mais forte. Na área de promoção, a gente tenta também incluir não só ações que visam cobrir o que a Regina chama de fatores de risco, mas também atuar na forma de promover nas pessoas uma consciência maior, onde a saúde é um direito. Ainda é muito enraizado na cultura brasileira, que o SUS é um favor do Estado e não a formação de um direito, a possibilidade do exercício do direito. Eu queria colocar que, pessoalmente, gosto muito do sistema de saúde brasileiro, acho, porém, que realmente o que a gente tem hoje não é o SUS que se construiu na década de 80. No inicio da década de 80, ele nasce, é pensado e criado dentro de um contexto histórico muito especial no Brasil, mas logo em seguida sofre e vai ter que se readequar à política econômica que foi se construindo a partir de meados da década de 80, e isso traz prejuízos. Ainda acho que a proposta do Sistema Único de Saúde é uma forma democrática e o exercício pleno da democracia. Ainda acredito que a gente pode torná-lo mais próximo desse ideal, de ser um sistema que pudesse realmente dar conta de toda a população brasileira, com acesso universal ao tratamento, a cuidados integrais, equânimes e tudo aquilo que a gente pensou. 36


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Em um momento em que estamos necessitando discutir o contexto social mais amplo, acredito nisso e acho que a Regina destaca bem, a epidemia de Aids corporifica, mas concretiza mais a necessidade da gente correr atrás desse Sistema Único, que retomá-lo do inicio, quando ele foi pensado, pode estar nos ajudando realmente a concretizá-lo desse jeito. Quando a gente leva a perspectiva de incluir a discussão de outros direitos que não os direitos da saúde, mas sim tentar entender que esse direito da saúde vem vinculado ao exercício de tantos outros, ele faz com que a gente lute, na verdade, por essa coisa que a gente idealizou na retomada do processo democrático do Brasil. Acho que era isso que eu queria colocar em geral, não vou me estender porque eu acho que já são 13 horas. Eu me coloco à disposição, junto aqui com nossas parceiras de Mesa para esclarecer alguma coisa que for necessária. Obrigada.

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“A Eqüidade na Atenção à Saúde da Mulher" Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre Mulheres com Deficiência Dora Simões

E u quero pedir desculpas porque o vídeo veio errado, mas isso é o que a acontece na vida de quem não enxerga. A gente organiza de um jeito e alguém que enxerga vai e organiza de outro, mas tudo bem, não tem problema, isso acontece. Eu posso explicar, relatar pra vocês, como foi esse trabalho. Em 2001, na época eu era conselheira no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência e depois me tornei presidente do Conselho, nós criamos um grupo de trabalho para assuntos da mulher com deficiência, porque nós tínhamos denúncias, e muitos depoimentos de mulheres com deficiência que mostravam a dificuldade que encontravam no sistema de saúde quando procuravam um ginecologista ou tinham que fazer algum exame tipo uma mamografia ou o papanicolau. Tínhamos denúncia desde que o médico quis examiná-la na cadeira de rodas, até comentários do tipo: "Ah, você até que por ter uma deficiência é limpinha. O que você está fazendo aqui?". Elas iam fazer o exame de mamografia e tinham que ficar basicamente penduradas nos mamógrafos com um funcionário segurando-as pelos braços, porque não tinha um mamógrafo móvel, não tinha como se fazer esse exame de uma forma que não fosse tão dolorosa. E outras denúncias que agora no momento não me recordo. O vídeo vai fazer um pouco de falta, mas numa outra oportunidade a gente apresenta esse vídeo. E então nós resolvemos criar esse grupo de trabalho onde as mulheres tiraram como tema do primeiro seminário, a saúde da mulher com deficiência. E esse trabalho foi feito durante o ano de 2001, na Câmara Municipal de São Paulo, e de lá se tirou algumas diretrizes pra que a gente pudesse trabalhar com a saúde. Até os anos 80 as pessoas com de ficiência não tinham uma visibilidade, como tem hoje, geralmente eram os assistidos, os "inválidos" ou estavam em instituições ou a família, no objetivo de protegê-los, não deixavam que eles participassem das atividades, e eles não tinham como se colocar. E foi aí que apareceu o mito de que a pessoa com deficiência era assexuada, então não tinha o porque se investir nessa condição. Para que você fazer um material específico? Para que você informar a pessoa com deficiência se ela era assexuada? Quando estourou a questão do HIV, nós não tivemos, na época, um amparo ou um material específico, porque o entendimento de uma pessoa com deficiência é diferenciado do das pessoas que não têm uma deficiência. Os surdos passam muito por isso. Então nós tínhamos grandes dificuldades, até que em 89, o CRT me chamou pra transcrever um material em braile e lá nós pudemos constatar que o número de pessoas com deficiência, com HIV ou com DST, vinha crescendo muito. E quando nós retornamos ao movimento, ao segmento, nós tivemos essa constatação. Eles não sabiam muito bem do que se tratava, por conta disso, também não tinham nenhum cuidado ao se prevenir. Isso pra eles passou como uma informação que eles não conseguiram assimilar. Então a gente vem trabalhando todos esses anos no sentido de estar informando, formando e também sensibilizando os profissionais de saúde, porque o que nos atinge diretamente é a questão do acolhimento, da sensibilização. Hoje está muito melhor, nós tivemos, em parceria com programas de prevenção de DST/Aids, a Cristina acompanhou isso e encabeçou pela Secretaria, um curso de informação em DST/Aids para multiplicadoras para 42 mulheres com deficiência que, até hoje, utilizam esse material nas suas regiões, divulgando e trabalhando essa questão de prevenção para o segmento de pessoas com deficiência.

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O CTA de São Vicente fez um material bárbaro de prevenção com a língua brasileira de sinais. Tem a parte toda escrita, e ao lado vem um casal de surdos fazendo a interpretação daquilo que está escrito. Nós entendemos que é uma forma do segmento conseguir alcançar essa falta de entendimento que há. Aí percebemos que se tinha muito pouco material em braile para os deficientes visuais, e a Cristina fez o material de prevenção em braile, e nós utilizamos esse material até hoje. A Dorina Nowill, junto com o Albert Einstein, também fez um material que nós estamos utilizando.

E os profissionais que estão lá na ponta? A gente sabe que os erros acontecem, não é por falta de vontade, às vezes é por falta de conhecimento. Então chega uma pessoa, uma mulher com deficiência, que nem no meu caso, eu sou mulher, tenho uma deficiência e sou lésbica, eu chego para um atendimento ginecológico e vou conversar com o ginecologista pra explicar qual é a minha orientação sexual. Eu estive no ginecologista há uns três meses e ele "engoliu um pato". Quando eu entrei, ele já falou: "Oi, você veio procurar alguém?” - "Não, eu vim passar no médico". - "Ah!" Aí sentei e estou conversando com ele: - "Há quanto tempo você não faz exame?" - "Há muito tempo". E expliquei pra ele: - "Olha eu sou lésbica, vim fazer o exame, já estou com 42 anos e quero fazer os exames direitinho, fazer um acompanhamento." Ele ficou mudo e eu não sabia se ele tinha saído ou se estava na sala. Isso acontece muito com a gente. Melhorou, mas ainda acontece muito e a gente não quer que aconteça. É uma mulher, tem uma deficiência e tem o direito a ter sua livre orientação sexual, seja ela heterossexual, bissexual ou lésbica. Mesmo na realidade dos rapazes, você tem que encontrar um acolhimento lá na ponta, porque senão a pessoa vai uma vez e não volta. E assim não se cuida, não se previne. A par tir dos anos 80, começamos a nos organizar em entidades, organizações, movimentos, e aí começamos a ter mais visibilidade. Hoje em dia você vê a pessoa com deficiência falando da vivência da titularidade de direito e o que passa o segmento, há anos atrás você via um técnico profissional falando. Porque nós lutamos pela questão da visibilidade. Nós temos condições de ir aos locais, de falar, explicar qual é a problemática e qual é a necessidade da pessoa com deficiência. Nós queremos um atendimento diferenciado? Sim, no sentido do acolhimento, não no sentido da política pública, porque a partir do momento que você respeita a especificidade, você está tratando a pessoa com dignidade, com respeito. Então não há necessidade de se criar um sistema novo para atender a mulher com deficiência, ou a pessoa com deficiência em geral, mas sim de ter a sensibilidade de saber que do outro lado tem uma pessoa, que ela talvez não tenha o mesmo entendimento, mas que ela precisa ser atendida. Nós criamos um grupo de trabalho de prevenção e cuidados e apoio em DST/Aids no Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, porque eu não sei se por conta da minha orientação sexual, quando eu fui presidente do Conselho houve um grande número de procura de gays, lésbicas, bissexuais e travestis com deficiência. E eles já chegaram de uma forma que, talvez se tivessem tido a oportunidade de um entendimento melhor ao se prevenir, talvez não tivessem chegado naquela condição, sem atendimento, já infectados, sem condições de entendimento. Um surdo me procurou, ele foi ao CTA e fez os exames e quando voltou, a garota que o atendeu lhe deu um papelzinho, onde estava escrito que ele era soropositivo, e ele não sabia o que era aquilo. E ela também não tinha como explicar, porque não conhecia a língua brasileira de sinais, o que é uma falha muito grande no sistema de saúde. Você não tem nos postos, não tem nas UBS, não tem no CTA, uma pessoa que conheça a língua brasileira de sinais. Eu exemplifico muito com os surdos porque eles sofrem mais por causa do entendimento. A linguagem pra eles é primordial naquilo que eles têm como forma de comunicação. Com um deficiente visual, você conversa, com um deficiente físico você conversa, mas o surdo, se ele não for alfabetizado, aí complica um pouco mais. Enfim, ela tentou escrever, falou, chamou algumas pessoas, e ele saiu de lá, sabendo que ele tinha essa condição, atravessou a rua e se jogou do Viaduto do Chá.


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É muito mais tranqüilo você falar do amor do que da dor, mas a gente ainda está falando da dor, porque essas coisas são muito recentes. Há muitas pessoas com deficiência, sem tratamento, sem medicação, sem cuidados. Porque eles entendem o quê? Bom, já que eu estou assim, que se dane o mundo, eu não quero nem saber. E você tem que fazer um trabalho de desconstrução e construção ao mesmo tempo com os profissionais de saúde e com a própria pessoa com deficiência. Fala-se tanto de Aids, tem tanta propaganda, tem tanto material, as pessoas falam tanto, e as pessoas com deficiência não conseguem entender? Não conseguem. Quando nós fizemos esse curso de multiplicadoras, ainda tínhamos mulheres que perguntavam: "Se eu cumprimentar a pessoa eu vou pegar?" Quer dizer, o desentendimento, o desconhecimento é total. Melhorou? Deu uma melhorada, mas está muito longe do que a gente quer. Acredito que a gente precise retomar esse trabalho de sensibilização que foi feito em 2001, 2002 e 2003 com os profissionais de saúde no sentido do acolhimento e do entendimento, e continuar lutando pra que a gente tenha lá na ponta, o atendimento digno, com respeito, para que uma mulher com deficiência que chegue ao ginecologista não passe esse tipo de situação e quando um rapaz também chegar para um tratamento ou para um atendimento, também não passe por esse tipo de situação, porque isso afasta o segmento do atendimento. Eu acredito que é uma rua de duas mãos, tanto o próprio segmento precisa mostrar e ter a aparição no sentido do que é necessário, como o profissional de saúde que está lá para atender o munícipe, tem que ter a sensibilidade de perceber que está tratando com uma pessoa e que precisa dar uma atenção maior, porque ela tem um entendimento diferente. A partir do momento, quando a gente conseguir ver o ser humano antes do limite da deficiência, a gente consegue melhorar esse padrão de atendimento, consegue melhorar a questão do material de prevenção. Essa iniciativa do CTA de São Vicente foi ótima. O material, que está para chegar agora em São Paulo, tem que ser reproduzido, para ter nas unidades, nos CTA, distribuir para as ONG e ter uma boa divulgação para esse material, e continuarmos nessa luta para a melhoria do atendimento. É uma pena não ter vindo o vídeo correto porque vocês entenderiam melhor o que eu estou falando. O vídeo tem depoimentos de mulheres deficientes e os casos que elas passaram, como foi, como não foi. Você chega ao cúmulo de ter uma mulher com deficiência que procura um posto para fazer um pré-natal e ao chegar no ginecologista ele sugere que, por ela ter uma deficiência, não queria fazer um aborto. São coisas absurdas tanto para nós, que trabalhamos com deficiência, como para vocês que trabalham com a saúde. Ele foi muito infeliz nessa colocação, mas não podemos generalizar, temos atendimentos ótimos. Temos pessoas com vontade, como o Programa de DST/Aids, a Mirna, que acompanhou um pouco esse processo no início porque que eu tive um afastamento, tive dois enfartos no ano passado e tive que me afastar e esse trabalho acabou parando um pouco, mas agora a gente vai retomar e eu gostaria de contar com o entendimento e o apoio de todos vocês, porque como eu digo, não é uma rua de mão única. Nós precisamos trabalhar juntos e juntas, para que possamos ter um avanço na questão do atendimento, da política pública e do material para pessoa com deficiência. E u quero agradecer a oportunidade de estar aqui e estou à disposição se vocês tiverem alguma dúvida. Obrigada.

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"A Equidade na Atenção à Saúde da Mulher" Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre Mulheres com Deficiência Marta Gil Boa tarde. Gostaria de agradecer muito à Cristina Abbate e a equipe da Área Técnica de DST/Aids por este convite bárbaro.Estou aprendendo muito, passei a manhã aprendendo muito aqui com vocês.Estou me sentindo em companhia de uma confraria de "fantasmas amigos", porque eu achava que só a pessoa com deficiência que era invisível, e começo a ver que há muitos outros segmentos sociais que também são "invisíveis" aos olhos da sociedade. Gostaria de me apresentar, eu coordeno* um projeto na USP que chama Rede Saci. Muitas pessoas perguntam se é uma sigla, respondo que é o Saci Pererê mesmo. O projeto trabalha com o tema da diversidade e nós escolhemos a figura do Saci para ser o símbolo do nosso trabalho, porque ele simboliza a diversidade. O nome "Saci Pererê" é formado por palavras indígenas, ele é negro e aquele gorrinho vermelho que ele possui é mágico e tem uma origem portuguesa; então, o Saci simboliza as três culturas, as três etnias que deram origem ao Brasil: índios, negros e brancos. Além disso, o Saci tem uma deficiência, que não o impede de fazer nada: ele é alegre e malandro, vai a todos os lugares, muitas vezes fazendo estripulias. Ao adotar esta figura como nosso símbolo, indicamos que trabalhamos a questão da Deficiência indicando que esta é uma condição que não impede que as pessoas tenham situações de alegria e também de que a vida é possível. A informação e a tecnologia são grandes aliadas da pessoa com deficiência. O Saci da lenda viaja no redemoinho; o "nosso" Saci viaja na Internet. Quando há um redemoinho, tudo sai do lugar, tudo muda. Quando a informação chega tudo muda, pois a informação tem este poder. Eu estava prestando muita atenção às falas de manhã, que mostraram como a questão da informação perpassa todas as situações (lésbicas, negras, idosas) e como a necessidade da informação e da comunicação está presente para todas. Eu falo sobre informação e comunicação, porque não adianta nada ter informação se ela não for comunicada. Este é o trabalho da Rede SACI, Informação e Comunicação sobre deficiência, mas não é isto que nós iremos falar hoje. Para dar uma noção a vocês, quando nós falamos de pessoas com deficiências, de quem que nós estamos falando? Nós estamos falando de vinte e quatro e quinhentos milhões de brasileiros, segundo o Censo Demográfico do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2000, que são pessoas que têm algum tipo de deficiência ou de incapacidade, o que significa 15% da população total. Isto não é uma minoria: quase 15% da população total não nos permite dizer que é uma minoria. São "invisíveis", muitos deles porque a sociedade não dá condições de acesso, como Dora Simões, aqui presente, pode falar muito melhor que eu. A cidade tem calçadas terríveis, não há quase transportes adaptados, tudo é muito difícil. A pessoa tem que ser corajosa (ou um pouco "louca") para sair de casa. E ste número representa uma média nacional, o que significa que há Estados como Santa Catarina, onde a qualidade de vida é melhor, as condições de saúde são melhores e, portanto, essa proporção é menor. Há locais onde que é maior. Neste cenário nós temos os dados do relatório da UNAIDS, uma organização ligada à ONU, que dizem que quase cinco milhões de pessoas contraíram o HIV em 2005; se somarmos todas as pessoas que já foram infectadas, estamos falando que são mais de quarenta milhões de pessoas infectadas. 41


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Sabemos que já se passaram mais de 20 anos do começo desta epidemia e o grau de informação das pessoas ainda é assustadoramente baixo. Como a Dora Simões acabou de falar, no caso da população de pessoas com deficiência que têm baixíssimo acesso aos programas, esta situação é ainda mais grave. A incidência de HIV e AIDS entre as pessoas com deficiência é muito pouca conhecida, não só no Brasil, mas mesmo em outros países, Estados Unidos, Europa existem poucos dados.Nós temos uma falta muito grande de estudos, de pesquisas; as ações de informação e prevenção são esporádicas, o que também é um problema. Sabemos que prevenção e informação têm que ser contínuas, não é uma campanha que muda a situação. As campanhas são esporádicas e muitas vezes elas são pontuais, então acontece em Salvador, mas não acontece no interior da Bahia, por exemplo. Há cidades que fazem materiais muito bons, como São Vicente, que fez um material de prevenção para surdos, usando Libras, que é muito bom. Mas, infelizmente, aconteceu apenas nesta cidade. Atualmente nós estamos falando mais sobre a vida sexual da pessoa com deficiência, e como este assunto está mais visível, isto aponta que há uma necessidade de informação e de acompanhamento especializado para vivenciar esta sexualidade de uma forma bacana, saudável, com segurança. Se somarmos a falta de informações mais as condições de vulnerabilidade do segmento de pessoas com deficiência, o resultado é um só, infelizmente: podemos prever um aumento do número de casos de DST e de HIV AIDS. Não tem jeito de ser diferente infelizmente. Esta é uma combinação indigesta, não é uma combinação boa. Trouxe um texto um pouco longo, que vou ler, de uma antropóloga americana que chama Norah Groce, que é de Yale, uma universidade importante dos Estados Unidos, e está estudando a questão da sexualidade das pessoas com deficiência, especialmente quanto à incidência do HIV e AIDS, em vários países do mundo. E ela confirma exatamente o que nós estamos falando: muito pouco é conhecido sobre a incidência desta doença entre as pessoas com deficiência, sobre a qual apenas alguns estudos foram publicados. Então, é como se nós tivéssemos pedaços de mosaicos, mas não conseguimos fazer um quadro completo: há pedacinhos aqui e ali. Ela diz que a maior parte dos estudos que conhece é feita na América do Norte; um levantamento feito nos Estados Unidos mostra que o índice do HIV/AIDS entre os surdos representa o dobro do índice para pessoas da população com audição normal. Isso reforça o que Dora Simões disse, na medida em que a maior parte dos surdos se comunica com língua de sinais, eles não entendem a comunicação em português. O Ministério da Saúde muitas vezes faz campanhas que não chegam até eles, é como se estivessem falando em chinês, coreano, pois os surdos não entendem. Uma pesquisadora fez estudos na Uganda e constatou que 38% das mulheres e 35% dos homens com deficiência relataram que tiveram pelo menos uma DST em algum momento de suas vidas. Ela usou isto como indicador para uma possível exposição ao HIV, o que significa uma aproximação, uma estimativa, porque faltam estudos estatísticos. Por que nós falamos que as pessoas com deficiência apresentam um risco, uma vulnerabilidade maior que as outras pessoas? Em primeiro lugar pela situação de pobreza em que

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No caso de abuso sexual, de estupro que muitas vezes não são reportados, há uma incidência muita alta nas pessoas com deficiência. Para citar um exemplo, há um caso de uma moça que é surda profunda e que sofreu abuso sexual por seu pai desde pequena. Ela está processando o pai e o advogado dele está usando o argumento que ela é louca, porque é surda e não sabe o que está dizendo. Imaginem que absurdo! Se os casos de violência sexual e de abuso em geral não são denunciados, imaginem então quando acontecem com pessoas com deficiência... As campanhas e o material educativo ou são inexistentes ou ele existem, são feitos esporadicamente e não atingem o universo das pessoas com deficiência. Isso significa que estas pessoas muitas vezes não conhecem o risco que correm e nem as medidas de prevenção que deveriam adotar. Ainda não mencionamos, neste evento, as pessoas com deficiência mental, que precisam de materiais e campanhas que utilizem um vocabulário muito concreto. Por exemplo: se eu disser "sexo seguro", ela não irão me entender, porque isso é uma coisa abstrata. Elas vão pensar: "O que é sexo seguro, eu entendo sexo com homem, sexo com mulher, mas sexo seguro, este negócio aí eu não sei". Então, muitas vezes elas não conseguem entender o risco e, obviamente, não vão tomar nenhuma medida de prevenção. Nós não temos políticas publicas, aqui no Brasil, que abordem este tema. Há, ainda, um outro fator, a questão da auto-estima, que não é exclusiva das mulheres com deficiência, mas que também as afeta. Nós sabemos que, muitas vezes, é difícil para a mulher negociar com o parceiro o uso da camisinha. E no caso de uma mulher com deficiência? Muitas vezes, ela vai pensar: "Eu consegui este cara, ou é este ou não é ninguém, e eu não vou botar nenhuma condição, porque aí ele não vai querer". Quando uma pessoa com deficiência consegue ser correspondida em seu desejo, ela teme fazer qualquer exigência. Outra questão é o fato das pessoas com deficiência serem consideradas "eternas crianças". As famílias têm muita dificuldade para perceber, para aceitar, para olhar que aquele filho não é mais uma criança, que tem impulsos sexuais, que os hormônios funcionam tão bem como o de qualquer outro jovem. O profissional especializado muitas vezes também não sabe lidar com isto, as campanhas de informação muitas vezes nem tratam desse assunto. Então, fica um silêncio, por falta de informação de todos os envolvidos. Eu tive esta experiência recentemente: falando com um jornalista, ele me disse que nunca havia pensado que cego transava... E stes fatores de vulnerabilidade são os mesmos, para as pessoas com e sem deficiência. Nós estamos falando de gente, de ser humano; alguns podem ter uma característica diferente dos outros, mas temos a mesma natureza e precisamos tomar os mesmos cuidados. Também trouxe para vocês uma citação da Ana Rita de Paula, que é psicóloga e cadeirante, e acabou de publicar um livro muito legal com mais duas outras autoras sobre sexualidade e deficiência. Ela diz que erotismo e deficiência são termos que parecem não combinar para as pessoas com deficiência, o que não corresponde à realidade. A sociedade cultiva a imagem de um corpo idealizado, basta olharmos para uma banca de jornal e ver aquelas mulheres perfeitas, ou seja, há uma pressão da sociedade, e Ana Rita alerta para o fato de que não se pode responsabilizar uma pessoa com deficiência dizendo que ela não se aceita, a sexualidade significa também o modo como nos enxergam.

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Como é que nós explicamos esta situação, que estamos pincelando rapidamente? Levantamos algumas hipóteses: muitas vezes, as pessoas com deficiência Não representam uma população de vulnerabilidade para o Poder Público, para os formuladores de políticas públicas, para os profissionais de instituições especializadas porque eles acham que não são sexualmente ativas, que não usam drogas, que são "inocentes", "crianças", que são menos suscetíveis à violência sexual e ao estupro. Estes são mitos, não correspondem à realidade. Mas, por pensarem assim, estes profissionais não tomam as medidas adequadas, não falam sobre estes assuntos. As campanhas educativas e os materiais informativos voltados para as pessoas com deficiência são poucos, são feitos esporadicamente, em poucas cidades e não se comunicam adequadamente com o seu público alvo. Se somarmos todos estes fatores, veremos que explicam a situação atual, marcada pelo aumento do número de casos de HIV/Aids entre as pessoas com deficiência. Também precisamos lembrar que os postos de saúde, a maioria deles, não tem condições de acessibilidade; muitas vezes as pessoas com deficiência nem conseguem entrar no posto.Muitas vezes, também, o pessoal da área da Saúde não recebeu capacitação para receber as pessoas com deficiência e não sabem o que devem fazer. Programas de educação sexual para pessoas com deficiência, então... nem pensar. O resultado é a ausência de programas de prevenção, de orientação e de tratamento.Outra dificuldade é que, para muitos profissionais ou para familiares, é difícil conversar sobre sexo com seus filhos, tenham ou não uma deficiência. Em São Paulo, no ano passado, alguns profissionais desenvolveram o projeto PIPA, que trabalhou com jovens com Síndrome de Down, em rodas de conversa. O nome do projeto, PIPA, foi dado pelos próprios jovens, porque tinha um simbolismo, o da liberdade, de voar livre. Foi um projeto bárbaro! Quando começaram a trabalhar com os jovens com Síndrome de Down começaram a se dar conta que os profissionais e os pais também queriam participar, porque também sentiam vontade de conversar sobre este tema. Isso é muito natural. Quando a pessoa não está tranqüila e confortável com a sua própria sexualidade, se de repente seu filho Down vem e começa ou a se masturbar ou a fazer perguntas sobre sei lá o que, isso o incomoda mais ainda. No caso das pessoas com deficiência, ou talvez de outros segmentos sociais, muitas vezes as pessoas não têm uma orientação adequada; porém, têm hormônios da mesma forma que os outros. Se não recebem uma orientação adequada ou se as pessoas envolvidas com ela não lidam com isto de uma forma legal, provavelmente vai ser criada uma situação qualquer constrangedora, mas que revela que a família não sabia lidar com isto. Por tudo o que foi falado percebemos que está na hora da gente mudar esse cenário, e os atores responsáveis somos todos nós: o agente comunitário de saúde, que é como uma formiguinha que vai ao bairro e que conhece a família, tem contato com a família e tem sua confiança, profissionais da saúde, militantes do movimento social de AIDS nas comunidades, professores, pessoas com deficiência, familiares. E como é que é que nós podemos mudar isto? As respostas são várias: • Tendo acesso a informações atualizadas e adequadas; • Reconhecendo o direito ao exercício da sexualidade; • Influenciando políticas publicas, para ter acesso a preservativos, medicamentos E poder freqüentar postos de saúde.

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Há diversas iniciativas neste sentido, não precisamos começar do zero, e eu gostaria de falar aqui de uma iniciativa a que estou ligada, com apoio da Equipe de Deficiência e Desenvolvimento Inclusivo do Banco Mundial, coordenada por Rosangela Berman Bieler, uma brasileira, que tem tetraplegia e está trabalhando no Banco há alguns anos. O Banco Mundial tem financiado algumas pesquisas, dentre elas uma sobre jovens com deficiência mental, coordenada pela professora Rosana Glat, da UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sobre saúde sexual, deficiência e juventude em risco. Ela pesquisou adolescentes, pais e profissionais. A Dra. Norah Groce, que mencionei agora pouco, tem feito recomendações para políticas publicas e levantamento de dados em diferentes países. E u tenho a honra de trabalhar junto com outros parceiros: a APTA - Associação para Prevenção e Tratamento da AIDS, que realizou o projeto PIPA; o CEDAPS - Centro de Promoção da Saúde, uma ONG do Rio de Janeiro, a FUNLAR - RIO / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e com um consultor, o Sergio Meresman, que é um psicólogo social que trabalha na questão da saúde Nossa intenção é que o material que nós estamos produzindo seja divulgado no Brasil e depois seja adaptado para a América Latina. Não é simplesmente uma questão de traduzir, porque cada país da América Latina é muito diferente. Nós estamos fazendo um texto para publicação, que já gerou alguns artigos e estamos fazendo um kit de materiais informacionais para diferentes tipos de deficiência. Estamos desenvolvendo protótipos e conversando com as Áreas Técnicas de DST/Aids e da Saúde da Pessoa com Deficiência, na Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo e também com outros parceiros. Isto é só o começo, mas queremos cada vez mais partilhar e juntar forças. Em conjunto com as Áreas Técnicas, começamos a conversar como é o cenário na cidade de São Paulo, como podemos chegar mais perto desta realidade para conhecê-la, como é que a gente trabalha esta questão da incidência do HIV/AIDS entre as pessoas com deficiência. Esta é uma questão de muita amplitude e nós queremos começar a pensar, para chegar perto deste universo, que é ainda tão desconhecido. Estou certa que esta parceria trará bons resultados para todos. Obrigada.

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"A Equidade na Atenção à Saúde da Mulher" Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre Mulheres com Deficiência Marta Gil

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"A Equidade na Atenção à Saúde da Mulher" Atenção à Saúde e Prevenção às DST/Aids entre Mulheres com Deficiência Marta Gil

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"A Equidade na Atenção à Saúde da Mulher" Atenção a saúde e prevenção às DST AIDS entre as mulheres idosas Marília Anselmo Viana da Silva Berzins

Gostaria inicialmente de agradecer a Cristina Abbate e a Damares que, gentilmente, nos convidou para participar deste evento que, sem dúvida alguma, é de grande importância para a saúde pública. Eu me senti muito à vontade nesta mesa nas colocações das colegas que me antecederam porque é assim mesmo que as pessoas idosas se sentem. Infelizmente, os idosos ainda não estão incluídos em vários lugares da vida social. Vamos chamar atenção nestes próximos momentos sobre Mulher Idosa e Aids. Vocês estão vendo alguns modelos de velhice nestes slides que estou apresentando. Estas imagens nos chamam à atenção para o fato de que nós não envelhecemos de forma igual. Cada sujeito tem a sua própria velhice. Dependendo do lugar social que eu estou, da cor que eu tenho, da conta bancária, do meu sexo, eu terei uma velhice diferente dos outros sujeitos. Isso nos faz concluir que o envelhecimento é em primeiro lugar um destino social e depois ele vem a ser uma transformação funcional ou biológica. Iniciamos afirmando a defesa que temos feito: envelhecer com dignidade é um direto humano fundamental. Muitos esforços foram feitos para que nós vivêssemos mais. A Organização das Nações Unidas declarou no ano de 2004 que o envelhecimento humano foi a maior conquista e triunfo da humanidade no último século. Muitos esforços foram feitos para que vivêssemos mais. Por exemplo, na Roma antiga, a expectativa de vida era de 33 anos. No Brasil, no ano de 1950, a expectativa de vida dos brasileiros naquela época era de 50 anos. Vocês verão daqui a pouco até onde nós já chegamos. Ganhamos anos de vida e isso não foi por acaso. Foi um grande investimento da humanidade, da saúde pública e da tecnologia nesse sentido. O grande desafio hoje é dar dignidade ao envelhecimento. É nesse sentido que temos investido muitos esforços. No Brasil são consideradas idosas as pessoas que tem idade igual ou superior a 60 anos segundo o critério definido pela ONU. Nos países desenvolvidos, a idade de corte é 65 anos. Isto já mostra exatamente esta diferença. No Brasil, nós temos um contingente populacional hoje de 18 milhões de pessoas maiores de 60 anos, representando quase 10% da população brasileira. Eu trago aqui uma citação da Pérola Braga que resume um pouco isto. "Cada existência humana é única; cada homem envelhece de uma maneira particular, uns saudáveis, outros não. Não há velhice e sim velhices, o envelhecimento deve ser considerado um processo tipicamente individual, existencial e subjetivo, cujas conseqüências ocorrem de formas diversas em cada sujeito. Cada indivíduo tem um tempo próprio para se sentir velho". E aqui estão algumas pessoas, alguns exemplos de velhice que são pertencentes à vida social pública. Todos nós aqui lembramos de quem é esta pessoa? Quem é? É o nosso vicepresidente, José de Alencar, que é uma pessoa do ponto de vista já cronológico considerado idoso, assim como estes sujeitos anônimos aqui. Esta senhora fez parte do meu projeto de pesquisa, eu a atendi, é Dona Mafalda, que morava ali na região do Jabaquara. Uma pessoa que vivia sozinha e juntava bichos em sua casa, esta era a velhice da Dona Mafalda. Cada sujeito envelhece de maneira particular. S e olharmos para o José de Alencar, nós veremos que há muitas diferenças. É sobre esta perspectiva que a gente tem que pensar em envelhecimento. Nós não podemos dizer, o envelhecimento, mas sim diversos envelhecimentos e sobre esta perspectiva que eu chamo mais à atenção de vocês. O envelhecimento não é homogêneo. Não podemos afirmar que todos os idosos são iguais. Resumindo cada sujeito tem a sua velhice singular. Portanto elas são incontáveis.

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O B rasil era chamado de um "país jovem". Já estamos mudando esse perfil e com a transformação demográfica que estamos passando, podemos dizer que o Brasil é um país de cabelos brancos. Espera-se que no ano 2002 o Brasil tenha um contingente de 32 milhões de idosos e idosas. Manter ou não os cabelos brancos é uma escolha de cada um. Não é este o tema da nossa discussão no momento. O que chamo à atenção é para as transformações biológicas que sofremos em decorrência do nosso processo de envelhecimento Mas na verdade, nós não podemos esquecer que o Brasil não tem mais aquele perfil de um país jovem. Infelizmente, nós ainda temos políticas para um país jovem e não temos dado conta das necessidades de um país que envelhece e que precisa ter as necessidades dos mais velhos contempladas nas políticas públicas. Esperamos um contingente populacional muito grande. Envelhecer deve ser entendido como uma fase natural e normal da vida. Se a gente não envelhecer é porque acontecerá algum problema na nossa vida que vai nos levar antes de chegarmos lá. E esperamos que isso não ocorra. Envelhecemos conforme vivemos. Vamos fazer esforços para que pelo menos a gente chegue aos 60 anos, que isto é o normal da vida. A e xpectativa de vida do brasileiro, hoje é de 71,7 anos segundo a PNAD . A expectativa difere por sexo: a das mulheres é de 75,4 e a dos homens é de 67,9. Percebemos aqui uma vantagem das mulheres em relação aos homens. Nós vivemos em média quase oito anos a mais do que os homens. Entretanto, isto não é condição linear de vivermos melhor do que os homens. A velhice se diferencia também na questão do gênero. Se vocês visitarem uma instituição de longa permanência para idosos, verão que o sexo predominante é o feminino. Na violência contra a pessoa idosa, as maiores vítimas são as mulheres. Ficamos viúvas mais do que os homens. 45% das mulheres idosas são viúvas. Com estes exemplos queremos dizer que quantidade não representa necessariamente qualidade. Um processo muito freqüente no envelhecimento que nós temos denominado é a "feminização do envelhecimento" . Basta olhar para os grupos de idosos ou de terceira idade. O que se observa é uma grande prevalência de mulheres. Nós vamos ver alguns dados que vem dizer um pouco sobre isto. Aqui nós não vamos trabalhar com todas, é só pra localizar que nós somos 18 milhões de brasileiros maiores de 60 anos. No município de São Paulo são quase um milhão e setenta mil e estes dados são de 2004. Em 2005 nós já podemos dizer que nós temos um milhão e 80 mil idosos no nosso município. Vejam, 58,6% são mulheres quase 60% do envelhecimento composto de mulheres e quanto mais velha for a faixa etária, maior será a concentração de mulheres. Na faixa etária de idade igual ou superior a 80 anos, em alguns lugares da nossa cidade chega quase 80% de mulheres. Esse é um fenômeno que tem acontecido, que tem chamado atenção. O que acontece nos grupos e encontros sociais de idosos, como os bailes, por exemplo, o que vemos com muita freqüência é mulher dançando com mulher porque não tem homem suficiente. Faltam os parceiros masculinos. É sobre este aspecto que quero chamar a atenção sobre Aids porque alguns valores culturais na nossa sociedade determinam que a mulher tem que ser esposa, mãe, dona de casa e cuidadosa, a vinculação da sexualidade apenas à reprodução, negação do prazer à mulher. O climatério é considerado como uma época em que os sonhos acabam. Para muitas mulheres a menopausa significa apenas a etapa da vida em que cessou o período da fertilidade e, portanto, a impossibilidade de ter filhos, associada à diminuição da libido, medo de desequilíbrio emocional e uma sinalização do envelhecimento. É mais ou menos isso que as mulheres sentem quando se deparam com a menopausa: "Eu estou velha, eu estou acabada". É isso que as assusta. Esta situação é diferente para os homens. Observamos que são determinantes culturais e sociais. Vejamos por exemplo no casamento. Quando o homem fica viúvo ele se casa novamente. As mulheres que enviuvaram não se casam novamente. Dois valores determinam: um porque os homens que estão na mesma faixa etária não se casam com elas. Eles querem casar com mulheres mais novas. Outro aspecto é o fato das mulheres não quererem casar-se mais. 49


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Nossas mulheres idosas hoje vêm de um tempo que ela casavam-se para ser dona e para "servir aos seus maridos", anulando seus investimentos pessoais. Muitas usam esta expressão, servir aos seus maridos. Bem, a viuvez para elas é o tempo da liberdade. O marido que ela amava e gostava muito, morreu e muitas delas dão "graças a Deus". Hoje, estas mulheres estão em busca de um novo tempo. A viuvez para elas representa o tempo da oportunidade, o tempo do recomeço. É o tempo da liberdade e elas se apropriam e dizem que: "agora quem manda na minha vida sou eu". Vejam, esta cena de um homem idoso moderno acompanhado de uma jovem. Este é o objeto de desejo do masculino: casar com uma moça mais jovem. Até porque é sinal de poder pra ele, "eu posso", por isto que ele não escolhe uma mulher mais velha, e muitos deles dizem brincando, "eu troco uma de 50 por duas de 25". É este o cenário que a gente tem visto por aí. Trata-se de um antagonismo na nossa sociedade quanto à sexualidade. Aos jovens é normal nesta faixa etária ter sexualidade exercida. Não tem nada de errado. Já na população idosa há um mito bastante forte que associa envelhecimento com ausência de sexualidade. Circulou uma propaganda de uma margarina há um tempo atrás, se não me engano, na qual família ao abrir a porta do quarto pegava a mãe que estava com o namorado na cama, e ela falou assim: "Não estamos fazendo nada, só estamos conversando", como se fosse uma proibição ter essa oportunidade de ter o direito a sua sexualidade. É este o conceito que passa pela pessoa portadora de deficiente também é muito freqüente no idoso, ele não tem sexo, idoso ele é assexuado. Passo para vocês agora as provocações: "amar na velhice, é não deixar a peteca cair". Esses valores são extremamente presentes, são mitos, e vocês me permitam na seqüência eu trouxe alguns slides que eu recebi pela internet que circulam muito pela rede: "Triste é se sentir se velho", este é a imagem que nós temos do envelhecimento do ponto de vista da sexualidade, que pode passar. Como usar uma camisinha depois dos 50 anos? (slide, risos). São esses os valores presentes que nos remetem a uma questão muito importante. Por que ninguém quer ficar velho? Se eu perguntasse se alguém quer morrer amanhã, certamente nós não encontraríamos uma resposta positiva. Mas se eu perguntasse: Você quer ficar velho? Bem, viver muito a gente quer, mas ficar velho, nós não queremos. Porque o envelhecimento está atribuído hoje a valores extremamente negativos. Ninguém quer ficar velho acabado, velho inútil, velho esclerosado ou ranzinza; velho doente, que não tem valor, pé-na-cova, são todos esses valores que tem sido atribuídos ao envelhecimento e faz com que as pessoas não queiram ser velhas. O nosso padrão de beleza é a juventude, alguém falou agora que me precedeu dizendo das revistas. Não temos uma revista que apareça uma pessoa idosa na capa. Isso não vende porque o padrão de beleza é dado pelo novo e belo. Vende a Gisele que é um modelo de beleza vigente e que não coincide com o perfil da mulher brasileira. Nós não somos brancos, nós somos bastante miscigenados, nem tão magras quanto ela. Não é isso. Então gente, pensando sobre isso não é o corpo do velho principalmente da mulher velha se tornou vergonha e indigno por representar, sobretudo a feiúra, a proximidade da morte. Esse slide mostra a Tônia Carrero. Eu não me lembro aqui se ela estava com 80 anos ou mais. Ela disse isso: "certa vez ouvi uma frase perfeita: A velhice é uma prova que o inferno existe". Do ponto de vista da Tônia Carrero velhice é um processo doloroso e infeliz. Porque ela lutou com este processo que é dado com esta imagem de envelhecimento que a sociedade exige e ela é uma pessoa pública. Por outro lado, a gente olha Fernanda Montenegro, que já disse que as rugas são o sinal do tempo da existência dela. São formas diferentes de ver e sentir a velhice. Portanto, cada sujeito tem a sua própria velhice e as velhices são incontáveis. Francisco de Quevedo Villegas um romancista do século XVII afirma no livro da Simone de Beauvoir - A Velhice - que "a mulher velha é pavorosa, enrugada, ignóbil, com sua boca desguarnecida, buracos a guisa de molares, nariz beijando o queixo, seu hálito é fétido, é um saco de ossos, é a morte em pessoa". Estamos falando de uma percepção do Século XVII aonde as pessoas, não chegavam nem aos 60 anos. E aí para provocar, eu trago hoje, Fernanda Montenegro, que vem representar um novo envelhecimento, ela produz, ela é ativa, consagrada e esse também é o caminho que nós estamos indo hoje em busca de trazer um novo significado para esta velhice. Vejam este casal: amor, afeto, intimidade e fé elementos de valor fundamental na tessitura da vida. É nisso que a gente tem que buscar e onde temos que investir. 50


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Vou falar especificamente sobre Aids e envelhecimento nos últimos minutinhos que tenho e amarrar o que tem a ver com o que eu disse anteriormente. Mulheres idosas não têm Aids. Isso é mito! O idoso se vê como uma pessoa afastada da exposição ao vírus e sente-se pertencente a um grupo inatingível pela infecção do HIV. E neste universo que nós, profissionais da saúde e militantes tanto do envelhecimento quanto na saúde pública na Aids, precisamos de verdade quebrar esse mito porque as estatísticas que mostro em seguida apontam que este segmento etário está chamando à atenção do ponto de vista epidemiológico em função do grande número de casos notificados. Existem poucos estudos, que tratam do processo de envelhecimento das pessoas que vivem com HIV/Aids. Por quê? Porque ainda não é objeto de interesse de pesquisadores. Precisamos investir nos serviços que vocês desenvolvem para dar visibilidade a este perfil epidemiológico dos idosos com HIV/Aids. O envelhecimento é ainda um processo muito novo na vida social. As poucas pesquisas que já existem so bre este tema atribuíram ao aumento da incidência do HIV/Aids nos idosos a algumas dessas causas: • Tratamentos hormonais que tem dado a condição das mulheres e homens idosos a continuarem a ter atividade sexual; • Próteses que vem resolver os problemas das impotências e das disfunções; • Medicamentos, como o Viagra®, que sem dúvida alguma veio trazer a população idosa um benefício muito grande. Infelizmente, o prazer não está associado à prevenção. De uma forma geral, os idosos têm usufruído bastante do prazer que esses medicamentos, não só o Viagra®, mas todos os congêneres têm proporcionado, mas não tem vindo acompanhado da prevenção que amplia essa condição. Existe ainda uma grande falta de informação sobre a doença, preconceitos contra o uso de preservativos e ausência de ações preventivas para atendimento dessas pessoas idosas. Nós, profissionais de saúde, temos que nos apropriar desta informação e entender que o idoso é um ser que tem atividade. Há um crescimento importante da doença nos idosos, em ambos os sexos: hoje a proporção é de um homem para cada mulher. Segundo as estatísticas isso representa um crescimento de 600% para os homens e 800% para as mulheres nos 20 anos de historia da Aids. A Aids está também feminilizada no segmento idoso. A região sudeste e a região com maior números de casos da incidência, destacando-se São Paulo, Rio de Janeiro e Minas. Nesses estados então ha um grande número. Estudos apontam ainda que há dois grupos de idosos com HIV, um primeiro que está envelhecendo com HIV e isso é uma vitória, uma conquista, pois nós estamos prorrogando a vida daqueles que se contaminaram com 50, 45 anos e estão conseguindo chegar aos 60. Chamamos mais à atenção para o segundo grupo que é aquele formado por pessoas que contraíram vírus acima dos 60 anos. Esses idosos não se preveniram. As campanhas de prevenção que temos hoje estão focadas em adolescentes e jovens. Não me lembro de ter visto uma propaganda cujo público principal tenha sido os idosos. É muito comum aos idosos não usarem preservativos, pois o uso do preservativo está associado a mitos fortíssimos que precisam ser quebrados. Uma pesquisa realizada em Blumenau apontou que 87 % dos idosos disseram saber como se contamina, como se prevenir, mas não usam a informação na prática. Outro aspecto importante refere-se à reação das famílias quando descobrem que o parente idoso está com Aids. Chegam a extremos, por exemplo, espanto e preconceitos porque imaginam que os idosos não mantêm vida sexual ativa, além do diagnóstico, a dificuldade de falar isso, porque isso quer dizer que minha mãe, que meu pai é um ser que tem uma atividade sexual, então é um espanto, por parte da família, este assunto, não é? Outro mito presente para os idosos não usarem o preservativo refere-se às mulheres que não exigem que o companheiro use o preservativo. Elas estão no período pósmenopausa e, portanto, sem risco de engravidarem e acreditam que não é necessário o uso do preservativo, pois não está mais na fase reprodutiva.

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Neste slide eu quero chamar à atenção e já estou partindo para a conclusão. Uma pesquisa realizada no Instituto Emílio Ribas observou ainda mais um complicador, a demora do diagnóstico, na maioria dos casos a doença foi confundida com as outras devido aos preconceitos da equipe de saúde que não solicitou testes para a sorologia do HIV. Às vezes, nem passa pela cabeça do médico, que aquele idoso que apresenta uma pneumonia, uma infecção recorrente, não é porque é "normal da idade" como se esses sintomas fossem inerentes ao envelhecimento, assim como, a fragilidade que associa o envelhecimento à doença. A infecção depois de uma longa investigação, por exclusão das doenças atrasa, sobretudo, o tratamento. E eu termino com esses depoimentos que eu tirei do jornal Estado de São Paulo de maio de 2005, que fez uma reportagem sobre o aumento do HIV. Diz assim: "Essa é uma pessoa que contraiu o vírus. É uma senhora de 60 anos dizendo assim: "o médico me perguntou se foi transfusão de sangue, tudo bem, normal, teve uma doença, principalmente foi fazer um transplante, ele vai por aí, não acha que velho pega doença, minha filha então ficou muito revoltado comigo, eu namorei e achava que não precisava me cuidar porque estava velha, mas não vou me entregar a essa doença". Essa mesma senhora relata que tem um senhor de 93 anos que ficou sozinho depois do diagnóstico, a família o abandonou. E ainda uma senhora que foi espancada pelos filhos por causa da infecção, real isso aqui é depoimento da vida como ela é, não é a gente que esta criando uma situação para dizer. Outra senhora também enfrentou o espanto da família quando descobriu a doença após a morte do marido por HIV, meu filho falou: "mãe, eu nasci na época da Aids e me choca mais a senhora ser sexuada do que estar com a doença", conta ela. Uma outra senhora assim se expressou: "Nós somos da geração das mulheres que se casaram virgens, nós casamos com um príncipe encantado. Agora, descobrimos que ele transmitiu a doença para nós. E de repente nos vemos com HIV. É absolutamente cruel. Temos que redescobrir o prazer e aprender a usar camisinha. Mas é uma mudança social. Eu e meu marido vamos à farmácia comprar preservativo e os vendedores riem da gente, fazem brincadeiras ofensivas, uma coisa totalmente desnecessária.". Terminando, eu vou citar uma outra senhora idosa cujo nome é Corina Silva Santos, e são as palavras dela que eu gostaria que vocês levassem para casa: "A gente tem de falar e falar que a doença existe e qualquer um pode pegar. Não pode a esta altura da vida, com tudo isto que a gente passa, ainda ficar com vergonha e desistir, tem de ajudar para que não aconteça com os outros". Precisamos lutar, precisamos ajudar, precisamos romper com nossos preconceitos, quer seja com a velhice e com tudo isso que vem nessa situação. Muito obrigada por vocês terem me ouvido.

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"A

Equidade

na

Atenção

à

Saúde

da

Mulher"

Atenção a saúde e prevenção às DST AIDS entre as mulheres idosas Marília Anselmo Viana da Silva Berzins

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Atenção a saúde e prevenção às DST AIDS entre as mulheres idosas Marília Anselmo Viana da Silva Berzins

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Atenção a saúde e prevenção às DST AIDS entre as mulheres idosas Marília Anselmo Viana da Silva Berzins

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Atenção a saúde e prevenção às DST AIDS entre as mulheres idosas Marília Anselmo Viana da Silva Berzins

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Atenção a saúde e prevenção às DST AIDS entre as mulheres idosas Marília Anselmo Viana da Silva Berzins

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"A Equidade na Atenção à Saúde da Mulher" Atenção à Saúde e prevenção DST/Aids entre as mulheres negras Fernanda Lopes

Boa tarde a todas e todos. Eu quero agradecer o convite e a presença das pessoas, porque embora interessante e enriquecedor é sempre difícil se dedicar a um seminário de um dia inteiro, porque é um dia que nós temos que abrir mão de milhões de outras tarefas para estar recebendo o convite a se responsabilizar por muitas outras, pois cada vez que entramos em contato com novos temas, novas abordagens e novas contribuições, saímos com outras responsabilidades para o aprimoramento da nossa prática, da nossa atuação como pessoas, como cidadãos, como profissionais da saúde, da educação ou de outra área diretamente relacionada à promoção da vida. Minha contribuição não é para que pensemos em especificidades, meu convite é para que façamos uma reflexão sobre como estamos considerando as necessidades desta parcela da população brasileira que representa 45% do total e que se autodeclara preta ou parda, e que somado são aqueles que nós identificamos como negros. Meu convite é para que pensemos sobre o como estamos levando em consideração as diferentes (e muitas vezes desiguais) experiências de nascer, viver, adoecer, morrer e ser cuidado (a) que se apresentam e se impõem para esta população de pretos e pardos, para esta população de negros e negras. Pensar nisso aqui em São Paulo é importante porque, embora em termos relativos a presença negra seja pequena (quando comparado aos estados da região nordeste), em números absolutos, a população negra do estado de São Paulo é a maior do país. O estado de São Paulo é o estado que, numericamente, tem o maior número de negros e negras do Brasil. Então pensem naquilo que nós temos olhado, naquilo que nós temos feito ou naquilo que nós estamos nos propondo a fazer com esta dimensão da eqüidade que normalmente é desconsiderada nas nossas ações. Este é o grande desafio, incluir a perspectiva étnico-racial nas ações de saúde especialmente porque sabemos que a saúde é um conjunto de condições integrais, individuais e coletivas influenciado por fatores políticos, sociais, econômicos, culturais e também ambientais. Então, pensar em promoção da saúde, em prevenção de agravos, em especial das doenças sexualmente transmissíveis e da AIDS é pensar em como garantir a efetivação dos princípios do SUS - o tudo para todos, de acordo com as diferentes necessidades, partindo de uma construção democrática e descentralizada (integralidade, universalidade, equidade, participação e controle social e descentralização). Para pensar em que noção de equidade e integralidade que nós estamos falando, trouxe a fala de uma mulher negra que me motivou a desenvolver minha pesquisa de doutorado. Ela contava a um grupo que a Aids havia lhe dado o status de cidadã, porque antes de saber que vivia com HIV, ela era apenas um número no serviço de saúde e em qualquer outro serviço público que ela procurava. No serviço especializado em DST/Aids ela passou a ser considerada uma pessoa. Os profissionais de saúde a chamavam pelo nome, perguntavam sobre sua família, sobre os seus filhos e, quando as coisas estavam muito apertadas, o serviço especializado de saúde sempre lhe oferecia algum tipo de apoio, fosse vale transporte, uma cesta básica, ninguém lhe humilhava porque ela estava passando por dificuldades. A única coisa que lhe causava certo incômodo era o atendimento na saúde mental. Segundo ela, a psicóloga sempre achava que o problema dela era viver com o HIV, a psicóloga não compreendia que a Aids era o seu passaporte para cidadania e que seu problema vinha de muito antes, seus problemas estavam relacionados à sua origem familiar, ao fato de seu marido estar sempre alcoolizado, à sua baixa escolaridade, ao fato de morar na Cidade Tiradentes, de ter dentes a menos na boca, de ser negra, pobre e desempregada. Tudo isso, segundo ela, vinha antes do HIV. Estes eram os seus problemas, que poderiam ficar piores se adoecesse por Aids, mas que não tinham a ver com o HIV.

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Então pensem, este é o grande desafio. Nós somos mulheres e homens negros, nós somos mulheres que fazem sexo com mulheres; mulheres que fazem sexo com homens; mulheres que fazem sexo com homens e mulheres. Somos mulheres que vivem com deficiência, usuárias de crack ou de outras drogas; que comercializam sexo, enfim, nós somos mulheres e homens negros e vivemos em qualquer uma destas situações ou condições que os profissionais que trabalham com aids conhecem tão bem, e ainda assim somos invisíveis. Quando buscamos um serviço de saúde sabemos exatamente aquilo que procuramos. Queremos um atendimento que considere as minhas necessidades, algo que seja conveniente com o meu perfil sócio-econômico e cultural, que leve em consideração as relações sociais baseadas no meu pertencimento étnico racial, na minha orientação sexual, minha idade, filiação religiosa, origem e no meu sexo biológico e na minha identidade sexual, e que, sobretudo, respeite os meus saberes, os meus traços culturais, os meus valores e as minhas expectativas. Pensando nessas necessidades e desejos, temos certeza que a vulnerabilidade efetivamente antecede o risco. Quando pensamos nas doenças sexualmente transmissíveis, em especial no HIV e na Aids, nós qualificamos a vulnerabilidade como algo que é multidimensional e assimétrico. As pessoas não são vulneráveis, elas estão vulneráveis a um determinado agravo, a uma determinada doença, num determinado período de sua história. E isto tem influência, mas não depende exclusivamente de sua classe social, do seu nível de escolaridade, da sua inserção, e estes fatores podem contribuir no seu contexto de vulnerabilidade, e o que protege alguns, pode ser fator de risco acrescido para outros. Por exemplo, ao reler os dados da pesquisa do Ministério da Saúde sobre comportamento sexual da população brasileira e percepções frente ao HIV/Aids observamos que os jovens brancos mais escolarizados, das classes A e B, aderiam menos ao uso de preservativo que os jovens negros menos escolarizados, pertencentes às classes D e E. Talvez aqueles jovens acreditassem que não seriam vulneráveis ao HIV enquanto os outros, poderiam ter quase certeza que este era mais um dos riscos que corriam. Quando nós pensamos nisto, é necessário que sejamos capazes de ultrapassar os limites da proteção individual, da motivação do sujeito em acompanhamento (pessoas que vivem com HIV e Aids), é preciso novas motivações dos profissionais de saúde que estão direta ou indiretamente envolvidos neste processo de cuidado, porque os fatores que vulnerabilizam estão além dos limites individuais. É imprescindível que sejam visualizadas e contempladas algumas necessidades simbólicas e outras materiais. O mais interessante e desafiador é pensar como contemplar estas necessidades. Sabemos que nós não damos conta de fazer tudo, mas também não podemos nos furtar desta responsabilidade. Não é justo, não é ético desconsiderá-las, fingir que elas não existem. E essencial identificar e enfrentar as causas mais profundas das desigualdades e das iniqüidades no cuidado e atenção à saúde. Para pensar nisto, o convite é identificar alguns fatores que influenciam a eficiência, a efetividade e a resolutividade do cuidado. Eu incluo nesta lista: a posição sócio-econômica do sujeito que busca o atendimento; o lugar onde o sujeito vive e a qualidade dos equipamentos sociais que ele tem acesso; o sexismo, o racismo institucional, as intolerâncias e, sobretudo, a sensibilidade, a humanização e o real compromisso dos profissionais e dos gestores com os princípios do SUS, em especial com os princípios da integralidade e da eqüidade. Pensando nas barreiras institucionais que são colocadas para o atendimento, para o cuidado de negros e negras em qualquer uma das fases do ciclo de vida, com qualquer uma das experiências ou dos hábitos de vida, trazemos um destaque para o racismo institucionalizado, incorporado, naturalizado e manifesto nas normas, nos processos, procedimentos, comportamentos, atitudes e práticas cotidianas.

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Para ilustrar esta naturalização do racismo institucionalizado vou relatar alguns fatos: Na clínica cirúrgica do hospital universitário da Universidade Federal de Pernambuco, chegou uma moça em trabalho de parto, como se tratava de um hospital universitário havia a equipe dos residentes e um médico preceptor. O médico preceptor disse que a moça iria dar muito trabalho porque ela apresentava características da síndrome de hair up. As pessoas ficaram sem saber o que era aquilo, nunca tinham ouvido falar naquela síndrome. O professor saiu da sala e os alunos ficaram discutindo sobre o que seria a síndrome de hair up. A moça deu entrada no centro cirúrgico, foi feito o parto com muita dificuldade, um quadro muito complicado. Ao final perguntaram ao médico preceptor o que era aquela síndrome porque ninguém havia descoberto seu significado. O médico disse: "Uma negona dessas, com este cabelo para cima, síndrome do hair up!". Poderia vir eclampsia, poderia ter qualquer coisa. Era dificuldade na certa, como vocês mesmo puderam ver. Pois bem, comentários como este, são comuns, não são encaminhados aos dirigentes ou às vezes são desconsiderados por eles, pois já fazem parte do cotidiano, já foram naturalizados. Não são percebidos como inadequados. Atitudes discriminatórias baseadas no pré-conceito, na ignorância, na desatenção aos estereótipos racistas, prejudicam as pessoas e impedem a prestação de um serviço profissional e adequado, impedem que seja oferecido um tratamento digno àqueles que buscam assistência e cuidado. Quando pensamos no racismo institucional, podemos pensar na dimensão dos programas e podemos pensar do ponto de vista das relações interpessoais, sejam estas relações estabelecidas entre o chefe (dirigente), o trabalhador e a trabalhadora; entre os trabalhadores e trabalhadoras; entre o trabalhador (a) e o usuário ou usuária; e entre o usuário ou usuária e os trabalhadores (as). Irei dar outro exemplo também muito comum para nós trabalhadores da saúde. Embora não seja muito freqüente vermos médicas e médicos negros, é comum que, ao se depararem com um profissional negro, os usuários digam: "Gostaria de falar com o médico, quero ser atendido pelo médico". Outra situação constrangedora e também muito comum acontece quando as pessoas se recusam a ser atendidas por um profissional médico não branco. Num hospital particular uma pessoa se recusou a ter a amostra de sangue colhido por uma enfermeira negra. Durante a recusa a pessoa dizia que gostaria que o sangue fosse colhido por alguém conhecido. Outra profissional veio para fazer a coleta, ela era branca e também desconhecida do paciente, mas mesmo assim pôde efetuar a coleta (e nem questionou, talvez nem tenha percebido, o tratamento discriminatório que havia sido oferecido a sua colega de trabalho). Pensando em nossos desafios como profissionais da saúde, gerentes de serviço, ou gestores no nível central, gostaria de apresentar aquilo que nos identificamos como dimensão programática do racismo institucional. Sendo assim, como podemos identificar que a nossa instituição, pela qual muitas vezes doamos nossas vidas, sangue, suor e lágrimas, é uma instituição que naturaliza, que cristaliza atitudes, comportamentos, normas, processos, procedimentos pautados em estereótipos racistas, sexistas ou em intolerâncias correlatas. O racismo institucional impregna os programas quando não somos capazes de reconhecer que existem diferenças que muitas vezes se convertem em desigualdades raciais no momento do nascimento, na vida, na doença, no cuidado e na morte. Quando apresentamos dificuldades em reconhecer o racismo como um dos determinantes sociais das condições de saúde. O racismo é um fenômeno ideológico que perpassa todos os processos, momentos e situações de socialização, nós brasileiros negros e não negros, brancos e não brancos, homens, mulheres, crianças e idosos, fomos e somos educados em uma sociedade racista. Não há como fugir disso, como negar este fato.

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O racismo imprime no meu corpo marcas que imprime no corpo de qualquer outra pessoa. Eu uma mulher negra, posso responder ou mostrar estas marcas de um jeito diferente, mas, na maioria das vezes, minhas marcas e as marcas das outras pessoas não negras são apresentadas da mesma forma, às vezes agressiva, desrespeitosa, como numa tentativa de ataque e defesa. Nesse sentido, devemos assumir que os efeitos do racismo na vida e na saúde das pessoas é um problema nosso, de todos e de todas, assim como sexismo, assim como homofobia, a lesbofobia, a intolerância religiosa. Assumir que este não é um problema somente daqueles e daquelas que experimentam os efeitos nocivos da diferença com o corpo, a mente, a alma, o espírito, aí esta a nossa responsabilidade, aí esta a possibilidade de transformação. A dificuldade de reconhecer o racismo como um dos determinantes das iniqüidades no processo saúde-doença, cuidado e morte, é um grande problema do ponto de vista programático. Num estudo realizado por pesquisadoras da FIOCRUZ -Rio, sobre assistência no pré-natal, parto e puerpério, envolvendo cerca de nove mil mulheres parturientes que deram à luz entre 1999 a 2001 em maternidade públicas, privadas e com convênio para o SUS, observaram-se varias disparidades no cuidado oferecido às mulheres negras e as mulheres não negras. As mulheres negras recebiam a oferta de anestesia durante o parto normal com menos freqüência. Embora este procedimento não seja indicado pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde ele ocorre, como todos sabemos. O fato é que, se ele ocorre, o desejável seria a oferta da anestesia para todas as mulheres, com garantia de esclarecimentos sobre benefícios e prejuízos para o recém nascido. Mas isso não ocorreu no Rio. Talvez porque haja uma representação social de que negros e negras são mais resistentes à dor. As mulheres negras também foram aquelas que visitaram o maior número de maternidades no momento do parto. Estas e as outras situações de desvantagem apresentaram significância estatística após o controle por escolaridade, por local de residência e outros potenciais fatores de confusão, ou seja, não foram por acaso. Como o mito da dor, existem os mitos da mulher negra ser "mais quente" que a branca, do homem negro apresentar melhor desempenho sexual que os demais. Esses mitos, essas representações sociais objetificam negros e negras e vêm sendo reiteradas de geração em geração. Muitas vezes, repetimos ou acreditamos nisso, sem pensar porque isto um dia foi criado, sem pensar nos prejuízos que pode causar. Um e xemplo disso foi observado em outra pesquisa envolvendo mulheres que viviam com o HIV e eram atendidas em serviços de referência do estado de São Paulo, quando perguntadas sobre a freqüência de atendimento por médico ginecologista, apenas 62% do total de mulheres eram atendidas com freqüência pelo ginecologista (um grave problema do ponto de vista da prevenção, da promoção da saúde e da garantia do direito sexual e reprodutivo da mulher que vive com HIV). Dentre estas, as negras, ainda que fossem a maioria daquelas que não tinham vida sexual ativa, estas tinham mais facilidade em passar por consultas ginecológicas. Se elas não tinham vida sexual, talvez os profissionais ou desconhecessem este fato ou ainda estivessem considerando-as "quentes" e, naturalmente mais inclinadas aos intercursos sexuais. Então, chegando ao universo da Aids, percebemos que ao longo destes 20 anos, a epidemia vem percorrendo os caminhos abertos pelas desigualdades, o perfil das pessoas que viviam com HIV ou morriam de Aids no início é bem diferente do atual. Este solo erodido pelas desigualdades é o solo que está sendo percorrido também pela epidemia, chegando à população idosa, com deficiência, que vive mais para o interior, nos pequenos municípios, que possuem menor escolaridade, na população jovem, feminina e na população negra. Este caminho que, quando há enchente, tudo vai sendo carregado é útil para pensarmos e dedicarmos maior atenção. Em minha pesquisa de doutorado (sobre vulnerabilidades e qualidade do cuidado oferecido às mulheres negras e não negras com hiv/aids, atendidas em 3 serviços especializados no estado de São Paulo) foram incluídas 1142 mulheres das quais, pouco mais da metade se autodeclarou preta ou parda (e foram por mim categorizadas como mulheres negras).

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Destacando aqui apenas as diferenças com significância estatística, as mulheres negras tiveram mais chances de chegarem ao serviço especializados adoecidas e mais chances de diagnóstico tardio, após conhecerem sua nova condição de saúde e após iniciarem seu acompanhamento nos serviços de referência, tiveram mais dificuldades de acesso à informação sobre o significado dos exames de carga viral e CD4, sobre redução de danos no uso de drogas injetáveis, sobre terapia antiretroviral para o recém-nascido; menos facilidade de passar por consultas com outros profissionais, tais como, odontólogos, nutricionistas e outros especialistas que não infectologista ou ginecologista; mais dificuldades em se comunicar com infectologista e com o ginecologista, solicitar respostas às suas duvidas e em falar sobre a vida sexual, ainda que estes fossem os profissionais médicos com os quais elas tinham maior contato. Enfim, para concluir meu convite à reflexão, digo que a arte e a ética do cuidar devem ultrapassar as barreiras ideológicas e culturais, morais e religiosas, devem ultrapassar os obstáculos impostos pelo preconceito de origem, de cor, de sexo, de orientação sexual, de estilo de vida e de condição social. O ato de cuidar é um ato humano, humanizado, um ato de amor. Ele deve estar inserido num ambiente bom o bastante, num ambiente onde os direitos sejam respeitados, efetivados e ampliados. S ei que o desafio não é fácil, mas é por isto que temos oportunidades como esta de estarmos juntos e discutindo. Oportunidades de aglutinar pessoas que, normalmente trabalham cada um com um pedaço, com o desafio de pensar a integralidade, de pensar que as pessoas, as práticas profissionais e o sistema são um continum, as pessoas não são pedacinhos, elas são inteiras, vivem ou deixam de viver inteiramente. É só por isso que estamos aqui.

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