3 Apresentação .............................................................................................4 Quem é Povo de Terreiro? ......................................................................... 6 Divindades cultuadas ................................................................................ 7 Dicionário e Expressões para não usar .................................................. 45 Direitos e onde acessá-los ...................................................................... 48 Grande expediente em homenagem aos povos tradicionais de matriz africana .................................................................................................... 51 Afro-religiosidade gaúcha ........................................................................ 57 Os terreiros, as cidades e a memória do território ................................. 59 Dicas de filmes ....................................................................................... 61 Ações do mandato .................................................................................. 63 O Povo de Terreiro e o Meio Ambiente ................................................. 70 O Pai de Santo e a Pomba-Gira ............................................................. 72 Construção coletiva para fortalecer a organização dos povos de terreiro .................................................................................................... 74 Fé, respeito e diversidade ..................................................................... 76 MuseUmbanda em São Gonçalo: reencontro com a história e luta contra a intolerância religiosa .................................................................... 77 Racismo religioso na contramão da democracia .................................. 79 Referências ............................................................................................. 81 Cartilha do Povo de TerreiroMandato Luciana Genro (51) 991164755
Nem sempre a intolerância é praticada por fanáticos armados ou pessoas que destroem templos religiosos. Na maioria das vezes, aparece nos olhares, nas atitudes e na maneira como as pessoas agem ao conviverem com alguém que usa roupas ou elementos africanistas de fé.
Em casos que merecem também mais atenção, a intolerância também pode aparecer na escola. Não só por parte dos alunos que tenham crença diferente, como por parte dos educadores que não contam com preparo para trabalhar com a diversidade religiosa apresentada em sala de aula.
Adultos e crianças que muitas vezes desconhecem a história, a cultura e o legado dos povos tradicionais de matriz africana para a construção do Brasil reproduzem violências contra os povos de terreiro, por isso é tão importante desconstruir preconceitos e tabus que giram em torno do sagrado trazido por milhões de pessoas escravizadas e que, no Brasil, foi cultivado, transformado e inovado frente às novas construções culturais que aqui se desenvolveram.
E a informação é a melhor forma de desmistificar essas crenças e práticas sagradas milenares, transmitidas através da oralidade e baseadas na ancestralidade.
Na “Cartilha dos Povos de Terreiro” buscamos, em uma linguagem acessível e que contemple desde o mais leigo até o mais entendido do assunto, pensar no racismo religioso, nas comunidades tradicionais, nas características das divindades de raiz africana e nas legislações que amparam esse grande grupo que integra a sociedade gaúcha.
Essa é não só uma materialização, como uma extensão do trabalho que já venho desenvolvendo
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LUCIANA GENRO DEPUTADA ESTADUAL PELO PSOL
enquanto coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos e Comunidades de Matriz Africana, trazendo para a discussão os aspectos históricos, sociais e políticos que perpassam o povo de axé.
Acredito que um material construído com embasamento neste conhecimento milenar que é a cultura tradicional de matriz africana, pensado de forma pedagógica e informativa, é uma potente ferramenta para combater o racismo, a intolerância religiosa e as diferentes formas de preconceitos e discriminações.
Sabemos da amplitude dos saberes e também da variedade de interpretações e o conteúdo aqui apresentado é uma forma, ainda que introdutória, de propagar conhecimento. É com muito respeito, alegria e axé que nosso mandato compartilha esse material que busca levar informação a quem desconhece a cultura dos povos de terreiro e, com isso, desmistificar tabus e desconstruir preconceitos.
Nosso compromisso é com o Es tado laico, com o respeito a todas as religiões e com quem não pro fessa nenhuma fé. O preconceito com as religiões de matriz africana é uma extensão do preconceito de classe, racial, de orientação sexu al e identidade de gênero. Por isso somamos esforços nesta trinchei ra, que é parte do combate contra todas as formas de opressão.
Boa leitura!
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As comunidades tradicionais de matriz africana são um conjunto de conexões que têm ligação direta com a religiosidade afro. Os terreiros são locais sagrados onde a religiosidade afro se expressa na sua forma mais pura.
Desde que trazidos ao Brasil, os negros escravizados sempre mantiveram sua religiosidade como forma de resistência, inclusive fazendo adaptações ao culto para que o mesmo pudesse continuar existindo.
A preservação da ancestralidade e a oralidade foram peças fundamentais na construção das características do povo de matriz africana. Seja nas comidas, nas bebidas ou nas danças, os terreiros remontam histórias vividas pelos ancestrais e trazem de volta um pedaço de África para o Brasil.
As religiões que vêm dessa matriz africana prezam muito pela oralidade, ou seja, o encontro com o sagrado se dá através da fala e é passado dos mais velhos dentro da comunidade aos mais novos.
Sendo assim, todos os rituais feitos pelas religiões de matriz africana derivam de um elemento central:
DANIEL OLIVEIRA ESTUDANTE DA UFRGS E MILITANTE DO JUNTOS. ALAGBE E PRONTO NA NAÇÃO IJEXÁ-JEJE.
a oralidade.
Os terreiros e seu povo contribuem para a sociedade. São expressões antigas e novas que representam a preservação da cultura de matriz africana no nosso país, mesmo que não seja cultuada somente por negros. Além disso, cumprem um papel importante no que diz respeito às benfeitorias, à sensação de bem espiritual, acolhimento etc.
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O número de Orixás ou entidades varia de acordo com cada terreiro, já que apesar de ritualísticas similares, cada espaço tem um fundamento próprio. Em cada espaço sagrado a crença é tratada de forma diferente, regida pelos ensinamentos multiplicados através da oralidade e por seus ancestrais. Cada casa cultua os Orixás e entidades tendo variações de acordo com os templos, seja de Candomblé, Batuque/Nação ou Umbanda e Kimbanda.
Traremos aqui os nomes que mais são cultuados em casas do Rio Grande do Sul, bem como suas características gerais, sempre lembrando que essa é uma apresentação breve sobre o tema, que busca, através da informação, combater o preconceito e o racismo religioso.
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oxalá
Considerado o senhor da paz, da serenidade e da fé, o pai de todos os Orixás e a própria pureza. Alheio a toda violência, disputa e brigas. Vibra no céu e na atmosfera, é o dono da visão e do axé de búzios. A volta do mundo é grande, mas seus poderes são maiores. Sua cor é o branco e a saudação é “Epaô Babá”.
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IemaNjá
Rainha do mar, é a grande mãe de todas as cabeças. Vibra nas águas salgadas dos oceanos e nos rios que desaguam no mar. Representa a abundância, a união e a fonte da vida. Representa a função social da maternidade, é a mãe do adulto. Suas cores são azul, branco e prateado e a saudação é “Odoyá, Odociaba e Omiô”.
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Cartilha
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do
XaNgô
Senhor da justiça divina, lei da causa e do efeito, também é conhecido como protetor dos intelectuais. Representa a sabedoria, a honestidade, igualdade e ponderação. Dono dos tambores, sua energia vibra nas formações rochosas e pedreiras. Suas cores podem ser marrom, branco e vermelho e a saudação é “Kaô Kabecilê”.
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Representa o conhecimento e as florestas, a busca pelo alimento através da caça e do conhecimento da natureza. Representa a fartura e o sustento, bem como a curiosidade, a perspicácia e a observação. Sua vibração é nas matas, na fauna e na flora. Suas cores podem ser verde e azul e a saudação é “Okê Arô”.
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ogum
Lembrado por ser a representação do guerreiro, do soldado, ligado ao trabalho, a atitude, persistência, perseverança, não tem medo do desconhecido. Tem domínio sobre o ferro, o aço e todas as ferramentas feitas destes materiais. Suas cores podem ser azul ou vermelho, verde e branco. Sua saudação é “Ogunhê e Patakori Ogum”.
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IaNsã / oyá
Senhora dos ventos, dos raios e tempestades. Guerreira, rainha da Umbanda, luta contra as injustiças e representa a energia de ação renovadora. É também a senhora dos Eguns, é o movimento, a necessidade de mudança, a coragem, a lealdade e a rapidez do raciocínio. Suas cores podem ser laranja, amarelo, vermelho ou rosa e a saudação é “Eparrey Oyá”.
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oxum
Senhora da união, do amor, da prosperidade, da fertilidade e da maternidade, protetora dos recém-nascidos. Sua vibração é nas águas doces, em especial nas cachoeiras. Graciosa, sensível, é conhecida como a rainha de todos os rios. Suas cores podem ser amarelo e dourado e a saudação é “Ora Yê iê, ô!”.
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do Povo de
Senhor da doença e da cura. Melancólico, solitário, perseverante e misterioso. É associado à terra e ao fogo, rei dos mistérios da vida e da morte. Mediador entre o mundo material e espiritual, é considerado o senhor dos espíritos. Suas cores podem ser o roxo e o marrom e a saudação é “Atôtô Babá”.
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oxumaré
Mediador entre o céu e a terra, é a cobra arco-íris, o senhor dos ciclos. Considerado a própria força que põe a vida em movimento, dilui e desfaz o que não está positivo. Renova a criatividade, é o caminho da felicidade. Assegura a renovação da terra através dos seus ciclos. Suas cores podem ser amarelo, verde, preto ou todas as cores do arco-íris. Sua saudação é “A Run Boboi”.
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obá
A dona da roda, é também a senhora dos redemoinhos. Guerreira, representa o equilíbrio e a justiça, tem o controle sobre as enchentes, o barro, e as águas revoltas. Zelosa, fiel, é cheia de vigor e coragem. De grande conhecimento, suas cores podem ser o rosa, marrom, vermelho e branco e sua saudação é “Obà Xiré! Exó!”
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Bará
Abre os caminhos e estabelece a comunicação, sendo mensageiro entre o plano espiritual e os seres humanos. É quem firma os passos, vibra nas encruzilhadas e é astuto, leal e vaidoso. Inquieto, sincero e participativo, suas cores podem ser vermelho e branco e sua saudação é “Laróyè Exu! Exu ê, mo júbà! Alupo!”
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Exu
É quem faz o erro virar acerto e o acerto virar erro. Guardião dos caminhos, das rotas e encruzilhadas da vida. É o fiscalizador do comportamento humano, é fiel, justo e por vezes travesso. Faz a ponte entre o humano e o divino, suas cores podem ser vermelho e preto e sua saudação é “Laróyè Exu! Exu ê, mo júbà!”
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ossaIm
Senhor das folhas, detentor da sabedoria do uso das ervas. Extrai as curas através do poder com qualquer tipo de vegetação. Misterioso e reservado, sua vibração é na terra, nas matas e florestas. É o equilíbrio entre a razão e as emoções. Suas cores podem ser o verde e o branco e a saudação é “Ewé ó”.
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LoguN EDé
Representa a dualidade comportamental, de temperamento contraditório. Exímio caçador, é caracterizado pela vaidade, pela beleza, pela segurança e objetividade. Usa a sabedoria e a paciência para alcançar o que deseja. Suas cores podem ser azul, amarelo, vermelho ou branco e a saudação é “Logun ô akofá! ou Loci Loci Logun.”
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Independente, empoderada, atua na medida certa e desconstrói a submissão imposta às mulheres por uma sociedade machista. Liberta das convenções sociais, alegre, trabalha na vibração do amor e da autoconfiança. Suas cores podem ser preto e vermelho, roxo ou azul e sua saudação é “Laróyè Pombagira! Laróyè Exu Mulher”.
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Cartilha
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do Povo de
Seriamente comprometidos com a caridade, a humildade e o amor incondicional. Podem se apresentar como homens ou mulheres. Regidos pelo perdão, pela ética e pela justiça, já estiveram encarnados na condição de escravizados. Vibram na sabedoria dos mais velhos e são conhecedores das propriedades medicinais das plantas. Suas cores podem ser o branco e o preto e a saudação é “Saravá e Adorei/Adorê as Almas”.
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São a energia jovial, guerreira, da coragem e determinação. É uma linha de sabedoria, perseverança e evolução, que possui vasto conhecimento acerca das ervas e sua utilização. Podem se apresentar como homens ou mulheres. Vibram nas linhas dos Orixás, portanto suas cores e saudações variam de acordo com isso, além da saudação “Okê Caboclo!”
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São as energias infantis, o que há de mais puro, a própria inocência. Trabalham com a limpeza e a purificação, estão ligados a ideia de criação e seus cultos e rituais envolvem muitos doces. Suas cores costumam ser azul claro e rosa, variando entre todas as cores dos Orixás e sua saudação pode ser “Oni Beijada!”.
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AGÔ - Pedir licença.
APARELHO/ CAVALO - Médium, como as entidades denominam médiuns na Umbanda.
ARUANDA - Plano espiritual elevado, paraíso, morada dos Orixás e das entidades.
ATABAQUE - Instrumento musical utilizado durante as práticas religiosas.
AXÉ - Força presente em cada ser ou coisa; poder emanado pelos Orixás, energia vital e sagrada.
BABALORIXÁ ou BABÁ, YALORIXÁ ou IALORIXÁ, CACIQUE - Autoridades tradicionais, sacerdotes, conhecidos como pai e mãe de santo.
BATER-CABEÇA - Saudar os Orixás, tocando com a cabeça no solo em frente ao congá ou diante da entidade.
CACIQUE - Sacerdote da Umbanda.
CALUNGA GRANDE - Mar.
CALUNGA PEQUENA - Cemitério.
CAMBONO ou CAMBONE - Auxiliar das entidades incorporadas e dos frequentadores quando não entendem suas orientações; auxiliar.
CENTRO - Centro de Umbanda, Terreiro.
COMPADRE - Modo popular de se referir a Exu.
CONGÁ ou GONGÁ - Altar sagrado composto por imagens.
CURIMBA - Dança do Orixá ou entidade no terreiro; grupo formado por cantores e instrumentistas que garantem a música das celebrações.
CURIMBAR - Dançar cantando.
DAR PASSAGEM - Quando o guia do médium o deixa para que outra entidade se manifeste.
DEMANDA - Problema, más energias, olho grande.
DEFUMAR - Limpeza e energização de alguém, local ou alguma coisa de maus fluídos através da fumaça liberada a partir da queima
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de ervas.
DESCARREGAR - Quando, através do benzimento ou desenvolvimento, a pessoa é livrada de energias ruins ou demandas.
DESPACHO - Oferenda solicitada pelo Orixá ou entidade com fim específico.
EGUN - Espírito desencarnado.
ENCRUZA - Encontro, cruzamento de caminhos e forças espirituais, cruzamento de ruas e rodovias no plano material.
ENTIDADES - Seres espirituais que já estiveram em vida no plano terreno.
FILHO (A) DE FÉ - Adepto das religiões de matriz africana.
FILHO (A) DE SANTO - Pessoa que faz parte de um terreiro.
FUNDAMENTOS - Leis que regem a casa, suas ritualísticas e celebrações.
GIRA ou ENGIRA - Culto.
GUIA - Colar de miçangas ligado a relação da pessoa com suas entidades ou Orixás; também é como se denominam Orixás ou entidades espirituais.
INCORPORAR - Processo de conexão do corpo do médium com a entidade, que passam a trabalhar
juntos.
KIUMBA - Espírito obsessor, zombeteiro.
MACUMBA - Instrumento musical.
MATÉRIA - Corpo físico.
MIRONGA - Feitiço, magia, mistério.
OFERENDA - Presente oferecido aos Orixás, guias, entidades.
PASSES - Axé da entidade transmitido ao assistido através do médium.
PONTO CANTADO - Músicas sagradas com finalidade ritualística, em forma de prece, que remetem aos Orixás, guias, entidades.
POVO DA ENCRUZA ou POVO
DA RUA - Falange de Exus.
PRECEITO - Regras a serem seguidas pelas pessoas que fazem parte do terreiro antes de celebrações.
QUIMBANDA OU KIMBANDALinha de trabalhos dos Exus.
QUIZILA, QUEZILA ou QUEZÍLIA
- Indisposição em relação a algo ou alguém.
SE OCUPAR - Como é chamado o transe mediúnico na Nação/Batuque; embolar no Santo.
TATA XIKARENGOMA - título es-
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pecífico para os tocadores de Ngoma (atabaque) nos candomblés de origem Kongo-Angola.
UMBANDISTA - Praticante, seguidor da umbanda.
IMPORTANTE!
Existem expressões que se popularizaram no nosso vocabulário, que deveriam ser abolidas do uso por quem não conhece o seu real significado. Normalmente, essas expressões são usadas de forma pejorativa, em tom de deboche, para desmerecer o ritual tradicional trazido ao Brasil pelos povos escravizados. Exemplo dessas expressões são:
• Doce de macumba
• Chuta que é macumba
• Galinha de batuque
• Encosto
• Volta pro mar oferenda
• Essa pessoa está com o Exu no corpo
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DireItos E Como aCEssar
O Brasil é considerado um Estado laico. Ou seja, sua Constituição prevê a separação entre Estado (as instituições do governo brasileiro e dos Poderes da República) e religião. Na teoria, isso significa que o Estado destina a todos os seus cidadãos, independentemente da sua fé, o mesmo tratamento, não dando preferência a nenhuma prática religiosa.
Na prática, aqueles que escolhem seguir cultos de tradição africanista muitas vezes têm seus direitos negados, são perseguidos por sua fé ou precisam percorrer um caminho maior para acessar direitos mínimos.
ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo no artigo supramencionado, de modo a dar eficácia ao disposto no artigo 5°, inciso VI, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.
CONHEÇA ALGUNS DIREITOS:
• Liberdade de Consciência e de Religião - O artigo 5º da Constituição brasileira garante a todo o cidadão o direito inviolável do culto e de proteção aos locais de culto.
VI - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
A proteção ao culto também se verifica no artigo 208 do Código Penal, que estabelece o crime de
• Uso de espaço público para culto religioso – Esse direito é assegurado pela Declaração Universal de Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário e onde o artigo 18 prescreve:
“Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.”
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Junto disso o artigo 5º da nossa Constituição também complementa e assegura a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos.
INTOLERÂNCIA RELIGIOSA - O QUE É ?
• Imunidade Tributária (IPVA/ IPTU): A Constituição Federal garante a isenção de impostos como IPVA e IPTU para bens registrados em nome da instituição religiosa:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]
VI - Instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão.
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
Qualquer ato de desrespeito e intolerância aos cultos tradicionais de matriz africana pode ser compreendido como expressões de racismo e intolerância. As expressões podem se materializar na forma física, como agressões que resultem em lesões corporais ou destruição de objetos sagrados. Podem se materializar através da moral, com xingamentos, publicações, humilhação ou qualquer outro dano moral. Podem se materializar de forma institucional, quando a discriminação parte de alguma instituição, como por exemplo o impedimento da entrada em hospitais para a realização de cultos.
Este tipo de descrimação é considerado crime pela legislação brasileira. O artigo 208 do Código Penal considera passível de pena: tratar uma pessoa com desdém publicamente por motivo de crença; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; tratar com desprezo, em público, um ato ou objeto de culto religioso.
Racismo e Injúria Racial:
Racismo é o ato de discriminação e preconceito dirigido a algum grupo ou coletividade em razão de raça ou cor. O art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal de 1988 dispõe que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de re-
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clusão, nos termos da lei. A referida lei é a de nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, nos termos da qual serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Injúria Racial é o ato de ofender a honra de alguém em razão de raça, cor, etnia, religião ou origem. Previsto no artigo 140, parágrafo terceiro do Código Penal. Desde 2018 o STF entende que os crimes de injúria por conotação racial se equiparam aos crimes de racismo, tornando-os crimes imprescritíveis e inafiançáveis.
Como Denunciar?
A injúria Racial ou o racismo podem ser denunciados na delegacia mais próxima ou em serviço apto a receber esse tipo de denúncia, como delegacias de combate à intolerância.
Para denunciar procure a Defensoria Pública Estadual mais próxima. Se tiver dúvidas, nos mande uma mensagem no WhatsApp: (51) 99116-4755.
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No dia 16 de outubro, a deputada Luciana Genro promoveu um Grande Expediente em homenagem e defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana na Assembleia Legislativa e entregou a medalha da 55ª Legislatura a Yalorixá Iyá Vera Soares. Abaixo, o discurso lido no dia, na íntegra:
Senhor Presidente, senhores deputados e deputadas, Yalorixá Vera Soares. Eu quero agradecer as presenças da querida amiga Yalorixá Vera Soares, da Develyn de Oxum, do Dion de Oxum, do Tiago de Bará, da Cris de Oyá, do Daniel de Bará, das presenças de todos vocês que estão aqui hoje, da presença do sempre deputado Pedro Ruas, nossa vereadora Karen Santos, agradecer também a presença do Consea e dos movimentos que compõe essa luta dos povos de matriz africana.
Essa homenagem que eu promovo hoje através do Grande Expediente e também da Medalha que em seguida vai ser entregue a Mãe Vera Soares, é mais do que uma homenagem. É uma tentativa de sensibilizar esta casa para as pautas desses povos tão importantes para a constituição do Brasil enquanto nação, mas que des-
de que aqui chegaram, enfrentam muito preconceito e discriminação. Povos de matriz africana são o conjunto dos povos africanos trazidos ao nosso país, as suas variações e denominações originárias dos processos históricos e diferenciados em cada parte do país, na sua relação com o meio ambiente e os povos locais. Estima-se que entre os séculos XVI e XIX, chegaram vivos ao Brasil aproximadamente 5 milhões de africanos e africanas na condição de homens e mulheres escravizados. Como escravos, foram proibidos de falar a sua língua originária, e até mesmo de cultuar o seu sagrado, os Orixás. Um crime contra quem trouxe para o nosso país muito mais do que a sua força de trabalho. Também trouxe o conhecimento, trouxe o emprego de tecnologias agrícolas e de mineração, além de suas culturas, saberes, das suas tradições e de seus valores civilizatórios que foram preservados graças à sua luta e que estão presentes no povo brasileiro.
Fazem parte das práticas tradicionais de matriz africana o candomblé, o batuque, o tambor de minas, a pajelança, a umbanda,
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a macumba, o catimbó, a jurema sagrada, dentre outros. Porém a tradição de matriz africana é muito mais que religião; São práticas tradicionais que reafirmam a dimensão histórica, social e cultural dos territórios negros constituídos no Brasil do qual a religiosidade, na verdade, a relação com o sagrado, é um dos seus aspectos.
Outros aspectos tão relevantes quanto à relação com o sagrado é a resistência há mais de 300 anos de escravização. A resiliência de sobreviver em um país que jamais desenvolveu políticas de reparação suficientes, no qual o racismo é estrutural e se manifesta das mais diversas formas. Este povo ainda hoje precisa lutar pela sua territo-
rialidade, pelo seu direito a ocupar um território. Em Porto Alegre, por exemplo a mãe Sandra, da Tronco, está travando uma luta para que seu terreiro não seja removido da Avenida Tronco, onde passam obras da Copa até hoje não finalizadas. Se fosse uma igreja católica certamente ela seria respeitada e não seria necessário travar uma luta tão dura como a que está sendo travada pela mãe Sandra e pelos seus filhos de santo.
Também temos a situação do Mercado Público que está ameaçado com uma tentativa velada de privatização que pode descaracterizá-lo totalmente sem levar em conta o assentamento de um orixá naquele espaço. Ou seja, sem le-
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var em conta que é um espaço sagrado e um espaço de preservação da tradição, que veio da África, mas que é Brasileira e é gaúcha, a partir do momento em que esses povos se constituíram no território gaúcho. Inclusive, não sei se todos aqui sabem, provavelmente não, mas nessa casa é possível visitar a imagem do pai Cabinda, originário desta tradição e que temos poucas informações aqui na casa dos deputados e das deputadas estaduais do povo gaúcho. Ou seja, esta Casa, esta Assembleia Legislativa também é um território de preservação da tradição.
A questão do território é fundamental para os povos tradicionais de matriz africana, pois ele é tido pelos seus frequentadores como um local sagrado para o culto da ancestralidade. São nos territórios próprios que ocorre a convivência em comunidade e o acolhimento independente do grau de parentesco sanguíneo, da classe social ao qual pertencem ou da sua orientação sexual ou identidade de gênero, pois no momento em que estão inseridos nesta comunidade passam a fazer parte de uma família de axé, em que a hierarquia, o respeito ao mais velho são fatores fundamentais para a preservação da tradição e costumes ali conservados e repassados por meio da oralidade. Oralidade e reivindicação ancestral são as marcas desse povo, pois é através da oralidade que se transmite a essência do ser, as características, as qualidades, e as virtudes… Os terreiros são locais
extremamente importantes pois o seu ensinamento é a não separabilidade da dimensão do sagrado das outras dimensões da vida, da pessoa e da comunidade.
Trago esses elementos pois o povo tradicional de matriz africana não tem seus direitos amplamente reconhecidos. Não tem a sua importância devidamente reconhecida. Embora sejam da cultura tão essencial para a formação do nosso país, o racismo faz com que constantemente sejam atacados os seus direitos e invisibilizada a sua importância. O STF chegou a julgar a proibição da sacralização de animais, nos rituais, e que são também alimento como se os rituais de matriz africana fossem os únicos a sacrificar animais e consumi-los como alimento.
É importante que nós, deputados e deputadas, estejamos sempre um passo à frente legislando e lutando, não para garantir que uma religião tenha soberania sobre outra, mas para que os direitos de todos sejam garantidos em um Estado que é laico. E a sua laicidade tem que ser respeitada. Essa foi a nossa ideia ao recriar a Frente em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, da qual eu sou uma das coordenadoras e o então deputado Pedro Ruas foi um dos criadores na legislatura passada. As religiões de matriz africana como são chamadas têm sido perseguidas ao longo da história, mas atualmente, com um governo reacionário que estimula o racismo, estimula o preconceito
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a situação está se agravando. No Rio de Janeiro foram 12 casas incendiadas por grupos que se intitulam bandidos de Jesus. Tenho certeza que Jesus não daria o seu aval para esse tipo de preconceito e discriminação.
E não se trata apenas de intolerância religiosa. A intolerância religiosa é uma expressão do racismo e a liberdade para a venda de um livro que demoniza as tradições africanas é também fruto do racismo institucional que faz com que as instituições não percebam a extrema violência a todo um povo que atos pensamentos como estes representam e reproduzem. Crianças são apedrejadas na rua, terreiros são vilipendiados e a morte constante de negros e negras no nosso país é inaceitável.
Os povos tradicionais de matriz africana têm direito ao seu sagrado, a sua língua, a sua alimentação, a sua história e a sua cultura. O culto a qualquer crença não pode ser difamatório de todo um povo e de toda uma tradição. A forma possível de enfrentar o racismo estrutural é através da organização, da articulação do próprio povo negro. E nós, brancos e brancas, temos que ter consciência do nosso lugar de privilégio e estar ao lado do povo negro nesta luta. A nossa frente parlamentar quer ser um instrumento para colaborar nesse sentido reafirmando que mais que uma religião que tem um povo, trata-se de um povo que tem o seu sagrado, a sua linguagem, a sua cultura, o seu direito à ali-
mentação. Negros e negras são a maioria do povo brasileiro. A propagação do ódio a tudo que vem da cultura negra é a propagação do ódio à negritude e as suas consequências são graves. É preciso valorizar e cada vez mais reafirmar a identidade negra no nosso país. O respeito ao sagrado dos povos tradicionais é parte dessa valorização.
De fato nós ainda temos um longo caminho pela frente. De fato, nós ainda temos um longo caminho a percorrer. Avançamos bastante, mas Porto Alegre é a Capital mais segregada do Brasil. Nós ainda temos uma separação física entre brancos e negros na nossa cidade, especialmente nas suas regiões de moradia. O racismo e a discriminação são uma realidade cotidiana que nós podemos também perceber no nosso dia a dia. E é nesse sentido de enfrentamento a esta realidade que hoje também entrego a Medalha da 55ª Legislatura para a Yalorixá Vera Soares, que é coordenadora do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana – Fonsanpotma. Vera Soares é mãe de cinco filhos – e ser mãe de cinco filhos é um currículo. Nascida em Porto Alegre, formada técnica de enfermagem pela Escola de Enfermagem da UFRGS, é Yalorixá – enquanto identidade negra. Desde 1990 é militante orgânica do movimento negro, iniciando pelo carnaval, desenvolvendo o seu trabalho no Clube de Baianas Independentes,
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uma organização de mulheres negras, e na entidade carnavalesca União da Vila do IAPI. O carnaval é, sem dúvida nenhuma, uma expressão muito importante das tradições do povo de matriz africana e a mais evidente prova da fusão dos povos de matriz africana com as outras etnias que compõem o brasileiro na formação do próprio povo brasileiro. A Iyá Vera também foi coordenadora, de 2000 a 2006, do Fórum Estadual de Articulação de Entidades Negras, vinculado ao Conen, e também membro da organização do Comitê Afro gaúcho, no Fórum Social Mundial. Elaboradora e construtora do Conselho Nacional de Yalorixás e Ekedes Negras, organização de mulheres do Axé, sendo esse um espaço de discussão e formação do papel político dos terreiros de matriz africana, hoje comunidade tradicional.
Sua luta histórica contra o racismo e a intolerância merece o devido reconhecimento por parte desta Casa, assim como já o é reconhecido fora daqui. A entrega desta medalha hoje à mãe Vera, é uma homenagem a ela, pessoalmente, pela sua história, pela sua tradição, mas é também uma homenagem a todo povo de matriz africana, a todas as mulheres, em especial, de matriz africana, que são mães, trabalhadoras, que lutam, cotidianamente, em defesa dos seus filhos, tão constantemente ameaçados pela violência, que são aquelas que estão no dia a dia da sua realidade de vida, batalhando para enfrentar o racismo e para garantir um futuro digno para as suas famílias. Mãe Vera, esta homenagem é mais do que merecida.
Eu também quero agradecer ao Fonsanpotma, na figura da nossa homenageada Mãe Vera; ao
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movimento Vamos à Luta, que foi fundamental para que este grande expediente acontecesse, na figura da Develyn de Oxum e Dion de Oxum, que compõem a mesa dos trabalhos; ao Tiago de Bará; ao representante da Asidrab; ao Daniel de Bará, filho de santo e representante do coletivo Juntos, um parceiro na luta em defesa dos povos tradicionais; a Cris de Oyá, que coordena a Casa Emancipa Restinga. Tenho um grande orgulho de ter sido a fundadora do Emancipa no Rio Grande do Sul e ter ajudado a Cris a transformar a Casa Emancipa Restinga numa realidade, assim como ajudei a Carla Zanella, que está aqui e também é uma representante dos povos de matriz africana e contribui para tornar realidade o Emancipa Mulher, uma escola de formação feminista e antirracista.
Essas duas iniciativas, das quais eu participo – a Casa Emancipa Restinga e a Casa Emancipa Mulher –, muito me orgulham, porque fazem parte de uma real e verdadeira luta contra o racismo, não apenas no discurso, mas na prática concreta da minha atividade política.
A filosofia das culturas tradicio-
nais de matriz africana baseia-se nos elementos primordiais, nas relações do humano com o universo, que se manifestam na forma de oceanos, rios, matas, florestas e lagos. São relações que não se resumem ao uso, mas que também envolvem valores que vão muito além da troca predatória e do domínio para usufruto da natureza.
Nesse sentido, todos temos muito que aprender, respeitar e valorizar esse povo tão fundamental da nossa cultura. Muito obrigada a todos vocês que estão aqui hoje. Espero que possamos seguir nesta luta para que cada vez mais a Assembleia Legislativa seja um lugar de acolhimento e de encontro para a mobilização. Sabemos que a mobilização e a união dos povos de matriz africana são fundamentais para que possamos enfrentar o racismo, a discriminação e os discursos de ódio tão fortes hoje na nossa sociedade. Ao mesmo tempo, sabemos que, assim como as LGBTs não vão voltar para o armário, as mulheres não vão voltar para a cozinha, o povo negro não vai voltar para a senzala e vai, cada vez mais, ocupar os espaços que merece na nossa sociedade. Muito obrigada.
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O Censo Demográfico de 2010, último feito pelo IBGE, aponta que o Rio Grande do Sul tem a maior proporção de adeptos das religiões de matriz africana do país, como a Nação/Batuque, Umbanda, Kimbanda e Candomblé, com um percentual quase cinco vezes maior que o da Bahia. A estimativa é de que existam mais de 65 mil terreiros em solo gaúcho.
Apesar de parecidas aos olhos dos leigos, Nação/Batuque, Umbanda e Candomblé são práticas diferentes, com ritualísticas e fundamentos distintos. O Candomblé segue as tradições religiosas africanas milenares de povos iorubás e foi trazido por populações negras na condição de escravizadas, se consolidando, em especial, na Bahia e Rio de Janeiro. Variações foram registradas em outros estados, como Tambor de Mina no Maranhão, Xangô em Pernambuco e Batuque no Rio Grande do Sul.
Batuque é uma expressão usada para tratar a ritualística da Nação, onde cada casa de religião segue fundamentos de culto aos orixás de acordo com religiões dos povos originários da Costa da Guiné e
da Nigéria, como as nações Oyó, Nagô, Jêje, Ijexá e Cabinda (ou Kabina). Usado por muito tempo de forma pejorativa, o termo foi ressignificado pelos religiosos que, como forma de empoderamento, o tomaram para si e para identificar a sua religião.
Por sua vez, a Umbanda é uma religião relativamente nova, criada no Brasil no início do século XX. Sua identidade foi forjada através da mistura de influências de diversas crenças como a cultura africana, católicos, indígenas tupiniquins, orientais, kardecistas e misticismo. Ela foi manifestada no
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INGRA COSTA E SILVA UMBANDISTA, FILHA DE OXUM, PESQUISADORA DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E MILITANTE DO PSOL
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dia 15 de novembro de 1908, quando Zélio de Moraes, incorporado do Caboclo das Sete Encruzilhadas, anunciou a religião da Umbanda. Os guias da umbanda, entidades espirituais, apresentam-se em falanges ou linhas de trabalho. Esses espíritos assumem arquétipos para trabalhar que se identificam como Caboclo(a), Preto-Velho(a), Cosme e Damião, Exu, Pombagira, Baiano(a), Boiadeiro(a), Marinheiro(a), Cigano(a), que trabalham na irradiação dos Orixás.
Já a Kimbanda (ou Quimbanda), considerada por muitos como a “esquerda da Umbanda”, cultua os Exus e Pombagiras, entidades também conhecidas como “Povo da Rua”, e é praticada tanto em templos de Umbanda como de Nação, tendo ainda casas que cultuam somente a Kimbanda. Esse é um conceito de religião de matriz africana, mas nem todos os praticantes consideram essa relação com a África. Os Exus e as Pombagiras são entidades mensageiras, que vibram no mato, nos cruzeiros, encruzilhadas, praias e outros lugares que variam com a doutrina, e cada um tem uma história ou lenda que gira em torno de quando o mesmo esteve encarnado.
As religiões afro-gaúchas fazem parte, sem dúvida, do patrimônio cultural do estado, já que são fonte de sabedoria ancestral, passada através da oralidade, e reúnem música, dança, culto, tradições materiais e imateriais de suma importância histórica que fazem parte da identidade de milhares de pes-
soas. São muitos os filhos de santo em solo gaúcho, das mais variadas raízes e tradições, que encaram diariamente uma sociedade intolerante, balizada na ignorância e no preconceito. É somente através da informação, como as que constam nesta cartilha, que é possível desmistificar tantas ideias desrespeitosas com a crença alheia.
Seguimos.
Axé.
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Nos movimentos de ocupação das cidades, é comum ouvir que o principal elemento para ser parte daquele território é dormir e comer. Na dinâmica da luta popular por moradia, existem diversas formas de lidar com esse árduo processo. Nem todos conseguem permanecer ali no dia a dia. Por isso, a intimidade de conseguir dormir e comer é um marcador importante — afinal, é um grande sinal de confiança e aposta na comunidade conseguir ter um sono tranquilo antes de ir para o trabalho e conseguir partilhar uma refeição. Daí a centralidade da organização dos espaços para dormir e das tradicionais cozinhas coletivas dos movimentos sociais, que tanto têm a nos ensinar em nossa atuação militante.
A dura batalha para construir no dia a dia o bem estar em comunidade não é um fetiche, algo estético ou apenas ideológico: é uma necessidade imediata. Pensando na população negra e indígena, se tornou uma necessidade histórica. O mesmo se aplica para as comunidades de terreiro do nosso país. As experiências religiosas
afro-ameríndias são centralmente lugares de resistência ao duro processo colonial que desaguou no capitalismo. Mantendo as populações racializadas nas margens das cidades, na ausência de direitos e na miséria de recursos essenciais para viver, o sistema que vivemos obrigou as comunidades de terreiro a existir na clandestinidade, lutando pela defesa radical da vida dos seus. Muitas estratégias foram adotadas por homens e mulheres para não só comer e dormir em paz, mas para manifestar a sua fé e uma forma de compreensão de mundo diferente dos moldes ocidentais. A historiadora e feminista negra Beatriz Nascimento, em suas pesquisas, conside-
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Cartilha
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MANDATO VEREADORA LUANA ALVES (PSOL/SP)
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rava que existia uma extensão da experiência dos quilombos, desde o período colonial, a todos aqueles “sistemas sociais alternativos” construídos por pessoas negras: os terreiros, as favelas e ocupações, as agremiações e escolas de samba e outros espaços são instrumentos de continuidade do reconhecimento de identidade e cultura das populações indesejadas frente à estrutura racista.
Nesse sentido, é importante lembrar, compreender e valorizar os terreiros também como parte do trabalho popular e parte viva das nossas cidades. É preciso valorizar os saberes produzidos ao ocupar um território para vi ver. Homenagear o chão que se
dorme, a comida que se come, a cultura que se manifesta e as pessoas que fazem manutenção disso tudo. O terreiro é um solo presente, político e dinâmico, que alimenta o corpo e a alma da comunidade na qual está inserido. É história viva, lutando diariamente para não ser esquecida. Diante do capitalismo genocida, que desmancha e sacrifica tudo para sobreviver às suas crises, reconhecer nosso solo como preto e indígena é reconhecer o papel humano e civilizatório que essas experiências de resistência cumprem na nossa sociedade. Lutas que geram conhecimentos para pensar formas social, ambiental e economicamente sustentáveis de ser e estar coletivamente no mundo.
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A TRADIÇÃO DO BARÁ DO MERCADO
Conforme a tradição, no centro do Mercado Público de Porto Alegre, no meio da encruzilhada que o funda, está “sentado” o Orixá Bará - entidade responsável pela abertura dos caminhos e pela fartura. Uma tradição que remonta ao Mercado como um espaço de reconhecimento e reivindicação da população afro-descendente e da cultura negra da cidade de Porto Alegre. O documentário traz relatos de sete autoridades tradicionais de matriz africana sobre o chamado “O Bará do Mercado Público”, a partir dos percursos e experiências urbanas desses negros na cidade de Porto Alegre.
Disponível em:
https://bit.ly/3n2ISu9
CAVALO DE SANTO
O documentário longa-metragem “Cavalo de Santo”, baseado no livro homônimo da fotógrafa Mirian Fichtner, é fruto de dez anos de pesquisas entre os terreiros gaúchos e retrata o universo religioso afro-brasileiro no Rio Grande do Sul. Mostra a presença africana no segundo estado brasileiro mais branco do país e apresenta a diversidade, de forma ampla, das principais linhas da fé cultuadas pelo povo de religião no Sul, suas características regionais e como são
as diferenças existentes entre os rituais do Sul e os que ocorrem no restante do Brasil.
(NÃO TEM DISPONÍVEL ONLINE)
BESOURO
Bahia, década de 1920. No interior os negros continuavam sendo tratados como escravos, apesar da abolição da escravatura ter ocorrido décadas antes. Entre eles está Manoel (Aílton Carmo), que quando criança foi apresentado à capoeira pelo Mestre Alípio (Macalé). O tutor tentou ensiná-lo não apenas os golpes da capoeira, mas também as virtudes da concentração e da justiça. A escolha pelo nome Besouro foi devido à identificação que Manuel teve com o inseto, que segundo suas características não deveria voar. Ao crescer, Besouro recebe a função de defender seu povo, combatendo a opressão e o preconceito existentes.
Disponível em:
https://vimeo.com/36664049
JARDIM DAS FOLHAS SAGRADAS
Salvador. A expansão imobiliária da cidade, decorrente de sua modernização, faz com que o candomblé, tradicional religião afro-brasileira ligada à natureza, seja afetada. A causa é que o candomblé pede a existência de
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lugares amplos e naturais para a realização de sua liturgia. É neste contexto que Miguel Bonfim (Antônio Godi), um ex-bancário que é filho de uma yalorixá e um jornalista de esquerda, decide criar o Jardim das Folhas Sagradas. Sem conseguir um local na cidade, ele decide montá-lo na periferia. Por questionar o sacrifício de animais, Bonfim resolve fazer um terreiro modernizado e descaracterizado. Só que esta decisão lhe traz graves consequências.
Disponível em:
https://bit.ly/3C8wVJP
CAFUNDÓ
João de Camargo (Lázaro Ramos) viveu nas senzalas em pleno século XIX. Após deixar de ser escravo ele fica deslumbrado com o mundo em transformação ao seu redor e desesperado para viver nele. O choque é tanto que faz com que João tenha alucinações, acreditando ser capaz de ver Deus. Misturando suas raízes negras com a glória da civilização judaico-cristã, João passa a acreditar que é capaz de curar e realmente acaba curando. Ele torna-se então uma das lendas brasileiras, se popularizando como o Preto Velho.
Disponível em:
https://bit.ly/3aP2Rqp
M8 - QUANDO A MORTE SOCORRE A VIDA
Em M8 - Quando a Morte Socorre a Vida, Maurício (Juan Paiva) acabou de ingressar na renomada Universidade Federal de Medicina.
Na sua primeira aula de anatomia ele conhece M8, o cadáver que servirá de estudo para ele e os amigos. Durante o semestre, o mistério da identidade do corpo só poderá ser solucionado depois que ele enfrentar suas próprias angústias.
Disponível na Netflix
DOCUMENTÁRIO BATUQUE GAÚCHO
O filme retrata o maior fenômeno religioso do Rio Grande do Sul: o Batuque ou Nação, como é chamada a religião de matriz africana originada no estado. Dirigido por Sérgio Valentim e Eugênio Alencar, essa produção é fruto de um trabalho de pesquisa de quatro anos. Conheça melhor a história dessa manifestação religiosa nascida aqui no Rio Grande do Sul.
Disponível em:
https://bit.ly/3vqOjXG
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O mandato da deputada estadual Luciana Genro está todos os dias na luta antirracista. Nosso gabinete possui muitos assessores e assessoras negros e negras, desempe-
nhando as mais diversas funções e atuando também para fortalecer as mobilizações e os movimentos sociais. Confira tudo que já fizemos nesta pauta:
EMANCIPA MULHER: ESCOLA FEMINISTA E ANTIRRACISTA uma abordagem interseccional do feminismo a partir da luta das mulheres negras. Em agosto de 2018 a Emancipa Mulher recebeu Carmem Holanda em suas atividades em Passo Fundo. Ela é Iyalorisa, socióloga, presidente do Ile Asé Oba Aganju e mentora e mantenedora do CASC - Escola de educação Infantil. A Emancipa Mulher realizou com Carmem Holanda um debate sobre a importância da tradição do povo de terreiro para o feminismo negro.
Em 2017 a deputada Luciana Genro fundou a Emancipa Mulher, uma escola de emancipação feminista e resistência antirracista. Coordenada pela militante negra Carla Zanella, a Emancipa Mulher oferece um curso gratuito de formação, intitulado Laudelina de Campos Melo, em homenagem à trabalhadora doméstica que foi uma liderança histórica da categoria. O curso também deu origem à Cartilha Feminista e Antirracista Laudelina de Campos Melo, com
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FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DOS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ
AFRICANA
Luciana Genro é a coordenadora, na Assembleia Legislativa, da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana. A Frente realiza reuniões com autoridades e adeptos das religiões de matriz africana e auxilia na organização de suas lutas e no
encaminhamento de demandas junto ao Legislativo gaúcho. Ela foi instalada em junho de 2019 e tem sido um importante espaço de debate e organização do povo de terreiro. Com reuniões regulares e abertas, pode ser acompanhada pela sociedade. Participe!
DEFESA DOS RITUAIS DE MATRIZ AFRICANA
Participamos ativamente das mobilizações contra a proibição da sacralização nos rituais de matriz africana. Em março de 2019 o STF considerou constitucional a sacralização. O processo, que se arrastou por anos, foi vencido com muita luta e organização do povo
de terreiro. Nosso mandato esteve à disposição dessa luta. Participamos das caminhadas e banquetaços e organizamos a transmissão da sessão do STF para quem quisesse acompanhar na Assembleia Legislativa.
CHEGA DE FAKE NEWS: ATO DE DESAGRAVO EM DEFESA DOS POVOS DE MATRIZ AFRICANA
Em 2019 ganhou força a circulação de um livro que associava as práticas tradicionais do povo de terreiro a rituais satânicos. A resposta veio das ruas: no dia 18 de agosto a deputada Luciana Genro participou de uma mobilização organizada por terreiros de Porto Alegre e da Região Metropolitana. No dia 03/09 a mobilização tomou conta da Assembleia. Nosso mandato organizou um ato de desagravo, protocolado na Casa nesse dia. Enquanto no plenário principal havia sessão com os deputados, no Plenarinho o som do tambor mostrava
a força do povo de terreiro na luta em defesa do seu sagrado.
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HOMENAGEM AO POVO DE TERREIRO E ENTREGA DA MEDALHA DA 55ª LEGISLATURA
No intuito de contribuir para a disseminação da cultura dos povos de terreiro e ajudar no combate à intolerância religiosa, a deputada Luciana Genro realizou na Assembleia um Grande Expediente em homenagem aos povos tradicionais de matriz africana. Por escolha dos membros da Frente Parlamentar, entregamos a medalha da 55ª
legislatura para a Yalorixá Iyá Vera Soares de Oyá Ladjá, coordenadora do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, militante do movimento negro e símbolo de resistência e luta. Foi a primeira vez que a honraria foi concedida a uma autoridade tradicional de matriz africana.
PL 474/2019: RECONHECIMENTO DOS POVOS E COMUNIDADES DE TERREIRO
Luciana Genro é autora do projeto de lei 474/2019, que propõe que o Estado do Rio Grande do Sul reconheça, para os fins jurídicos e administrativos, as organizações dos Povos Tradicionais de Matriz Africana e Comunidades de Terreiros. O projeto determina que deverá ser disponibilizado um banco de dados atualizado com o registro dos Povos Tradicionais de Matriz
Africana e Comunidades de Terreiros existentes no Rio Grande do Sul, tendo como base os levantamentos realizados pelo IBGE. Determina também que as Autoridades Tradicionais dos Povos Tradicionais de Matriz Africana e Comunidades de Terreiros, baseadas em sua nação de origem, poderão ensinar a doutrina professada pela sua casa/templo religioso, acerca de
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qualquer tema, de acordo com os fundamentos por ela adotados. A iniciativa foi construída em parceria
com a Asidrab - Associação Independente em Defesa das Religiões Afro Brasileiras.
DEFESA DO BARÁ DO MERCADO
Nas páginas desta Cartilha é possível verificar o significado e a importância do Bará do Mercado Público de Porto Alegre. O mandato de Luciana Genro organizou, via Frente Parlamentar, uma comitiva para visitar o IPHAN e solicitar que o Bará do Mercado seja reconhecido como o patrimônio imaterial que é. Desta forma sua permanência estaria assegurada, mesmo diante das constantes ameaças de priva-
tização e reestruturação do espaço do Mercado Público.
DEFESA DA SEGURANÇA ALIMENTAR DOS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA
Em junho de 2021 a deputada Luciana Genro realizou uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos sobre a segurança alimentar dos povos tradi-
cionais de matriz africana. A fome, que sempre foi uma realidade no país, se acentuou durante a pandemia e afeta de forma ainda mais dramática os povos tradicionais de
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matriz africana. Para a deputada, é preciso haver um diálogo entre as instituições responsáveis pela defesa da segurança alimentar e os órgãos públicos que realizam a inclusão de famílias necessitadas junto ao Cadastro Único do governo para que se viabilize, de forma urgente, a entrada dessas famílias
tradicionais de matriz africana nos programas sociais.
DIA DO TAMBOREIRO
A deputada Luciana Genro é autora do PL 340/2021, que institui o Dia Estadual do Tamboreiro, do Alabê, do Ogã e do Tata. O som dos atabaques é parte fundamental nos terreiros das religiões de matriz africana. A habilidade de fazer com que a música sagrada ecoe através do toque das mãos é responsabilidade de uma das principais figuras dentro de um terreiro, o Tamboreiro, conhecido também como Ogã ou Alabê (do iorubá Alagbê). Já nos candomblés de origem Kongo-Angola, a denominação usada é Tata ou, ainda,
Tata Xikarengoma”, título específico para os tocadores de Ngoma (atabaque). Ter no calendário do Rio Grande do Sul um dia para homenagear os tamboreiros é, além de uma forma de valorizar a cultura dos povos tradicionais, uma forma de combater a intolerância religiosa, e nosso mandato é um parceiro dessa luta! Numa estimativa livre, calcula-se que o nosso estado tenha mais de 65 mil terreiros, uma proporção maior que na Bahia e Rio de Janeiro. Temos grandes celebrações das religiões de matriz africana em todo o estado.
HOMENAGEM À POMBA-GIRA MARIA PADILHA
O dia 9 de março está inscrito no calendário oficial de Porto Alegre como Dia da Pomba-Gira
Soberana Maria Padilha das Sete Catacumbas. A data foi criada a partir de um projeto do PSOL, apresentado pelo vereador Roberto Robaina e com apoio da deputada Luciana Genro. A Soberana Maria Padilha das Sete Catacumbas
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Cartilha
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é a pomba-gira de Pai Marcelo de Oyá da Família de Nage, patriarca de uma casa com quase 40 anos de atividade. A data das comemorações ficou em 9 de março, imediatamente após as celebrações do Dia Internacional da Mulher, em relação à ligação da entidade com o feminino e o empoderamento das mulheres. O projeto de criação da data também contou com apoio de Cris Machado, liderança comu-
nitária da Restinga e filha de santo do Pai Marcelo, que percebeu que no calendário de Porto Alegre só havia exus homens e então teve a ideia da homenagem da Maria Padilha, que se tornou a primeira pomba-gira a estar no calendário oficial da cidade e no mês das mulheres. Maria Padilha também é conhecida por ser uma pomba-gira de gênio forte e que sempre quebrou padrões.
ENCONTRO DE QUIMBANDEIROS DA RESTINGA
Desde 2016 apoiamos a realização do Encontro de Quimbandeiros da Restinga, através da Casa Emancipa Restinga, coordenada pela Cris Machado de Oyá,
minha assessora na Assembleia Legislativa e uma das responsáveis pela Frente em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz African.
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ESCOLA DE TAMBOREIROS NA RESTINGA
O Emancipa Restinga, coordenado pela Cris Machado e inaugurado com apoio da deputada Luci-
MEDALHA AO REINO DE OXALÁ
O PSOL também entregou, por meio do mandato do então deputado Pedro Ruas, uma Medalha da 54ª Legislatura da Assembleia à Sociedade Beneficente Sete Flechas e Oxalá (Reino de Oxalá),
FERIADO DE IEMANJÁ
Um projeto do PSOL, apresentado pela vereadora suplente de Porto Alegre e militante negra, Fran Rodrigues, estabelece o dia 2 de fevereiro como feriado municipal de Iemanjá e Nossa Senhora dos Navegantes. Desta for-
ana Genro e do vereador Roberto Robaina, oferece aulas de instrumentos de religião de matriz africana para crianças e adolescentes dos 7 aos 17 anos. As aulas são totalmente gratuitas e voltadas aos jovens da comunidade. O alabe Mauricio Barreto de Xapanã é quem ensina a musicalidade e toques voltados ao sagrado dos instrumentos, que incluem tambor, age e agogô, todos usados nos terreiros. por sua dedicação ao atendimento de demandas sociais e a manutenção das tradições africanas. O babalorixá Pai Cleon, líder espiritual do Reino de Oxalá, recebeu a honraria em 2017.
ma, o PL 350/21 busca garantir o reconhecimento não apenas das tradições católicas, mas também das religiosidades de matriz africana a uma data que é celebrada todos os anos pelos fieis de ambas as crenças.
MEIO MILHÃO EM EMENDA PARA A SEGURANÇA ALIMENTAR
DOS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA
A deputada Federal Fernanda Melchionna destinou meio milhão em emenda para a promoção da saúde, da Soberania e da Segurança Alimentar dos Povos Tradicionais de Matriz Africana e para
o combate ao racismo. Construída conjuntamente ao Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, coordenada pela deputada estadual Luciana Genro.
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Um dos temas mais utilizados como desculpa para disseminar informações incorretas sobre os cultos tradicionais de matriz africana tem relação com as oferendas, muitas vezes encontradas em calçadas, ruas e parques e que em alguns momentos pode contar com animais, nem sempre mortos.
Em primeiro lugar, cabe dizer que o culto aos Orixás, ao Povo da Rua, aos Caboclos, é um culto de amor à natureza e à sua preservação. Quando compreendemos que o significado da força do Orixá está vinculado à força da natureza, essa relação entre proteção da natureza e os cultos de matriz africana fica mais nítida. Cada Orixá exerce seu domínio e recebe suas oferendas de acordo com a força natural que carrega.
Para esses cultos, a preparação do alimento é especialmente importante, pois é através da feitura de forma específica que se agradece ou se pede algo aos Orixás. Todo alimento deve servir aos membros do terreiro e a sua comunidade, seja ele vegetal ou animal. É preciso aqui reforçar que a Constituição garante a liberdade
CARLA ZANELLA UMBANDISTA, COMPÕE A COORDENAÇÃO DA FRENTE
PARLAMENTAR EM DEFESA
DOS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA
da prática religiosa e que em 2019 o Supremo Tribunal Federal julgou a constitucionalidade do abate nesses ritos. Por se tratar de culto que perpassa gerações através da oralidade - ou seja, não há um livro sagrado -, muitos rituais acabam sendo reproduzidos de maneiras condenáveis.
Entretanto, tentar proibir a alimentação animal exclusivamente para os terreiros é apenas parte da perseguição religiosa e do racismo religioso, afinal todos os dias milhares de animais são abatidos, muitos de forma cruel, para o con-
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sumo humano.
Devemos compreender que no terreiro o que se prega é uma cultura milenar e cidadã. Alimentar-se conforme a sua cultura e história é um direito e as cidades precisam estar preparadas para receber em seus territórios essa cultura e se organizar para que a convivência entre as diferenças culturais ocorra de forma respeitosa.
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Aos 53 anos, o Pai Marcelo de Oyá da Família de Nage já dedicou 36 destes à religião. Logo que se formou na faculdade, aos 22 anos, começou a estudar para, nove anos depois, jogar seu primeiro búzio –uma espécie de jogo de conchas que revelam as mensagens dos Orixás. Hoje em dia, seu terreiro é consolidado no bairro Partenon, em Porto Alegre, e ele conta com 240 filhos de santo em diversas cidades, estados e até em outros países. Entre um atendimento e outro no terreiro, tanto dele quanto da Pomba-Gira Maria Padilha das Sete Catacumbas, Pai Marcelo ainda equilibra em sua rotina viagens para o Uruguai, Argentina e para o interior do estado.
“Na nossa casa aqui, a religião é feita para ajudar o próximo”, resume. Quem procura o jogo de búzios, em geral, são pessoas que estão passando por problemas e precisam recuperar determinadas fases da vida que foram perdidas, o que é possível através dos Orixás.
Há doze anos, ele incorpora a Pomba-Gira Soberana Maria Padilha das Sete Catacumbas, uma Pomba-Gira que veio a se manifestar quando foi puxada pelo Pai de Santo de Marcelo em uma sessão, e veio muito firme desde o início. Atualmente, ela é bastante conhecida, com credibilidade especial-
mente por conseguir dizer as datas exatas de mortes, sejam no passado ou no futuro. Pai Marcelo explica que essa Pomba-Gira específica, por usar o corpo e o cérebro dele, difere de qualquer outra. “Outras pessoas podem receber ela, mas não vai ser aquela do meu assentamento, essa é ligada a mim”, explica.
A Pomba-Gira é uma entidade que já esteve em vida no plano terreno. Enquanto um Exu, ela já foi mundana, na definição do Pai Marcelo, então suas expressões de roupas e língua são mundanas. Para chamá-la, há uma preparação que pode durar um dia inteiro, na qual a casa é ornamentada com velas e é feita uma chamada durante o dia, para que de noite ela chegue e atenda seus clientes.
Quando a Maria Padilha é incorporada, Marcelo não fica consciente – ele pressente a chegada dela e, enquanto ela assume seu corpo, ele fica com a “sensação de estar dormindo”. “É como se eu tivesse num sono, eu não escuto e não vejo, mas eu pressinto quando ela está chegando. Existe o ritual de ficar na frente da casinha, cantar, lavar as mãos com cachaça. As minhas mãos vão ficando geladas e daí parece que eu durmo e ela assume. Ela usa todo o meu vocabulário, meu cérebro, meu corpo, aquilo que ela tem em mãos”, relata
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Pai Marcelo.
O fato da Pomba-Gira feminina se manifestar no corpo de um homem é algo normal, segundo Pai Marcelo. “Qualquer pessoa pode receber qualquer entidade, são duas pessoas completamente separadas. Inclusive muda a personalidade da pessoa, eu sou muito tímido e ela é mais ‘povão’, é muito acessível. Ela só vem quando é a quimbanda, ou seja, quando há trabalhos que precisam da presença dela, e também vai visitar os amigos, tem os próprios filhos”, relata ele.
9 DE MARÇO, DIA DA POMBA-GIRA MARIA PADILHA SOBERANA
DAS SETE CATACUMBAS
A partir do mandato do vereador Roberto Robaina, do PSOL, o dia 9 de março foi incluído no calendário oficial de Porto Alegre como Dia da Pomba-Gira Maria Padilha Soberana das Sete Catacumbas. É a pri-
meira Exu do sexo feminino a ser incluída no calendário da cidade. O dia foi escolhido pela proximidade com o Dia da Mulher, data significativa tanto pelo simbolismo quanto pela atuação da Pomba-Gira, visto que no dia 9 ela sempre faz uma reunião, quando terminam as festividades dela do mês de março. “Ficamos muito felizes com a inclusão no calendário e por ser próximo do Dia da Mulher, é a única Pomba-Gira do sexo feminino incluída”, aponta Pai Marcelo. Em setembro, a deputada Luciana Genro esteve com o vereador Roberto Robaina e a coordenadora do Emancipa Restinga, Cris Machado, na casa de Pai Marcelo para inaugurar a placa do Dia da Pomba-Gira. A iniciativa de sugerir a inclusão da data foi tomada por Cris, que é religiosa de matriz africana, ao perceber que só havia Exus do sexo masculino homenageados na cidade.
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Com mais de 65 mil terreiros, o Rio Grande do Sul é o estado em que mais se registra o crescimento das religiões africanistas. Sejam de Batuque/Nação, Umbanda, Kimbanda ou Candomblé, os terreiros se espalham de Norte a Sul e reúnem milhares de gaúchos em torno da fé nos Orixás e seus falangeiros. Manter uma casa de religião exige - para além da disposição da família de santo para a construção energética daquele espaço - que algumas burocracias sejam resolvidas para que o templo funcione legalmente. Além disso, o crescente número de registros de intolerância religiosa chama a atenção para a necessidade de ações que contemplem as necessidades diversas de um terreiro.
Muitas vezes alguns direitos só podem ser acessados a partir do reconhecimento jurídico do terreiro. Para auxiliar dirigentes religiosos nessas questões administrativas e burocráticas existem associações e federações espalhadas por todo o país. Pai Tiago de Bará, membro da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, fundador e presidente de uma das associações mais atuantes do país, a Associação
Independente em Defesa das Religiões Afro Brasileiras (ASIDRAB), explica a importância dessa regularização.
A ASIDRAB foi idealizada e criada para se tornar mais uma aliada na luta contra a discriminação, o preconceito e o racismo religioso para com as tradições de matriz africana. Entre os serviços mais procurados está o auxílio para regularização do Alvará de Funcionamento dos terreiros, cursos, assessoria jurídica 24h em casos de intolerância, ameaça e agressão, além da criação e regulamentação de estatutos.
REGULARIZAÇÃO DOS TERREIROS É DE EXTREMA IMPORTÂNCIA
Cada município e estado tem suas regras no que diz respeito à regularização dos terreiros. Alguns municípios não exigem certificado de filiação em uma associação ou federação e nem alvará de funcionamento, mas o presidente da ASIDRAB pontua que é o mais adequado, consolidando-se enquanto instituição jurídica.
“A questão dessa da importância da legalização funciona da se-
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guinte forma: existe um decreto lei que te reconhece a nível de templo religioso e sacerdócio nas esferas federal, estadual e municipal, que diz que tu tens que ter uma característica jurídica. Mesmo que esteja amparado numa isenção de determinados impostos e pleitos de direitos, essa caracterização jurídica tu só consegues através de um CNPJ”, explica o sacerdote.
Ele chamou a atenção, ainda, para o fato de que a maioria dos terreiros não tem condições financeiras para constituir personalidade jurídica e por isso o papel das associações e federações é uma forma de facilitar o processo. Além de o CNPJ do terreiro poder estar associado ao da entidade, o espaço consegue valores menores em questões legais obrigatórias, como o PPCI e também assessoria jurídica para tratar questões como racismo religioso, por exemplo, além de acesso a cursos e uma série de benefícios.
A luta coletiva ainda é uma das principais pautas da associação, que conseguiu, por exemplo, com que a prefeitura de Sapucaia do Sul considerasse as particularidades dos terreiros e somente os templos maiores que 10m X 25m passaram a ser taxados.
“Não é algo que atinge diretamente o meu ou o teu terreiro, mas é uma causa coletiva que é de extrema importância para todos os religiosos e quem abraça acaba sendo a associação, por ser também uma representação política.
A mesma coisa foi quando con-
seguimos, via associação, cartas direcionadas à prefeitura de Porto Alegre e ao IPHAN de uma embaixatriz da Nigéria reconhecendo o Bará do Mercado, as casas tradicionais do estado do Rio Grande do Sul e o Mercado Público como coirmãs de religião praticada lá,” contou, orgulhoso, Pai Tiago.
Com mais de três décadas de vida religiosa, Pai Tiago de Bará destaca que a associação é independente e apartidária, pois tem um entendimento de que é necessário o alinhamento com o poder público em suas diversas esferas e o alinhamento com os meios políticos para que se possa dar os encaminhamentos necessário e atingir os fins buscados.
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As LGBTs sempre foram acolhidas pelas religiões de matriz africana, mas estar dentro desses espaços nunca foi fácil pois, assim como nas religiões cristãs, os terreiros nunca estiveram livres dos preconceitos que a sociedade promovia. Mesmo estando dentro destes espaços, muitas batalhas tinham que ser travadas para que nós, LGBTs, tivéssemos nosso lugar reconhecido.
A religião e a sexualidade sempre pareceram andar em sentidos opostos, mas a postura dos povos de matriz africana sempre foi em outra direção. Isso contribuiu para que as religiões afro fossem reconhecidas por ser a religião dos excluídos.
A perseguição histórica sofrida pelos povos de matriz africana abre o precedente para que seus territórios saibam acolher e compreender todos que de alguma forma foram marginalizados. A própria condição do negro na sociedade nos ensinou que a união de todos aqueles que são discriminados é uma estratégia de resistência.
As LGBTs contribuíram muito para a preservação e popula-
RAFAEL ALDAB
MILITANTE DO COLETIVO JUNTOS - ESTUDANTE DA REDE EMANCIPAUMBANDISTA DO C.E.U OGUM BEIRA MAR E MÃE OXUM
rização das religiões de matriz africana. Vemos nas giras e batuques cada vez mais LGBTs cultuando o sagrado e sendo liderança da luta contra a intolerância religiosa.
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A cidade de São Gonçalo, em 15 de novembro de 1908, foi o ponto de anunciação da Umbanda na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, localizada na Rua Floriano Peixoto, no bairro de Neves. A incorporação do Caboclo das Setes Encruzilhadas foi mediunizada por Zélio de Moraes.
A Umbanda é uma religião brasileira, baseada no sincretismo social que envolve as religiões africanas, as crenças indígenas e o catolicismo baseado na tradição europeia. Mesmo com as perseguições no Estado Novo, baseadas no racismo religioso, as Casas de Umbanda se disseminaram pelo tecido urbano nacional, onde registram-se centenas de casas nos anos 1950. Hoje também é internacional, com diversas matizes e ramificações.
O refluxo iniciou-se na década de 1980, em sintonia com o crescimento das seitas fundamentalistas neopentecostais. Essas se desen-
volveram na esteira da crise metropolitana das últimas décadas, ocupando o espaço dos terreiros nas periferias. Aprofunda-se o pensamento “demonizante” da Umbanda e das casas de Candomblé.
A história é pouco difundida, logo pouco reivindicada. Eu mesmo, quando criança, estudei no Colégio Santos Dias, que se localiza em frente à casa onde a Umbanda foi fundada. Nunca me falaram na escola sobre a importância histórica do imóvel que estava a 10 metros.
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PROF. JOSEMAR CARVALHO VEREADOR DO PSOL DE SÃO GONÇALO (RJ)
Apresentar a história é também fortalecer a memória de resistência popular e cultural.
BERÇO DA UMBANDA
No dia 2 de outubro de 2021 foi inaugurado o MuseUmbanda, uma associação da sociedade civil. A iniciativa visa à construção de um museu, que tem como objetivo o resgate de memória da Umbanda e a luta contra a intolerância religiosa.
Leu-se o estatuto. Expôs a história da religião que teve sua anunciação em São Gonçalo. Discutiu-se sobre os objetivos do MuseUmbanda. Reafirmou-se os pressupostos da luta pelo Estado laico. Apresentou-se o projeto de construção do Museu com uma estrutura física, cinco exposições permanentes. Por último, elegeu-se a diretoria fundacional, a ser presidida por Pai Fernando de D’Oxum.
A iniciativa contou com a participação de pesquisadores, parlamentares, ativistas do Movimento Negro e líderes de religiões de matrizes africanas. Um evento importante foi realizado na Tenda Espírita São Lázaro, no bairro de Santa Catarina, na cidade de São Gonçalo.
vadorismo social burguês racista, que se instrumentaliza e é potencializado por representantes públicos no cenário político e social.
A demonização, a radicalização irracional, os ataques aos terreiros de religiões de matrizes africanas, discursos de ódio e elitismo social-racial são as partes visíveis e violentas deste projeto de poder que colabora efetivamente para o projeto de extrema direita instalado no Brasil.
O MuseUmbanda tem como cláusula pétrea a luta contra a intolerância religiosa e a defesa do Estado laico. Está no seu horizonte a construção de trabalho de conscientização cotidiana. A luta contra o preconceito é parte intrínseca da sua existência enquanto Museu.
Lutar contra a intolerância religiosa deve fazer da nossa estratégia rumo à construção de uma sociedade sem explorados, sem exploradores, sem oprimidos e sem opressores. Livre de preconceitos e de autoritarismos.
A LUTA CONTRA A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: É
UMA NECESSIDADE
O avanço da intolerância religiosa é produto de uma crise social. Tem no seu pilar central o conser-
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O Brasil repete um padrão de violência onde há mais de quatro séculos, desde quando foram trazidos à força pelo projeto colonialista europeu em territórios indígenas, negros e negras, descedentes de africanos, não possuem o direito à vida plena, com a garantia de direitos civis pelo Estado. Pelo contrário, o Estado é agente de genocídio e encarceramento em massa da juventude negra. O Estado brasileiro foi fundado com base na escravidão e até hoje sofremos pela não reparação histórica.
É preciso combater o racismo em todas as suas frentes. Nosso acúmulo é que o termo “intolerância” não dá conta de explicar os inúmeros casos de violência contra os povos de terreiro, de tradições indígenas e africanas. A violência, a “intolerância” é racialmente orientada. E o racismo é crime no Brasil.
É preciso um olhar atento a isso.
As religiões de matriz africana e indígena falam sobre a nossa história profunda de luta, resistência e re-existência contra o opressor. O Brasil que faz a África se encontrar fala das relações profundas, fortes e potentes entre
os povos oprimidos. Fundamental reconhecer o saber ancestral dos donos da terra e dos povos que sobreviveram à travessia transatlântica. Esses saberes diaspóricos ainda carecem de reconhecimento na construção do Brasil. Sem eles não construiremos nossa democracia. Precisamos acertar contas com nossa história.
Desde março de 2020 nosso mandato tem realizado uma série de debates acerca do racismo religioso no Brasil. A intenção é levantar essa discussão na sociedade exatamente no momento onde vivemos um grande retrocesso na história, com perda de direitos civis e econômicos, numa pandemia
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DAVID MIRANDA DEPUTADO FEDERAL DO PSOL
mundial onde o Brasil é recordista em mortes com um genocida no Executivo. Mesmo com a vacina, nosso povo sofre as consequencias de uma necropolítica expressa nos índices de desemprego, genocídio e fome na “fila do osso”.
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CORREA, Norton F. O Batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religião Afro-Rio-Grandense. 2. ed. Porto Alegre: Cultura e Arte, 2006.
CUMINO, Alexandre. Umbanda não é macumba: umbanda é religião e tem fundamento. São Paulo: Madras, 2016.
DIAS, Alder; ABREU, Waldir Ferreira de. Por uma didática decolonial: aproximações teóricas e elementos categoriais. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 19, n. 62, 2019.
KATRIB, Cairo Mohamad Ibrahim; MACHADO, Maria Clara Tomaz; PUGA, Vera Lucia. Mulheres De Fé: urdiduras no Candomblé e na Umbanda. Uberlândia, 2018.
MUTTI, Daisy; CHAVES, Lizete. Ensinamentos básicos da umbanda. Porto Alegre: Besourobox, 2018.
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