A COMPLEXIDADE DAS CONDIÇÕES CLIMATICAS DO TRÓPICO SEMIARIDO BRASILEIRO

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SEMINÁRIO DE TROPICOLOGIA DA FUNDAJ A COMPLEXIDADE DAS CONDIÇÕES CLIMÁTICAS DO TRÓPICO SEMIÁRIDO BRASILEIRO1 Prof. Dr. Lucivânio Jatobá ( E-mail: lucivaniojatoba@uol.com.br )

Introdução

Escreveu certa vez, com muita propriedade , o ex-seminarista desta Casa, o “schoolar”, geógrafo, Dr. Gilberto Osório de Andrade, num dos mais importantes trabalhos sobre a Climatologia do Brasil2: “ Os climas são fatos de estrutura complexa. A essência dos seus elementos é atmosférica, mas a experiência de todos os tempos demonstrou a estreita dependência em que tais elementos estão das condições geográficas, sob o que se registram.” E´exatamente dessa complexidade que nos ocuparemos nessa Reunião do Seminário de Tropicologia. Um desafio! Um desafio, sobretudo quando estabelecemos como área a ser esquadrinhada a partir do prisma da Climatologia o Trópico Semiárido brasileiro. Duas geociências buscam decifrar, cada uma com seus métodos particulares, com suas bases epistemológicas, tal complexidade ressaltada pelo geógrafo pernambucano. Se utilizarmos a antiga classificação de Jean Goguel, estabelecida para as geociências, há de um lado uma ciência geofísica- A Meteorologia- que busca entender o tempo meteorológico, sob a ótica da Física, ou seja aquelas condições atmosféricas que definem o estado do momento, às vezes fugaz, da atmosfera sobre uma determinado local, região ou país. Num outro lado, existe uma ciência de raízes eminentemente geográficas – a Climatologia Dinâmica- que se preocupa com os ritmos do tempo, ou, como se dizia na Climatologia Clássica, do “andamento habitual do tempo”. Irmanadas, Meteorologia e Climatologia buscam entender essa temática tão intrincada e que há muito tempo preocupa a humanidade.

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Resumo expandido dos principais aspectos que serão explorados na palestra a ser proferida na 410ª Reunião do Seminário de Tropicologia, em 19 de junho de 2018. O palestrante é geógrafo, ambientalista e Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco, na qual leciona, atualmente, as disciplinas Análise Climática e Análise Geomorfológica, no curso de Ciências Ambientais do Centro de Biociências e no curso de Mestrado Profissional em Ciências Ambientais (PROFCIAMB). 2 ANDRADE, Gilberto Osório de. Brasil, a Terra e o Homem. São Paulo: Editora Nacional, 1971) .


As considerações que serão feitas a seguir serão muito mais climatológicas, e portanto geográficas, do que meteorológicas. Não que com isso se queira obscurecer a Física do ar atmosférico. O que será exposto sucintamente a seguir não tem outra pretensão, a não ser a de fazer uma síntese climatológica, às vezes visitando os conceitos básicos da Meteorologia Tropical. Uma síntese da dinâmica atmosférica que se configura na Troposfera que reside inquieta sobre o Trópico Semiárido brasileiro. Impossível proceder uma análise dessa natureza sem mencionar e obviamente homenagear os geógrafos Gilberto Osório de Andrade e Rachel Caldas Lins, que, desprovidos do arsenal tecnológico de que dispomos no mundo hodierno, conseguiram desvendar relações de difícil compreensão entre fatores estáticos e fatores dinâmicos do clima do Nordeste brasileiro, empregando princípios geográficos como o da Conexão e da Analogia e um raciocínio que nos causa espanto! E´ preciso que reconheçamos: as ciências do tempo meteorológico e do clima devem muito ao que escreveram os pesquisadores da FUNDAJ mencionados. Os climas resultam de uma combinação dialética entre fatores estáticos e fatores dinâmicos, de natureza geográfica. Os fatores estáticos compreendem: a configuração geográfica de um país ou continente; a situação astronômica do espaço investigado e das condições geomorfológicas regionais. Os fatores dinâmicos estão representados por fatos diversos, tais como: a instalação permanente ou não de anticiclones ou ciclones; as anomalias de temperatura da superfície oceânicas ( as ATSM); as massas de ar e os sistemas frontais e as perturbações atmosféricas diversas, como vórtices ciclônicos, ondas de leste e linhas de instabilidades, entre outros. Que objetivos específicos estabelecemos para essa exposição? Em primeiro lugar, demonstrar a importante contribuição de Gilberto Osório de Andrade e Rachel Caldas Lins para o entendimento dos climas do Nordeste brasileiro, sobretudo o semiárido (BSh). Em seguida, buscamos examinar, sob a ótica da moderna tecnologia aeroespacial, materializada no Sensoriamento Remoto e nas imagens de satélite em diversos canais, a veracidade das relações dialéticas entre o Atlântico Sul ( Corrente Fria de Benguela ; ATSM-), os desertos do Kalahari e da Namíbia, no continente africano, e a camada de inversão dos alísios do sudeste, como responsáveis diretos e indiretos pela existência do Trópico Semiárido brasileiro. Por último, pensamos examinar a complexa circulação atmosférica geral e secundária que atua sobre o Nordeste do Brasil. 1. O Trópico Semiárido brasileiro Uma ampla área do território brasileiro, que extrapola 800.000 Km², apresenta uma “anomalia” climática, ou seja, um bolsão de semiaridez , no qual predomina o clima BSh, segundo a universal classificação climática de Wilhelm Koeppen. Trata-se de


um espaço geográfico complexo, em todos os sentidos, como sugere a Geografia Física, de natureza azonal, que expõe uma série de problemas naturais e socioambientais. Nele, não se pode negar, a natureza funciona como um óbice às atividades agrícolas, especialmente nos anos em que o déficit hídrico se impõe mediante as secas que, com certa periodicidade, se instalam, fragilizando economias, atingindo de maneira rigorosa as lavouras e a pecuária extensiva e semiextensiva. O Trópico Semiárido brasileiro possui a singularidade de ser o único espaço geográfico com expressivo déficit hídrico localizado numa faixa latitudinal, especialmente correspondentes aos Sertões do Norte, que em outros continentes são marcadamente úmidas, como é o caso da Amazônia sulamericana ou mesmo da África Equatorial. Essa singularidade atrai a atenção dos pesquisadores há séculos. Levando-se em consideração apenas os fatores estáticos configuração territorial e posição astronômica, essa porção do mundo tropical brasileiro reúne as condições objetivas para que nela se instalassem climas equatoriais (Af e Am, ainda recorrendo à classificação de Koppen) e florestas latifoliadas subperenifólias. No entanto, um bolsão de semiaridez acabou gerando uma área de excepcionalidade no mundo tropical brasileiro, de excessiva umidade. E por que tal excepcionalidade ? Um imposição da própria dinâmica da natureza que antecede em milhões de anos a existência do Homo Sapiens na superfície terrestre? Uma fatalidade natural? O Trópico Semiárido brasileiro é grosseiramente delimitado pela isoieta anual de 800mm e pelo déficit hídrico,também anual, decorrente da relação precipitação – evapotranspiração potencial. Déficit este que contribui para a instalação de redes hidrográficas com predomínio de uma drenagem sazonal intermitente. Formações vegetais xerófilas, poeticamente tão bem descritas no clássico Os Sertões, do imortal Euclides da Cunha,completam, juntamente com solos pouco desenvolvidos, por deficiência do elemento água, o quadro de uma terra adversa, desafiadora, mas que encanta de imediato o pesquisador das terras inclementes. 3- As Razões da Semiaridez no Nordeste brasileiro As causas da semiaridez anômala e das secas no Nordeste brasileiro começaram a ser melhor examinadas, sob a ótica da Meteorologia e da Climatologia, sobretudo a partir da década de 1920, com os trabalhos desenvolvidos por Sampaio Ferraz ( 1925)3 e Serra ( 1945)4. Defrontando-se com dificuldades de obtenção de dados meteorológicos e ausência de mapas precisos de precipitações, esses autores conseguiram estabelecer linhas iniciais de estudos para a compreensão primeira das relações entre fatores e elementos dos climas nordestinos. 3

SAMPAIO FERRAZ, J. Causas prováveis das secas do Nordeste brasileiro. Rio de janeiro: Ministério da Agricultura, Diretoria de Meteorologia, 1925. 4 SERRA, A. Meteorologia do Nordeste brasileiro. Rio de Janeiro: IBGE, 1945.


Deve-se a Gilberto Osório de Andrade e Rachel Caldas Lins 5a elaboração de uma tese de extrema relevância para a compreensão do assunto agora em pauta no Seminário de Tropicologia. Esses dois insignes pesquisadores da FUNDAJ apresentaram uma hipótese que, na época em que foi concebida, causou espanto e admiração na comunidade geográfica brasileira, mas, infelizmente, não obteve a devida divulgação no país. Estamos nos referindo ao artigo “Introdução à Morfoclimatologia do Nordeste do Brasil”, publicado na histórica revista Arquivos do antigo ICT, da Universidade do Recife, embrião da Universidade Federal de Pernambuco. Gilberto e Rachel desvendaram as relações estabelecidas entre as águas superficiais do Atlântico Sul, nas imediações das áreas costeiras da África do Sul e da Namíbia e o bolsão de semiaridez instalado no território brasileiro. A tese central de Gilberto Osório e Rachel Caldas Lins anunciava: O semiárido nordestino seria a projeção do ar seco e estável que se origina sobre a Corrente Fria de Benguela e dos desertos dos dois países africanos referidos. Denominaram a massa de ar que se forma na porção oriental do Anticiclone Semi-fixo do Atlântico Sul de massa de ar Tépida Kalahariana. Hoje, a moderna tecnologia empregada nos estudos meteorológicos e climáticos permite comprovar, mediante a análise de imagens de satélite, especialmente dos satélites GOES e Meteosat, toda essa dinâmica atmosférica sugerida pelos geógrafos da Escola Pernambucana de Geografia. A estrutura vertical dos alísios, que representam os fluxos do Ar Calaariano, encerra grande complexidade. Nessa estrutura é nítida uma camada de inversão que impede que o ar úmido advindo de uma evaporação da massa líquida oceânica ascenda e se converta em nuvens de expressivo desenvolvimento vertical, responsáveis por aguaceiros convectivos que tão bem notabilizam os ares tropicais. O que se nota, entretanto, é um ar estável que se exibe imponentemente nos dias de “céu claro”, sobretudo no interior do Nordeste, no Trópico Semiárido. No Ultimo Máximo Glacial, há aproximadamente 18 a 20 mil anos AP a expansão desse Ar Calaariano se fez com extremo vigor, haja vista que o Atlântico Sul se encontrava mais frio em decorrência da fase de resfriamento global em que mergulhara a superfície terrestre. Uma diáspora de climas secos se consumou na maior parte do território brasileiro e inclusive da Argentina e do Uruguai, conforme se deduz dos testemunhos sedimentológicos e geomorfológicos observados. Na atualidade, o polêmico tema do “aquecimento global” vem ocupando um amplo espaço nas mídias diversas em praticamente todos os países. Para o Brasil, segundo se tem escrito, está “previsto um semiárido mais intenso e bem mais amplo” do que aquele que fica presentemente confinado em menos de 1.000.000 5

ANDRADE, G.O E LINS, R.C. Introdução à Morfoclimatologia do Nordeste do Brasil. In: Arquivos do ICT, Recife, nº 3-4, PP. 17-28, fev- jun 1965.


km². As secas, segundo os defensores dessas hipóteses, serão “mais severas e um caos econômico e social se instalará”. Uma visão catastrofista que poderia causar inveja aos geocientistas dos século XIX que advogavam os cataclismos, as catástrofes geológicas e climáticas como responsáveis pela evolução da superfície terrestre. Contudo, se se pensa que é através do passado que se pode compreender o presente, e vice-versa, é bem provável que com o “aquecimento global”, e na escala exagerada que alguns defendem ( acréscimo de 6 graus Celsius na temperatura média anual!!), o que se verificará no Trópico Semiárido brasileiro será o oposto daquilo que se prevê. Por último, é preciso que se diga que não se pode, de maneira alguma, desprezar as relações também dialéticas entre o Sol ( ciclos de atividade solar) e os climas da Terra, e, por conseguinte, do Nordeste brasileiro. Os anos de 2017 e, sobretudo, o de 2018 parecem ministrar uma aula sobre a notável complexidade das condições climáticas dessa “região dos contrastes naturais e socioeconômicos”, como afirmava o outro geógrafo pernambucano Manuel Correia de Andrade, pois revelam o quanto a baixa atividade solar é capaz de influenciar o regime de chuvas. O Sol é motor dos climas nas escalas Zonal e Regional.


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