Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
MINICURSO - TÓPICOS ESPECIAS DE MORFOCLIMATOLOGIA DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO ( Resumo e Atividades)
Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
Campina Grande 2010
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
1 A
Geomorfologia
e
a
Climatologia
na
análise
da
compartimentação do relevo terrestre
A Geomorfologia é a parte da Geografia Física que se dedica à análise da gênese e da evolução dos compartimentos e feições de relevo terrestre. É uma ciência geológico-geográfica que estuda o relevo terrestre, no que concerne à sua estrutura, origem, história do desenvolvimento e dinâmica atual. A análise das formas re relevo pressupõe uma descrição do modelado e uma consideração dos complexos físicos e físico-biológicos. Pressupõe, ainda, um conhecimento geológico razoável, bem como noções sobre os processos morfoclimáticos atuais e pretéritos. Uma importante divisão da Geomorfologia deve ser levada em consideração para a compreensão da análise geomorfológica das paisagens. De um lado existe uma Geomorfologia Climática ou Morfoclimatologia e do outro uma Geomorfologia Estrutural. Não se opõem , como seria de se esperar de início, mas se complementam.
A Morfoclimatologia procura examinar as
formas de relevo em suas relações com os climas atuais e
pretéritos. A
Geomorfologia Estrutural estuda as formas de relevo em função das influências da estrutura geológica. A Geomorfologia Climática é um dos ramos da Geomorfologia Geral que procura estudar as formas de relevo em suas relações com os climas atuais e pretéritos. Segundo COQUE (1987:181), “A Geomorfologia Climática aparece como um prolongamento da Geomorfologia Dinâmica, que trata da diversidade das combinações realizadas na superfície terrestre entre agentes e processos de erosão. Esta diversidade das modalidades da morfogênese se expressa no modo de ataque à estrutura geológica e no modelado do relevo, ou seja, no conjunto das características devidas à sua elaboração pelos diferentes agentes de um sistema morfogenético. Caracteriza de alguma forma, sua fácies, enquanto que a Geomorfologia Estrutural define os traços básicos de sua organização, determinados pela importância relativa e a combinação de volumes rochosos que apresentam resistências diferenciadas à erosão”.
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
André Cholley, no artigo “Morfologia Estrutural e Morfologia Climática,” publicado originalmente nos Annales de Geographie, em 1950, alertou os geomorfólogos para o fato de que a estrutura geológica, apenas, era insuficiente para explicar todas as formas topográficas. “De qualquer forma dizia Cholley - o fator decisivo (na formação do relevo) é o clima. Compreende-se, portanto, o êxito obtido pela expressão “morfologia climática.” Ela marca, de algum modo, a reação contra a atitude da maior parte dos geógrafos que faziam da estrutura o princípio de toda a morfologia.” Não podemos negar, contudo, uma certa dose de exagero nas palavras do saudoso mestre francês. O relevo terrestre é fruto de uma complexa interação estabelecida entre fatores tectônicos, erosivos e litológicos, tentar explicar a gênese do relevo apenas a partir da influência, de um desses fatores é deformar a própria realidade. A Geomorfologia Climática baseia-se em pelo menos três importantes aspectos: - a análise dos depósitos correlativos ( Fig 1). - a análise das formas topográficas. - as evidências paleoclimáticas ( Fig. 2).
Fig. 1- Depósito correlativo. A seta indica um depósito rudáceo resultante de um processo de pedimentação.
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
Fig. 2- Forma pedimentada na Depressão de Patos (PB). O pedimento revela um paleoclima quaternário bem mais seco do que o atual BSh. Os depósitos correlativos representam um importante elemento que auxilia consideravelmente o geógrafo físico na interpretação das condições paleoambientais, particularmente os paleoclimas. Esses depósitos são, na verdade, formações geológicas contemporâneas às etapas da evolução do relevo. Esses depósitos dependem dos seguintes fatores: - condições climáticas ambientais; - natureza da rocha da área fonte; - influências tectônicas; - agentes geológicos que os transportam; - tipo de ambiente da área de deposição. As formas topográficas permitem compreender as interferências de possíveis flutuações climáticas na morfogênese do relevo terrestre. Nos dias atuais, o estudo das vertentes vem sendo realizado levando-se em conta as influências dos fatores morfoclimáticos. Há autores que tendem a correlacionar os perfis das vertentes com diferentes domínios climáticos, como por exemplo: - Na região tropical, as vertentes desenvolvidas em rochas crista-linas apresentam-se com um perfil convexo, em geral com inclinação compreendida entre 10 e 15°; - Na zona das savanas, as encostas são menos convexas e, as vezes, assumem um perfil retilíneo com ligeiras ondulações;
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
-
Nas
áreas
semi-áridas,
as
vertentes
apresentam
um
perfil
marcadamente côncavo e dominam as superfícies planas (pediplanos) com relevos residuais (inselbergues); - Na região periglacial, as vertentes adquirem formas muito amplas, sendo influenciadas pelo processo de gelivação. As características paleoclimáticas são estudadas, pela Paleoclimatologia, que se apóia, por sua vez, em vestígios paleoclimáticos e associações fossilíferas sedimentares. Vejamos algumas evidências paleoclimáticas: - Presença de evaporitos, depósitos eólicos, depósitos de corrida de lama e de areia e muito cascalho indica clima seco; - Sedimentos vermelhos, calcários, depósitos lacustres e couraças lateríticas evidenciam clima quente; - Depósitos de geleiras (morenas), rochas estriadas e varvitos indicam climas frios. No Brasil, a presença de superfícies aplainadas tem sido interpretada como formas remanescentes de pedimentos e pediplanos, representativas, por tanto, de fases climáticas mais secas durante o Cenozóico.
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
2 AS RAZÕES DA SEMI-ARIDEZ DO NORDESTE BRASILEIRO
As razões da presença do semi-árido no Nordeste brasileiro prendem-se basicamente à circulação atmosférica, em especial, e à topografia. Num trabalho clássico da Geografia Física brasileira, intitulado “Introdução à Morfoclimatologia do Nordeste do Brasil”, elaborado, em 1963, por Gilberto Osório de Andrade e Rachel Caldas Lins, foi levantada pela primeira vez, a hipótese das relações entre o deserto do Kalaari e o semi-areado nordestino. Vejamos o que afirmavam então aqueles autores: No Nordeste Oriental o que persiste durante todo o ano é o ar límpido, estável, dos alísios de SE, com baixo teor de umidade relativa, que dá as estreladas noites transparentes do sertão. Esses alísios austrais têm como centro propulsor a célula de altas pressões subtropicais do Atlântico Sul, estabelecida aí pelos paralelos de 35° a 40°: centro que gira em sentido contrário ao dos ponteiros dum relógio, projetando ventos em todas as direções do circuito. Do flanco oriental da célula, secante ao deserto sulafricano de Calaari provêm os alísios de SE, que sopram em direção ao Equador
crescentemente
desviando-se
para
a
esquerda.
Absorvem,
no
percurso,umidade fornecida por evaporação oceânica; mas viajam, também, sobre uma superfície cada vez mais quente, de sorte que se vão aquecendo ao mesmo tempo pela base e a umidade relativa mantém-se sempre baixa. O Nordeste Oriental é um domínio, dessarte, duma projeção transatlântica da mesma atmosfera que responde pelo deserto do sudoeste Africano. Propulsemos denominar essa projeção de “ar calaariano”, do “ar saariano” dos meteorologistas boreais, que transpõe o Mediterrâneo durante o verão europeu ( ANDRADE e LINS: 1963).
Posto desta maneira, o semiárido nordestino é fruto do estabelecimento permanente na região de uma massa de ar “tépida” estável e, portanto seca. Essa massa foi denominada pelos mencionados autores, com muita propriedade, de “Tépida Kalahariana” ( Figura 3). Infelizmente, por razões que desconhecemos, o esquema teórico proposto por Gilberto Osório e Rachel Caldas Lins não foi popularizado nos livros didáticos de 1°, 2°, 3° graus, permanecendo, a despeito de sua validade, praticamente desconhecido das gerações atuais.
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
Figura 3. O “ar calaariano”. A seta está indicando a presença desse ar de altas pressões que se instala sobre o território nordestino.
No que concerne às influências topográficas na definição do espaço semiárido nordestino, precisamos ressaltar a participação do “planalto” da Borborema e das depressões sertanejas. O “Planalto” da Borborema, disposto transversalmente aos fluxos dos ventos alísios, provoca uma ascensão do ar a barlavento, ocasionando, na fachada leste, uma maior precipitação. A barreira topográfica da costa oriental força os alísios de SE-E a se elevarem; resfriamse adiabaticamente, por isso, com resultados locais de condensação e instabilidade. Em vertentes mesmo baixas, como se sabe - e isso é particularmente enfático nas regiões quentes e úmidas – o ar que se eleva das áreas vizinhas atinge o ponto de saturação em altitudes tanto mais reduzidas quanto mais carregadas estejam de vapor d’água; essa carga maior de umidade especifica ocorre, na costa oriental, durante outono-inverno quando são assíduas as descargas da FPA; em qualquer fase do ano, porém produzemse aqueles efeitos de condensação na camada inferior da TK. Tendo descarregado na faixa costeira parte do vapor d’água que transporta, o ar calaariano ora se regenera – ao progredir no continente sobre superfícies que crescentemente o aquecem pela base, reduzindo-se a umidade relativa e generalizado verticalmente as condições das camada superior quente e seca – ora conduz ainda, sob forma dum teto alto de nuvens, o saldo da condensação que não precipitou (...) Quando uma corrente de ar vai de encontro a um obstáculo topográfico transversal oposto ao fluxo, é forçada a elevar-se e em conseqüência resfria-se. Se o fluxo é suficientemente úmido, esse resfriamento acarreta, a partir de certo nível, a formação de nuvens e, em seguida, precipitações também abundantes, em princípio, quanto mais alto for o obstáculo.Nas regiões quentes e úmidas, as massas de ar, que desse modo se elevam, atingem o ponto de saturação com rapidez relativamente maior do que noutros climas, de sorte que tais efeitos de
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá “barlavento” ocorrem mesmo em anteparos de modesta altitude. Na vertente a sotavento, liberado de parte da umidade que transportava, o ar esta mais aquecido do que dantes não só em virtude do calor gerado pela condensação como também porque, ao descer, se aquece por compressão; chega, desse modo, à base da vertente com temperatura superior àquela que trazia antes de superar o obstáculo.Em função da reduzida umidade relativa que disso resulta é um ar dessecante, sem embargo de que pode ser submetido a turbilhões de ramos ascendentes mesmo depois de transposto o anteparo e, nesse caso, provocar alguma precipitação de baixa densidade a sotavento. Como quer que seja, resultam sempre assinaladamente contrastadas as condições hígricas da atmosfera a sotavento e a barlavento “. (ANDRADE e LINS. 1992).
Nas depressões sertanejas surgem espaços mais secos do Nordeste brasileiro em face do aquecimento adiabático do ar. O exemplo clássico desse fato é a depressão de Cabaceiras, no Estado da Paraíba. Um outro exemplo significativo dos efeitos topográficos da exposição de subexposição aos fluxos de ar úmido no Nordeste brasileiro foi apontada por ANDRADE e LINS (1966). Trata-se do caso Arcoverde e Buíque, ambos no Estado de Pernambuco. “Para uma comparação, contudo, dos efeitos de barlavento e sotavento ali contíguos (Arcoverde e Buique), pode ser tomado como padrão o pluviograma de Buique (Fig.??), cujo posto meteorológico registra os regimes de chuvas responsáveis pelo brejo da Serra do Cabo do Campo: brejo ecologicamente semelhante ao da serra das varas, 25Km a sudoeste na mesma escarpa granítica e, como este remontam o Ipanema. Enquanto as Chuvas a barlavento em Buíque elevam a média anual a 1.496,9mm, em Arcoverde, a sotavento da escarpa a taxa registrada é de 538,8mm,apenas” (ANDRADE e LINS : 1966 p. 8).
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
3 AS OSCILAÇÕES PALEOCLIMÁTICAS QUATERNÁRIAS E A EVOLUÇÃO DO RELEVO BRASILEIRO
3.1 – Generalidades No território brasileiro, principalmente nas porções oriental e central, sob cobertura vegetal original (florestas pluviais), as vertentes evoluem, na atualidade, pelo processo erosivo conhecido como “creep”. O “creep” é um movimento de massa bastante lento do regolito realizado exclusivamente a partir da ação gravitacional. Além do “creep”, a solifluxão extensiva age como um fator destacado na morfogênese do relevo brasileiro. A solifluxão é um movimento de massa também lento, porém bem mais rápido que o “creep”. Ao longo do Quaternário, em face das mudanças climáticas antes referidas, os processos morfoclimáticos variaram consideravelmente, sobretudo em intensidade, no Brasil. João José Bigarella e Maria Regina Mousinho, notáveis geomorfólogos brasileiros estudando os depósitos de várzea no Sudeste e Sul do país, concluíram que o clima determinante da solifluxão extensiva foi do tipo seco. “O regolito elaborado ao longo das fases climáticas úmidas plenas, esteve durante as fases secas, por demais encharcado d’água pelos aguaceiros torrenciais dos climas secos. Como conseqüência desse fato, ocorreriam os movimentos de massa” (MOUSINHO & BIGARELLA- 1965 ). A precipitação pluvial também desempenhou um papel destacado na gênese e evolução do relevo brasileiro, ao longo do Quaternário, como processo de remoção dos detritos que formam o regolito. Neste particular, cabe ressaltar a participação do escoamento superficial. O escoamento superficial (“ruisselement”) realiza um transporte de detritos do regolito eminentemente seletivo, constituindo-se, assim, num poderoso agente de erosão. O escoamento superficial das águas de chuvas modela vertentes que, em geral, assumem a forma côncava. Como lembram MOUSINHO & BIGARELLA (1965)
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
O escoamento superficial, quando comparado com outros processos, parece ser pouco eficaz nas áreas cobertas por florestas, sejam temperadas, subtropicais ou tropicais. É altamente eficaz em regiões de climas secos e semi-áridos, onde pode mover grânulos e mesmo pequenos seixos. ( MOUSINHO e BIGARELLA: 1965, p. 50)
Uma das modalidades de escoamento superficial, o
“sheet flood”
(torrentes em lençol) foi responsável pela formação de pedimentos e pediplanos que são observados
em
diversas
regiões,
particularmente
no Nordeste
(Figura 4) .
Figura 4. Representação esquemática de um perfil de pedimento O “sheet flood” responde pela formação do material detrítico, que compõe o regolito,
nos ambientes secos. MC GEE descreve esse tipo de escoamento
superficial como sendo uma onda d’água muito carregada de detritos rochosos, inicialmente com grande velocidade, depois muito lenta, com uma espessura de 20 a 25cm, em média, e com uma largura de um a vários quilômetros. Tendo vista que é lâmina d’água carregada de detritos finos, o “sheet flood” adquire grande viscosidade, o que lhe confere o poder de transportar detritos maiores, aumentando a sua ação erosiva. O “sheet flood”, como agente erosivo, se destacou muito mais que os rios, quando das épocas secas das fases glaciais no Brasil.
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
3.2 - A elaboração do relevo As fases glaciais do Quaternário, como foi dito anteriormente, corresponderam, no Brasil, ao estabelecimento de condições climáticas secas. As fases interglaciais notabilizaram-se pela ocorrência de climas úmidos. Essas mudanças climáticas implicaram em alterações na natureza e intensidade dos processos geomorfológicos atuante sobre o território brasileiro. Ao longo das fases glaciais predominaram os processos de degradação lateral (“sheet flood”, sobretudo), relacionados, portanto, a ambientes de elevada energia erosiva. As fases interglaciais implicaram em intensos processos de intemperismo químico, pedogênese e dissecação vertical do terreno (Figura 5). Essas fases no território brasileiro foram representadas por períodos de aquecimento generalizado e aumento da umidade atmosférica.
Figura 5- Os efeitos morfológicos de mudanças climáticas quaternárias. A- Fase de clima seco; B- Fase de clima úmido e quente
Na fase de transição de um clima para outro, a ação erosiva deve ter sido muito significativa, como mostram os estudos morfoestratigráficos desenvolvidos em diversos colúvios nas regiões Nordeste e Sul do Brasil. As épocas secas foram consideradas de alta energia. Propiciaram o predomínio dos processos de erosão lateral com a conseqüente formação de superfície de aplainamento (pedimentos). Nessas ocasiões, o transporte em massa dos detritos que compõem o manto de intemperismo foi mais intenso. A mudança climática do seco (período glacial) para o úmido (período interglacial) propicia o desenvolvimento de solos e, conseqüentemente, o
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
surgimento de um novo tipo de vegetação. A vegetação do semi-árido é substituída pela floresta. A meteorização química, por outro lado, atinge maior profundidade, enquanto a parte superficial do manto de intemperismo fica mais protegida da ação erosiva do escoamento superficial. O regime pluvial modifica-se, passando de intermitente para perene. Durante essa transição, o aumento da descarga das correntes fluviais implicará num crescimento de sua capacidade de transportar carga sólida. Assim sendo, o material retirado
detrítico
das vertentes e que entulhava os vales pode ser remobilizado,
entulhando-se o leito. Esse modelo evolutivo do relevo foi proposto por João José Bigarella e Maria Regina Mousinho, em diversos trabalhos publicados na década de 50 (vd. bibliografia).
3.2.1 - A
ELABORAÇÃO DO RELEVO
O relevo nordestino é policíclico e poligênico. Várias superfícies de erosão, elaboradas ao longo do Cenozóico, são observadas nessa região do país. As superfícies de erosão são aquelas áreas que sofreram prolongadas fases erosivas. São relevos, em geral, planos e ligeiramente inclinados. Williams Morris Davis chamou essas superfícies de peneplanos. Ao Brasil, entretanto, o modelo evolutivo do relevo, proposto por Davis, não se aplica. As superfícies de erosão podem truncar dobras, falhas e estratos rochosos diversos, desenvolvendo-se sobre rochas duras e frágeis. Foram identificadas no Nordeste do Brasil três superfícies de erosão, pediplanadas, que receberam as designações: Pd3, Pd2 e Pd1 (Pd=pediplano), atribuídas por Aziz Nacib Ab’Saber, Gilberto Osório de Andrade e João José Bigarella. Além desses pediplanos, foram encontrados dois pedimentos: P2 e P1. Dessas superfícies referidas são de idade quaternária: Pd1, P2 e P1. O Pd1 é o mais recente dos pediplanos brasileiros e também o que ocupa maior extensão. “No interior surge sob a forma de níveis de erosão, interplanálticos, na costa aparece com uma superfície inclinada para o mar.
Acha-se bem exposto
desde o Rio de Janeiro até o Amazonas” (BIGARELLA E ANDRADE – 1965). Estes autores atribuem a idade Pleistoceno Inferior (Glaciação Nebraskan) ao Pd1.
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
Os pedimentos P2 e P1 estão correlacionados respectivamente com os períodos glaciais Kansan e Illinoian. BIGARELLA & ANDRADE (op.cit.) consideram, em síntese, que no Brasil: - No estágio glacial Nebraskan, o clima era semi-árido, a morfogênese atuante mecânica e teria sido elaborado o Pd1. - durante o estágio interglacial Aftonian, ocorreu uma umidificação do clima e dissecação da paisagem. - no estágio glacial Kansan, o clima volta a ser seco (semiárido), a morfogênese mecânica e é elaborado o pedimento P2. - ao longo do interglacial Yarmouth, o clima torna-se úmido e a topografia é dissecada. - no estágio glacial Illinoian, o clima retorna a semiaridez, a morfogênese dominante é do tipo mecânica e consuma-se o pedimento P1.
No estágio glacial Wisconsin, não houve tempo suficiente para a formação de um novo pedimento, mas apenas a elaboração de um paleopavimento detrítico. Com relação a esse paleopavimento detrítico, BIGARELLA & ANDRADE (op.cit.) defenderam as seguintes opiniões: “Após o desenvolvimento do pedimento P1 ocorreu uma época úmida que causou uma mameionização da topografia em grandes áreas do Brasil, exceto em algumas partes do Nordeste semi-árido. Uma mudança climática, para as condições semi-áridas, resultou num extenso pavimento detrítico que recobriu tanto as áreas outrora mameionizadas, como em outras áreas de quase todo país. Esse pavimento foi depois recoberto pelos materiais coluviais introduzidos durante a presente época úmida. O problema do paleopavimento foi recentemente discutido por AB’SÁBER (1962), que sustenta ter sido o mesmo elaborado como um leito de cascalho de variada espessura, soterrado em seguida por slites e argilas, bem como pelos solos atuais. As condições climáticas sob as quais os paleopavimentos se desenvolveram não foram aparentemente, nem tão
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
rigorosas nem tão demoradas quanto aquelas responsáveis pelos pedimentos e pelo pediplano Pd1”. (ANDRADE & BIGARELLA - 1965 ).
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ANDRADE, Gilberto Osório de. & LINS, Rachel Caldas. Introdução à Morfoclimatologia do Nordeste do Brasil. Recife, XVIII Congresso Nacional de Geologia,1963. BIGARELLA, J. J
& ANDRADE, G. O. de Contribution to the study of the
Brazilian Quaternary - Colorado, Geol. Soc. Am. Spec. Paper, (84), 1965. BIGARELLA, J. J., MOUSINHO, M. R. & SILVA., J. X. Consideraçòes a respeito da evolução das vertentes. Curitiba, Bol. Paran. Geogr. (16/17), jul. 1965.
BIGARELLA, J. J & MOUSINHO, M. R. Considerações a respeito dos terraços fluviais, rampas de colúvio e várzea. Curitiba, Bol. Paran. Geogr. (16/17), 1965. BIGARELLA, et al. Considerações a respeito das mudanças paleoambientais na distribuição de algumas espécies vegetais e animais, no Brasil. Curitiba, An. Acad. Bras. Cienc. Vol. 47, 1975. COQUE, Roger. Geomorfologia. Barcelona: Editorial Ariel, 1987. MABESOONE, J. M. & ROLIM, J. L. Quaternário Oriental bras. Natal,
Est.
Sedim. 93/40, 1973/74 MAACK, R. Breves notícias sobre a Geologia dos Estados do Paraná e Santa Catarina. Curitiba, Arq. Biol. e Tecn. (2), 1974. MEIS,
Maria Regina Mousinho de.
As unidades
morfoestratigráficas
neoquaternárias do Médio Vale do Rio Doce. Rio de Janeiro. An. Acad. Bras. Ciênc. 49 (3), 1977. MOURA, Josillda Rodrigues da Silva & MEIS, Maria Regina Mousinho de. Contribuição à estratigrafia do Quaternário Superior no Médio Vale do Rio Paraíba do Sul - Bananal - SP. Rio de Janeiro, An. Acad. Bras. Ciênc., 58 (1), 1986. MOUSINHO, M. R. & BIGARELLA, J. J. Movimentos de massa no transporte dos detritos da meteorização das rochas. Curitiba, Bol. Paraná. Geogr. (16/17), 1965.
jul.
Minicurso: Tópicos Especiais de Morfoclimatologia do Semiárido Brasileiro- Prof. Dr. Lucivânio Jatobá
SCHUBERT, Carlos. Paleoclima del pleistoceno tardio en el Caribe y regiones adyacentes: un intento de compliación. HABANA, Ciencias de la Tierra y el Espacio, (15/16), 1989. TRICART, J. Divisão morfoclimática do Brasil Atlântico Central. São Paulo, Bol. Paul.
Geogr. (31), 1959.
ZEUNER, F. E. Geocronologia. Barcelona, Ed. Omega, 1956.