B-RAP O ringue nas calçadas
Nos golpes de freestyle, os MCS transformam a região do Santa Cruz em batalha As minas na cena
Elas se garantem e mostram que lugar de mulher é com o MIC na mão
KAMAU
Rapper fala sobre sua carreira, influências, planos e (claro) muita música
Marcello Gugu leva o hip hop para dentro da Fundação Casa
EDIÇÃO 01| ANO 01| N 01
b-rap
EDITORIAL
O
Expediente A Revista “B-Rap” é um projeto dos alunos do 4º semestre de Jornalismo da Faculdade Paulus de Tecnolofia e Comunicação. Orientadores:
Lilian Crepaldi Maurício Gasparotto
Equipe de produção: Andrezza Pugliesi Gabriela Lemos Hadassah Zucoloto Ludmilla Florêncio Marcella Lube Márcia Cristina matos
novembro de 2014
Hip Hop é resultado de uma equação muito maior que parece. Por trás das músicas, passos de dança, manobras e desenhos, existe uma profunda consciência política e social explícita, seja na escolha de palavras ou até mesmo nos traços. O objetivo desse movimento, além de entreter, é retratar a realidade das ruas. Por isso, a B-RAP veio para dar voz à cultura que dá voz ao povo. Seu intuito é tentar passar um pouco da emoção que essa culura traz aos seus. Mostrar que, por trás de um gênero conhecido por suas músicas pesadas, existe muita fé e amor. Que este movimento cultural pode revolucionar – desde uma vida a um País – com suas batidas, cores e valores. A cultura, que há muito foi “marginalizada”, hoje está em todos os cantos e se reinventa dia após dia – mas sem perder sua essência. Para exemplificar isso, ninguém melhor que o rapper Kamau. “Das antigas”, ele viveu diversas fases do gênero, desde as épocas mais difíceis até a atual ascensão. Como prova de que os tempos são outros, as “minas” estão aí
ganhando seu espaço em um ritmo cheio de machismo. A revista passa por todas as vertentes do movimento: break, grafite, skate e rap. O conjunto forma um todo que constrói não apenas um estilo ou forma de vestir, mas sim de ver e pensar. Hip hop é atitude, alegria, luta, igualdade, esperança e amor. Uma crença, um povo, um ideal e, para alguns, um modo de vida. Hip hop é uma lenda que permanecerá viva enquanto for perpetuada pelos seus. É história e merece, não só respeito, mas reverência.
B-RAP
´ indice 5 Chegando aí/ Pode colar 6 O som das ruas 8 Mais vivo do que nunca 10 Meninas no rap 12 O beat do sentimento 13 Na batida da fé 14 Da favela para a Zona Sul
B-RAP
16 O colorido das ruas cinzas 19 Do Grajaú para o mundo 21 O guerreiro silencioso 25 Street Dance 26 Moda hip hop ganha as ruas 28 Aliados na pista 30 Batalha do Santa Cruz 33 Entre palcos e grades 34 O poder do hip hop 36 Cinema na perifa 37 O outro lado de Criolo 38 Um novo ser a partir das descobertas
B-RAP
#Seliga
Chegando aí
Racionais de volta
Gabriela Lemos
Os Racionais MCs lançaram no último dia 25, após 12 anos, o oitavo disco de estúdio. “Cores & Valores”, foi gravado no Maraca Estúdio, no Capão Redondo, e mixado no Quad Recording Studios, em Nova York, nos Estados Unidos. O álbum está disponível no Google Play por R$ 9,90.
O Som das paredes
Rael disponibilizou seu disco “Diversoficando” de uma maneira diferente, fora do convencional. Foram instaladas caixas em parede das ruas Major Maragliano, Vila Mariana; Avenida Cruzeiro do Sul, Santana e na Rua da Consolação. Basta apenas plugar os fones e curtir o som. O disco também está em divulgação no canal do youtube do músico que mistura reggae ao rap.
O Rei do Romantismo
Projota lançou seu primeiro disco após 2 EPs e 3 mixtapes. "Foco, Força e Fé" conta com participações de Marcelo D2, Negra Li, Dado Villa-Lobos. Em entrevista ao UOL, Projota diz que pretende com esse trabalho ganhar o mainstream, “Mas agora meu pensamento é: quero ser o maior que já existiu, tocar no mesmo lugar que a Ivete Sangalo, ser tão grande quanto, ser mainstream”.
Pode colar Marcelo D2 - 06 de dezembro Estância Alto da Serra São Bernardo do Campo - SP Racionais MC’s - 20 de dezembro Espaço das Américas São Paulo - SP
novembro de 2014
Marcella Lube
Criolo - 13 de dezembro Studio Verona São Paulo - SP
FIQUE ATENTO | 5
Meu nome é RAP
o som das ruas
A trilha sonora da periferia mostra que veio para ficar Ludmilla Florencio
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ap é compromisso e não viagem”, diria Sabotage em uma de suas músicas mais famosas e influentes no meio. Mas, aos leigos, o que seria o RAP? Qual é sua representatividade? E por que resiste há tanto tempo? As respostas podem ser inúmeras, porém, a classificação não varia tanto: é a voz de quem não tem voz. O termo é uma vertente que faz parte da cultura do hip hop, e significa “ritmo e poesia”, ou rhythm and poetry, em inglês. O nascimento do gênero ocorreu na década de 1960, com os jamaicanos. Dez anos depois, os mesmos foram responsáveis por disseminar a cultura, levando para os Estados Unidos, principalmente, nos subúrbios de Nova Iorque. A partir daí, todas as fronteiras foram quebradas, e o RAP conquistou o mundo pouco a pouco.
No Brasil, seu nascimento veio na década de 1980, mais precisamente na região periférica de São Paulo. As primeiras apresentações do estilo se deram no Teatro Mambembe, com o Dj Theo Weneck. A estação São Bento foi um local da cidade onde o movimento se expandiu. As pessoas se envolviam, faziam amizades e compartilhavam ideias. O primeiro disco de rap no Brasil, foi “Hip Hop-Cultura de Rua”, lançado em outubro de 1989, pela Eldorado. Entre os grandes nomes desse vinil, estavam Thayde, Calafrio e Código 13. A partir daí o hip hop ganhou mais força e se consolidou no meio musical. Thayde foi o primeiro a ganhar notoriedade. Logo após o lançamento do vinil em conjunto, teve a oportunidade de produzir e lançar o seu trabalho solo, com DJ Hum.
6 |HISTÓRICO
O rap, e todas as outras peças do quebra-cabeça chamado hip-hop, se juntaram e conquistaram seu espaço no Brasil. Racionais MC’s, Xis, RZO, Facção Central, Sabotage, Detentos do Rap, Pavilhão 9, Dina Di e outros personagens surgiram. Para quem está no meio, há duas vertentes de rap: antes e depois dos Racionais Mc’s. O conjunto do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, foi fundamental para o conhecimento no resto do Brasil – mesmo ‘evitando’ qualquer meio midiático para sua propagação, sua mensagem era direcionada e atingida ao público-alvo. “Não tem como falar de coisa séria em um programa de auditório, como do Faustão, por exemplo. Enquanto estivermos lá, o cara vai ficar tirando um “barato” da nossa cara, e aquelas minas rebolando. Não tem nada a ver, não dá, né truta?”, disse KL Jay, em entrevista ao programa YO da MTV, em 1999. O DJ do Racionais afirmou também: “A TV ajuda sim, mas quando tem um propósito positivo para isso. Quando aparecemos na TV Cultura e na MTV nossa popularidade aumentou”.
B-RAP
O propósito O rap sempre nasceu como algo distinto daquilo que era escutado. Mesmo sendo uma forma de “agitar” os bailes periféricos, suas letras falavam, e falam, além da festa. As batidas pesadas vêm com letras sobre a realidade daqueles jovens, ou seja, daquilo que todos vivenciam, escutam ou enxergam. Quem fala sobre polícia? Racismo? Violência? Fome? Abandono? Divisão de classes? Dificilmente outra cultura se fundamentou tanto em ser a voz daqueles que nunca tiveram voz. E, por isso, sempre foram marginalizados e excluídos, pelo ato de protesto. Mesmo com as evoluções existentes neste tempo, mesmo com uma nova roupagem, uma produção musical digna de grandes artistas, o rap ainda é caracterizado pelo seu cunho social. É claro que é permitido a criação de músicas românticas, música de festas e outros segmentos existentes na vida humana, mas o som é marcado pela crítica e construção de esperança aos sonhos das periferias. “Às vezes acho que todo preto como eu, só quer um terreno no mato só seu. Sem luxo, descalço, nadar no riacho. Sem fome, pegando as frutas no cacho. É truta, é o que eu acho, mas tem um porém. Em São Paulo, Deus é uma nota de cem. Vida Loca.” (Racionais MC’S: VIDA LOCA - Parte 2)
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? m i m a r p ue o rap é
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Barbara, 25, analista de Comunicação. “Descobri o rap nas praças do meu bairro. A galera de lá fazia umas reuniões onde rolava música, dança, grafite. Eu tenho um tio que sempre participou ativamente dessas manifestações culturais e que sempre me inseriu, desde nova, no cenário. Em casa, ele sempre me mostrava músicas: the pharcyde, wu tan, the roots e por aí vai. Eu era bem pequena. Quando comecei a procurar músicas por conta própria, essa influência já estava tão enraizada que descobri vários outros nomes, gringos e nacionais. O engraçado é que de um som que você ouve você já descobre mais vários seja pelo sample usado ou pelo beat remixado, enfim... Tenho pra mim que o rap é a grande voz da periferia, e sendo moradora de lá, sei que ele é o grande agente de transformação dos jovens de quebrada.”
Lucas Sousa, 17, autônomo. “Não só o Rap, mas a cultura Hip Hop em si é vital pra mim. Existe uma letra minha em que digo: “E o Hip Hop é e foi o terço, me guiou, enquanto pai não foi 1/3, me abandonou.” Só essas linhas já começam a deixar sua mente fértil e imaginar o que Hip Hop/Rap foi pra mim... A cultura foi responsável também pela minha construção étnica racial, pelo processo de reconhecimento histórico enquanto negro e pobre, que é uma das fitas que eu mais prezo e mais agradeço. Graças a isso eu hoje sei que meu ser é sujeito a virar estatísticas e que o sistema sabota não só a mim, mas a classe oprimida a qual eu pertenço. O Hip Hop foi um Griot negro em meio a um universo branco, sem ele eu sinceramente acredito que tomaria rumos bem diferentes.”
7 | HISTÓRICO
#Tádevolta
Mais vivo do que nunca Após dois anos afastado do RAP, Lenda ZN busca um lugar ao sol
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llan Tarcysio dos Santos Correia tem 25 anos e um sonho: viver de RAP. Quando começou a cantar, dez anos atrás, muitos acreditavam ser impossível, inclusive ele. “Ganhar dinheiro com show era algo inédito”, comenta o rapper, que não conseguia nem mesmo montar uma apresentação, pois não tinha dinheiro para gravar suas músicas. Era famoso nas rodas pelo freestyle, o qual conheceu nas ruas e foi sua porta de entrada para o estilo musical, mas para ele não era suficiente. Com o tempo, veio a frustração. Allan, o Lenda ZN, tomou a decisão que considera como “a pior da vida”: desistiu. Vinte e quatro meses foram suficientes para perceber que não conseguiria fazer outra coisa além de cantar. Passou pelo jornalismo, design gráfico, foi tatuador e até atuou em outras vertentes do hip hop, como skate, grafite e break, mas a paixão pelo rap fala mais alto. “Fiquei perdido por dois anos, sem saber o que fazer, mas o rap é minha vida, meu caminho, e é para ele que eu vou”, afirma com um sorriso no rosto, fruto da satisfação de ter, enfim, seu
Hadassah Zucoloto trabalho de anos materializado em um cd. “Sente a potência, essa é para bater na nuca, Mc Lenda nos estéreos ‘tá’ mais vivo do que nunca” canta na música que dá nome ao EP “Mais vivo do que nunca”, o primeiro da carreira. Produzido de graça pelo DJ Caíque, conceituado por trabalhar com diversos nomes do meio, o disco é uma mistura de rap, samba e todas as vivências do cantor na música. “Serviu para me firmar e mostrar quem eu sou” explica, pois quando voltou “ninguém lembrava dele.”
“Fiquei perdido, sem saber o que fazer. Mas o rap é minha vida, meu caminho e é pra ele que eu vou” Fotos: Gustavo Moraes
O sorriso de Lenda transmite sua alegria de voltar a fazer rap
8 | PERFIL
B-RAP
“Nada explica a emoção de, na batida, transformar em voz meu coração” Lenda, assim como Projota, Emicida e outros que arrebentam nas paradas, é cria da batalha do Santa Cruz. Foi um dos primeiros mcs a participar e conviveu com estes que, atualmente, são grandes destaques do rap brasileiro. “Antes ninguém levava a sério, e aí, quando eu parei, tudo mudou”, conta, arrependido de ter abandonado o barco no
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momento errado. “É legal ver todo esse sucesso, eles sempre batalharam muito. Emicida revolucionou com a Laboratório Fantasma e, hoje em dia, o rap também é um mercado”, continua. Para recuperar o tempo perdido, Allan estuda e respira música, na esperança de poder manter-se daquilo que lhe motiva. Há muito que o rap deixou de ser melodia e tornou-se
sentimento. “Nada explica a emoção de, na batida, transformar em voz meu coração”, exclama na faixa “O Rap é minha vida”. Sempre alegre, acredita que essa vida sorrirá para ele da mesma forma que ele faz o tempo todo. Um dos motivos que o levou a ganhar seu nome artístico foi por ser o único na quebrada a seguir por um caminho certo. Uma lenda. E ele espera pelo dia em que deixará de ter este título apenas na Zona Norte para se tornar lenda no movimento ao qual ele se dedica de corpo e alma.
PERFIL| 9
#Vaipeitar?
MENINAS NO RAP
As mulheres ocupam, cada vez mais, um cenário no qual não tinham voz e nem representatividade Ludmilla Florencio Márcia Cristina Foto: Divulgação
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Bárbara Sweet em uma batalha de freestyle
rap sempre colecionou polêmicas por incitar machismo em suas letras. Sempre foi possível perceber o papel da mulher apenas como símbolo representativo, ou seja, o “troféu” dos machões. Mas as mulheres desse movimento lutam por igualdade, e se impõem contra qualquer forma de preconceito. Em seus versos, desabafam sobre as repressões, os medos e anseios. No cenário americano, cantoras como Lil’ Kim, Queen Latifah e Missy Eliot, deram o primeiro passo no hip hop. Nacionalmente, o rap teve como percursora Negra Li e Dina Di, que faleceu em 20 de março de 2010, por conta de uma infecção hospitalar contraída no nascimento de sua filha. Viviane Lopes Matias, a Dina Di, foi uma grande
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figura feminina dentro do rap. Sua carreira começou em 1989, quando lançou alguns singles, no período em que o estilo se instaurava no Brasil. Como vocalista do grupo “Visão de Rua”- junto com Tum e DJ O.G - a cantora ganhou prestígio e alguns prémios de “melhor artista feminina da década”. Sua marginalidade a tornou figura expoente do rap periférico. Dina Di não possuía documentos, e se sujeitava a situações complicadas para poder visitar seu companheiro na prisão. Em uma entrevista a jornalista Eliane Brum, para a revista Época, em 2002, a cantora relatou suas experiências: “Eu nunca paguei pau pra homem. Do nosso mundo só ‘nóis’ conhece. Cada mulher sabe o medo que ela tem. O homem pode ver, mas não pode sentir. Por isso, eu tenho o maior res-
peito pelos Racionais, mas, vai me desculpar! Chamar uma mulher de vadia é muito difícil de aceitar.” Com o passar do tempo, outros grandes nomes no cenário do rap feminino brasileiro surgiram. Algumas da “old school” se mantiveram. Outras, inspiradas pelas antecessoras, tomaram conta da cena para dar mais voz a quem sempre foi tão reprimida dentro da sociedade. Negra Li, Flora Matos, Bárbara Sweet, Karol Conká, Pearls Negras, Sara Donato, Tássia Reis e outras conquistaram mais espaço. O feminismo aliado ao rap é um método de se emponderar e lutar pelos direitos iguais. Em suas rimas é possível escutar sobre a sexualidade reprimida, a homossexualidade, a violência doméstica, a violência estética e todo cenário em que estão inseridas.
B-RAP
Essas “guerreiras” estão inseridas nas batalhas de MCS, no break, no grafite e nas picapes, para compor as batidas bases de suas músicas. Bárbara Bretas Coelho, a Sweet, 28, e está há 12 no movimento. Mesmo com tantos anos de caminhada, a mineira teve reconhecimento recente dentro do rap e do feminismo. Numa noite de sábado, na Batalha do Santa Cruz, em SP, Bárbara esteve presente e calou seu adversário “Pasquim”, que desenvolveu rimas machistas e opressoras. “O homem sofre mais violência doméstica, isso é estatística. Tá ligado truta, esse é o meu ponto de vista. Eu não sou machista e foda-se as feministas.” Foi assim que Pasquim chegou ao “ringue” para atacar a rapper mineira. Além de ter proferido seus versos, sem nenhum conhecimento histórico, levou uma resposta que jamais será esquecida. “Qual é essa estatística? Só pode ser baseada num machista. É a mulher que sofre violência doméstica, é mulher que sofre violência estética, é a mulher que sofre a violência do dia a dia. Você é branco e hetero, num sabe qual é das minorias”, rebateu Sweet num tom de autoridade, a plateia foi à loucura. Ser mulher, feminista e rapper não é fácil individualmente, imagina juntando os três seg-
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mentos? Segundo Sweet, “o feminismo, dentro do hip hop, é uma batalha de desconstruir homens e mulheres, que não tem informação sobre o tema. Trazer um pouco de empatia à causa das mulheres. E, também, apresentar diariamente outro ponto de vista para atitudes tão arraigadas dentro de nossa cultura”, afirma. Sara Donato acrescenta: “Já sofri boicote, e passei por diversas situações que fui tratada diferente por ser mulher e isso mostra que a sociedade é tão machista que conseguiu uma brecha pra entrar até dentro de movimentos que lutam por igualdade.” Apesar de todos os preconceitos, Sara ainda acredita que o rap pode e vai progredir na questão dessa luta diária: “Espero e vejo progresso. Vejo mulheres emponderadas na luta pra escrever sua historia pra mudanças de hábitos que esse sistema patriarcal nos fez engolir guela abaixo durante anos. Eu espero e busco a vitória das minhas irmãs que ainda estão acorrentadas pela violência domestica, pelo fato de se sentir culpada e por esse machismo que nos atrasa, nos fere e nos mata.” O cenário internacional Entre as que mais fazem sucesso mundialmente, Nicky Minaj e M.I.A estão no topo. Nicky mostra que veio para ficar, e não esconde nada em suas letras provocantes.
Recentemente, a americana Iggy Azalea se envolveu em uma discussão com Snoop Dogg, conhecido por letras machistas e envolvimento com polêmicas. Snoop postou um “meme” de Iggy, que rebateu o cantor. Após as brigas, o mesmo gravou um vídeo dizendo “Você está mexendo com o cara errado, é melhor que seu homem te corrija antes que eu o faça.” Iggy disse: “É como aqueles caras que pedem seu telefone e depois te chamam de feia e vadia quando você diz ‘não’”, respondeu a cantora em um tuíte. “Vou ser o adulto aqui, e deixar as coisas acontecerem”. Na África e América Latina, outras mulheres utilizam a voz como luta. No Egito, Mayam Mahmud, 19, moradora de Imbaba, região periférica de Cairo, faz de seus versos o retrato de uma sociedade masculina. Mesmo com véu em sua cabeça, e de forma desafiadora, a rapper recebeu, em 2014, o prêmio anual da organização Index on Censorship, por valorizar a liberdade de expressão. A chilena Anita Tijoux faz mais do que feminismo e rapper: usa também influências da América Latina, como as flautas uruguaias. Uma das suas principais críticas é o uso do corpo da mulher como “objetificação sexual”, encontrado muitas vezes em clipes de rap.
AS MINA| 11
#Éoamor
O beat do sentimento
O romantismo ganha espaço em um ritmo em que o protesto reina
O
lançamento do novo cd do Racionais Mc’s veio para consagrar o que já se notava há muito: o rap, famoso por suas conotações críticas e sociais, se rendeu ao amor. O grupo, considerado o mais importante do País, trouxe com a canção “Eu te proponho” uma pegada mais apaixonada, com versos como “Acordar ao som das catedrais e o cheiro de café/ Jamais olhar pra outra mulher” e “Dou a minha mão e confia em mim/ Eu quero te mostrar um mundo novo”. Se por um lado eles revelaram um lado, até então inédito, em suas compo-
sições, o cenário do “rap de mina” já tem nomes consagrados: Projota, por exemplo, tem suas músicas nas principais paradas de sucesso. O rapper, que também lançou um disco recentemente, declarou ao portal R7 que se considera o “Fábio Jr. do rap” e complementou: “Ser assim é legal porque atrai público feminino ao show, coisa rara no rap. E as meninas cantam as músicas de olhos fechados, curtindo a melodia”. Além dele, outros nomes como Rashid, Slim e o grupo Oriente, cativam o público com canções características do “pop rap” – mais melodia e letras menos agressivas. O rapper Slim conseguiu com sua música “Ela é zika” quase três milhões de visualizações no youtube, isso só no clipe oficial. Para ele, o tema amor era pouco abordado no rap por ser uma geração diferente, mas as coisas mudaram de uns tempos pra cá, e cita uma frase de Mano Brown que diz “todo mundo ama”. Slim acredita que o “rap de mina” veio para ficar, pois, além de protestar, o ritmo deve pregar o amor. “Queremos falar sobre sentimentos, relações e trabalhar a valorização
12 |COMPORTAMENTO
Hadassah Zucoloto da mulher, que hoje em dia é muito esculachada em outras letras por aí”, conclui. Para Vitória da Silva, 19, o romantismo no rap faz com que a figura feminina ganhe mais importância em um gênero que, por muitas vezes, foi considerado machista. Ela cita músicas como “A fila anda” do cantor Rashid e “Taca ele fora” do Projota, que abordam a vulnerabilidade dos homens diante da perda de suas damas. Porém, para ela, o que conquista mesmo é o sentimento nas letras. “As músicas descrevem, na batida, o que eu sinto e muitas vezes não sei expressar em palavras”, confessa. Seja qual for o motivo, o rap romântico ganha espaço e se firma no mercado musical – o que prova que ele volta para o lugar de onde saiu: o coração.
B-RAP
#Rapéreligião
NA BATIDA DA FÉ
Conhecido por suas letras pesadas, o rap hoje prega o amor de Deus
Foto: Divulgação DJ Alpiste O estilo mostra aos jovens que a crença pode tirá-los da vida de crime, drogas e erros, assim como o rap tradicional. “Eu me considero um resgatado pelo rap. O rap sempre me ajudou”, diz Kaio Araújo, 21, conhecido como MC Kaviero. Um dos maiores nomes do estilo é o DJ Alpiste, que há 20 anos une o rap à religião. Ele começou tocando na noite de
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São Paulo, e hoje arrasta não tem vez sai “zika” que multidões – tanto nas igre- eu sou filho do rei dos reis” jas quanto nos shows. Em dizem, na música “Tche uma de suas letras, justa- Gue Die” mente chamada ‘Gospel Rap’, ele diz “ o hip-hop gospel ta fazendo historia, mas só se lembra quem tem boa memória, uma rapaziada começou a se juntar e umas ideias começaram a rolar, todo mundo que chegavam tinham algo em comum: o hip-hop era o som nº 1 alem do fato de todo mundo ser cristão”. Entre os grupos, o “Ao Pregador Luo, do APC XVI Cubo” é um dos de maior Dos 11 jovens entrevissucesso. Formado por três tados para essa matéria, nove tem a banda apocalipse XVI como principal influência. Não é à toa: as letras não focam apenas em temas cristãos, mas pautam também a violência, morte e as injustiças que a periferia sofre. “É muita treta, viver num lugar onde ninguém te respeita onde a policia rola e deita em cima dos humilhomens e uma mulher, des. Ela espanca uma pá de tem ampliado seus hori- cidadãos de bem ela pega o zontes fazendo shows e até menor e joga ele na febém. indo a programas que não Vish, é muita treta querer a são religiosos, já que as le- paz”, afirmam em uma de tras deles também falam suas músicas. Hoje, notade temas mais simples e le- -se que o rap ultrapassou ves: “Quem é que vai falar os limites e alcançou o céu. ou vai contra-dizer, que eu sou feliz e pá na na na na na (...) Estresse com “nóis”
Foto: Divulgação
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etras que falam de fé, recomeço e mudança. Essas são as mensagens de um segmento diferente do gênero: o gospel. Ele surgiu nos anos 1990, saiu das periferias e hoje atinge a festas e shows de todas as classes. Nomes como DJ Alpiste, Ao Cubo e o grupo Apocalipse XVI, liderado pelo Pregador Luo, são referências.
Márcia Cristina
“O hip-hop gospel ta fazendo historia, mas só se lembra quem tem boa memória”.
COMPORTAMENTO| 13
#Invasão
Da favela para a Zona Sul O rap transcende os morros e chega ao lado luxuoso da cidade
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os últimos anos, grupos de rap, como Cone Crew Diretoria, Oriente e Haikaiss, surgiram na cena e atraíram um novo público. As letras dos anos 2010 tornaram-se mais melódicas que as dos anos 90. Já não se fazia tão diretamente um discurso de ódio à polícia e aos órgãos do governo: a luta social continuou, mas com críticas duras a sociedade como um todo. A classe média alta brasileira passou a escutar e gostar de um ritmo que, nos anos 90, era taxado como “marginalizado”, “revoltado” e “periférico”. Emicida é um dos poucos que mantém na crítica direta ao sistema e ressalta em suas letras as dificuldades que passou para chegar até o sucesso, e o medo de se tornar alguém que ele não acredita ser. Justamente por conta da expansão do movimento. “Que
Andrezza Pugliesi Gabriela Lemos fita! Meus poemas me trouxe onde eles não habita (sic)”, reflete em sua música “Hoje Cedo”. As casas noturnas localizadas em bairros nobres paulistas passaram a se interessar por shows de rap. A maior representação disso veio com os Racionais MC’s, que se apresentaram no ano de 2012 na Royal, Vila Olímpia. Um dos redutos de jovens “playboys” paulistas. Em entrevista à Rolling Stone, o grupo falou sobre o episódio: “Vamos aos fatos. O que leva um homem a estar na rua domingo à noite? Você devia estar descansando, cara. Só há um motivo que me traz para a rua e um deles é esse aqui, ó”, declarou Brown, antes de KL Jay soltar o ruído de uma caixa registradora. Brown foi sucinto: “Ele [Marcus Buaiz, dono da boate] não pagou pau pra mim e eu não paguei pau pra ele. Estávamos ali para fazer negócio”. Fotos: D’arte Fotografia
Da Zona Leste para a Zona Sul, Corre MC’s, grupo da Bela Vista, invade o mercado
14 |REFLEXÕES
B-RAP
Novidade no mercado Zona Sul de São Paulo, bairro de classe média-alta, três garotos se reúnem para fazer som. Eles integram o Corre MC’s, formado por Gabriel Cabral, 18, conhecido como “monge”, Matheus Bonetti, 19, e Gianluca Bei, 18, conhecido também como “Soulb”. O choque de realidades causa certas “brigas” entre classes sociais através da música. “O pessoal da periferia não gosta do pessoal que está vindo na classe média, discriminação tem em todos os lugares. Sempre há desavenças, mas o rap é união”, explica Cabral. Os três amigos optaram em formar esse grupo por considerarem que o rap tem a obrigação de transmitir algo. “Eu tento colocar na minha letra o que eu vejo no mundo. Você vê várias coisas erradas, você vê vários caras na rua sem ter o comer, e através da minha letra tento conscientizar, na esperança de alguém escutar e melhorar”, diz Cabral.
Por ser um grupo novo, os garotos estão em fase de amadurecimento das ideais, em busca de contatos para entrar no mercado e claro, atrás do reconhecimento do público. O Corre MC’s é uma banda independente, eles divulgam todo o trabalho através da internet. “Além da internet nossos parceiros nos ajudam a espalhar as músicas, e assim aos poucos vamos ganhando visibilidade”, declara Bei. Hoje em dia é mais fácil fazer música, porém essa tecnologia tem um lado negativo. “A ideologia está se perdendo um pouco, pois hoje é fácil fazer musica. Como o rap está em todas as classes sociais uma pessoa que não tem tanta visão pega o beatbox e joga na internet. Muitos fazem a música, mas são poucos que dão as caras e se apresentam em público”, reforça Bonetti, que acredita que isso desvaloriza o movimento.
A classe média alta passou a escutar o ritmo que era taxado como “marginalizado”.
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15 |REFLEXÕES
Street Art
o colorido das ruas cinzas
Grafite é a tradução da realidade do mundo por meio de desenhos e sprays Ludmilla Florencio Fotos: Gustavo Moraes
Grafite no “Beco do Batman”, no bairro da Vila Madalena, em São Paulo
U
m dos segmentos que compõe a cultura do hip-hop é o grafite. Definido de maneira popular como inscrições feitas em paredes possui relatos de sua criação no Império Romano. Porém, na contemporaneidade, o movimento nasce na década de 1970, nas cidades americanas, como Nova Iorque. O intuito do grafite é transmitir a partir dos traços - bem definidos, abstratos e complexos- as vivências do artista, ou os reflexos da sociedade em que está inserido. “Nos meus trabalhos, o que me
inspira são as formas dos seres, como os animais. Também cenas do cotidiano, contestação política e ideológica”, afirma Bonga, 39, arte educador e grafiteiro. O hip-hop tende a ser um movimento globalizado e, com isso, sofre influências de todos os locais do mundo. Este fato é comprovado por Luciano Resende, 39, conhecido no meio como Graphis. O ilustrador e DJ, nascido e morador da cidade de São Paulo, alega que suas inspirações partem de diversos “gênios” europeus. “Gosto de muitos artistas
16 |ARTE DE RUA
da França e Espanha, mas o que mais me influenciou foi o desenhista e ilustrador Jim Murray”, afirma. A falta de cor As cidades cinza sempre se destacam com uma intervenção artística, responsáveis por contrastar as cores dos concretos com o colorido dos sprays. A imagem passada pelo grafite é uma linguagem acessível e, muitas vezes, não necessita de uma bagagem cultural imensa para sua compreensão.
B-RAP
Em 2012, um longa-documentário, dirigido por Marcelo Mesquita e Guilherme Valiengo, veio às telas depois de seis anos de produção. Com a participação e apoio dos OsGêmeos, Nina, Nunca, Finok, Ise e Zefix – grandes nomes do segmento – além da trilha sonora composta por Criolo e Daniel Ganjaman, o Cidade Cinza retrata as dificuldades em manter os desenhos em um local visto como “selva de pedra”. A produção audiovisual mostra o paradoxo criado pelas políticas públicas de São Paulo em delimitar o que pode ser considerado arte, e aquilo que deve ser descartado. No governo do ex-prefeito, Gilberto Kassab, houve um forte movimento de empresas terceirizadas, contratadas pela prefeitura, responsáveis por apagar os desenhos feitos pelos grafiteiros da cidade. Quando o governo censura esse tipo de manifestação artística, os grafiteiros têm as seguintes reações: Revoltam-se por ter seus trabalhos apagados, e são influenciados para criar cada vez mais novos desenhos, de forma mais crítica. Túnel Paulista Mesmo com toda crítica sofrida nestes anos, ainda há a falta de respeito com as obras criadas. Em novembro de 2014, no túnel José Roberto Melhem,
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houve uma intervenção para repintar o muro apagado pelos estudantes de Medicina da USP, na madrugada do dia 29 de setembro, para promoção de uma festa universitária. A ação dos futuros médicos e organizadores gerou uma revolta entre os grafiteiros. Em uma rede social, Bonga Mc demonstrou sua indignação a respeito das atitudes dos responsáveis por apagar as criações antigas e transformá-lo em um enorme painel publicitário. “Alguém pode me explicar, como jovens estudantes e com boa formação familiar e intelectual, pode ter uma atitude tão estupida em nome de seus prazeres?”, escreveu em seu Facebook. O antigo painel foi criado em uma intervenção apoiada pela Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Cidadania, em uma ação formatada como Festival de Direitos Humanos – Cidadania nas Ruas de São Paulo, no ano de 2013. Em três dias de ação, cerca de 20 artistas, como Bonga e Graphics, foram responsáveis pela criação de um painel que deveria ficar inalterado, por pelo menos um ano. Porém, sem nenhuma autorização dos responsáveis, da Prefeitura e Comissão de Proteção a Paisagem Urbana (CPPU), o muro do túnel José Roberto Melhem teve seus desenhos apagados, para receber em troca uma
“propaganda” dos alunos de medicina da USP. O grupo responsável pela violação pronunciou-se em nota por uma rede social. No texto, os autores explicaram o mal-entendido e se propuseram a ajudar em ajudar na reconstrução do painel apagado. “[...] Diferentemente do que foi veiculado, não se tratava da divulgação de uma festa mas sim de uma apresentação de teatro, feita com intuito cômico e sem fins lucrativos, que produzem, roteirizam e interpretam. Reforçando nosso pedido de desculpas, gostaríamos de esclarecer que estamos em contato com a Coordenadoria da Juventude desde os primeiros momentos da repercussão do caso, para que possamos nos retratar. Oferecemos nossos esforços para que se organize um evento de recuperação do painel, custeado por nossa instituição, reunindo os artistas lesados e os participantes do Show Medicina (se assim for do agrado dos artistas) para que se possa recuperar o painel original e amenizar o prejuízo ao patrimônio urbanístico da cidade. Estamos, até a presente data, alinhando os detalhes para a realização dessa ação junto à Coordenadoria da Juventude”, afirmaram.
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Street Art
Sem nenhuma prévia em sua agenda, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, compareceu no dia 2 de novembro para acompanhar a repintura. Desta vez, conforme o prometido, a ação foi custeada pelos alunos da USP, que também se comprometeram a não utilizar o painel para publicidades durante cinco anos. Os grafiteiros refizeram
o painel em dois dias, com ajuda dos futuros médicos. Surpreendentemente, Haddad também quis participar da ação e, de forma totalmente despojada, de camisa polo e bermuda xadrez, desenhou o personagem da Walt Disney, o Pato Donald, com um spray vermelho. Para Graphis, grafiteiro que esteve presente nas duas pinturas do tú-
Foto: Hadassah Zucoloto
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nel José Roberto Melhem, “houve sim uma atenção especial por parte do prefeito, até mesmo pelo simples fato do deslocamento em uma tarde de domingo, isso mostra preocupação com as políticas públicas voltada para inserção da arte na cidade”, conta. O ilustrador e Dj ainda cita algumas medidas necessárias para que São Paulo deixe de ser uma “cidade cinza” e que o grafite se torne mais visível: “Primeiro passo é canalizar a verba gasta com a pintura do cinza, para ações de revitalização. E que isso respeite as ações de quem optar por seguir sem vínculos com a prefeitura ou algum órgão público. Assim como reivindicamos a ação no túnel, cabe uma reflexão sobre o que já está na cidade e tem que ser preservado, não importa se é mural, Bomb, Trown up... Mas para isso precisa de um amadurecimento da sociedade, da polícia, dos Órgãos Públicos e mais coerência e respeito entre os próprios artistas... Há lugar para todos!”, finaliza.
B-RAP
Boas histórias
Do Grajaú para o mundo Enivo, há 15 anos no universo da arte de rua, sai dos muros e conquista galerias Ludmilla Florencio Fotos: Gustavo Moraes
Marcus Vinicius busca o âmago em suas criações
Q
uem enxerga os grafites desenhados nos muros na cidade não imagina quem está por trás deles. Infelizmente, ainda há em muitos, algumas definições preconceituosas a respeito das inscrições, e por quem as faz. De forma contrária a esses pensamentos, surge Marcus Vinícius, 28,
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conhecido no meio como Enivo. O artista plástico, grafiteiro e educador está há 15 anos dentro dessa cultura e migrou do ambiente das ruas para levar seus trabalhos às galerias do Brasil e do mundo. Principalmente, a que lhe pertence (A7M4) em sociedade, na região da Vila Madalena.
“Todo dia eu falo de arte, faço arte, penso em arte. A minha vida é arte”, afirma. Quando garoto, Enivo conheceu o mundo da street art a partir de um encontro de grafiteiros, organizados por Jerry e Niggas, em seu bairro, no Grajaú, extremo da Zona Sul de São Paulo. Naquele dia, sentiu que nunca mais seria o mesmo, e a arte se
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Boas histórias tornou uma das suas maiores paixões. Tentou buscar outras profissões, como forma de ser reconhecido em sociedade. Mas, nada foi suficiente para superar seu amor e talento à estaca zero. “Estudei mecânica, fiz alguns outros cursos, mas sempre voltei ao grafite e à educação”- conta o artista. “A arte ampliou o meu horizonte, permitiu que eu conhecesse mais do que a rua da minha casa. Fui educador de jovens também e, alguns de meus alunos se formaram e seguiram carreira no movimento. É um processo válido, que tem seu lado bom e ruim”. A parte ruim, citada por Enivo, refere-se aos processos, aos trabalhos apagados, as passagens por delegacias e até prisões a que o artista foi submetido. Apesar de ter conquistado um pouco mais de liberdade, as manifestações artísticas de rua, ainda sofre repressões. Em resposta à questão de ter esperanças que o estilo seja plenamente aceito, o artista plástico disse: “Eu acho que já está bom do jeito que está. Se houver uma ‘liberdade total’ vai perder um pouco do sentido e, da graça existente. É bom que haja um perigo, de vez em quando”, comenta. No seu processo criativo, Enivo tem como marca pessoal o ato de desenhar
em várias camadas da tela. É como se o telespectador pudesse sentir a profundidade dos seus sentimentos, e o que eles desejam passar quando apreciados. Nas ruas, prefere fazer onde o “coração” manda e não onde está designado, como se sentisse sua criatividade presa a normas e regras. O agora é sua inspiração. O artista foca no seu presente, no seu autoconhecimento. A cada finalização de um trabalho, é como se um Marcus Vinícius novo nascesse. E todas as vezes que pensou em parar, o artista se sentiu doente. “É um vício bom isso aqui”.
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Enivo é conceituado no mundo da arte
Representação do bairro Grajaú, onde o artista cresceu
B-RAP
KAMAU
A QUEM POSSA INTERESSAR “A música é voz política, mas ninguém cobra Chico Buarque de ir à favela, de fazer um show de graça. Só cobra o Racionais, Emicida e o Kamau”
#trocandoumaideia
O GUERREIRO SILENCIOSO
Humildade, concentração e disciplina: Kamau conta sobre vida e carreira dentro da cultura hip hop Ludmilla Florencio Fotos: Gustavo Moraes
A
s personalidades que compõe o mun do do rap possuem uma grande bagagem de vida. Suas histórias são a grande fonte de inspiração para suas obras e trazem significado às suas carreiras. Marcus Vinicius Silva, 38, o Kamau, é uma dessas pessoas que integram esse meio. O ex-estudante de matemática, skatista e rapper bateu um papo com a gente no Tucuruvi, e contou um pouco de sua caminhada e de seus planos futuros. O encontro aconteceu em uma das estações de metrô de São Paulo, onde o MC nos esperou como uma “pessoa comum”, en-
tre tantas que por ali passavam. Até que uma fã teve coragem e o abordou: “É uma satisfação pra mim te encontrar, você é um mestre” disse, em meio a um gesto de reverência ao cantor, que agradeceu prontamente. Seguimos para a conversa em um café famoso da cidade. Entre um gole e outro, da bebida quente, Kamau se sentiu mais à vontade para retratar suas histórias e compartilhá-las com a equipe da B-RAP. Seu caminho Mesmo com feição de menino, o rapper possui vasta experiência dentro do universo hip-hop. O “guerreiro silencioso” (significado do seu codinome, que adotou após encontrar em um livro de nomes africanos) mostra que Marcus e Kamau não se dividem, apenas se complementam de forma harmoniosa. Nascido em São Paulo, na região norte, Kamau já tentou seguir outra carreira. Aos 21 anos de idade, mudou-se para Rio Claro, no interior do Estado e, em 1997, iniciou os estudos na UNIFESP, mas não completou a graduação. Pela facilidade com o assunto, a matemática entrou em sua vida bem antes do rap. Seu objetivo era estudar Ciências da Com-
putação, mas decidiu ir para esse lado, por influências de um amigo. Percebeu que os números eram muito mais interessantes do que imaginava. Como as rimas entraram em sua vida bem no início da graduação, ficou cada vez mais difícil conciliar todas as suas “paixões”. “Fiquei nesse malabarismo entre a Matemática, o rap e o skate. O skate teve que ficar um pouco de lado, por conta de estar em Rio Branco, e não ter tempo de andar sempre. Até que chegou uma hora em que eu não consegui fazer mais os dois- música e matemática- e fui pro rap de vez,” conta. Em 2002, Kamau lançou seu primeiro EP com DJ Ajamu e Andre Sagat, para o grupo de rap que formavam: O Consequência. Daí então, aos 26 anos retornou a São Paulo para correr atrás do seu grande sonho: viver de música. O efeito da rima “O rap é muita coisa dentro de uma caixa, que você acha que não cabe tanto”, define o músico. Inserido na old school e na cena atual, Kamau tem uma gama de experiências que moldaram sua carreira. O contato com rap foi, primeiramente, por meio do esporte: o skate. Aos 12
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B-RAP
anos, já conhecia um pouco da cultura hip-hop, mas só quase dez anos depois, produziu algo. Um fato interessante era o seu contato com a família do KLJay, DJ dos Racionais MC’s, o grupo de rap mais influente no Brasil. Kamau teve como um de seus melhores amigos de infância, Ajamu, irmão de KLJay. E, por isso, ficou fácil conhecer o mundo da música e todos seus bastidores. “Eu ia pra casa do Robson (Ajamu), porque era amigo dele, morávamos próximos e andávamos de skate juntos. Por causa disso, eu aprendi e conheci muita coisa. Não por ‘tele curso’ ou pesquisa de Wikipédia, eu estava lá com eles vendo as coisas acontecerem.Fui privilegiado nesse sentido”, afirma. O MC transita entre o mundo responsável pela construção do rap no País, e no dos que aparecem na “cena” agora. Sobre os conflitos de gerações existentes dentro desse universo, principalmente no que está inserido, Kamau tem a seguinte opinião: “Essas crises de gerações são coisas naturais. Quem está fazendo algo, relativamente novo, renega o que foi feito antes. Mesmo que essa caminhada anterior seja responsável por essa pessoa fazer o que ela quiser hoje”. “Tem um pessoal que não aceita o ‘novo’, porque diz que não é legal, e tem
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quem não escuta o anterior porque diz que o ‘velho’ já passou. Mas, eu acho necessário o equilíbrio, para que haja continuidade. É importante a valorização do alicerce, mesmo que a gente não o veja”, finaliza. Análises do mundo O rapper faz uma alusão ao período da ditadura, que acompanhou um pouco. “Se as pessoas não tivessem brigado pelos direitos, talvez hoje a gente
“O rap é muita coisa dentro de uma caixa, que você acha que não cabe tanto” não falasse o que quiser. Eu me lembro de não poder citar algo sobre o “presidente”, por exemplo. Hoje discutimos em quem vamos votar por grupos de whatsApp”, complementa. Kamau comenta sobre o rap ter se tornado a “música de protesto” da atualidade, assim como era a mpb, nos tempos de chumbo. “Ele conquistou um lugar que estava de certa, forma ‘vago’, e as pessoas passaram a rotulá-lo como isso”.E ainda possui uma crítica em relação a essa cobrança: “Parece que se você fizer rap tem que ‘tá’
envolvido em projetos sociais e na política. Você não pode fazer música apenas. A música é voz política, mas ninguém cobra Chico Buarque de ir à favela, de fazer um show de graça. Só cobra o Racionais, Emicida e o Kamau”, pontua Sobre o machismo dentro do hip-hop, Kamau se posiciona da seguinte maneira: “O rap reflete o que a sociedade reflete, a gente tem um contexto, né? Mas, eu sei que hoje possui um maior espaço, e novos talentos se revelam. A gente tem que se respeitar, independente de ser mulher ou homem. A mulher no rap pode se expressar. Ele é o software livre que você pode mudar o mundo”. Inspirações Para a criação de seus trabalhos, ele utiliza várias influências, como músicas, artistas, livros e filmes- além das experiências pessoais. “Os últimos livros que eu li foram sobres MCs, discos e outras coisas relacionadas ao rap. O que estou lendo agora sai um pouco disso. É a autobiografia de Charles Mingus, um contrabaixista e compositor. Já nos primeiros capítulos aprendi muitas coisas bacanas”, relata. Nos quadrinhos e cinema, Kamau relata que seu super-herói favorito é o Homem-Aranha. E, mais ainda, faz uma relação com a vida de rapper com a vida
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de “salvador do mundo”. “De certa forma, o microfone se torna uma capa. Seu nome de MC é seu codinome das ruas, da noite – porque geralmente os heróis têm que atuar nesse período. De dia, só se você for de Kypton.”, brinca. Como todo começo de carreira,principalmente da de quem abandona a graduação para focar na música, Kamau passou por algumas dificuldades. A família do MC não apoiou prontamente a escolha do “guerreiro silencioso” em migrar de uma área que estava “certa”, para outra sem nenhuma base. “Meu pai não gostava de rap”, conta. Mesmo assim, insistiu em sua vocação e foi para o mundo da música. O filho que não deu trabalho aos pais teve o incentivo conquistado com o passar do tempo. Para ele, a estrutura de sua família foi importante para a realização de seus ideais e, tratando-se de ídolos, eles ocupam o primeiro lugar. Fora de sua família, Kamau aponta como pessoas importantes na sua vida os integrantes do grupo Racionais MCs. “Eles são pra mim como irmãos mais velhos- que tem função de ‘professor’. Minha relação é de proximidade e admiração, principalmente com o KL Jay. Mesmo quando a gente não existir mais, eu serei grato”, comenta. O cantor define sua proximidade com as peças
que formam o total da cultura hip-hop: “Eu desenho mal- nem posso falar que desenho. Não sei dançar. Eu tenho um toca disco na minha casa, admiro os DJs- já discotequei em alguns lugares, mas não me considero um- porém, é a arte em que estou mais próximo. E, além de escrever, faço uns beats”. Dono da gravadora Plano Áudio, o rapper- empreendedor diz como é difícil e gratificante ter o
“De certa forma, o microfone se torna uma capa e seu nome de MC, um codinome” seu projeto. “O ponto positivo de ser independente é liberdade, e o negativo a dependência. A gente é independente, mas depende do favor, da disponibilidade, do recurso financeiro, e não temos um alcance tão grande. Só que dá pra chegar, o Emicida tem provado isso”, garante. O sentimento não pode ser anulado da vida de um MC quando compõe suas obras. O rap fala de desigualdades, de lutas políticas, de superações e diferenças, mas, em suas rimas, também aborda o amor em todas as suas instâncias- principalmente o Eros. O compositor compar-
tilha que a maior parte de suas músicas, principalmente as românticas, são feitas a partir de experiências próprias. Dessa forma, passa por algumas situações cômicas e inesquecíveis. “Um ‘cara’ pegou a letra de ‘É ela’, pra xavecar a pessoa que é ELA. A ‘mina ‘falou que não tinha ‘propriedade pra usar isso’, então, ele perdeu”, conta e ri, lembrando da situação. O Consequência, seu primeiro trabalho como rapper, sempre será lembrado com um carinho especial. “Sem eles eu não estaria aqui. O Ajamu é um pulmão e o Sagat é outro, a partir deles eu respiro o rap.”. Em relação a novas produções, Kamau conta que tem produzido, mas não confirma se virá um novo disco. Com quase 20 anos de carreira, e muitas conquistas, Kamau relata que há ainda um sonho em sua vida: ter um filho e continuar no rap até morrer. Com nascimento de uma criança- que poderá ter os olhos claros, iguais ao do pai- o rapper afirma que, mais do que sua vida, será marcada sua pele também: “Só faço tatuagem quando tiver um fruto meu”, finaliza.
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B-RAP
#NoBaile
NA PEGADA DO BREAK
Os passos que mexem com o corpo, mente e coração
A
dança de rua é um dos estilos da cultura Hip Hop. Os passos se desenvolvem em movimentos coordenados de forma harmônica, fazendo com que o corpo transmita o ritmo da música, em sua maioria rap ou soul. Por esse ritmo que Rodrigo Ribeiro, 27, se apaixonou ainda aos 9 anos, quando via os primos dançarem. Professor de dança há nove anos, divide seu tempo entre as três turmas que dá aula: a da Fábrica de Cultura - projeto do Governo de São Paulo -, outro do Centro Educacional Adamastor (projeto da Prefeitura de Guarulhos) e a turma do Espaço The Face, grupo do qual fez parte e começou a lecionar o Street Dance. As aulas semanais no Centro Educacional Adamastor são divididas entre prática e teoria. Além de ensinar os passos de dança, Rodrigo usa um tempo das aulas para conversar com os alunos e passar a cultura Hip Hop. Na sala com 34 alunos, em sua maioria garotas, todos se mostram animados e dispostos para o inicio da aula. A aluna Beatriz Saorin, 18, se surpreendeu com
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Marcella Lube
a cultura do movimento ao decorrer das aulas que teve. “Eu tenho uma veia artística muito forte, sempre gostei de dançar. Logo na minha primeira aula eu entrei em contato muito forte com a cultura Hip Hop”. Bia, como é chamada, ressalta os resultados positivos que a dança trouxe para sua vida: “A dança me fez ter mais disciplina. A minha postura mudou e melhorou muito”. Nas aulas teóricas, Rodrigo passa os fundamentos do hip hop, para que os alunos aprendam não só os passos de dança, mas sim todo fundo histórico do movimento. “A dança tirou muita gente da vida ‘vagal’ e fez com que tomassem outros rumos”, afirma Bia ao observar seus colegas de grupo.
“A dança me fez ter mais disciplina. A minha postura mudou e melhorou muito”.
Foto: Marcella Lube
Beatriz Saorin, dançarina de Street Dance
CULTURA HIP HOP| 25
#Tônamoda
moda hip hop ganha as ruas Estilo, antes exclusivo dos rappers, hoje veste a todos Fotos: Marcella Lube
A
cultura hip hop também está inserida em outro meio: a
moda. Calças e camisetas largas, tênis grandes e bonés são os itens mais notáveis de quem faz parte do meio. As peças, antes exclusivas desta tribo, são itens no guarda roupa de quem faz parte do hip hop ou não. O estilo tem influência de vertentes como o skate e basquete. Possui peças largas que facilitam os movimentos, e também itens do vestuário de jogadores de basquete, como camisas e tênis. Mas a história por trás do estilo vem bem antes disso: surgiu com os jamaicanos e foi levado aos negros norte-americanos, e, a partir disso, foi passado para toda a população, com grande influência de artistas. Engana-se quem pensa que as garotas ficaram de fora desta moda. Mesmo que não andem de skate, as meninas usam roupas skaAllan
Márcia Cristina Marcella Lube teboard simplesmente por estilo, e mesmo as roupas sendo largas, não deixam a feminilidade de lado. Acessórios, estampas chamativas e cor de rosa dão o charme ao estilo. “Antigamente uma mulher tinha que ir vestida com roupa de homem em uma batalha pra não sofrer preconceito”, diz Marcello Gugu, 29, rapper. Hoje em dia, a situação tem ficado “mais leve”. Meninas participantes do movimento se inspiram em cantoras como Nicky Minaj, M.I.A. e Iggy Azalea, que usam a sensualidade como peça-chave em seus looks: ficou para trás a ideia de que as mulheres do hip hop tem que se vestir com peças mais masculinizadas. Peças femininas não perdem a característica hip hop são vistas a todo momento.
Tênis e camisas de basquete fazem parte do guardaroupa de quem segue a cultura hip hop
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B-RAP
As peças largas, além da estética, são pensadas para ajudar os movimentos
Paola Mel
Josi
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As meninas não se focam apenas em peças masculinas
Tainá
NO NAIPE | 27
#JuntoeMisturado
Aliados na pista
A parceria entre o esporte e a arte das ruas Hadassah Zucoloto
O
skate surgiu como uma diversão alternativa para surfistas entediados em dias de maré baixa nas praias californianas. Eles não imaginavam que o esporte – nem isso era na época – chegaria aonde chegou: um mercado que movimenta mais de um bilhão de dólares por ano e possui adeptos por todo o mundo. Porém, o que faz o skate ganhar cada vez mais força não é a questão econômica, mas sim cultural. Marginalizado na década de 80, o esporte não era aceito pela sociedade por ter sua prática ligada às ruas, já que existiam poucos locais apropriados para isto. A partir daí, o skate juntou-se a outros movimentos, que começavam a ganhar força na época e passavam a mesma imagem de “coisa de maloqueiro” – como rap e grafite – tornando-se parte importante da família hip hop.
28 |ESPORTE
Atualmente, é quase impossível não ligar uma coisa à outra. Diversos mc’s andam ou já andaram de skate, alguns até profissionalmente, como o rapper Kamau. Em sua música “21/12”, ele descreve um pouco da sua história como skatista, desde quando se interessou até o abandono para seguir a carreira artística. “Vi na escola e queria um igual, que nem qualquer adolescente nessa idade, normal. Acho que nunca imaginei um final, nem que um dia seria chamado de profissional”, canta.
“Um mexe com o outro, o skate cita o rap e o rap cita o skate, criando um vínculo de respeito”, afirma o estudante de publicidade José Henrique Andrade, 19. Skatista desde os oito anos, ele garante que se tornou mais que um esporte. “É algo que faz parte do meu dia, desde a forma de me vestir até a de falar” acrescenta. A ligação entre as vertentes do hip hop fica explícita quando o estudante revela sua playlist na hora de andar: Kamau, ZRM, Tupac, Notorious BIG, DMC, Marcelo D2,
“É algo que faz parte do meu dia, desde a forma de me vestir até a de falar” José Henrique
Mesmo fora das competições, Kamau ainda pratica e ressalta que não tem como deixar de ser skatista. “Eu vejo vídeo todo dia, penso em skate todo dia, deixo o meu na sala e olho para ele todo dia”, continua. Além dele, artistas do rap como Doctor Mc’s, DMC (De Menos Crime), Família Madá, ConeCrew Diretoria, Zero Real Marginal e Haikaiss, também utilizam o esporte em suas músicas e clipes.
B-RAP
hora de fazer ma- irmandade entre os dois. “A música te da embalo, na nobras mais radicais. Existem diversos grafiteisom é o que te faz ros que são skatistas e revibe, estilo de andar. É “O andar melhor. Ou- presentam bem. A maioria uma batida de rap desses lugares tem desea combinação perfeita” vir deixa mais animado”, nhos ou pichos”, menciona Jonathan José Henrique, que apreJonathan Nascimento comenta. Nascimento, 19, com- cia a arte e até chega a deMac Miller, Self Provoked, Sabotage e RZO. “No universo das ruas tudo está muito ligado”, conclui. Essa preferência musical, presente em grande parte dos praticantes tem uma explicação: segundo o jovem Matheus Pereira, 19, o som pesado incentiva
plementa: “A música te da embalo, vibe, estilo de andar. É a combinação perfeita.” A relação do esporte com o hip hop não para por aí: o grafite, principal expressão artística do movimento, está presente em diversas pistas. “Tem
senhar, mas em folhas de papel. Para finalizar, ele diz que existe uma união muito forte entre todos os segmentos culturais do ritmo.
Foto: Bruno Alves
Matheus mostra a inspiração que o som traz na hora de andar de skate
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ESPORTE| 29
#ARUAÉNÓIS
UM PALCO PARA RIMAR A saída do metrô se tornou a entrada para o mundo da música
O
cenário do rap brasileiro ganhou diversos nomes atualmente, dentre eles Projota e Emicida. Do anonimato à fama, os rappers percorreram um longo caminho que tem um ponto de partida em comum: a batalha do Santa Cruz. A princípio, parece apenas uma roda de amigos, seis ou sete jovens, perto da entrada do metrô. Conforme as horas passam, o número aumenta para 20, 30, 40... Até que, às 21:30, mais de 60 pessoas estão
reunidas ao lado do Colégio Arquidiocesano. Quem passa nem estranha o movimento, afinal, há oito anos o lugar deixou de ser uma simples calçada para se tornar o palco dos rappers que duelam – com direito a platéia, aplausos e vaias. A batalha começa. Cada rima é dotada de criatividade, quesito obrigatório para quem faz parte do Freestyle. O que você faria em 30 segundos? Esse é o tempo que cada mc tem para provar sua superiori-
Hadassah Zucoloto
dade diante do rival. São 16 no total, disputando em fases eliminatórias onde o único jurado é o público. Sem beat, a única base para as rimas é o respeito: o confronto é entre as duas pessoas, qualquer ofensa a terceiros ou preconceito desclassifica o participante imediatamente.
Fotos: Gustavo Moraes
O público fica atento para decidir quem é o melhor
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B-RAP
Isso porque a fita da batalha é outra. “É um movimento cultural, nós estamos fazendo poesia” afirma Marcello Gugu, fundador do duelo, e ressalta que o objetivo é unir e não segregar. Houve um episódio em que havia skinheads e homossexuais, em uma mesma roda, para ouvir o som – coisa difícil de ver em São Paulo. Além disso, a batalha incentiva os jovens ao estudo, pois precisam expandir seu repertório na hora de rimar. “Pra você ser mc você tem que saber o que fala, pois fala por uma cultura”, conclui Gugu. Para garantir que os rappers sigam os conselhos, o prêmio do vencedor varia entre livros, discos, ingressos para teatro, entre outros. Todo esse estímulo tem resultados positivos: a batalha revelou e revela grandes mcs para o mundo musical. Projota, um dos pioneiros nos duelos, já venceu prêmios como o VMB da MTV e tem suas músicas nas mais pedidas das principais rádios e TVs do país. Emicida, vencedor da primeira batalha, hoje tem a Laboratório Fantasma – uma das principais produtoras do gênero no Brasil.
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Quem vê a batalha hoje – em programa de TV, teses de TCC e trabalhos de faculdade – não imagina que nada disso foi premeditado. Em 2006, os roles de rap eram em locais afastados do centro, como Grajaú, Capão Redondo e Represa Billings. Cansado de passar três horas no busão, Gugu e mais três amigos – Andrei, Skol e Cabeça – tiveram a ideia de copiar a “batalha do real”, realizada no Rio de Janeiro, e acrescentaram apenas o “um” ao nome, pois era a quantia que cada participante deveria pagar ao vencedor. Com o tempo vieram as adaptações: no nome, na regras, na premiação. A vontade de “criar a própria cena” motivou outras pessoas a fazerem o mesmo, o que fez com que uma série de batalhas aparecesse por toda a cidade. Algumas duraram, outras não passaram dos primeiros meses, mas a verdade é que a do Santa Cruz não só permanece, mas se renova sempre. “Alguma coisa a gente fez certo” aponta Gugu. O sucesso é tão grande que rolaram convites para mudar o endereço dos duelos. Diversas baladas tentaram transformar a rinha em uma atração da casa,
mas não conseguiram, pois segundo Gugu, a essência dela é a rua. Até porque, muitos são menores de idade – o que proibiria a entrada – e outros não tem condições de pagar o ingresso. “Parece uma realidade distante, mas alguns só têm o dinheiro da ida e da volta”, comenta o rapper. Porém, isso é um obstáculo, não um empecilho. A satisfação de estar ali é maior que o longo caminho para casa. Hoje, o que começou como um encontro de amigos consagrou-se como um dos principais points para quem curte rap, além de escola para jovens que querem “mandar uma rima” e sonham em seguir os passos dos jovens que ganharam primeiro a batalha depois o Brasil. “Criamos algo que escreveu, uma linha ou uma página, na história do rap nacional. A Santa Cruz fez um bagulho muito importante que deu uma nova direção e fôlego. Amanhã talvez outra coisa faça isso” menciona o fundador. Enquanto esse dia não chega, o confronto mantém seu espaço – na calçada e na história do rap.
CULTURA HIP HOP| 31
“Criamos algo que escreveu, uma linha ou uma página, na história do rap nacional.” Gugu “Além de um entretenimento é um evento cultural. Está em jogo a criatividade, o conteúdo, a informação... São mil coisas que um artista de improviso tem para oferecer” Helibrown
Helibrown , além de mc, é apresentador da batalha
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B-RAP
entre palcos e grades
Histórico de rappers que tiveram problemas com a lei Marcella Lube Márcia Cristina
O
mundo do rap já foi cenário de grandes polêmicas envolvendo os cantores e a polícia. Famosos como Eminem, 50 Cent e Lil Wayne já pararam atrás das grades por diversas vezes. No âmbito nacional isso também aconteceu com os rappers Emicida, Dexter e Mano Brown. Dinheiro, poder e sensação de invencibilidade vem seguidas de pressão, medo, e inseguranças. São dois extremos para quem está na frente das câmeras e atrás dos microfones. O rap americano era associado a gangues e crimes, principalmente nos anos 90. Hoje em dia, algumas letras ainda sofrem cortes. O rapper Eminem (foto) foi preso em 2000 por duas acusações: apontar uma arma descarregada em uma briga e agredir um homem que supostamente Foto: Divulgação
EMINEM
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beijou sua ex-mulher. O conhecido rapper americano, 50 Cent (foto) foi preso por porte de substâncias ilícitas. Ele estava com heróina, cocaína e crack. Eminem e 50 cent, em uma parceria com outros músicos cantam “Eu pago a fiança e dou risada. Não é nada demais, é só um pouco de grana” Lil Wayne (foto) foi preso por porte ilegal de armas. Ele cumpriu oito meses da sentença de um ano, por uma arma encontrada em um ônibus de sua turnê. No Brasil, um dos rappers mais famosos, Mano Brown, foi preso em 2004 por desacato à autoridade. PMs acharam maconha em seu carro, e na tentativa de prisão, Brown ofendeu a eles, então foi preso. Pagou fiança e cumpriu o processo em liberdade. Emicida, um dos mais Foto: Divulgação
50 CENT
importantes da atualidade, foi preso em 2012, em Belo Horizonte, por desacato a autoridade. Enquanto cantava a música “Dedo na Ferida”, o rapper e o público mostraram o dedo do meio. Polícias que estavam fazendo a segurança do show se ofenderam e o cantor foi levado à delegacia. O rapper Dexter passou 13 anos cumprindo pena por assaltos e roubos para pagar a produtora onde gravou o CD do grupo 509-E, e hoje se associou movimentos de lutas em prol dos presidiários.
“Eu pago a fiança e dou risada. Não é nada demais, simplesmente um pouco de grana.” Foto: Divulgação
LIL WAYNE
CURIOSIDADES | 33
Exemplo de vida
o poder do hip hop A cultura capaz de mudar uma vida e usá-la para ajudar outras
M
arcello de Souza Delmo, 29, não teve uma vida fácil. Filho de uma professora e um vendedor gráfico, vivia entre altos e baixos e chegou ao ponto de precisar da ajuda de parentes para ter o que comer em casa. A maioria de seus amigos – alguns presos ou mortos – eram “do corre”, e a tentação já falou alto. “Você não tem nada e alguém te oferece muito, as pessoas não imaginam o quanto isso é fácil de acontecer”, confessa. As probabilidades de seguir o mesmo caminho eram grandes, mas aos 14 anos conheceu algo que mudou sua vida: o hip hop. Desde então, virou o rapper Marcello Gugu, abriu seu próprio escritório e passou, além de cantar, a dar palestras sobre essa cultura para diversos tipos de público. Ele conta que, um dia, alguém lhe apresentou o movimento com tanta paixão que ele decidiu acreditar. Hoje, faz o mesmo com jovens de um lugar onde a incredulidade reina: a Fundação Casa. “Ninguém acredita na gente, por que o senhor acreditaria? O que ganha para estar aqui?” ques-
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Hadassah Zucoloto tiona um adolescente ao músico. A única coisa que ele recebe em troca é a satisfação de saber que, há sete meses, ele faz o que sua consciência e seu coração mandam. “São poucas as pessoas que conseguem viver de arte. Eu sou abençoado, vivo do meu sonho, por que não retribuir? Foi uma forma que eu encontrei. Um dia eu coloquei na minha cabeça que tinha que fazer, fui lá e fiz”, explica Marcello. O rapper dá aula para turmas com cerca de 110 alunos, em uma sala que não possui ao menos folhas de papel. Certa vez, quando perguntou quem ali sabia escrever, apenas um levantou a mão. Para ele, a falta de acesso à cultura, educação e lazer é uma das principais causas da crescente marginalização de crianças. Além disso, após cumprir pena, não existe um programa de reintegração social eficaz. “É foda, os moleques voltam para o mesmo lugar. O que os motiva é o dinheiro. Você dando algo para um
deles fazer e dinheiro na mão, não tem porque ele voltar. Você o tirou daquele vínculo”, aponta o artista, logo depois cita uma frase do músico Criolo que diz: “o que o mercado rejeita a rua contrata”.
Foto: Hadassah Zucoloto
Rapper acredita que a cultura é uma saída
B-RAP
Segundo o cantor, cada dia passado na instituição é como um ano. Em sua última visita antes da entrevista, ele levou seu
crianças de lá, com 10 anos, vão para a Flórida comprar um Iphone que nem tem no Brasil, meu outro aluno tem dois homicídios”, fri-
companheiro de palco Renan Assunção Sabino, o DJ Diamante, para conhecer a realidade por trás das grades. Diamante fica com uma expressão triste ao lembrar: “É um ambiente carregado, cheio de crianças com a mentalidade mais evoluída que muito adulto, mas que ainda sorriem como crianças”. Marcello ainda afirma que, muitas vezes, esquece que são assaltantes e assassinos. Em contraste com essa realidade, ele também dá palestras em um dos colégios mais caros de São Paulo – o Miguel de Cervantes. “A diferença entre as partes é absurda. Enquanto as
sa. No colégio particular, quanto mais crianças na sala, melhor. Já na Fundação é ao contrário. “Meu sonho é entrar ali e não ter nenhum aluno. É uma bosta ter minha sala cheia, eu falo isso e eles perguntam: o senhor não gosta da gente? Eu respondo que o lugar deles não é ali, quem vive em grade é bicho de zoológico”, opina o rapper. Dentre as principais questões que os jovens do lugar fazem ao “professor”, a principal é: “Você acredita que vai salvar alguém daqui?” E Marcello rebate “Quem vai te salvar é você. A biblioteca não está aí? Quantos entram na biblioteca? Então. Tá na sua mão
“Não estou lá pra salvar ninguém e sim pra evitar que um deles aperte o gatilho na sua cara quando estiver na rua”.
novembro de 2014
se salvar. Eu me salvei um dia”, reforçando a ideia de que poderia estar sentado ali, na mesma cadeira. Uma frase que escutou dos funcionários da instituição e adotou como sua é “Não estou lá pra salvar ninguém, e sim pra evitar que um deles aperte o gatilho na sua cara quando estiver na rua”. Para isso, ele utiliza as armas que tem: a palavra e a paixão pelo movimento que defende. “Eu acho que a cultura é uma saída. Eu vi o RAP como uma válvula de escape e sou muito grato às experiências que ele me trouxe. Aonde o hip hop toca muda, você não passa por ele e continua o mesmo”, conclui. Gugu é contra a redução da maioridade penal e a favor de uma política pública inclusiva que ajude os jovens, tanto presos quanto soltos, e os afaste do crime. Enquanto isso não acontece, ele continua com suas palestras e acreditando: nas crianças, no poder do hip hop e no mundo.
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#Superação
CINEMA NA perifa
Documentário mostra superação de jovens no mundo do crime Andrezza Pugliesi Foto: Divulgação
N
Gerson e Zeca - jovens que mudaram suas vidas através da sétima arte
a Quebrada é baseado em histórias reais. Cinco jovens – Zeca, Gerson, Mônica, Junior e Joana relatam sua vida, experiências e escolhas. O longa começa com a pergunta: “Até que ponto o seu passado determina o seu futuro?” Após isso é mostrado alguns amigos jogando sinuca em um boteco. Em meio à diversão, um acerto de contas vem à tona. Ambos integrantes do documentário descobrem o cinema através de uma oficina da periferia , por meio dela, moldam o seu futuro. Em uma briga no presídio, o pai de Gerson é mutilado. A cena volta para a oficina, e um trabalho para conclusão do curso é passado aos alunos e o prêmio seria R$ 5 mil para o vencedor. Eles deveriam produzir um documentário sobre o cinema. Em seguida, a história de Junior é mostrada. Quando criança apanhava de seu pai. Junior é apaixonado por consertos de televisões. Quando o televisor de sua casa quebra e ele vai arrumar, o dono da “empresa” oferece-lhe um emprego. Seguidamente, é mostrada a história de Mônica, uma adulta que ficou cega quando criança e como, desde então, ela
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faz para sobreviver. Por fim a história de Joana, que vivia em um orfanato desde menina, – a mãe sumiu e o pai era proibido de vê-la-. Ela é adotada por um casal estrangeiro. Com o incentivo da oficina, Zeca e Joana criaram um cinema na periferia para as crianças, na esperança de elas não se envolverem na marginalização um dia. Gerson é preso e lá conhece uma moça, relaciona-se com ela e tem um filho. O longa tem 1h34min, foi produzido em outubro de 2014 pelo diretor Fernando Grostein Andrade. As histórias são mostradas aleatoriamente, um quadro preto que difere um relato do outro, com vários flashbacks de cada um. O foco do longa não são os relatos, e sim a relação que através de um sonho os jovens tem em comum: o cinema. Há palavrões, cenas fortes (mortes, violência e como é o mundo do tráfico – drogas e armas). Os acontecimentos apresentados são tristes e comoventes, pois mostram que no mundo do crime não tem volta. Você tem um fim pelos próprios parceiros ou pela polícia.
B-RAP
Convoque Seu Buda
O outro lado de Criolo
Músico circula entre sucessos antigos e inova nos recém lançados
Gabriela Lemos
Foto: Gustavo Moraes
O
rapper Kleber Cavalcante Gomes, conhecido como Criolo, 39, dia 3 de novembro seu terceiro disco em estúdio. “Convoque seu Buda” marca a consagração do músico no cenário musical brasileiro. O álbum, disponibilizado para audição gratuita na internet, com produção de Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral – os mesmos do álbum “Nó na Orelha” (2011) – apresenta Criolo na sua vertente mais brasileira, explorando diversos ritmos. Nos dias 13, 14, 15 e 16, Criolo se apresentou no Sesc Vila Mariana para o show de lançamento do CD. Com banda composta de percussão, trio de metais, dois DJs – Ganjaman e DanDan - guitarra, baixo e bateria, uniu seus maiores sucessos com as músicas novas que abrilhantaram a noite, tendo participações especiais de Tulipa Ruiz ,na “Cartão de Visita”, e Neto do Síntese, em “Plano de Voo”. Logo na primeira música, homônima ao álbum, o público do teatro, que já estava de
novembro de 2014
pé na beira do palco, cantou a canção que fala sobre as reintegrações de posse violentas em São Paulo, com pegada de beat oriental. No som seguinte “Esquiva da Esgrima”, o rapper cita nomes como Ferrez – incentivador cultural do bairro de Criolo, Grajaú – Black Alien, Sabotage, Edi Rock, e os sociólogos Piaget e Perrenoud, ao mesmo tempo em que faz críticas ao racismo em versos como: “cada cassetete é um chicote para um tronco” e “A cor da minha pele, eu sei, tem quem critica”. Interpretou ainda canções do “Nó na Orelha”, como “Mariô”, “Subirusdoistiozin”, “Grajauex”, “Vasilhame”, a tão aclamada “Não existe amor em SP” e “Tô Pra Ver”, do álbum “Ainda Há Tempo” (2006). Voltando às inéditas, fez seu passeio por ritmos e assuntos. “Casa de Papelão” relata a solidão dos usuários de crack que vivem nas ruas do país. Aborda também o uso de drogas, “Duas
de Cinco” – música que já havia sido lançada no EP do ano passado – fala da cocaína. O rapper Neto do Síntese entrou em cena para cantar “Plano de Voo” - a mais pesada do CD - e um rap autoral. Com rimas duras e pegada de rap “das antigas”, a dupla garantiu o destaque da noite. “Pé de Breque”, canção com o ritmo de reggae, e “Pegue pra Ela”, com levada de baião, ressaltam a brasilidade do cantor. A música, com participação da afinadíssima Tulipa Ruiz, é o destaque do disco. Talvez por seu discurso irônico, em que Criolo critica o consumismo e tira sarro de si ao citar a entrevista dada a Lázaro Ramos. “A alma flutua/ Leite a criança quer beber/ Lázaro alguém nos ajude a entender”. Criolo pode ter demorado mais de uma década para se consolidar no meio, porém mostrou a quem “desacreditou do seu rolê” que veio pra ficar.
ACONTECEU! | 37
#papocabeça
Um novo ser a partir das descobertas Ludmilla Florencio
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e pudéssemos dar um sentido à vida, eu arriscaria em dizer a descoberta. Todo dia, quando nossos olhos se abrem e começamos uma nova-mesma-rotina, somos desafiados a desvendar os mistérios das coisas que nos cercam. Às vezes, por comodismo e falta de vontade, não reparamos o universo de possibilidades e caminhos que podemos seguir e se surpreender. Dei essa introdução piegas para relatar a experiência de concluir uma etapa. O ser humano tem a vaidade de se achar poderoso diante de algumas situações, e conseguir abraçar o mundo de uma vez só. Porém, quando as coisas apertam, a vida nos mostra que é um passo por passo, e só em conjunto conquistamos algo. A cultura do hip hop também é assim, formatada no trabalho em grupo. É por isso, que me apoio nela para as coisas vida. O grafite, o break, o DJ e MC são peças únicas que formam um
quebra-cabeça completo. Se fossem isolados, o movimento não chegaria aonde chegou, e jamais poderia ser considerado “representatividade de quem não é representado”. Todas as vezes que me aproximei -ao escutar a música, pelo grafite ou pela dança- senti uma energia diferente. Talvez essa seja a tal que Marcello Gugu descreveu quando conversou conosco e afirmou: “Quando você conhece mais esse movimento, nunca mais se torna o mesmo”. Agora, mais do que nunca, eu sei disso. E não é apenas quando olhamos a vida a partir dessa cultura. Se nos atentarmos a cada sinal dado e todos os detalhes transmitidos, encontraremos em nós o verdadeiro sentido de estar aqui. Porém, quando introduzimos um desses elementos, da cultura das ruas, as coisas ficam mais bonitas. E a vida, meus caros, uma caixinha de novas possibilidades e surpresas.
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B-RAP