Cartilha "Direitos LGBTs: Conheça o que foi conquistado e lute por mais direitos!"

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Bancada do PSOL na Assembleia Legislativa do RS Deputado Pedro Ruas

Direitos Conheรงa o que foi conquistado e lute por mais direitos!

Direitos LGBT s โ ข 1


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Índice 5 Apresentação

• Luciana Genro

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6 conheça seus direitos 7

legislação federal

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legislação estadual

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legislação municipal

15 jurisprudência

Samir Oliveira

41

25

Movimento LGBT no Brasil - uma luta por nenhum direito a menos! Welynton Almeida

27

Os desafios de LGBTs no Brasil: por mais representatividade, contra o fundamentalismo! Luciano Victorino

31

Visibilidade e diversidade - novas famílias e formas de ser e amar Alessandra Bohm

33

A quem pertence o espaço público? Quem não é considerado humano, logo, passa a não ser e deixa de ter necessidades fisiológicas? Sofia Favero

35

Políticas Públicas para LGBTs no Brasil Marcelo Rocha

37

Direito de Adoção Roberto Seitenfus

43

Criminalização da LGBTfobia Setorial LGBT do Juntos! RS

45

As Pessoas LGBTI e seus Direitos Maria Berenice Dias

18 PROJETOS PSOL 24 contribuições para o debate

Mídia e população LGBT: (In)visibilidade, luta política e representatividade

47

A Luta por Reconhecimento Legal: Estatuto da Diversidade Sexual Leonardo Ferreira Mello Vaz

48

Casamento Civil Igualitário Setorial LGBT do Juntos! RS

51

Luta de Classes e Opressões no Contexto do Sistema Capitalista Fernanda Melchionna

54

nós duas Marliane Ferreira dos Santos & Cristina Azevedo Gonçalves

55 saiba mais 56

filmes

61

livros

69

questões frequentes

75

glossário

82

contatos úteis

LGBTs e escolas: uma relação (ainda!) problemática Ana Paula de Souza dos Santos & Cristian Nunes

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Créditos e Agradecimentos Esta cartilha é resultado de extenso trabalho e de um esforço cooperativo. A bancada do PSOL na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e o mandato do deputado Pedro Ruas agradecem aos autores e às autoras dos textos desta cartilha, que muito contribuem para um debate qualificado nas questões referentes aos direitos de LGBTs. O PSOL é parceiro das lutas da população LGBT e agradece sua receptividade em nossas ações. Estamos juntos por mais direitos! Organização e Planejamento Luciana Krebs Genro Luciano Victorino da Silva Marcelo Rocha Garcia Marliane Ferreira dos Santos Revisão Samir Rosa de Oliveira Welynton Almeida Bezerra Apoio Setorial LGBT do coletivo Juntos! Ilustrações Laerte Projeto Gráfico e Diagramação Louise Kanefuku


Apresentação Luciana genro

Amigos e amigas, Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros são uma parte da população que, por muito tempo, foi invisibilizada. Isso vem mudando, graças à luta e à coragem de todos e todas que não se deixam intimidar pelo reacionarismo. Tenho muito orgulho de ter sido a primeira candidata à Presidência da República que levou o problema da violência LGBTfóbica e da demanda pelos direitos LGBTTs para o debate político e para os debates presidenciais. Mas, diante do avanço das nossas pautas, há uma clara tentativa de impor o retrocesso, de impedir a conquista de novos direitos e de criminalizar quem não se enquadra no estereótipo da dita “normalidade”. Escondidos atrás de uma hipócrita defesa da família, os fundamentalistas, encabeçados por Eduardo Cunha, querem destruir as famílias LGBTTs, impedir os casamentos, as adoções, as manifestações públicas de carinho. Querem continuar condenando os e as travestis e transgêneros à marginalidade e ao subemprego. Querem continuar fechando os olhos para a violência, física e psicológica, que todos os dias vitima a população LGBTT. Querem convencer a sociedade de que é preciso encontrar uma “cura” para esses supostos “desvios”. Sim, nós também estamos em busca de cura. Cura para a homofobia,

para a transfobia, para a lesbofobia, para a bifobia. Cura para quem sofre da doença chamada PRECONCEITO. E há cura! Essa cura se chama educação libertária e legislação que garanta mais direitos. A bancada do PSOL na Assembleia Legislativa apresenta esta cartilha com a pretensão de contribuir nessa luta, oferecendo à população um manual dos direitos LGBTTs que já estão assegurados em lei e um mapa das lutas que ainda estamos travando. Esperamos, dessa forma, contribuir para o combate ao preconceito e ajudar a empoderar a população LGBTT para exigir respeito aos seus direitos. Esperamos também contribuir para unir todos e todas na batalha para conquistar mais direitos. Nem um passo atrás, temos o mundo a ganhar! Um abraço, Luciana Genro Coordenadora da Bancada do PSOL na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul Presidente da Fundação Lauro Campos

luciana.genro@al.rs.gov.br

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conheça seus direitos Ainda há muito a se conquistar, mas algumas leis, documentos e decisões judiciais fizeram os direitos de LGBTs progredirem nos últimos anos. Essas leis e decisões podem ser usadas em casos de violação de direitos como mais uma maneira de proteger as pessoas da discriminação. Conheça-as e, além de lutar por mais direitos, faça valer os direitos já conquistados!

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legislação federal

legislação federal A legislação em nível federal ainda é muito limitada, muito em virtude da força da bancada fundamentalista no Congresso Nacional, mas também em virtude da pouca vontade política de alguns setores menos conservadores para avançar. Além da dificuldade de avançar, as conquistas já estabelecidas, como a Resolução do Conselho Federal de Psicologia que impede a tentativa da chamada “cura gay”, vêm sofrendo grandes ataques. A mobilização permanente é essencial para avançar e para não retroceder.

direitos trabalhistas A portaria 41 do Ministério do Trabalho e Emprego, de 28 de março de 2007, proíbe empregadores de exigir documentos discriminatórios ou obstativos para contratação, incluindo dados relativos à sexualidade. Quaisquer anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social que desabonem o trabalhador e que se refiram ao seu gênero ou orientação sexual, entre outros, são consideradas discriminatórias. O descumprimento dessa portaria pode gerar penalidades à empresa. O que fazer para garantir esse direito? A pessoa vítima de discriminação no trabalho pode realizar denúncia na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio Grande do Sul, na Av. Mauá, nº 1013 – Centro Histórico – Porto Alegre/RS, ou pelo telefone (51) 3213-2800.

Direitos Previdenciários A Instrução Normativa do INSS nº 20, de 10 de outubro de 2007, prevê o benefício de pensão por morte e auxílio-reclusão à(ao) parceira(o) homossexual, referente a óbitos ou prisões ocorridas a partir de 5 de abril de 1991, exigindo-se apenas a comprovação de vida em comum. O companheiro ou a companheira homossexual integram o rol de dependentes do(a) segurado(a) e tem direito aos mesmos benefícios que teria um casal heterossexual. A alteração veio a partir de uma decisão judicial reconhecendo esse direito, na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, e foi garantida após a instituição da união estável e do casamento entre homossexuais pelo Poder Judiciário. O que fazer para garantir esse direito? Desde a Ação Civil Pública nº 2000.71. 00.009347-0, o INSS tem reconhecido os direitos previdenciários acima, bastando comprovação da vida em comum, que pode ser realizada por registro em cartório, união estável, casamento etc. Embora o INSS pretenda ainda reverter a decisão nos tribunais superiores, até este momento a norma vale em todo o território nacional. Em caso de descumprimento, pode-se recorrer ao Poder Judiciário.

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legislação federal

Proteção contra Violência A Lei 11.340/06 (Maria da Penha) expressa nos artigos 2º e 5º a sua abrangência também a casais de lésbicas, protegendo a companheira agredida de forma igual aos casos envolvendo heterossexuais. A Lei Maria da Penha prevê proteção à mulher vítima de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Há uma decisão judicial que reconhece a aplicabilidade da Lei Maria da Penha também para mulheres trans. O que fazer para garantir esse direito? O Supremo Tribunal Federal decidiu, em fevereiro de 2012, que a Lei Maria da Penha tem validade mesmo sem denúncia da vítima. A agressão contra a mulher pode ser denunciada 24 horas por dia, através de ligação para o número 180 (Central de Atendimento à Mulher), sendo garantido o anonimato da vítima ou de quem denunciar – qualquer pessoa próxima da mulher pode ser denunciante. A Central de Atendimento à Mulher (180) tira dúvidas e oferece informações a respeito da Lei Maria da Penha e atendimento psicológico, jurídico e social à mulher vítima de violência, orientando como agir e procurar ajuda. A denúncia pode ser feita, ainda, diretamente na polícia, pelo número 190 ou prestando queixa em qualquer Delegacia de Defesa da Mulher.

Direito à Identidade Vários órgãos já se manifestaram a respeito da adoção do nome social. O Parecer Técnico 141/2009 do Ministério da Educação expõe a posição favorável do MEC à adoção do nome social nas escolas e reconhece a competência de Estados e municípios para decidir sobre o tema, mas sublinha a necessidade de respeito à 8 • Direitos LGBT s

dignidade da pessoa humana expressa na Constituição. A Portaria 233, de 18 de maio de 2010, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão assegura o direito do uso do nome social aos servidores públicos federais na administração direta, autárquica e fundacional, mesmo direito garantido aos assistentes sociais por meio da Resolução 615/2011 do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) nos documentos profissionais. O Ministério da Saúde garante o uso do nome social de travestis e transexuais no SUS por meio da Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011. O que fazer para garantir esse direito? No caso de servidores públicos federais, a mudança do nome de registro civil para o nome social deve ser solicitada na unidade de identificação funcional do local de lotação da pessoa interessada. No caso do CFESS, a solicitação deve ser realizada no respectivo Conselho Regional de Serviço Social. Já no SUS, o Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS) pode ser confeccionado em qualquer unidade de atenção primária à saúde (posto de saúde), sendo solicitada no Cartão SUS a presença do nome social.

Direito à saúde A Resolução nº 1/99 do Conselho Federal de Psicologia impede ações de psicólogos no sentido de agir coercitivamente a orientar homossexuais a tratamentos não solicitados e ações que favoreçam a patologização da homossexualidade, assim como impede que se pronunciem publicamente de modo a reforçar preconceitos sociais existentes em relação a homossexuais como portadores de desordem psíquica. É ela que não permite a tentativa da chamada “cura gay”, que gera apenas maior sofrimento


legislação federal

psíquico na população LGBT, que não é portadora de desordem psíquica por ser LGBT. A Portaria nº 2.836, do Ministério da Saúde, institui a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT) no âmbito do SUS, com objetivo de combater a discriminação e o preconceito institucional no SUS para a redução das desigualdades, e garante acesso ao processo transexualizador na rede do SUS, além de outras providências. O que fazer para garantir esse direito? Psicólogos que descumpram a Resolução 01/1999 do CFP devem ser denunciados em seu respectivo Conselho Regional de Psicologia. A discriminação no âmbito do SUS deve ser denunciada na Ouvidoria do SUS, número 136. Em Porto Alegre, também pode ser utilizada a ouvidoria da Prefeitura, pelo número 156. No caso de dificuldades de acesso, pode-se exigir, inclusive, o cumprimento do dever constitucional de prestação de atendimento pelo Estado no Poder Judiciário.

Em resumo Portaria 41 do Ministério do Trabalho e Emprego (28/03/2007): impede a discriminação no trabalho. Instrução Normativa do INSS nº 20 (10/10/2007): garante direitos previdenciários a companheiro (a) homossexual em caso de óbito ou prisão do (a) cônjuge, retroativo a 5 de abril de 1991.

Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06): garante proteção à mulher agredida pela companheira de modo expresso, nos mesmos moldes que em uma relação heterossexual. Parecer Técnico 141/2009 do Ministério da Educação: aconselha Estados e municípios a adotar nome social nas escolas como forma de evitar evasão escolar de pessoas trans.

NOME

NOME

Portaria 233 do Ministério do Planejamento (18/05/2010): assegura direito de uso do nome social a pessoas trans servidoras públicas federais. Resolução 615/2011 do Conselho Federal de Serviço Social: assegura direito de uso do nome social a assistentes sociais nos documentos profissionais. Portaria nº 2.836 do Ministério da Saúde (01/12/2011): possibilita o uso do nome social nas instâncias do Sistema Único de Saúde, combate a LGBTfobia institucional no SUS e garante acesso ao processo transexualizador na rede pública. Resolução nº 1/99 do Conselho Federal de Psicologia: impede ações relacionadas à “cura gay” e proíbe psicólogos de emitir opiniões que reforçam preconceitos e estereótipos e a ideia de homossexualidade como comportamento patológico.

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legislação estadual

legislação estadual rio grande do sul

Algumas das leis mais avançadas no combate à discriminação por diversidade de orientação sexual e de gênero no Brasil estão em âmbito estadual e municipal. As punições trazidas por elas, no entanto, não têm caráter penal, pois crimes só podem ser definidos por lei federal. De modo geral, são leis em âmbito administrativo, muitas vezes desconhecidas do público e cuja eficácia se torna bastante limitada se não houver exigência de sua aplicação pelas pessoas ofendidas. No Estado do Rio Grande do Sul, as legislações englobam:

direito à identidade O Decreto 49.122/2012 instituiu no nosso Estado a Carteira de Nome Social para Travestis e Transexuais, sendo direito de todas e todos. O Decreto 48.118/2011 garante a essas pessoas o direito à escolha pelo nome social, independente do registro civil, nos procedimentos e atos dos Órgãos da Administração Direta e Indireta, com o nome civil reservado para uso interno na instituição, apenas. Esse mesmo decreto autoriza as escolas estaduais a incluir nome social nos registros escolares, como forma de diminuição da evasão escolar da população T. Nesse sentido, é interessante citar, ainda, o Parecer 739/2009 do Conselho Estadual de Educação, que aconselha escolas do Sistema Estadual de Ensino a adotar o nome social.

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O que fazer para garantir esse direito? Para fazer a Carteira de Nome Social, basta a pessoa interessada comparecer a um posto de identificação (mesmos locais que confeccionam carteira de identidade, como o Tudo Fácil, por exemplo) com a certidão original de nascimento e a última via da carteira de identidade. A emissão da carteira é gratuita, mas haverá cobrança de taxa no caso de necessidade de emissão de segunda via. A escolha pelo nome social nos atos da Administração Pública deve ser feita na apresentação para atendimento e no preenchimento de documentos (inclusive nas escolas estaduais), estando o servidor que se negar a habilitar o uso do nome social sujeito a penalidades. Denúncias em caso de descumprimento desse decreto podem ser realizadas pelo número 100, o Disque Denúncia de violações a Direitos Humanos.

Combate à discriminação e ao preconceito A Lei Estadual 11.872/2002 é a lei antidiscriminação do Rio Grande do Sul. Essa Lei foi concebida para realizar a promoção e o reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, identidade, preferência sexual, abrangendo em seus efeitos protetivos pessoas naturais e jurídicas que sofrerem qualquer medida discriminatória em virtude de sua ligação com integrantes de grupos discriminados. Para garantir isso, a Lei define um rol de atos atentatórios


legislação estadual

à dignidade, incluindo ofensas coletivas e difusas, e sujeita a ela todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que mantêm relação com a Administração Pública Estadual, direta ou indireta, inclusive aquelas que exercem atividades econômicas ou profissionais sujeitas à fiscalização estadual. A Administração Pública Estadual também está sujeita à Lei, que ainda inclui proteção a trabalhadores públicos e privados LGBTs. Atos atentatórios à dignidade na abrangência da Lei Estadual 11.872/2002: • A prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica; • Proibir o ingresso ou permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público; • Praticar atendimento selecionado que não esteja devidamente determinado em lei; • Preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares; • Preterir, sobretaxar ou impedir a locação, compra, aquisição, arrendamento ou empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade; • Praticar o empregador, ou seu preposto, atos de demissão direta ou indireta, em função da orientação sexual do empregado; • A restrição à expressão e à manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no art. 1º; • Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas ex-

pressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos; • Preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção, recrutamento ou promoção funcional ou profissional, desenvolvido no interior da Administração Pública Estadual direta ou indireta; • A recusa de emprego, impedimento de acesso a cargo público, promoção, treinamento, crédito, recusa de fornecimento de bens e serviços ofertados publicamente, e de qualquer outro direito ou benefício legal ou contratual ou a demissão, exclusão, destituição ou exoneração fundados em motivação discriminatória. Penalidades previstas na Lei Estadual 11.872/2002 a quem pratique atos atentatórios: • Advertência; • Multa; • Rescisão do contrato, convênio, acordo ou qualquer modalidade de compromisso celebrado com a Administração Pública direta ou indireta; • Suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 (trinta) dias; • Cassação da licença estadual para funcionamento; • No caso de servidores públicos estaduais, as penalidades aplicáveis são as previstas no Estatuto do Servidor Público. O que fazer para garantir esse direito? A prática dos atos discriminatórios abrangidos pela Lei 11.872/2002 é apurada mediante processo administrativo, que pode ser iniciado por reclamação da pessoa ofendida, por comunicado de organizações não-governamentais ou, ainda, por ato ou Direitos LGBT s • 11


legislação estadual

ofício de autoridade competente. Denúncias podem ser realizadas pelo número 100, o Disque Denúncia de violações a Direitos Humanos.

em resumo NOME

NOME

Decreto 48.118/2011: garante a pessoas trans o direito de escolha do nome social nos procedimentos dos órgãos da Administração Direta e Indireta do Estado. Decreto 49.122/2012: institui a Carteira de Nome Social em âmbito estadual. Parecer 739/2009: aconselha escolas do Sistema Estadual de Ensino a adotar o nome social. Lei Estadual 11.872/2002: lei antidiscriminação do Estado do Rio Grande do Sul, bastante abrangente, protegendo quanto a diversos atos atentatórios e prevendo penalidades a pessoas físicas e jurídicas que pratiquem tais atos.

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legislação municipal

legislação municipal porto alegre e novo hamburgo

No Rio Grande do Sul, Porto Alegre e Novo Hamburgo são as cidades com leis municipais protetivas dos direitos de LGBTs.

> em porto alegre:

Combate à Discriminação e ao Preconceito O artigo 150 da Lei Orgânica Municipal define que “os estabelecimentos comerciais, industriais, prestadores de serviços entidades educacionais, creches, hospitais, associações civis, públicas ou privadas que, por seus proprietários, prepostos ou representantes praticarem atos discriminatórios a gays, lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais ou a qualquer pessoa em decorrência de sua orientação sexual, sofrerá pena de multa e/ou suspensão do alvará de funcionamento”. Essa lei tem se mostrado inócua em Porto Alegre, pela total paralisia da promoção de políticas públicas que temos testemunhado na Capital. Ainda assim, é importante exigir sua aplicação e fiscalizar as atitudes dos gestores públicos para promoção desse direito. O que fazer para garantir esse direito? As denúncias devem ser feitas na Secretaria Adjunta da Livre Orientação Sexual, situada à Rua dos Andradas, nº 1.643/402, ou pelo Disque Denúncia dos Direitos Humanos de Porto Alegre, pelo número 0800642-0100, de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 18h.

Educação para a Diversidade A Lei 8.423/2004 estabelece no sistema municipal de ensino a Educação Antirracista e Antidiscriminatória, incluindo-se a temática “discriminação de orientação sexual”. O que fazer para garantir esse direito? Embora alguns parlamentares conservadores tenham garantido a exclusão do debate de diversidade sexual e de gênero do Plano Municipal de Educação, já existe, há 11 anos, uma lei que garante o combate à discriminação em Porto Alegre. Infelizmente, não vem sendo aplicada, sendo papel dos movimentos sociais e dos representantes das vozes progressistas nos cargos públicos exigir a efetivação desse direito.

direito à identidade Projeto de lei recentemente aprovado na Câmara de Vereadores (PLL 151/14) assegura a travestis e transexuais, ao serem atendidos em estabelecimentos privados, em órgãos da Administração Direta e em entidades da Administração Indireta do Município de Porto Alegre, o direito à utilização de seu nome social constante na Carteira de Nome Social para Travestis e Transexuais, instituída pelo Decreto Estadual nº 49.122, de 17 de maio de 2012, e determina que esses locais façam constar em seus cadastros gerais o nome soDireitos LGBT s • 13


legislação municipal

cial utilizado por travestis e transexuais. O que fazer para garantir esse direito? A Carteira de Nome Social deve ser feita nos postos de identificação (ver Seção Legislação Estadual). Estabelecimentos que não cumpram essa lei devem ser denunciados na Secretaria Adjunta da Livre Orientação Sexual, situada à Rua dos Andradas, nº 1.643/402, ou pelo Disque Denúncia dos Direitos Humanos de Porto Alegre, pelo número 0800-642-0100, de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 18h.

> em novo hamburgo:

Combate à Discriminação e ao Preconceito Novo Hamburgo conta com uma lei antidiscriminação específica, a Lei Municipal 1.549/2007. Ela busca a promoção e o reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, identidade, preferência sexual, a partir da definição de penalidades aos estabelecimentos localizados no município que discriminem pessoas em virtude de sua orientação sexual. A lei entende discriminação como: constrangimento ou exposição ao ridículo, proibição ou cobrança extra para ingresso ou permanência em local de acesso ao público geral, atendimento diferenciado ou selecionado, preterimento quando da ocupação e/ou imposição de pagamento de mais de uma unidade, nos casos de hotéis, motéis ou similares, preterimento em aluguel ou aquisição de imóveis para fins residenciais, comerciais ou de lazer, preterimento em exames, seleção ou entrevista para ingresso em emprego, preterimento em relação a outros consumidores que se encontrem em idêntica situação e adoção de atos de coação, de ameaça ou de violência. Considera14 • Direitos LGBT s

se infrator dessa Lei a pessoa que direta ou indiretamente tiver concorrido para o cometimento da infração. As sanções previstas são multa, suspensão ou cassação de alvará para estabelecimentos, e suspensão ou afastamento para agentes do poder público. O que fazer para garantir esse direito? Todo e qualquer cidadão pode comunicar às autoridades competentes qualquer violação à Lei Municipal 1.549/2007. O Disque Denúncia da cidade funciona pelo telefone (51) 3288-5100. A cidade conta, ainda, com um Centro de Referência em Direitos Humanos, que funciona de segunda a sexta-feira, das 9 às 18 horas, com atendimento no 3º andar da Casa da Cidadania – Rua David Canabarro, nº 20, Centro, Novo Hamburgo/RS.

em resumo Em Porto Alegre: Lei Orgânica Municipal (art. 150): impõe pena de multa ou de suspensão de alvará a estabelecimentos que pratiquem atos discriminatórios a LGBTs. Lei 8.423/2004: estabelece educação antidiscriminatória no Sistema Municipal de Ensino.

NOME

PLL 151/14 (aprovado na CMPA): assegura direito ao uso do nome social constante na Carteira de Nome Social Estadual nos órgãos da Administração Direta e Indireta. Em Novo Hamburgo: Lei Municipal 1.549/2007: lei antidiscriminação da cidade de Novo Hamburgo, protege quanto a várias atitudes discriminatórias e estabelece punição para estabelecimentos e agentes do poder público.


jurisprudência

jurisprudência decisões judiciais

Algumas decisões do Poder Judiciário garantem direitos às pessoas LGBTs. Os maiores avanços nesse tema no Brasil, como o casamento civil igualitário e a possibilidade de adoção, vieram dessa maneira. Esses são os direitos com que devemos ter maior cuidado frente às tentativas de retrocesso, pois, sendo aprovadas leis contrárias no Congresso, esses direitos podem ser perdidos. Mesmo já tendo sido conquistados, a mobilização continua sendo necessária para que eles se tornem leis e, assim, definitivos. A garantia desses direitos, com exceção dos que já tiveram decisões vinculantes (que devem ser seguidas por todo o Poder Judiciário em nível nacional), isto é, os direitos de reconhecimento de união estável e do casamento civil, só se dá mediante ação judicial.

sal não heterossexual, numa união estável, tem os mesmos direitos de um casal heterossexual nessa situação. Adoção de filhos, pensão/aposentadoria, plano de saúde e herança são alguns dos exemplos. O que fazer para garantir esse direito? Todo cartório de registro civil no território nacional é obrigado a registrar a união estável, independentemente do gênero dos ou das cônjuges. Caso um cartório neguese a realizar a união, deve ser denunciado na Corregedoria-Geral da Justiça, estando sujeito a sanções administrativas e, até mesmo, ao fechamento. A Corregedoria pode ser acessada no Palácio da Justiça do Rio Grande do Sul (Praça Marechal Deodoro, 55 – Centro – Porto Alegre/RS) ou pelo telefone (51) 3210-7265.

casamento civil união estável O Supremo Tribunal Federal reconheceu no dia 05 de maio de 2011, em decisão unânime ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, a equiparação da união homossexual à heterossexual. A decisão tem efeito vinculante, ou seja, deve ser seguida por todo o Poder Judiciário e alcança toda a sociedade. Os ministros do STF reconheceram que a relação homossexual é uma família e afirmam que um ca-

A Resolução 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça garante a possibilidade de conversão da união estável em casamento civil, nos mesmos moldes do casamento heterossexual. O que fazer para garantir esse direito? O casamento deve ser realizado em cartório de registro civil, em situação análoga à da união estável. A Resolução 175/2013 do CNJ não deixa dúvidas ao apontar que, em casos de negação do registro do casamento, o juiz corregedor deverá ser imediatamente notificado para tomar as providência cabíveis, por isso a importância da denúncia na Direitos LGBT s • 15


jurisprudência

Corregedoria-Geral da Justiça. As sanções possíveis são as mesmas do caso da união estável. A Corregedoria pode ser acessada no Palácio da Justiça do Rio Grande do Sul (Praça Marechal Deodoro, 55 – Centro – Porto Alegre/RS) ou pelo telefone (51) 3210-7265.

Qual a diferença entre união estável e casamento? Ambas as modalidades de relação caracterizam núcleo familiar, tendo o mesmo status e sem diferença quanto a direitos. No entanto, algumas diferenças existem entre elas: Formação: o casamento é uma relação definida por ato formal, ou seja, por meio de uma celebração realizada por juiz de paz ou por juiz de direito. Já a união estável se dá no plano dos fatos – mesmo sendo possível sua formalização em um tabelionato de registro de notas, basta a convivência entre os ou as cônjuges formando o núcleo familiar para que se reconheça a união estável. Extinção: da mesma forma, a extinção do casamento se dá de maneira formal, mediante homologação judicial, enquanto a da união estável se dá no momento em que as pessoas deixam de morar juntas. Regime de bens: no casamento, há a possibilidade de escolha do regime de bens entre comunhão total de bens, comunhão parcial de bens, separação total de bens e participação final nos aquestos. Já a união estável não gera essas possibilidades, atingindo somente os bens adquiridos onerosamente durante a vigência da união. Além disso, diferentemente do casamento, na união não há a figura do herdeiro necessário (quando cônjuge não

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pode ser retirado (a) da herança por testamento, tendo direito a 50%, no mínimo, da herança). Estado civil: somente o casamento gera o estado civil de casado (a). Não existe o estado civil “união estável”. O casamento é, assim, dotado de maior segurança jurídica. Além dessas diferenças, é importante frisar que dar a LGBTs os mesmos direitos que possuem heterossexuais cis, com os mesmos nomes, é essencial para garantir igualdade jurídica a essa população. Por isso, consideramos inaceitável que, sob a justificativa de que a união estável gera os mesmos direitos que o casamento, seja negado a LGBTs o direito do casamento.

Violência Doméstica Em outubro de 2011, uma sentença em Anápolis, Goiás, reconheceu aplicabilidade da Lei 11.340/06 (Maria da Penha) no caso de agressão de um parceiro cis a uma parceira trans, que não havia retificado sua identidade civil e mantinha o nome de registro. É uma decisão importante, que reconhece a violência sobre gênero independente de a pessoa ser cis ou trans, apesar de o Congresso Nacional manter sua posição reacionária de considerar mulher apenas as mulheres cis.

Adoção e Guarda O direito à adoção por pessoas LGBTs vem sendo reconhecido cada vez mais pelos tribunais, incluindo adoção conjunta com o nome de dois pais ou de duas mães. Tribunais de treze Estados, incluindo o Rio Grande do Sul, já tiveram decisões nesse


jurisprudência

sentido. Isso ocorreu também em decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Da mesma forma, já foi reconhecido por tribunais de BA, SP, RJ e RS o direito de guarda e visita em caso de dissolução de uniões homossexuais.

Companheiro(a) Estrangeiro(a) Tribunais Regionais Federais têm reconhecido o direito de visto de permanência a estrangeiros(as) em uniões estáveis homossexuais com brasileiros(as).

dependentes A Justiça do Trabalho já reconheceu o direito à entrada como dependente de cônjuge homossexual nos benefícios a companheiros(as) dos(as) empregados, assim como diversos Tribunais Regionais Federais reconheceram a possibilidade de designação da categoria de dependente para outros fins, como plano de saúde, Imposto de Renda etc.

Alimentos (pensão)

Decisões dos tribunais do DF, RJ, MT, RS e do Superior Tribunal de Justiça já reconheceram, por analogia à união estável entre heterossexuais, o direito à pensão por alimentos à (ao) cônjuge após a dissolução da união.

Direito à Identidade São muitas as decisões judiciais que garantiram retificação de registro civil a travestis e transexuais por todo o Brasil. Elas ocorrem mais facilmente após cirurgia de redesignação genital, mas também há casos de mudança de nome e, inclusive, de gênero no registro civil mesmo sem cirurgia. Sentenças estrangeiras, em caso de retificação no Exterior, costumam ser homologadas pela Justiça brasileira. Ainda na temática do direito à identidade, ocorreu decisão em 2014 reconhecendo uma candidata trans como parte do preenchimento da cota de gênero feminino para eleições proporcionais.

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projetos do psol O PSOL está na linha de frente, ao lado de LGBTs, na luta por mais direitos. Nossos mandatos não se omitem frente ao fundamentalismo e ao retrocesso, e são instrumentos à disposição dos movimentos sociais na busca por uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária. Por isso, apresentamos projetos em todas as esferas com o objetivo de promover mais cidadania para as pessoas LGBTs.

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projetos psol

Congresso Nacional No Legislativo federal, o principal representante de LGBTs é o deputado Jean Wyllys, do PSOL/RJ. Jean é o único parlamentar no Congresso assumidamente LGBT em um grupo de 513 deputados e 81 senadores, defendendo o avanço de direitos contra uma bancada fundamentalista e conservadora muito organizada.

Projeto de Lei João Nery O projeto de lei da Identidade de Gênero, conhecido como Lei João Nery, que está em trâmite no Congresso Nacional, concede o direito a transexuais de terem a identidade reconhecida conforme sua declaração, sem necessidade de realização de uma cirurgia de redesignação genital. Hoje, travestis e transgêneros podem solicitar a mudança de nome e gênero nos documentos oficiais após se submeterem a cirurgias de redesignação genital. Em seu artigo 3º, o projeto estabelece que “toda pessoa poderá solicitar a retificação registral de sexo e a mudança do prenome e da imagem registradas na documentação pessoal, sempre que não coincidam com a sua identidade de gênero autopercebida”. O parágrafo único deste artigo define que “em nenhum caso serão requisitos para alteração do prenome: intervenção cirúrgica de transexualização total ou parcial; terapias hormonais; qualquer outro tipo de tratamento ou médico; autorização judicial”. É um projeto extremamente relevante e avançado, que compreende a identidade de

jean willys

gênero como efetivamente é, uma construção social não necessariamente ligada às características anatômicas dos seres humanos. Além disso, o PL João Nery contribui para a despatologização das pessoas trans. Atualmente, elas precisam de um laudo psicológico para requisitar na Justiça a mudança de prenome em seus documentos. O PL João Nery elimina essa necessidade. O Projeto de Lei João Nery vem sendo atacado por setores conservadores, religiosos e pela mídia tradicional, com argumentos que, além de exalar todo o atraso de seus argumentadores, demonstram muito desconhecimento a respeito da questão da transexualidade. O colunista Rogério Mendelski, do jornal Correio do Povo, foi um dos que atacou o projeto e o deputado Jean Wyllys. Confira a resposta de Luciana Genro para o colunista: Prezado Mendelsky, Agradeço este espaço para prestar alguns esclarecimentos. Primeiro queria dizer que temos muito orgulho de contar com o Jean Wyllys como deputado do PSOL. Ele tem uma história de vida de superação e coragem. Viveu uma infância de privações, fome e preconceito. Conseguiu superar a pobreza através do estudo e do trabalho. É o primeiro deputado federal da história do Brasil que assumiu publicamente ser homossexual – e com muito orgulho! Sua coragem ajudou muita gente a lutar contra o preconceito. Direitos LGBT s • 19


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Sobre o tema da identidade de gênero, é preciso dizer que isto não é uma invenção do Jean e nem do movimento LGBT. É uma realidade. Todos possuímos uma identidade de gênero. A maioria das pessoas se identifica com o gênero de nascimento. Mas muitas pessoas, não. Cabe ao Estado ter políticas públicas que garantam direitos às pessoas que não se identificam com o gênero de nascimento. São travestis e transexuais, que sofrem todo tipo de discriminação. A começar pela própria escola, de onde acabam expulsos. Isso não retira das famílias a autonomia sobre a educação das crianças e sim busca combater a discriminação, algo que não faz parte de nenhuma educação que seja digna desta qualificação. O projeto do Jean assegura direitos para combater a transfobia institucionalizada e a patologização de qualquer expressão de gênero que desvie daquela considerada “normal” ou “aceitável” pela sociedade. Ele assegura, por exemplo, acesso a tratamentos a fim de adequar o corpo da pessoa à expressão de sua identidade de gênero. Nos Estados Unidos e na Argentina esses direitos já são assegurados. É absurdo pensar que, se o PL 5002/2013 for aprovado, uma criança vai ter o direito fazer uma cirurgia de readequação genital – popularmente conhecida como “mudança de sexo” - em um procedimento sumário. Dizer isso é promover a desinformação e o preconceito em cima de um assunto que costuma causar conflitos e muita dor nos casos em que a família não acolhe seus filhos LGBTs. Em defesa da família, é bom lembrar que uma família que não acolhe um filho ou uma filha LGBT é uma família que afasta essa pessoa de seu convívio e desta forma sim, destrói a própria família. Quando há conflito entre o adolescente e sua família, e ele fica desassistido, cabe ao 20 • Direitos LGBT s

Estado zelar pelos seus direitos e pelo exercício destes direitos de forma responsável. Todo o projeto do Jean é balizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, uma lei reconhecida internacionalmente pelo avanço que significou, muito embora não seja aplicada plenamente. Por fim, gostaria de dizer que o PSOL não defende nenhum governante que dissemine o preconceito e a discriminação contra LGBTs e que o PSOL não identifica, em nenhum governo existente, um modelo a ser seguido de forma acrítica. Aliás, nosso partido se chama Partido Socialismo e LIBERDADE, justamente para nos diferenciar de experiências autoritárias que não correspondem à sociedade libertária que almejamos. Grata pela atenção, Luciana Genro

Projeto de Lei do Casamento Igualitário O deputado federal Jean Wyllys protocolou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.120/2013, que regulamenta o Casamento Civil Igualitário, ou seja, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Apresentou, também, proposta de emenda constitucional (PEC), para alterar o artigo 226 da Constituição Federal, reconhecendo a união estável e o casamento para casais hetero e homossexuais. No entanto, o casamento igualitário virou uma realidade no Brasil por meio do Judiciário: após as sentenças do STF — que reconheceu que os casais do mesmo sexo podem constituir uma família e têm direito à união estável com os mesmos requisitos e efeitos que as


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uniões estáveis de homem e mulher — e do STJ — que reconheceu o direito ao casamento civil de um casal de lésbicas do Rio Grande do Sul —, diferentes casais começaram a inscrever suas uniões estáveis e pedir à justiça a conversão em casamento. Teve uma primeira sentença favorável, e depois outra, e mais outra. Logo, os juízes começaram a admitir que, se os casais do mesmo sexo podem registrar a união estável e convertê-la em casamento, não há razão para que eles não possam se casar de forma direta. E as corregedorias estaduais começaram a regulamentar essa possibilidade em até treze estados, mais o Distrito Federal. Em todos esses estados, qualquer casal poderia realizar seu casamento civil. Era só ir no cartório e marcar a data! Faltava, todavia, uma regulamentação nacional que impedisse que os casais de São Paulo tivessem mais direitos que os do Rio de Janeiro e os da Bahia mais do que os de Pernambuco, por exemplo. Precisávamos de uma única regra para todo o país. Por isso, o mandato do dep. Jean Wyllys entrou com um pedido no Conselho Nacional da Justiça (CNJ) e, pouco depois, o juiz Joaquim Barbosa, presidente do Conselho — e do STF — assinou a decisão 175/2013, que regulamenta o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em todo o Brasil. Desde 14 de maio de 2013, todos os brasileiros e todas as brasileiras têm direito ao casamento civil. Falta, ainda, que o Legislativo entenda o que o Judiciário já entendeu e se liberte das amarras do fundamentalismo religioso — que é racista, homofóbico, machista e inimigo das liberdades individuais — e aprove os projetos de lei e de emenda constitucional que o mandato de Jean apresentou, para garantir o direito ao casamento igualitário na Constituição e no Código Civil.

criminalização da LGBTfobia Após o Congresso arquivar o PLC 122, que criminalizava a homofobia, o mandato do deputado Jean começou a estudar a apresentação de novo projeto no sentido de coibir a violência contra LGBTs. Esse projeto ainda será apresentado pelo deputado.

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Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul pedro ruas Em nosso Estado, o deputado Pedro Ruas compõe a bancada do PSOL. Mesmo com um mandato de pouco mais de 6 meses, Ruas já apresentou projeto para promover a cidadania LGBT no RS.

Projeto de Lei de Inclusão de Orientação Sexual e Identidade de Gênero no Registro de Boletins de Ocorrência Os alarmantes dados de violência contra LGBTs geraram, até hoje, pouca ou nenhuma reação dos aparelhos estatais. Esse projeto visa incluir os itens “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “nome social” no registro de boletins de ocorrência. A partir dessa inclusão, o Estado do Rio Grande do Sul poderá ter estatísticas oficiais a respeito de crimes motivados por LGBTfobia. Além disso, os julgamentos de crimes de ódio contra LGBTs poderão ter levada em consideração essa motivação.

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Câmara Municipal de Porto Alegre fernanda melchionna e prof. alex fraga No Legislativo municipal, a bancada do PSOL é constituída pela vereadora Fernanda Melchionna e pelo vereador Prof. Alex Fraga. Mesmo que as legislações municipais tenham pouca abrangência na temática LGBT, nossa bancada atua nas possibilidades existentes.

tidade de gênero, tendo o direito ao nome social e ao banheiro adequado à identidade de gênero completamente negados. Para combater a discriminação no mercado de trabalho, nossa bancada apresentou projeto de lei que isenta em 20% do ISSQN empresas que contratarem pelo menos 5% de travestis e transexuais do total de empregados.

Projeto de Lei de Isenção de ISSQN para Empresas que Projeto de educação para a diversidade Contratarem Pessoas T Segundo a ANTRA, Associação Nacional de Travestis e Transexuais, noventa por cento das pessoas travestis e transexuais estão na prostituição. A escola e o mercado de trabalho são verdadeiros locais de tortura psicológica para essas pessoas, que têm seu direito à identidade vilipendiado diariamente. Mesmo quando são qualificadas para as vagas a que concorrem, são preteridas. E, quando são contratadas, não raro são totalmente desrespeitadas em sua iden-

Como presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (CEDECONDH), a vereadora Fernanda Melchionna compõe, junto à sociedade e a outros parlamentares – entre eles o Prof. Alex Fraga –, projeto de educação para a diversidade nas escolas. Essa ideia foi aprovada tendo em vista os altos índices de evasão escolar da população LGBT, em especial da população T.

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contribuições para o debate

por Welynton Almeida

Movimento LGBT no Brasil - uma luta por nenhum direito a menos!

O movimento LGBT tem seu marco inicial com o Levante de Stonewall, ocorrido em 1969, nas ruas de Nova Iorque. Na época, a homossexualidade era considerada pela ciência e pela sociedade como uma doença. Uma grande parte dos países, como Estados Unidos e Portugal, considerava a prática homossexual como crime. Como acontece com cidadãos considerados de segunda categoria, locais frequentados por LGBTs eram reiteradamente alvo de invasões policiais, geralmente truculentas. Em 28 de julho de 1969, no entanto, LGBTs deram um basta na crueldade policial e se rebelaram, gerando vários dias de conflitos. No Brasil, a história do movimento LGBT começa seu caminho para o que conhecemos hoje no final dos anos 1970. Cabe mencionar que, na década anterior, alguns grupos homossexuais foram criados, porém, com foco na socialização de seus membros como uma outra opção aos guetos, que eram os espaços de convívio destinados para LGBTs até o momento. Ainda no final da década de 1970, temos a formação de grupos de grande importância para o movimento, que defendiam transformações sociais que atingiam além da população LGBT. É o caso do SOMOS, reconhecido por ter tido um caráter mais politizado em sua atuação, tornandose referência para demais grupos. Tam-

bém houve o Jornal Lampião da Esquina, importante veículo de comunicação que facilitou a articulação do movimento em meio à ditadura vigente. Ambos passaram por diversos momentos e alterações internas (inclusive fragmentações, no caso do SOMOS), ora conectando a luta por mais direitos LGBTs com as demais lutas das minorias, ora em conflito entre o idealizado e a prática, eventualmente caindo em contradições. Quase na virada para 1980 acontece, no Rio de Janeiro, o primeiro encontro de homossexuais militantes, com a presença de diversos grupos de diferentes Estados e municípios. De encaminhamentos, o encontro tirou ações como inclusão na Constituição Federal do respeito à “opção sexual” (como chamavam na época – por não ser uma opção, hoje chamamos de orientação sexual) e a remoção da homossexualidade da lista de transtornos mentais. Já nos anos 1980, apesar do término da ditadura militar, o movimento enfraquece e tem o número de grupos significativamente diminuído. Essa fase é marcada pela descoberta de muitos casos de AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). A doença, causada pelo vírus HIV, foi cruelmente imputada ao comportamento sexual de LGBTs, sendo apelidada de peste gay, câncer gay, entre outros adjetivos desumanos. Muito se justifica a partir desse ponto. Direitos LGBT s • 25


contribuições para o debate

O movimento LGBT entra em xeque. Ao passo que pautávamos a luta pela liberdade sexual, enfrentávamos a sua desmoralização. É fato que, diante da ineficiência no combate à doença, alguns dos militantes LGBTs redefiniram seus focos, centralizando seus esforços no combate à AIDS. Mas também é fato que muitos não aderiram à causa, dada a força e o grau de negatividade dessa associação. É nessa conjuntura que outros grupos também importantes como o Triângulo Rosa e o Grupo Gay da Bahia atuam. Esses grupos tinham como estratégia de militância a interferência na política, partidária inclusive. Foi o Triângulo Rosa, por exemplo, que articulou a tentativa de incluir orientação sexual na Constituinte de 1988 – sem sucesso. No final dos anos 1980 o movimento LGBT volta a crescer, como fruto dos esforços de sua militância no combate à AIDS. O governo repassa a supervisão de projetos de combate à doença aos grupos, levando muitos a começarem a se organizar em formato de organização não-governamental. O movimento ressurge, de fato, nos anos 1990, ganhando espaço na mídia tradicional e visibilidade por meio da organização da população LGBT e vinculando nossa luta pelo direito de ser e amar à luta por direitos humanos. Entramos nessa década tendo a homossexualidade retirada da lista de doenças da Organização Mundial de Saúde. Os grupos também começam a adquirir mais pluralidade, tendo grupos lésbicos, gays, bissexuais e de pessoas T. O movimento LGBT vem em constante ascensão, visível já no início dos anos 2000 quando da realização da Parada de Orgulho LGBT, em São Paulo, que reuniu mais de quinhentas mil pessoas. No mesmo ano, como comparativo, na França e nos Estados Unidos as paradas reuniram cerca de 250 e 300 mil pessoas, respectivamente. A 26 • Direitos LGBT s

última parada LGBT de São Paulo, realizada em junho de 2015, reuniu mais de 2 milhões de pessoas. Ao contrário do que muitos afirmam, as paradas de luta LGBT são espaços de extremo valor para nós, que ainda lutamos por direitos negados. São dias de celebração pelo orgulho de sermos quem somos e amarmos quem amamos, e são dias de luta, onde protestamos e denunciamos nossa invisibilidade, os crimes de ódio contra nós, o Estado omisso, a falta de segurança, educação e emprego, principalmente para pessoas T. É essencial que o movimento LGBT siga se inovando, sem perder nosso caráter de luta, ocupando as ruas e a política. Nossa história já mostrou que somos capazes de inverter a lógica que nos oprime. Há muita lógica de opressão para ser invertida, há muito que se conquistar. Devemos nos espelhar nas Travestis, Transexuais, Trangêneros, Lésbicas, Bissexuais e Gays que, no Levante de Stonewall, responderam à polícia e ao Estado e disseram um basta aos espancamentos e humilhações. Devemos nos espelhar em LGBTs que resistiram aos anos extremamente difíceis da ditadura, e juntos responder aos dados alarmantes que apontam a gritante violência contra nós, em especial no Brasil, que segue liderando o ranking das estatísticas de assassinatos de LGBTs. Sigamos construindo nossa história de luta e resistência! Acesso ao acervo do jornal Lampião da Esquina: www.grupodignidade.org.br/ blog/cedoc/jornal-lampiao-da-esquina/

Welynton Almeida Coordenador de Diversidade Sexual e Identidade de Gênero do DCE/UFRGS


contribuições para o debate

por Luciano Victorino

Os desafios de LGBTs no Brasil: por mais representatividade, contra o fundamentalismo!

Todos os anos, milhões de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) ocupam as ruas em paradas do orgulho LGBT para celebrar o Levante de Stonewall e reivindicar igualdade. Vivemos tempos de urgência nas lutas sociais, diante de uma crise política e econômica que se agrava a cada dia. Por isso, precisamos traçar tarefas para este período de ataques à classe trabalhadora e aos setores oprimidos da sociedade, dentre eles, a população LGBT. O sistema político-econômico, que prioriza o lucro em detrimento da vida, e o governo federal, que se ancora em um modelo econômico antipopular baseado em pactos com partidos conservadores de direita e fundamentalistas, não têm condições de avançar nas pautas democráticas. Historicamente, foi tarefa das vozes progressistas lutar contra o conservadorismo de líderes religiosos facínoras. Há uma tentativa de barrar os direitos LGBTs com os mesmos argumentos utilizados por aqueles que, no século XIX, serviram de justificativa para a Igreja Católica escravizar os negros e negras – ao afirmar que essas pessoas não tinham alma. Essa argumentação também se expressou na metade do século XX, quando se tentou evitar o casamento entre pessoas brancas e negras nos

Estados Unidos, sob a justificativa moralista da “destruição da família tradicional”. São esses os argumentos que estão subentendidos e, muitas vezes, explícitos quando se trata da oposição aos direitos da população LGBT. Quem se dedica a militar contra os nossos direitos está do mesmo lado da História que todos aqueles que defenderam a escravidão, a Inquisição, o aprisionamento das mulheres em seus casamentos (mediante a proibição do divórcio) e a proibição do casamento inter-racial. O conservadorismo de ditos representantes dos evangélicos no Brasil (que não representam muitos dos religiosos, tolerantes e empáticos com o próximo) não é dado novo, tendo em vista que possuem uma formação baseada no fundamentalismo bíblico, no puritanismo e no sectarismo. Os líderes religiosos, de maneira geral, têm se mostrado a serviço da manutenção do status quo e das opressões, o que foi verificado com o silenciamento da Igreja Católica frente aos horrores do nazismo e com a omissão dos líderes religiosos frente à implantação da ditadura militar no Brasil. Isso tornou possível o alinhamento de boa parte das lideranças evangélicas com o governo golpista.

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contribuições para o debate

No Brasil, a luta por igualdade para LGBTs tem muitas décadas e se intensificou recentemente. No começo de 2013, tomamos as ruas para protestar contra a presença do fundamentalista Marco Feliciano (PSC/SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal. Meses depois, as Jornadas de Junho foram, para nós, uma continuação dessa luta de décadas por direitos humanos básicos, sempre negados. A chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores (PT), em 2003, fez com que LGBTs vislumbrassem ter, finalmente, seus direitos básicos. No entanto, o que se verificou foi um alinhamento do PT ao regime, com governos permeados por alianças fisiológicas. Foi no governo Dilma que Marco Feliciano foi alçado à presidência da CDHM da Câmara, após uma negociata em nome da dita governabilidade. Foi a própria presidente que sustentou que não faria “propaganda de ‘opção’ sexual” ao vetar a educação para a diversidade nas escolas com o kit anti-homofobia. Enquanto, na campanha eleitoral de 2014, Luciana Genro mandava o candidato machista do PSDB Aécio Neves não levantar o dedo para ela, Dilma baixa a cabeça para o machismo de Jair Bolsonaro (PP/RJ), o deputado apologista do estupro que compõe a base aliada do PT. O governo federal faz tantos acordos sob o pretexto de obter governabilidade que se tornou refém de suas próprias relações espúrias. E, com tanta concessão, não tem capacidade política para avançar. No Congresso Nacional, a situação é ainda pior. As concessões e os escândalos de corrupção dos governos petistas possibilitaram às forças conservadoras a oportunidade de se reorganizar e contra-atacar com força total. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar 28 • Direitos LGBT s

(Diep), o Legislativo eleito em 2014 é o mais conservador do período pós ditadura. Não à toa, os fundamentalistas têm se articulado para barrar os avanços que temos conquistado ao longo dos anos. Com mais de 70 deputados, os evangélicos se organizam como “bancada” no Congresso e utilizam-se de seus mandatos parlamentares, que deveriam estar a serviço dos direitos de todo o povo, para atacar e tentar retirar direitos daqueles a quem consideram cidadãos de segunda classe. Enquanto isso, a representação de LGBTs está restrita a um deputado apenas, que briga contra toda essa bancada: o deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ). É apenas um LGBT assumido em um universo de 513 na Câmara Federal. O atual inimigo número 1 de LGBTs é o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Cunha, que agora vira-se contra o PT, chegou à presidência da Câmara fruto de articulação política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele compõe a bancada evangélica e faz questão de atacar LGBTs em seus discursos. Apresentou dois projetos que são verdadeiros deboches à nossa luta: o do “Dia do Orgulho Heterossexual” (como se fosse necessário ter orgulho de pertencer a um grupo hegemonicamente aceito e privilegiado) e o que criminaliza a “heterofobia” como se heterossexuais apanhassem na rua e fossem mortos simplesmente por serem heterossexuais. Cunha é fruto do peso do fundamentalismo e das religiões no Congresso. Patético e corrupto, o deputado não tem moral para legislar absolutamente sobre nada, pois é relacionado a escândalos de corrupção desde a época de Paulo César Farias (o PC Farias, tesoureiro de campanha de Fernando Collor de Mello), passando pelo Mensalão e chegando, finalmente, à atual Operação Lava-Jato. Cunha manifesta repulsa ao beijo gay na televisão, mas


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não parece ter repulsa a assaltar os cofres públicos e se locupletar às custas do povo. Toda essa articulação das Igrejas nada mais é, porém, que uma contraofensiva aos inúmeros direitos que LGBTs têm conquistado através da organização ao longo dos últimos anos. Por iniciativa do corajoso mandato do deputado Jean Wyllys, conseguimos a regulamentação do casamento civil igualitário no Conselho Nacional de Justiça. Lutamos, agora, para que seja aprovado seu Projeto de Lei “João Nery”, que avançará no direito à identidade de gênero e à autodeterminação sobre os corpos a travestis, transexuais e transgêneros. Precisamos, todavia, avançar ainda mais. O Brasil hoje é responsável por 50% das mortes da população transexual no mundo – um verdadeiro escândalo. Nessa população, a expectativa de vida não passa dos 30 anos, comparados aos 75 anos da população geral. Como se não bastasse, nosso país é o que mais mata LGBTs no mundo – um a cada 27 horas, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia. Nesse contexto, o Governo Dilma não avança; ao contrário, retrocede. Com seus acordos eleitorais, PT e PCdoB se mostram inoperantes na defesa dos direitos humanos e entregam a CDHM da Câmara a pastores fundamentalistas. Não podemos nos iludir: o governo federal não pauta as questões LGBTs e não as pautará. E, agora, a situação é ainda mais crítica. Com a política de ajuste fiscal e a nomeação de um ministério conservador, o governo se mostra ainda menos disposto a garantir direitos e aprovar políticas públicas para LGBTs. Por isso, a luta LGBT não pode ser desvinculada da luta contra os ajustes e, em hipótese alguma, pode ser submetida a acordos para chegar ao poder. O aumento das tarifas e os cortes de verbas

afetam diretamente a comunidade LGBT e mostram que o governo já escolheu um lado, que não é o lado do povo. A extinção de secretarias LGBTs em alguns Estados é só um exemplo de como os ajustes nos afetam e mostra que as promessas feitas a nós são vazias. A luta LGBT tem um lado, e com certeza não é daqueles que fazem lindos adesivos LGBTs na campanha eleitoral para logo depois ceder à pressão do fundamentalismo, debochando daqueles que acreditam na possibilidade de avanços. Não queremos a unidade com aqueles que estão lado a lado no Congresso e no governo com fundamentalistas. A organização da luta em torno de um projeto concreto é essencial. Nesse contexto, dois acontecimentos recentes foram responsáveis por uma maior politização e mobilização em torno do debate sobre questões de gênero e diversidade sexual. O primeiro, como já falado, foram as Jornadas de Junho de 2013, que cumpriram um papel fundamental para a auto-organização dos mais diversos movimentos sociais e para a consolidação de um novo método de se fazer política. Percebemos o nosso protagonismo para a construção de uma sociedade mais igualitária e solidária. Outro recente processo que teve as demandas do movimento LGBT como uma das discussões centrais foram as eleições presidenciais de 2014. Luciana Genro, candidata a presidente pelo PSOL, teve coragem de levar a questão das opressões sofridas por LGBTs pela primeira vez em um debate de presidenciáveis na televisão. “A ausência de educação a respeito desses temas nas escolas faz falta. Homofobia, lesbofobia e transfobia matam”, disse Luciana Genro. Após suas intervenções, a pauta LGBT esteve presente como nunca nos debates presidenciais. De “nanica”, Luciana Direitos LGBT s • 29


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passou a uma gigante no combate ao preconceito. Os mesmos que queimaram LGBTs, mulheres e crentes de outras religiões na fogueira da Inquisição na Idade Média tentam ceifar nossos direitos e invisibilizar nossas vivências no Brasil da atualidade. Para reverter esse quadro, precisamos fortalecer as lutas de LGBTs e de todos aqueles e aquelas que não silenciam diante do preconceito. Afinal, o Brasil só teve a união estável reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a partir do fortalecimento das paradas de luta LGBT, das paradas livres e dos avanços das lutas por liberdades democráticas e direitos civis. Precisamos continuar organizados nas ruas e levar essa nossa organização na luta para os Parlamentos, onde LGBTs possam, eleitos e eleitas, vocalizar o que está engasgado na garganta de milhões de nós: dizer que existimos, que não voltaremos para o armário e que não queremos privilégios. Nossa luta é por representatividade, é por igualdade... é por direitos!

Luciano Victorino Estudante de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Coordenador-Geral do DCE da UFRGS Juntos! LGBT

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por Alessandra Bohm

Visibilidade e diversidade novas famílias e formas de ser e amar

“(...) Muitas crianças vivem com a mãe e o pai. Mas muitas outras vivem apenas com o pai... ou só com a mãe. Algumas vivem com a avó e o avô. Algumas crianças têm duas mães ou dois pais. E algumas são adotivas ou afilhadas (...)”. A citação acima faz parte do livro infantil O Grande e Maravilhoso Livro das Famílias. Assim como em alguns outros artefatos infantis, a temática das famílias homossexuais é tratada com o mesmo status de famílias heterossexuais. Representações como essas favorecem o apreço à multiplicidade de constituições familiares e ensinam a importância da construção de concepções não preconceituosas e não discriminatórias. Um modelo de educação que ensine valores de reconhecimento e de respeito aos modelos familiares formados por casais homossexuais ou por outros arranjos que incluam sujeitos não heterossexuais é fundamental, já que no Brasil vivemos um momento de busca por conquistas no campo dos Direitos Humanos no que diz respeito às ditas minorias sexuais. Ao mesmo tempo em que os movimentos sociais reivindicam direitos igualitários para LGBTTs, uma forte onda reacionária e conservadora (em sua maioria formada por políticos ligados às religiões neopentecostais) tenta reafirmar o erro histórico de considerar as diversidades sexuais como

de caráter patológico e pecaminoso. Um exemplo de práticas políticas que buscam instituir o não reconhecimento desses novos arranjos familiares e a não aquisição de direitos da população LGBTT é o Estatuto da Família. Trata-se de um projeto de lei (PL 6583/2013 da Câmara dos Deputados) que define como família casais formados por um homem e uma mulher, desconsiderando outros arranjos familiares formados por casais homossexuais e também por casais heterossexuais sem relação de descendência. Neste campo de disputas políticas, a temática “família” é protagonista no que diz respeito ao reconhecimento e equidade na aquisição de direitos, já que cada vez mais as pessoas estão tornando público o que ao longo da história sempre ocorreu: a vivência dos afetos com pessoas do mesmo sexo e a constituição de família a partir desse arranjo. O não reconhecimento social e a discriminação que muitas vezes famílias não heterossexuais sofrem são circunstâncias que as diferem de famílias tradicionais. Assim, família é todo núcleo capaz de amar, de cuidar e de respeitar seus membros. O discurso da família desestruturada, muito em voga em diversos espaços sociais, não contempla diversos outros arranjos familiares. Um país que respeita a diversidade e as múltiplas configurações Direitos LGBT s • 31


saiba mais

familiares se dará a partir da efetivação de políticas públicas que colaborem para o reconhecimento social, para a garantia de direitos da população LGBTT e do entendimento de família como lugar de acolhimento, carinho e respeito entre seus membros, independente do tipo de formação de gênero, de orientação sexual ou de grau de parentesco.

Alessandra Bohm Psicopedagoga Clínica e Institucional Mestra em Educação, Relações de Gênero e Sexualidade Professora de Curso de Formação de Professores no I.E. Gen. Flores da Cunha.

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contribuições para o debate

por sofia favero

A quem pertence o espaço público? Quem não é considerado humano, logo, passa a não ser e deixa de ter necessidades fisiológicas?

Travestis e transexuais ainda sofrem, atualmente no Brasil, uma marginalização compulsória; a esses indivíduos é negada a possibilidade de frequentar todo e qualquer terreno social. Essa noção perpassa a esfera micro e a esfera macro, seja na escola ou no trabalho, essas pessoas acabam vendo-se impedidas de acessar, até mesmo, os banheiros. Cinco ou seis dias semanais, com duração mínima de um turno, em que esses indivíduos não poderão urinar ou defecar sem que, com isso, ocorra algum constrangimento, assédio, abuso, expulsão, agressão, humilhação ou exposição. Esse tratamento aversivo reflete na resistência que muitas travestis e transexuais passam a ter: elas simplesmente buscam evitar esse local e isso inclusive encerra em casos graves de incontinência urinária. Uma simples ida ao banheiro, o que parece ser um ato corriqueiro e habitual para os inteligíveis, os cisgêneros, causa bastante desconforto e aflição para as travestis e transexuais. Qualquer sinal, ou não preenchimento de signos generificados, significará ter a sua identidade deslegitimada por esses outros, finalizando em uma violência transfóbica ao ser, costumeiramente, expulsa daquele ambiente.

Travestis e transexuais são ejetadas dos banheiros públicos, como os verdadeiros dejetos que a sociedade encara que são, e isso representa o resultado de um processo de desumanização que, agenciado pelos considerados cidadãos de fato, mantém a existência de um projeto de ser humano que supostamente deu errado. Não são gente, sequer precisam alimentar-se: justifica a ausência de empregabilidade formal que rodeia esse contingente. Não são pessoas, nem mesmo demandam um lar: embasa o abandono familiar que integra parte da realidade de muitas travestis e transexuais. Não fazem parte da população, tampouco necessitam estudar com nossos filhos polidos: alicerça a evasão escolar e o descaso em relação ao nome social. Não são humanas, seus corpos materializam uma verdadeira aberração: fundamenta o imaginário de que existem os corpos naturais que, mesmo não configurando em naturalidade alguma, possuem aparato estatal para transitar. Travestis e transexuais estão na mira de diversas violências abstratas, concretas, simbólicas e reais. É preciso desmistificar os espaços de alcance básico para que a Direitos LGBT s • 33


contribuições para o debate

pluralidade seja acolhida e resguardada. Infelizmente, como muitas mulheres cis, travestis e transexuais também são estupradas. Empurrar essas pessoas para um banheiro frequentado por homens expressa somente a maneira que a crueldade dos considerados humanos se manifesta. Também não existem dados de homens cis que apresentem-se enquanto travestis ou transexuais para cometer tal crime; esse atentado costuma ocorrer majoritariamente onde menos se espera: em casa. Medidas paliativas que segregam e colocam em perigo um grupo de pessoas em detrimento do outro não deveriam ser senso comum. Mas, para a sociedade, algumas pessoas possuem mais valor que outras. Ambos os banheiros binários possuem cabines e, nos ditos femininos, não existem mictórios. Esses fatos anulam qualquer suposta possibilidade de exposição anatômica por parte das travestis e transexuais. Se a sua preocupação é a de que alguém acabe visualizando o seu órgão genital, pasme, basta não urinar ou defecar na pia.

Sofia Favero Estudante de Psicologia – Universidade Federal de Sergipe Criadora e administradora da página Travesti Reflexiva

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Políticas Públicas para LGBTs no Brasil por marcelo rocha O Brasil, historicamente, vem relegando a segundo plano as políticas públicas para os setores oprimidos de sua população. A bem da verdade, as relações entre as leis e essas populações serviram muito mais à manutenção do status quo que a qualquer promoção de igualdade e de inclusão. Se é verdade que as grandes mudanças históricas mundiais vieram através de mobilizações, em nosso país isso é especialmente verdadeiro. Não há qualquer menção de políticas públicas para LGBTs antes de o movimento LGBT erguer firmemente sua bandeira. Da mesma forma, as instituições de Estado, quando presentes, servem à promoção da exclusão, e não da inclusão, por meio de verdadeira LGBTfobia institucional. A construção social do Brasil naturalizou a existência de cidadãos e cidadãs considerados de segunda categoria, como mulheres, negros e negras e LGBTs. Essas pessoas não eram sujeitos de direito – ao contrário, muitas vezes sequer foram considerados pela lei como sujeitos, mas sim como objetos. Foi o caso das mulheres préConstituição de 1988, encaradas, do ponto de vista legal, como de propriedade de pais e maridos, e de negros e negras no período da escravização. A emergência do HIV/AIDS na década de 1980, inicialmente entre a população homossexual masculina, obrigou o Estado brasileiro a direcionar sua primeira política

pública para LGBTs, mais especificamente para gays, mas sem tratar especificamente das demandas do movimento LGBT. Esse fato histórico fez com que, até hoje, as principais e mais efetivas políticas para LGBTs estejam na área da saúde. Em 2004, têm início a primeira ação de fato orientada à promoção da igualdade da população LGBT: o programa Brasil sem Homofobia. Essa ação foi fruto da proximidade entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) à época. Apesar do ineditismo, as iniciativas do PT redundaram em pouca aplicabilidade prática, especialmente a partir da intensificação da política de negociata de governabilidade adotada pelo governo federal. O Brasil sem Homofobia se caracterizou por ações dispersas e relacionadas principalmente a organizações não-governamentais, com pouco aparato estatal e pouco investimento governamental. Ainda que tenha sido bem sucedido ao promover a I Conferência Nacional de Políticas Públicas para LGBTs, que definiu o I Plano Nacional de Promoção dos Direitos LGBT, ficou muito longe do mínimo necessário para um segmento populacional que perde um indivíduo a cada 27 horas por crime de ódio. Ainda seria implantado, em 2011, o Conselho Nacional de Combate à DiscriDireitos LGBT s • 35


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minação e Promoção dos Direitos LGBT (CNDC). Boa parte do trabalho inicial do CNDC foi preparatório com vistas à realização da II Conferência. De nada adianta ter Plano se não há atitude e vontade política para concretizá-lo, por parte de um governo que cede ao conservadorismo e ao fundamentalismo religioso. Segundo Mello (2010), o Brasil não difere muito de países como Uganda na questão de políticas públicas para LGBTs. Sendo assim, não surpreende que sejamos um país com uma presidenta que “não faz propaganda de ‘opção’ sexual” por pressão de fundamentalistas, mas que diz que “feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”. Pode-se concluir, pela análise histórica do que vem sendo realizado, que as políticas públicas para LGBTs no Brasil estão limitadas a planos, conferências e conselhos. De mudanças na vida prática de LGBTs, muito pouco. O kit anti-homofobia nas escolas foi vetado, assim como o foram propagandas a respeito do uso de preservativos no Carnaval. O projeto de lei de criminalização da LGBTfobia foi arquivado, e os avanços de direitos para LGBTs vêm, tão somente, do Poder Judiciário. Seria o bastante no país que concentra 50% dos assassinatos de pessoas trans e travestis do mundo? No país em que a expectativa de vida dessa população é de 30 anos? Está adequado fazer isso onde adolescentes LGBTs têm um risco de suicídio cinco vezes maior que adolescentes heterossexuais e cis? Não há dúvidas de que não. O governo federal precisa, urgentemente, ter coragem para avançar, parando de negociar direitos e vidas em nome do conforto de sua governabilidade. No entanto, sabemos, infelizmente, que o governo petista não tem mais força política para se livrar da cilada da “governabilidade” que ele mesmo criou. Toda essa inércia governamental leva 36 • Direitos LGBT s

à perpetuação da LGBTfobia institucional. Porto Alegre, recentemente, negou a inclusão do debate de diversidade sexual e de gênero nas escolas por meio da Câmara de Vereadores. As escolas, que poderiam tornar-se espaços de convivência e tolerância, continuarão sendo espaços traumáticos para LGBTs, se depender do governo municipal. Na saúde, apesar de a Portaria 2.836 de 2011 do Ministério da Saúde buscar combater a LGBTfobia no âmbito do Sistema Único de Saúde, não há ações práticas de conscientização dos trabalhadores e de promoção da igualdade. Na área da segurança, as políticas públicas são motivo de pavor, principalmente para a população de travestis e transexuais, perversamente selecionada pelo sistema penal como elemento suspeito a priori. A solução para essa situação é simples: efetivação do Estado laico, afirmação de direitos e mobilização. Se precisamos lidar com um governo que rifa direitos e negocia vidas, não resta outro caminho senão aquele que trouxe aos setores oprimidos da sociedade todas as suas conquistas: organização, mobilização conectada às necessidades de nosso tempo e exigência firme de reconhecimento de direitos. Nem um passo atrás pode ser dado. As vozes do atraso serão jogadas na lata de lixo da História, pois o avanço daqueles e daquelas que lutam pode ser retardado, mas jamais será barrado. À luta!

Marcelo Rocha Médico da Estratégia Saúde da Família de Porto Alegre Mestrando em Saúde Coletiva e Estudante de Direito/UFRGS Setorial de Saúde do PSOL


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por Ana Paula de Souza dos Santos & Cristian Nunes

LGBTs e escolas: uma relação (ainda!) problemática

O ambiente escolar é o primeiro espaço de socialização para muitas crianças, ali elas se conectam com outras condições de vida e se entendem como um ser coletivo. Infelizmente o bullying é uma realidade triste das escolas, desde pequeno a sociedade separa “o gordo”, “o negro” e outras definições opressoras que prejudicam muito a formação da personalidade das crianças. Os LGBTs sofrem a mesma coisa. Hoje, nas escolas, o que mais acontece são os casos de LGBTfobia, onde muitos têm medo de assumir a sua orientação sexual para não sofrer represálias. Falta capacitação dos professores, que muitas vezes também cometem atos LGBTfóbicos, alimentando a intolerância e o preconceito. As travestis e transexuais sofrem ainda mais, porque nem nas escolas estão, onde 90% delas vai para a prostituição e tem expectativa de vida de 30 anos. Em 2011, a presidenta Dilma vetou um programa importante de inclusão de debates LGBTs nas escolas, deixando claro que a sua “governabilidade” não tem espaço para o combate a LGBTfobia, tapando o sol com a peneira ao tratar de um problema que existe e é concreto para milhares de jovens. Os conservadores também se mobilizaram para tirar o debate de “orientação sexual e identidade de gênero” dos Planos de Educação, onde o movimento LGBT lu-

tou muito para manter metas importantes de combate à intolerância. Infelizmente em diversos Estados e cidades do país os reacionários venceram essa queda de braço, mas o importante é que temos uma categoria de professores que sabe que a LGBTfobia é um problema que deve ser colocado na agenda escolar em Porto Alegre. A ATEMPA (Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre) vai construir um plano de inclusão nas escolas que debata esses temas retirados na Câmara de Vereadores. O governo brasileiro e suas bancadas conservadoras tentam tornar invisível algo que existe e tem grande relevância: um LGBT morre todo dia no Brasil e esse número vem aumentando cada vez mais. Ainda assim, não se pode esperar nada dos governos que estão aí, por isso a nossa saída é a mobilização permanente dos LGBTs na luta por mais respeito nas escolas e pela garantia do direito de ser e amar quem quiser.

Ana Paula de Souza dos Santos Presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual Protásio Alves

Cristian Nunes Grupo de Trabalho Estadual do Juntos! RS Direitos LGBT s • 37


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por samir oliveira

Mídia e população LGBT: (In)visibilidade, luta política e representatividade

A mídia exerce um papel fundamental na formação dos seres humanos. É através do que ela veicula que recebemos as informações sobre que acontece no mundo e criamos laços de identificação com pessoas, causas e regiões que, muitas vezes, sequer conhecíamos. Para a população LGBT, essa identificação sempre veio de forma distorcida ou até mesmo inexistente. Nós, LGBTs, passamos toda a nossa infância e início da juventude acreditando que somos a única pessoa LGBT no mundo, pois não nos vemos representados de forma alguma nas diversas narrativas da mídia – compreendida em toda sua amplitude, no âmbito da publicidade, da comunicação institucional, do entretenimento e do jornalismo. O que ocorre com a população LGBT – que, historicamente, é invisibilizada e estigmatizada pela mídia – é um sintoma de algo mais amplo: a concentração dos meios de comunicação no Brasil. Seis famílias controlam a mídia no país: Cívita (Grupo Abril), Marinho (Rede Globo), Frias (Grupo Folha), Saad (Rede Bandeirantes), Abravanel (SBT) e Sirotsky (RBS). O estudo “Os donos da mídia”, do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom), aponta que estes seis grupos, além da Record, da Rede TV! e da CNT, 38 • Direitos LGBT s

concentram, em seu poder 668 veículos de comunicação. São 309 canais de televisão, 308 estações de rádio e 50 jornais diários. Essas famílias fazem parte da elite econômica e política do país. São amigos pessoais de presidentes dos Poderes da República, jantam na mansão de senadores, banqueiros e grandes empresários. Alguém tem alguma dúvida a respeito do pensamento destas famílias sobre a população LGBT? Ramificados em todo o território nacional através de uma imensa rede de emissoras afiliadas, os donos da mídia sempre nos invisibilizaram, nos transformaram em motivo de chacota e nos humilharam em seus veículos de comunicação. Recentemente, a partir da primeira década dos anos 2000, estão sendo obrigados a reconhecer que nós, LGBTs, existimos e estamos lutando por direitos e por representatividade. Não é à toa que estamos aparecendo mais nas telenovelas, inclusive com papel de destaque nas tramas. Não se trata de bondade dos donos da mídia. O que ocorre é que a nossa luta cresceu tanto nos últimos anos que não é mais possível ignorá-la e negar a nossa existência. Quem fizer isso estará perdendo o trem da História e, mais


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importante do que isso, para os donos da mídia, é a perda de audiência, dado o tamanho da dissintonia que suas produções podem ter com os nossos tempos. Mas que tipo de visibilidade estamos conquistando? Em seu livro “Bicha (nem) tão má: LGBTs em telenovelas”, a jornalista Fernanda Nascimento adapta o conceito de “visibilidade regulada” do teórico cultural Stuart Hall, para a população LGBT, partindo do pressuposto de que os LGBTs aparecem na mídia, mas estão sujeitos a uma série de policiamento e vetos impostos pela heteronormatividade e pela cisgeneridade. Por esse motivo, há décadas as telenovelas exibem os casais heterossexuais em cenas picantes de sexo. Mas foi somente em 2013 que a Rede Globo exibiu a primeira cena de beijo entre dois homens em uma telenovela sua – um beijo modesto e comedido, embora deva ser profundamente celebrado. No jornalismo, então, o problema é ainda maior. A população LGBT costuma ser retratada apenas nas páginas policiais, em notícias a respeito da violência que nos agride e nos vitima todos os dias. Essa visibilidade pode ser positiva, se for bem narrada, pois expõe a perseguição e o clima de pavor a que estamos sujeitos nas ruas, nos estabelecimentos comerciais, nas escolas e nos ambientes de trabalho. Mas não é raro vermos abordagens jornalísticas meramente policialescas, que confundem conceitos e agridem novamente as vítimas. É o caso de reportagens que tratam uma travesti ou uma pessoa transexual como “um homossexual” ou “um homem vestido de mulher”, expondo seus nomes de registro civil, com os quais nunca se identificaram. Acredito, pessoalmente, que a violência reproduzida pelo jornalismo contra a população LGBT, através de reportagens

e notícias, não ocorre por maldade. Quero acreditar que nenhum jornalista que esteja familiarizado com as vivências e a luta política da população LGBT irá escrever absurdos e confundir conceitos em suas reportagens apenas para desinformar a população. O que ocorre é que grande parte dos colegas jornalistas não possuem formação, proximidade e identificação com as vivências da população LGBT, muito menos com as discussões processadas no movimento social organizado. Isso, somado a preconceitos de todas as espécies e a uma cultura institucional conservadora na mídia tradicional, acaba gerando a reprodução de narrativas muitas vezes criminosas e desumanas. A saída para termos um jornalismo mais humano, que reconheça a diversidade e respeite os direitos humanos da população LGBT passa, fundamentalmente, pela formação oferecida pelas faculdades de comunicação – que infelizmente não costumam abordar questões de gênero e sexualidade em seus currículos – e pela proximidade dos colegas com o movimento LGBT. Uma amiga uma vez disse que apenas um esforço radical de compreensão pode nos salvar, enquanto humanidade. Eu acredito que os jornalistas precisam, cada vez mais, elaborar em suas vidas e seus trabalhos esse esforço radical de compreensão. A longo prazo, a mídia como um todo, e não apenas o jornalismo, só irá reconhecer e retratar toda a diversidade humana, social e territorial do nosso país quando houver uma efetiva democratização da comunicação, que estabeleça uma distribuição igualitária do espectro eletromagnético, fiscalize a operação das concessões públicas e determine generosas cotas regionais de produção de conteúdo. A coDireitos LGBT s • 39


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municação é algo muito importante para ficar apenas nas mãos de seis famílias, que operam como verdadeiros clãs no comando de capitanias hereditárias. A comunicação produz sentidos e cristaliza conceitos na sociedade. Não podemos ficar refém do pensamento de um punhado de donos da mídia, que são amigos e aliados do que há de mais conservador na vida política do país! Ainda mais agora, que estamos observando o crescimento de um fenômeno perverso: a infiltração das igrejas evangélicas neopentecostais na mídia. Atoladas em dinheiro, estas organizações estão comprando verdadeiros latifúndios nos canais de televisão, utilizando esse espaço para propagar todo o tipo de preconceito. É, além de tudo, um ataque ao princípio constitucional do Estado laico, já que as emissoras operam uma concessão pública. É bem verdade que nenhuma destas lutas é fácil e que nenhuma destas soluções pode ser implementada em curto prazo. Mas, certamente, em 12 anos de governo muitas coisas já poderiam ter sido feitas. Ao abandonar todas as suas bandeiras históricas para chegar ao poder, o PT jogou na lata do lixo também o projeto de democratização da mídia. A capitulação foi ainda mais evidente no governo Dilma, que enterrou o anteprojeto elaborado por Franklin Martins e blindou o Ministério das Comunicações com marionetes da Rede Globo e das outras cinco famílias que controlam a mídia. As capitulações do PT não desanimam aqueles que acreditam que uma outra comunicação não apenas é possível, como necessária. Com muita luta, a população LGBT vai seguir conquistando mais espaço nas telenovelas, na publicidade e no jornalismo. As redes sociais já estão quebrando os bloqueios da mídia tradicional e mostrando toda a criatividade da população 40 • Direitos LGBT s

LGBT na construção de suas próprias narrativas e no retrato de suas próprias vivências – descolonizando uma visibilidade até então produzida por pessoas heterossexuais e cisgêneras. Por isso, é importante seguir nas ruas e nas paradas LGBTs aliando a luta por mais direitos e representatividade com a luta pela democratização da comunicação. Só assim poderemos ser verdadeiramente representados em toda nossa diversidade e ter nossos direitos plenamente reconhecidos pelo Estado.

Samir Oliveira Jornalista e integrante do grupo GEMIS (Gênero, Mídia e Sexualidade)


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Direito de Adoção por Roberto Seitenfus A adoção por casais homoafetivos, também conhecida como adoção homoparental, vem a cada ano sendo mais debatida no Brasil e no mundo todo, como um avanço e uma saída para milhares de crianças e adolescentes que aguardam uma família. Já são diversos casais homoafetivos que criam crianças e constituem famílias a partir da adoção. Cabe salientar que sempre existiram na humanidade casais homossexuais ou LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais Travestís e Transexuais) que cuidaram e adotaram crianças!

amiga, criando, muitas vezes mais uma composição de família. Enfim, se esse tipo de relação familiar sempre existiu, cai por terra discursos como o de que uma criança se “tornaria” homossexual em uma família homoparental, pois nascemos e durante tantos anos vivemos em famílias heterossexuais e machistas, que inclusive sempre impuseram para as mulheres o papel de subserviência ao homem.

Cada vez mais, a visibilidade da luta pelo respeito à livre expressão sexual vem abrindo as possibilidades no reconhecimento legal destas adoções, pois o que sempre houve foi uma omissão do poder público sobre o tema e uma adoção “à brasileira” por estes casais, que muitas vezes recebiam os filhos de pais e mães heterossexuais, que acabavam encontrando amor e carinho em uma família homoafetiva.

O papel que a dita família tradicional teve foi mais do que impor à mulher seu papel de coadjuvante nas decisões do lar. Foi um papel de impor dogmas e regras de uma elite econômica e politicamente ativa, que sempre necessitou usar a família para manter seus bens dentro do poder do homem. O concubinato até pouco tempo atrás era crime e fazia com que a mulher perdesse todo o direito patrimonial familiar.

Durante anos, com o não reconhecimento das famílias homoafetivas, muitos casais usavam o artificio de apenas uma pessoa pedir legalmente a guarda e a adoção da criança, ou usavam meios como inseminação artificial para que um dos dois pudessem ser pai ou mãe. Alguns até mesmo recorriam ao uso de uma “barriga de aluguel”, muitas vezes emprestada por uma

A família, segundo Friedrich Engels, em sua obra “A Origem da família, da propriedade privada e do Estado”, sofreu algumas mudanças e passou por diversas fases, como família consanguínea (casamento de irmãos e irmãs, carnais e colaterais, no seio de um grupo), família punaluana (casamento coletivo de grupos de irmãos e irmãs, carnais e colaterais, no seio de um Direitos LGBT s • 41


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grupo), família sindiásmica e a família monogâmica (união de um só casal, com coabitação exclusiva dos cônjuges). O mais importante é que a família sempre serviu como correia de transmissão de dogmas e leis daqueles que dominam o Estado. A negativa da adoção de crianças por casais homoafetivos é reflexo deste pensamento que ainda tenta manter o homem (branco e europeu) como o “chefe” de família, que deve trabalhar e manter o sustento da casa, em uma sociedade onde a mulher não pode se vestir de determinada forma pois, se é abusada, a culpa foi dela e não do abusador. Muito se tem avançado na busca e conquista de direitos por casais homoafetivos. Muitos destes direitos já são reconhecidos pela sociedade que vivemos, uma sociedade capitalista. Mas não há como se enganar: estes direitos são, em sua síntese, não o reconhecimento à livre expressão sexual, mas o reconhecimento de um mercado consumista que consegue ver em casais LGBTs um novo nicho e, assim, acaba por reconhecer direitos limitados, nada que avance para uma mudança cultural. O debate sobre adoção por casais homossexuais ou por qualquer expressão sexual sofre barreiras, muitas delas, ou todas elas, fundadas até hoje em dogmas e fundamentalismo religiosos, que não perseguem apenas o direito à adoção, mas ao amor como um todo, não reconhecendo nenhum direito à comunidade LGBT. Afinal, a quem beneficia as adoções homoparental ou homoafetivas, senão justamente as crianças e adolescentes que, ao não acharem o amor nas famílias sanguíneas, acham em famílias adotivas, sejam elas heterossexuais ou homossexuais, pois o amor não tem sexo nem orientação sexual, 42 • Direitos LGBT s

muito menos religião. Por fim, somente teremos o respeito às adoções por casais LGBTs quando tivermos uma sociedade que não diferencie o homem da mulher, o negro do branco, o homossexual do heterossexual. Ou seja, quando tivermos uma sociedade que vise o bem estar do SER HUMANO em primeiro lugar e não as contas bancárias de alguns que se sustentam desta diferenciação!

Roberto Seitenfus Grupo Desobedeça LGBT Parada de Luta LGBT - PoA e Viamão Militante do PSOL/RS


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Criminalização da LGBTfobia Setorial LGBT do Juntos! RS O Brasil é um dos países com dados mais alarmantes a respeito da violência LGBTfóbica. Uma pessoa LGBT sofre violência relacionada à sua orientação sexual ou identidade de gênero por hora, e uma morre por crime de ódio a cada 27 horas em nosso país. As estatísticas são ainda mais dramáticas quando fazemos o recorte apenas para a população de transexuais e travestis: esse grupo tem uma expectativa de vida média de 30 anos (comparado aos 75 anos da população geral). Concentramse em território brasileiro 50% dos assassinatos de pessoas T por crimes de ódio no mundo inteiro. Como se não bastasse, as pessoas T ainda estão sujeitas à mais cruel exclusão e discriminação, levando à evasão escolar e afastamento do mercado de trabalho e obrigando 90% delas a depender da prostituição para sobreviver. Todo esse quadro tem grande relação com a apatia dos equipamentos estatais e do Poder Legislativo na definição de leis e políticas públicas para LGBTs. Um aspecto central nisso tudo seria a criminalização da LGBTfobia. Certamente, não constituiria uma solução mágica, mas contribuiria muito para evitar tanta violência e tantas mortes. Da mesma forma como ocorreu com o racismo, o crime de LGBTfobia poderia ser um pontapé inicial para uma mudança de paradigma em que, pelo menos, a prática de LGBTfobia não fosse re-

ferendada socialmente de maneira aberta. A tipificação possibilitaria às pessoas agredidas a chance de recorrer às autoridades competentes e daria contexto para a criação de Delegacias da Diversidade Sexual. É necessário, entretanto, deixar explícito que não defendemos um Estado punitivista ou um direito penal máximo. O ideal é que a LGBTfobia seja “punida” de forma pedagógica, inserindo o(a) discriminador(a) no contexto social do(a) discriminado(a), possibilitando assim o aprendizado do respeito à diversidade, por meio de penas alternativas à pena privativa de liberdade. Uma legislação punitivista serviria somente ao acirramento de ânimos naturalmente exaltados na sociedade. O projeto conhecido como PLC 122, que tramitou até 2014 no Congresso Nacional, tinha como relator o senador Paulo Paim (PT/RS), até ser arquivado em virtude do seu tempo de tramitação sem decisão. O silêncio do Congresso tinha motivo: para não desagradar o movimento LGBT nem as forças conservadoras, foi útil deixar o PLC 122 morrer e ir para o arquivo. O projeto previa a equiparação da LGBTfobia ao crime de racismo. As principais forças que levaram ao arquivamento foram as da bancada evangélica, sob a justificativa de que a criminalização estaria ferindo a liberdade de expressão. Esse grupo, de maneira quase que anedótica, insiste em Direitos LGBT s • 43


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confundir liberdade de expressão com liberdade de discurso de ódio. Em nenhum ordenamento jurídico no mundo liberdade de expressão é ilimitada. Nem é benéfico que o seja: caso não houvesse limites, a liberdade de expressão poderia ser utilizada para instigar crimes, vociferar ódio e caluniar pessoas. Na realidade, o que alguns supostos representantes do povo evangélico fazem é exatamente isso: aproveitar a liberdade de expressão sem limites contra LGBTs, contribuindo de maneira nefasta para que o Brasil seja campeão em violência LGBTfóbica. Essas trágicas figuras, a cada discurso infeliz, sujam mais e mais suas mãos de sangue. Não cabe, de forma alguma, aceitar a ideia de que LGBTs terão privilégios com a eventual aprovação da criminalização da LGBTfobia. É exatamente por ser um grupo populacional vulnerável, atacado psicológica e fisicamente simplesmente por existir, que a lei precisa, obrigatoriamente, dar proteção diferenciada. Nenhum heterossexual cisgênero corre o risco de ser atacado na rua por sua orientação sexual ou por sua identidade de gênero – salvo, é claro, nos casos de serem confundidos com LGBTs, como já ocorreu. A própria Constituição Federal estabelece que os desiguais não podem ser tratados como se iguais fossem; aí reside o conceito de equidade, que deve ser perseguido na formulação de leis e políticas públicas. A criminalização da LGBTfobia é tão urgente que o próprio Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, já sugeriu que, frente à omissão do Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal regule o tema. Com um Congresso tão conservador como o que foi eleito em 2014, as chances de que esse debate evolua de uma maneira positiva para LGBTs – e para uma socieda44 • Direitos LGBT s

de que se pretenda respeitadora de direitos humanos – se tornam muito mais baixas. O novo projeto de legislação anti-preconceito será apresentado pelo deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ) e terá muita dificuldade para ser aprovado. No entanto, a pressão da sociedade pode gerar efeitos inesperados. A única possibilidade real de conquista da transformação da LGBTfobia em crime é através da luta de LGBTs. E, nesse sentido, é questão-chave a manutenção da mobilização como método para transformar a nossa realidade.

Juntos! é um movimento nacional de juventude. Surgiu no início de 2011 e vem conquistando a simpatia de jovens de todo o Brasil. Surgimos em um novo momento no mundo. O mar da história está agitado, já diria Maiakovski. Representamos uma nova geração de lutadores dispostos a construir um mundo radicalmente novo. Juntos! é a juventude em movimento pela educação de qualidade, em defesa do meio ambiente, contra o preconceito e por uma sociedade com igualdade e liberdade para todos. Entre em contato: juntos.org.br facebook.com/juntoslgbt lgbt@juntos.org.br (51) 9891-1901


contribuições para o debate

por Maria Berenice Dias

As Pessoas LGBTI e seus Direitos

Ninguém duvida de que se vive a era dos direitos humanos, em que a dignidade humana, o direito à igualdade e o respeito à liberdade ocupam lugar destacado. Cada vez mais aumenta a preocupação com a inclusão de todos no âmbito da tutela dos direitos e garantias fundamentais, principalmente dos vulneráveis, invariavelmente constituídos pelas minorias. Não há outra justificativa para a discriminação de que são vítimas determinados segmentos da população. Se não correspondessem a parcelas de menor expressão numérica, não seriam marginalizados. E só o fato de serem menos numerosos é que leva quilombolas, índios, gays etc. a serem alvos indefesos de discursos raivosos, podendo ser incendiados, espancados e mortos. Dentro dos segmentos dos excluídos as pessoas LGBTI – lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais são as maiores vítimas, pois são alvo tanto do repúdio social como do preconceito no âmbito familiar. Dentre essa população, travestis e transexuais são ainda mais vulneráveis. Como sua identidade de gênero é mais aparente, desde muito cedo são expulsos e expulsas de casa. São as maiores vítimas de bullying LGBTfóbico nas escolas e acabam abandonando os estudos. Claro que é mais difícil conseguirem inserção no mercado de trabalho.

Os intersexuais – que eram chamados de hermafroditas – são os mais invisibilizados, pois enquanto crianças são submetidas a intervenções cirúrgicas para a escolha de uma identidade sexual, que nem sempre corresponde à sua identidade de gênero na fase adulta. Avanços são alcançados no âmbito do Poder Judiciário. Foi há 15 anos que a grande mudança começou. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fixou a competência das Varas de Família para julgar as demandas envolvendo as uniões homoafetivas e passou a identificá-las como entidade familiar. Seguindo a trilha de inúmeros julgados, o Supremo Tribunal Federal, em 2011, conferiu às uniões homoafetivas os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis tradicionais, o que permitiu acesso ao casamento. Resolução do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2013, proibiu a qualquer autoridade negar o reconhecimento da união estável e o acesso ao casamento direto ou por conversão. Apesar do preconceito de que são alvo, das perseguições que sofrem, mantém-se omisso o legislador. Recusa-se a cumprir com a sua obrigação: fazer leis. Nada mais do que preconceito disfarçado em proteção à sociedade. Não é por outro motivo que, até hoje, não foi aprovada qualquer lei que criminalize a homofobia ou garanta direiDireitos LGBT s • 45


contribuições para o debate

tos às uniões homoafetivas. Talvez o mais surpreendente seja o retrocesso que se tem presenciado. O conservadorismo religioso toma conta do Congresso Nacional e não mede esforços para impor sua crença, como se o país não fosse laico, o que significa nada mais do que o respeito a todas as religiões. Por medo de serem rotulados de homossexuais, de não se reelegerem, os parlamentares invocam preceitos bíblicos para pregar o ódio e a discriminação. Diante desse quadro, a Ordem dos Advogados do Brasil criou Comissões da Diversidade Sexual em todas as Seccionais e em inúmeras Subseções, bem como uma Comissão no âmbito do Conselho Federal. Um grupo de juristas elaborou o Estatuto da Diversidade Sexual e propostas de emendas constitucionais. O projeto também contou com a colaboração dos movimentos sociais. Tem a estrutura de um microssistema, como deve ser a legislação voltada a segmentos sociais vulneráveis. Estabelece princípios, garante direitos, criminaliza atos discriminatórios e impõe a adoção de políticas públicas. Diante da enorme repercussão alcançada pela Lei da Ficha Limpa, foi desencadeado um movimento para angariar adesões para apresentar o Estatuto por iniciativa popular. Para isso, é necessária a assinatura de cerca de um milhão e meio de cidadãos, uma missão quase impossível. É a primeira vez que ocorre uma movimentação social pela aprovação de uma lei que assegure direitos a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais. Mas não é uma proposta que deve contar com a participação somente dos LGBTIs. Trata-se de um projeto de cidadania para garantir direitos humanos 46 • Direitos LGBT s

a todos os cidadãos. É fácil participar: www.estatutodiversidadesexual.com.br Certamente, é o único jeito de driblar a postura omissiva dos legisladores que não poderão alegar que a iniciativa desatende ao desejo do povo. Não há outra forma de a sociedade reivindicar tratamento igualitário a todos, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Afinal, de nada adianta não ver, não reconhecer, tentar punir e até matar quem só quer ter o direito de ser feliz, seja com quem for, do jeito que quiser.

Maria Berenice Dias Advogada Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB


contribuições para o debate

por Leonardo Ferreira Mello Vaz

A Luta por Reconhecimento Legal: Estatuto da Diversidade Sexual

A luta LGBTI é longa. No Brasil, os avanços e progressos que tivemos até o momento são fruto de uma luta árdua. O nosso Poder Legislativo é inerte à essas mudanças, cabendo ao Poder Judiciário reconhecer esses direitos. Entretanto, esses direitos não estão garantidos por Lei, o que gera um desconforto e uma instabilidade jurídica. Assim, urge a necessidade de leis. Por isso, a OAB juntamente com ONGs e entidades da sociedade, iniciou uma longa batalha para a aprovação de um Estatuto (uma lei completa). Para isso, precisamos colher assinaturas para que esse Estatuto da Diversidade Sexual se torne realidade. O objetivo é apresentar o projeto de lei por iniciativa popular. Esse projeto foi elaborado a muitas mãos e contou com a efetiva participação das mais de 60 Comissões da Diversidade Sexual das Seccionais e Subseções da OAB de todo o Brasil. Foram ouvidos os movimentos sociais. Já foram encaminhadas cerca de duas centenas de propostas e sugestões, mas a redação do texto final ainda está em construção. O Projeto foi elaborado no formato de microssistema, como deve ser a legislação voltada aos segmentos vulneráveis. Conta com 109 artigos distribuídos em 18 sessões.

previdenciário e criminaliza a LGBTIfobia. Aponta políticas públicas a serem adotadas nas esferas federal, estadual e municipal, além de propor nova redação dos dispositivos da legislação infraconstitucional que precisam ser alterados. Dessa forma, contamos com a sua participação na campanha. Seja um multiplicador de coleta de assinaturas. Precisamos de 500 mil assinaturas. Acesse o link, assine e compartilhe. www.estatutodiversidadesexual.com.br Assine essa ideia!

Leonardo Ferreira Mello Vaz Advogado e Ativista LGBTI Presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/RS Vice-Presidente do Conselho Estadual LGBT/RS

Além de consagrar princípios, traz regras de direito de família, sucessório e Direitos LGBT s • 47


contribuições para o debate

Setorial LGBT do Juntos! RS

Casamento Civil Igualitário

O casamento é uma das instituições mais antigas da humanidade. Ainda que muitas pessoas pensem no casamento como sacramento católico, sua origem é muito anterior à origem da Igreja. Suas regras e procedimentos tiveram diversas mudanças ao longo dos séculos, na dependência do contexto sociopolítico da época histórica e do local do mundo. Representou, na maioria dos casos no Ocidente, uma relação de dominação do homem sobre a mulher, em contratos com interesses políticos e econômicos. Foi na Roma Antiga que o casamento assumiu sua principal característica, que perdura até hoje: a de ser uma relação de vínculo jurídico entre duas pessoas. Esse vínculo é útil à sociedade, gerando efeitos sobre a herança, compartilhamento de bens, guarda de filhos etc. No caso de uniões entre homossexuais não foi diferente. Diferentes concepções a respeito do tema podem ser encontradas na História. A Roma Antiga registra as primeiras uniões formais entre homossexuais. Há, surpreendentemente, registro de um casamento entre dois homens em 1061, celebrado por um padre em uma capela na cidade de Rariz de Veiga, na região da Galícia, atual Espanha. Após passar por uma fase de total proibição por alguns séculos, voltou ao debate no início do terceiro milênio, sendo os Países Baixos o primeiro Es48 • Direitos LGBT s

tado moderno a tornar legal o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A ele, seguiram-se Bélgica (2003), Espanha e Canadá (2005), África do Sul (2006), Noruega e Suécia (2009), Portugal, Islândia e Argentina (2010), Dinamarca (2012), Brasil, França, Uruguai e Nova Zelândia (2013), Reino Unido (2014) e Luxemburgo e Estados Unidos da América (2015). Alguns outros países, como Alemanha, Colômbia e México, estabeleceram algum tipo de vínculo jurídico que garanta direitos ao casal (como acontece no Brasil com a união estável). Nem sempre, no entanto, os direitos são os mesmos do casamento entre heterossexuais. O debate que esse tema gera, cabe ressaltar, é um debate com várias confusões. Mistura-se, muitas vezes propositalmente, a ideia de casamento religioso com a ideia de casamento civil. O Estado é laico; portanto, nenhuma lei pode ser feita em função de uma crença. Respeitar as crenças – e a não-crença – significa não impor a ninguém qualquer lei baseada em dogma religioso. Sendo assim, o casamento legal – ou seja, o casamento civil – não pode estar balizado por argumentos religiosos. Nenhuma religião será obrigada a celebrar casamento entre homossexuais em virtude da aprovação do casamento civil igualitário. E, como descrito anteriormente, o ca-


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samento é uma instituição muito anterior à religião; não pertence a ela. São usados, também, argumentos diversionistas como comparar o casamento igualitário ao casamento poligâmico (como se algum setor da sociedade requisitasse isso). Além destes, casais homossexuais ainda precisam lidar com argumentos que são verdadeiros deboches, como a ideia de que se é possível casar com alguém do mesmo sexo, seria possível casar com animal de estimação ou com crianças. Esses argumentadores esquecem que o casamento é uma relação jurídica baseada na vontade – cachorros e crianças não tem responsabilidade jurídica para estabelecer tal relação. É interessante notar que alguns argumentos contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo remontam a situações já conhecidas na História. A destruição da família já foi um argumento utilizado para tentar barrar ideias hoje tidas como naturais, como o casamento inter-racial nos Estados Unidos, e para impedir a aprovação da lei do divórcio no Brasil. É curioso notar que os defensores dessa ideia acham que, por incluir famílias que existem, mas que até então não tinham proteção legal, as famílias que já possuem proteção legal serão destruídas. Como se, ao consumar-se um casamento homossexual, automaticamente fosse desfeito um casamento heterossexual. No Brasil, embora tenhamos a possibilidade de casar com alguém do mesmo sexo, essa conquista não foi reconhecida, ainda, pelo Poder Legislativo. Como outros direitos para LGBTs, coube ao Poder Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estabelecer que a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo constituía discriminação por orientação sexual, em claro desrespeito à Constituição Federal. A iniciativa de pro-

vocar esse debate no CNJ foi do mandato do deputado federal Jean Wyllys, do PSOL/ RJ. Alguns anos antes, em 2011, o Supremo Tribunal Federal havia decretado a possibilidade de formação de uniões estáveis entre casais homossexuais, que gerava praticamente as mesmas consequências jurídicas do casamento. Ainda que esse direito tenha sido uma importante conquista, não era o bastante, pois não nos trouxe a desejada igualdade na pauta – para isso acontecer, era necessário que tivéssemos os mesmos direitos, com os mesmos nomes. A insegurança jurídica ainda ronda a questão. Sem o aval do Poder Legislativo, e com o poder da bancada evangélica fundamentalista, podemos, a qualquer momento, perder esse direito conquistado com a aprovação de alguma lei que impeça o casamento homossexual. Para que esse retrocesso não ocorra, é crucial a aprovação do PL 5.120/2013, do deputado Jean Wyllys, que acrescenta ao Código Civil a possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Nossa luta nessa temática, atualmente, passa exatamente pela aprovação de uma lei que sacramente em definitivo que o Brasil respeita a todos cidadãos e a todas cidadãs, e reconhece a diversidade de relações, identidades e orientações existente desde sempre nas relações humanas. Não aceitaremos mais que finjam que nossos relacionamentos não existem!

Juntos! é um movimento nacional de juventude. Surgiu no início de 2011 e vem conquistando a simpatia de jovens de todo o Brasil. Surgimos em um novo momento no mundo. O mar da história está agitado, já diria Maiakovski. Representamos uma nova geração de lutadores dispostos a construir um mundo radicalmente novo. Juntos! é a Direitos LGBT s • 49


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juventude em movimento pela educação de qualidade, em defesa do meio ambiente, contra o preconceito e por uma sociedade com igualdade e liberdade para todos. Entre em contato: juntos.org.br facebook.com/juntoslgbt lgbt@juntos.org.br (51) 9891-1901

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por Fernanda Melchionna

Luta de Classes e Opressões no Contexto do Sistema Capitalista

A necessidade da articulação das lutas democráticas com a defesa permanente da mudança radical da estrutura econômica é fundamental para avançarmos em uma sociedade verdadeiramente igualitária que respeite a diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero. É fato que a discriminação contra a população LGBT não nasceu com o capitalismo, mas se perpetuou com ele. Os diversos estudos com relação à sexualidade demonstram que a opressão aberta contra a homossexualidade se consolida quando, com a origem da lógica da propriedade privada, a família patriarcal se torna a forma determinante e imposta de núcleo familiar. Não é à toa que, no estudo sobre as sociedades primitivas, Margaret Mead, Friedrich Engels, Hermann Baumann, Edward Westermarck, dentre outros, encontram em várias delas a normalidade das relações homossexuais. Não cabe aqui detalhar cada uma, apenas registrar que os estudos abarcaram tribos indígenas de Nova Guiné, Estados Unidos, Samoa, Egito, Babilônia, Assíria, Canaã, Caldeia, Suméria, Grécia Antiga. Aliás, como alerta Okita: “por exemplo, o mais antigo testemunho literário, de mais de 4500 anos atrás, é um papiro egípcio que prova que a homossexualidade era muito comum naquela região e que pressupunha sua existência também entre os deuses de uma maneira natural”. Portanto,

a anormalidade construída historicamente é o preconceito e não a diversidade sexual e de gênero. Mas, se em muitas sociedades anteriores não havia o preconceito e a repressão, como eles surgiram? Na transição das sociedades matriarcais para as patriarcais, em que o homem era o provedor do lar e a monogamia (da mulher, por óbvio), elemento determinante para a transmissão da herança a partir dos laços sanguíneos, a diversidade sexual passou a ser atacada. Nessa família, a mulher e a prole eram propriedade do marido, e a divisão sexual do trabalho era bastante clara. Para consolidar esse novo modelo familiar, determinante para o novo modo de produção, vários foram os elementos utilizados, desde o consentimento pelo uso do monoteísmo e da vingança divina até a repressão brutal. No escravismo a partir do séc. II, em Roma, a homossexualidade passou a ser reprimida com o Imperador Alexandre Severo, que prendeu e deportou milhares de homossexuais. Já no feudalismo, o código francês do fim do século XIII já previa que os suspeitos de “sodomia” deveriam ter ser bens confiscados para o barão e deveriam ser queimados. Penas igualmente repressivas eram previstas para as mulheres. Segundo Okita, “a Igreja medieval, junto com a classe feudal dominante, levou a perseguição aos homossexuais a um nível histérico, estabelecendo atitudes e Direitos LGBT s • 51


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práticas existentes até hoje. Essa perseguição deveu-se à ameaça que homossexuais e mulheres, persistindo em suas práticas religiosas nitidamente matriarcais, representavam ao catolicismo e à nova ordem (patriarcal). É importante constatar que nem todas as milhares de pessoas condenadas e executadas por práticas homossexuais eram realmente ‘culpadas’. Esses bodes expiatórios eram convenientes, pois desviavam as frustações das massas exploradas pelo sistema feudal”. Além disso, essas acusações certamente serviram para aumentar o patrimônio dos senhores feudais e da Igreja, uma vez que as terras dos acusados eram confiscadas. A Revolução Industrial e a Revolução Francesa deram fim ao feudalismo, emergindo uma nova ordem social: o capitalismo. Mesmo que a perseguição a homossexuais e mulheres não fosse tão agressiva como queimar na fogueira, o preconceito e o estigma já eram parte da cultura do povo. Em vários países, as penas iam de anos de prisão até prisão perpétua e de morte para “crimes” de diversidade sexual e de gênero. Para o capitalismo, as diferenças e a opressão sempre foram funcionais. Foram utilizadas para manter, na nova sociedade de classes, uma forma de superexplorar a mão-de-obra da classe operária e de dividir os movimentos de resistência, em função da reprodução das ideias da classe dominante no seio da classe dominada. Mas, nas contradições criadas pelo próprio capitalismo, também nasce a resistência. Afinal, ao jogar as mulheres no mercado de trabalho para serem superexploradas, também criaram as condições, para além do ambiente doméstico, de as mulheres se organizarem e defenderem seus direitos. No caso LGBT, da mesma maneira, aparece a possibilidade de avanços nos direitos à medida que as grandes mobilizações ocorrem. Não é a toa 52 • Direitos LGBT s

que a Rússia pós-revolução de 1917 foi o primeiro país a abolir as legislações contra as liberdades sexuais, só retrocedendo em 1930 com o stalinismo. Tampouco a rebelião de Stonewall, um marco para o movimento LGBT ocorrido nas ruas de Nova York, pode ser explicada sem as revoluções de 1968, que pautaram a luta dos negros, mulheres e abriu a janela de oportunidade histórica para que lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais promovessem uma verdadeira rebelião durante quatro dias. No Brasil, onde vivíamos sob a ditadura militar, a emergência de um movimento de juventude de luta contra a ditadura foi fundamental para o início da luta LGBT. Podemos constatar que um questionamento de massas do sistema econômico permeou o conjunto das relações sociais e portanto, passaram a ser questionados todos os elementos do sistema. No caso de 1968, a luta contra o capitalismo e o stalinismo permeou mobilizações multitudinárias no mundo inteiro. Embora não se tenha conseguido derrotar os sistemas, se revolucionou os costumes. Sem 1968, as lutas democráticas de 2015 não se explicariam. Sequer podemos explicá-las sem a retomada das mobilizações como método de grandes transformações, sobretudo a partir de 2011, quando povos do mundo inteiro passaram a ocupar as praças e ruas contra a crise econômica e pelo fortalecimento das lutas contra as opressões. A união entre a luta contra a opressão e a luta contra a exploração não é espontânea e nem imediata; necessita da mediação de sujeitos políticos e sociais capazes de unificá-las para potencializar ambas. Um bom exemplo foi a campanha da companheira Luciana Genro à presidência pelo PSOL, demonstrando a necessidade de uma revolução política, econômica


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e no acesso a direitos. Essa unidade deve ser feita cotidianamente nas lutas do nosso tempo, pois a igualdade efetiva em direitos só pode ser conquistada com a unidade dos explorados e dos oprimidos. Ela é que permitirá colocar uma pá de cal no patriarcado e na exploração capitalista, construindo uma sociedade justa, fraterna, igualitária onde a essencialidade dos seres humanos seja respeitada: a liberdade de ser e amar!

Fernanda Melchionna Vereadora de Porto Alegre pelo PSOL Presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Porto Alegre

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nós duas depoimento

por Marliane Ferreira dos Santos & Cristina Azevedo Gonçalves A nossa história começou num “sem querer” e tomou conta... essa vontade de estar juntas! Tínhamos as nossas vidas tão distantes, fisicamente, mas o resto todo em comum era o que gritava e dizia que queríamos ser parceiras sempre e de todos os jeitos. A barra foi lidar com o rebuliço que a nossa vida virou... as decisões, o peito e a cara que tivemos que ter pra lidar com filhos, pais, irmãos, amigos... Incrivelmente, fomos acolhidas por todos com todo o carinho e o respeito que precisávamos naquela hora. Tivemos que ter cara, sim, porque a gente nunca sabe o que uma pessoa querida pode dizer e nos magoar, ou o sofrimento que pode ser gerado ao encarar o diferente. Nunca se sabe, também, que reação pode ter aquela pessoa que achamos que conhecemos, que, às vezes, morre de pavor quando vê alguém fora do armário. Está aí, para qualquer um ver, as consequências da bestialidade humana para quem é diverso e ousa ser o que é, sem esconder-se e sem ter medo de ser feliz. O bom disso tudo é que nós, Marliane e Cristina, vimos cada um dos nossos queridos, e até dos nem tanto, terem a agradável surpresa de conviver com gente que 54 • Direitos LGBT s

tem uma família fora do padrão e é feliz independentemente disso, com muita dignidade. Nos recusamos a aceitar qualquer rótulo, restrição ou menosprezo – porque somos militantes, assumir e conviver é fundamental para que outr@s saibam que somos muitos e que somos sujeitos de cidadania plena, vivendo por aí seus amores, sem medo de ser feliz ou infeliz e nem se sentindo diferente. O carinho e a amizade da Luciana Genro e do PSOL são capazes de nos fazer acreditar que o “banimento” social, imposto a muita gente neste vasto mundo, tem seus dias contados, porque as lutas são intensas e certeiras, e direitos não se negociam. Esse foi um ponto importante para nós, e nos fez ficar mais fortes. Somos hoje um casal de mulheres de quase 50 anos, temos netinhos e a felicidade de militar com a própria vida! Como todo casal, discutimos a relação o tempo todo, e alimentamos o amor todo dia! Marliane Ferreira dos Santos Servidora Pública da Secretaria Estadual de Educação/RS Ex-Diretora do CPERS/Sindicato

Cristina Azevedo Gonçalves Professora Municipal em Alegrete/RS


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filmes O cinema desconstrói, há muitas décadas, o preconceito contra LGBTs. Alguns estudiosos apontam que as primeiras referências à diversidade sexual e de gênero no cinema datam de 1895 – o ano de criação da arte. A evolução da aceitação foi retratada ao longo do tempo. Ainda que alguns filmes tragam conceitos hoje considerados errados pelos movimentos sociais e pelos acadêmicos, os cineastas trouxeram muitas contribuições avançadas, cada um a seu tempo.

Bent

Amor em Tempos de Guerra

A Consequência

Un Amour à Taire. Dirigido por Christian Faure. França, 2005.

Die Konsequenz. Dirigido por Wolfgang Petersen. Alemanha, 1977.

Uma visão dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Com o cinema tradicionalmente abordando a perseguição aos judeus, esse filme francês mostra as barbáries impostas pelo nazi-fascismo aos homossexuais. Milhares de pessoas morreram nos campos de concentração nazistas por serem LGBTs.

Filme produzido no final da década de 1970 abordando a história de um ator suíço que fora condenado por se envolver com um menor de idade. Na prisão, se apaixona por um rapaz. A obra busca denunciar o preconceito através da demonstração do sofrimento de um homossexual.

Azul é a Cor Mais Quente La Vie d’Adèle. Dirigido por Abdellatif Kechiche. França/Bélgica/Espanha, 2013. A vida de Adele é sacudida ao conhecer Emma, uma jovem de cabelos azuis, e sentir-se atraída por ela.

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Bent. Dirigido por Sean Mathias. Reino Unido/Japão, 1997. Outro filme ambientado na Segunda Guerra Mundial. Max é um homem gay enviado a um campo de concentração nazista, onde tenta esconder sua orientação. Lá, se apaixona por Horst, outro prisioneiro gay, mas que ostentava o triângulo rosa com orgulho.

C.R.A.Z.Y. C.R.A.Z.Y. Dirigido por Jean-Marc Vallée. Canadá, 2005. A história trata do drama de um jovem que se descobre homossexual nas décadas de 1960 e 1970 e sua conturbada relação com um pai conservador e homofóbico.


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Circunstância

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

Circumstance. Dirigido por Maryam Keshavarz. Irã, 2011.

Dirigido por Daniel Ribeiro. Brasil, 2014.

Em uma sociedade opressora, especialmente com mulheres e LGBTs, duas mulheres vivem um romance. Elas sofrem muita repressão, inclusive dentro de suas famílias, e com o fundamentalismo religioso.

Contra Corrente Contracorriente. Dirigido por Javier Fuentes-León. Peru/Colômbia/França/ Alemanha, 2009. Em uma vila de pescadores peruana, Miguel vive o dilema de ser um homem casado com uma mulher, mas ter um amante, em uma cidade com tradições rígidas.

O Criado The Servant. Dirigido por Joseph Losey. Reino Unido, 1963. Filme que trata de temática pouco explorada no cinema: a homossexualidade e o embate de classes, neste caso, na Inglaterra.

De Repente, Califórnia Shelter. Dirigido por Jonah Markowitz. EUA, 2007. Filme independente que traz a história de um jovem forçado a abandonar a faculdade de artes e passar a ter de lidar com os conflitos com sua sexualidade ao conhecer um escritor.

Conta a história de um jovem cego, Leonardo, excluído por seus colegas na escola. A chegada de Gabriel à escola muda os planos e a vida de Leonardo.

Jogo de Imitação The Imitation Game. Dirigido por Mortem Tyldum. EUA/Reino Unido, 2014. Embora não seja um filme de temática predominantemente LGBT, merece menção por tratar da história de Alan Turing, o pai da computação moderna. Turing foi o cientista que deu as bases para toda a computação como conhecemos, e foi condenado pela Justiça inglesa à castração química por ser homossexual. O estado mental em que Turing ficou o levou ao suicídio.

Laurence Anyways Laurence Anyways. Dirigido por Xavier Dolan. Canadá/França, 2012. A obra enfoca os aspectos da transição de uma mulher transexual e de sua relação com sua namorada. Traz o interessante debate da separação dos aspectos identidade de gênero e orientação sexual.

Má Educação La Mala Educación. Dirigido por Pedro Almodóvar. Espanha, 2004. Almodóvar traz o relato da vida de Ignacio e Enrique, dois garotos que descobrem o amor em uma escola religiosa nos anos 1960 e reencontram-se na vida adulta. Direitos LGBT s • 57


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Maurice Maurice. Dirigido por James Ivory. Reino Unido, 1987. Dois homens apaixonam-se em Cambridge e tem de lidar com o dilema entre sua progressão profissional e os seus sentimentos na Inglaterra do início do século XX, que considerava a homossexualidade um crime.

Meninos não Choram Boys Don’t Cry. Dirigido por Kimberly Peirce. EUA, 1999. Baseado em fatos reais. Brendon Teena é um jovem homem transexual que chega a uma pequena cidade do Estado de Nebraska. Brendon leva sua vida normalmente até que seus amigos descobrem os fatos passados de sua vida enquanto ainda exercia papel social do gênero feminino.

Meu Passado me Condena

ator a Sean Penn, traz a história de Harvey Milk, primeiro político abertamente homossexual a ser eleito para o Congresso dos Estados Unidos.

Minha Vida em Cor-de-Rosa Ma Vie en Rose. Dirigido por Alain Berliner. França, 1997. Minha Vida em Cor-de-Rosa enfoca a transição absolutamente natural de Ludo, uma menina transexual. Enquanto a menina trata toda a situação com total normalidade, a família não consegue lidar com a transexualidade da filha.

Morrer como um Homem Dirigido por João Pedro Rodrigues. Portugal/França, 2009. A história aborda o drama de uma travesti com relação conturbada com seu filho e pressionada a passar pela cirurgia de transgenitalização por seu namorado.

Victim. Dirigido por Basil Dearden. Reino Unido, 1961.

O Outro Lado de Hollywood

Um advogado de sucesso casado, secretamente homossexual, começa a investigar um chantagista que tenta lhe tirar dinheiro ameaçando divulgar seu segredo. Na época, a Inglaterra mantinha as leis anti-sodomia que consideravam a homossexualidade crime.

The Celluloid Closet. Dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman. França/Reino Unido/Alemanha/EUA, 1995.

Milk – A Voz da Igualdade Milk. Dirigido por Gus Van Sant. EUA, 2008. Filme que garantiu o Oscar de melhor 58 • Direitos LGBT s

Documentário que debate a visão de Hollywood sobre as pessoas LGBTs. Abordando desde as personagens afetadas até a censura do Código de Produção hollywoodiano, é um marco histórico no cinema LGBT.


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Orações para Bobby Prayers for Bobby. Dirigido por Russell Mulcahy. EUA, 2009. Baseado em fatos reais. Mary Griffith, uma mãe extremamente religiosa, perde o controle quando descobre que seu filho, Bobby, é homossexual. A não aceitação de Bobby pela família leva a um trágico desfecho e, sua mãe, a uma busca desesperada pela compreensão da homossexualidade e a uma cruzada em defesa dos direitos LGBT.

Paris is Burning Paris is Burning. Dirigido por Jennie Livingston. EUA, 1990. Documentário que traz a cena drag queen de Nova York nos anos 1980.

LGBT, Priscilla dispensa apresentações e é considerado um filme praticamente definitivo para as drag queens.

Stonewall - A Luta Pelo Direito de Amar Stonewall. Dirigido por Nigel Finch. Reino Unido/EUA, 1995. Aborda os acontecimentos de 28 de junho de 1968, a Rebelião de Stonewall, marco do movimento pelos direitos das pessoas LGBT.

Tatuagem Dirigido por Hilton Lacerda. Brasil, 2013.

Pride

Um romance entre um soldado e o líder de um grupo teatral no contexto da ditadura civil-militar brasileira, observado de uma perspectiva marginal.

Pride. Dirigido por Matthew Warchus. Reino Unido, 2014.

Tomboy

Uma história de solidariedade do movimento LGBT com a União Nacional de Mineiros do Reino Unido, no contexto das greves contra o governo de Margaret Thatcher em 1984. Traz a importante conexão das lutas contra a exploração e as opressões, com as quebras de barreiras necessárias para tanto.

Tomboy. Dirigido por Céline Sciamma. França, 2011.

Priscilla, a Rainha do Deserto

Transamérica

The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert. Dirigido por Stephen Elliot. Reino Unido/Austrália, 1994.

Transmerica. Dirigido por Duncan Tucker. EUA, 2005.

Talvez o maior clássico do cinema

A história de um menino transexual de 10 anos de idade, focada na importância da identidade de gênero na interação social e nas dificuldades de ser uma pessoa transexual na sociedade heterocisnormativa.

Filme estadunidense independente que trata de Bree, uma mulher transexual que, prestes a passar por cirurgia de transgenitalização, descobre que tem um filho de 17 Direitos LGBT s • 59


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anos que necessita de ajuda. Bree é proibida de passar pela cirurgia por sua psicóloga até resolver tal questão.

Um Dia Muito Especial Una Giornata Particolare. Dirigido por Ettore Scola. Itália, 1977. Esta obra revisita a Itália fascista durante uma visita de Adolf Hitler. Uma dona de casa encontra o vizinho homossexual que está prestes a cometer suicídio, após ser demitido da rádio onde trabalhava em virtude de sua orientação sexual. A mulher passa, então, a questionar o regime machista e opressor em que vive.

Vida Nua The Naked Civil Servant. Dirigido por Jack Gold. Reino Unido, 1975. Conta a história de um militante homossexual, Quentin Crisp, na Inglaterra dos anos 1930. Crisp andava maquiado pelas ruas de Londres em uma época que o comportamento homossexual era crime.

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livros Se antes a literatura LGBT se restringia aos círculos acadêmicos, a abordagem dessa temática tem tido mais espaço ultimamente, ainda que mais focada nas questões das populações L e G (principalmente). Aqui, indicamos principalmente livros que versam sobre questões importantes para o movimento e também os que se prestam a esclarecer pessoas heterocisgêneras interessadas. Mas é relevante citar que há um crescente número de romances com protagonistas LGBTs. É essencial dizer, também, que é uma pequena lista dentro de uma vasta gama de literatura, que não se pretende academicista.

Abaixo do Equador – Culturas do desejo, homossexualidade masculina e comunidade gay no Brasil Richard Parker. Editora Record, 2002. Neste ensaio, Richard Parker mostra o universo da sexualidade e da cultura do Brasil. O autor destaca a prostituição e a homossexualidade e faz análises comparativas entre Rio de Janeiro e Fortaleza através do ponto de vista da dinâmica de um universo gay. Baseado em uma longa pesquisa de campo – conduzida por Richard Parker durante mais de quinze anos –, o livro traça um detalhado painel etnográfico dos múltiplos universos sexuais existentes nas ruas, enfocando a prostituição masculina, michês, transformistas, produtos e estabelecimentos direcionados ao público gay, direitos de homossexuais e o programa brasileiro de combate à AIDS. O autor

explora as transformações nas identidades sexuais e culturais que tomaram forma no Brasil nas últimas décadas.

Abrindo o Armário – Encontrando uma Nova Maneira de Amar e Ser Feliz Julio Wiziack. Editora Jaboticaba, 2006. Julio Wiziack, jornalista, revela dúvidas e conflitos que teve e como foi importante para ele assumir, para o mundo, sua homossexualidade. Abrindo o Armário é o depoimento cativante de um ser humano que busca diferentes formas de amar e ser feliz.

Além do Carnaval – A Homossexualidade Masculina no Brasil do Século XX James Naylor Green. Editora UNESP, 2000. Este livro inovador do brasilianista James N.Green – ganhador do prêmio ‘Hubert Herring’, do Conselho de Estudos Latino-Americanos na Costa do Pacífico (EUA), e o da Fundação ‘Paul Monette’ como o melhor trabalho sobre estudos gays e lésbicos – mostra que por debaixo dos trajes à la Carmen Miranda, típico mito de exportação da alegria e descontração carnavalescas no Brasil, sempre esteve escondido não a tolerância, mas o preconceito. O estudo de Green se concentra na homossexualidade masculina no Rio de Janeiro e em São Paulo, ao longo do século XX. Direitos LGBT s • 61


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Bíblia e Homossexualidade – Verdades e Mitos

Born To Be Gay – História da Homossexualidade

Alexandre Feitosa. Editora Metanoia, 2010.

William Naphy. Edições 70 – Brasil, 2006.

Este livro é fruto de uma análise de textos bíblicos que, supostamente, condenam a homossexualidade, proporcionando uma visão pouco explorada no meio teológico, com o intuito de abrir as portas da inclusão para milhares de cristãos homoafetivos antes excluídos em virtude de uma interpretação equivocada das Escrituras. O que se espera agora não é um debate entre os favoráveis e aqueles contrários à homoafetividade, mas a libertação de muitos que vivem sob um jugo não imposto por Jesus, mas construído ao longo dos séculos por uma interpretação literalista da Bíblia Sagrada.

Desde há muito que o Ocidente dá como adquirido que a sua concepção do sexo e da sexualidade é, essencialmente, partilhada pelo resto do mundo. Contudo, nesta obra William Naphy mostra-nos que nem sempre assim foi. Muitas culturas antigas aceitavam, encorajavam até, as relações entre pessoas do mesmo sexo, fosse como ritual de entrada na adolescência ou com funções associadas ao culto, e só a ascensão do judeo-cristianismo obrigou à marginalização da homossexualidade. Numa análise que se inicia ainda antes de Sodoma e Gomorra e que abarca culturas de todo o mundo, o autor apresenta-nos a forma como, ao longo dos tempos, a homossexualidade era encarada por diferentes povos e culturas.

Bicha (nem tão) má – LGBTs em Telenovelas Fernanda Nascimento. Editora Multifoco, 2015. A participação de personagens LGBTs nas telenovelas têm se acentuado nos últimos anos e contribuído para o debate sobre a diversidade de gênero e sexualidade. Bicha (nem tão) má – LGBTs em telenovelas propõe uma discussão sobre as construções de sentidos produzidas pelas narrativas midiáticas acerca de uma população historicamente oprimida. A multiplicidade da identidade da personagem Félix, de Amor à Vida, é ponto de partida para compreender as complexidades e contradições dessas representações.

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Casamento Igualitário Bruno Bimbi. Editora Garamond, 2013. Quando, em fevereiro de 2007, vários casais homossexuais começaram a entrar com ações na justiça argentina porque queriam se casar, parecia impossível que conseguissem. O autor explica a estratégia que levou à conquista do casamento igualitário na Argentina e conta aqui os bastidores da campanha, as estratégias usadas, as pressões e as intrigas que ninguém tinha revelado. Ele conta, também, como a experiência da Argentina serviu para organizar a campanha pelo casamento igualitário no Brasil.


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Coligay – Tricolor e de Todas as Cores Leo Gerchmann. Editora Libretos, 2014. Léo Gerchmann conta com detalhes a saga de alegres herois, que tiveram o desplante de dessacralizar o templo até então restrito a “homens com H”, como se chamavam os valentões. Coligay - Tricolor e de todas as cores ressalta o corajoso pioneirismo dos rapazes que desejavam apenas torcer para seu clube de coração, sem concessões à hipocrisia, mas acabaram subvertendo paradigmas. Passados quase 40 anos, homossexualidade ainda é um tabu no ambiente futebolístico. Mas, durante seus cinco anos de atividade, a Coligay mostrou, a cada jogo, que não há maior frescura do que o preconceito.

Devassos no Paraíso – A homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade João Silvério Trevisan. Editora Record, 2000. O livro de João Silvério Trevisan é praticamente um levantamento histórico e antropológico sobre a homossexualidade no Brasil. O jornalista traz relatos pouco divulgados dos tempos do Brasil colônia, avançando até o período imperial e os anos 2000. A narrativa aborda a presença de LGBTs no mundo das artes, nos movimentos sociais e na contracultura das décadas de 1960 e 1970. O autor ainda faz uma análise interessante a respeito do surgimento de uma certa “mídia LGBT” no período, da qual o jornal Lampião da Esquina foi a expressão mais conhecida. Fruto de uma intensa pesquisa documental e historiográfica, Devassos no Paraíso é uma obra única

e essencial para quem deseja se debruçar sobre a trajetória política e de vivências da população LGBT no Brasil.

Frente e Verso – Visões da Lesbianidade Hanna Korich, Laura Bacellar e Lucia Facco. Editora Malagueta, 2011. Nesta obra, três lésbicas falam sobre casamento, homofobia, literatura, cultura, filhos, namoro, auto-estima e outros aspectos da vida de mulheres em relacionamentos assumidos com outras mulheres. As autoras objetivam contribuir para a discussão do segmento lésbico na sociedade brasileira.

História da Sexualidade (trilogia) Michel Foucault. Editora Paz e Terra, 2014. Ao longo dos anos 1970, Michel Foucault dedicou seu trabalho no Collège de France à análise do lugar da sexualidade na sociedade ocidental. Sua reflexão encontrou no sexo e na sexualidade a causa de todos os acontecimentos da vida social. O filósofo empreendeu uma pesquisa histórica, estabelecendo uma antropologia e uma análise dos discursos acerca desse tema tão fundamental para a condição humana. A trilogia é reconhecidamente um dos grandes trabalhos do pensador. O Volume 1 – A vontade de saber – é pensado como uma introdução geral aos temas a serem desenvolvidos nos volumes seguintes. A vontade de saber é um livro ousado e surpreendente por mostrar com brilhantismo que, diferentemente do que em geral se pensa, a sexualidade não foi reprimida com o advento

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do capitalismo. Ao contrário, desde meados do século XVI – processo que se intensifica a partir do século XIX com o nascimento das ciências humanas e, sobretudo, da psicanálise –, o sexo foi incitado a se confessar, a se manifestar. O Volume 2 – O uso dos prazeres – assinala uma importante transformação na história. Conservando o objetivo de investigar como nasce, nas sociedades ocidentais modernas, a noção de sexualidade, Foucault recua no tempo até a Grécia clássica para investigar como a atividade sexual se constitui como domínio de prática moral e modo de subjetivação característicos do projeto de uma ‘estética da existência’. No Volume 3 – O Cuidado de Si –, o leitor vai entender como a questão da verdade e o princípio do conhecimento de si se desenvolvem nas práticas de ascese. Precisamos procurar saber por que o culto a si mesmo desenvolveu-se até se transformar no que vemos hoje.

História, Literatura e Homossexualidade Adriane Vidal Costa e Daniel Barbo. Fino Traço Editora, 2013. Este livro tem como objetivo apresentar alguns aspectos relevantes de pesquisas que se tem dedicado à temática História, Literatura e Homossexualidade. Como o próprio título do livro indica, é um campo de estudo interdisciplinar que exige um esforço em estabelecer relações profícuas, em diversos contextos, entre história e literatura e a sua articulação com a homossexualidade. Esta coletânea propõe uma reflexão acerca da construção de identidades homoeróticas/homossexuais produzidas por textos filosóficos, científicos e literários em sua interface com a história. O debate sobre o homoerotismo/homossexualidade 64 • Direitos LGBT s

é na contemporaneidade um dos mais prementes e se manifesta com muito vigor na literatura, na mídia, nas ruas, nas universidades e no cenário político.

Homossexualidades, Cultura e Política Celio Golin e Luis Gustavo Weiler. Editora Sulina, 2002. Os ensaios do livro Homossexualidades, Cultura e Política são fruto de um seminário que o nuances – Grupo Pela Livre Expressão Sexual organizou na semana da Parada Livre, em junho de 2001. Em dois dias de debates, os participantes tiveram a oportunidade de refletir e aprofundar as discussões em torno das homossexualidades. A título de esclarecimentos dos leitores, o nuances torna mais racional o uso dos termos viado e guei. O primeiro está escrito com “i” e não com “e” porque ao ser escrito assim, aproxima-se da representação construída no dia-a-dia, ou seja, oralmente. O segundo, apresentado com “uei” e não com “ay”, atende ao desejo do autor de aportuguesar o termo vindo do inglês.

Imprensa Gay no Brasil Flávia Péret. Publifolha Editora, 2012. Imprensa Gay no Brasil busca reconstruir quase meio século de história da imprensa homossexual no país. Apenas nos anos 1960, revistas abertamente homossexuais começaram a ser feitas e distribuídas de mão em mão, em círculos restritos do país. Em 1978, durante o governo Ernesto Geisel, surgiu Lampião da Esquina, primeiro jornal gay de circulação nacional, que duraria até 1981. Nas décadas seguintes, enquanto os grupos de defesa dos direitos de gays e lésbicas se consolidavam, jornais,


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revistas e panfletos se espalharam pelo Brasil. A obra traz ainda depoimentos de Aguinaldo Silva e João Silvério Trevisan a respeito da criação de Lampião da Esquina e do jornalismo voltado a homossexuais.

A Justiça e os Direitos de Gays e Lésbicas – Jurisprudência Comentada Celio Golin, Fernando Altair Pocahy e Roger Raupp Rios. Editora Sulina, 2003. O nuances - grupo pela livre expressão sexual - é uma ONG que trabalha na defesa dos direitos humanos dos homossexuais desde 1991 na cidade de Porto Alegre/RS. Esta obra é mais uma iniciativa que vem ao encontro da sua postura política de dar visibilidade e do aprofundamento das questões que envolvem a realidade da homossexualidade dentro do cenário brasileiro e mundial. Para o nuances, o Estado brasileiro tem um papel fundamental na construção de uma sociedade onde a palavra democracia tenha significado na vida de todos os brasileiros, independentemente do lugar social onde se situam. A Justiça e os Direitos de Gays e Lésbicas – Jurisprudência comentada é uma obra que vem para contribuir de forma decisiva na conquistas de direitos, bem como, de forma qualificada, proporcionar aos interessados no tema um leque de decisões acompanhadas de comentários de estudiosos que vêm rompendo com o silêncio hipócrita da sociedade brasileira sobre o tema da sexualidade.

Luta, Resistência e Cidadania – Uma análise psicopolítica dos Movimentos e Paradas do Orgulho LGBT Alessandro Soares da Silva. Juruá Editora, 2008. Este livro é um estudo comparativo sobre os movimentos homossexuais no Brasil, Espanha e Portugal. Neste estudo, o autor traz as perspectivas, ideologias e metas frente às comunidades gays e às sociedades nas quais estão inseridos.

Mãe Sempre Sabe? – Mitos e verdades sobre pais e seus filhos homossexuais Edith Modesto. Editora Record, 2008. Edith Modesto nos traz uma abordagem franca sobre o complexo e ainda pouco explorado tema da diversidade sexual dentro da família, a fim de fornecer instrumentos emocionais e psicológicos para os pais lidarem com a orientação sexual de seus filhos e filhas.

Manifesto Contrassexual – Práticas Subversivas de Identidade Sexual Beatriz Preciado. N-1 Edições, 2014. Aqui, o filósofo espanhol Beatriz Preciado dinamita, com seu humor corrosivo e rigor teórico, tudo aquilo que se entende por sexualidade. Os estereótipos homem/ mulher, homo/hétero, natural/artificial vão progressivamente sendo despedaçados Direitos LGBT s • 65


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através das análises que o autor faz sobre o dildo, a história do orgasmo e a atribuição de sexo. Se de início é curiosamente divertido, a cada capítulo aprofunda-se nas contradições relacionadas às noções contemporâneas de gênero e desejo. É inspirado pelo pensamento de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Judith Butler e Jacques Derrida que o autor inaugura a contrassexualidade - uma teoria do corpo que é, também, estratégia de resistência ao poder.

Manual Prático dos Direitos de Homossexuais e Transexuais Sylvia Mendonça do Amaral. Edições Inteligentes, 2003. O livro acompanha a evolução do direito de homossexuais e transexuais. A autora mostra que, a cada dia, um número maior de juízes passa a aceitar esta proposição, com base em um panorama de maior liberalidade social.

Meus Dois Pais Walcyr Carrasco. Editora Ática, 2010. Os pais de Naldo se separam, e ele fica morando com a mãe. Depois de um tempo, seu pai passa a dividir o apartamento com Celso, um amigo que cozinha muito bem. A mãe do menino recebe uma proposta de promoção, mas precisa mudar de cidade e não quer que o menino troque de escola no meio do ano. Naldo não consegue entender muito bem por que a mãe e a avó não querem que ele fique morando com o pai. A história procura mostrar que as pessoas podem ser diferentes, porém o mais importante é ter uma família que seja amável. Livro infanto-juvenil com objetivo de auxiliar na educação para a diversidade. 66 • Direitos LGBT s

O Movimento LGBT e a Homofobia – Novas perspectivas de políticas sociais e criminais Clara Moura Masiero. Editora Criação Humana, 2014. Em O Movimento LGBT e a Homofobia – Novas perspectivas de políticas sociais e criminais, Clara Moura Masiero utiliza-se de conhecimentos jurídicos, criminológicos, sociológicos, psicológicos e históricos para debater a questão da política de combate à LGBTfobia. Masiero discute, a partir disso, a legitimidade da demanda do movimento LGBT e as possibilidades de políticas para o combate à discriminação.

Muito Além do Arco-Íris – Amor, sexo e relacionamentos na terapia homoafetiva Klecius Borges. Editora GLS, 2013. Neste livro, o autor faz uma seleção de casos e aborda assuntos como autoaceitação, visibilidade social, homofobia e preconceito. Partindo de uma perspectiva não heteronormativa, ele convida o leitor a refletir sobre os dilemas e os prazeres que permeiam os relacionamentos homoafetivos. Buscando abrir caminhos para a autorreflexão e a transposição de barreiras na busca de uma vida mais equilibrada e feliz.


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O Nascimento de Joicy – Transexualidade, jornalismo e os limites entre repórter e personagem

Sopa de Letrinhas – Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90

Fabiana Moraes. Editora Arquipélago, 2015.

Regina Facchini. Editora Garamond, 2005.

Neste livro a jornalista Fabiana Moraes conta a história da transexual Joicy, ex-agricultora que procura o serviço público de saúde para adequar seu corpo ao que deseja para si.

O Que a Bíblia Realmente Diz Sobre a Homossexualidade Daniel A. Helminiak. Editora GLS, 1998. O autor, padre católico com doutorado em teologia, cita fielmente todos os trechos em que há menção de homossexualidade e analisa seu significado de acordo com os mais recentes estudos históricos, apontando o engano de quem vê condenação de homossexuais na Bíblia.

Same-Sex Unions in Premodern Europe John Boswell. Vintage Books, 1995. Ainda sem versão traduzida para o português, esta obra é única ao trazer evidências de que, em determinado momento na Europa Pré-Moderna, as Igrejas Católica e Ortodoxa não apenas aprovaram uniões entre parceiros do mesmo sexo, mas também as santificaram, em cerimônias muito similares às cerimônias do casamento heterossexual.

Este livro é um estudo sobre o movimento homossexual brasileiro no contexto da segunda metade dos anos 1990. Realizado a partir da cidade de São Paulo, este trabalho pretende contribuir e estabelecer diálogo com os estudos sobre movimentos sociais no Brasil contemporâneo. Tem como base uma pesquisa bibliográfica e documental, sobre a trajetória de mais de 25 anos do movimento homossexual brasileiro, e um trabalho de campo realizado a partir da observação participante das atividades internas e externas do grupo CORSA – Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor – Grupo de Conscientização e Emancipação das Minorias Sexuais, entre 1997 e 2000.

Tempo Bom, Tempo Ruim – Identidades, políticas e afetos Jean Wyllys. Editora Paralela, 2014. Dono de uma trajetória imprevisível e surpreendente, Jean Wyllys saiu da pequena cidade de Alagoinhas, no interior da Bahia, estudou jornalismo, venceu o Big Brother Brasil em 2005, para se tornar, enfim, um dos grandes defensores das minorias e dos direitos humanos no Congresso Nacional – e um dos deputados mais atuantes do país. Tempo Bom, Tempo Ruim fala sobre assuntos que vão desde as manifestações populares de junho de 2013 até a homofobia e o racismo no futebol, passando pela telenovela, a legalização da maconha e o impacto das tecnologias da Direitos LGBT s • 67


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comunicação. Com lucidez, erudição e honestidade implacável, Jean Wyllys revê sua trajetória e as lutas que trava diariamente, revelando ao leitor os conflitos sociais e raciais do Brasil, um país de avanços e retrocessos, de tempo bom e tempo ruim.

Tornar-se Gay – O caminho da auto-aceitação Richard A. Isay. Editora GLS, 1998. O homossexual que não se aceita costuma ter baixa auto-estima e expressar sua sexualidade em encontros fortuitos. Já aquele que se identifica como gay aumenta sua capacidade de relacionar-se amorosamente e viver uma vida integrada. Nesta obra pioneira, o doutor Isay, membro da Associação Americana de Psicanálise e da Associação Americana de Psiquiatria, demonstra o peso que a adoção de uma identidade heterossexual pode ter para gays. Combate o preconceito demonstrado por seus colegas e dá exemplos, seus próprios e de seus pacientes, do significado liberador de se viver autenticamente.

Travestis e Prisões – experiência social e mecanismos particulares de encarceramento no Brasil Guilherme Gomes Ferreira. Editora Multideia, 2015. Obra que trata do drama de travestis submetidas ao cárcere e da relação delas com o sistema penal seletivo. Fruto de dissertação de mestrado do autor.

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Viagem Solitária – Memórias de um transexual trinta anos depois João W. Nery. Editora Leya Brasil, 2011. Viagem Solitária conta a história de João W. Nery, homem trans. Na obra, ele narra a infância triste e confusa do menino tratado como menina, a adolescência transtornada, iniciada com a “monstruação” e o crescimento dos seios, o processo de autoafirmação e a paternidade.

Vidas em Arco-Íris – Depoimentos sobre a homossexualidade Edith Modesto. Editora Record, 2006. A intenção em Vidas em Arco-Íris foi estabelecer contato, compartilhar sentimentos em relação à homossexualidade, perceber mais claramente essas vivências, de modo a reformular o conceito de homossexualidade, para os próprios homossexuais e, principalmente, para os heterossexuais. E, a partir disso, estimular uma discussão pública e uma reavaliação do que se concebe como homossexualidade.


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questões frequentes Desmitificando Algumas Crenças Algumas dúvidas são bastante frequentes entre pais, amigos e pessoas próximas a LGBTs. Elas são, geralmente, fruto de mitos muito repetidos, mas que, na maioria das vezes, não correspondem à realidade. A tentativa de criar generalizações vai exatamente na contramão do que LGBTs tentam, há anos, dizer para o mundo: a diversidade é que é a regra! Importante: buscando cumprir uma função pedagógica e elucidar conceitos para pessoas interessadas, algumas expressões nesta seção estão reproduzidas por serem muito frequentes entre pessoas que não lidam com a temática LGBT, mas que estão incorretas. Destacamos, entre aspas, e desconstruímos sua incorreção através da explicação do tema.

Qual a diferença entre ser lésbica, gay, bissexual, travesti e transexual? Lésbicas e gays são mulheres e homens, respectivamente, que se sentem atraídas/ os emocional e sexualmente por pessoas do mesmo gênero. Bissexuais são pessoas que se sentem atraídas emocional e sexualmente por pessoas de um ou mais gêneros. Essas são três possibilidades de orientação sexual, mas há outras (ver Glossário). Travestis e transexuais são pessoas com identidade de gênero diferente da que lhes

foi atribuída ao nascimento. Uma pessoa é travesti ou transexual de acordo com a maneira como ela própria se identifica. Não são as outras pessoas que dão a sua identidade de gênero. Da mesma forma como ocorre com a orientação sexual, existe uma diversidade de identidades de gênero, sendo a travestilidade e a transexualidade apenas duas possibilidades entre diversas outras, incluindo identidades de gênero não-binárias.

Nas relações homossexuais alguém faz o papel de mulher e o/a companheiro/a, de homem? Papéis de gênero não têm a ver, necessariamente, com orientação sexual. Na verdade, todas as pessoas possuem características socialmente atribuídas a papéis masculinos e a papéis femininos, independentemente de identidade de gênero ou de orientação sexual. Numa relação homossexual, o que podemos ter certeza é de que o casal é composto por duas pessoas do mesmo gênero e que, portanto, serão duas mulheres ou dois homens. Não existe essa necessidade de reproduzir o “papel de mulher” ou o “papel de homem”. Isso é uma criação social baseada no heterossexismo, uma crença de que as relações heterossexuais são superiores. De acordo com essa ideia, uma relação homossexual precisaria reproduzir as características de uma relação heterossexual, o que não é verdade. Ou seja, os parceiros partilham os papeis, sem que um “assuma” o papel do gênero oposto. Direitos LGBT s • 69


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Ser lésbica, gay, bissexual, travesti e/ou transexual é uma opção? Durante muito tempo, utilizou-se o termo “opção sexual” para definir o que hoje chamamos de orientação sexual. Exatamente por não ser uma opção, esse termo foi modificado. Outras concepções se formaram, como a questão da identidade de gênero. Não se trata de opção. Quem, em sã consciência, escolheria sofrer preconceito e pertencer a um grupo que perde uma pessoa a cada 27 horas simplesmente por ser diferente da heterocisnormatividade? Algum heterossexual cisgênero escolheu isso para si em determinado momento da vida? Não, essas características simplesmente fazem parte da identidade de cada um.

É possível a “cura gay”? Por não ser doença, não existe a possibilidade e, principalmente, a necessidade de uma “cura” para as orientações sexuais não-hetero e para as identidades de gênero não-cis. As chamadas terapias de reorientação sexual, conforme estudos das áreas de sociologia, psicologia e psiquiatria tiveram como resultado, tão somente, o aumento do sofrimento da pessoa que ainda não aceita sua orientação. Exatamente para evitar que essas “terapias” causem sofrimento às pessoas, o Conselho Federal de Psicologia as impede, por meio da Resolução 01/1999.

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“Homossexualidade e bissexualidade não são normais nem naturais, e por isso não são iguais à heterossexualidade”. Esse também é um pensamento errôneo e heterossexista. Seres humanos são seres culturais e, por isso, normalidade é um conceito bastante amplo. A diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero é verificada, ao longo da História, em todas as culturas. Da mesma forma, o conceito de ser “natural” é questionável, especialmente quando vinculado à ideia de que relações homossexuais “não reproduzem”. Se formos pensar por essa lógica, pessoas estéreis não poderiam ter relacionamentos, e heterossexuais não poderiam mais ter qualquer relação sexual que não fosse o sexo vaginal para fins de procriação. Se formos pensar em natural como o que acontece no mundo animal, não ser heterossexual é tão natural que o comportamento homossexual já foi verificado em mais de 1.500 espécies animais. Sendo assim, esse debate cientificista não se sustenta.

A homossexualidade, a bissexualidade e a transexualidade têm a ver com traumas de infância? Não há qualquer associação entre traumas de infância e diversidade de orientação sexual e de gênero. Na verdade, não existe uma explicação para a homossexualidade, a bissexualidade e a transexualidade, embora várias teorias já tenham sido criadas – todas elas criticadas, inclusive no meio científico. O mais provável é que diversas questões determinem essas características


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da personalidade, assim como diversas questões determinam outras características.

As pessoas podem “tornar-se” LGBTs? As pessoas não se tornam LGBTs. Na realidade, elas descobrem uma particularidade pessoal antes inexplorada. Ser LGBT não é uma escolha. O que infelizmente não é raro, por exemplo, é uma pessoa, por fatores como medo da não aceitação, do preconceito e de julgamentos, esconder sua orientação sexual ou identidade de gênero e só afirmar-se como não heterossexual/cisgênero após sentir-se segura. Esse processo pode levar longos anos e dar a impressão que a pessoa “virou” o que antes não era.

“Bissexualidade é uma fase. Ela/ele ainda não encontrou o cara/a mulher certo/certa”. É muito comum que as pessoas bissexuais sofram esse tipo de preconceito. Vemos, todos os dias, as mulheres bissexuais ouvindo que é um “modismo”, que “não encontraram o homem certo”. Da mesma forma, os homens bissexuais muitas vezes são tachados como “gays enrustidos”. Essas ideias não estão corretas. Bissexualidade existe e as pessoas podem ter relacionamentos diversos, e isso não muda o que elas são.

Existe associação da sexualidade com transtornos sexuais, como pedofilia? Não há qualquer associação nesse sentido. Por muito tempo, tentou-se atribuir aos homossexuais a pedofilia. O que se sabe hoje é que há, entre pedófilos, um número proporcionalmente maior de heterossexuais que de homossexuais.

Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais são pessoas promíscuas? Essa ideia equivocada vem, por um lado, da epidemia de HIV/AIDS nos anos 1980, iniciada entre principalmente homens homossexuais e, por outro, do fato de que a maioria das travestis e transexuais estão trabalhando com prostituição. Isso não ocorre, entretanto, por promiscuidade. O risco de transmissão de HIV é maior no sexo anal desprotegido, seja ele homo ou heterossexual, e já se constatou que está relacionado a comportamento de risco, e não a supostos “grupos” de risco (tanto que, hoje, a transmissão é maior entre heterossexuais que entre homossexuais). Já a questão da prostituição tem relação não com uma suposta promiscuidade de travestis e transexuais, mas com a evasão escolar e o fechamento do mercado de trabalho à população T, em virtude do preconceito que essas pessoas sofrem. É interessante citar que, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de promiscuidade relaciona-se à quantidade de parceiras/os sexuais que uma pessoa tem por ano, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero. Se alguém tem mais de 3 (três) parceiros/ Direitos LGBT s • 71


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as sexuais em um ano, é considerada uma pessoa promíscua para a OMS.

por que lésbicas “se vestem de homem” e gays “se vestem de mulher”? Nessa ideia existem várias confusões. A primeira e mais básica é o pensamento de que existem “coisas de homem” e “coisas de mulher”. A construção de gênero é social, dependente da cultura, e varia de acordo com o local e o tempo. Podemos lembrar que, há cerca de 50 anos, depilação era considerada coisa exclusivamente “de mulheres”. Hoje, é muito comum que homens se depilem, ou seja, o que era algo “de mulher”, hoje é comum aos dois gêneros. Da mesma forma, o papel feminino se alterou muito nos últimos anos, tanto em divisão de trabalho, quanto em vestimenta e papel na casa. Outra confusão é associar homossexualidade e transexualidade. Lésbicas e gays não se identificam, necessariamente, com outro gênero que não o atribuído ao nascerem. Da mesma forma, pessoas trans não necessariamente serão homossexuais. Pode acontecer de uma pessoa ser trans e homossexual, trans e heterossexual, cis e bissexual e assim por diante.

“Existe uma ‘ideologia de gênero’ sendo imposta pelo movimento LGBT”. “Ideologia de gênero”, como vem sendo falada pela mídia e por setores conservadores da sociedade, é uma grande bobagem. O que o movimento LGBT discute é que gênero é uma construção social, ou seja, que os papeis “de homem” e “de mulher” 72 • Direitos LGBT s

são definidos de acordo com questões sociais, e não de acordo com a genitália de uma pessoa. Tanto isso é verdade que não é através da visualização dos genitais das pessoas que as reconhecemos como homens ou mulheres, mas pelas características socialmente atribuídas a cada gênero, como vestimenta, maneirismos etc.

O movimento LGBT quer criar um “terceiro sexo”? O movimento LGBT não quer criar absolutamente nada. Quer, simplesmente, que as pessoas sejam respeitadas conforme são, e que a sociedade pare de negar-se a ver a diversidade que existe. Não existe a ideia de um “terceiro sexo”, o que há é uma diversidade de identidades de gênero que não tem, necessariamente, que corresponder à identidade atribuída no nascimento. Isso inclui pessoas cis, pessoas trans binárias e pessoas trans não-binárias, entre outras.

LGBTs querem privilégios? De maneira nenhuma. O que queremos é que sejam cumpridos os preceitos constitucionais e da Declaração Universal de Direitos Humanos. Se a Constituição diz que todos são iguais perante a lei, por que a lei diz que casamento é apenas entre homem e mulher? Queremos os mesmos direitos, com os mesmos nomes. Para que todos tenham iguais direitos, muitas vezes se faz necessária uma legislação protetiva. Assim como as mulheres e os negros e as negras encontravam-se em situação de vulnerabilidade sem a Lei Maria da Penha e a criminalização do racismo, LGBTs são vulneráveis e necessitam de legislação para proteger seus direitos. Pessoas heterossexuais cisgêneras não são


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mortas nem apanham na rua simplesmente por serem quem são. LGBTs, sim. Por isso a necessidade de legislação específica: para dar a LGBTs o direito que pessoas heterossexuais cisgêneras já tem de andar na rua sem medo de morrer por serem quem são. Estima-se que de 5 a 10% da população seja LGBT. Não é injusto que uma quantidade tão grande de pessoas tenha menos direitos que os demais?

Existe heterofobia? Como colocado em nosso Glossário, LGBTfobia é um termo usado para englobar sentimento de ódio, medo ou repulsa irracionais por pessoas LGBTs em geral, em todas as suas variantes. Não existe ninguém que tenha ódio, medo ou repulsa irracionais por pessoas heterossexuais cisgêneras. Quando uma pessoa LGBT não se sente à vontade em um grupo de pessoas heterossexuais cisgêneras, isso é explicado por todo o histórico de exclusão e preconceito que essa pessoa sofreu, e não por uma repulsa irracional motivada por preconceito. Sendo assim, não aceitamos a postulação da “heterofobia” e consideramos essa ideia um deboche da luta histórica das pessoas LGBTs por igualdade.

O que significa a expressão “sair do armário”? Por que LGBTs dizem ter “orgulho”? “Sair do armário” é a expressão utilizada para a pessoa que anuncia para as demais sua orientação sexual não-hetero ou identidade de gênero não-cis. Essa experiência varia muito de pessoa para pessoa, e geralmente envolve falar desses sentimentos para pessoas próximas, assumir-se

socialmente etc. Pode ser mais ou menos difícil, de acordo com a personalidade da pessoa e com o ambiente em que ela se encontra. Falamos em orgulho porque o pensamento intrínseco na sociedade ensina que é uma vergonha ser LGBT. Isso é facilmente visto quando as pessoas pretendem se ofender: “bixa”, “viado”, “sapatão” sempre estão entre os xingamentos mais frequentes. Quando “saímos do armário”, deixamos de aceitar que nos imponham que somos motivo de vergonha. Saímos da vergonha para o orgulho de dizer e assumir quem somos. É por isso, também, que não existe essa história de “orgulho hetero”. Quando ser heterossexual cisgênero foi considerado, pela sociedade, motivo de vergonha?

Tenho um/a filho/a que se assumiu LGBT. “Onde foi que eu errei”? Essa é uma das frases mais clássicas e também uma das mais infelizes. Em primeiro lugar, não há nada de errado em ser LGBT, e, por si só, esse já seria um motivo para não aceitarmos a ideia de “criação errada”. Em segundo lugar, não há qualquer dado da criação das pessoas que direcione-as a ser LGBT. O erro está na postura heterossexista e cissexista adotada pela sociedade e por quem pensa “onde foi que eu errei” e na maneira como vai se tratar a questão. Pessoas que “saem do armário” esperam ser aceitas por quem admiram e gostam, e não ser tratadas como um erro. Portanto, você não errou em nada... Errará se tratar o seu/sua filho/a como uma pessoa menos digna por ser LGBT.

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“Tudo bem, eu aceito. Mas precisa ‘dar pinta’”? Essa é mais uma questão impregnada pelo cissexismo e pelo heterossexismo (ver Glossário). Em primeiro lugar, o que se considera como “dar pinta” não é algo negativo se a nossa visão não estiver impregnada pelo cissexismo, pelo heterossexismo e pelo machismo. Ninguém é melhor ou pior simplesmente por “ter trejeitos” ou não conforme a expectativa da sociedade. Em segundo lugar, muitas vezes “dar pinta” é uma questão de afirmação política por parte de pessoas seguras de suas identidades. Cada pessoa deve ser comportar como se sentir melhor.

“Não tenho nada contra, mas.. ” Brincamos, nos movimentos sociais, que nada de bom vem depois desse “mas”. Se você tem qualquer reparo a fazer, como os clássicos “mas que fiquem longe de mim”, “mas que não dê pinta”, “mas que não ‘se vista de mulher’”, você tem algo contra a diversidade. Não há qualquer motivo racional para não querer que uma pessoa esteja por perto simplesmente por ser LGBT ou para não querer que ela seja como é, exceto o preconceito.

Falar sobre a diversidade de orientações sexuais e identidades de gênero estimula as crianças a “tornarem-se” LGBTs? Informação positiva a respeito da diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero não faz ninguém “virar” LGBT – assim como a repressão histórica 74 • Direitos LGBT s

não fez as pessoas LGBTs desaparecerem. O que ocorre, sim, é que muitas pessoas LGBTs adultas que não se sentem à vontade para assumir ou demonstrar sua orientação/identidade de gênero e, com isso, vivem no sofrimento, passam da vergonha para o orgulho e para uma vida plena ao tomar contato com um ambiente acolhedor.

Crianças criadas por LGBTs serão LGBTs? Não há qualquer associação entre a criança ser criada por pessoas LGBTs e ser LGBT na vida adulta. Se esse pensamento fosse válido, casais heterossexuais não criariam pessoas que se identificam como LGBTs na vida adulta. O que haverá, certamente, será um maior respeito à diversidade por parte dessas crianças.

“Ok, mas isso vai contra minha religião”. O Brasil é um país laico. Isso significa que é um Estado em que a liberdade de crença e a liberdade de não-crença são respeitadas. Para que você tenha liberdade de professar sua religião, ninguém pode intrometer-se nela. Da mesma forma, sua religião não pode interferir na vida de quem não a professa. Por isso, você tem todo o direito de fazer tudo que quiser na SUA vida de acordo com a sua religião, mas não pode querer que outras pessoas sigam os preceitos dela. Isso é intolerância religiosa – e você não gostaria de sofrê-la, certo?


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glossário O assunto de gênero e sexualidade tem alguns termos pouco usuais no dia-a-dia de pessoas cisgêneras e heterossexuais. Para dirimir dúvidas e tornar a temática mais compreensível, trazemos este glossário. Caso ainda persistam dúvidas, sempre é bom consultar fontes que trabalham com esta temática, ou conversar com pessoas que lidam com a questão diariamente.

Androginia É um termo genérico, usado para descrever pessoas que assumem postura social (também relacionada à vestimenta), comum a ambos os gêneros (feminino e masculino).

Bissexual Pessoa que se relaciona sexual e/ou afetivamente com um ou mais gêneros. Bissexualidade nada tem a ver com indecisão.

Bifobia Sentimento de ódio, medo ou repulsa irracionais por pessoas bissexuais. Ver LGBTfobia.

Crossdresser Pessoa que, sendo de um gênero, se veste como o que é socialmente aceito como “do outro”. A pessoa crossdresser vivencia diferentes papéis de gênero, porém, identifica-se com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento.

Cisgênero Expressão bastante recente no âmbito dos estudos de gênero e dos movimentos sociais. É utilizada para se referir a pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascer. Isto é, configura uma concordância entre a identidade de gênero atribuída no nascimento com a identidade de gênero com a qual a pessoa se identifica.

Cissexismo Cissexismo é um equivocado pressuposto social de que todas as pessoas são/devem ser cisgêneras e de que as pessoas cis são superiores às pessoas trans. As ideias cisssexistas são várias. Existência apenas da binariedade de gênero, pensamento de que pessoas trans não são “verdadeiras” (conceitos equivocados de ser mulher ou homem “de verdade” ligados à genitália), patologização da transexualidade, uso ou evocação do nome de registro sem permissão da pessoa trans, designar arbitrariamente a identidade de gênero, ideia de “sexo biológico”, exigência de laudo médico para validação da identidade, entre outras, são ideias ligadas ao cissexismo que não devem ser aceitas em uma sociedade inclusiva. O cissexismo está institucionalizado nas nossas leis, na mídia, na maioria das religiões e dos idiomas, principalmente ocidentais. A imposição da identificação cis como superior ou como única forma de identidade de gênero é uma violação dos direitos humanos, como o racismo e o sexismo, e deve ser combatida.

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Desejo/Prática/Identidade Gênero Uma pessoa pode ter um desejo (por exemplo, relacionar-se com alguém do mesmo gênero) e barrá-lo, não tendo práticas ou identidades semelhantes a ele. O contrário também pode ocorrer: na prática, uma pessoa pode se relacionar com alguém do mesmo gênero, mas não se identificar como homossexual ou bissexual. A prática pode ser homossexual (como no caso de condições específicas, a exemplo de presídios, albergues ou trabalhos sexuais), mas a identificação segue heterossexual.

Drag king Versão “masculina” da Drag Queen. Ou seja, quando uma mulher se veste com roupas masculinas para fins artísticos / de trabalho.

Drag Queen É uma pessoa identificada com o gênero masculino (neste caso, não interessa a orientação sexual da pessoa) que se veste com roupas femininas de forma satírica e extravagante para o exercício da profissão em shows e outros eventos. Não deixa de ser um tipo de “transformista”, pois o uso das roupas está ligado a questões artísticas.

Gays / Homossexuais Homens que se relacionam afetiva e sexualmente com outros homens. Podem assumir publicamente ou não. Em alguns países, assumir-se gay têm uma conotação política, portanto cria uma diferenciação em relação ao homossexual.

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O conceito de gênero foi formulado para distinguir as dimensões anatômicas (entendidas pela população em geral como “biológicas”, mas esse conceito é complexo, envolvendo mais que a anatomia, e por isso o evitamos) e sociais, baseado no fato de que há machos e fêmeas na espécie humana, mas a maneira de ser homem e de ser mulher é, na verdade, percebida pela cultura. Surge a partir do movimento feminista nos anos 1970. Assim, gênero difere de sexo, é produto da realidade social, não da anatomia dos corpos. Isso se torna facilmente compreensível ao percebermos que, de modo geral, não precisamos ver os órgãos genitais de uma pessoa para sabermos qual seu gênero presumido socialmente. Uma pessoa não irá, necessariamente, identificarse com o mesmo gênero designado na hora do nascimento! É o caso de pessoas transexuais, por exemplo.

Heteronormatividade Termo que descreve o conjunto de normas sociais que associam o comportamento heterossexual ao “padrão”. Essa expressão é utilizada para se referir à ideia de que o comportamento heterossexual é o único válido socialmente ou, em alguns casos, o único existente.

Heterossexual Pessoa que se relaciona sexual e/ou afetivamente com pessoas do gênero diferente do seu.


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heterossexismo Heterossexismo é um equivocado pressuposto social de que todas as pessoas são/ devem ser heterossexuais e de que a heterossexualidade é superior à homossexualidade. Heterossexismo é um termo mais abrangente que a homofobia. A expectativa social de que todo homem vai sentir-se atraído apenas por mulheres, que toda mulher vai sentir-se atraída apenas por homens é a materialização do heterossexismo. Frases como “ele é o homem que toda mulher sonha” ou “ela é a mulher que todo homem deseja” são manifestações dessa conduta. O heterossexismo está, da mesma forma que o cissexismo, institucionalizado na sociedade, necessitando de atitudes concretas para ser superado.

Homem trans/ Mulher trans Quando uma pessoa nasceu com as características que fazem seu gênero ser lido como masculino, mas se identifica com o gênero feminino e se considera uma pessoa do gênero feminino, essa pessoa é uma mulher trans. Por outro lado, quando uma pessoa nasceu com características que fazem seu gênero ser lido como feminino, mas se identifica com o gênero masculino e se considera uma pessoa do gênero masculino, essa pessoa é um homem trans. Importante: não utilizar transexual masculino ou transexual feminino.

Homoafetivo Adjetivo que começou a ser utilizado como eufemismo para transitar no meio jurídico. É usado para generalizar a multiplicidade de relações homoafetivas. Conota

aspectos emocionais e afetivos envolvidos na relação amorosa entre pessoas do mesmo gênero. Portanto, nem sempre ao tratar de homossexuais e relações homossexuais, o termo homoafetivo é o mais adequado – afinal, não se trata do indivíduo. Nem todas as relações são afetivas/amorosas.

Homossexualidade (não “homossexualismo”!) Homossexualidade é o termo correto. É quando há atração afetiva e/ou sexual por uma pessoa do mesmo sexo. Assim como não há explicações para a heterossexualidade, não há para a homo. Atenção: o sufixo “ismo” dá a ideia de doença e está incorreto! A homossexualidade existiu na Classificação Internacional de Doenças (CID) da sexta edição (1948) até a nona edição (1975), sendo excluída na atual edição, a décima (1990).

Homofobia Sentimento de ódio, medo ou repulsa irracionais por pessoas homossexuais. Embora possa ser usado para gays e lésbicas, no caso destas prefere-se o termo “lesbofobia” por questão de visibilidade política. Ver LGBTfobia.

HSH/MSM Siglas cunhadas e utilizadas pelos profissionais da saúde, principalmente para dar conta de questões como prevenção de HIV/AIDS, sem entrar em questões culturais, de identidade de gênero ou orientação sexual. HSH, ou “homens que fazem sexo com homens” e MSM, ou “mulheres que fazem sexo com mulheres”, não identifica Direitos LGBT s • 77


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a orientação sexual ou a identidade de gênero, mas o comportamento/prática das pessoas para fins de promoção de saúde.

Identidade de Gênero Experiência interna e individual do gênero de cada pessoa - que pode, ou não, corresponder ao gênero atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver ou não, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros). A identidade de gênero inclui também outras expressões de gênero, como vestimenta, modo de falar e maneirismos.

Identidade sexual Conjunto de características sexuais que diferenciam cada pessoa das demais e que se expressam pelas preferências sexuais, sentimentos ou atitudes em relação ao sexo. A identidade sexual é o sentimento de masculinidade ou feminilidade que acompanha as pessoas. Nem sempre está de acordo com a genitália da pessoa e pode mudar ao longo da vida.

Lésbicas / Homossexuais Mulheres que se relacionam afetiva e sexualmente com outras mulheres. O termo “lésbica” é dito, inclusive, como político dessas mulheres, principalmente por sofrerem em certas situações um estigma maior que gays – como no caso de homens heterossexuais, que enxergam a sexualidade das lésbicas como um fetiche. Também por isso, a sigla de “lésbicas” está agora à frente da sigla LGBT, como forma de garantir maior visibilidade.

LEsbofobia Sentimento de ódio, medo ou repulsa irracionais por lésbicas. Ver LGBTfobia.

Lgbt (não “GLS”!) A sigla GLS não é mais utilizada, pois entende-se que ela é excludente. Em LGBT, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros são contemplados. Em GLS, apenas gays, lésbicas e simpatizantes (pessoas solidárias ou abertas em relação às identidades LGBT).

Intersexual / Intersexuado Lgbtfobia / Hermafrodita Termo usado para englobar sentimento O termo hermafrodita caiu em desuso. O correto é usar intersexual, para o caso de pessoas com uma variedade de condições genéticas e/ou somáticas – e acabam apresentando anatomia reprodutiva e sexual que não se ajuda às definições típicas do feminino ou do masculino.

de ódio, medo ou repulsa irracionais por pessoas LGBTs em geral. A LGBTfobia, em todas as suas variantes, pode ser considerada uma verdadeira doença social, que tem motivado a morte de uma pessoa LGBT por crime de ódio a cada 27 horas no Brasil, além de uma manifestação discriminatória por hora no país. As principais vítimas da LGBTfobia têm sido as pessoas trans. A LGBTfobia é causa, também, de ado-

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ecimento de pessoas LGBTs. Os índices de depressão e de suicídio nessa população são muito maiores que na população geral, fruto do preconceito e da violência física e psicológica que sofrem.

Lgbtqi Apesar da sigla LGBT ser a mais utilizada no Brasil, nos Estados Unidos se incluem também o Q e o I, representando as palavras “queer” e “intersexuais”.

Não Binariedade Pessoas não binárias são pessoas que não se identificam totalmente com o binário de gênero (homem/mulher) e se colocam em algum ponto fora deste. Engloba uma grande miríade de identidades trans.

Orientação sexual (não “opção”!) É a capacidade, de cada pessoa, de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero - assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas.

Pessoas trans Expressão usada para se referir tanto às travestis e transexuais quanto às pessoas transgêneros.

queer

co e político difuso e transnacional, que, de maneira geral, estabelece uma crítica a um modelo de hegemonia e aos seus próprios binarismos (hetero/homo; homem/ mulher), o qual separaria os corpos dos sujeitos entre normais e anormais. Em outras palavras, essa teoria nega o enquadramento das pessoas em categorias universais como: heterossexual e homossexual; homem e mulher. A palavra queer usualmente era utilizada para designar homossexuais de forma pejorativa, significando “estranho” “ridículo” ou “esquisito” (em português, para estabelecer uma comparação, seria como dizer “veado”, “bicha” ou “sapatão”). As raízes da teoria queer remetem ao movimento feminista de segunda onda, ao movimento negro do sul dos Estados Unidos e ao movimento gay que, na segunda metade da década de oitenta, num contexto de epidemia de AIDS, passou a ser apontado como a queer nation (nação queer, apontada como responsável pela contaminação). O termo, então, foi reapropriado e passou a reunir aqueles que estabeleciam, em seus trabalhos, críticas a todo esse regime capaz de relegar corpos à abjeção. Entre os autores que desenvolveram (desenvolvem) trabalhos sob uma perspectiva queer estão Adrienne Rich, Guy Hocquenghem, Gayle Rubin, Nestor Perlongher, Judith Butler, Eve Kosofsky Sedwick e Beatriz Preciado.

Pansexual Pessoa que se relaciona sexual e/ou afetivamente com pessoas independentemente do gênero.

A teoria queer (ou estudos queer) pode ser percebida como um movimento teóriDireitos LGBT s • 79


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sexualidade

ença, o que a transexualidade não é.

Engloba os modos pelos quais as pessoas expressam e vivem seus desejos e seus prazeres corporais, em sentido amplo. Em geral, diz respeito à vida privada. Matérias que tratam de pessoas transexuais, por exemplo, devem abordar preferencialmente a questão do gênero, não da sexualidade (a pessoa trans pode, ou não, ser homossexual).

Transfobia

Transexualidade (não “Transexualismo”!) Característica de pessoas que se identificam, através da nominação, vestimenta e transformações corporais (caso desejem), como pertencentes a um gênero diferente do atribuído no nascimento e querem ser reconhecidas socialmente no gênero que desejam. Denomina-se mulher trans a pessoa a quem foi atribuído o gênero masculino no nascimento, mas que se apresenta de acordo com características associadas social e culturalmente ao gênero feminino; ou homem trans, a pessoa a quem foi atribuído o gênero feminino no nascimento, mas que se apresenta de acordo com as características associadas social e culturalmente ao gênero masculino. Não se deve procurar resgatar o nome atribuído à pessoa no nascimento, a não ser que a própria pessoa fale sobre o assunto. Também não é adequado o uso de expressões como “nasceu homem”, para mulheres trans, nem “nasceu mulher” para homens trans. Tais termos trazem à tona discussões sobre o que é ser mulher/homem - lembrando que o gênero é construído social e culturalmente. Questões sobre genitália e sexualidade não devem ser abordadas, pois são extremamente privadas. Não utilizamos a palavra “transexualismo” porque, assim como “homossexualismo”, denota do80 • Direitos LGBT s

Sentimento de ódio, medo ou repulsa irracionais por pessoas travestis e transexuais. No caso de pessoas trans, o apagamento político promovido pela sociedade faz com que sua existência e suas necessidades básicas sejam desconsideradas, o que configura transfobia. Ver LGBTfobia.

Transgênero Transgênero é um grupo multiidentitário que engloba todas identidades de gênero e expressões de gênero que fogem ao padrão cisnormativo que define como normal, adequado e correto apenas a binaridade de gênero e a cisgeneridade.

Travesti Termo tipicamente brasileiro e utilizado em alguns países da América Latina. Designa pessoas que se assumem e/ou se identificam com características físicas, sociais e culturais de gênero diferentes do seu gênero atribuído no nascimento. Isso não significa negação do genital. Essas pessoas podem modificar seu corpo fazendo uso de silicone, cirurgias, hormonização e malhação. Por anos, transexuais e travestis foram “diferenciadas” pela questão da cirurgia de redesignação genital (popular e erroneamente chamada de “troca de sexo”). Na verdade, fazer ou não a cirurgia é uma escolha pessoal que vai muito além destas definições. O artigo correto a utilizar é “a”: a travesti, e não “o” travesti. Algumas travestis identificam-se assim por afirmação política, uma forma de combater a imagem negativa vinculada por


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meio do preconceito às suas identidades. E por último, mas não menos importante:

RESPEITO ÀS DIFERENTES FORMAS DE SER E AMAR Significa respeitar a dignidade humana das pessoas LGBTs, colocando em prática princípios básicos de empatia, não fazendo para o outro o que não deseja que façam para si. Se entender e aceitar as diversas identidades de gênero e orientações sexuais, ótimo. Caso contrário, apenas respeite. A vida do outro - com quem se relaciona/ vive/dorme (caso se relacione) é de cunho privado e não diz respeito a terceiros. Adaptado, com autorização, do blog do Grupo GEMIS – Gênero, Mídia e Sexualidade http://ggemis.blogspot.com.br/p/glossario -lgbt.html?m=1 Acessado em 09/08/2015 Baseado em documentos da ABGLT (Associacão Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) e da ONG Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade. Fontes: Manual de Comunicacão LGBT da ABGLT e Série Diálogos (material produzido pela ONG Somos)

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Contatos Úteis Aqui, trazemos contatos úteis para denúncias de violações e para buscar auxílio para promoção de direitos.

Disque-Denúncia Direitos Humanos Serviço de utilidade pública da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em que podem ser feitas denúncias de casos de LGBTfobia, entre outros. Funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, com ligação gratuita, tanto de telefones fixos quanto de móveis. As denúncias também podem ser feitas on-line, pelo site do serviço. Telefone: 100 Site: www.disque100.gov.br

Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul No Ministério Público, é possível realizar denúncias de violações aos direitos humanos. Para realizá-las, é possível o comparecimento pessoal, em que se relatará os fatos verbalmente, ou ainda, encaminhar documento escrito com o relato. O MP orienta que o documento contenha “relatos detalhados acerca das irregularidades a serem investigadas pelo Ministério Público Estadual” e, além das informações, “conter a identificação do denunciante, sua assinatura, bem como seu endereço e demais formas de contato”. Em Porto Alegre, existe uma Promo82 • Direitos LGBT s

toria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos específica, com equipe capacitada especificamente para lidar com as questões trazidas pelos denunciantes.

Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos do MP/RS Endereço: Av. Aureliano de Figueiredo Pinto, nº 80, Torre Norte, 10º andar – Bairro Praia de Belas – Porto Alegre/RS Telefones: (51) 3295-1171 | (51) 3295-1172 | (51) 3295-1141 E-mail: caodh@mprs.mp.br Site: www.mprs.mp.br/dirhum

Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos (Porto Alegre) Endereço: Rua Santana, nº 440 – Bairro Santana Telefone: (51) 3288-8911 E-mail: dhumanos@mp.rs.gov.br Site: www.mprs.mp.br/promotorias/ loc_local.ptr/p96_1128.htm

Promotorias de Justiça (interior do Estado) Os cidadãos poderão obter o endereço e forma de contato pelo link www.mp.rs.gov. br/promotorias.


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Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul A Defensoria Pública do Estado (DPE) pode atuar em casos concretos de violações de direitos, com uma equipe específica para a questão de Direitos Humanos. O Centro de Referência em Direitos Humanos (CDRH-DPE/RS) destina-se às vítimas de preconceito, discriminação, intolerância, abusos e maus-tratos, negligência e abandono.

estadual, o livre e pleno exercício dos direitos humanos a todas as pessoas, em especial às populações vulneráveis. Endereço: Av. Borges de Medeiros, 1.501, 11º andar – Bairro Praia de Belas – Porto Alegre/RS Telefones: (51) 3288-7373 | (51) 3288-9358 E-mail: ouvidoria@sjdh.rs.gov.br Site: www.sjdh.rs.gov.br

Secretaria Adjunta da Livre Orientação Sexual Centro de Referência em Direitos (SALOS – Porto Alegre) Humanos da DPE (Porto Alegre)

Endereço: Rua Caldas Júnior, nº 352 – Centro Histórico Telefone: 0800-644-5556 Site: www.defensoria.rs.gov.br

Defensoria Pública do Estado (interior do Estado) Os cidadãos do Interior podem encontrar o endereço e a forma de contato pelo link www.defensoria.rs.gov.br/atendimento/interior.

Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Rio Grande do Sul (SJDH/RS) A SJDH/RS conta com o Departamento de Direitos Humanos e Cidadania e, dentro do Departamento, com a Coordenadoria de Diversidade Sexual. É responsabilidade dessa secretaria promover e garantir, no âmbito

A SALOS é responsável por desenvolver políticas que garantam os direitos humanos na Capital. Oferece atendimento, encaminhamento e acompanhamento de denúncias de violações de direitos humanos, além de serviços de apoio. Está ligada à Secretaria Municipal de Direitos Humanos. Endereço: Rua dos Andradas, nº 1.643/402 – Centro Histórico – Porto Alegre/RS Telefone: (51) 3289-5104 E-mail: salos@smdh.prefpoa.com.br Site: www2.portoalegre.rs.gov.br/smdh/default.php?p_secao=45

Centro de Referência às Vítimas de Violência (CRVV) O CRVV é um serviço oferecido pela Secretaria Adjunta da Mulher (ligada à Secretaria Municipal de Direitos Humanos de Porto Alegre) em parceria com o governo federal. Foi criado para “prestar informações e orientações às vítimas de violações de direitos, abuso de autoridade, exploração sexual e qualquer tipo de discriminação”. Direitos LGBT s • 83


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Atende a qualquer pessoa, sendo garantido o anonimato. Seu serviço é focado em violações à vida e à integridade de pessoas LGBTs, mulheres, crianças e adolescentes, idosos, negros e negras e portadores de deficiência. É nele que funciona o Disque Denúncia dos Direitos Humanos de Porto Alegre (0800-642-0100). Endereço: Rua Miguel Teixeira, nº 80 – Bairro Cidade Baixa – Porto Alegre/RS Telefone: 0800-642-0100 (segunda a sexta, das 8h30min às 18h) Site: www.portoalegre.rs.gov.br/smdhsu

Serviço de Assessoria Jurídica Universitária – SAJU/UFRGS O SAJU é um programa de extensão universitária da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com diversas ações no âmbito da assistência, da promoção de direitos, entre outros. O G8-Generalizando é o grupo que trabalha com direitos sexuais e de gênero. Entre suas várias ações, estão mutirões para retificação de registro civil de pessoas trans. Endereço: Faculdade de Direito da UFRGS. Av. João Pessoa, nº 80 – Centro Histórico – Porto Alegre/RS Telefone: (51) 3308-3967 E-mail: g8generalizando@gmail.com Site: www.ufrgs.br/saju/grupos/g8-generalizando

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SaferNet Organização não-governamental de promoção dos direitos humanos na Internet. Oferece um serviço de recebimento de denúncias anônimas de crimes e violações contra os Direitos Humanos na rede. Caso encontre imagens, vídeos, textos, músicas ou qualquer tipo de material que seja atentatório aos Direitos Humanos, faça a sua denúncia pelo site. Site: www.safernet.org.br





apo i o :

Bancada do PSOL na ALERGS Praรงa Marechal Deodoro, 101 - 6ยบ Andar Porto Alegre - CEP 90010-300 Fone: (51) 3210.2950 contato@lucianagenro.com.br


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