ÁRVORES PARA TATUAR UM CATÁLOGO DE TATUAGENS DAS ÁRVORES DA MITOLOGIA PESQUISA E ILUSTRAÇÕES POR
LUDMILA VILARINHOS
INTRODUÇÃO Na experiência de trabalho dentro do estúdio de tatuagem Virgo Estúdio, localizado em Volta Redonda, RJ, percebi que as árvores são temas recorrentes escolhido pelos clientes. Ao longo de um ano de trabalho como tatuadora, foram desenvolvidos ao menos cinco tatuagens com esta temática. E, seja neste ou em qualquer outro tema, os clientes frequentemente buscam construção de sentido e recriação de simbolismos como forma singular de interpretação para cada desenho de tatuagem. No entanto, existe uma lacuna de material com este enfoque destinado a tatuadores, de linguagem clara e acessível, com a delimitação temática e orientações estilísticas. Afim de responder a essa demanda surgiu a necessidade de desenvolver este catálogo. Sempre sob a ótica de que a tatuagem é um fenômeno comumente relacionado à estética e à apreciação da arte, mas também possui uma dinâmica própria. Relaciona-se com os processos de individuação e, muitas vezes, revela mais do indivíduo do que ele próprio A partir da pesquisa sobre o papel da árvore em cada mitologia e da compreensão de que arquétipos são como uma tendência a formar as mesmas representações de um motivo, foi possível perceber a recorrência da árvore como morada dos deuses ou ligação entre o mundo material e espiritual. Também surge como eixo de conexão entre vários planos ou como simbolismo de centro. Representa ainda a evolução cíclica de cada indíviduo e é associada ao feminino. Embora haja essa visão mais abrangente a respeito do arquétipo da árvore, cada espécie têm suas particularidades. Assim, na mitologia
germânica, o Freixo tem papel de destaque, e nas mitologias indígenas brasileiras e pré-colombianas a Ceiba é que é a árvore de culto. Além da função axial, são dotadas de significados que se relacionam com cada cultura e com as características físicas de cada árvore. Por isso, houve a preocupação em catalogar 14 espécies diferentes, com seus significados e origens. Por não acreditar em casualidades, gostaria de acrescentar que venho me encantando com o simbolismo das árvores há algum tempo e o pedido frequente de desenhos com este tema apenas reforça a importância desse arquétipo na psiquê coletiva. Assim, não me dediquei a este trabalho apenas em caráter profissional, mas como uma viagem pessoal e subjetiva, repleta de descobertas a cada espécie pesquisada, que espero poder proporcionar ao consultor deste catálogo. Como futuro estudo, vale ressaltar que, devido a profundidade e abrangência do tema, pode-se fazer uma revisão e re-edição do catálogo, visando complementar o conteúdo do ponto de vista da psicanálise, da antropologia e do estudo das mitologias e religiões. Ludmila Vilarinhos
1. ACÁCIA
ACÁCIA SÍMBOLO DE Iniciação e conhecimento de coisas secretas, princípio feminino, valores religiosos, renascimento e imortalidade.
HISTÓRIA No cristianismo, a arca da aliança é feita de madeira de acácia, assim como a coroa de espinhos de Cristo, simbolizando a unidão do homem com Deus. No ritual maçônico, um galho de acácia é colocado sobre o recipiendário para recordar o que foi plantado no túmulo de Hiram. Em lenda bambara (africana) e práticas védicas, encontra-se a acácia simbolizando o princípio feminino.
Uma das espécies de acácia, a acácia jurema, conhecida popularmente como Jurema, é utilizada nos rituais do Catimbó e ritos afro-brasileiros, como meio de induzir o transe e conectar-se com outros planos, chamados “cidades da Jurema”.
CARACTERÍSTICAS: Sendo a acácia um gênero com mais de 2.000 espécies, podem apresentar-se nas mais diversas formas, como trepadeiras, arbustos ou árvores.
2. AVELEIRA
AVELEIRA SÍMBOLO DE Fertilidade, luxúria, felicidade conjugal, associada à magia, símbolo também de paciência e constância, pois seus frutos requerem espera.
Nos textos insulares, são consideradas árvores de caráter mágico, muito utilizadas pelos druidas. A aveleira é a árvore onde Maria procurou abrigo, na Bíblia.
HISTÓRIA Relevante na mitologia germânica e nórdica, onde Iduna (deusa da fertilidade e da vida) é transportada por Loki na forma de avelã. Em conto islandês, uma duquesa estéril torna-se fértil após consultar os deuses em um bosque de aveleiras. Na Alemanha, uma tradição matrimonial exigia que a multidão gritasse “avelãs” ao casal, e a recém-casada distribuía avelãs para indicar a consumação do casamento.
CARACTERÍSTICAS Arbusto alto ou pequena árvore. Frequentemente desenvolve numerosos ramos desde a base, criando superiormente uma copa arredondada.
3. BAOBÁ
BAOBÁ SÍMBOLO DE Ancestralidade africana, resistência, memória.
HISTÓRIA Árvore de grande porte, sendo capaz de armazenar até 120.000 litros de água, o baobá é capaz de resistir às intempéries e viver por até 6 mil anos. Suas características e sua função nas aldeias africanas fizeram dessa árvore um símbolo nacional do Senegal e Madagascar. Exerce o papel de centro do mundo, sendo o local em que ocorrem os acontecimentos importantes da aldeia. Fora da África, os baobás são símbolos da memória e da luta dos povos
africanos. Em antiga lenda, um morto que seja sepultado dentro de um baobá terá sua alma viva enquanto a árvore sobreviver.
CARACTERÍSTICAS Sua principal característica é o tronco grande e oco que pode chegar a 7 m de diâmetro, fazendo forte contraste com a copa, com poucos e curtos galhos.
4. CARVALHO
CARVALHO SÍMBOLO DE Força, sabedoria, masculinidade.
HISTÓRIA Sagrada em muitas tradições, é símbolo de Zeus na Grécia, Júpiter em Roma, Ramowe na Prússia, Donar para os germânicos, Perkunas para os lituanos e Perun para os eslavos, deuses do céu ou tempestades. Uma das possíveis explicações para o fato da árvore ser associada aos deuses de raios é que, devido as suas características físicas, o carvalho era a árvore com maior incidência de raios da Europa e do Oriente. A clava de Hércules era feita de carvalho. Figura da árvore ou eixo
mundo entre os celtas, gregos e siberianos. Devido ao porte majestoso e rigidez da madeira é, desde a Antiguidade, um símbolo de masculinidade. Na tradição hebraica, Abraão recebe as revelações de Jeová ao pé de um carvalho. O nome dos druidas está etimologicamente relacionado ao nome do carvalho. Para os celtas, o carvalho era emblema de hospitalidade e equivalente a um templo.
CARACTERÍSTICAS Tronco bem robusto e galhos longos, copa cheia de folhagem e arrendondada. Vista de longe, seu tronco é baixo com relação à altura da copa.
5. CEDRO
CEDRO SÍMBOLO DE Grandeza, nobreza, incorruptibilidade.
força
e
perenidade,
HISTÓRIA Os egípcios faziam embarcações, ataúdes e, assim como gregos e romanos, estátuas de cedro. Os hebreus utilizaram o cedro na construção dos vigamentos do templo de Jerusalém, durante o reinado de Salomão. Os romanos consideravam-no uma madeira sagrada. Os celtas embalsamavam as cabeças dos inimigos mais nobres que decapitavam em resina de cedro. Em algumas representações, Cristo aparece ao centro de um cedro. O
teólogo-filósofo do século II, Orígenes comenta: “O cedro jamais apodrece; fazer de cedro as vigas de nossa morada é preservar a alma da corrupção.”
CARACTERÍSTICAS A árvore tem folhagem perene. Tem copa em forma de cone, quando jovem, e copa rasa com andares distintos, quando na forma adulta.
6. CEIBA
CEIBA SÍMBOLO DE Iluminação e sabedoria, relação entre os 3 níveis do cosmos.
HISTÓRIA Compreendendo várias espécies, a Ceiba é um gênero de árvores encontradas em toda América do Sul (compreende as paineiras, mafumeira e samaúma). Árvore sagrada para diferentes culturas pré-colombianas, continua sendo para os iorubás, que em algumas lendas afirmam ser a samaúma (Ceiba Pentandra) a morada de Iroko. De acordo com algumas mitologias latino-americanas, o mundo seria estruturado em 3 planos que se comunicariam
através dessa árvore. No México, muitas praças têm uma ceiba devido à importância dessa árvore para seus ancestrais. No Brasil, a Samaúma exerce o mesmo papel de eixo axial entre os planos, nas mitologias indígenas na Amazônia.
CARACTERÍSTICAS Raízes grandes com muitas partes aparentes sobre o solo, algumas espécies podem crescer até 70 metros de altura ou mais e apresentam espinhos no tronco.
7. CIPRESTE
CIPRESTE SÍMBOLO DE Longevidade, ressurreição, virtudes espirituais, santidade.
HISTÓRIA Árvore funerária em todo mediterrâneo. Para gregos e romanos, o cipreste comunicava com o inferno. Árvore das regiões subterrâneas. Na China antiga, provia longevidade a quem consumisse suas sementes. No Japão, é empregado na fabricação de instrumentos dos sacerdotes, assim como na construção de templos. Também é associado às sociedades secretas chinesas.
CARACTERÍSTICAS Compreende várias espécies de coníferas, podem chegar a aproximadamente 25 metros de altura. Algumas espécies apresentam forma de pirâmide, outros apresentam a forma de colunas altas; às vezes a casca do tronco é lisa, mas em sua maioria forma placas ou tiras; as folhas são pequenas e sobrepostas, parecendo com escamas cobrindo os ramos; a copa pode ser globosa, cônica e irregular.
8. FIGUEIRA
FIGUEIRA SÍMBOLO DE Abundância e fecundidade, ciência religiosa, imortalidade e conhecimento superior.
HISTÓRIA Na Bíblia, a figueira aparece como símbolo da ciência e do conhecimento. Na Ásia Oriental, a figueira aparece como a árvore do mundo no Bhagavad Gita, unindo o Céu à Terra. No budismo, é a árvore onde Buda recebe a iluminação. Em toda Índia, é a árvore de Vishnu e Shiva. Associada à serpente, representa força fecundante. Na crença romana, Romulo e Remo nasceram sob uma figueira. Para o povo kotoko, no Chade, podar uma figueira pode
significar esterilidade. Na África do Norte, o figo é simbolo de fecundidade vinda dos mortos, e a palavra figo já foi sinônimo de testículo. Na mitologia iorubá é a morada de Iroko, estando presente em muitos terreiros para simbolizar esse orixá. No nordeste do Brasil, a gameleira branca é objeto de adoração, onde se depositam oferendas.
CARACTERÍSTICAS Com muitas variações morfológicas entre as espécies, apresentam em geral tronco espesso e irregular, algumas parecem um aglomerado de vários troncos. Algumas espécies apresentam raízes aparentes e cipós.
9. FREIXO
FREIXO SÍMBOLO DE Solidez, fecundidade, imortalidade e relação entre os 3 níveis do cosmos, perenidade.
HISTÓRIA Para os gregos, no mito das raças, o freixo engendrou a raça de bronze. Nas tradições escandinavas, um poema descreve o freixo como “o gigante, deus da fecundidade”. Para os povos germânicos, o freixo é a Yggdrasil, a árvore do mundo. Os deuses germânicos se congregam aos seus pés, assim como os deuses gregos no cimo do Olimpo. Nem chamas, nem gelo, nem trevas abalam a Yggdrasil. Para os povos bálticos, diz-se
freixo o homem abobalhado, pois a árvore é considerada cega ao não seguir pontualmente as estações do ano. Na Cabília, norte da Argélia, o freixo simboliza fecundidade. Na mitologia germânica, Odin realizou um sacrifício voluntário, ficando pendurado na árvore, tendo retornado mais forte e sábio.
CARACTERÍSTICAS Pode atingir cerca de 25 metros de altura. A casca tem sulcos profundos, verticais e é castanha escura acinzentada.
10. JUREMA
JUREMA SÍMBOLO DE Crescimento espiritual, conexão com o sagrado.
HISTÓRIA A jurema tem papel importante nos rituais de povos indígenas do nordeste, como a como a Pajelança, o Ouricuri, os Praiás e os Torés, mas também no sincretismo com religiões afro-brasileiras, como o Catimbó, Candomblé e Umbanda. É usada como forma de chamar os encantados da floresta, ancestrais e espíritos pajés curandeiros para auxiliar na cura, sendo preparada e consumida de formas diferentes. Existem pelo menos 7 tipos de jurema, e nem todas pertencem a um mesmo
gênero botânico. No entanto, a espécie considerada sagrada em Alhandra (cidade paraibana símbolo da conservação da tradição juremeira) é a Mimosa tenuiflora, jurema-preta. Além de nomear a planta, Jurema denomina um complexo fundamentado no culto aos mestres, caboclos e reis. Nos rituais, o objetivo é atingir um lugar sagrado, descrito pelos juremeiros como um ‘Reino Encantado’, os ‘Encantos’ ou as ‘cidades da Jurema’.
CARACTERÍSTICAS Tronco levemente inclinado, casca grosseira, rugosa, com fendas verticais. Ramificação abundante e esparsa, com tronco e galhos de espessura fina.
11. MACIEIRA
MACIEIRA SÍMBOLO DE Conhecimento e liberdade.
HISTÓRIA Nas tradições celtas, a maçã é um fruto de ciência, magia e revelação. A macieira é considerada uma árvore de outro mundo. A ilha de Avalon é chamada também de bosque das macieiras, sendo a morada mítica onde repousam reis e heróis defuntos. Na tradição britânica, é onde o Rei Arthur se refugia antes de libertar gauleses e bretões. Também segundo essa tradição, Merlim ensinava sob uma macieira. Entre os gauleses era uma árvore sagrada.
CARACTERÍSTICAS Chega a medir dez metros de altura. A copa geralmente é arredondada, com flores brancas ou rosadas. O tronco é em tom pardo e liso, regular e ereto.
12. OLIVEIRA
OLIVEIRA SÍMBOLO DE Paz, fecundidade, purificação, força, fartura, vitória e recompensa.
HISTÓRIA Na Grécia, era consagrada a Atena e divinizada em hino homérico a Deméter. Em todos países europeus e orientais tem significações semelhantes. Em Roma, era consagrada a Júpiter e Minerva. Em uma lenda chinesa, a madeira da oliveira neutralizaria alguns venenos. No Japão, simboliza a amabilidade, assim como sucesso nos estudos e empreendimentos. Para judeus e cristãos, simboliza paz, sendo um ramo de oliveira o que uma pomba trouxe a Noé ao fim
do dilúvio. A cruz de Cristo teria sido feita de oliveira e cedro. No Islã, a oliveira é o eixo do mundo, símbolo do Homem Universal, profeta. Associada à luz pois o óleo da oliva alimentava lâmpadas. Para os hebreus, a oliveira é a árvore dos bem aventurados. No Alcorão, é símbolo da benção divina.
CARACTERÍSTICAS As raízes compridas da Oliveira podem chegar a uma profundidade de seis metros, através das quais têm sempre a possibilidade de obter água para o seu desenvolvimento. A árvore (dependendo da variedade) chega aos 20 metros de altura. Tem tronco retorcido e estatura baixa.
13. SALGUEIRO
SALGUEIRO SÍMBOLO DE Sobrevivência, lei divina, imortalidade, vida eterna. HISTÓRIA Pelo título de chorão, evoca sentimentos de tristeza; porém, por sua resistência e capacidade dos galhos cortados de voltarem à vida, é relacionada à sobrevivência. São Bernardo relaciona o salgueiro eternamente verde à Virgem Maria. No extremo Oriente, é símbolo de imortalidade, equivalente à acácia maçônica. No Tibete, o salgueiro é considerado como árvore central, ou Árvore da Vida, tendo sido plantado nos santuários de Lhassa. Na Odisséia de Homero, fala-se
de salgueiros no caminho da casa de Hades e o salgueiro era associado à Corê, deusa ligada ao mundo dos mortos. Também é associado à castidade por ter sido considerada infrutífera.
CARACTERÍSTICAS É um gênero com perto de 400 espécies e inclui plantas de porte muito diverso, desde arbustos e pequenas plantas rastejantes, até árvores de porte considerável. Sua espécie mais marcante é o salgueiro-chorão, árvore de ramos longos e pendentes.
14. VIDEIRA
VIDEIRA SÍMBOLO DE Povo ou reino de Deus, conhecimento superior, Jesus Cristo.
HISTÓRIA Para todas as religiões da antiga Israel, a videira é uma árvore sagrada, representando muitas vezes uma síntese da crença cristã, podendo significar o enviado de Deus, o Reino de Deus ou a própria religião. O vinho também representa o sangue de Cristo e é por vezes relacionado ao conhecimento. Na Bíblia, encontram-se passagens em que a videira se torna uma Árvore da Vida. Para os gregos, o vinho era consagrado a Dionísio,
cujo culto era associado à vida após a morte. Por isso, a videira também pode ser um símbolo funerário. Na mitologia egípcia, Ísis engravidou por ter comido uvas. Na Mesopotâmia, havia a deusa “videira celeste” Geschtinana, relacionada também ao reino dos mortos.
CARACTERÍSTICAS A videira é uma trepadeira da família das vitáceas de caule espesso e resistente, verde quando jovem, tornando-se escuro posteriormente. Possui folhas grandes e repartidas em cinco lóbulos pontiagudos.
V OLTA R EDONDA, J UNHO DE 2016