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Capa de Lúcio Autran: Pintura Rupestre Altamira - períodos Magdaleniano (entre 16.500 e 14.000 anos) e Solutreano (18.500 anos) - Paleolítico Superior - "escola franco-cantábrica".
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FRAGMENTOS DE SONHO E OUTROS CICLOS MENORES
LÚCIO AUTRAN
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Não há nestes poemas surrealismo, longe, muito longe qualquer anacronismo apesar de não ser um obsessivo pela contemporaneidade, a aceito, com o que tem de melhor, e de pior. Nem tangente com a metafísica: conheço meus sapatos. Muito menos qualquer veleidade psicanalítica (leia-se as epígrafes do primeiro poema), ainda que o leitor possa ficar a vontade para concluir o que quiser no correr do livro, se é que alguém me escuta agora. São apenas e muito e simplesmente sonhos, naquilo que podem ter de reais: sua própria literalidade. Escritos com o instrumental do onírico. Sem criação. Ou quase.
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PRÓLOGO I Andamos em círculos? Nomeio-me espiral, se preciso, e repiso as pegadas do passado, de uma perspectiva abaixo, se subo, ou acima, se abismo: imaginário nas volutas de Dante Ainda que tudo não passe de uma reta, numa cela do tempo, ir e vir infinitos, repisamos os passos, cicatrizes no chão, mesmo que apagados: pés desfeitos, refeitos manhã? Falso como a reta, reto como a morte. Esbarramos conosco a cada volta do tempo ou lugar, nos estranhamos. Outras tantas nos abraçamos, longos amigos, sem a memória do rancor por nós. E é comum o temor de ver em nós nosso inimigo. Mas se for assim
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Se só assim nos reencontramos, melhor seja no círculo incerto e fantasioso do sonho, pois num terceiro ciclo noutro tempo, só teremos de nós nossas sombras nuas desmemória, vestindo a mortalha das espirais que fomos II Pânico E se não existirem os ciclos? E se apenas retornamos na ilusão desejada, distorção, miragem da curva da terra, engano de luz? Só há a vida sem moldura, em expansão, o destino explodindo em todas as direções num universo pessoal de pânico e solidão. Os ciclos? Não mais que fantasia e sonho de controlar o futuro, para que volte o passado, se foi um dia mansuetude, memória fértil, água. Os ciclos? Esperança que acabem os dias de dor, tempo terá havido em que deserto não havia amanhecíamos em verde, remanso e finitude
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da angústia. Nossa ilusão dos ciclos é o desejo de tornar o tempo matéria, tornar fático o futuro, vendo do infinito o acontecido, ou o imaginado Sem os ciclos destino não há, e o passado é branco, sem os ciclos, tempo virtual, perdemos a semente da morte, e a idéia de Deus é sinonímia de caos. III Num repente um ciclo estanca. Fecha-se. Por um gesto mínimo da paisagem percebemos que uma volta se fez da espiral, quase-simetria. IV Quase Simetria (O ciclo mínimo dos dias) A madrugada fecha o seu ciclo na língua do dia, boca do ciclone no redemunho do tempo, o mundo. O ciclo da noite se fecha na manhã, com o gosto do beijo das almas, 9
lavamos a boca para fugir desse beijo. Lavamos os olhos para o antissonho a cega secreção da luz, cores estanques que idealizamos para suportar o dia E sermos quase reais, para suspeitar o dia. Virá inteiro em seu ciclo? Ou seremos projetados para fora do ciclone do tempo? Vive-se para responder a esta pergunta, (cujas respostas são inúteis, como tudo), que só existe para o ocaso do dia e de nós Ambula-se apenas para que mais tarde as bocas se calem, no ciclo mínimo do dia, água mansa que nos saciará, e nos perderá outra vez e sempre No ciclo dos sonhos
Quase simetria
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A MEMÓRIA DO SONHO
“Todo material que compõe o conteúdo do sonho é derivado de algum modo da experiência, ou seja, foi reproduzido ou lembrado no sonho – ao menos isso podemos considerar como fato indiscutível” S. Freud “A Interpretação dos sonhos (O material dos sonhos – A memória nos sonhos)”. “La vida es sueño, y los sueños sueños son” Calderón de la Barca 11
“Novelo – (Despertando.) (...) Tive a visão mais maravilhosa. Tive um sonho... Todas as faculdades do homem não bastariam para dizer o que era esse sonho. Quem procura explicá-lo não passa de um asno”. Shakespeare “O Sonho de uma Noite de Verão” – Ato Quarto – Cena Primeira.
O material do sonho não é a memória do dia. O dia elide a lógica do sonho, e nos ilude com sua lógica própria de sol e sirenes São os fatos solares que clamam pela memória da noite, buscam o que verbera na luz: os ecos, os sons, a palheta do onírico. (Desperto entre esquina e geometria esses seres matemáticos. O orgânico que fui, fragmentou-se; mas em minha retina ficaram paisagens de De Chirico)
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Não é o dia, sua gente e materialidade, que se enubla nos tons do sonho, antes o sonho é que se constroi em concretude na manhã, estilhaçando o real em cacos. Assim, cerradas as frestas das pálpebras, a festa das imagens do sonho não virá do proscênio do dia, este só sabe riscar formas retas, compasso dos passos lineares. Outro será o compasso do sonho régua irregular, círculo rompido em caos sem proporção, e as ilusões, miragens que sob o sol construíamos, esvaecerão. Se perderão no jogo barroco de sombra e luz: sonhos são cores não solares, a manhã a treva, triste certeza meridiana: falso lume, pois dúvida e desmemória. ... Acordo sobressaltado de sonhos fluxo de imagens que amedrontam e vexam. Suor e sol me revelam: acordei penso vestir-me de luz e harmonia.
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Que nada, minha roupa de circunstância Ê o pesadelo do dia.
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É fechar outra vez os olhos e nas sombras deitar-me nu em panos de alegoria
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SONO REM
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AZUL Uma bolha azul (gelatina ĂĄgua?) membrana intangĂvel Queria afogar a todos em silĂŞncio em assepsia em dias inodoros A todos tingia de azul os homens. Sem paz contudo
Bolha:
azul 19
de anomia, impediu a noite que prometia. Todavia o dia não devolveu (mas a face dupla do nada) Nem era líquido. (Na verdade havia esperança de um rio que se rompesse, à cidade lavando, levando a todos em redemunho) Não era rio não era líquido...
era um tempo gelatinoso nos retendo em azul
e paralisia.
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A CEGA E A SEDUÇÃO Mi son Arlechin Batocio Sordo de um ocio E orbo de uma recia (Eu sou Arlequim Batocio Surdo de um olho Cego de um orelha) Dario Fo Seus pelos deságuam pela janela, púbis pública, inundando /de pentelhos as ruas e os sonhos e os desejos das gentes que passam /(que pressa!) aos milhares mares
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Na cegueira da pressa as gentes devoram os olhos aos /passarinhos Ela, cega, sem voo de ver, da soteira repete a quadra de /sua avó surda seus cantares mares: E canta: “Quem conheceu o fim da solidão? Quem? Minha mãe morreu virgem, meu pai morreu cão”. Abutres arrancam os olhos da multidão passarinha que, presa aos pelos, maldiz a beleza cantares os sonhos. A cada noite mais cega, a cada dia mais surda, ela não ouve mais paisagens nem vê canções, mas canta e canta: “Minha avó morreu virgem, presa da solidão; meu avô morreu cão, faminto de vertigens”.
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NÁUFRAGOS O mar os envolvia, braços de um naufrágio ou seria o fim do mar, um medieval abismo? Trazia pelas mãos a moça, lutava contra as ondas, e com as palavras, era urgente salvá-la do infinito Eram também as águas ritmo, risco (poema?). Revoltos, os cabelos da moça viravam mar, logo era preciso cortá-los, senão ela toda seria oceano; por isso chorava (mar a mais) Um porto mais perto... de novo, era vertigem, afastava-se o porto num ritmo dissoluto; o porto e o soluço da moça viravam mar. Seu olho, praia, vidro futuro, rachado por pés estúpidos, areias
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nunca tão concretas, sal do pranto. Na casa da moça, seu pai trancara-se há séculos num quarto mudo, esperando que ela regressasse do nada, das praias, (cria as areias costeiras eram pântanos de tempo) Sua irmã flutuava em nuvens púrpura, e meditava, e voava, e meditava, tão linda e cega, voava azul, vestida de virgem e desejos! (A mãe delas morrera de primavera, um dia virou um jardim de ausências) Voltaram. Na porta, cercando-se de responsabilidades, autoridades seriíssimas investigavam. Apuravam. O que? Queriam provas! Interrogavam coincidências. Provas! Não havia provas contra ele, poucas palavras Do mais fundo do escuro o pai gritou: quem está aí? Era sua filha que enfim chegava, salva, nem sorriu, cismativo permaneceu cego de janelas e esperança. Teimou: é o poeta, pai, ele me salvou das palavras. E o poeta: sem luz e som ele nada saberá de mim... O poeta! O poeta! Irrompeu o pai num êxtase místico, sei todos os seus versos, roubei-lhe as rimas, metáforas, e as projeto no espelho escuro dos vícios solitários!
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O poeta... suspirava o pai. Que atravesse as portas de névoa e loucura! E venha! Melhor, eu descerei! Mas ao ver que o poeta trazia sua filha entre as mãos rompeu-se o fino fio da razão: O poeta! O poeta não! O poeta, não. . . Sua voz sumia no surto dos infinitos em paisagens de sal. E as autoridades sorriram...
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SONHO LAPIDAR Manhã: sequencia de mármores entediando o horizonte. Sobre eles dormem mendigos um sono geométrico, dormem sob a chuva e a noite, que insistem em construir paisagens. Inútil, não haverá paisagem alguma na geometria da miséria Uma única tampa aberta, mármore, uma campa vazia Dentro dela me deito, silêncio, gesto contorcido de Paixão... Mas antes acordar que ser Cristo. Sou humano, já é muito. Corro entre campas, andrajos de angústia, quase nu, deixo a quase paisagem encharcar-se de palavras e retângulos. Não acordarei. Sou poesia: símbolo migratório das nuvens.
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A COLHEITA Era preciso colher a flor que brotara do joelho e lhe estorvava o dia desde que ela se fora e deixara o tempo pendente Pégaso fêmea crina láctea galáxia perdida num quasar da noite Filha do caos e da desordem um sonho ainda morno Filha do tempo e sua finitude o corpo ainda morno
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Mito fêmea púbis argêntea palavra pulsando estrela quase morta
Era urgente colher o verso que lhe paralisava o olhar, parasita brotada da íris desde que se quebrara o sonho e deixara a imagem pendente Sem qualquer metáfora possível
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O SONHO E O VÍNCULO PERDIDO
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DA INSテ年IA DAS COISAS
Os dias nunca acontecem sテ」o sempre acontecidos e quanto mais tentamos que aconteテァam, cテュnicos Mais eles desacontecem.
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A CHAVE
Era apenas uma chave, lembro, apenas e totalmente uma chave. Nela eu sabia revelados os segredos e todos os sĂmbolos e sonhos esquecidos Antes de mim escondidos, as esfinges meticulosamente inventadas ou ocultas Caiu num bueiro... Desde entĂŁo na lama, nos esgotos da alma (poesia?)
procuro a porta dos signos perdidos. chave. 35
E d贸i. Pois vi quando e como se perdeu.
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LOBO SATURNAL a Moacyr Scliar após a leitura de “Saturno no Trópicos”
De uma fissura da íris ressurge o medo da noite, o medo do lobo, da lua cheia ele se desprende num voo de elipse, num gesto me veste de pelos e se despela, chama-me filho, meu sétimo com a lua, e sua eclipse – filho do medo ou do lobo Ressurge como um Saturno trânsfuga, transfigurado lupus me deserta da cidade, faz-me o lobo de um cotidiano partido, uivo nas cavernas lunares da íris, ecos da palavra que não sei. Bebo urina, ouro anti-alquímico, sal aurífero aumenta a sede primeva dos seios secos, antiprimavera, sede fome abandono. Sacio a sede atemporal quando cravo nas veias minhas garras, sacio-me do sangue, leite de uma Eva em surto, meio Medéia, meio Penélope, tece, se penteia e me enreda no seu ofício fino
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de destecer os cabelos, de tear ofídios, Eva que me alimenta – doce e maternamente – finge, sei , mas me serve o que sorve do meu intestino em chamas. Refaço essa perene última ceia, e jogo nas paredes os restos dessa abstração escatológica, teratológico banquete, que um dia iniciei entre os vampiros senzala tardia que me povoou a infância: Saturno, eu devorava as fezes como filhas, enquanto a Mãe-Preta desesperava-se Santa dona Efígia! Esfinge da memória. Assustada, me enfeitou com colares de alhos e cantos e negra mitologia. Desde então me acompanha ecos dos uivos desse lobo saturnal: o pavor de que a membrana da razão se rompa no cotidiano em pânico, e surja das sombras o lobo, que me espreita na estreita greta da normalidade. (Só quem viu a loucura de perto, a estranheza de romper-se gente – a sua própria ou a de outro cujo amor supere a carne, sabe do que falo: da teia, do tecido delicado que sustenta a sanidade, tão frágil louça, que por uma cedilha quebra-se e estilhaça o fino pires da razão)
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CASA PLIM
As ruas um pouco diferentes apenas. Mas no mesmo lugar. Andar por elas, principalmente à noite, é risco. Ainda assim insisto. Se nos roubaram a liberdade, a memória e os sonhos não. Ruas deste bairro das quais sempre duvidei, persistem. Os bairros se transformaram, mas da cidade restam algumas de suas faces esquecidas, ou quase, talvez a sombra sonho de uma noite urbana anacrônica as faça imutáveis para os que nos dispomos a visitá-las. Por isso insisto nesses passeios noturnos, breves e perigosos, mas que têm o sabor da memória e da transgressão, enquanto me restarem ruas e noites e sonhos, principalmente sonhos. E vida (talvez por isso sonhamos, pois já não sei o que rua, memória ou sonho). Aqui reencontro meus mortos. Educado, os cumprimento, alguns me reconhecem olá - os que morreram a menos tempo, outros já não sabem quem sou. A eternidade tem memória, e se perde. Fugiram da solidão dos mármores, meus mortos, das lápides e seus latinórios mudos, dos muros de pedra, grades de ferro, e passeiam. 39
Também passam por mim os loucos da minha infância, prazer encontrá-los! Ainda vivem (vivem mais, os loucos, é quase científico). No fim do labirinto de medo e sombra encontro a casa. Me espera. Por trás dela e como ela me espera a montanha, sempre enorme (que raro, não a diminuiu o tempo, com a idade. Tudo diminuiu, os muros, as casas, as distâncias. Cresci. Menos a montanha). O que sonhará até hoje aquele gordo e preguiçoso gigante recostado? Sempre ele, pedra que se transforma em nariz, que se transmuda em pedra, as voláteis formas da pedra, ora gigante, ora mulher, ora rua, sempre nuvem, pedra, sempre difíceis ladeiras, mulher. Montanha intransponível. A casa transformou-se, eu me transformei, mudaram também a cidade e as ruas. As mulheres. A montanha permanece em eterna transformação (e assim, em “cavalgamento” demonstro como traem e enganam, o tempo e os versos ainda que em versiprosa). A casa: sua fachada, suas janelas fechadas que aos poucos se abrem em abandono, caem em cacos opacos, as portas: primeiro o tempo depois as pedras depois o tempo convidam e proíbem o interior mistério sempre vedado, elipse de paisagem, ritmo de rio inevitável e ininterrupto, rumo de água que a tudo arrasta. Leva. Lava. Desmemória. As portas. Os muros. Os mesmos que antes calavam de medo minha aventura e a covardia invejosa da aventura dos fortes, pulando muros e escuros, vencendo-os, “o mundo é para quem nasce para o conquistar, e não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão”, me ensinaria o poeta, mas já então seria tarde. Os que conquistavam a vida desassombrados, enquanto eu, 40
condenado a mim, bailava assombrações, e ainda é assim. Dormem sob aqueles muros antes intransponíveis, hoje tão baixos, os bêbados e os mendigos, e os mendigos e os bêbados da alma – meu tempo e a própria penúria da alma dilaceram-se em ruínas os muros, mas minhas fortalezas aumentam... mas não protegem, antes isolam. E assim, me convidam as ruínas a entrar. Hesito. Afasto com os pés escombros e as dores provisórias, os ratos me sorriem em deferência, os morcegos em acrobacias cegas, a todos cumprimento cortês, a cada um, diverso tratamento, segundo a hierarquia da morte, só hoje compreendo (envelheci...) e aceito como necessários os ritos, medalhas dos pronomes nominais e de tratamento. Conheço bem esses ritos, se inevitáveis, já os aceito, mas no íntimo, o corpo viciado ainda se agita de um medo inadaptado à normalidade, que condena a alma tetraplégica. Ainda fico paralisado ante essas escoras das precárias solenidades sociais. Mas a escória também me cumprimenta. Entre o muro e a casa – antes tão nobre, tão ciosa de sua arquitetura - não repousa mais que o presente, é curto caminho, porém não é fácil o presente (e o presente é o caminho), a dor e o silêncio deformam a dimensão e os horizontes se atropelam numa geografia sem caravelas. Tudo se mistura, a casa em ruínas e sua fachada que repousa viçosa no passado, suas cores agora viciosas e viscosas, seus antigos vitrais partidos, que coloriam os ritos, as missas pagãs, sacerdotisas vestidas de transparências, ritos coloridos de um passado delirante. E os cacos. Venço enfim o caminho, a casa e sua mortalha de sombras se agigantam. Atrás e sempre a montanha, ainda. 41
(Nada invado, a casa que turba o presente, com a invasão do acontecido, imagens perdidas e lembranças sepultadas) Entreaberta a porta convida, não por desejo, mas por quebrada (não é a porta que convida, está muda, a curiosidade é que nos faz vivos. E nos mata). Vejo escorrer, junto com a fraca luz que deságua entre as frestas, a antesala em desalinho. Entro. Nada acontece, em silêncio as paredes, os móveis, os objetos me refletem – de todos falarei a seu tempo. Espelhos da memória. Nesta ante-sala estão os brinquedos que abandonei, a nenhum sobrevivi, sobreviverei. Os carros e aviões que incendiava no banheiro, épico inconsciente e inconseqüente, guerras imaginárias, salvações, o heroísmo dos fantoches que jamais consegui animar, os trastes, os lixos que trazia das ruas - desespero materno - os relógios dos quais eu arrancava os ponteiros, desesperada tentativa de manter viva a bisavó, que viu na morte um caminho lógico, voluntário, tudo tão simples, tão pouco mineiro. Ou muito. Não importa, era minha primeira descoberta da morte. As famílias, ainda que distantes, feitas dos afetos periódicos das férias, morrem (me iniciava). Em todo caso, eram sempre férias, festas da saborescência da ausência de pais. Pais, finalmente pássaros, finalmente pais, asas da Panair trariam o pato importado, mecânica de um continente ficto.
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Um dia voltariam, eu sabia, finalmente dos céus, tirariam dos meus furúnculos o pus das próprias culpas. Quem me abandonou aos cuidados da tia virgem e neurastênica, que me disputava a maternidade que não teve? E que medrava cuidados com os exorcismos das senzalas anacrônicas, a me salvar das almas suicidas? Viagem: minha primeira chantagem. O pato reluzente na mala - que cuidado irritante em abri-la, por que demoravam-se tanto em abrir minhas malas? O pato: primeira máquina sonora e minha, a cada passo um quack (quacava assim, em inglês, o pato continental; o pato ungüento das culpas, o pato, eu era o senhor da ciência – e, melhor, dos pais - só eu conhecia a corda imaginária do mundo, dos homens que só eu controlava, da perspectiva da infância eu era o deus que ambulatoriava o pato), a cada quack a língua metálica para fora, língua real, física, sem qualquer alma de palavra. Talvez por isso hoje essa sofrida língua metafórica, que me cala. A língua? Arranquei, curioso. E a lógica, já me preparando as suas algemas, me repetia: menino, por que amputaste a língua lúdica? Desista, menino, enquanto ainda é tempo, metáforas nunca trarão o futuro, dizia agora, não o pato, porque sem língua, mas a língua sem pato, lógica e perversa: levarás para sempre a culpa do meu silêncio – era o pato agora que me dizia, mesmo sem língua - tu me roubaste o lúdico, com teu lúdico incomum e impróprio, tua improdutiva curiosidade, que jamais lhe terá serventia. (Língua: “órgão muscular, alongado, móvel, situado na cavidade bucal”, diz um assim tão “dicionário”, mas outro d(r)epositário das palavras, este sim, sabedor da poesia, do veneno que elas, palavras, carregam, nos conta: “A parte carnosa, que anda dentro da boca, que é o órgão do sabor” tão melhor és, Moraes dos antigórios! que esta pobre língua de que dispomos, pretensamente científica - “o systema de 43
palavras, com que se explicão os pensamentos”. (Lindo!) Língua: membro profético, e a ferida daquele pato – menino malvado! era a preta-bá agora quem me culpava – e é em mim, que ainda hoje dói e sangra a língua, que me condenou à diferença, e por tanto tempo ao silêncio, (um dia perderia a fala, um ano inteiro em silêncio) solidão em palavras que me condeno. Culpa. Aquele pato sem língua foi minha primeira metáfora. Pelos cantos da ante-sala as cabeças, sem memória sobre bandejas, quem a Salomé que degolou o passado? As cabeças que perderam a memória, ou sou eu que a reencontro, memória degolada, passado que ressurge em oferta e sacrifício? Repousam sobre bandejas, nas esquivas esquinas desta ante-sala, as cabeças dos avós longínquos, dos parentes fotos em sépia, e outros que o sépia da memória enublou; repousam também sobre bandejas, sempre servindo e servidas, as cabeças da bá e da mãepreta – a tive – um meio caminho talvez entre África e Minas, que além do leite ama que me dava, os tachos do doce de leite (o mesmo?) na rapa da panela – doce passado. Também descia a colher de pau, me ardendo a bunda e os dedos curiosos e insaciáveis de mais e mais e mais panelas, Piaget das senzalas. Mas me contava também histórias de cemitérios, aqueles sim, os meus melhores contos da infância. Sombras africanas perdidas e perdoadas, mas me cobravam a culpa insana, histórias sem princesas, com pais afogados nos lagos em pactos de morte, para livrarem-se dos senhores, forros nos desejos, o amor imaginado e para sempre trágico, suicida: seus pais afogaram-se num lago, 44
levando com eles a liberdade roubada e o amor escondido trazido no negreiro, as carnes da África afogavam-se com eles, as águas cobrindo, cobrindo a carapinha tornando-se alga, algo de místico e trágico, assim aprendi o amor: suicídio, meu primeiro som sibilino sibila e feitiçaria e cabala, era o desejo represado que Altamira, Mira me contava. A orfandade, o sofrimento que eu invejava, senzala orgulhosa nas noite da minha Casa Grande urbana: treze anos, coitadinha, órfã (esta a palavra total, absoluta), mais só no mundo que os escuros dos quartos de férias das tias avós, inferno noturno, e a cozinha dos patrões cruéis, que chicoteavam a Lei Áurea (quantas leis seriam e serão ainda deleite de acadêmicos e chicote dos feitores, nesta colônia imutável? Nesta brisa de palmeiras e sabiá, doce exílio de nós mesmos, este lírico passado ibérico que nos maneteia) e, nessa casa sem janelas e piedade, só a noite a confortava, a presença da mãe defunta, ao pé da cama, consolando. Que inveja daquele carinho de além mundo! Mãe morta! Mantra que me invadia a noite até a eternidade: mãemortamãemortamãemortamãe. A babá contava impossíveis, neurastênica e sem nudez de tão feia (ou quase, dia houve nem tão feia entre as frestas do banheiro, qualquer nudez me servia, curiosidade imberbe), babá que enlouqueceria depois de vez. Tive notícias, mais um na minha história cortando as membranas da razão. As cabeças nas bandejas não sorriem, são de cera, conto e dou falsa impressão de movimento. Tudo aqui é estático. Passado. Fotografias. Quantos ainda enlouqueceriam depois disso? Horácio, o louco da rua, amigo até hoje de meu pai, 45
que um dia viraria personagem de si mesmo, quase irmãos, ofendendo os postes. Os conhecidos suicidas procurando seus neurônios nos abismos, a notícia dos internados, da bala (derradeiro ácido?) na cabeça, enforcados na gravata paterna, última tentativa de afronta/diálogo, tragédia silenciada de toda uma geração, eram vizinhos, conhecidos, um ou outro amigo, as primas irmãs e loucas (tanta loucura derramariam ainda nos futuros, tragédias familiares), o primo que queria ser santo, e a minha precoce obsessão pelos hospícios. Eco talvez, sem voz original e sem consciência, dos segredos de família, a doença guardada atrás de lacres de silêncio. Leituras quase primeiras: Dostoiévski, Alienista, Artaud, além dessa não coincidência, essa precocidade que me custaria custa tão caro, tudo tão fácil que fugia foge entre dedos, líquidas vitórias efêmeras esfumaçando no ar, sempre, assim me perdia, antes de encontrar o caminho. Assim foi. É. Quantos ainda enloucariam depois disso. Falava dos objetos, perdi-os, como perdidos estavam estão no tempo. Volto a eles. Onde ainda brilham rastros, sobram ruínas, a mesa posta aos cupins: A quina desta mesa foi quem primeiro me contou que eu - horror! - era também feito de sangue. Depois o dentista me provando: eu era feito de caveira! E, mais tarde, que os avós também as têm – caveiras – em partes removíveis! Essas dentaduras clacando neste silêncio de sonho, como batiam nas madrugadas em férias! Eis também o móvel atrás do qual me escondia, enquanto descobria o que falavam meus pais, coisas terríveis de pais feitos de carne, obscenidades (tão inocentes! O desejo era meu), se recebiam amigos (as discussões exaltadas, os berros recendendo a álcool). E o telefone preto, foi ele que contou que morrem as bisavós. Telefonema aquele foi a minha 46
primeira metonímia. Por isso até hoje meu horror a eles, telefones, principalmente se móveis, a possível má notícia nos seguindo os passos. Nesses objetos repousa a memória, mas só existem na memória, paradoxo. Poesia: dança e doença. A música que nunca mais flauteei, passos que nunca mais dancei. A flauta quieta, brilhando muda e paralítica sob a luz da lua, sob a sombra noturna da montanha. E ainda que móveis, são objetos paralisados no tempo, o tempo concreto que me apavora, concreto pelo que tem de silêncio e inevitável. Apavora.
Gestos estanques, tudo está imóvel. O passado é pedra paisagem da montanha que me observa. Lembra, ameaça. Infinita a casa, enorme. Tenho outra vez os olhos do menino, que a tudo agigantam. Um sótão, tão longínquo quanto impossível. E porões. Muitos inúmeros porões. Diria que esta casa é feita só de porões. A sala? Porões. Os quartos, os corredores inesgotáveis. Porões. Até as janelas, por nunca se abrirem, porões. Por isso este frio. E os porões? Tão diferentes dos que conheci nas férias: aqueles tinham segredos lúdicos – este é vazio e morto – naquele as insígnias, passado do avô pesando de mofo, mas ainda reluzindo os fios do ouro do Glorioso Exército Brasileiro (rotos, mas do ouro das Gerais, o exército das Gerais) que, eu achava, nem brasileiro era, mas do meu avô, que era seu dono, pronto, era seu dono, sim! Capaz de brigar, se riam, a espada (a teria mesmo usado, eu vasculhava marcas do sangue inimigo, teria eu um avô assim tão herói e antigório?) que sorrateiramente furtei (e tirem Freud desta história!..). 47
Meu avô: Herói! General dos carregadores de mala – meu primeiro trem, primeira viagem só, lá estava ele, herói entre os menores, general de seu pequeno exército dos “oficiais de estação”, ‘dia general! meu avô me esperando, bateiando o tempo no relógio de bolso – meu avô, que até morrer (quando levou consigo parte da Historia, o país, o latifúndio histórico e político do meu clã, latifúndio metafórico) todo domingo reunia a família para salvar a pátria, em tiros de pão-de-queijo, sangue de laranjada, tenebrosas batalhas fluviais em rios de café aguado. Verdade que antes ele sofrera o exílio, a prisão, aquilo era apenas o ocaso dos generais sem guerra. General! General! Berrava em uníssono a estação nação. Ele esperava (seria eu um presidente, ou, êxtase, um rei?).
Era meu avô. Importantíssimo! (eu, não ele, claro). Porões. Depois o quarto que abrigava minha cama provisória das férias bisavós. Os mortos sépia, as férias entre sépia e mortos, fotografias, mas férias... Outra, contudo, é a casa que visito. Sua única semelhança, se tanto, são os mortos comuns que a ambas guarnecem. Aqueles eram memória da família, memoráblia, mobiliário. Estes que aqui me habitam, são as sombras dos meus porões, não os subsolos, a mobília partida da minha alma, meu coração o relicário. Aquelas fotos, que nunca se apagaram da memória, eram só as fantasias dos heroísmos domésticos, eram quase vivas, sem dor ou frustração – davam apenas medo - nunca revelavam os papéis infames, os fracassos pessoais, nem o testemunho das covardias, das iniquidades. Das covardias. Das traições. 48
Que as fotos tão raro traem. Aqui – o que lá é memória – os mortos, as fotos, são meus próprios porões. Subsolo. Fracasso e iniquidade. Traças mofo deixam rastros de símbolos, marcos perenes. Signos. Sigo. Não tenho qualquer lembrança sem cicatriz. Só a casa em ruínas. Todos esses objetos espalham-se, espelham-me pelos corredores e porões e sótãos impossíveis. Revejo os lixos que eu teimava em trazer das ruas, tentando talvez reconstruir a cidade que os homens já renegavam, a cidade decomposta, tradução e gesto e sentido, visão profética. Lixo. Pedaços de mim, minha adolescência escrita em silêncio e ruínas, lixo, vivida em ecos mudos. Lixo, o que já então eu havia desesperado, descobrindo os homens, lixo, que a invenção mal contida revelavadesejava escultura, arte, lixo, repito, desespero materno (porque as mães nada aprendem de História e Revoluções e Transgressões? Assim mesmo, com adolescentes maiúsculas: Arte). Acumulam-se os objetos decompostos dentro da casa em ruínas, e, recompostos, retornam, sempre juntos com as cabeças inertes e sem sorrisos, tudo se refaz em imobilidade, quanto mais venço o corredor, e avanço em seu caminho sem opções, mais ressurgem e repercutem os mesmos símbolos, (trastes) que se repetem e se repetem e se repetirão o resto dos dias, inútil criação, um passado que se reproduz, um espelho que se projeta no escuro, e só a ele, escuro, projeta, jogo de sombras e memória, metáfora de uma única leitura. Ante-sala: se antes futuro era, é presente, os corredores já
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passados. Confirmo que o passado é imóvel. Imutável. Tudo é estanque. (Como o futuro guarda a morte. Estanque). Quebraram-se os minutos, seus cacos tornarão para sempre o presente Impossível. Imutável e muda também essa outra porta entreaberta à minha frente. Aonde dará? Se na ante-sala (entre os porões que afloravam do chão) era é jogo de imagem e escuro e espelho, por trás dessa porta uma réstia de luz interroga. Antes era o passado, com seu falso movimento a tudo justificando, suas imagens estanques que, ágeis como a impressão do gesto, no novelo da memória, tentavam o gesto inútil de dar a tudo uma seqüência lógica, tentáculos do tempo, imagem sobre imagem, sombra sobre sombra, dor sobre dor, luz em fuga e perspectiva, movimento ilusório das lembranças difusas. Agora, há entre mim e esta porta o futuro, um fruto de sombra (sombra, não escuro), penumbra, presente, este exato espaço que existe entre a ante-sala (memória, falso dilema) e a porta (destino, mistério). Não é passado ou futuro este breve caminho, presente, lapso de tempo entre ir ou não, mas não percebo, ou, se percebo, nele não sei equilibrar-me, nem vejo como saber onde estou, porque preciso entender os símbolos que vi, vejo, e não traduzo; e, mais que reconhecer, prever, nas sombras que se agitam e dançam nas frestas dessa porta entreaberta, os signos que ainda virão. Porvir. Mas como andar, como olhar os próprios pés se o olhar diverge divaga entre a ante-sala passada, e esse jogo de luz e sombra que se anuncia entre frestas. Porque temo o imutável passado que me acusa e denuncia, que me põe de frente – ainda que 50
tenha de virar-me, tenha que voltar os olhos, porque avanço – aos símbolos que me amedrontavam amedrontam, devoram e permanecem. Se não soube sequer olhar os símbolos que dormem na imensa ante-sala da casa do sonho, no passado, como encarar o futuro? assim não abro essa porta, sou curioso, porém tenho medo do inevitável, a que esta ante-sala me condenará. Contudo é fatal que me convide – como convida toda porta, todo futuro, não sei retornar, tenho muito medo. Não sei abri-la. É apenas e muito o futuro. Abro cauteloso. A enorme montanha que guarnece a casa se agita, sua pedra outrora eterna e intangível, ora mulher, caminho ora, liquefazse em caminhos e bucolismos improváveis na condenação pela pedra, de pedra, antes impossíveis, pedra e mulher, agora se revelam florestas árcades, liquens. Sua milenar pena de pedra, pena de nós, efêmeros, diluiu-se em cachoeiras e vales. Chora por nós, montanha. Só a fantasia a tudo funde: passado e futuro (diante de mim as sombras insistem). Atrás de mim as cabeças antes inertes, movimentam-se lentamente, ganham forma, abrem sorrisos e dores, lentamente, até resgatarem seus corpos num balé súbito, jogam longe as bandejas, discos voadores que até hoje enganam, enganamos, o tio ufólogo e doido – mais um. A bá rodopia, finalmente noiva, bela como nenhum espelho nunca mentira, a preta me amamenta finalmente em paz, seu leite em cataratas de constelações, e as suas histórias das almas ganham seu justo lugar na memória. E de seu peito negro, imenso infinito, preto pedra, quasar pulsando forte, a Via Láctea escorre viscosa, viçosa, e novamente me 51
alimenta. Porta aberta, as salas se fundem, as janelas finalmente se abrem em pares de sóis que invadem e contaminam os porões, o passado, a memória, as traições se compadecem, e curam. Os brinquedos, ainda partidos, retornam em outra pantomima, e vivem. Os fantoches perdidos, o pato mutilado (canta e dança e quaca, finalmente, em português, quaca), o relógio sem ponteiro impacienta-se, rasga o tempo, desiste de contar as horas, presente, o jogo das peças perdidas retoma a sua (in)utilidade. Flauto danço canto bêbado de tempo. Todos cantam, e pulam, como em brinquedos de molas, nas ladeiras que nunca mais verei. Cantam: plim plim zepelim, rataplim, casaplim! Não pulam como fantoches, de mãos inevitáveis e descobertas, pulam sem truques, apenas pulam, finalmente vivos, finalmente livres, os palhacinhos vivem – pulo com eles em todas as direções, e flauto e passo e canto – e o pato cantamos: plim plim zepelim, rataplim, casaplim! A porta aberta! A imensa montanha desfaz-se em gelatina, musse de chocolate, o presente desaparece em nuvem de purpurina. Abro as janelas da casaplim, a tinta fresca, as cores, o jardim girando em velocidade, o ar de abril me enchendo os pulmões de alegria, tudo recende a um impossível e desejado hoje. Sim, sei que os sonhos sempre acordam, ainda assim. Ainda assim. ... O passado se conforma entre o lírico e o delírio O presente se restaura entre o lúdico e o possível.
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SONHO E MITOLOGIA
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PROMETEU (a palavra)
O fogo ,Prometeu ,o fogo
temos fome de palavra
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O fogo ,Prometeu ,o fogo
temos sede de mitologias
Pouco importa teu fĂgado somos teus protegidos Prometeu, e de teus abutres de ĂĄguia vestidos
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O f o g o P, r o m e t
o,
e u
f o g o t e
m o s s e d e de eternidade
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JONAS “O oceano primitivo cercou-me e as algas envolveram-se em volta de minha cabeça”. Jonas, 2-6
O que fazemos, Jonas, no ventre deste peixe, entre angústia negror e medo. Mesmo fora não poderíamos senão o enorme escuro oceano primitivo, dançando adjetivos com as algas que tecem nossa mortalha de enguias
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Esperemos que teu Deus, Jonas faça este peixe em náuseas e nos vomite à praia, quase salvos ... Por que Jonas sempre te acompanho e estou sempre contigo em tua pena? Tua desobediência, nossa a penitência, nossa a condenação das tempestades. Tua a culpa das tormentas, do sempre naufrágio e desse mar de ansiedades. Nos fizeram mar, quase náufragos nos fizeram quase peixes no ventre deste peixe mitológico, baleia-quase A ti coube ao menos a glória do texto - sagrado ou não - ilha de permanência o porto seguro da história. A mim que me arrastei contigo em infortúnio sobra apenas este assombro sem memória este silêncio oco, sem eco destino origem
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Um escuro mais fundo que o ventre da morte definitiva dos anônimos, Leviatã deste nosso medíocre naufrágio cotidiano.
Leviatã!
Não quis embarcar contigo me obrigaste O refúgio quis de uma ilha mas te segui Tentei permanecer a bordo ao mar nos lançaram Era fazer-me mar, navegar... - mas esta baleia nos guarda Na digestão do peixe desejei a morte nos expulsaram à praia.
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Atrelastes meu destino ao teu e ao destino imutรกvel dos testamentos Ah, Jonas, por que peno tuas penas por que em tudo teu rumo, sem escolha?
Somos siameses
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MISSA DE UM PESADELO EM CHAMAS Uma fusão de mitos noutra história recontada (Peça musical em três movimentos) Para Ivete e Edir
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MOVIMENTO I
Rio de Janeiro, 05 de julho de 1757. As mãos cruzadas por trás dos corpos, os hábitos negros balançam com a brisa, homens e mulheres em duas filas. Monges. Monjas. Um coral. A noite dos seus hábitos seculares cai sobre as suas vozes, cai sobre a tarde. No altar um sacerdote celebra, além do fogo, no fogo. Tange sua ira sobre pecados que imagina guardarem algumas imagens santas, cultuadas e cultivadas na mulatice da fé, atira-as ao fogo, quer nas chamas purificálas. I Pelos vãos dos cânticos uma só oração, abismo, espasmo calando desejos vãos
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as vozes resvalam pelas cúpulas, arquitetura da ausência o hábito secular de cantar lhes move os lábios os hábitos clericais lhes move o vento, seus cheiros movem-se no vento das vozes sublimadas, desejos o hálito de suas vozes anuncia silêncio e sobriedade álibi que o latim lhes confere: uma espécie de santidade Nenhum outro silêncio, outra voz senão um cântico monocórdio entorpecendo a lembrança do eterno. Uma ordem templária que desconhece diferenças seus sinos invadem as cidades, calam os homens e qualquer sinal de outra ordem (de idéias) culto qualquer sinal de outro Deus, outra esperança ... À esquerda os barítonos: vozes cavas cantares masculinos estrelejando a noite À direita sopranos úmidas de suores e plasma paralisam qualquer palavra ou fé, 68
só este canto contraltos contrastes do feminino. ecoando nos cantos do absoluto, horizonte monocórdio Um coral celebra num cântico em semitons o outono dos desejos, nenhuma nudez possível sob a tarde batinas esvoaçam asas, nesse vento em semitons um vento de semi-silêncios, vento morto de desejos ... No altar o sacerdote celebra não o fogo com o fogo (celebra, mas não cultua)
sua batina voa no vento da intolerância sino de seda ecoa sedando a tarde, som mudo voam os paramentos, gestos tecidos estolas balançam num ritmo de estrelas celebram a existência desse Deus que não admite senão Sua voz afirmando o silêncio
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celebra não o fogo, mas no fogo: uma enorme pira, fogueira de penitências atira ao fogo as imagens santas que guardam secretos deuses sincréticos santos proibidos que nos altares laterais secretavam orações e ervas agora queimam os desejos dos deuses em segredo /adorados celebra no fogo (fogo ainda sob controle) um Deus uno para sempre partido nos cantos vazios queimam deuses secretos pelas mãos de um bispo punidos, unidos num só fogo que ensurdecerá toda /diversidade (Os vulcões mortos já esperam a sua hora, germinam convulsões, ressurgirão lençóis de larvas, fogo sem /controle) ...
Nos olhos lascivos do bispo as labaredas serpenteiam desaparecem no olhar que contempla o fogo sob controle: 70
“Aqui não se celebra o fogo, no fogo se pune deuses santos almas tudo o que em outra metafísica /se incendeie” Coral de cântico-água, mar de vozes emaranhadas de latim, aqui se celebra um deus cerebral e frio /único e cruel as vozes tecem-se água e o fogo - domado por ora dominado - aguarda em brasa sua missão /de purificar (ou de irromper em redenção e descontrole, contorcer-se em convulsões, vulcões a celebrar outro rito, outro infinito) ... No fogo purificadas as imagens - símbolos em sacrifício um bispo as marca com a brasa santa, para que sejam segundo seu desejo e poder, mais ou menos beatíficas
mais ou menos santas, já que pela adoração dos seus não se bastam, e não bastam aos desejos de um sacerdote 71
sonha dominar o fogo e busca nos santos partes do Demo ... A fumaça flui foge da madeira das imagens tenta escapar pelas paredes imateriais da abóbada dessa tarde ampla, quase infinita Na fumaça busca o bispo seu próprio nome escrito em fumo ou nuvem na fumaça, edema, levando aos céus sua tatuagem, seu emblema. São as almas dos santos que se vão? São imagens refeitas em nuvens cinzas, culpas esgueirando-se entre as vozes, cântico negro, surdo de paisagens ... busca o bispo extirpar no fogo o fogo indesejado purificação possível esteio das almas pois guardam essas imagens, por baixo da placidez dos olhos-água, o fogo dos olhares sequiosos
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por trás da madeira do mármore do bronze a carne real e irredutível – que perturba. por trás dos olhos da inexpressão da matéria a expressão do desejo feito forma por trás das águas calmas dos olhares beatíficos outro desejo fogo guardam, outra crença madeira mármore bronze qualquer matéria fria, em fogo na adoração (a)sexuada e fervorosa, fé dos desejos sublimados ... Num gozo último o bispo desejando o gozo primevo e infinito sonhando o orgasmo da criação do universo nunca mais redivivo em qualquer outra carne atira ao fogo a melancolia dessas imagens santas no sabor quase secreto das representações:
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Ardam nas chamas! Ardam solenes para sempre imagens metáforas metonímias e tudo mais que uma imagem santa leva por baixo das tintas (e das vestes). Grita o bispo na paradoxal voz mansa e baixa e monocórdia dos bispos enquanto atira santos sinédoques ao fogo: Arde São Jorge! por trás dessa face água plácida queima o fogo que forja os ferros forja tua espada que purifica o fogo das batalhas mas em verdade, conspurca a água de tua imagem aquele que não ouso dizer o nome! Arde São Jorge,esquecido no fumo! (engano vosso reverendo... o fumo cortará o céu desta tarde em chamas cortará o céu que de si já não sabe e das imagens incineradas restarão os símbolos que fugirão nuvens, refeitos Ogum) Arde Santa Bárbara! Arde a cremar-se o fogo no fogo, os trovões os vulcões, a manhã se acalmará feita razão! 74
(reverendíssimo fogo com fogo germina raios, fecunda trovões que cantarão na noite, a noite de Iansã) No fogo ardam as chagas enfim drenadas de São Lázaro, redenção das feridas sem dor redenção calada pela dor do fogo!
uma nuvem sobe à lua curando feridas umedecendo dores, Omolum Lua Omolua, anestesia no céu dos lazarentos ... Lança ao fogo, Bispo, o que uma imagem santa leva por baixo das vestes tudo o que uma imagem pode dar aos que choram e têm sede de conforto ao fogo condena, senhor dos desejos, dos sofrimentos, das esperanças, senhor dos segredos dos altares laterais segredos que nem os confessionários ousaram jamais conhecer 75
Por isso a vingança domínio de um bispo contra um silêncio o silêncio dos altares laterais que guardam as oferendas sem controle a religião sem dono dos sincretismos (domínio vão, já o fogo tem seus primeiros espasmos vulcão já se revolvendo em convulsões e segredos e desejos sacrificados, que renascerão)
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INTERMEZZO (Tempo presente)
Lembro o dia em que vi atirarem velas ao mar dia de uma infância insone de medos e passagens de ano. (Pois era dezembro e janeiro era e não era) não queria aquela gente dar o fogo à água mas atiçar contrário contraste à deusa mar e ofereciam no ritmo primeiro dos partos o fogo nos barcos 77
Vulcano a Iemanjá (que os deuses se assemelham na vocação do desespero, no destino dos homens) deitavam velas ao horizonte e no susto daquela infância insone vi que enquanto atiravam velas ao mar que também lançavam desejos sob velas ao mar panos velas pandas oferendas água fogo e desejo desde então indissociáveis fogo sobre sob velas ao Atlântico para aplacar da deusa-água a sede de fogo ofertar naus em flores aos futuros e aos desejos e tive medo como hoje tive tenho medo um medo que permaneceu no tempo avesso dos que sempre sentia contrário aos noturnos medos da culpa que então padres e bispos me ensinavam 78
um medo puro e selvagem entre lavas e fogo e atabaques tive e tenho medo dos que se creem absolutos (na verdade foi um medo do escuro o que vem a ser o mesmo e distinto) ĂĄgua fogo e desejo (e medo) desde entĂŁo indissociĂĄveis
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MOVIMENTO II
Dentro do fogo a pureza perdida dos santos mártires dor como realidade e representação no fogo os santos deixarão tantas preces sem eco, secam as lágrimas enclausuradas (águas) santos queimados pelo olho calcinante de um bispo um sacerdote em fúria sob o vento vento vento vento essa lascívia que provoca o fogo e os espasmos do fogo já não se contêm
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as brasas ainda fogo sob controle em convulsão latejam desejos as várias faces do fogo se anunciam sob o vento transformam-se avançam ameaçam (vento vento) E então eclodem! Fogo! Fogo! catálise dos rostos catarse das chamas Cânticos circundam a abóbada do infinito, ecos violentos lambem estrelas na cúpula celeste contrariada pela intolerância de um bispo com os contrastes das gentes vozes cantares cânticos
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perdem-se na noite dos homens: os céus em chamas cantam com o coro a Primeira Lição da Trevas:
CORO (Enquanto arde o altar): Plorans ploravit in nocte et lacrimae... choram as lágrimas amargas dos desejos contidos lágrimas incêndios inundam a noite as brasas já não contêm os desejos: a convulsão do fogo convulsiona o coro
e o jorro descontrolado do fogo profana o gozo da terra
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CORO (Mais intenso): non est qui consolatur eam ex omnibus caris ejus nenhum dos imaginados amantes consolam os desejos reprimidos dessas vozes que já não se confortam nas orações nem nas masturbações das sacristias freiras
frades
fundem-se num fogo em descontrole às imagens dos santos em chamas as línguas buscam as vozes buscam as línguas de fogo de um coral em chamas e se confundem línguas vozeslínguas se fundem traduzem-se aplacando as diferenças na comunhão do fogo vozes incendiadas chamas no rosto em pânico
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de um bispo já sem poder sobre o fogo poder nenhum sobre os desejos batinas entre as chamas do fogo ressurgem mártires sacrificados os segredos dos altares a fuligem alforria incensa ervas escondidas e sincréticas ervas e um cheiro de carne humana profanam o ar cheiros que libertam os cânticos e os ritmos dos ritos retidos calados na água da intolerância a voz do bispo se altera fogem de sua garganta outras línguas outras vozes palavras em chamas no descontrole do fogo:
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MAGNIFICAT ANIMA MEA DOMINUM!!! JORJOGUMBÁRBARIANSÃOMOLÁZAROBALUAIÊOBALU AINSÃ CORO: (fortíssimo! inflamado! Querendo calar essas vozes involuntárias que aforam na voz de um bispo): MAGNIFICAT ANIMA MEA DOMINUM!!! MINHA ALMA EXALTA AO SENHOR! (esta nossa terceira língua do coro no fogo dita apagará quem sabe um dia por fim as diferenças) ... Fogolíngua vozeslínguas de um coral em chamas fundem-se aplacando as diferenças das línguas apagando as diferenças
todas na comunhão do fogo (os infinitos fundem-se na noite em chamas)
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CORO E O BISPO (aos gritos): MAGNIFICAT! OYÁ ALAGBÀRA INÚ AFÁFÁ OYÁ QUE VIVE DENTRO DO VENTO! aquela que no vento vive sopra fúria aos elementos a fúria do fogo Oyá que habita os tufões infla de fúria e de fogo os furacões ... antes contemplativas as vozes agitam-se em labaredas línguas sonoras vozes no vento línguas desconexas que já não buscam absolvição ou penitência infladas pelos ventos dos cheiros dos corpos em combustão, queimam as batinas e os corpos se descobrem nas vozes abrasadas
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os corpos abraçados no fumo se confundem e descobertos, se conhecem a nudez do universo desaba na confusão dos corpos nus dos frades que pairam na confissão das chamas freiras, confissão dos corpos nus, em chamas santos que pairam na confusão das chamas confusão de deuses e de línguas outra Babel construída sem moral por fim reunida fala com Deus: CORO (em chamas): Ave Maria mater dei-te sete espadas para proteger-te sete rezas ora pro nobis poder divino Confusão confissão vozes chicoteando luzes nas trevas em que se criam luzes
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(duplo sentido, crer e criar) os corpos fundem fogo e carne
CORO: Et egressus est a filia Sion omnis decor ejus qyá àqsa ti toko ré lenin chora filha de Sion sua juventude calcinada em trevas, sem nenhum esplendor perdida fumaça, nas orixás que se evaporam CORO (em estado de total confusão): Peccatum peccavit Jerusalem oyá arima bora bi asa propterea instabilis facta est omnes qui glorificabant eam spreverunt illan qui a viderunt ignominian ejus Oya’arima fogo nudez bora bi aso 89
(se pecou Jerusalém nada lhe resta senão vestir-se de fogo) porque ,Jerusalém, entre fogo e nudez já refulge a nudez com que se veste Oyá de fogo, Oyá que de fogo se veste CORO: Oya’arima bora bi aso e nos queima um fogo em que não tocamos Iné tinjò ni lái e tonó bèna ejus Jesus nudez Oxaguiam
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MOVIMENTO III Já não há profano língua já não há nem diferença ou fogo só a nudez da Terra e um silêncio de cinzas vozes cânticos êxtase findo o gozo, sonho e calma uma só massa de noite e de cinza paisagem esvaindo-se fumaça fogo ou nudez? nudez do fogo da nudez. Já não são homens mulheres mas um só corpo pelo fogo fundido, cinza(s) um só corpo hermafrodita que faminto esquarteja um bispo lentamente, num ritmo de silêncios 91
feito mártir de si mesmo sem a redenção do beatífico ou qualquer resquício de altivez. Antropofagia metafísica que já não teme ser despida pela irrecusável nudez do sol que queima a manhã, onde fogo não há mais está nua a manhã como o dia que a todos nos desnuda em sofrimento, pelo sofrimento que a todos nos veste da mesma fé ...
No silêncio das vozes, entardece em silêncios ...o sêmem do infinito nos envolve e a menstruação dos deuses funde-se Sol ao feminino Lua 92
rubros, depois que um fogo em fúria saciou enfim a sede dos elementos um fogo, tão finalmente caos fez-se enfim frio finalmente lógico lucidez da primeira brasa finalmente lúcido saciou a sede dos continentes a nudez do infinito cai sobre a noite uma outra Babel se reconstroi sem moral e fala com Deus:
axéassiamémseja
em silêncio a cópula do Universo derrama-se sobre as esperanças
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DIALOGIAS (Brahms e Clementina e outros diálogos improváveis mas possíveis) Para João Nebel I NUM LEITO DE HOSPITAL, A ESPERA. A luz, intensa e vária, multifária afasta a possibilidade do dia As paredes de um verde próprio. (Por que tantas vozes no éter, ecos,
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ordens sob gritos irreconciliáveis? Nos hospitais, vozes não calçam pantufas? deveriam). Na solidão da espera fixo os olhos na mandala de lâmpadas, guia esfera luz Quero perceber a exata porta do sonho sintético (deveriam calar-se), o momento em que se romperá a teia da razão. Síntese da verde arquitetura do torpor. Coro:
Selig sind, die da Leid tragen. Denn sie sollen getröstet werden.
(Que coro vem semear o medo sulcar sua agricultura de dor?) Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Ein Deutsches Requiem
Como sabiam que queria essa música ao final? A música da qual florescerá 96
a impossibilidade de ser. Quem semeou o seio do medo, e tão cruel oferece o leite do peito último, o que desalimenta? Um Réquiem Alemão - sempre Brahms, sempre ele, trazendo a virtude de enlouquecer. Quem terá posto, a música, quem atrás da porta e porque?
Coro: (Uma incelença que é pra ele, mãe de Deus) Perdão Abaluaê, perdão Perdão Aorixolá, perdão Perdão Abaluaê, ele veio do mar... Este sincretismo que nos veda o passado nos cega o futuro, pois me impede de saber sobre que pilares repousará meu corpo. Sincretismo que conforta, nos abre a porta
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de outra própria metafísica. (Meu corpo gira sobre rodas, a maca na velocidade do éter). ... Corredores largos, os sempre verdes inaugurais ou terminais, os olhares hospitais que passam longos curiosos e piedosos, e me vêem passar e se despedem de mim (que passo), são carpideiras despindo de mim meu futuro, despem de mim meu corpo último, na unção pagã dos enfermos Quero perceber a entrada no sonho criado contudo, quero fixar esses rostos para mim voltados, de uma “Lição de Anatomia” cujo centro da tela sou eu (e o tempo).
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II O SONHO SINTÉTICO Queira saber o momento, o instante da porta do sonho, não o espontâneo que desponta na ponta da noite, porvir na ponta do punhal do cansaço de ser mas o artificial, na ponta da agulha arterial substância, síntese química sem sinestesia, artífice de sonho criado no tempo do homem, sem metafísica, só anestesia. Não sei qual deles seduzirá minhas veias, se aquele campo de papoulas morfínicas paisagens, ou se diazepínicos. (seja que paisagem essa, Morfeu em chamas)
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Passem as dipironas que o paciente é cínico e pede a porta da substância fêmea, freme: dona Dolantina, a que viscosa pelas veias seda entreabre sua porta erótica, enquanto alucina. ... O momento exato não vi, mas guardei entre os dentes as letras das palavras em pânico, para reconstruir-me em versos Quando houvesse (se houvesse) o reverso da escuridão. Outro dia. Outro dia haveria, a volta outra dialogia.
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ESTÉTICA DO SONHO (E A PALAVRA SONHADA)
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UMA ANTROPOLOGIA DA ARTE: ALTAMIRA, CICLO III A Joseph (K? Não, B.) – mera provocação Disse-me um dia Guillén (o Jorge, por certo que o Nicolás eu ouço mal): nunca existiu progresso no horizonte da Arte, da Estética (Não existe, acrescentaria, em horizonte algum; o tempo é um elemento estático e externo que nos ilude, elide movimento). As instalações que povoam, e poluem as cidades os horizontes cinzas, são nossos bizontes de feltro e ferro (e pretensão piorados). Seriam os museus Nossas cavernas? Nova Iorque é Altamira...
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VENEZA, LÍNGUA SUBMERSA (o pesadelo do tempo e o exílio) Após Mallarmé um copo de dados uma copa de dias um náufrago bienal Por que rumei ao exílio voluntário? Porque vi iluminado sob um prisma de vidro e aço: um copo de sangue.
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(O autor esperava aplausos orgulhoso de seu copo e de seu sangue) É esta a língua do meu tempo? Lorca! Lorca! Gritei. (Era só fio de esperança lembrança de uns versos não um prenúncio de estética) “¡Oh sangre dura de Ignácio! ¡Oh ruiseñor de sus venas! No. ¡Que no quiero verla! Que no hay cáliz que la contega” Gritei mesmo por Neruda, poeta que nem desnuda minhas veias, secas e vazias: “un plato para el obispo, un plato de sangre de Almería. Un plato negro, un plato de sangre de Almería. Un plato destrozado, desbordado, sucio de sangre pobre” Era vão: 106
demais sonoridade não estaria ali. Não queria mais ver. Silenciei para sempre. Tudo aconselhava a mudez forma possível frente à clausura daquela forma surda. Caminhei e calei: Clausura. Queria apenas sonhar e acordar com palavras (inevitável e seminal poesia) Era minha, a clausura. Ao exílio voluntário, pois. Nada a falar ou ouvir. Não há mais silêncio (há só silêncio, de uma estridência que corta a cicatriz da forma) Perdi a voz na fala dos homens, via ali senão e apenas um copo, um signo vazio: nada é signo, mensagem tout signe est message?
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um copo em estado de dicionário: “do latim poculum vaso para beber (ou nem isso) ordinariamente sem asas” O que lhe dava ares de falsa ave, vôo nenhum, composição galiforme um copo “Com que os jogadores de dados os lançam jogando” un coup de dés jogo perdido. Impossíveis dados num copo de sangue SOIT que l’Abîme (que se abriu entre mim e o gesto e a língua dos homens) plane désespérément era o vácuo sob mim 108
Caía por ver esfacelado o piso do simbólico. A estética possível. Cada vez mais só. Resistira até então não por reação, mas por tragédia de cette conflagration de l’horizont unanime Como conflagrar reagir à unanimidade? Estamos sós, cada vez mais sós Como o albatroz de Charles: Exilé sur le sol au milieu des huées Ainsi que le fantôme d’un geste que não é meu (não me simplifiquem, o sangue? apenas o acho ridículo mais do que um copo vazio) 109
N’ABOLIRA a ebulição que enlouquece a abolição das palavras do verso pouco que me resta Estas palavras dans quelque proche tourbillon d’hilarité et d’horreur que garimpo na vocação da voz e do silêncio, onde germinam à surdez condenadas Os olhos cansados da voz dos homens me deparei com essa língua que nem do silêncio é digna une stature mignonne ténébreuse de um copo inútil, porque cheio de sangue. Sangue de quem pensava que isso aboliria LE HASARD. Inútil Toute Pensée émete un Coup de Dés Maldita poesia 110
Un coup de dés n’abolirá jamais le hasard. Maldita poesia Num copo de sangue se abriu entre mim e a língua dos homens o silêncio. Maldita poesia E o sangue... o sangue
. . . Coagulou-se
. . 111
como as idĂŠias
. . . Uma cicatriz sobre a pele
da estĂŠtica.
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O CORPO DE BAILE – VALSA SECA
En arriére – bras bas: Nus (apenas botas) contorcem-se de medo bailarinos ante o cenário: Duas narinas ameaçando enormes fendas
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(respiram), prontas a aspirar, e todos despencarão
fundos destinos. Corpo de baile partido
En arriére – grand battement: “Tensão tensão tensão tensão angústia”: É o som que brota das botas plié noturno
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pas des deux de coturnos. Não ensaiaram Não ensinaram (o medo o faz) que o espetáculo era a possibilidade de desvanecer no vácuo derradeira cena - epílogo e improviso no ermo de duas narinas Tensão tensão vigília vazio ansiedade
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tensão O som dos coturnos ecoa no soalho faz tremer os lustres evoca os fantasmas das coxias, e deita-se som que é no fosso sem orquestra ou música
O proscênio: duas imensas cavidades nasais
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Os bailarinos descobrem: o universo são dois, são duas narinas dois quasares duas noites que ameaçam.
En balançoire Primeira bailarina: Nua os pés feridos as botas (Cambré):
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Faz um gesto vazio as mãos em desvario (As duas narinas dois universos um pas des deux no vácuo talvez decuplicassem um corpo ventoso de narinas). O silêncio de Deus e o som das botas: “Tensão tensão tensão angústia tensão”
O eco das narinas (fruto do futuro) enlouquecendo ameaçando aspirar
118
o biunívoco universo equívoco verso, polívoco porvir vozes invocam a voz (também equívoca) do poema Vocus, esta a voz que cantam os bailarinos: (Bettement): “tensão tensão tensão’ (Não são vozes! São as botas)
Os passos as vozes a erronia.
119
E os buracos negros prontos a aspirar (narina ou quasar pulsando A
tensão)
Logo tudo será poeira em espiral (na voz inconfundível de Borges: “son polvo del planeta”). Logo O polvo do infinito lançará sobre eles um abraço tentáculos de galáctica tensão (gestos desesperados pelo palco)
120
Demi-plié – arabesque (precário): A primeira bailarina se levanta luta lentamente contra a gravidade o peso das botas presa ao chão Canta em soprano carpidos das galáxias uns versos Nunca tão lírica nunca tão nua: Desde menina a infância perdida no medo na precoce angústia (tensão) nada quis ou comecei vivi 121
pelo acaso, e meu ocaso será também o medo Desde cedo a solidão infância subterrânea injeções subcutâneas na cabeça - para sempre para sempre comprometida em pus e delírios - furunculose dos versos instintivos cicatriz esquizofrênica. A bailarina crava as unhas nos cabelos - busca nas raízes o pus a infância? que esvoaçam e voam chumaços soltos 122
Divertissement: O corpo de baile gira e grita e gira voluta de pernas correm as bailarinas volúpias dos gestos
De volée: Saltam amantes aos braços abertos estáticos dos bailarinos (Não têm leveza antes desespero).
123
lançam-se em arritmia aos braços inertes dos bailarinos paralisados espedaçam no chão espatifam-se no abismo bailarino.
Tensão
ansiedade ânsia Tensão 124
(os sons são agora mais esparsos, os gestos dispersos nem por isso menos trágicos) O vômito da dor reprimida ansiedade ânsia tensão
Battements tendus: tum tum (O relógio dos passos sem ritmo sem tempo
125
tum o tĂşmulo da mĂşsica pisoteando com as ponteiras do nada: coturnos valsa seca)
As duas narinas entreabertas duas noites imensas ofegantes: O corpo de baile estanca: o muco do universo seca 126
a paz para sempre perdida o verso e o reverso do riso (este pecado sem perd찾o). Tens찾o. O corpo de baile estanca sua hemorragia de gestos. Cambaleiam em p창nico pelo palco
Battements : s처 os calcanhares!
127
As botas (os corpos nus) acompanham o ritmo imaginário (tensão) o silêncio. Os silêncios.
Esse som se repete se repete se repete cadência mórbida. tensão tensão tensão
128
Chainés: Esperam o momento exato em que serão aspirados para o fundo oh, do que mesmo? Não sabem mais. Não saberão nunca saberemos O passado não existe sabem do medo o futuro perdeu-se sabem do medo da tensão. Olham para a bailarina e ouvem a voz de Terzani:
129
O passado não existe: são as memórias que acumulamos arranjamos e que falsificamos Olham para a bailarina esperam que ela prossiga sua épica seca e inútil. É inútil, ela se sufoca em lágrimas. Silêncio. Tentara o gesto o passo a palavra. Inútil. Inútil
silêncio.
130
O silêncio – este sim, perene máscara. Enquanto as narinas vagarosamente respiram.
Grand plié – tombée: Cala-se mais e mais a bailarina olha as entreabertas (olhos entreabertos) narinas seus próprios esguios braços de bailarina abertos (não têm leveza, antes...)
131
gesto último prece inútil. Porque me chamam? Menti com aqueles versos, como sempre menti, quem nunca o fez? (como mente agora, quem? o narrador ausente não o onisciente antes, o inconsciente mente sempre, a poesia o sonho). Ela tem medo todos têm medo muito medo que respire. Tensão. Sentem o movimento vem
132
vento vai : aspirou vácuo. Tensão.
Já não há coreografia possível:
Alguns corpos os franzinos ascendem em espiral, antes, caem de baixo para cima quase meninos.
Corpos, voluta de gestos imperfeitos, de baile 133
sugados, todo sofrimento é possível. Tensão. Angústia.
Eis o cenário: as narinas violentamente abertas ofegantes e um copo de baile esquartejado.
Tudo enfim se perde. Perdeu-se.
134
(Alguns poucos os fortes fortaleza desesperada possĂvel ficam). A palavra avara vazia ĂŠ pedra perda Tudo se perdeu feito pedra e espiral
Os corpos nus (os que resistem) tiram das bocas estranhos corpos sĂłlidos estatuetas de pedra
135
silenciosas: são as palavras. São pedras concretas palavras impossíveis de escoarem pelas bocas ecoarem nos ouvidos (são palavras) são pedras Condenadas ao silêncio da pedra ao olvido sobem em volutas mudas em volutas de pedra
136
Aspira finalmente o proscênio, as narinas a espiral esvoaça e já nem sabem se ouvem um sussurro da bailarina, (ela ficara ágil corpo era frágil na esperança voa...) um verso surdo um balbucio o anti-cio sussurro gesto pouco e último:
137
Adage, a bailarina: Se antes em mim a palavra (ainda que pouca, agiota de sentidos) se fundia em agonia: amálgama que me retinha ante o abismo que se abria ante as retinas agora se perde fende-se sob meus pés de bailarina.
Tenta ainda um precário passo mais precário verso finda-se em medo.
138
Fina-se no medo. Tensão. Fenda. No gesto delicado (das bailarinas quando morrem). Tira da boca, uma a uma as estatuetas de pedra (as palavras!) as parte, estranha descomunhão, reparte: Eucaristia do silêncio e do medo e do nada hóstia herege. Silêncio.
139
pala vara avara
vra a palavra. ...
As narinas respiram (aspiram) (nunca existiu verso palavra mĂşsica tinta ou silĂŞncio ou forma que conseguisse repetir, retratar esse prosaico gesto de respirar). Um mosaico de nada (voluta) ergue-se sobre os corpos o corpo de baile.
140
O cenário respira sobre alguns corpos já esquartejados. Tentam uma última vez, desesperança despirem-se da angústia da palavra Quem sabe a angústia a palavra tornem-se pedra, pó, que as narinas levarão esquecendo-os
Feita poeira essa dor, a palavra mancha gravada na pele 141
se perderá nos quasares. (Será inútil) Quem sabe depois de se despirem da máscara do mundo elas a angústia a palavra desaparecerão pó, feitas memória, e tempo nas narinas? (Inútil) Quem sabe deitando ao chão tantos atributos, tributos inúteis da poesia tornados poeira, ele (quem?) respire tão somente o pó, deixando inteiros 142
os corpos? Uma existência simples, de hoje em diante, juram terão, presa ao chão do dia. Mas são presas apenas da agonia da palavra. Tentam, ainda assim tentam esperança derradeira tornada pó
despirem-se das palavras
esperança
143
de libertarem-se do jugo e do fogo da palavra. Da angústia.
Assim partem as palavras a angústia qualquer pão que negue a dor Tentam triturar a pedras torná-las pequenas esculturas (são as palavras) que tiram da boca e atiram à fome das narinas à sede do universo
Quem sabe? Inútil tensão
144
Inútil, seria desfazerem-se de seus próprios elementos Tensão nada restaria deles, feitos do barro da angústia feitos não do balé dos corpos mas da forma da palavra (Ainda partem as palavras) Uma esperança última de ficarem presos ao chão (nunca mais dançarão, juram) feitos da matéria dos homens palavrarão palavrapenas inutilidades. A matéria cotidiana dos homens a matéria
145
dos homens cotidianos Coitos frustrados ânus rasgados pueril poema
palavras partidas anos perdidos séculos
Nunca mais dançarão.
Esperança de que o monstro do proscênio se alimentasse
146
de palavras (e angústia) e gestos e poeira apenas poeira. e da desistência da dança ou qualquer forma de poesia (Inútil é de carne a sua fome melhor seu cheiro melhor a fome das suas narinas e ele é somente narinas e fome). Esperança de que, sacudida a poeira poesia das palavras
147
ele as aspirasse como à dança aspiraram um dia bailarinos. E deixasse que apenas as cicatrizes dos pés feridos pelos coturnos dos corpos nus e noturnos sem gesto sem passo (até mesmo) sem dança sem palavras apenas as cicatrizes do cotidiano restassem no palco na platéia
vazia. 148
Leve as palavras leve a angústia deixe-nos apenas o gesto leve da normalidade.
Inútil.
o mosaico do nada desfaz-se sobre os corpos aurora boreal angústia Ali se ergue outra igreja da velha angústia. sem rito sem palavra
149
(Ele respira. Quer mais que pedras muito que palavras e pó quer todos os gestos num só: Aspira com a força dos quasares dissolvendo toda matéria Caos de poeira e fragmentos de palavras e corpos Fragmentos que tomam a forma de estrelas constelações voluta de nada um ornamento no vácuo sugando a tudo redemunho mundo:
palavras pernas pó 150
gestos.
Adeuses (Eram duas as noites, lembra-se? e as estrelas mortas)
Redemunho um poema sem forma est達o mudos gritar talvez est達o mudos perdida a palavra os abandonara a palavra da qual se tentaram inutilmente despir 151
Tudo desaparece nas narinas (e os corpos perdem-se juntos).
As palavras as pequenas estatuetas em fragmentos:
vra pala vara
a
vara palavra. na rinas rimas verso uni
152
corpo vocus verso equi corpo voco cotidianos coitos ânus ras corpo gados puerilpoeirapoema coitos cópulas capelas cabelos das estrelas das galáxias corpos
somem
153
perderam o sentido
Tudo desaparece nas narinas e outra forma não se cria.
Num redemunho de baixo para cima moinho de dor mas que angústia não dilacera nem estanca a palavra. Se tentaram fazê-la pó os tentáculos de polvo para sempre as tecerão angústia
154
palavra pedra gravada nos olhos.
ChainĂŠs: Aspira e mais e mais forte os passos estremecem as volutas das pernas imobilizam-se O corpo de baile voa verso acrobĂĄtico gesto sem controle voa o corpo de baile voluta
155
volúpia ritos sabáticos
Angústia Angústia Angústia. Tensão.
O proscênio desaba, o cenário se incendeia o corpo de baile
dilacerado. Restos de gestos rostos em pânico o corpo de baile
156
desaparece nas fendas negras negras narinas cavidade dos cĂŠus Noites. A face cava do destino cava a vala comum do corpo (de baile? Idade do medo) O rosto encarquilhado do infinito olha penalizado
Esta valsa seca
157
E vazia.
158
A FORMOSINHA DAS ELVAS (OU DAS ERVAS) (Cantiga de amigo, de amor, de refrão e escárnio) Após Fernando Esguio, Matin Codex e Videla
Vem comigo irmã, iremos dormir nas margens do lago onde andar eu vi às aves, o meu amigo Vi eu no sagrado em Vigo bailar um corpo garrido: enamorei-me! Vi em Vigo no sagrado bailar um corpo delgado: enamorei-me!
159
Bailar um corpo garrido que nunca vira em amigo: enamorei-me! - Aonde vais, Dona, tão só? Desconheces o caminho escuro é o destino anda, evita o desatino não levas vosso marido?
-Vou só e sem bagagem não levo chumbo comigo
Porém sem chumbo, Senhora o que dareis aos alquimistas? O bom ouro é fruto da rosa plúmbea, rosa que um dia destes, dote perdido.
160
- Nem era metal a flor que dei pétala prometida, perdi-a, podre é fruto mal colhido
Ai Deus, soubera o meu amigo como eu sozinha estou em Vigo: tão enamorada. Como eu sozinha em Vigo e nenhum guarda tenho comigo: tão enamorada Como eu sozinha estou em Vigo e nenhum guarda me está guardando: tão enamorada E nenhum guarda tenho comigo se não meus olhos humedecidos: tão enamorada
161
O amigo:
Faz-me por ela morrer e traz-me desesperado alguém que dá gosto ver e de corpo bem talhado, por quem a morte hei de ter como cervo lanceado que se vai do mundo a perder da companhia das cervas. Antes ficasse sandeu ou me embruxassem com ervas, no dia em que me apareceu a tal formosinha de Elvas
O marido: - Meus dias são alquimias ao revés aurífero fruto fui hoje sou apenas chumbo 162
Ă“ Dona, por quem ĂŠs afasta de mim o corpo imundo.
163
164
UM POEMA MARÍTIMO versos de mar e martírio
de ler-se no tombadilho os olhos de sal e dor não cantava porém Calcutá ou Ítaca e nenhuma Penélope olhando o mar tedestecia senão eu olhando o mar enquanto lia
165
Mar nĂŁo era de adormecidas cais ou ilhas que aos amantes em sonhos silencia e incendeia, nem porto que os deporta e os separa. Mar em fĂşria quebrando quilhas arrastava maridos amantes filhas sepulturas de conchas Lutavam (e) as palavras contra o mar e as ĂĄguas vestiam-se chamas enquanto no tombadilho eu lia ouvindo afogarem-se entre palavra e sal ... Uma onda levou-me labareda ao mar em seu colo. E eu ainda, agarrado ao livro, lia ,barca 166
última, marítimo silêncio das palavras versos para depois da tempestade. Porém outro braço de mar, gesto, arrancou-me aos braços da primeira onda eu que ler somente ansiava, ceguei-me e com o mar lutei, olhos de sal em chagas os ouvidos surdos de tanto mar marulho do útero das ondas águas fundindo nariz e boca ao livro me agarrava, esperança de palavra que viveria ao naufrágio sons letras leves levariam-me boias. Quanta palavra ainda sob o cansaço? ... Responde a terceira onda que meu gesto estanca arranca-me o livro e rouba-me das mãos os versos
167
eu um medo estático deixo-me na dinâmica das ondas a uma única e última página me abraço apenas uma página num horizonte de palavras mar revolto de versos insensatos Nela me agarro última página tábua fábula fabula flutua que ao porto me levará à praia, poema, onde exausto de tanto mar e fogo poderei reler um poema marítimo. Poderia Pois uma quarta onda a página rouba leva as palavras, os versos, ao silêncio estridente das ondas. ... Entre meus dedos de afogado crispados
168
de pavor num gesto eterno, rasgado resta-me um único e tardio verso que na areia leio entorpecido bêbado e cansado de tanto mar e inferno Verso que por marítimo não pode ser (mas é) assim tão quase antigo e moderno: Um poema marítimo verso de mar e martírio
169
170
O DUPLO
(O que, quem é o Duplo, perguntei. A quem perguntava? Não sei. Diziam, chama-se Eros. Ou Morfeu) A Mario, Bandeira e Pessoa, pelas apropriações
Todos temos nosso Duplo, ele me disse, uns possuem apenas um, outros trezentos trezentos e cinqüenta, nós os andradianos andarilhos dessa esquizofrenia consentida.
171
Ele, o Duplo que cotidianamente nos substitui e trabalha por nós e conversa com as gentes, nos dias em que em lama da alma aflora o karma, a dor que no lodo de nós em noite se derrama. Também ele nos protege e embriaga em euforia e ópio e álcool, Flor de Lótus, é o nosso Duplo que nos alforria, se externo o lutus que de luto nos cobre, limpa a lama, lenços de falsa alegria. ... Nós, brasileiros, por exemplo, jamais nos livraremos do fardo do avozinho Portugal, o fado do lirismo triste tão nosso e tão vagabundo, que só nos deu heróis nus, macunaímicos, saltimbancos e bêbados, a agitarmos esse nosso ingênuo Bandeira pelos comícios do nada. E esperamos, ó Pessoa de alma comovida! Ingênuos esperamos a volta do nosso Ulisses: outro D. Sebastião “quer venha, quer não”, quer se o ignore ou o conheça - e é quase certo que não – que numa tarde de verão num dia trinta de fevereiro, numa esquadra de caravelas
172
Reconstruídas em samba, outro Bastião, mulato marujo malandro, numa Bastilha de capoeiras, adentrará, rei cafuzo de lantejoulas, Príapos mastro de tropical tesão, baía adentro (fêmea acidental) edificará sem sangue novo reino, /sem flechas outro Rio de pacíficos janeiros: viva a Vila de São Sebastião! ... E um mineiro? Mesmo nascido em Cingapura, ou no Rio, guarda a umidade das minas, um coração em sépia, cor dos retratos dos tios mortos na parede e as tias sem sexo atirando-lhe culpas sobre as férias O falso silêncio barroco desde os antigos nos verbera (logo em nós, de São Sebastião!) explode, estridente eloqüência contida, nos coros da ópera plástica das igrejas nas cruzes cultivadas e adubadas nos cemitérios em cólera ...
Quando dormimos, dorme também nosso Duplo só então somos nós mesmos, nós, quase reais e raros nas veredas imprevisíveis do sono somos - numa outra e poética etimologia - “onipresentes”: presença do onírico
173
Dele nos separaremos um dia, quando não se será, não por que juntos partiremos, mas por que um, e apenas um de nós dois permanecerá na esfera do Tempo: e é pena, ele - nosso Duplo - apenas ele que nos sobreviverá nos ecos.
174
A EPIDEMIA E A MÚSICA (ou da impossibilidade do sonho)
Um Dionísio aidético deitou-se sobre Apolo morto, /pobre idade de deuses doentes, pobre planeta sem ágora, /tanto nos isolamos que já não nos reconhecemos vizinhos, agora é tarde, /os mortos comuns já não cabem na praça, nos perdemos na solidão. /É tarde. Nestas cidades sem muros (e como nunca, no entanto, /cercadas) leprosos em festa banqueteiam-se com metáforas /gangrenadas, o pão da vida perdeu-se; porque o da alma, /já há muito mofara.
175
Eis a nossa possível Última Ceia: sem ressurreição /ou milagre.
176
A FALSA MEMÓRIA DO SONO (Leve, quase realidade)
177
178
MÁQUINA FACENTE
A máquina tecia eletrodos na minha cabeça e projetava no céu imagens do cérebro.
(Elalua branca seria?)
179
Olho a radiografia no cĂŠu me re-velando esqueleto partindo os ossos da noite NĂŁo era isso que eu queria dizer Mas disse.
A lua?
Desfazia-se numa hamletiana caveira: a minha memĂłria liquefeita costura do irreal.
A lua,
180
Mulher em trapos de nuvens des folhava-se falecia-se
N U V E M
N E U V
CALABOOOCA!!!!!!
Elalua... gritava num relâmpago, não me suportava (meu cérebro) Elalua... desfalecia-se desfolhava-se e gritava.
A lua 181
consumiu meus neurônios tornou minha memória pó e os soprou pelas galáxias quasares mudos Fez de minha lucidez nuvem Azares de quem já não sou... Olho o inseto que esmaguei (re) velando {-me} a madrugada: esse nosso ancestral e jurássico parente, perene nauseando a noite. Matei Franz... Não era isso que eu queria fazer dizer, também não. Mas disse ...
Sob o signo da lua nasci neste planeta. 182
Nunca soube o que dentro dele está o que fora acimabaixo Nem quem o habita: circunlóquios solilóquios loucos e inúteis intangíveis Sempre in(a)t(i)angível quem o habita: Quem? Não sei o que dentro o que fora dele. Quem? Sei que é táctil. Toco, posso,
183
abraçá-lo rompê-lo rasgá-lo ainda assim intangível. Matá-lo posso. Sempre, esse meu vizinho... E já não o vejo nunca sequer no espelho. Não o sei ainda, saberei? Isso importa
nada.
184
olho a radiografia, e o inseto que esmaguei partindo os ossos da noite, meu ancestral jurássico parente. Não era isso que eu queria dizer, perene, nauseando a noite. Mas disse: Matei Franz... Não era isso que eu queria fazer, dizer, também não. Mas disse
Fiz.
185
186
O HOMEM REAL
Era real. Não suportava o sono e seu território, mal vestia os olhos, atirava sonhos ao chão, todos de vidro. Assim se quebraram as miragens, e o homem (era real) reclama da luz profana, a vida vestida de cacos de sol Desde então chama pelas imagens que lhe sangravam os olhos. Porém é dia, os símbolos coagularam no lençol que o expulsa, se antes sonhar lhe era impossível, viver está hoje por um triz. Era sonho, perdeu-se. É cicatriz.
187
188
O ESPELHO DE DUAS FACES ( المرآة من اثنان وجوه- Primeira visão do dia)
1ª O espelho nos revela o outro, esta a sua lógica e seu destino. Um outro que se aproxima por trás de nós no reflexo, ameaça, diferença que tanto nos tem incomodado. O Sexto Cavaleiro? Sua imagem e voz quebram os espelhos da vaidade /e da história: “Ei-nos aqui, o outro lado até hoje mudo, o mundo esquecido! nossa retórica é o sangue, destroçaremos vossos menires, /ícones de aço e vidro. Vosso desprezo nossa força; a morte, /nossa aliada; nossa estranheza, cilada”. Uma outra Babel – de costumes – /sangra.
189
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LAÇOS DE FAMÍLIA أسرة إنحناءات
Irmãos, sobreviveram entre as paredes da casa em ruínas, /inútil paisagem onde a família tecera seus laços (e nós) de sangue, /sabiam-se ambos encurralados entre o mar e o som dos aviões que se iam /aves rasantes e o cheiro de uma cidade arrasada. Cumprira-se a profecia /do espelho. O outro de nós, o vizinho sempre ignorado, mostrara /nosso próprio rosto ao avesso: provamos da sinestesia que semeamos. /Aonde iriam os aviões, tantos, nenhum chegava, feitos só de sons (quem visitaria /esses escombros e gestos e restos? Tinham medo, assim tão escuro tudo /se impedia. Os mortos subiam as escadas. Era preciso isolá-los! Fecharam as portas, /eram irmãos finalmente! (Ilusão, irmãos e sós, mais isolados ficariam). /Tinham medo, os mortos (ainda os mesmos?) continuavam a subir, cruéis, /cruamente a descer; 191
duas vidas a ruídos e ruínas condenadas (e à fraternidade /compulsória). Os cheiros os sons os medos de uma não poesia entravam /pelas frestas da porta era a cidade inteira um coro monástico, insuportavelmente /morta que cantava. Só os dois irmãos, primos entre si restaram, um país /a reconstruir, um planeta. Valeria à pena, perguntavam-se silêncios seculares, /tão pouco incestuosos. Descobriram que era impossível recompor o mundo /a partir da família, intuíam, pois o contrário tinham visto impossível... além disso, /os mortos. - Não se cansavam? subiam e desciam, e os aviões, /que subiam apenas. Quatro olhos fechados, silêncio pasmo e casto, jamais /assinariam o futuro.
Sons escuridão cheiros cindiram para sempre a casa, o clã /(a terra) em pedaços. As escadas! Quem por elas? Os aviões partiam desertos, /quem desertava, ainda? Incestos não aconteceriam, eram irmãos. Mesmo assim, /desertariam do mundo? 192
As escadas? Aqueles degraus desfizeram para sempre /todos os laços de famĂlia.
193
194
WINDOWS.WINSDON.FAUSTO.COM (A origem metafísica dos vírus) I Numa noite de fim de inverno, em sonho desfolhava-se a primavera, apareceu-me um Arcanjo - desses com espada de fogo e estolas em latim, e asas de Aleijadinho Meio às estrelas e à lua, entre os edifícios nada barrocos, disse-me num tom bíblico: “Ouvi vossas rezas, ó pecador, e anseios de sabedoria, vim atendê-los, ou ao menos que em vós se acalmem tantos transtornos d’alma” (sempre imaginei que os arcanjos preferiam o plural majestoso, além, é claro, do dizer firme e aglutinações prepositivas) Persignei-me e sorri: enfim, Senhor, ouvido! Ele também sorriu, (notei um sorriso matreiro opaco, seria um anjo espia?): “Porém, pecador, primeiro tereis de ler, entender e pensar chinês
195
Visitar toda sua poesia. Lereis assim o erotismo sutil de Li yi, Li Chang Yin, e o da imperatriz Siao Kouan-yin des Leao, entendereis então, isso possível, o conservadorismo de Confúncio. Depois apreendereis toda Índia - o Kama Sutra pulai (pontuou irônico) – saberás do hinduísmo, bramanismo, passando pelos taoístas, shintoístas (deu aqui uma dicção lusa, umas consoantes sonoras. Não que fosse português – de resto não combina – mas talvez porque soa bonito ou, quem sabe, fosse um anjo afeito às artes da poesia – um anjo assim meio Pessoa – ledor da Ode Futurista). Pois se quereis o Nirvana, curioso, o Nirvana conhecerás.
Antes, porém, atenteis para a Pérsia, sentenciou severo, reencarnareis Ormuzd, que em sua imensa sabedoria resgatou os preceitos do masdeísmo, só assim beberás da mesma fonte por ele sorvida: os astros de Zoroastro. ... Ah, sim, já me esquecia, voltando à Índia, tereis de entender cada gesto, e cada sinal e cada aceno, o que vos diz cada braço - difícil tarefa, pois braços 196
de mulher - dos nove que possui e agita a deusa Shiva Depois, bem... depois - não quereis vós a Sabedoria? – Vital será aprender toda a Grécia com seus filósofos e a Tragédia; além da Paidéia, Pitágoras, Parménides e Sófocles, antes Anaxímenes, Platão e Protágoras... Pensando a dialética, na ágora tu esclarecerás a Ética aristotélica, bebereis - sem cicuta - da virtude socrática para dizer se é una. Ou não. Da areté sabereis a perfeita tradução e, juiz dos homens, sob o sol distribuirás a diké
II Atônito, sem saber qual tratamento merecem os anjos, reclamei, desanimado num muchoxo: ‘Mas seu Arcan..., Excelên..., digo, Reveren... ih! para isso, meu Protetor (simplifiquei) será preciso - vou querer - no mínimo mais três vidas, não menos, e todas três reencarnado rico, em terras de bibliotecas e mestres, e sem guerras! Haverão de ser vidas virtuosas, prometo – persignei 197
Ah, sim, Mestre, e todas essas vidas sem suicídios!’ Ele franziu o cenho irritado, nem sei se pelo pedido ou pelo tratamento. Deu de ombros, sacou da espada e disse, alto e com muita raiva: “Dei-vos a oportunidade, não a quereis?... Então procurai aqui, e tereis vosso mundo inteiro! Um mundo vazio, inútil e ridículo como vós! Ides preguiçoso, a este endereço!”. Num gesto largo e raivoso ele gargalhava (de novo um jeito estranho para um arcanjo) Riscou o céu azul, desenhando com enormes letras de fogo: http://www.winsdon.com
(Porque esta nossa ainda inculta e bela Flor do Lácio não se pode apoderar da língua das máquinas? Perdemos a outrora dicção amorosa camoniana, e só falamos outra terceira e pobre língua, virtual, e sem nenhuma virtude.) ...
Notei que o anjo tinha as unhas sujas, os olhos opacos e paralelos, procurava ocultar os pés, seus erres e esses 198
saiam silabados e sibilinos no escuro, seria um arcanjo espia? “Ides! Ides!” Gritava, mal disfarçando um sorriso, “Vossa sabedoria é rápida e sacia como um Big Mac, vossos alimentos tornaram-vos uns obesos do espírito tendes a fome da informação um apetite profano em agonia mas o que vos alimenta é digno dessa coletiva bulimia!” ... Corri para a máquina fria, mais fria que mil falsos arcanjos, tocava uma musiquinha cretina que agitava as palavras, embaralhavam-se perdidas, as letras caiam para sempre, velozes no abismo de bits; vi meus poemas despencarem
no mais puro e imbecil azul. ‘Ó infausto canalha! Não percebi vossa trama, abri a vós a minha alma, e pior, meus arquivos’. Espatifei no chão o monitor, e praguejei, bem Brasil: Maldito vosso vírus! Maldito endereço. Ó Barzebum, Cafuçu, Belzebu!
199
200
A VOLTA (outra dialogia, outro leito de hospital) Para aquele que chega, Gabriel, e aquela que o traz, Maria Elizabeth “Et les pierres seront soleil” Paul Eluard
Guardei entre dentes as letras das palavras, em pânico mordia as sílabas, e me afogava em anestesia. Houve o reverso, reconstruí-me vivo, em outro dia outros versos, outra dialogia
A mesma outra maca corre nas rodas de éter, contudo, vai agora em outro rumo (sonho ainda?) traz desta vez ao centro do ensaio uma mulher, verte maternidade nos labirintos
201
Os mesmos corredores que sabem à urgência, ora plenos de cores sons, verdes odores de mares água, materna sincronia, cores sem sépia, círculos azuis de azul, círculos azuis de rosa. Cores, apenas projetam-se na tela fluida do ar, cores de um outro sonho, sons da policromia dos que chegam da água trazendo as palavras nunca ditas, do mar amniótico a memória partida dos líquidos, tempo de só ser Eclodem joões, josés, elisas (principalmente certo Gabriel, que antes não sabíamos Maria). O nome? Importa que a vida se refunde em pedra ou pedro, e as “pedras façam-se sol”, o brilho da pedra fundamental, vida, esta que por vezes parece estancar em segmentos de caos, ameaça partir-se, e partir do sonho o sonhador, deixando o tempo em sua escuridão original: o nada atonal ... O verbo do início verbera na luz do dia, a realidade - enfim nascida (antes apenas percebida) - acorda os que esperam. Veste-se de forma, sua melhor matéria, contornos da matéria-vida, antes de ser dor, é sonho,
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antes de ser som, é gesto. Acorda a forma, se concretiza ante os olhos de surpresa e espanto, anti-pranto, apenas e muito a vida se reconstrói, pedra fundante, fundamental, roca que tece o roto e destecido gesto, que havia perdido. ... Atravessei os limites do sonho e realidade, áleas e aléias deste templo hospitalar, onde os extremos dialogam e digladiam, flutuei entre fim e começo, nesta gare de éter entre os que vão e os que chegam. Entre a cor anódina do silêncio dos que se calam, e a eclosão de cores: entre a confusão de dores e a euforia, são vozes que ecoam, neste coro que tentamos entender, nunca saberemos porém se réquiem ou “Ode à Alegria” Agora não é sonho, enfim, mas realidade mesma que já não é (e é) sol rasgando os olhos da manhã mas sol que verbera em luz e encantamento, luz que é a realidade mesma, luz tecida na roca do dia
Não o manto roto do medo, mas a seda fina do desejo realizado, luz da tessitura de um sol que já não queima os olhos, aquece, que não acorda para a crueldade do dia, das horas cruas, antes adormece em esperança e fantasia
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... Sim, disse um dia: o material do sonho não é a memória do dia. Porém se refez na manhã (e na vida) a lógica do sonho nascida O que era memória da noite é fato solar, que verbera na manhã, os ecos, os sons antes nas retinas refazem-se na palheta do dia Daí não há mais, por ora, cantar o sonho, ele refez-se vida com tal e intensa concretude, renasce num horizonte provável em música Fundiu-se ao dia o sonho em dialogia é hora de se encerrar o seu ciclo para que se encene o ciclo da vida e se cerre nas sombras o pesadelo que não se sabiam finitos (eram sonhos, sombras), vestiram-se de luz e harmonia: é o ciclo da vida que chama com palavras precisas e versos plenos
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Outra forma de poesia
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Do autor: LIVROS PUBLICADOS:
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- O PILOTO ANÔNIMO - Global Editora - São Paulo – 1985 - Menção Especial do Prêmio Guararapes da União Brasileira de Escritores - 1986 - UM NOME - Editora Taurus/Timbre - Rio de Janeiro - 1987. - ANIMA(L) com o poema CARTAS DE PEDRA ( 1989 ) - Editora Seis - Rio de Janeiro - 1993. - EXÍLIOSAMARES, CIDADES ( Amares nas Cidades Exiladas do Tempo ) - Impressões do Brasil Editores - Rio de Janeiro - 1996 - EXCERTOS DOS EXÍLIOS - C/ Alexei Bueno Impressões do Brasil Editores - Rio de Janeiro – 1996 - CENTRO – Livraria Editora Francisco Alves – Rio de Janeiro – 1999 PUBLICAÇÕES - Colaborou com o jornal "VERVE" - "A INDESEJADA DAS GENTES. UM ENCONTRO ENTRE BANDEIRA E MACHADO SOB O OLHAR DE CABRAL". Suplemento Literário do Estado de Minas - 1989. - Cartão “Galo” - Coleção grafias - Verve - 1989 207
- Catálogo para a exposição de Charles Watson. Galeria Montessanti, São Paulo - 1988 . - Catálogo para a exposição Canale, Fonseca, Milhases, Pizarro e Zerbini. Museu de Arte Contemporânea de São Paulo - 1989. - Revista Galeria - Seção Retrospectiva. Exposição Cristina Canale - Dezembro, 1989. - Catálogos para as exposições de Malu Fatorelli, 1990. Sandmann Und Haak Galery - Hannover EUA. Galeria Cândido Mendes - Rio de Janeiro. - "TRAJETÓRIA DE UMA TRILOGIA"- Artes e Ofícios da Poesia, organização de Augusto Massi. Editora Artes e Ofícios, Porto Alegre, 1991 - Ciclo "Artes e Ofícios da Poesia". Museu de Arte Moderna de São Paulo . ANTOLOGIA DA NOVA POESIA BRASILEIRA. 1992. Editora Hipocampo. Organização, seleção, notas e apresentação de Olga Savary. - REVISTA POESIA SEMPRE - Número 6 - Ano 3 - Outubro 1995 - Fundação Biblioteca Nacional Departamento Nacional do Livro - Ministério da Cultura "Poesia Brasileira"- Número dedicado à Itália PLANETARIA – 1997 – Edizioni Universum Testi Scelti da Renza Agnellli – Trento – Italia - Enciclopédia de literatura brasileira. São Paulo: Global; Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras, 2001: 2v. Afrânio COUTINHO. 208
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EL ÁRBOL DEL ARTE – Matriz transsensorial e intersubjetiva para el arte no visual y el silêncio del yo artistico – Cristina Miranda de Almeida Barros – Servicio Editorial de la Universidad del País Vasco – Serie Tesis Doctorales – Facultad de Bellas Artes – Tese de Doutorado - 2005 As Escolhas Afectivas: http://asescolhasafectivas.blogspot.com/2006/11/edua rdo-sterzi-mencionado-por-tarso-de.html Texto Território: http://textoterritorio.pro.br/site/index.php/literaturas/2poesia/302-fragmentos-de-sonho-e-outros-ciclos-menores Brazilian Arts - The Migration of Poetry to Videos and Installations: http://www.letras.ufmg.br/nucleos/intermidia/dados/arquivos /Brazilian%20Arts.pdf Antônio Miranda: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_jan eiro/lucio_autran.html Blocos on line: http://www.blocosonline.com.br/literatura/poesia/p00/p0002 58.htm Paradoxism – Arts and http://fs.gallup.unm.edu//a/default.htm
Letters
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PALESTRAS E LEITURAS
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- TRAJETÓRIA DE UMA TRILOGIA. Encontros com a Poesia. Parque Lage - Rio de Janeiro - 1991. - LEITURAS PELA EDITORA SEIS - Jardins da casa de Pedro Pellegrino - 1992 - DA INUTILIDADE DA POESIA - Casa da Leitura - Rio de Janeiro - 1994. - BIENAL DO LIVRO - REVISTA POESIA SEMPRE - ENCONTROS COM POETAS - Fundação Biblioteca Nacional - 26 de agosto de 1995 - LANÇAMENTO DA REVISTA POESIA SEMPRE - Biblioteca Nacional - Outubro de 1995 - CONVIDADO A INTEGRAR A “FUNDACIÓN CASA DE LA POESIA” - Caracas - Venezuela - 1996 ALGUMA CRÍTICA - "Ali onde a palavra nomeia o gesto transgressor, ali também nasce o verso de Lúcio (...). Eis a sina, eis o movimento - eis a viagem, eis a poesia". SANTIAGO, Silviano - "O PILOTO ANÔNIMO" - "Livro que traz a marca do poeta que sabe o valor das palavras". PY, Fernando - "O PILOTO ANÔNIMO" Diário de Petrópolis - 25/05/86
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- "Um sofisticado entomologista da palavra. Nada o preocupa e fascina mais; para ele as palavras estão sempre acesas ou mergulhadas numa escuridão infinita. (...) Leitura possessiva, possante, quase uma outra pele sobre o silêncio do texto." LIMA, Carlos Emílio Corrêa "ANIMA(L)" Caderno de Idéias - Jornal do Brasil - 02/04/94 - "Essa dissemia do vocábulo (...) é um dado de refletir a procura da expressividade de Lúcio Autran neste livro, obsessivamente anticonformista (...), onde atinge um excelente domínio do seu vocabulário, lutando vitoriosamente com as palavras". PY, Fernando - "ANIMA(L)" Diário de Petrópolis - 07/01/96 - " A discussão dos problemas relacionados à crise da representação situa-se na poesia de Lúcio Autran, tanto na sua dimensão ontológica, trazendo à baila a discussão sobre os limites da linguagem e o papel do poeta, como sob a perspectiva histórica, procurando evidenciar as marcas de um geração. (...) por isso quem a constrói ( a linguagem )(...) está esboçando uma atitude afirmativa quanto à permanência da poesia como espaço privilegiado, ainda em nossa época histórica, para a problematização das concepções de sujeito, linguagem e realidade. " PEREIRA, Victor Hugo - "ANIMA(L)" Revista Poesia Sempre Fundação Biblioteca Nacional Agosto de 1994 "O poeta Lücio Autran me surpreendeu com uma literatura complexa!" 211
BRITO,
Osvaldo
Lopes
de
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"ANIMA(L)" O Diário - São Paulo - 09/01/94 “ (...) o poeta já se apropriou de um estilo próprio e caminha para plena maturidade expressional”. PY, Fernando - “EXCERTOS DOS EXÍLIOS” Diário de Petrópolis - 19/01/97
CORRESPONDÊNCIA:
"Um livro com um "projeto", o que é raro. Você sabe das diversas técnicas da poesia". Affonso Romano de Sant'Anna - O PILOTO ANÔNIMO "Um poeta especial: não apenas navegador, mas piloto" Valminki
Guimarães
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O
PILOTO
ANÔNIMO "Você não é mais o Piloto Anônimo que pensa" Gastão de Holanda - O PILOTO ANÔNIMO "Magnífico livro! Revelador de poeta já feito" Hélio Pellegrino - O PILOTO ANÔNIMO
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"Prosa ( poética ) e versos se dão muito bem nessa nova (a)ventura literária" Gastão de Holanda - UM NOME "Esta década fecha com chave de ouro com três obras literárias que são o que há de "melhor" ( muito mais que isso ): Sibilitz, de Leonardo Fróes; No Coração dos Boatos, de Wilcon Pereira e Um Nome, de Lúcio Autran. Faço um trabalho sobre os três". Gabriel de la Puente - UM NOME "Admirável, (poesia) das mais fortes e legítimas entre as que se fazem atualmente no Brasil" Alexei Bueno - ANIMA(L) "Imagens como (...) estão entre o que de melhor se fez na poesia brasileira" Moacyr Scliar - ANIMA(L) "Pura semente de luz verbal" Wilcon Pereira - ANIMA(L) "Sons e cores, gestos e cheiros, formas em ruinas, a maresia, a morte presente - tudo resgatado pela memória do poeta" Bella Jozej - ANIMA(L) “( ... ) Por isso ninguém é, em si, um escritor do pós-moderno, mas o conjunto das diferenças é pósmoderno. Sua poesia (...)mostra grande cuidado com a palavra em sua essencialidade, e expressa esse cuidado (...) consciente, exigente consigo mesmo, severo, eu diria, no trato com a matéria expressiva.” Jorge Wanderley - ANIMA(L) 213
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