ANOTAÇÕES SOBRE O PROCESSO PENAL BRASILEIRO - Volume 1

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ANOTAÇÕES

SOBRE O PROCESSO PENAL

BRASILEIRO

Volume 1

Lições Introdutórias Investigação preliminar Ação Penal AçãoCivil Ex Delicto Jurisdição Competência Penal Questões Prejudiciais Processos Incidentes Sujeitos do Processo Penal Comunicação dos Atos Processuais Medidas Cautelares Liberdade

1ª edição 2024

Diagramação: LivroEbook Diagramação e Design

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Direito processual penal 343.1(81)

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

Data de fechamento da edição: 18.05.2024.

ANOTAÇÕES SOBRE O PROCESSO PENAL

BRASILEIRO Volume 1

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13 Sumário Apresentação............................................................................................................................. 12 Lições Introdutórias 1................................................................................................................... 14 1.1. CONCEITO ................................................................................................................................. 14 1.2. FONTES ..................................................................................................................................... 14 1.3. INTERPRETAÇÃO........................................................................................................................ 15 1.3.1. CLASSIFICAÇÃO 15 1.4. APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL.......................................................................................... 16 1.4.1. APLICAÇÃO TEMPORAL 16 1.4.2. APLICAÇÃO ESPACIAL ..........................................................................................................................................18 1.4.3. APLICAÇÃO QUANTO ÀS PESSOAS 18 1.5. VIGÊNCIA, REVOGAÇÃO, AB-ROGAÇÃO E DERROGAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL................... 24 1.6. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS ................................................................................................ 25 1.6.1. SISTEMA INQUISITORIAL .....................................................................................................................................25 1.6.2. SISTEMA ACUSATÓRIO 25 1.6.3. SISTEMA MISTO ...................................................................................................................................................25 1.6.4. MODELO BRASILEIRO 26 1.7. FUNDAMENTOS PRINCIPIOLÓGICOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL................................. 26 1.7.1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EXPLÍCITOS.........................................................................................................26 1.7.2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS IMPLÍCITOS 35 1.8. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E O CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE............................................ 38 1.9. PERSECUÇÃO PENAL .................................................................................................................... 42 1.9.1. ÓRGÃOS DA PERSECUÇÃO PENAL 43 1.9.2. O PAPEL DO JUIZ NA PERSECUÇÃO PENAL 50 1.9.3. O ADVOGADO NA PERSECUÇÃO PENAL 53 1.10. ENUNCIADOS DE SÚMULAS.................................................................................................... 53 Inquérito Policial 2 ....................................................................................................................... 56 2.1. NATUREZA JURÍDICA .................................................................................................................... 56 2.2. FINALIDADE............................................................................................................................... 56 2.3. PRESIDÊNCIA............................................................................................................................. 56 2.4. CARACTERÍSTICAS...................................................................................................................... 56 2.5. PROCEDIMENTO 57 2.5.1. CIÊNCIA DO FATO TIDO COMO CRIMINOSO 57 2.5.2. IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA DO CRIME 58 2.5.3. INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL 58 2.5.4. ATOS DE INVESTIGAÇÃO E INSTRUÇÃO 61 2.5.5. OITIVA DO INVESTIGADO 62 2.5.6. INDICIAMENTO 62 2.5.7. RELATÓRIO 63 2.5.8. ENCERRAMENTO E REMESSA AO JUÍZO COMPETENTE 63 2.6. PRAZO PARA CONCLUSÃO............................................................................................................. 63 2.7. DESTINATÁRIOS......................................................................................................................... 65 2.8. VALOR PROBATÓRIO .................................................................................................................... 65 2.9. VÍCIOS FORMAIS......................................................................................................................... 65

2.12.

14 2.10. REMESSA AO PODER JUDICIÁRIO 65 2.10.1. CRIME DE NATUREZA PRIVADA 65 2.10.2. CRIME DE NATUREZA PÚBLICA..........................................................................................................................66
PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO .............................................................................................. 66
CRIME DE NATUREZA PRIVADA EXCLUSIVA 66 2.11.2. CRIME DE NATUREZA PÚBLICA 67 2.11.3. CASOS DE ATRIBUIÇÃO ORIGINÁRIA DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA 69 2.11.4. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO 69 2.11.5. O ARQUIVAMENTO E A COISA JULGADA 69
2.11.
2.11.1.
ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL....................................................................................... 69 2.12.1. REQUISITOS 70 2.12.2. PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES 71 2.12.3. CONDIÇÕES 71 2.12.4. FORMALIZAÇÃO DO ACORDO 72 2.12.5. AUDIÊNCIA JUDICIAL 72 2.12.6. CUMPRIMENTO DO ACORDO 72 2.12.7. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO 73 2.12.8. NÃO OFERECIMENTO DA PROPOSTA DE ACORDO 73 2.13. ENUNCIADOS DE SÚMULAS.................................................................................................... 74 2.13.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 74 2.13.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA......................................................................................................................74 Ação Penal 3 ................................................................................................................................ 76 3.1. CONCEITO ................................................................................................................................. 76 3.2. CARACTERÍSTICAS...................................................................................................................... 76 3.3. CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL ........................................................................................................ 76 3.3.1. CONDIÇÕES GENÉRICAS.....................................................................................................................................77 3.3.2. CONDIÇÕES ESPECÍFICAS 80 3.3.3. CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO 80 3.4. CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES PENAIS ................................................................................................ 80 3.4.1. PRINCÍPIOS 81 3.4.2. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA 82 3.4.3. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA 88 3.4.4. DISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA............................................................................91 3.5. PEÇA INICIAL DA AÇÃO PENAL 93 3.5.1. REQUISITOS FORMAIS 93 3.5.2. ADITAMENTO À DENÚNCIA (OU QUEIXA-CRIME) 94 3.6. A FUNÇÃO DO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO PENAL......................................................... 96 3.7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................................... 97 3.7.1. AÇÃO PENAL SECUNDÁRIA ..................................................................................................................................97 3.7.2. AÇÃO PENAL ADESIVA 97 3.7.3. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM ALTERNATIVA.....................................................................................................98 3.7.4. RECONHECIMENTO DA EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE 98 3.8. ENUNCIADOS DE SÚMULAS ........................................................................................................... 99 3.8.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL............................................................................................................................99 3.8.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 99 Ação Civil Ex Delicto 4 ................................................................................................................. 100 4.1. CONCEITO ................................................................................................................................100 4.2. LEGITIMIDADE..........................................................................................................................100 4.3. MODALIDADES .........................................................................................................................100 4.3.1. AÇÃO DE EXECUÇÃO 100

5.5.4.

5.5.5.

15 4.3.2. AÇÃO DE COGNIÇÃO 100 4.3.3. (IN)DEPENDÊNCIA ENTRE OS JUÍZOS CÍVEL E PENAL 101 Jurisdição Criminal 5................................................................................................................... 102
CONCEITO ................................................................................................................................102
CLASSIFICAÇÃO.........................................................................................................................102 5.3. ESPÉCIES ..................................................................................................................................104 5.4. CARACTERÍSTICAS.....................................................................................................................104 5.5. PRINCÍPIOS REGENTES ................................................................................................................104 5.5.1. PRINCÍPIO DA INVESTIDURA 104 5.5.2. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL ...........................................................................................................................104 5.5.3. PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE 105
5.1.
5.2.
PRINCÍPIO DA INDECLINABILIDADE ..................................................................................................................105
PRINCÍPIO DA INEVITABILIDADE 105 5.5.6. PRINCÍPIO DA IMPRORROGABILIDADE.............................................................................................................105 5.5.7. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO 105 Competência Criminal 6 ............................................................................................................ 107 6.1. CONCEITO ................................................................................................................................107 6.2. CLASSIFICAÇÃO.........................................................................................................................107 6.2.1. COMPETÊNCIA ABSOLUTA 107 6.2.2. COMPETÊNCIA RELATIVA 107 6.3. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA .........................................................................................................108 6.3.1. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA...........................................................................................................108 6.3.2. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA PESSOA 110 6.3.3. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR 118 6.4. MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA.................................................................................................122 6.4.1. VOLUNTÁRIA 123 6.4.2. NECESSÁRIA .......................................................................................................................................................123 6.5. PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA...............................................................................................126 6.6. PERPETUAÇÃO DA COMPETÊNCIA ................................................................................................126 6.6.1. EM FACE DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA SUPERVENIENTE DA COMPETÊNCIA 126 6.6.2. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO NOS CASOS DE CONEXÃO OU CONTINÊNCIA ..............................................127 6.7. DELEGAÇÃO DA COMPETÊNCIA ....................................................................................................128 6.8. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA (IDC)................................................................128 6.9. ENUNCIADOS DE SÚMULAS ......................................................................................................129 6.9.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 129 6.9.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 129 Questões Prejudiciais 7............................................................................................................... 133 7.1. CONCEITO ................................................................................................................................133 7.2. PREVISÃO LEGAL.........................................................................................................................133 7.3. ELEMENTOS ESSENCIAIS ..............................................................................................................133 7.4. CLASSIFICAÇÃO.........................................................................................................................134 7.4.1. QUESTÕES PREJUDICIAIS HOMOGÊNEAS NÃO DEVOLUTIVAS 134 7.4.2. QUESTÕES PREJUDICIAIS HETEROGÊNEAS ......................................................................................................135 Processos Incidentes 8............................................................................................................... 137 8.1. CONCEITO ................................................................................................................................139

8.3.

8.4.

8.4.1.

8.5. CONFLITO DE

8.5.1. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES DENTRO DO MESMO

8.5.2. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE ÓRGÃOS DE

8.5.3. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES

8.6.

8.7.

16
EXCEÇÕES 139 8.2.1. EXCEÇÕES DILATÓRIAS 139 8.2.2. PEREMPTÓRIAS..................................................................................................................................................142
8.2.
INCOMPATIBILIDADES E IMPEDIMENTOS......................................................................................143
CONFLITO DE COMPETÊNCIA........................................................................................................143
PREVISÃO LEGAL................................................................................................................................................143 8.4.2. PROCEDIMENTO 143
ÓRGÃOS
MINISTÉRIO PÚBLICO.............................................144
ATRIBUIÇÕES ENTRE
DO
PÚBLICO.........................................................144
MINISTÉRIO
RAMOS DIFERENTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO 145
ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS DIVERSOS 145
RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS ......................................................................................145
PREVISÃO LEGAL 145 8.6.2. PROCEDIMENTO ................................................................................................................................................145 8.6.3. DESTINAÇÃO PROVISÓRIA DOS BENS APREENDIDOS 146 8.6.4. BENS IRRESTITUÍVEIS .........................................................................................................................................146 8.6.5. DESTINAÇÃO FINAL DOS BENS NÃO RESTITUÍDOS 147
8.6.1.
INCIDENTE DE FALSIDADE DOCUMENTAL ......................................................................................148 8.7.1. PREVISÃO LEGAL................................................................................................................................................148 8.7.2. LEGITIMIDADE 148 8.7.3. MOMENTO.........................................................................................................................................................149 8.7.4. PROCEDIMENTO 149 8.8. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO ...................................................................149 8.8.1. PREVISÃO LEGAL ...................................................................................................................................................149 8.8.2. INICIATIVA 150 8.8.3. MOMENTO PARA EXAME ..................................................................................................................................150 8.8.4. PROCEDIMENTO 150 8.8.5. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS .............................................................................................................................150 Sujeitos do Processo Penal 9...................................................................................................... 153 9.1. JUIZ..........................................................................................................................................153 9.1.1. FUNÇÕES 153 9.1.2. IMPEDIMENTO, SUSPEIÇÃO E INCOMPATIBILIDADE 153 9.2. MINISTÉRIO PÚBLICO................................................................................................................154 9.3. ACUSADO.................................................................................................................................154 9.3.1. IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL 154 9.3.2. BANCO DE DADOS DE PERFIL GENÉTICO..........................................................................................................155 9.3.3. BANCO NACIONAL MULTIBIOMÉTRICO E DE IMPRESSÕES DIGITAIS 156 9.3.4. INCONSTITUCIONALIDADE DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO ACUSADO 156 9.4. DEFENSOR................................................................................................................................157 9.5. OFENDIDO................................................................................................................................158 9.5.1. VÍTIMA 158 9.5.2. ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO................................................................................................................................158 9.5.3. QUERELANTE 160 9.6. AUXILIARES DA JUSTIÇA...............................................................................................................160 9.7. ENUNCIADOS DE SÚMULAS......................................................................................................161 9.7.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL..........................................................................................................................161 Comunicação dos Atos Processuais 10 ........................................................................................ 164 10.1. CITAÇÃO...............................................................................................................................164 10.1.1. FORMAS DE CITAÇÃO 164 10.1.2. CITAÇÃO INVÁLIDA 168
17 10.1.3. EFEITOS DA CITAÇÃO VÁLIDA 168 10.2. INTIMAÇÃO ..........................................................................................................................169 10.2.1. INTIMAÇÃO AOS SUJEITOS PROCESSUAIS 169 10.3. CONTAGEM DOS PRAZOS.........................................................................................................173 10.4. ENUNCIADOS DE SÚMULAS...................................................................................................174 10.4.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL........................................................................................................................174 10.4.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 174 Medidas Cautelares 11 .............................................................................................................. 176 11.1. MEDIDAS CAUTELARES DE ORDEM ASSECURATÓRIA .................................................................176 11.1.1. PREVISÃO LEGAL 176 11.1.2. SEQUESTRO......................................................................................................................................................176 11.1.3. HIPOTECA LEGAL 179 11.1.4. ARRESTO PREVENTIVO ....................................................................................................................................180 11.1.5. ARRESTO SUBSIDIÁRIO 181 11.1.6. ALIENAÇÃO ANTECIPADA ................................................................................................................................182 11.1.7. QUADRO SINÓPTICO 183 11.2. MEDIDAS CAUTELARES DE ORDEM PROBATÓRIA .......................................................................184 11.2.1. BUSCA E APREENSÃO.......................................................................................................................................184 11.2.2. INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS 190 11.2.3. ACESSO A REGISTROS TELEFÔNICOS E DADOS CADASTRAIS ..........................................................................195 11.2.4. CAPTAÇÃO AMBIENTAL 196 11.2.5. QUEBRA DE SIGILO FINANCEIRO, BANCÁRIO E FISCAL ...................................................................................200 11.2.6. AÇÃO CONTROLADA 202 11.2.7. INFILTRAÇÃO DE AGENTES POLICIAIS .............................................................................................................203 11.3. MEDIDAS CAUTELARES DE ORDEM PESSOAL ............................................................................207 11.3.1. TEORIA GERAL 207 11.3.2. PRISÃO 208 11.3.3. MANDADO DE PRISÃO 218 11.3.4. RECOLHIMENTO EM ESTABELECIMENTO PENAL FEDERAL ............................................................................223 11.4. MEDIDAS CAUTELARES DE ORDEM PESSOAL DIVERSAS DA PRISÃO ............................................226 11.5. ENUNCIADOS DE SÚMULAS...................................................................................................227 11.5.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL........................................................................................................................227 11.5.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 227 Liberdade 12.............................................................................................................................. 231 12.1. RELAXAMENTO DA PRISÃO ......................................................................................................231 12.2. REVOGAÇÃO DA PRISÃO ..........................................................................................................231 12.3. CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA .................................................................................231 12.3.1. LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA 232 12.3.2. LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA.............................................................................................................235 12.4. ENUNCIADOS DE SÚMULAS ..................................................................................................236 12.4.1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 236 Bibliografia ................................................................................................................................ 238
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Apresentação

Trata-se de uma obra que, mediante exposição em linguagem clara, objetiva e didática, fundamentada em minucioso trabalho de pesquisa na Constituição Federal, Código de Processo Penal, legislação especial, entendimentos doutrinários e decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, traz anotações sobre o conteúdo do direito processual penal pátrio.

O livro foi idealizado a partir de conhecimentos adquiridos com o exercício da docência na disciplina de direito processual penal em curso de Bacharelado em Direito desde o ano de 2004, em pós-graduações de direito processual penal, nas atividades profissionais como integrante do Ministério Público brasileiro desde o ano de 1991 e membro de comissões examinadoras de concursos públicos de provas e títulos para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado daParaíba.

Em doze capítulos, atualizados com a legislação e jurisprudência publicados até o fechamento desta edição, inclusive com o julgamento das ADI”s nºs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, propostas contestando dispositivos da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), com acórdão publicado em 19 de dezembro de 2023, e, ainda, das ADI’s nºs 2.943, 3.309 e 3.318, concluído em 02 de maio de 2024, que estabeleceu parâmetros para as investigações criminais pelo Ministério Público, colocamos à disposição de acadêmicos, candidatos a concursos públicos e profissionais com atuação na área penal uma obra para servir como fonte de consulta sobre linhas introdutórias ao processo penal, inquérito policial, ação penal, ação civil ex delicto, jurisdição criminal, competência criminal, questões prejudiciais, processos incidentes, sujeitos do processo penal, comunicação dos atos processuais, medidas cautelares e liberdade.

Boa leitura.

18 de maio de 2024.

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Luis Nicomedes
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Lições Introdutórias 1

O Estado, ao assumir o monopólio da justiça, substitui a vontade das partes. Assim, passa a deter com exclusividade a titularidade do direito de punir, avocando para si o direito-dever de proteger a sociedade e o membro que vier a violar a ordem jurídica, por intermédio de um processo que é conduzido por um terceiro desvinculado da vontade das partes – o juiz –, a quem cabe o poder de dizer o direito, satisfazendo o jus puniendi do Estado ou garantindo o jus libertatis do acusado.

As normas que compõem o Direito Processual Penal são do direito público. Elas formam o chamado direito instrumental ou adjetivo, o qual visa a instrumentalizar a aplicação do direito material (ou substantivo), disciplinando a persecutio criminis ex judicio e a persecutio criminis in judicio.

O Direito Processual Penal se divide em Direito Processual Penal Comum, objeto da presente obra, Direito Processual Penal Militar e Direito Processual Penal Eleitoral.

1.1. CONCEITO

Ao conceituar o Direito Processual Penal, o professor José Frederico Marques apontou ser ele o “conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as atividades persecutórias da polícia judiciária, a estruturação dos órgãos da função jurisdicional erespectivos auxiliares” (Marques, 2001, p. 16).

1.2. FONTES

Classificação das fontes do Direito Processual Penal:

Materiais (de produção)

Formais (de cognição)

Secundárias

(1) Fontes materiais

Também denominadas de fontes de produção, são responsáveis pela elaboração da norma.

Tendo em vista o que está preceituado no art. 22, inciso I da Constituição Federal, a fonte material, por excelência, do Direito Processual Penal é a União, haja vista que a ela compete privativamentelegislar sobre amatéria.

EmcaráterexcepcionalemedianteautorizaçãoporLeiComplementar,osEstados-membros poderão legislar sobre questões específicas de Processo Penal de interesse local, a teor do art. 22, parágrafoúnicodaCF.Trata-se,aqui,dedelegaçãodecompetênciaprivativadaUnião.

De forma concorrente, a União, os Estados-membros e o Distrito Federal poderão legislar sobre Direito Penitenciário e procedimentos em matéria processual, conforme estabelece o art. 24, incisos I e XI da CF. Nesse caso, a União fixará as normas gerais, enquanto os Estadosmembros e o Distrito Federal fixarão as normas subsidiárias.

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Fontes Primária

(2) Fontes formais

São chamadas de fontes de cognição. Elas são responsáveis pela revelação da norma e se classificam em:

a) fonte primária: a Lei, na sua acepção mais ampla, incluindo os tratados e convenções incorporados à ordem jurídica brasileira;

b) fontes secundárias: costumes, princípios gerais do direito, analogia, doutrina, jurisprudência e direito comparado.

1.3. INTERPRETAÇÃO

Noprocessodeinterpretaçãodanorma,busca-sedeterminaroseusentidoeoseualcance (mens legis).

Autêntica

Sujeito

Jurisprudencial

Doutrinária

Literal

Interpretação

Método

Resultado

1.3.1. CLASSIFICAÇÃO

1.3.1.1. Quanto ao sujeito

Teleológica

Sistemática

Declarativa

Restritiva

Extensiva

Progressiva

1) autêntica: é a interpretação realizada pelo legislador incumbido da elaboração do texto objeto da atividade interpretativa. A própria lei define o significado do termo ou expressão, como, por exemplo, o art. 327, caput e §1º do Código Penal que estabelecem o conceito de funcionário público1;

2) jurisprudencial: é aquela procedida pelos órgãos jurisdicionais (juízes e tribunais) nos seus julgamentos;

3) doutrinária: é a externada pelos estudiosos do direito em livros, artigos científicos e publicações semelhantes.

1Art. 327 do Código Penal: Considera-se funcionário público,paraosefeitospenais,quem,embora transitoriamenteou semremune- ração,exercecargo, empregooufunçãopública.§1º-Equipara-seafuncionáriopúblicoquemexercecargo,empregooufunçãoem entidade paraestatal, e quemtrabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica daAdministração Pública.

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1.3.1.2. Quanto ao método

1) literal: quando o intérprete deve levar em consideração o significado das palavras, a letrada lei;

2) teleológica: o exegeta busca compreender a lei a partir da finalidade para a qual foi criada;

3) sistemática: o dispositivo é interpretado a partir de sua integração com os demais dispositivos pertencentes à mesma lei ou com o sistema geral do direito positivo vigente.

1.3.1.3. Quanto ao resultado

1) declarativa: o significado ou sentido da lei corresponde exatamente à sua literalidade, limitando-se o intérprete a declarar a vontade dela, sem ampliar nem restringir o seu alcance;

2) restritiva: o intérprete, ao considerar que a lei expressa mais do que efetivamente pretendia, restringe o seu alcance no caso concreto;

3) extensiva: a lei preceitua menos do que deveria. Por consequência, para que se possa conhecer a sua exata amplitude, o intérprete necessita estender o seu campo de incidência. Por exemplo: quando se aplica o art. 33 do Código de Processo Penal2 também em relação aooferecimento da representação;

4) progressiva: oexegetabuscaajustaraleiàstransformaçõessociais,jurídicas, científicas e até morais que se sucedem no tempo, adequando-a à contemporaneidade.

Nos termos do art. 3º do CPP, a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

O intérprete e aplicador da lei se utilizará da analogia na hipótese de não haver disposição legal para um caso, desde que haja um semelhante previsto em lei, suprindo, assim, a lacuna do ordenamentojurídico, podendo serusadacontra ou afavor doacusado.

Não há, contudo, que se confundir aplicação analógica com interpretação analógica, que éo processo deinterpretação em que seutiliza a semelhança indicada pela própria lei.

1.4. APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL

1.4.1. APLICAÇÃO TEMPORAL

Ao surgir uma lei nova, primeiramente, faz-se necessário identificar a sua natureza, para que se possa definir a regra de direito intertemporal a ser aplicada.

Nesse sentido, temos:

2 Art. 33 do CPP: Se o ofendido for menor de 18 anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal.

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Lei de natureza material

Lei de natureza processual penal

Lei de natureza mista

Lei de natureza heterotópica

(1) Lei de natureza material

A lei de natureza material penal disciplina o poder punitivo do Estado.

A sua aplicação leva em consideração a lei penal vigente à época da prática delituosa (tempus delicti). Porém, surgindo lei penal nova mais benéfica ao acusado (novatio legis in mellius), sujeitar-se-á às regras da retroatividade ou, se mais gravosa (novatio legis in pejus), da ultratividade da norma revogada em relação aos crimes cometidos antes da entrada em vigor da norma revogadora, conforme assegurado pelo art. 5º, inciso XL da Constituição Federal, que expressa: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

(2) Lei de natureza processual penal

Leis de natureza processual penal dizem respeito ao procedimento ou à forma dos atos processuais. Portanto, ao entrarem em vigor, terão efeito geral e imediato, respeitados o ato jurídico perfeito, o direitoadquirido e acoisajulgada(art.5º,incisoXXXVI, CF c/c art. 6º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Nesse sentido, o art. 2º do Código de Processo Penal, consagrando o princípio tempus regit actum, expressa que “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob avigênciadalei anterior”.

Emergem, pois, do princípio tempus regit actum, dois efeitos: a imediatividade e a irretroatividade.

Destarte, pouco importando a data em que o fato criminoso foi cometido, prevalece a imediatividade na aplicação temporal da lei processual penal brasileira, o que significa que, a partir de sua entrada em vigor, ela será aplicada não somente aos novos processos, mas, também, aos futuros atos processuais dos processos em curso.

Em decorrência da irretroatividade, tanto os atos praticados na vigência da lei revogada quanto os seus efeitos permanecem válidos.

É a adoção do denominado sistema de isolamento dos atos processuais

No entanto, a imediatividade da lei processual penal não é absoluta. Ela é mitigada, se a lei nova, conferindo ultratividade, ainda que parcial, à lei anterior, expressamente declarar sua não aplicabilidade aos processos em tramitação.

Da mesma forma, constitui exceção à imediata aplicação da lei processual penal, quando a nova lei for prejudicial ao réu, suprimindo ou relativizando garantias antes previstas para o processo em tramitação. Por exemplo: proferida a sentença no processo, durante a fluência do prazo para interposição de recurso, entra em vigor lei processual que extingue o instrumento de irresignação. Nesse caso, o sentenciado ainda poderá dele se utilizar, porque estava previsto na lei revogada, que vigia à época em que a sentença foi proferida. Caso a nova lei tivesse entrado em vigor antes da sentença, o sentenciado não faria jus ao recurso por ela extinto.

17
Leis

(3) Lei de natureza mista (ou híbrida)

É a lei que apresenta dupla natureza (material e processual). Nesse caso, se o conteúdo material for benéfico ao acusado, serão utilizados os critérios mencionados no subitem 1. Com relação às disposições de natureza processual penal, elas seguirão as regras citadas no subitem 2.

Como exemplo: a lei antidrogas (Lei nº 11.343/2006) tem natureza mista, porquanto regula questões materiais penais e processuais penais.

(4) Lei de natureza heterotópica

Doutrinariamente, diferencia-se da norma de natureza mista por se encontrar em diploma legal de caráter distinto do seu conteúdo. Assim, tem-se uma norma material inserida em lei processual ou uma norma processual disposta em lei material.

Desse modo, inobstante estar previsto em norma processual penal, o dispositivo eminentemente material terá sua aplicação conforme as regras que lhe são próprias e vice-versa.

Por exemplo: o art. 60 do CPP é norma processual heterotópica, posto que, embora manifesta em lei processual penal, trata da perempção, uma das causas de extinção da punibilidade, questão de cunho material. Logo, qualquer alteração que importe em agravamento dasituaçãodo querelado, não terá aplicação aoprocesso.

Tem-se, ainda, o fenômeno da repristinação, que consiste no restabelecimento da vigência da lei revogada em decorrência da revogação da norma que a revogou. A sua ocorrência dependerá sempre de determinação legal expressa, tudo consoante prevê o art. 2º, § 2º da Lei de Introdução às Normas doDireito Brasileiro –LINDB.

1.4.2. APLICAÇÃO ESPACIAL

À lei penal, aplicam-seosprincípiosdaterritorialidade(art. 5º, CP) edaextraterritorialidade (art. 7º, CP); à lei processual penal comum, o princípio da territorialidade – lex fori (art. 5º, CP). Ou seja, as normas processuais penais brasileiras somente são aplicadas dentro dos limites do território nacional, incluído o denominado território por extensão (art. 5º, § 1º, CP).

O Código de Processo Penal, em seu art. 1º, estabelece que o processo penal será por ele regido, excetuando-se situações previstas em tratados, convenções ou regras de direito internacional, ou, ainda, em normas legais especiais, quando será aplicado de forma subsidiária, senecessário.

A propósito, as ressalvas mencionadas no art. 1º do CPP não são exceções à territorialidade da lei processual penal brasileira, mas apenas à territorialidade do Código de Processo Penal.

1.4.3.

APLICAÇÃO QUANTO ÀS PESSOAS

A lei processual penal, em geral, aplica-se a todos que estejam no território nacional. Contudo, diante da função ou das atividades que exercem, determinadas pessoas recebem tratamento jurídico diferenciado. São as denominadas imunidades processuais penais, que não prestigiam a pessoa do agente beneficiado, mas a função exercida por ele, na forma a seguir referenciada.

1.4.3.1.

Imunidades diplomáticas

As intituladas imunidades diplomáticas decorrem da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (CVRD), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 103/1964 e ratificada em 23 de fevereiro de 1965, e da Convenção de Viena Sobre Relações Consulares (CVRC), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 06/1967 e ratificada em 20 de abril de 1967.

De pronto, é importante diferenciar as figuras dos agentes diplomáticos daquelas dos membros de uma repartição consular:

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a) Agentes diplomáticos (art.1º daCVRD):

• Chefe da Missão (pessoa encarregada pelo Estado acreditante de agir nessa qualidade);

• Membros do Pessoal Diplomático (são os membros do pessoal da Missão que tiverem aqualidade de diplomatas);

b) Membros de uma repartição consular (art. 1º da CVRC):

• Funcionários consulares (todas as pessoas, inclusive o chefe da repartição consular, encarregadas, nesta qualidade, do exercício de funções consulares);

• Empregados consulares (todas as pessoas empregadas nos serviços administrativos ou técnicos de uma repartição consular);

• Membros do pessoal de serviço (todas as pessoas empregadas no serviço doméstico de umarepartição consular).

Em síntese:

CVRD

Agentes diplomáticos

Os locais da Missão são invioláveis (edifícios, ou parte dos edifícios, e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da Missão inclusive a residência do Chefe da Missão).

Os Agentes do Estado acreditado não poderão penetrar nesses locais sem o consentimento do Chefe da Missão.

Os arquivos e documentos da Missão são invioláveis, em qualquer momento e onde quer que se encontrem.

A pessoa do agente diplomático é inviolável. Portanto, ele não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão.

CVRC

Membros de uma repartição consular

Os locais consulares serão invioláveis. (edifícios, ou parte dos edifícios, e terrenos anexos, que qualquer que, seja seu proprietário, sejam utilizados exclusivamente para as finalidades da repartição consular). As autoridades do Estado receptor não poderão penetrar na parte dos locais consulares que a repartição consular utilizar exclusivamente para as necessidades de seu trabalho, a não ser com o consentimento do chefe da repartição consular, da pessoa por ele designada ou do Chefe da Missão diplomática do Estado que envia. Todavia, o consentimento do chefe da repartição consular poderá ser presumido em caso de incêndio ou de outro sinistro que exija medidas de proteção imediata.

Os arquivos e documentos consulares serão sempre invioláveis, onde quer que estejam.

Os funcionários consulares não poderão ser detidos ou presos preventivamente, exceto em caso de crime grave e em decorrência de decisão de autoridade judiciária competente.

Em caso de detenção, prisão preventiva de um membro do pessoal consular ou de instauração de processo penal contra ele, o Estado receptor deverá notificar imediatamente o chefe da repartição consular. Se este último for o objeto de tais medidas, o Estado receptor levará o fato ao conhecimento do Estado que o enviar, por via diplomática.

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A residência particular do agente diplomático goza da mesma inviolabilidade e proteção que oslocais da missão.

Seus documentos, sua correspondência e, sob reservado disposto no § 3º do art. 31, seus bens gozarão igualmente de inviolabilidade.

O agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado.

Os funcionários consulares e os empregados consulares não estão sujeitos à Jurisdição das autoridades judiciárias e administrativas do Estado receptor pelos atos realizados no exercício das funções consulares.

O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como testemunha.

Os funcionários consulares poderão ter instaurado contra si processo penal, sendo obrigados a comparecer perante as autoridades competentes.

Os membros de uma repartição consular poderão ser chamados a depor como testemunhas no decorrer de um processo judiciário ou administrativo.

Um empregado consular ou um membro do pessoal de serviço não poderá negar-se a depor como testemunha, exceto sobre fatos relacionados com o exercício de suas funções.

Não serão obrigados a exibir correspondência e documentos oficiais que se refiram com o exercício de suas funções.

Poderá, igualmente, recusar-se a depor na qualidade de peritos sobre as leis do Estado que envia.

Seumfuncionárioconsularserecusaraprestardepoimento,nenhuma medida coercitiva ou qualquer outra sanção ser-lhe-á aplicada

A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditado não o isenta da jurisdição do Estado acreditante.

O Estado acreditante pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam de imunidade nos termos do artigo 37.

A renúncia será sempre expressa.

Se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37 inicia uma ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção ligada à ação principal.

Os membros da família de um agente diplomático que com ele vivam gozarão dos privilégios e imunidade mencionados nos artigos 29 e 36, desde que não sejam nacionais do estado acreditado.

A autoridade que solicitar o testemunho deverá evitar que o funcionário consular seja perturbado no exercício de suas funções. Ela poderá tomar o depoimento do funcionário consular em seu domicílio ou na repartição consular, ou aceitar sua declaração por escrito, sempre que for possível.

Quandoumprocessopenalforinstauradocontrafuncionárioconsular honorário,esteéobrigadoaseapresentaràsautoridadescompetentes. Entretanto, o processo deverá ser conduzido com as deferências que lhe são devidas, de maneira a perturbar o menos possível o exercício das funções consulares em razão de sua posição oficial, exceto no caso de ele estar preso ou detido, Quando for necessário decretar a prisão preventiva de um funcionário consular honorário, o processo correspondente deverá iniciar-se o mais breve possível.

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A não ser na medida em que o Estado acreditado conceda outros privilégios e imunidades, o agente diplomático que seja nacional do referido Estado ou nele tenha residência permanente gozará da imunidade de jurisdiçãoe de inviolabilidade apenas quanto aos atos oficiais praticados no desempenho de suas funções.

1.4.3.2. Imunidades de parlamentares federais

Existem duas modalidades de imunidade para o parlamentar federal: a imunidade material e aimunidade formal (processual).

As imunidades de Deputados Federais ou Senadores subsistirão, ainda que em estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços (2/3) dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional e que sejam incompatíveis com a execução da medida (art. 53, § 8º, CF).

A imunidade é irrenunciável em razão de não ser um privilégio pessoal dos Deputados Federais e Senadores, mas uma prerrogativa de caráter institucional conferida ao Poder Legislativo que assegura aos seus membros a independência necessária para o desempenho dasfunçõesdecorrentesdomandatoqueexercem.Dessaforma,oparlamentarnãotemopoder dedispor dela.

As imunidades parlamentares não beneficiam o corréu não parlamentar, consoante explicitado na Súmula 245 do STF: “A imunidade parlamentar não se estende ao co-réu sem essa prerrogativa”(sic).

1.4.3.2.1. Imunidade parlamentar material

A imunidade parlamentar material (também denominada de penal ou absoluta), prevista no art. 53, caput da CF diz respeito à inviolabilidade, civil e penalmente, dos Deputados Federaise Senadores por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos no exercício de suas funções.

Proferidas no plenário da Casa Legislativa, dispensa-se a prova de conexão com o exercício do mandato. Todavia, em local distinto do plenário para incidir a imunidade necessário se faz a existência de nexo de causalidade entre o pronunciamento e a atividade política.

A natureza jurídica da imunidade parlamentar material é causa de exclusão da tipicidade da conduta.

1.4.3.2.2. Imunidade parlamentar formal

Extrai-se do art. 53 da CF que a imunidade formal (processual ou relativa) em relação a Deputados Federais eSenadores compreende:

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Imunidade parlamentar formal

Possibilidade de suspensão da ação penal

Direito a não ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável

Possibilidade de sustação de medidas cautelares de natureza pessoal diversa da prisão

Instauração de inquérito policial

Foro por prerrogativa de função

Imunidade para testemunhar

(1) Possibilidade de suspensão da ação penal

Determina o art. 53, §§ 3º, 4º e 5º da CF que, recebida a denúncia contra o senador ou deputado federal, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioriade seus membros, poderá, até a decisão final, sustar oandamento da ação.

É o que a doutrina chama de imunidade mitigada, uma vez que a sustação do andamento da ação depende de uma ação na Casa Legislativa correspondente.

O controle pelo Poder Legislativo não se refere à necessidade de licença prévia para processar o parlamentar, mas o seu exercício ocorre depois de recebida a peça acusatória inicial na Suprema Corte, consequentemente, já iniciada a ação penal, devendo a Casa Legislativa respectiva apreciar o pedido de sustação no prazo improrrogável de 45 (quarenta e cinco) dias do seu recebimento pela Mesa Diretora, sob pena de afastar a possibilidade de suspensão do processo criminal.

Deferida a sustação, o que poderá ocorrer enquanto não transitar em julgado a decisão judicial, cria-se mais uma causa suspensiva da prescrição, que somente voltará a correr após encerrado o mandato eletivo.

(2) Direito a não ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável

Estabelece o § 2º do art. 53 da CF que, desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante delito por crime inafiançável. Nesse caso, o auto de prisão em flagrante será remetido dentro de 24 (vinte e quatro) horas à Casa Legislativa respectiva para que, pelo voto da maioria de seus membros, delibere sobre a manutenção (ou não) da prisão.

A imunidade relativa à prisão é também denominada de “incoercibilidade pessoal dos congressistas”

Entretanto, na AC nº 4.039, sob Relatoria do então Min. Teori Zavascki, julgado em 25 de novembro de 2015, a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal, decidiu pela possibilidade de decretação da prisão preventiva de Senador da República, senão vejamos: “Ementa: Constitucional. Processual penal. Prisão cautelar. Senador da República. Situação de flagrância.Presença dos requisitos de prisão preventiva. Inafiançabilidade. Cabimento da prisão cautelar (art. 53, §2º, daCF). Decisão referendada”3

3 Disponível em https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22AC%204039%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true Acesso 13 de maio de 2024.

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(3) Possibilidade de sustação de medidas cautelares de natureza pessoal diversas da prisão

Em relação à imposição de medidas cautelares de natureza pessoal diversas da prisão, o PlenáriodaSupremaCorte,nojulgamentodaADI5.526/DF,decidiuqueosparlamentaresfederais estarão sujeitos a medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, tanto em substituição a prisão em flagrante delito por crime inafiançável, quanto em graves e excepcionais circunstâncias, as quais,umavezaplicadas,casoimpossibilitem,diretaouindiretamente,oplenoeregularexercício do mandato parlamentar e de suas funções legislativas, deverão ser submetidas à deliberação da respectiva Casa Legislativa em 24 (vinte e quatro) horas, para que, por voto nominal e aberto da maioriadosseusmembros,resolvasobreamedida(art.53,§2º,CF).

(4) Instauração de inquérito policial

Para a instauração de inquérito policial visando a investigar Deputado Federal ou Senador é preciso autorização prévia do Supremo Tribunal Federal, órgão jurisdicional competente para julgá-los em eventual ação penal, a quem caberá supervisionar o procedimento policial, desde asuaaberturaatéooferecimento(ou não)dedenúnciapelo titulardodireito deação, sob pena denulidade4 .

(5) Foro por prerrogativa de função

Os Deputados Federais e Senadores, nos termos do art. 53, § 1º da CF, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido, tem-se o art. 102, inciso I, alínea “b” da Carta Magna, o qual afirma que ao STF compete processar e julgar, originariamente, “nas infrações penais comuns [...] os membros doCongresso Nacional [...].”.

Por infrações comuns entende-se todas as infrações penais, incluindo os crimes eleitorais e as contravenções penais.

Na data de fechamento da presente edição, prevalece o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal que, encerrado o mandato parlamentar, cessa o foro especial por prerrogativade função.

De forma mais detalhada, o tema é estudado no item 6.3.2, para o qual remetemos o leitor.

(6) Imunidade para testemunhar

A Carta Constitucional, no prefalado art. 53, em seu § 6º, assegura aos Deputados e Senadoresanãoobrigatoriedadedetestemunharsobreinformaçõesrecebidasouprestadasem razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.

1.4.3.3. Imunidades de deputados estaduais

A imunidade parlamentar de Deputados Federais e Senadores se estende aos deputados estaduais por força do art. 27, § 1º da CF: “Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades,remuneração,perdademandato,licença,impedimentoseincorporaçãoàsForças Armadas”.

Para evitar repetições, reportamo-nos aos comentários constantes do item 1.4.3.2, observando-se que os órgãos correspondentes ao Congresso (Câmara de Deputados Federais e Senado) e ao STF, em nível estadual são, respectivamente, a Assembleia Legislativa e o Tribunal deJustiça.

Como afirmado anteriormente, as imunidades parlamentares não beneficiam o coautor não parlamentar, consoante o enunciado da Súmula 245 do STF.

4“[...] 5.Acompetência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar parlamentar federal alcança a supervisão de investigação criminal. Atos investigatórios praticados sem a supervisão do STF são nulos. [...]” (STF, Inq 3.438/SP, Relª Minª RosaWeber, j. em 06/02/2015, pub. no DJe de 10/02/2015).

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1.4.1.4. Imunidades de vereadores

O art. 29, inciso VIII da CF confere aos vereadores imunidade parlamentar material, ou seja, a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e nos limites da circunscrição do município em que o exerce.

Em que pesem tentativas de prever em Constituições Estaduais a concessão de imunidades processuais aos membros do Poder Legislativo Municipal não é possível por se tratar de matéria relativa a direito processual, cuja competência para legislar é exclusiva da União (art. 22, inciso I, CF).

Desse modo, aos vereadores não é concedida imunidade processual, mas, apenas, imunidadematerial.

1.4.1.5. Imunidades do Presidente da República

Na vigência do mandato, a teor da cláusula de exclusão contida no art. 86, § 4º da CF, o Presidente da República não poderá ser acusado em juízo por atos estranhos ao exercício de suas funções.

No entanto, tratando-se de atos propter officium, poderá ser responsabilizado pelos denominados crimes funcionais, cuja qualidade de funcionário público é elementar do tipo penal, v.g., nos crimes praticados por funcionários públicos contra a administração (arts. 312 a 327 do CP) ou nos previstos no art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67, submetidos a julgamento pelo PoderJudiciário, observando-seque:

a) aaçãopenalsomentepoderáseriniciadacasoadmitidaaacusaçãopor(2/3)doisterços da Câmara dos Deputados, prosseguindo o seu processamento e o seu julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (art. 86, caput c/c art. 102, inciso I, alínea “b”, todos da CF);

b) nos termos do art. 86, §§ 1º e 2º da CF, ficará suspenso de suas funções se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo STF, cessando o afastamento se, decorrido o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o julgamento não estiver concluído, sem prejuízo do regular prosseguimento da ação penal;

c) não estará sujeito a prisão, enquanto não sobrevier sentença condenatória (art. 86, § 3º, CF).

Todavia, para a realização de investigações criminais, não incide a vedação prevista no art. 86, § 4º da CF, tampouco há a necessidade da autorização da Câmara de Deputados, preceituada no art. 51, inciso I, também da Carta Constitucional, supracitadas, mediante prévia anuência e devidasupervisão do Supremo Tribunal Federal.

1.4.1.6. Imunidades conferidas a outros agentes públicos

Outras imunidades processuais penais serão abordadas ao longo da presente obra.

1.5. VIGÊNCIA,

REVOGAÇÃO, AB-ROGAÇÃO E DERROGAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL

A lei processual penal entra em vigor na data de sua publicação ou naquela do dia posterior à vacância, quando o legislador assim estabelecer. Se ele silenciar, a sua vigência ocorrerá após 45 (quarenta e cinco) dias de oficialmente publicada, nos termos do art. 1º da LINDB (DecretoLei nº 4.657/42, com as alterações legislativas posteriores).

A suarevogação, total(ab-rogação) ouparcial (derrogação), dar-se-á:

a) quando a lei nova expressamente declara revogada a lei anterior; ou,

b) tacitamente, quando a lei nova se mostrar incompatível ou regular inteiramente a

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1.6. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Sistemas processuais penais

Sistema inquisitorial

Sistema acusatório

Sistema misto

Puro

Impuro

1.6.1. SISTEMA INQUISITORIAL

Caracteriza-se pela concentração dos poderes de acusar, defender e julgar em um único órgão, denominado juiz inquisidor, a quem cabe iniciar o processo e proceder irrestritamente à investigação eàgestão das provas.

O acusado não é visto como um sujeito de direitos, mas como um mero objeto do processo, a quem não é assegurado o exercício do contraditório, tampouco o da ampla defesa.

Outra característica do modelo é a adoção, na apreciação dos elementos probatórios,do sistema da prova legal, não valorando o julgador livremente a prova, mas seguindo critérios legais preestabelecidos.

1.6.2. SISTEMA

ACUSATÓRIO

Apresenta-se pela separação das funções de acusar, defender e julgar, entre sujeitos processuais distintos, legítimo ato de três pessoas (actum trium personarum): o autor que pede, oréu quese defende eo juizque julga.

A gestão da prova, prioritariamente, é das partes, as quais indicarão aquelas que pretendem produzir no feito. A iniciativa probatória se reserva ao magistrado de forma subsidiáriaà fasejudicial.

A separação rígida entre o juiz e a acusação, a paridade entre acusação e defesa, a publicidade e a oralidade do julgamento são características marcantes do sistema acusatório5

Devem, ainda, ser respeitados os princípios da inércia da jurisdição, do contraditório, da ampla defesa, da isonomia processual, da publicidade e o da motivação das decisões judiciais (veritem 1.7).

Sob o ponto de vista doutrinário, o sistema acusatório se subdivide em acusatório puro e acusatório impuro: no primeiro, ao juiz é vedada a prática de quaisquer atos probatórios, ainda que residualmente; no segundo, há permissão para a coleta de provas de ofício pelo magistrado em busca daverdade real do processo.

No entanto, parcela doutrinária considera que a verdade real do processo é um dogma inatingível, razão pela qual prefere denominá-la verdade processualmente construída ou verdadehumanamente possível6 .

1.6.3.

SISTEMA MISTO

É o sistema processual que apresenta duas fases distintas: a primeira, tipicamente inquisitorial, tem a finalidade de apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. É

5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 518.

6 TÁVORA, Nestor; Araújo,Fábio Roque.Código deprocessopenal comentado, 8. ed., rev. ampl. e atual., Salvador: Juspodivm,2017,p. 17

25 matériada lei anterior.

desenvolvida sem acusação formal, e, consequentemente, sem a existência de contraditório; a segunda fase, por sua vez, transcorre com todas as garantias advindas do sistema acusatório. Nos países que adotam o sistema misto, há a etapa instrutória, conduzida por um juiz de instrução, e a etapa de julgamento, sob a responsabilidade de um outro juiz, mas todas em um mesmo processo.

1.6.4. MODELO BRASILEIRO

O legislador brasileiro acolheu o sistema processual acusatório impuro, inobstante parcela minoritária da doutrina pátria insista na defesa da adoção do sistema misto, por visualizar no inquérito policial uma fase inquisitorial do processo penal, o que não prospera, já queoinquéritopolicialéumprocedimento administrativo,nãosetratando, pois, deumaetapa processual.

ALeinº13.964/2019,queintroduzoart.3º-AaoCódigodeProcessoPenal,temapretensão de encerrar a controvérsia, haja vista que, expressamente, dispõe que o processo penal terá estrutura acusatória, sendo vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

O pleno do Supremo Tribunal Federal, julgando as ADI’s nºs 6.298/DF, 6.299/DF, 6.300/ DFe6.305/DF,decidiuqueoart.3-AdoCPP,comaredaçãodadapelaLeinº13.964/2019,“deve ser interpretado de modo a vedar a substituição da atuação de qualquer das partes pelo juiz, sem impedir que o magistrado, pontualmente, nos limites legalmente autorizados, determine a realização de diligências voltadas a dirimir dúvida sobre ponto relevante”7 .

1.7. FUNDAMENTOS PRINCIPIOLÓGICOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL

O Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que representam postulados fundamentais da política processual penal de um Estado8 .

1.7.1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EXPLÍCITOS

1.7.1.1. Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III da Constituição Federal, é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Ele serve como bússola para todo o sistema, no que diz respeito à criação legislativa, bem como para aferir a validade das normas que lhe são inferiores8 .

O princípio reconhece que a pessoa humana tem um valor intrínseco em razão da sua própria condição humana. Éo respeito dohomem pelo próprio homem.

Há, inegavelmente, grande dificuldade em se conceituar com exatidão o significado de “dignidade da pessoa humana”, diante de sua amplitude, razão pela qual se tem optado por examiná-la de acordo com os elementos do caso concreto, para se estabelecer a ocorrência (ou não)de mácula a esse princípio.

1.7.1.2. Princípio do devido processo legal

O art. 5º, inciso LIV da CF exprime que ninguém será privado da sua liberdade e de seus bens sem o devido processo legal.

Para que se atenda ao princípio-garantia, é preciso que se tenha um processo justo, desenvolvido consoante formas legais estabelecidas em plena harmonia com a Constituição

7 Consulta realizada na página eletrônica https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15363755297&ext=.pdf , acesso em 11 de maio de 2024.

8 FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de processo penal, 14. ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 57.

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da República (processo legal substancial – substantive due process), no qual a atuação do poder jurisdicional deve seguir as formas instrumentais do processo, previamente estabelecidas em lei ordinária (devido processo legal processual – procedural due process).

A Constituição Federal, aliás, dispõe, no seu art. 5º, § 2º, que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

O devido processo legal, assim, conduz toda a função jurisdicional do Estado, coordenando os demais princípios processuais entre si, a fim de permitir um processo justo.

O respeito ao devido processo legal pressupõe necessariamente a observância aos demais princípios-garantia a seguir relacionados, sem prejuízo de outros que serão examinados mais adiante.

1.7.1.3. Princípio do juiz natural

O art. 5º, inciso LIII da Constituição Federal determina que “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, e, no seu inciso XXXVII, que “Não haverá juízo outribunal deexceção”.

A competência do juízo para processamento e julgamento da causa decorre de determinação constitucional ou legal antecedente ao fato, estabelecida em abstrato, vedandose a criação de juízos ou tribunais com o fim específico de julgar o objeto do processo.

Procura-se, com a fixação prévia do juiz natural, assegurar um julgador imparcial para a causa, o qual não seja escolhido à mercê de interesses particulares.

1.7.1.4. Princípio do contraditório e da ampla defesa

Expressa o art. 5º, inciso LV da Constituição Federal que, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios erecursos a elainerentes”.

O contraditório, em definição clássica, é representado pelo binômio ciência e reação, assegurando-se às partes o direito de serem cientificadas dos atos e termos do processo e, querendo, o de contestá-los. É a garantia da audiência bilateral nos atos processuais (audiatur et altera pars – seja ouvida também a parte adversa).

Há necessidade, sem dúvidas, para efetividade do princípio-garantia, que se assegure um contraditório pleno e efetivo durante todo o processo, o que permite às partes a ciência formal dos atos da parte adversa e do juiz e a utilização de todos os meios necessários para contrariálos em igualdadede condições (paridade de armas).

Ao juiz, exige-se a apreciação imparcial das alegações e provas indicadas pelas partes.O contraditório, obrigatório na fase judicial, classifica-se em:

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Contraditório real (Contraditório para a prova)

Contraditório

Exercido durante a produção da prova, com a presença das partes e do juiz, como, por exemplo, durante a prova testemunhal colhida em audiência judicial em que se assegura a intervenção da parte que a indicou, em seguida, da parte contrária, e, ao final, se necessário, da autoridade que preside o ato

Contraditório diferido ou postergado (Contraditório sobre a prova)

É exercido depois da formação da prova Nesse caso, as partes tomarão posteriormente conhecimento do teor da prova produzida podendo, em seguida, contrariá-la, inclusive com arguição de eventual ilicitude a fim de invalidá-la É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação autorizada judicialmente na fase investigatória em que a defesa somente terá acesso ao seu conteúdo depois de concluída a diligência, com juntada do laudo de degravação e do resumo das operações realizadas (Lei nº 9 296/96, art 6º) O sigilo tem por objetivo evitar prejuízos na coleta dos elementos probatórios

Porém, denada adiantaria, a ciênciadedeterminada provaproduzidaporumadas partes sem que à parte contrária fossem disponibilizados meios processuais para contraditá-la.

O princípio-garantia da ampla defesa, por sua vez, compreende:

Defesa Técnica

Ampla defesa

Autodefesa

Direito de audiência

Direito de presença

Direito de provar

Direito de recorrer

(1) Defesa técnica

É exercida por profissional da advocacia, dotado de capacidade postulatória.

É indisponível e irrenunciável, consoante exegese do art. 261 do CPP que dispõe: “Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado e julgado sem defensor”.

A inobservância da regra resultará em nulidade absoluta por violação à garantia da ampla defesa, nos termos do art. 564,III, “c”doCPP.

Ao acusado é conferido o direito de indicar seu defensor, somente cabendo a nomeação deste (defensor público ou advogado dativo) pelo juiz, subsidiariamente, na hipótese de abandono do processo pelo advogado constituído e, após instado a constituir novo causídico, o processo permaneceu inerte, ou, ainda, na hipótese de não ser localizado. Nesse caso, a todo tempo, o acusado poderá indicar outro causídico de sua confiança ou atuar em causa própria, caso tenhahabilitação (art. 263, caput, CPP).

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O Estado, por dever constitucional (art. 5º, inciso LXXIV, CF), deverá colocar à disposição do acusado que não possa contratar um advogado, por insuficiência de recursos financeiros, assistência jurídica integral e gratuita, o que faz por intermédio das Defensorias Públicas (art. 134, CF).

Adefesa técnica não poderá sermeramente formal, mas sim plenae efetiva, sob pena de ser considerada como verdadeira ausência de defesa, em consequência, nulificando o feito de formaabsoluta.

Não há, entretanto, que se confundir falta de defesa com deficiência de defesa, cuja consequência a Suprema Corte expressou no enunciado da Súmula 523: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só anulará se houver prejuízo parao réu”.

A alegação de deficiência de defesa, aliás, deverá ser acompanhada de prova da inércia ou desídia do defensor, de modo a demonstrar o prejuízo concreto sofrido pelo réu.

Inexiste impedimento para que um mesmo defensor patrocine os interesses no processo de dois ou mais acusados, desde que não haja teses colidentes entre si, como, por exemplo, a trocadeacusaçõesmútuassobrequemseriaoverdadeiroautordocrime,objetodaaçãopenal.

(2) Autodefesa

É a defesa exercida pelo próprio acusado no curso do processo, sendo renunciável.

A autodefesa se revela por intermédio do direito de audiência, do direito de presença, do direito de provar e do direito de recorrer, senão vejamos:

Direito de audiência

Autodefesa

Direito de presença

Direito de provar

Direito de recorrer

Direito de ser ouvido diretamente pelo juiz da causa, por intermédio de interrogatório, ocasião em que, caso não invoque o direito ao silêncio, poderá expor a sua versão sobre a acusação que lhe é feita

É assegurado o direito e oo acusado de acompanhar a instrução processual, sendo imprescindível sua intimação e de seu defensor para os atos do processo A presença física do acusado, no entanto, poderá sofrer restrições à luz do art 217 do CPP, que confere ao juiz, verificando que a presença do réu causará humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, a possibilidade de realizar a inquirição por videoconferência e, na impossibilidade dessa forma, determinar a sua retirada da sala de audiências, permanecendo apenas seu defensor no recinto.

Tem o direito de provar os argumentos contrapostos à hipótese acusatória e/ou comprobatórios de sua tese defensiva;

Direito de o acusado de se insurgir, por intermédio de recurso, contra uma decisão que considere desfavorável às suas pretensões, requerendo o seu reexame pela mesma ou por superior instância, conforme o instrumento recursal utilizado

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1.7.1.5. Princípio da presunção deinocência

O art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal dispõe que ninguém será considerado culpado até otrânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Para alguns doutrinadores, a denominação correta a ser dada ao princípio-garantia é de “presunção de inocência”; para outra parcela, “estado de inocência ou de não culpabilidade”. Não há, todavia, diferença essencial entre os significados de tais designações, pois “tratar o acusado de não culpado é o mesmo, do ponto de vista jurídico, que tratá-lo como inocente”9

Em termos processuais, duas regras fundamentais norteiam a presunção de inocência:

1) Regra de tratamento: representa a garantia de que toda forma de prisão antes de sentença penal condenatória transitada em julgado tem caráter cautelar, cabível, excepcionalmente, em situações concretas previstas na legislação e que visam a assegurar a efetividade do processo e/ou da própria realização da jurisdição penal10 .

Como estabelece o dispositivo constitucional (art. 5º, inciso LVII, CF), o estado de inocência será afastado com a sentença penal condenatória definitiva.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de mérito das ADC’s 43, 44 e 54, realizadoem07denovembrode2019,decidiuqueaexecuçãoantecipadadapena,antesdotrânsito emjulgadodasentençapenalcondenatória,violaagarantiadapresunçãodeinocência,declarando constitucionaloart.283doCPP,reconhecendo,entretanto,apossibilidadededecretaçãodaprisão namodalidadecautelar,quandopreenchidososrequisitosdoart.312doCPP;

2) Regra de julgamento ou probatória: impõe à parte acusadora o ônus probatório referente à materialidade e à autoria do fato criminoso. Não conseguindo fazer a prova,ainda que o acusado nada produza como contraponto à hipótese fática acusatória, a sua absolvição seimpõe.

1.7.1.6. Princípio da motivação

A Constituição Federal estabelece, no art. 93, inciso IX, que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

A fundamentação de uma decisão abrange a exposição das razões de fato e de direito que serviram para formação do convencimento do julgador.

A praxe forense, embora não considerada por alguns juristas como a mais adequada, admite que não configura negativa de prestação jurisdicional ou inexistência de motivação, a técnica da fundamentação per relationem, na qual o magistrado se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir.

1.7.1.7. Princípio da publicidade

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LX, determina que todos os atos processuais são, em regra, públicos, somente podendo ser restringida sua publicidade quando a defesa da intimidadeouointeresse social oexigirem.

O art. 93 da Carta Constitucional, inciso IX, prevê a publicidade dos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, ao órgão do Ministério Público, às partes e/ou a seus advogados.

Oart.792doCPP, caput e§1º,estabelecequeasaudiências,assessõeseosatosprocessuais serão, em regra, públicos. Entretanto, se da publicidade puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de

9REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 108.

10 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18. ed., rev., amp. e atual. São Paulo:Atlas, 2014, p. 48.

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ofício ou a requerimento da parte ou do órgão do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado aportas fechadas, limitando o número depessoas que possam estar presentes.

Portanto, o princípio-garantia da publicidade não é absoluto, sendo mitigado, excepcionalmente, para preservação da intimidade dos envolvidos na persecução penal, do interessesocial ou do interesse público.

Isso é o que se convencionou denominar, na praxe forense, “segredo de justiça”, cuja restrição à publicidade de processos ou de atos processuais específicos decorrerá de previsão contida diretamente na lei ou em ordem judicial, nos casos em que aquela conferir ao juiz a faculdade dadecretação damedidafundamentada em circunstâncias nela especificadas. Importante destacar que o sigilo será sempre em relação a terceiros, nunca quanto às partes do processo diante da necessidade de exercício do contraditório (real ou diferido).

1.7.1.8. Princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos

Oart.5º,incisoLVIdaConstituiçãoFederalestabeleceque“Sãoinadmissíveis,noprocesso, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Portanto, a consequência jurídica do reconhecimento da obtenção da prova por meio ilícito (prova ilícita originária) é a sua inadmissibilidade no processo.

Entretanto, de forma excepcional, será possível a sua utilização pro reo, haja vista que as garantias do direito de defesa (art. 5º, inciso LV, CF) e da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, CF) superam o direito estatal de punir (jus puniendi), não tendo sentido uma regra de efetiva proteção de direitos fundamentais voltar-se contra o seu primitivo e originário titular.

Relativamenteàutilizaçãodaprovailícitaemfavordaacusação(provailícita pro societate), a possibilidade é rejeitada majoritariamentepela doutrinae pela jurisprudência pátria.

Por sua vez, o art. 157 do Código de Processo Penal declara que “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação anormas constitucionais oulegais”.

Assim, considera-se como prova ilícita aquela obtida originariamente com violação a normas constitucionais ou legais.

Parte da doutrina nacional, com cuja posição concordamos, considera que o referido art. 157 do CPP se refere única e exclusivamente às normas de direito material, razão pela qual as provas ilegítimas devem receber o tratamento destinado às nulidades (art. 573, CPP), enquanto as provas ilícitas devem ser desentranhadas da ação.

Nessa linha de raciocínio, temos a seguinte classificação:

Prova ilícita É a obtida com violação a normas de direito material (penal ou constitucional) Inadmissibilidade

Prova ilegal

Prova ilegítima A que ofende normas processuais Nulidade

Portanto, a prova originariamente ilícita é a prova colhida com violação ao direito material. A ilegalidade ocorre no momento de sua obtenção, cuja consequência é a sua inadmissibilidade (art. 157, caput, CPP), enquanto a prova ilegítima viola normas processuais no momento da sua produção ou da sua inserção no processo, devendo ser reconhecida a sua nulidade. Essa prova é sempre endoprocessual. Porém, nada impede a renovação do atocom a correção do vício (art. 573, caput, CPP). Exemplos: a quebra de sigilo das comunicações telefônicas sem autorização judicial ofende o direito material à intimidade, constitucionalmente assegurado, constituindo-se, pois, prova ilícita originária; a coleta de depoimento testemunhal

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sem obediência à ordem legal fixada no art. 400 do CPP é prova ilegítima.

Por outro lado, inexiste a ocorrência de qualquer ilicitude na hipótese:

a) da regra da propriedade abandonada (abandoned property): quando o indivíduo renuncia ao direito à privacidade mediante o abandono de determinado objeto, permitindo a busca e a investigação sobre ele;

b) da teoria do risco ou assunção do risco: quando o detentor do direito à intimidade, por sua própria conduta e atitude, assume a potencialidade de divulgação de sua esfera íntima. Ao fazer revelações em público, por exemplo, não poderá, posteriormente,alegar violação à intimidade sobre aqueles fatos;

c) da doutrina da visão aberta: a que autoriza ao agente, durante a execução de diligência de busca e apreensão, recolher material alheio aos limites da autorização judicial, mas que se encontrava visível. É o denominado encontro fortuito de provas.

Sob outro aspecto, não há que se falar em prova ilícita quando colhida pela vítima para defender direito próprio decorrente do exercício da legítima defesa ou do estado de necessidade, ambos excludentes de ilicitude. É a aplicabilidade da denominada teoria da exclusão da ilicitude.

1.7.1.8.1. Prova ilícita por derivação

É a prova que, embora, em si mesma, tenha sido produzida por meios lícitos, restará contaminada pela ilicitude da prova que a originou. Teremos, portanto, uma prova originariamenteilícita e aprovadeladerivada.

Sob influência direta da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), originária da jurisprudência norte-americana, preceitua o art. 157, § 1º, primeira parte do CPP,que “São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas”.

Assim, como exemplo, submetido a sessão de tortura, determinado acusado de um homicídio doloso confessou o paradeiro do instrumento do crime. A autoridade policial, sem informar a verdadeira origem da informação, obtém uma ordem de busca e apreensão e a cumpre de maneira regular, apreendendo o que procurava. Logo, embora, por si só, tenha sido a apreensão da arma do crime alcançada por meio lícito, diante do seu nexo de causalidade com a prova ilícita (confissão mediante tortura), tornou-se também prova ilícita. A consequência jurídica será também a sua inadmissibilidade por constituir prova ilícita por derivação.

Teorias da fonte independente, da descoberta inevitável e da contaminação expurgada Dispõe o art. 157, § 1º, do CPP, que “São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”, complementando o § 2º: “Considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto daprova”.

Dessarte, desenvolveram-se teorias de exclusão da aplicação da regra da prova ilícita por derivação, a saber:

a) a teoria da fonte independente em que se demonstra a inexistência de nexo de causalidade entre as provas, isto é, que a prova ilícita não originou a outra prova, uma vez que esta foi obtida de forma lícita e autônoma (art. 157, § 1º, CPP);

b) a teoria da descoberta inevitável que reconhece o vínculo causal entre a prova lícita subsequenteeaprovailícitaanterior.Porém,demonstra-sequeaquelaseriaproduzida inevitavelmente como resultado natural da investigação ou da instrução criminal regular, independentemente da existência da prova anterior (art. 157, §§ 1º e 2º, CPP);

c) a teoria da contaminação expurgada (ou limitação da mancha purgada ou da tinta

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diluída), a qual não desconhece o nexo de causalidade entre as provas. No entanto, a influência da prova originária ilícita sobre a prova lícita dela derivada é atenuada em virtude de causas supervenientes no curso da ação penal ou pelo lapso temporal entre elas. É tão ínfima a influência da prova originariamente ilícita que sequer deveser levada em consideração.

1.7.1.8.2. Incidente de inutilização

A consequência material da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito é o seu desentranhamento dos autos e a sua inutilização por decisão judicial, facultando-se às partes acompanharoincidente(art. 157, §3º, CPP).

Entretanto, nada impede que, quando possível, aprova, quefoi excluída por ser considerada ilícita, venha a ser renovada pelos meios legítimos e legais, voltando a fazer parte do processo.

1.7.1.9. Princípio da brevidade processual

O art. 5º, inciso LXXVIII da CF prevê que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Para esclarecer o que seria considerado como razoável duração do processo, surgem duas teorias doutrinárias:

1) Teoria do prazo fixo: a lei fixa o prazo limite de duração do processo;

2) Teoria do não prazo: não há prazo máximo legalmente estabelecido para conclusão do processo, ficando o seu término condicionado ao caso concreto e a suas particularidades.

O ordenamento jurídico brasileiro adotou, de fato, a teoria do não prazo, já que, embora tenha estabelecido prazos para a realização de determinados atos processuais, não previu sanções em caso de seu descumprimento, e, quando os estabeleceu, eles se tornaram inaplicáveis (ex: arts. 799 e801do CPP).

Falar em não prazo significa dizer: ausência de prazos processuais com uma sanção efetiva previstapara o seu descumprimento.

De fato, ajurisprudência pátriatem acolhido a argumentação de que o tempo de duração máxima do processo deve ser aferido diante de peculiaridades que justifiquem eventual excesso deprazo.

1.7.1.10. Princípio da igualdade processual

O art. 5º da Constituição Federal, na parte inicial do seu caput, consagra que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”, importando, como destaca Canotilho11 , em igualdade não apenas nacriação dodireito,mas também nasua aplicação.

A isonomia, em sua concepção formal, consagrada no liberalismo clássico, assegura quea lei deve ser aplicada indistintamente, sem qualquer acepção de grupos.

Sob o ponto de vista processual, não é suficiente a igualdade meramente no campo formal, já que necessário se faz que às partes sejam asseguradas as mesmas oportunidades, com autêntica paridade de armas entre elas, a fim de cada uma tenha chances de reconhecimento, satisfação ou asseguração do direito que constitui o objeto material do processo12 . Busca-se, então, a denominada isonomia material (ou substancial) em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, ainda que se tenha de criar mecanismos jurídicos capazes de assegurar o efetivo nivelamento entre as partes.

Nesse sentido, no Processo Penal, vê-se a prevalência do interesse do acusado (parte

11 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed., 21. reimp. Coimbra: edições Almedina, 2003, p.426.

12 TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 123.

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fraca na relação processual) sobre a pretensão punitiva estatal, o que justifica, por exemplo, a existência de recurso privativo da defesa, a regra de interpretação da prova in dubio pro reo, a absolvição por falta de provas, a proibição da reformatio in pejus e a revisão criminal exclusivamente pro reo. Seguindo essa linha de raciocínio, é que a Lei nº 1.060/50, em seu art. 5º, § 5º, incluído pela Lei nº 7.871/89, prevê a contagem em dobro de todos os prazos concedidos ao Defensor Público ou a quem exerça cargo equivalente que, em tese, possui uma demanda de processos sob sua responsabilidade superior à da acusação e à dos advogados particulares, o que poderia, eventualmente, prejudicar o exercício da defesa em prol do acusado.

1.7.1.11. Princípio daintranscendência

O art. 5º, inciso XLV da CF assegura que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.

A pena criminal, portanto, é pessoal e intransferível, consoante aponta a parte inicial do dispositivo constitucional supracitado. Passa-se aos sucessores somente a obrigação de reparar o dano ea decretação doperdimento de bens, limitado ao valor da herança recebida.

Com relação à pena de multa, é preciso observar que, depois de transitada em julgado a sentença condenatória e não sendo ela paga, será considerada dívida de valor a ser executada perante o Juízo da Execução Penal, aplicáveis as normas relativas à Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição, consoante enunciado no art. 51 do CP, com a nova redação dada pela Lei nº 13.964/201913 . Em decisão proferida na ADI 3.15014 sobre a execução da pena de multa criminal, firmou oPlenário do STFas seguintes teses:

1) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 eseguintes da Lei deExecução Penal;

2) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito daLei 6.830/1980.

Promovida a execução da multa, vindo o executado (o réu condenado) a falecer, não haverá sucessão na ação executiva, sendo ela extinta, já que a origem da dívida (a multa)não perdeu o seu caráter de pena criminal (art. 5º, inciso XLVI, alínea “e”, CF 15), portanto, intransferível.

13 A nova redação estabeleceu a competência do Juízo da Execução Penal para processamento da ação executiva. Anteriormente, tramitava em Juízo da Fazenda Pública

14 Rel. Min. MarcoAurélio, Red. do acórdão Min. Luis Roberto Barroso, j. em 13/12/2018, pub. no DJe de 06/08/2019.

15 CF, XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: [...] c) multa; [...]

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1.7.2.1. Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, também denominado por parte da doutrina como princípio da razoabilidade, não está previsto expressamente na Constituição Federal, sendo derivação do princípio do devido processo legal (substantive due process of law - art. 5º, inciso LIV, CF). Ele tem como objetivo a proteção aos direitos e às liberdades dos indivíduos contra qualquer modalidade de legislação desproporcional às finalidades do processo.

Nessesentido,há duas vertentes no princípio da proporcionalidade: a proibição de excesso e a proibição de infraproteção ou proteção deficiente. Logo, a atuação do Estado, no exercício da persecução penal, não poderá ser exagerada, em prejuízo aos acusados, nem deficiente, em detrimento da sociedade1617 .

Na aplicação do princípio da proporcionalidade devem ser observados:

(1) Pressuposto formal

O princípio da legalidade processual constitui pressuposto formal do princípio da proporcionalidade,impondoquetodasasmedidasrestritivasdedireitosfundamentaisestejam previamente estabelecidas em lei (nulla coactio sine lege).

(2) Pressuposto material

O pressuposto material (princípio da justificação teleológica) impõe que a medida seja constitucionalmente legítima e que possua relevância social. Nesse sentido, é preciso que a restrição de determinado direito fundamental se justifique, não apenas para proteger outro direito fundamental, mas, também, para proteger bens constitucionalmente tutelados. Quanto à relevância social, exige-se que o fim perseguido seja socialmente imperioso, a ponto de justificar arestrição aum direito fundamental.

(3) Requisitos

1) Extrínsecos:

a) judicialidade: assegura que limitações aos direitos fundamentais somente poderão ocorrer por decisão do órgão jurisdicional competente;

b) motivação: diz respeito à necessidade de que os motivos de fato e de direito da decisão judicial sejam nela externados, permitindo que se tenha conhecimento do raciocínio do órgão julgador desenvolvido para decretação da medida restritiva a direitos fundamentais.

2) Intrínsecos:

a) adequação: que seja uma medida apta a atingir um fim relevante;

b) necessidade: a providência processual somente deve ser implementada se não houver outro meio menos gravoso à obtenção do resultado pretendido;

c) proporcionalidade em sentido estrito: deveexistirproporcionalidadeentreosresultados que se pretende obter, com a medida restritiva de direitos a ser aplicada, e os danos dela resultantes. No âmbito processual penal, ela se reflete no juízo de ponderação, que deve ser exercido entre o interesse individual, consubstanciado na manutenção do jus libertatis, com o pleno gozo dos direitos fundamentais, e, em posição oposta, no interesse estatal em restringir tais direitos pelo bem da persecução penal, para se concluir qual devaprevalecer.

35 1.7.2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS IMPLÍCITOS
16 MACHADO,AntônioAlberto. Teoria geral do processo penal. São Paulo: Atlas, 2009, p. 178.

1.7.2.2. Princípio da inexigibilidade de autoincriminação

O princípio-garantia da inexigibilidade de autoincriminação assegura que ninguém está obrigado a produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), nem no inquérito policial, nem em procedimento administrativo, criminal ou cível, tampouco em processo de Comissão Parlamentar de Inquérito.

Aprópriatestemunha, emboratenhaaobrigaçãodedizeraverdade, sobpenadecometer o crime de falso testemunho (art. 342, CP), quando as respostas às perguntas que lhe forem feitas possam autoincriminá-la, estará protegida por esse princípio, podendo calar nesse ponto, sem sesujeitar a qualquer retaliação jurídica por parte da autoridade que preside o ato.

São corolários do princípio da inexigibilidade de autoincriminação: o direito ao silêncio, o direito de não colaborar ativamente com a investigação, o direito de não se submeter a provas invasivas e o direito a inexigibilidade defalar a verdade.

1.7.2.2.1. Direito ao silêncio

O direito ao silêncio, conferido ao preso por ocasião de sua detenção, é expressamente assegurado no art. 5º, inciso LXIII da Carta Magna17, cujo regramento, mutatis mutandis, estende-se ao investigado, ao indiciado e ao acusado no respectivo interrogatório, consoante orientação doutrinária e jurisprudencial pacificada.

O silêncio não poderá ter nenhuma repercussão em desfavor de quem o exercer na apuração de sua responsabilidade penal.

1.7.2.2.2. Direito de não colaborar ativamente com a investigação

O direito ao silêncio é corolário do princípio da inexigibilidade de autoincriminação, cuja aplicação a ele não se limita, abrangendo, também, o direito do investigado ou acusado de se eximir de contribuir para qualquer ato que possa incriminá-lo, incluindo sua participação na produçãodeprovas(ex: acareações,reconstituição docrime,examegrafotécnico,dentreoutros).

1.7.2.2.3. Direito de não se submeter a provas invasivas

As chamadas provas invasivas, que se caracterizam por intervenções corporais no indivíduo, somente poderão ser realizadas com a concordância deste. Em contrapartida, é desnecessária sua autorização para a obtenção de provas não invasivas, por exemplo, para a coleta de fios de cabelo, material desprendido do corpo do acusado.

Quanto à submissão do acusado a exame de raio X, contra a sua vontade, para fins de verificação de ingestão de cápsulas de droga, a 6a Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 149.146/SP, como Rel. Min. Og. Fernandes, julgado em 05 de abril de 2011, decidiu por afastar qualquer violação ao direito à não autoincriminação sob o argumento de que “[...] a submissão aos mencionados exames de Raios-X não exigiu qualquer agir, fazer, por parte dos pacientes, tampouco constituiu procedimento invasivo ou até mesmo degradante que pudesse violar seus direitos fundamentais. De toda sorte, mesmo não fossem realizadas as radiografias abdominais, o próprio organismo, se o pior não ocorresse, expeliria naturalmente as cápsulas ingeridas, de forma a permitir a comprovação da ocorrência do crime de tráfico de entorpecentes [...]”.

1.7.2.2.4. Direito a inexigibilidade de falar a verdade

Não há exigência de que o investigado (ou acusado) fale a verdade, não estando em caso de fazer afirmação falsa, calar ou negar a verdade sujeito ao cometimento do crime de falso testemunho, previsto no art. 342do CP.

É importante destacar que a inexigibilidade de autoincriminação não torna o investigado

17 CF, art. 5º, LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada aassistênciadafamília edeadvogado;

36

(ou acusado) imune à prática do crime de falsa identidade (art. 307, CP) na situação em que faltar com a verdade relativamente à sua identificação, tampouco afasta eventual cometimento do crime de denunciação caluniosa (art. 339, CP), caso impute a outrem a prática de delito de que o sabe inocente, dando causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa.

1.7.2.2.5. Princípio da iniciativa das partes

Trata-se de princípio extraído da exegese do art. 5º, inciso LIX (“Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;”) e art. 129, incisoI (“São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;”), ambos da Constituição Federal.

Diretamente ligado a inércia da jurisdição, o princípio da iniciativa das partes (ne procedat judex ex oficio) assegura que o início da ação penal dependerá sempre da iniciativa do titular do direito de ação, na hipótese de ação penal pública, do Ministério Público, ou, na ação penal privada,doofendidooudequemtenhaqualidadepararepresentá-loousubstituí-lo,nostermos dos arts. 24, 29, 30 e 31, todos do CPP, cujo aprofundamento do estudo se dá em capítulo próprio (verCapítulo 3).

Não há possibilidade de ação penal de ofício pelo juiz, estando, portanto, tacitamente revogado o art. 26 do Código de Processo Penal18, que previa o denominado processo judicialiforme.

1.7.2.2.6. Princípio do promotor natural

A interpretação do art. 5º, inciso LIII da Constituição Federal permite chegar-se à conclusão da existência do princípio do promotor natural, ao estabelecer que ninguém poderá ser processado nem sentenciado senão pela autoridade competente. A parte final do dispositivo se refere ao juiz natural, enquanto a primeira parte refere-se ao órgão do Ministério Público, parte legítima para promover a ação penal pública.

Dessarte, proíbem-se indicações casuísticas de membros do Ministério Público para atuar em determinadas açõespenais, afastando opromotornatural paraacausae estabelecendo, em consequência, a figura do órgão acusado de exceção19 . Assim, impõe-se a observância das atribuições de cada membro do parquet, as quais são fixadas previamente nas normas institucionais pertinentes.

1.7.2.2.7. Princípio da vedação da persecução penal múltipla

O princípio da vedação da persecução penal múltipla (ne bis in idem) se encontra referendado no ordenamento jurídico brasileiro no Estatuto do Estrangeiro, no Código Penal, no Código de Processo Penal, e, ainda, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana deDireitos Humanos.

No aspecto processual, ele consiste na vedação de se imputar o mesmo fato criminoso ao indivíduo em mais de um processo, simultânea ou sucessivamente, sob pena de configurar, respectivamente, litispendência ou violação a coisa julgada material.

Inobstante não existir previsão expressa na Constituição Federal sobre a adoção do citado princípio, ele se constitui em direito do imputado, assim reconhecido no art. 14.7 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o qual dispõe que “Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país”, e, ainda, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em

18 Art. 26 do CPP:Aação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial.

19 STF, 1ª Turma, HC 114.093, Rel. Desig. Min.Alexandre de Moraes, publ. no DJe 21/02/2018.

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seu art. 8.4, o qual prescreve que “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

1.7.2.2.8. Princípio da oficialidade

O princípio da oficialidade se encontra implicitamente reconhecido não apenas no texto constitucional, mas, também, amplamente, em diversos dispositivos na legislação infraconstitucional, consagrando que todos os órgãos encarregados da persecução penal são oficiais, pertencentes à estrutura estatal. Assim, tem-se: o inquérito policial conduzido por um Delegado de Polícia (Civil ou Federal, conforme o caso – art. 144, §§ 1º e 4º, CF); o Ministério Público, encarregado de promover, privativamente, a ação penal de iniciativa pública (art. 129, inciso I, CF); e a atividade de julgar, sob a responsabilidade de órgãos estatais dotados de jurisdição.

Há, entretanto, mitigação do princípio no tocante à promoção de acusação por crimes de natureza privada, nos quais o legislador confere à vítima a titularidade da ação penal correspondente,ou,quando,sendoaaçãodenaturezapública,omembrodoMinistérioPúblico se omite no seu dever funcional (art. 5º, inciso LIX, CF), sendo tudo devidamente demonstrado posteriormente, no item 3.4.3.

1.7.2.2.9. Princípio da garantia da coisa julgada

A coisa julgada, além de assegurar a estabilidade das relações jurídicas, tem a função de garantia individual, inclusive contra alterações legislativas posteriores, consoante dispõe o art. 5º,incisoXXXVIdaCF:“Aleinãoprejudicaráodireitoadquirido,oatojurídicoperfeitoeacoisa julgada”.

Com efeito, como garantia individual, a imutabilidade da coisa julgada protege o indivíduo contra uma nova ação por idêntico(s) fato(s) criminoso(s), mesmo que diante do surgimento de novas provas.

Éagarantiado ne bis in idem,ouseja,agarantiadeque,comoasseveramCintra,Dinamarco e Grinover20 , “[...] nem o juiz pode voltar a julgar, nem as partes a litigar, nem o legislador a regulardiferentemente arelação jurídica”.

1.7.2.2.10. Princípio da reserva de jurisdição

Aaplicabilidadedoprincípiodareservadejurisdição,notadamenteoquepartedadoutrina denomina reservas específicas de jurisdição, impõe a submissão de pedidos de medidas que representem relativizações de Direitos Fundamentais à análise prévia de autoridade judiciária competente, a quem caberá conceder (ou não)autorização para sua execução.

Neste ponto, toma-se, como exemplos, a necessidade de autorização judicial para realização de busca domiciliar, de interceptação telefônica, de decretação de prisão, de quebra desigilo financeiro efiscal, dentreoutros.

Ponto relevante diz respeito à atuação dos membros das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s) que, inobstante terem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, por força do disposto no art. 58, § 3º da CF21 , não executam atos que digam respeito ao poder geral de cautela reservado ao juiz, sendo submetidos à reserva de jurisdição.

1.8. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E O CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE

Por vezes, o Estado, por intermédio de seus agentes, age com excesso na persecução

20 CINTRA,AntônioCarlosAraújo;DINAMARCO,CândidoRangel;GRINOVER.AdaPellegrini.Teoriageraldoprocesso.22ed.SãoPaulo:Malheiros, 2006, p. 327.

21 Art. 58, § 3º, CF: As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civilou criminal dos infratores.

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penal, violando direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Nesse diapasão, para punir tais ações, o legislador as tipifica, na Lei nº 13.869/2019, como crimes de abuso de autoridade, quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou de beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal (art. 1º, § 1º), conforme quadro sinóptico a seguir:

GARANTIA CONSTITUCIONAL LEIDEABUSODEAUTORIDADE

A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (art. 5º, inciso LXII, CF)

Art. 12. Deixar injustificadamente de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:

I - deixa de comunicar, imediatamente, a execução de prisão temporária ou preventiva à autoridade judiciária que a decretou;

II -deixadecomunicar, imediatamente, aprisão dequalquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada; [...].

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O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (art. 5º, inciso LXIII, CF)

▪ Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: [...] III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

▪ Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:

Pena - detenção, de1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:

I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou

II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a presença de seu patrono.

Art. 20. Impedir, sem justa causa, a entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem impede o preso, o réu solto ou o investigado de entrevistar-se pessoal e reservadamente com seu advogado ou defensor, por prazo razoável, antes de audiência judicial, e de sentar-se ao seu lado e com ele comunicar-se durante a audiência, salvo no curso de interrogatório ou no caso de audiência realizada por videoconferência.

O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial (art. 5º, inciso LXIV, CF)

A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária(art. 5º, inciso LXV, CF)

Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, como responsável por interrogatório em sede de procedimento investigatório de infração penal, deixa de identificar-se ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função.

Art. 9º. Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafoúnico.Incorrenamesmapenaaautoridadejudiciáriaque, dentro de prazo razoável, deixar de:

I - relaxar a prisão manifestamente ilegal; [...].

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Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 5º, inciso LXVI, CF)

A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial (art. 5º, inciso XI, CF)

Art. 19. Impedir ou retardar, injustificadamente, o envio de pleito de preso à autoridade judiciária competente para a apreciação da legalidade de sua prisão ou das circunstâncias de sua custódia:

Pena - detenção, de1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena o magistrado que, ciente do impedimento ou da demora, deixa de tomar as providências tendentes a saná-lo ou, não sendo competente para decidir sobre a prisão, deixa de enviar o pedido à autoridade judiciária que o seja.

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:

Pena - detenção, de1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º. Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:

I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquearlhe o acesso a imóvel ou suas dependências;

II - (VETADO);

III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antesdas 5h (cinco horas).

§ 2º. Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para finsde investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, inciso XII, CF)

1.9. PERSECUÇÃO PENAL

▪ Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito:

Pena - detenção, de1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.

▪ Art. 28. Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado:

Pena - detenção, de1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A persecução penal é composta de duas fases: a fase investigatória (persecutio criminis extra judicio) e a fase processual (persecutio criminis in judicio). Para alguns doutrinadores, haveria também uma terceira fase: a da execução penal. Praticada a infração, com a investigação estatal preliminar se buscam informações sobre o fato criminoso, as suas circunstâncias e a identificação da autoria, a ser exercida pela polícia judiciária (Polícias Civil ou Federal, conforme suas atribuições institucionais) e sistematizada por intermédio do inquérito policial, conforme será demonstrado em capítulo posterior.

A propósito, o art. 2º, caput da Lei nº 12.830/2013, expressa: “As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza

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GARANTIA CONSTITUCIONAL LEIDEABUSODEAUTORIDADE

jurídica, essenciais eexclusivas deEstado”

Não é, todavia, o inquérito policial o único instrumento de investigação criminal, podendo ser a atividade, quando autorizada por lei, exercida por outras autoridades, mediante procedimentos próprios e que fornecerão peças de informação ao titular do direito de ação. Nesse aspecto, no âmbito do Ministério Público, tem-se o procedimento investigatório criminal (PIC), no Poder Legislativo, as investigações por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), e, noPoderJudiciário, o inquérito judicial.

Concluída a primeira etapa da persecução penal, para que o Estado possa exercer, com exclusividade, o seu direito de punir (jus puniendi), é preciso que haja a propositura de ação penal, que caberá ao órgão do Ministério Público ou ao ofendido, conforme dispuser a lei penal, comafinalidadedeprovadaaexistênciadainfraçãopenalesuaautoriaseobtenhaumasentença penal condenatória (ou absolutóriaimprópria com imposição de medida de segurança).

A terceira fase, para quem a defende, é quando se tem a execução da pena definitivamente imposta.

1.9.1. ÓRGÃOS DA PERSECUÇÃO PENAL

1.9.1.1. Polícia

O art. 144 da Constituição Federal estabelece que “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; IIpolíciarodoviáriafederal;III- políciaferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares; VI - polícias penais federal, estaduais e distrital”.

Utilizando o modelo apresentado na Constituição Federal e no art. 2º, caput da Lei nº 12.830/2013, a atuação institucional das polícias se dará na forma descrita no quadro sinóptico abaixo:

Polícia Federal

Polícia Rodoviária Federal

Função preventiva

Polícia

Função repressiva

Função de polícia judiciária

Polícia Ferroviária Federal

Polícia Militar

Polícia Penal

Polícia Federal

Polícia Civil

Polícia Federal

Polícia Civil

(1) Funçãopreventiva

A força policial se apresenta de forma ostensiva e caracterizada, tendo por objetivo evitar a prática de crimes e de contravenções. A simples ação de presença confere efeito intimidatório,

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motivando resultados positivos em prol da segurança pública:

(a) Polícia Federal (art. 144, § 1º, incisos II e III, CF): atua na prevenção e na repressão do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no contrabando e no descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; no exercício das funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

(b) Polícia Rodoviária Federal (art. 144, § 2º, CF): na forma da lei, encarregada do patrulhamento ostensivo das rodovias federais;

(c) Polícia Ferroviária Federal (art. 144, § 3º, CF): na forma da lei, destina-se ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais;

(d) Polícia Militar (art. 144, § 5º, CF): exerce o policiamento ostensivo e a manutenção da ordem pública;

(e) Polícia Penal (art. 144, § 5º-A, CF): a Emenda Constitucional nº 104/2019, alterando o art.21, caput, incisoXIV,o art. 32, §4º e oart.144,todos daConstituição Federal, criou a Polícia Penal, com vinculação ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencer (Federal, Estaduais ou do Distrito Federal), cabendo-lhe a segurança dos estabelecimentos penais. O preenchimento do seu quadro de servidores será feito, exclusivamente, por meio de concurso público e pela transformação dos cargos isolados, dos cargos de carreira dos atuais agentes penitenciários e dos cargos públicos equivalentes, com atribuições específicas que serão regulas em Lei.

(2) Funçãorepressiva

É a polícia que atua de forma investigativa, após a prática criminosa, a fim de apurar a infração penal, suas circunstâncias e autoria:

a) Polícia Federal (art. 144, § 1º, inciso I, CF):

1. Infrações penais contra a ordem política e social;

2. Infraçõespenaispraticadasemdetrimentodebens,serviçoseinteresses daUnião oude suas entidades autárquicas e empresas públicas;

3. Nos termos da Lei nº 10.446/200222, sem prejuízo da responsabilidade das polícias militares e civis, proceder à investigação, cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme das seguintes infrações:

a) sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159, CP), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima;

b) formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137/90);

c) relativas à violação a direitos humanos que a República Federativa do Brasil se comprometeuareprimiremdecorrênciadetratadosinternacionaisdequeseja parte;

d) furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilhaoubando em mais de um Estado da Federação;

e) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (art.

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22 CF, art. 144, § 1º. Inciso I, parte final.

CP);

f) ) furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação;

g) quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio oua aversão às mulheres;

h) deoutras infrações penais,medianteautorização oudeterminação doMinistro deEstado daJustiça.

b) Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal (art. 144, § 4º, CF): residualmente, excetuadas as atribuições da Polícia Federal e os crimes militares, observando-se, na hipótese do art. 1º da Lei nº 10.446/2002, a possibilidade de agir de forma concorrente com aPolícia Federal.

(3) Função de polícia judiciária

Auxilia os órgãos do Poder Judiciário no cumprimento de suas ordens relacionadas à persecução penal:

1) Polícia Federal (art. 144, § 1º, inciso IV, CF): polícia judiciária da União, auxiliando o Poder Judiciário daUnião;

2) Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal (art. 144, § 4º, CF): polícia judiciária dos Estados e do Distrito Federal, auxilia o Poder Judiciário Estadual e do Distrito Federal.

Excetua-se, das atividades investigativas da Polícia Federal e das Polícias Civis, a apuração de infrações penais militares que serão objeto de investigação por intermédio de Inquérito Policial Militar, a cargo da instituição militar correspondente (Polícias Militares, Bombeiros Militares eForças Armadas).

Em 23 de novembro de 2023, foi publicada no DOU a Lei nº 14.735/2023, instituindo a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis e dispondo sobre suas normas gerais de funcionamento e outras providências.

1.9.1.1.1. Polícias Legislativas da Câmara de Deputados e do Senado Federal

AConstituiçãoFederal previuapossibilidadedeaCâmaradeDeputados(art.51,inciso IV) e o Senado Federal (art. 52, inciso XIII) criarem suas polícias, sem, entretanto, especificar quais seriam as atribuições, o que levou essas Casas Legislativas a editarem normas, regulamentando, no âmbito de cada uma delas, a denominada Polícia Legislativa Assim, a Câmara de Deputados e o Senado Federal atribuem às suas polícias não apenas as atividades de policiamento ostensivo e preservação da ordem e do patrimônio nos seus edifícios e em seus prédios externos, mas, também, a apuração de infrações penais cometidas em detrimento de seus bens, serviços e interesses, ou praticadas em suas dependências, observando-se as disposições contidas no Código de Processo Penal23/24 .

23 Câmara dos Deputados - Resolução nº 17/1989, com as alterações posteriores: Art. 269. Quando, nos edifícios da Câmara, for cometido algum delito, instaurar-se-á inquérito a ser presidido pelo diretor de serviços de segurança ou, se o indiciado ou o preso for membro da Casa, pelo Corregedor ou Corregedor substituto. § 1º Serão observados, no inquérito, o Código de Processo Penal e os regulamentos policiais do Distrito Federal, no que lhe forem aplicáveis. § 2º A Câmara poderá solicitar a cooperação técnica de órgãos policiais especializados ou requisitar servidores de seus quadros para auxiliar na realização do inquérito. § 3º Servirá de escrivão funcionário estável da Câmara, designado pela autoridade que presidir o inquérito. § 4º O inquérito será enviado, após a sua conclusão, à autoridade judiciária competente. § 5º Em caso de flagrante de crime inafiançável, realizar-se-á a prisão do agente da infração, que será entregue com o auto respectivo à autoridade judicial competente, ou, no caso de parlamentar, ao Presidente da Câmara, atendendo-se, nesta hipótese, ao prescrito nos arts. 250 e 251. 24 SenadoFederal–Resoluçãonº59/2002:Art.2ºASubsecretariadeSegurançaLegislativa,unidadesubordinadaàDiretoria-Geral,é o órgão de Polícia do Senado Federal.§1ºSãoconsideradasatividadestípicasdePolíciado SenadoFederal: [...]IX– asdeinves-tigação edeinquérito.[...]Art.4ºNahipótese de ocorrência de infração penal nas dependências sob a responsabilidade do SenadoFederal, instaurar-se-áo competente inquérito policialpresidido por servidor no exercício de atividade típica de polícia, bacharel em Direito. § 1º Serão observados, no inquérito, o Código de Processo Penal e os regulamentospoliciaisdo Distrito Federal, no quelhe forem aplicáveis. § 2º O Senado Federal poderá solicitar a cooperação técnica de órgãos policiais especializados ou requisitar ser-vidores de seus quadros para auxiliar na realização do inquérito. § 3º O inquérito será enviado, após a sua conclusão, à

45 273,

A propósito, sobre a constitucionalidade de a polícia legislativa instaurar e conduzir inquéritos relativos a infrações penais cometidas nas dependências da Casa Legislativa correspondente,ouemdetrimentodeseusbens,serviçosouinteresses,oenunciadodaSúmula 397 do STF expressa: “O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”.

Há, entretanto, controvérsia sobre a possibilidade de aplicação do referido enunciado da súmula, uma vez que sua edição se deu em 1964, sob a égide de outra Constituição Federal, de modo que, para alguns, o seu conteúdo restaria superado diante da atual Carta Magna que não teria conferido poderes de investigação criminal aos órgãos de Polícia Legislativa, mas, apenas, às Polícias Federal eCivil.

Não existe, porém, exclusividade da Polícia Legislativa na realização de atos investigativos por fatos acontecidos no interior de uma das Casas do Congresso Nacional, nada impedindo que a Polícia Federal, a Polícia Civil, o Ministério Público Federal ou o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios possam também instaurar investigações em relação a tais delitos.

A regra não se aplica aos investigados que gozam de foro por prerrogativa de função, uma vez que a abertura de investigação criminal deverá ser previamente autorizada pelo órgão jurisdicional com competência para a ação penal.

Ressalte-se a existência de previsão constitucional para implantação de Polícias Legislativas no âmbito das Assembleias Legislativas (art. 27, § 3º, CF) e da Câmara Legislativa doDistrito Federal (art. 32, §3º,CF).

1.9.1.1.2. Força Nacional de Segurança Pública

Em atenção ao princípio da solidariedade federativa, o Governo Federal desenvolve um programa de cooperação federativa denominado de Força Nacional de Segurança Pública, instituído pelo Decreto nº 5.289/2004, que estabeleceu as regras de sua organização e funcionamento.

A Lei nº 11.473/2007, mais adiante, dispondo sobre a cooperação federativa no âmbito da segurança pública, consolidou o programa, dando-lhe solidez jurídica uma vez que o art. 241 da CF25 exige que convênio de cooperação a ser firmado entre a União e os entes federados para a execução de serviços públicos deve estar previsto em lei.

A nova legislação, reafirmou a possibilidade de a União firmar convênios com os Estados e o Distrito Federal para executar as seguintes atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública eda incolumidade das pessoas e do patrimônio:

a) policiamento ostensivo;

b) cumprimento de mandados de prisão;

c) cumprimento de alvarás de soltura;

d) guarda, a vigilância e a custódia de presos;

e) serviços técnico-periciais, qualquer que seja sua modalidade;

f) registro e a investigação de ocorrências policiais;

g) atividades relacionadas à segurança dos grandes eventos;

h) atividades de inteligência de segurança pública;

i) coordenação de ações e operações integradas de segurança pública;

j) auxílio na ocorrência de catástrofes ou desastres coletivos, inclusive para

autoridade judiciária competente.

25 Art. 241 da CF: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperaçãoentreosentesfederados,autorizandoagestãoassociadadeserviçospúblicos,bemcomoatransferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (destacamos)

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reconhecimento de vitimados; e

k) apoio às atividades de conservação e policiamento ambiental.

As tarefas de cooperação federativa no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública têm caráter consensual, desenvolvidas sob a coordenação conjunta da União e do Ente convenente e desempenhadas por militares dos Estados e do Distrito Federal e por servidores das atividades-fim dos órgãos de segurança pública, do sistema prisional e de perícia criminal dos entes federativos que celebrarem convênio.

Em face da necessidade de excepcional interesse público e atendidos os requisitos estabelecidos pela Lei nº 11.473/2007, com as alterações legislativas posteriores, poderão as atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, ser executadas em caráter voluntário:

a) por militares e por servidores das atividades-fim dos órgãos de segurança pública e dos órgãos de perícia criminal da União, dos Estados e do Distrito Federal que tenham passado para a inatividade há menos de cinco anos;

b) por reservistas que tenham servido como militares temporárias das Forças Armadas e passado para a reserva há menos de cinco anos, nos termos de convênio celebrado entre o Ministério da Defesa e o Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

Não poderão ser voluntários os militares que tenham passado para a inatividade em razão de doença, acidente, invalidez, incapacidade, idade-limite, aposentadoria compulsória, licenciamento ou exclusão a bem da disciplina, condenação judicial transitada em julgado ou expulsão.

Outrossim, considerando que a Lei nº 11.437/2007, referiu-se apenas à composição, custos e direitos dos integrantes da Força Nacional de Segurança Pública, utiliza-se do Decreto nº 5.289/2004, com as alterações posteriores, para os demais aspectos que possibilitam sua atuação.

As atribuições dos integrantes dos órgãos de segurança pública envolvidos em atividades da Força Nacional são as previstas no art. 144 da Constituição e na legislação em vigor.

Instituiu-se, ainda, no art. 2º-B do Decreto nº 5.289/2004, introduzido pelo Decreto nº 7.957/2013, a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, com os seguintes objetivos:

a) apoiar as ações de fiscalização ambiental desenvolvidas por órgãos federais, estaduais, distritais e municipais na proteção do meio ambiente;

b) atuar na prevenção a crimes e infrações ambientais;

c) executar tarefas de defesa civil em defesa do meio ambiente;

d) auxiliar as ações da polícia judiciária na investigação de crimes ambientais; e

e) prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos.

A Força Nacional de Segurança Pública não é uma tropa federal, nem tampouco interventiva,masumaforçadepronta-resposta,resultantedeprogramadecooperaçãoentreos estados-membros, o Distrito Federal e a União em que os demais entes convenentes auxiliam o convenentesolicitante.

Poderá ser empregada, de forma episódica e planejada, em qualquer parte do território nacional, por determinação do Ministro de Estado da Justiça, mediante solicitação expressa do respectivoGovernadordeEstado,doDistritoFederaloudeMinistrodeEstado,conformeocaso.

Destaque-se que os servidores de órgãos de segurança pública mobilizados para atuar de forma integrada, no programa de cooperação federativa, muito embora fiquem sob coordenação do Ministério da Justiça e Segurança Pública enquanto durar sua mobilização, não deixam de

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integrar o quadro funcional de seus respectivos órgãos.

1.9.1.1.3. Forças Armadas

Emcaráterexcepcional,nostermosdoDecretonº3.897/2001,oPresidentedaRepública,por sua própria iniciativa, ou pela dos outros poderes constitucionais, representados pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, pelo Presidente do Senado Federal ou pelo Presidente da Câmara dos Deputados, ou, ainda, à vista de solicitação de Governador de Estado ou do Distrito Federal, podedeterminar o empregodas ForçasArmadas paraa garantiadaleie daordem.

Nesse diapasão, há a possibilidade de utilização das Forças Armadas em ações de polícia ostensiva, de natureza preventiva ou repressiva, incluídas nas atribuições constitucional e legal das Polícias Militares. Essa polícia ostensiva poderá, com a anuência do Governador do Estado, atuar,parcialoutotalmente, emconjunto,porémsobcontroleoperacionaldocomandomilitar responsável pela operação26 .

1.9.1.2. Ministério Público

O Ministério Público, conforme dispõe o art. 127 da Constituição Federal, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O Ministério Público brasileiro, nos termos do art. 128 da Carta Magna, abrange:

Ministério Público Federal

Ministério Público do Trabalho

Ministério Público Brasileiro

Ministério Público da União

Ministérios Públicos dos Estados

Ministério Público Militar

Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

O Ministério Público da União é regido pela Lei Complementar nº 75/93, e os Ministérios Públicos dos Estados pela Lei nº 8.625/93, que institui a Lei Nacional do Ministério Público (LOMP), epelas leis complementares estaduais.

O Ministério Público da União é chefiado pelo Procurador-Geral da República, nomeado, dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, pelo Presidente da República, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução (art. 128, § 1º, CF).

Os Ministérios Públicos do Distrito Federal e Territórios, assim como os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, escolherão seus Procuradores-Gerais de Justiça, os quais serão nomeados pelo Chefe do Poder Executivo, após formação de lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para mandato de dois anos, permitidauma recondução.

Relativamente aos princípios institucionais, nos termos do art. 127, §§ 1º e 2º da CF, conformepreciosalição deAvena27 , temos a:

a) Unidade: significa que os membros de cada Ministério Público fazem parte de uma

26 Decreto nº 3.897/2001, art. 4º, § 1º. Tem-se como controle operacional a autoridade que é conferida, a um comandante ou chefe militar, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos policiais que se encontrem sob esse grau de controle, em tal autoridade, não se incluindo, em princípio, assuntos disciplinares e logísticos.

27 AVENA, Noberto Claúdio Pâncaro. Processo penal esquematizado. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p 113/114.

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28;

b) Indivisibilidade: a atuação do Ministério Público não se manifestará por meio deste ou daquele membro individual e pessoalmente considerado, mas sim pela atuação da Instituiçãocomo um todo.Por isso, aose manifestar,deveassim referir-se:“oMinistério Público, por seu órgão, oferece denúncia[...]” ou “o Ministério Público opina pela decretação da prisão [...]”. Seus membros podem ser substituídos uns pelos outros,segundo estabelecido em lei e em normas institucionais;

c) Independência funcional: o órgão do Ministério Público é independente no exercício de suas funções, formando sua opinião conforme convicções próprias devida e legalmente motivadas, não estando vinculado à eventual atuação anterior ou à de outro membro doMinistério Público;

d) Autonomia funcional, administrativa e financeira: representada pela capacidade organizacional de autogovernar-se, gerindo suas questões internas de ordem administrativa e elaborando sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias (LDO).

Com exceção do Ministério Público do Trabalho, os demais ramos do Ministério Público brasileiro, tem, dentre suas funções institucionais, a de promover, privativamente, a ação penal pública, naformadaLei (art. 129,inciso I, CF).

Cabe destacar que, por força do disposto no art. 129, § 2º da CF, fica vedada a atuação de acusador ad hoc uma vez que as atribuições do Ministério Público somente poderão ser exercidas porintegrantes da carreira.

O inquérito policial, dirigido ao órgão do Ministério Público, deve conter elementos informativos que servirão para formar a sua opinio delicti, dando, se for o caso, suporte para início do jus persequendi in judicio, mediante oferecimento da denúncia em face de quem é acusadopela prática criminosa.

O exercício do controle externo da atividade policial cabe ao Ministério Público, consoante previsãodo art. 129,inciso VIIdaCF.

1.9.1.2.1. Procedimento Investigatório Criminal (PIC)

Ao Ministério Público é permitido promover, por autoridade própria, investigações de naturezapenal,desdequerespeitadososdireitosegarantias queassistem aqualquerindiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, bem como observadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais da advocacia, sem prejuízo da possibilidade do permanente controle jurisdicional dos atos, tudo devidamente documentado.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto das ADI’s 2.943/DF, 3.309/DF e 3.318/DF, concluído em 02 de maio de 2024, estabeleceu parâmetros para as investigações criminais pelo Ministério Público, a saber:

a) comunicação imediata ao juiz competente sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório, com o devido registro e distribuição;

b) observância dos mesmos prazos e regramentos previstos para conclusão de inquéritos policiais;

c) necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações de prazo, sendo vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas;

28 [...] Nos termos do art. 127, § 1º, da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público é instituição permanente, regida pelos prin-cípios da unidade e da indivisibilidade, segundo os quais o Parquet é um só organismo, uma só unidade, e seus membros podem ser substituídos uns pelos outros, independentemente de fundamentação, sem que haja alteração subjetiva na relação jurídica pro- cessual. (STJ, 6ª Turma, EDcl-HC 227.658/SP, Relª. Minª. Maria TherezaAssis Moura, j. em 03/05/2012, pub. no DJe 14/05/2012)

49 mesmainstituição

d) distribuição por dependência ao Juízo que primeiro conhecer de PIC ou inquérito policial a fim de buscar evitar, tanto quanto possível, a duplicidade de investigações;

e) aplicaçãodoartigo18doCódigodeProcessoPenalaoPIC(ProcedimentoInvestigatório Criminal) instaurado pelo Ministério Público;

f) nas investigações de natureza penal, o Ministério Público poderá requisitar a realização de perícias técnicas, cujos peritos gozarão de plena autonomia funcional, técnica e científica na realização dos laudos.

g) possibilidade de instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes ou ferimentos graves ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes.

No âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) é disciplinada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por intermédio da Resolução CNMP nº 181/2017, com as alterações advindas da Resolução CNMPnº 183/2018, da Resolução CNMP nº 201/2019 e da Resolução CNMP nº 289/2024.

1.9.2. O PAPEL DO JUIZ NA PERSECUÇÃO PENAL

O sistema processual penal adotado pelo Brasil é o acusatório impuro29 , atribuindo-se as funções de acusar, julgar e defender a sujeitos diversos.

A atividade jurisdicional se desenvolve em todas as fases da persecução penal.

Na fase preliminar, o juiz deve exercer o papel de garantidor dos direitos e garantias fundamentais do investigado, e, portanto, da legalidade de toda a investigação, qualquer que seja o órgão que a conduza, cabendo-lhe autorizar eventuais providências cautelares que importem em afastamento de garantias constitucionais, a exemplo, da interceptação telefônica, quebra de sigilofinanceiroefiscal,buscaeapreensão, prisãotemporáriaoupreventiva, dentreoutras.

Na fase processual, ele é o responsável pela presidência da ação penal, conduzindo os atos processuais, colhendo as provas por ele indicadas de ofício ou pelas partes, reconhecendo causas de extinção de punibilidade, e, ao final, formulando julgamento de mérito.

A execução da pena também está sujeita ao controle jurisdicional, cabendo ao juiz competente, conforme prevê o art. 66 da Lei nº 7.210/84 (LEP)30 , a prática de atos jurisdicionais (incisos I aV) e administrativos (incisos VI a X).

1.9.2.1. Juiz

das Garantias

Trata-se de inovação da Lei nº 13.964/2019 que introduziu no Código de Processo Penal os arts. 3º-A a 3º-F, prevendo a implantação do juiz das garantias e seus consectários, que entretanto, permaneceu com sua eficácia suspensa em virtude de liminar do Ministro Luiz Fux, concedida em medida cautelar nas ADI’s nºs 6.298, 6.299, 6.300 e6.305.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, somente em 28 de agosto de 2023, com acordão

29 Inobstante parcela doutrinária minoritária divergente defenda a adoção do sistema processual misto.

30 Art. 66 da LEP: Compete ao Juiz da execução: I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado; II - declarar extinta a punibilidade; III - decidir sobre: a) soma ou unificação de penas; b) progressão ou regressão nos regimes; c) detração e remição da pena; d) suspensão condicional da pena; e) livramento condicional; f) incidentes da execução. IV - autorizar saídas temporárias; V - determinar: a) a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua execução; b) a conver-são da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de liberdade; c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos; d) a aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da pena por medida de segurança; e) a revogação da medida de segurança; f) a desinternação e o restabelecimento da situação anterior; g) o cumprimento de pena ou medida de segu-rança em outra comarca; h) a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1º, do artigo 86, desta Lei. i) (VETADO); VI - zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança; VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequadofuncionamentoepromovendo,quandoforocaso,aapuraçãoderesponsabilidade;VIII-interditar,no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei; IX - compor e instalar o Conselho da Comunidade. X – emitir anualmente atestado de pena a cumprir.

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publicado em 19 de dezembro seguinte31 , julgou parcialmente procedentes as referidas ações para assentar pela constitucionalidade da criação do juiz das garantias, fixando “o prazo de 12 (doze)meses,acontardapublicaçãodaatadojulgamento,paraquesejamadotadasasmedidas legislativas e administrativas necessárias à adequação das diferentes leis de organização judiciária, à efetiva implantação e ao efetivo funcionamento do juiz das garantias em todo o país, tudo conforme as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça e sob a supervisão dele. Esse prazo poderá ser prorrogado uma única vez, por no máximo 12 (doze) meses, devendo a devida justificativa ser apresentada em procedimento realizado junto ao Conselho Nacional de Justiça [...]”. Em consequência, declarou a inconstitucionalidade parcial, por arrastamento, do art. 20 da Lei nº 13.964/2019, quanto à fixação do prazo de 30 dias para a instalação dos juízes das garantias.

Com a decisão da Suprema Corte acima citada, ao juiz das garantias, nos termos do art. 3º-B, caberá:

• receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5ºdaConstituição Federal;

• receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310doCPP;

• zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;

• ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;

• realizar audiência de custódia do preso em flagrante ou por força de mandado de prisãoprovisória(art. 3º-B,§ 1º,CPP);

• decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar;

• prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, noprimeirocaso, oexercíciodocontraditóriopreferencialmente em audiência pública e oral, na forma do disposto no Código de Processo Penal ou em legislação especial pertinente;

• decidirsobreorequerimentodeproduçãoantecipadadeprovasconsideradasurgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral. O juiz poderá deixar de realizar a audiência quando houver risco para o processo, oudiferi-la em caso de necessidade;

• prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial;

• determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

• requisitardocumentos,laudoseinformaçõesaodelegadodepolíciasobreoandamento dainvestigação;

• decidir sobre os requerimentos de:

» interceptação telefônica, dofluxo de comunicações em sistemas deinformática e telemática ou de outras formas de comunicação;

» afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;

» busca e apreensão domiciliar;

» acesso a informações sigilosas;

31 Consulta realizada na página eletrônica https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15363755297&ext=.pdf , acesso em 11 mai 2024.

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» outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;

• julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;

• determinar a instauração de incidente de insanidade mental;

• assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;

• deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;

• decidir sobre a homologação de Acordo de Não Persecução Penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;

• outras matérias inerentes às atribuições referentes ao controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário.

Estabeleceu-se, ainda, no julgamento das ADI’s nºs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, em relação ao:

a) art. 3a-C do CPP:

• a competência do juiz das garantias cessará com o oferecimento da denúncia ou queixa, cabendo as questões pendentes serem decididas pelo juiz da instrução e julgamento, que não estará vinculado a qualquer decisão proferida pelo juiz das garantias, podendo reexaminar a necessidade de eventuais medidas cautelares em curso;

• a competência do juiz de garantias não abrange os crimes de menor potencial ofensivo de competência dos juizados especiais, o procedimento especial de competência originária dos tribunais (Lei nº 8.039/1990), o rito do tribunal do júri e os casos de violênciadoméstica e familiar;

• os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantais serão remetidos ao juiz da instrução e julgamento, considerando-se inconstitucional, com redução de texto, os §§ 3º e 4º do art. 3º-C do CPP;

b) ao art. 3a-D do CPP:

• a norma de impedimento constante do art. 3º-D do CPP é materialmente inconstitucional, e, o seu parágrafo único, formalmente inconstitucional32;

c)ao art. 3a-E do CPP:

• Ojuizdas garantias será investido,enãodesignado, conforme asnormas deorganização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal;

d) ao art. 3a-F do CPP:

• De modo a compatibilizar o art. 3º-F, parágrafo único, com o art. 220 da Constituição Federal, deve-se atribuir interpretação conforme ao dispositivo impugnado, para assentar que a divulgação de informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso pelas autoridades policiais, ministério público e magistratura deve assegurar a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa

32 Art.3º-D.Ojuizque,nafasedeinvestigação,praticarqualqueratoincluídonascompetênciasdosarts.4ºe5ºdesteCódigoficará impedido de funcionar no processo. Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sis-tema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.

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à prisão.

1.9.3. O ADVOGADO NA PERSECUÇÃO PENAL

A participação do advogado na investigação criminal visa a assegurar o respeito aos direitos fundamentais de seu constituinte pela autoridade que a conduz.

Ademais, goza de prerrogativas que lhe são asseguradas pela Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), cujo desrespeito sujeitará o agente público não só ao crime previstos no art. 7º-B do supra diploma legal, mas também a crimes estabelecidos na lei que trata do abuso de autoridade (Lei nº13.869/2019).

Com relação à autoridade que conduz a investigação criminal, por sua vez, chancela uma atuação respaldada nos ditames legais.

Na fase judicial, a presença da defesa técnica é obrigatória, devendo, em caso de não indicação pelo acusado, ser-lhe nomeado, pela autoridade judiciária, um defensor para patrocinarseus interesses processuais.

1.10. ENUNCIADOS DE SÚMULAS

1.10.1.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Súmula 245: A imunidade parlamentar não se estende ao co-réu sem essa prerrogativa.

Súmula 710: No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem.

Súmula 611: Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.

53 submetida

Inquérito Policial 2

O inquérito policial é procedimento de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária, voltado à apuração da prática de uma infração penal, suas circunstâncias e autoria.

2.1.

NATUREZA JURÍDICA

Procedimento de caráter administrativo.

2.2.

FINALIDADE

Coletar elementos de informação quanto à autoria e à materialidade e circunstâncias de umainfração.

2.3.

PRESIDÊNCIA

A presidência do inquérito policial cabe a Delegado de Polícia (Civil ou Federal).

2.4.

CARACTERÍSTICAS

a) Oficialidade: é procedimento instaurado exclusivamente no âmbito da polícia investigativa (Federal ou Civil), órgão da estrutura estatal (órgão oficial), nos termos do art. 4º, caput do CPP;

b) Dispensabilidade: consiste na possibilidade de que poderá o titular do direito de ação oferecer denúncia ou queixa-crime com base em outras peças informativas aptas a demonstrar a justa causa suficiente para propositura da ação penal, não sendo indispensável a existência de prévio inquérito policial;

c) Inquisitoriedade: a condução dos atos do procedimento está concentrada na figura do delegado de polícia, de forma discricionária e unilateral, conforme o seu juízo de conveniência e de oportunidade.Nafase investigativa policial, o contraditório e a ampla defesa não são exercidos de forma plena, como na fase judicial, muito embora se deva atentar para as prerrogativas previstas no art. 7º, incisos XIV, XV e XXI, §§ 1º,10, 11, 12 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), com a redação dada pela Lei nº 13.245/16;

d) Discricionariedade: o desenvolvimento das investigações fica a critério do delegado de polícia que preside o inquérito policial, a quem caberá determinar as diligências que considerar necessárias e o momento adequado para realizá-las com a finalidade de atingiroobjetivodoprocedimento.Faz,portanto,um juízo de prognose,determinando o rumo das investigações. Inobstante o disposto no art. 14 do CPP estabelecer que a execução de diligências requeridas pelo ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado ficará a critério da autoridade policial, a doutrina e jurisprudência firmaram o entendimento de que tal discricionariedade não é absoluta, não se podendo negar o requerimento de diligências que guardem importância e correlação com o esclarecimento dos fatos. Nesse contexto, eventual indeferimento imotivado de diligências requeridas pelo ofendido ou acusado estará sujeito ao controle de legalidade pelo PoderJudiciário;

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e) Indisponibilidade: a autoridade policial não poderá dispor do inquérito policial, desistindo de sua continuidade ou determinando o seu arquivamento, consoante expressa o art. 17 do CPP: “A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”;

f) ) Informativo: trata-se de procedimento informativo, que não vincula o titular do direito de ação às suas conclusões.

2.5. PROCEDIMENTO

Ciência do fato tido como criminoso

Oitiva do investigado, se possível

Identificação da natureza do crime

Instauração do inquérito policial

Indiciamento, se cabível. Relatório

Atos de investigação e instrução

Encerramento e remessa ao juízo competente

2.5.1.

CIÊNCIA DO FATO TIDO COMO CRIMINOSO

Toma-se conhecimento do fato tido como criminoso por meio de:

a) notitia criminis, que representa o conhecimento, espontâneo ou provocado, por parte da autoridade policial, acerca de um fato delituoso; ou

b) delatio criminis, que consiste no conhecimento do fato a partir de provocação do ofendido, mediante representação (art. 5º, caput, inciso II, CPP) ou requerimento (art. 5º, § 4º,CPP).

Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial. Igualmente, a autoridade judiciária ou o órgão do Ministério Público poderá requisitar a instauração de inquérito policial.

Doutrinariamente, tem-se classificado a notitia criminis em:

a) direta, espontânea ou de cognição imediata: ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento do fato diretamente em decorrência do exercício de sua atividade funcional (ex: por intermédio de matéria jornalística; por encontrar objetos do crime; durante o curso de outras investigações, etc.);

b) indireta, provocada ou de cognição mediata: o fato chega ao conhecimento da autoridade policial por meio de terceiros (ex: representação do ofendido, requisição judicial, dentre outros);

c) coercitiva: nahipótesedeprisãoemflagrantedelitoemqueoautordofatoéapresentado à autoridade policial para as providências cabíveis;

d) inqualificada: mediante informação oriunda de fonte anônima.

Verificação da Procedência das Informações (VPI)

Apontado um fato, prima facie, como criminoso, é importante que a autoridade policial proceda a levantamento preliminar, a fim de verificar a procedência das informações, já que para início do inquérito policial é indispensável estabelecer um juízo de possibilidade sobre a existência do crime. Isso é feito, quando necessário, mediante o que se denomina cotidianamente

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no meio policial de Verificação da Procedência das Informações (VPI), procedimento que encontra respaldo implícito no art. 5º, § 3º do CPP e no art. 2º, § 1º da Lei nº 12.830/2013.

Confirmada a verossimilhança do fato noticiado, ainda que não se saiba da sua autoria, legitimada estará a instauração do inquérito policial.

Esse levantamento preliminar apresenta grande valia com relação a informações anônimas sobre práticas criminosas (notitia criminis inqualificada) oriundas de disque-denúncias, em que a autoridade policial, por força da vedação de anonimato prevista no art. 5º, inciso IV da CF, deve realizar diligências preliminares objetivando comprovar a procedência e a veracidade da notícia que, confirmada, ensejará a abertura do inquérito policial.

O procedimento, aliás, afasta o crime de abuso de autoridade previsto no art. 27 da Lei nº 13.869/19, consoante estabelecido no parágrafo único do referido dispositivo, que dispõe: “Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada”.

2.5.2. IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA DO CRIME

Identificar a natureza do crime se reveste de importância para determinar a (i)legitimidade da autoridade policial para instaurar o inquérito policial.

É que, em sendo o crime de ação penal de iniciativa pública incondicionada, nos termos do art. 5º do CPP, proceder-se-á à instauração do procedimento policial sem exigência de qualquerformalidade prévia:

a) de ofício;

b) mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público;

c) a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Na hipótese de crime de ação penal de iniciativa pública condicionada, a abertura do procedimento policial dependerá da representação do ofendido, de seu representante legal ou de seu sucessor, ou, ainda, de requisição do Ministro da Justiça, quando cabível, a teor do disposto no art. 5º, § 4º do CPP: “O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela seriniciado”.

A jurisprudência pátria, no entanto, tem flexibilizado a regra, permitindo que a omissão sejasuprida enquanto não ocorrer a decadência do direito de representação.

Nos crimes de ação penal de iniciativa privada (exclusiva ou personalíssima), o inquérito policial será aberto mediante requerimento de quem tenha qualidade para oferecer a queixacrime39 , consoante previsão do art. 5º, § 5º, CPP: “Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”.

2.5.3. INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

Será iniciado mediante:

Peça inicial Auto de prisão em flagrante

Portaria

O auto de prisão em flagrante serálavradonaformadoart.304doCPP,enquanto a portaria deverá conter, basicamente:

a) Nome do(a) delegado(a) de polícia e órgão de polícia judiciária responsável pela

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abertura do procedimento;

b) Nome do investigado e da vítima, se possível;

c) Dia, hora e local do fato tido como criminoso;

d) Determinação de diligências preliminares;

e) Data e assinatura da autoridade policial.

O Código de Processo Penal, por sua vez, expressamente, não fixa prazo para instauração do inquérito policial, salvo nos crimes de tráfico de pessoas em que o seu art. 13-B, § 3º, estabelece que a autoridade policial deverá providenciar a abertura do procedimento no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial.

2.5.3.1. Investigado com foro por prerrogativa de função

Quando se tratar de inquérito policial em face de pessoas que gozam de foro por prerrogativa de função, necessário se faz autorização prévia do Tribunal com competência originária para a respectiva ação penal, a quem caberá, inclusive, por intermédio de relator, supervisioná-lo, deferir medidas cautelares e acompanhar o seu desenvolvimento até o final.

2.5.3.2. Investigado agente de segurança pública

É de se observar que a Lei nº 13.964/2019 introduziu, no Código de Processo Penal, o art. 14-A, para determinar que, em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, quando se tratar o investigado de agente que pertença à instituição prevista no art. 144 da Constituição Federal, sendo o objeto da investigação fatos relacionados ao uso da força letal e praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembrode 1940 (Código Penal), deverá esse investigado ser “citado” da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da “citação”.

De pronto, no referido dispositivo legal (art. 14-A, CPP), vê-se uma impropriedade técnica na utilização do termo citação. Na verdade, o que se exige é que o investigado seja comunicado da instauração de procedimento de investigação em seu desfavor para, inclusive, querendo, indicar advogado para patrocinar seus interesses nos atos relacionados à sua defesa.

Esgotado o prazo de 48(quarenta e oito) horas sem que tenha ocorrido a nomeação de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição à qual ele estava vinculado, à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta eoito)horas, possaindicar defensorpara a sua representação.

Nesse caso, diante da derrubada pelo Congresso Nacional de veto presidencial à Lei nº 13.964/2019 (VT 56/2019), em 19 de abril de 2021, foram introduzidos os §§ 3º, 4º e 5º ao art. 14-AdoCPP, osquaisasseguram que:

a) inexistindo indicação de defensor pelo investigado, a sua defesa caberá preferencialmente à Defensoria Pública;

b) excepcionalmente, nos locais em que a Defensoria Pública não estiver instalada, a União ou a Unidade da Federação correspondente à respectiva competência territorial doprocedimentoinstauradodeverádisponibilizarprofissionalparaacompanhamento e realização de todos os atos relacionados à defesa administrativa do investigado;

c) a indicação do profissional referido no item anterior deverá ser precedida de manifestação de que não existe defensor público lotado na área territorial onde tramita o inquérito e com atribuição para nele atuar;

d) na hipótese de inexistência de defensor público, a indicação poderá recair em defensor alheio aos quadros próprios Administração Pública. Nessa situação, os custos com o

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patrocínio dos interesses do investigado correrão por conta do orçamento próprio da instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos fatos investigados.

Igual providência deverá ser adotada em relação aos servidores militares vinculados às Forças Armadas (art. 142 da CF), desde que os fatos investigados digam respeito a missões para a garantia da lei e da ordem (GLO) que lhes concede provisoriamente a faculdade de atuar com poder de polícia, nos termos do art. 142 da CF, LC nº 97/99 e Decreto 3897/2001.

Todavia, há firme posição doutrinária que sustenta a inconstitucionalidade material do dispositivo que imputa tal atuação à Defensoria Pública, uma vez que, conforme previsto no art. 134, caput da Constituição Federal, a esse órgão é atribuída a assistência jurídica integrale gratuita àqueles que comprovarem insuficiência derecursos, conforme o art. 5º, inciso LXXIVdo mesmo diplomalegal.

2.5.3.3. Sigilo (ou não) do inquérito policial

Debruçando-se sobre a possibilidade (ou não) de sigilo do inquérito policial, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 14, com o seguinte enunciado: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”

Dessemodo, nenhuma dúvida existe sobre o direito assegurado ao defensor do investigado, no sentido de ter acesso amplo aos autos e de extrair deles cópia do inquérito policial, consoante previsto no art. 7º, inciso XIV do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94, com a redação dada pelaLei nº 13.245/2016).

Não há, todavia, que se confundir sigilo do inquérito com sigilo da investigação.

O que se proíbe é o sigilo do inquérito em relação ao investigado, o que não acontece com o sigilo da investigação. E não poderia ser diferente diante da própria necessidade de se assegurar a eficácia do ato investigatório, que restaria comprometida se permitida sua publicização prévia.

Logo, tem-se a possibilidade de sigilo para as diligências investigatórias em curso, as quais ainda não fazem parte dos autos do inquérito policial.

O próprio Estatuto da Advocacia, em seu art. 7º, § 11, reconhece que a autoridade competente poderá impedir o acesso do advogado a informações relacionadas a diligência em andamentoeaindanãodocumentadanoinquéritopolicial, diantedoriscodecomprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade do ato investigatório.

Para evitar que a autoridade policial aja de má fé, há a possibilidade de sua responsabilização criminal e funcional na forma estabelece no art. 7º, § 12, do mesmo diploma legal, que determina:“A inobservância aos direitos estabelecidos no inciso XIV, o fornecimento incompletodeautosouo fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativoimplicaráresponsabilizaçãocriminalefuncionalporabusodeautoridade do responsável queimpedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízodo direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente”.

O sigilo do inquérito policial em relação a terceiros, alheios à investigação, é próprio do procedimento, decorrente dalei(art. 20,CPP), visando, precipuamente, ao êxitodainvestigaçãoe à salvaguarda da intimidade do(s) investigado(s) e da(s) vítima(s).

A restrição, no entanto, não é aplicável ao órgão do Ministério Público e à autoridade judiciária.

Por fim, a autoridade policial, nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra o requerente(art. 20, parágrafo único, CPP).

Poroutrolado,comungamosdoentendimentodequeaimposiçãodeincomunicabilidade do investigado, prevista no art. 21, caput do CPP, não foi recepcionada pela Constituição Federal

60

que, nem mesmo na exceção do estado de defesa33 , em que há a limitação a várias garantias, admite a incomunicabilidade, quiçá em um estado de normalidade. Ademais, a Constituição Federal asseguraaopresoo direitoà assistência dafamília e àde advogado (art.5º,incisoLXIII).

2.5.4. ATOS DE INVESTIGAÇÃO E INSTRUÇÃO

O art. 6º do Código de Processo Penal, de modo exemplificativo, traz as providências ordinárias que, a depender do caso concreto, adotará a autoridade policial no curso da investigação, a saber:

• dirigir-se ao local do crime, tão logo tenha tomado conhecimento da sua prática, providenciando para que não se alterem o estado e a conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais, somente apreendendo os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados por eles;

• colher todas as provas queservirem para oesclarecimentodofatoesuas circunstâncias;

• ouvir o ofendido;

• ouvir o investigado, com observância, no que for aplicável, ao previsto para o interrogatório judicial;

• proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;

• determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

• ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;

• averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social,suacondiçãoeconômica,suaatitudeeestadodeânimoantesedepoisdocrime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter;

• colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência, e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoapresa.

No mesmo sentido, o disposto no art. 7º do CPP, que prevê a reprodução simulada dos fatos, desde que estanão contrarieamoralidade ou a ordem pública.

2.5.4.1. Técnicas especiais de investigação

Poderão, ainda, ser utilizadas técnicas especiais de investigação que exigem autorização judicial posto que sujeitas a cláusula da reserva de jurisdição, por exemplo: medida cautelar de busca e apreensão; interceptação das comunicações telefônicas, quebra de sigilo bancário, fiscal e/ou telemático, ação controlada, infiltração policial, dentre outras34 .

Em se tratando de investigação que diga respeito ao cometimento dos crimes previstos nosarts.148,149e149-A,158,§3ºe159,todos doCódigoPenal,enoart.239daLeinº 8.069/90 (ECA),o Delegado de Polícia (ou o membro do Ministério Público):

a) poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos (art. 13-A, CPP);

b) se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de

33 “Na vigência do estado de defesa: [...] IV - é vedada a incomunicabilidade do preso”. (art. 136, § 3º inciso IV, CF).

34 Para maior detalhamento sobre as medidas cautelares de ordem probatória, remetemos o leitor ao item 11.2.

61

telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso (art. 13-B, CPP).

Por outro lado, a Lei nº 13.964/2019 introduziu, no Estatuto do Desarmamento (arts. 17, § 2º e 18, parágrafo único da Lei nº 10.826/200335) e na Lei Antidrogas (art. 33, § 1º, inciso IV da Lei nº 11.343/200636), a figura do agente policial disfarçado, como técnica de investigação criminal, atuando para coletar elementos de informação que demonstrem a conduta criminal preexistente do sujeito ativo relativo ao comércio ilegal de arma de fogo, tráfico internacional de armade fogo e/ou tráfico dedrogas.

Para que sua atuação seja lícita, urge que não intervenha na cadeia causal da infração, sob pena de configurar flagrante preparado, e, consequentemente, crime impossível, conforme reconhecido no enunciado da Súmula nº 145 do STF: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

Diferentemente da técnica da infiltração, a atuação do agente policial disfarçado, para os fins acima, não depende de autorização judicial prévia, tampouco de comunicação posterior.

2.5.4.2. Inquirição davítima edetestemunhas

No tocante à realização de inquirição da vítima e de testemunhas no inquérito policial, o procedimento observará, mutatis mutandis, o disposto nos arts. 202 a 225 do CPP.

Desnecessária, porém, a intimação prévia do advogado do investigado para acompanhar oitiva de vítima e de testemunhas na fase inquisitorial.

2.5.5.

OITIVA DO INVESTIGADO

A oitiva do investigado observará o disposto nos arts. 185 a 196 do CPP, no que couber. No ato, o investigado poderá exercer o direito ao silêncio no tocante aos fatos que lhe são imputados, bem como o de se eximir de participar de qualquer ato que possa ser utilizado como prova contra si, tudo em observância ao seu direito à não autoincriminação (nemo tenetur se detegere).

O art. 7º, inciso XXI da Lei nº 8.906/94, com as alterações da Lei nº 13.245/16 (Estatuto da Advocacia), garante a assistência do advogado ao cliente investigado durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração, apresentar razões e quesitos.

O art. 15 do CPP, por seu turno, foi tacitamente revogado com o advento do Código Civil atual, em seu art. 5º, uma vez que os maiores de 18(dezoito) anos passaram a ser absolutamentecapazes, tornando desnecessária a nomeação de curador ao investigado maior de 18(dezoito) e menorde 21(vinte e um) anos de idade.

2.5.6.

INDICIAMENTO

O ato de indiciar representa, tecnicamente, atribuir a autoridade policial formalmente a autoria(ouparticipação) dainfração investigada a uma determinadapessoa.

35 Lei nº 10.826/2003: Art. 17. [...] §2º Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordocomadeterminaçãolegalou regulamentar,aagentepolicialdisfarçado,quandopresenteselementos probatóriosrazoáveisdecondutacriminal preexistente. Art. 18. [...] Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

36 Art. 33, §1º, inciso IV da Lei n. 11.343/06: vende ou entrega drogas ou matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à prepa- ração de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quandopresentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

62

A Lei nº 12.830/13, estabelece no seu art. 2º, § 6º, que o indiciamento é ato privativo do Delegado de Polícia que preside o inquérito policial, fundamentado em análise técnicojurídica dos elementos carreados ao bojo do caderno inquisitorial.

Sobasuaótica,portanto,ultrapassa-sedeummero juízo de possibilidade,aptosomentea ensejar a abertura do procedimento policial, para um juízo de probabilidade sobre a existência docrime e de sua autoria.

Por ser ato privativo da autoridade policial, de acordo com o seu convencimento, descabe qualquer requisição da autoridade judiciária ou do membro do Ministério Público para indiciamento do investigado.

Tratando-se de pessoa com foro especial por prerrogativa de função, o indiciamento deverá ser precedido de autorização do órgão jurisdicional com competência para a ação penal originária, encarregado da supervisão do procedimento (ver item 6.3.2.4).

2.5.7.

RELATÓRIO

Ao término das investigações, a autoridade policial, fazendo um juízo de diagnose, elaborará relatório circunstanciado, contendo a descrição das etapas do procedimento e o que tiversido apurado.

Ainda que conclua pela inexistência de crime ou pelo desconhecimento de sua autoria, o delegadodepolícianãopoderádeterminarou requereroarquivamentodoinquérito policial, o que somente se dará em juízo, como se verá mais adiante.

2.5.8.

ENCERRAMENTO E REMESSA AO JUÍZO COMPETENTE

Encerrado o procedimento policial, providencia-se sua distribuição junto ao juízo competente, com os instrumentos do crime e outros objetos que interessarem à prova, para o devido exame por parte do titular do direito de ação e adoção das providências que entender cabíveis ao caso.

2.6. PRAZO PARA

CONCLUSÃO

O prazo para conclusão do inquérito policial não fica a critério da autoridade policial, sendo estabelecido no Código de Processo Penal, como norma geral, ou em leis especiais, como sevê no quadro abaixo:

DIPLOMA LEGAL

CPP

Crimes hediondos e assemelhados com prisão temporária decretada

INVESTIGADO PRESO

10 dias (art. 10, CPP)

30 dias, podendo ser prorrogado por mais 30 dias (art. 2º, § 4º, Lei nº 8.072/90)

INVESTIGADO SOLTO

30 dias (art. 10, CPP)

Não se aplica

63

Lei nº 11.343/06

(Lei Antidrogas)

Crimes contra a economia popular

(Lei nº 1.521/51)

Inquérito policial federal

(Lei nº 5.010/66)

30 dias, podendo ser duplicado pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária

(art. 51, Lei nº 11.343/06)

10 dias

(art. 10, Lei nº 1.521/51)

15 dias, podendo ser duplicado pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária

(art. 66, Lei nº 5.010/66)

A contagem do prazo se fará:

90 dias, podendo ser duplicado pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária

(art. 51, Lei nº 11.343/06)

10 dias

(art. 10, Lei nº 1.521/51)

30 dias

a) Investigado preso: em sendo de natureza material, aplicam-se as regras previstas no art. 10 do Código Penal: inclui-se no seu cômputo o dia da efetivação da prisão. Desprezam-se, ainda, as frações de dia, na forma estatuída no art. 11 do CP. Desse modo, se o indivíduo vem a ser preso no dia 02 de fevereiro, às 23 h 30, o horário será irrelevante, contando-se como primeiro dia da prisão.

É improrrogável, não estando sujeito a causas interruptivas ou suspensivas.

Havendo necessidade de continuidade das investigações, após esgotado o prazo para conclusão do inquérito policial, não restará outra medida a ser adotada senão a autoridade judiciária determinar a soltura do investigado para possibilitar a continuidade das investigações;

b) Investigado solto: tendo natureza processual, aplicam-se as regras previstas no art. 798, §§ 1º e 3º do CPP. O seu início começa a fluir a partir do primeiro dia forense útil subsequente ao daquele em que se instaurou o inquérito policial, e, caso termine em dia não útil, considerar-se-á prorrogado até o dia forense útil imediato.

Permite-se, ainda, que a autoridade judiciária, a requerimento do Delegado de Polícia que preside as investigações, prorrogue o prazo para conclusão do procedimento inquisitorial, quando demonstrada a necessidade da medida para realização de novas diligências (art. 10, § 3ºdo CPP).

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento das ADI’s nºs 6.298/DF, 6.299/DF, 6.300/DF e 6.305/DF, com acordão publicado em 19 de dezembro de 202337 , em relação ao art. 3º-B, § 2º, do CPP, decidiu atribuir interpretação conforme a Constituição para estabelecer que a autoridade judiciária competente pode, diante de elementos concretos e da complexidade da investigação, decidir de forma fundamentada pela necessidade de novas prorrogações do inquérito policial, sem que implique em revogação automática da prisão preventiva, devendo ser instado a avaliar os motivos que a ensejaram.

37 Consulta realizada na página eletrônica https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15363755297&ext=.pdf , acesso em 11 mai 2024.

64

Imediato

Destinatários

Mediato

É o titular do direito de ação (dominus litis), pois será o responsável pelo exame meritório inicial sobre o contido no procedimento policial, formando sua opinio delicti para escolher a providência prevista em lei que se mostrar mais adequada à espécie, a qual nos referiremos mais adiante.

A autoridade judiciária, que somente tomará conhecimento do conteúdo meritório do inquérito policial após retornar com o posicionamento do titular do direito de ação

2.8.

VALOR PROBATÓRIO

Os elementos informativos produzidos no inquérito policial possuem valor probatório relativo, não podendo ser utilizados pela autoridade judiciária como fundamento exclusivo para sua decisão, eis que não submetidos ao crivo do contraditório pleno e da ampla defesa, e, portanto, não podem ser considerados tecnicamente como prova. Há necessidade de que sejam devidamente ratificados em regular instrução criminal, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

2.9. VÍCIOS FORMAIS

Eventuais irregularidades ocorridas no procedimento policial não contaminam de nulidade a ação penal dele oriunda.

É óbvio que os vícios decorrentes de ilicitude geram a invalidade ou ineficácia não apenas do ato propriamente dito, mas de todos os dele derivados, ainda que produzidos na fase investigativa.

2.10.

REMESSA AO PODER JUDICIÁRIO

Ao ser encerrado, será o inquérito policial remetido para distribuição ao juízo competente e para apreciação pelos seus destinatários, de acordo com a natureza do crime investigado.

2.10.1.

CRIME DE NATUREZA PRIVADA

Os autos ficarão em juízo aguardando a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se este o pedir, mediante traslado (art. 19 do CPP).

É importante destacar que a instauração de inquérito policial não é causa interruptiva do curso do prazo decadencial para oferecimento da queixa-crime estabelecido no art. 38 do CPP, cujo decurso ensejará a extinção de punibilidade do agente (art. 107, inciso IV, CP)38

65
2.7. DESTINATÁRIOS
38 Art. 107 do CPP: Extingue-se a punibilidade: (…) IV - pela prescrição, decadência ou perempção.

2.10.2. CRIME DE NATUREZA PÚBLICA

Em se tratando de crime de ação penal de iniciativa pública, os autos seguirão para o órgão doMinistério Público, aquem caberá:

a) oferecer denúncia, propondo a ação penal à luz do art. 24 do CPP; ou

b) nos termos do art. 16 do CPP, requerer a devolução do inquérito policial para a repartição de origem para a realização de diligências que indicar, a seu juízo tidas como imprescindíveis para a formação da opinio delicti. Nesse caso, o delegado de polícia não poderá se recusar a proceder conforme o apontado, salvo quando se tratar de diligência manifestadamente ilegal, cuja recusa ele fará de forma motivada;

c) pugnar pela declinação de competência do juízo, quando entender não ser este o adequado para apreciar a matéria39. Discordando a autoridade judiciária do pedido, surgirá o impasse a que se denominou de “pedido de arquivamento indireto”, cuja solução se dará mediante aplicação, por analogia, do art. 28 do CPP; ou

d) oferecer promoção pelo arquivamento do inquérito policial; ou

e) formular Acordo de Não Persecução Penal, como se detalhará no item 2.12.

2.11. PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO

Caberá o arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação da mesma natureza quando presentes quaisquer das causas de rejeição liminar da denúncia (art. 395 do CPP)40 ou de absolvição sumária (art. 397 do CPP)41:

a) ausência de pressuposto processual ou de condição para o exercício da ação penal;

b) falta de justa causa para o exercício da ação penal;

c) atipicidade do fato;

d) existência manifesta de causa excludente de ilicitude;

e) existência manifesta de causa excludente da culpabilidade, salvo a inimputabilidade;

f) existência de causa de extinção de punibilidade.

No caso de extinção de punibilidade (art. 107, do CP42), ao invés da promoção de arquivamento típica, deve ser requerido ao juiz competente que a declare (art. 61, CPP).

2.11.1. CRIME DE NATUREZA PRIVADA EXCLUSIVA

Na hipótese de apuração de crime de natureza privada exclusiva, caso o próprio titular do direito de ação requeira o arquivamento do inquérito policial, o seu pedido será considerado como renúncia tácita ao direito de queixa (ver item 3.4.4.1), exceto quando não se tiver autoria conhecida,cujoprazodecadencialparaproposituradaaçãosequercomeçouafluir,nostermos doart. 38 do CPP.

39 Ver Capítulo 6.

40 Art. 395 do CPP: A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

41 Art. 397 do CPP: Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamenteo acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente".

42 Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa oupeloperdão aceito,noscrimesde ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005); VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005); IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

66

O fluxo da promoção de arquivamento para os procedimentos de apuração de crime de iniciativa pública, previsto no art. 28 do CPP, sofreu modificação com a Lei nº 13.964/2019, que não apenas alterou a redação do caput do dispositivo, como a ele acrescentou os parágrafos primeiro e segundo.

Inicialmente, os novos preceitos legais tiveram a eficácia suspensa em decorrência de liminar concedida pelo Ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal, proferida nas ADI’s nºs 6.298,6.299 e6.300.

Entretanto, com o julgamento de mérito das citadas ações43, a Suprema Corte, conferindo interpretação aos mesmos conforme a Constituição, decidiu que

a) o órgão do Ministério Público, ao se manifestar pelo arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, submeterá sua manifestação ao juiz competente e comunicará à vítima, ao investigado e a autoridade policial,podendoencaminharosautosparaoProcurador-Geralouparaainstânciade revisão ministerial, quando houver, para fins de homologação, na forma da lei.

b) além da vítima ou de seu representante legal, a autoridade judicial competente também poderá submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, caso verifique patente ilegalidade ou teratologia no ato do arquivamento.

No âmbito do Ministério Público brasileiro, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no uso de suas atribuições legais, por intermédio da Resolução CNMP nº 289/2024, alterou a Resolução CNMP nº 181/2017, a fim de adequá-la à Lei nº 13.964/2019, estabelecendo oseguinte fluxo:

1º - Promoção de arquivamento

Se o membro do Ministério Público responsável pelo inquérito policial, procedimento investigatório criminal ou quaisquer elementos informativos de natureza criminal, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura de ação penal pública, decidirá fundamentadamente pelo arquivamento dos autos, adotando as providências necessárias para comunicar ao juízo competente, à vítima, ao investigado e à autoridade policial.

Quanto aos bens apreendidos, vinculados a inquéritos policiais, a procedimento investigatório criminal ou de quaisquer elementos informativos de natureza criminal que tenham sido arquivados deverão ter a destinação prevista em lei.

2º - Comunicações necessárias

Após a comunicação ao juízo competente, a decisão de arquivamento será comunicada, preferencialmente por meio eletrônico, às vítimas ou a seus representantes legais, conforme o art. 28, § 1º, do Código de Processo Penal, bem como aos investigados e à autoridade policial, dentro do prazo de 5 (cinco)dias.

Urge atentar que:

a) na hipótese de morte da vítima por fatos sem nexo de causalidade com o crime, a ciência serádada à vítima indireta, isto é, ao cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ouirmão (art. 31 doCPP);

b) nos crimes praticados em detrimento de entes federativos, a comunicação deverá ser dirigida à chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial, nos termos do artigo 28,§ 2º, do CódigodeProcesso Penal;

c) estando o investigado preso, a comunicação ao juízo competente deverá ser feita no

43 “[...] Segundo a jurisprudência consolidada do STF, a eficácia das decisões proferidas em sede de controle concentrado de consti-tucionalidadeocorre a partirda publicaçãoda ata de julgamento. [...]” (1ªT.,ARE1330184AgR-terceiro, Rel.Min. DiasToffoli, j. em 03/10/2022, pub. em 28/11/2022)

67 2.11.2. CRIME DE NATUREZA PÚBLICA

prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sem prejuízo do requerimento de revogação da prisão;

d) não sendo localizada a vítima e/ou investigado, a comunicação poderá feita por edital no Diário Oficial do Ministério Público, na forma de regulamentação própria;

e) no caso de procedimentos investigativos que não sejam conduzidos por autoridade policial, é dispensável a ciência aos respectivos condutores da investigação.

3º - Possibilidade de revisão da decisão de arquivamento

A legitimidade para provocar a submissão da decisão de arquivamento à instância revisional doMinistério Público é conferida:

a) para a vítima ou seu representante legal;

b) no caso de vítima indireta, para o cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão;

c)para a chefia do órgão a quem couber a sua representação nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e Municípios;

d)aautoridadejudiciáriacompetenteemrazãodainterpretaçãoconformeaConstituição conferida ao art. 28, caput do CPP, consoante decisão proferida no julgamento das ADI’s nºs 6.298,6.299,6.300e6.305.

Por falta de previsão legal, a autoridade policial ou o investigado não possuem legitimidade para apresentação depedido de revisão da decisão de arquivamento.

Apresentado, em até 30(trinta) dias contados do recebimento da comunicação de arquivamento), o pedido de revisão pela vítima ou seu representante legal, que independe de representação por defesa técnica, o membro do Ministério Público poderá reconsiderar a promoção de arquivamento no prazo de 5(cinco) dias, e, não o fazendo, deverá remetê-lo ao órgão revisor para apreciação, no prazo de 10 (dez) dias, independentemente de a decisão estar em conformidade com súmula, enunciado ou orientação editada pela instância de revisão ministerial.

Em sendo a provocação pelo juízo competente para revisão da decisão de arquivamento, em caso de teratologia ou patente ilegalidade, o membro do Ministério Público poderá exercer o juízo de retratação, no prazo de 5 (cinco) dias, contado da ciência. Não havendo retratação, o membro do Ministério Público aguardará o fim do prazo para interposição de recurso pela vítima para encaminhar os autos à instância de revisão.

Em caso deretratação pelo membro do MinistérioPúblico, a vítima deverá ser comunicada, noprazo de 5 (cinco) dias.

4º - Pronunciamento do órgão de revisão ministerial, se for o caso

Homologando a decisão de arquivamento, determinará o retorno dos autos ao juízo competentepara os fins de direito.

Rejeitando a homologação, será designado outro membro do Ministério Público para a adoção de umadas seguintes providências:

I – requisição de diligências úteis e necessárias para a instrução do caso;II– propositura de Acordo de Não Persecução Penal; III – ajuizamento da ação penal.

5º - Hipótese de declínio de atribuição

Quando, nos autos de inquérito policial, procedimento investigatório criminal ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o membro concluir ser atribuição de outro Ministério Público, deverá submeter sua decisão ao respectivo órgão de revisão, no prazo de3 (três) dias.

68

Deixando o órgão revisor de homologar a declinação de atribuição, designará, desde logo, outro membro para conduzir a investigação. Homologada a declinação de atribuição, no prazo de 5 (cinco) dias, o órgão de revisão remeterá os autos ao Ministério Público com atribuição para o caso.

2.11.3.

CASOS DE ATRIBUIÇÃO ORIGINÁRIA DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

Noscasos de atribuição originária do Procurador-Geral de Justiça, aplica-se,no que couber, o fluxo estabelecido para a promoção de arquivamento em 1º grau, observado o disposto no art. 12,incisoXI, daLei nº 8.625, de 12 defevereiro de 199344 .

2.11.4.

ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO

Se o órgão do Ministério Público de 1º Grau deixar de incluir na denúncia fato criminoso objeto da investigação ou qualquer dos indiciados, sem que tenha justificado a omissão, dáse o fenômeno a que a doutrina denomina arquivamento implícito, o qual, diante de sua inadmissibilidade por macular o princípio da indivisibilidade, deverá ser resolvido com a aplicação, por analogia, do art. 28 doCPP45 .

2.11.5.

O ARQUIVAMENTO E A COISA JULGADA

A decisão de arquivamento do inquérito policial ou das peças de informações constituirá:

MOTIVO DO ARQUIVAMENTO COISA JULGADA CABÍVEL DESARQUIVAMENTO?

Ausência de pressupostos processuais

Falta das condições para o exercício da ação

Falta de justa causa para o exercício da ação penal

Em causa excludente de ilicitude

Atipicidade da conduta

Causa excludente da culpabilidade

Causa extintiva de punibilidade

2.12. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Formal Sim

Formal e Material Não

O art. 28-A do Código deProcesso Penal, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, estabelece a possibilidade de realização de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), mediante compromisso firmado entre o órgão do Ministério Público, o investigado e seu defensor, quando atendidas as formalidades previstas nodispositivolegal.

O ANPP é instrumento de justiça penal negocial de caráter pré-processual. Enquanto ele não for cumprido ou rescindido, não corre a prescrição, à luz do art.116, inciso IV do Código Penal, exceto, obviamente, se o crime tiver sido cometido anteriormente à vigência do novel dispositivo, por se tratar de norma penal não benéfica ao acusado.

44 Art.12.OColégiodeProcuradoresdeJustiçaécompostoportodososProcuradoresdeJustiça,competindo-lhe:(…)XI– rever, medianterequerimento delegítimointeressado,nostermosdaLeiOrgânica,decisãodearquivamentodeinquéritopolicialoupeças deinformaçõesdeterminadapelo ProcuradorGeral de Justiça, nos casos de sua atribuição originária;[...].

45 Na interpretação conforme a Constituição declarada pelo Supremo Tribunal Federal nasADI’s nºs 6.298/DF, 6.299/DF e 6.300/DF

69

Não sendo caso de arquivamento, o órgão do Ministério Público poderá propor o acordo de não persecução penal desde que preenchidos, cumulativamente, os seus requisitos objetivos esubjetivos.

(1) Requisitos objetivos

a) prática de infração penal com pena mínima abstrata inferior a 04(quatro) anos. Para aferição da pena mínima in abstrato cominada ao delito, serão consideradas as causas de seu aumento e de sua diminuição, aplicáveis ao caso concreto. Nesse caso, para fixação da pena in abstrato, observa-se o quantum de aumento mínimo variável, enquanto, para as causas de diminuição, é observado o percentual de diminuição máxima. Nas hipóteses de concurso material, concurso formal ou de crime continuado, o resultado da soma ou exasperação das penas mínimas cominadas deve ser inferior ao patamar supramencionado, não se levando em conta a pena mínima, aplicada isoladamente a cada crime.

b) prática de infração penal sem violência ou grave ameaça à pessoa. A violência pode ser a real, a imprópria e a presumida. Por sua vez, a prática de crimes culposos com resultado violento não impede a celebração de ANPP, haja vista que, nos delitos dessa natureza, a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo, por negligência, imperícia e imprudência, cujo resultado é involuntário.

c) confissão formal e circunstanciada da prática criminosa. Aqui, a confissão a ser considerada é aquela feita ao órgão do Ministério Público no momento da celebração do ANPP. Logo, não deve ser levada em consideração a sua ocorrência (ou a falta dela) durante a oitiva do investigado no inquérito policial.

d) não cabimento de transação penal. Descaberá o ANPP quando for cabível a transação penal por ser essa mais benéfica ao investigado.

e) não ter sido a infração penal praticada no âmbito doméstico ou familiar (violência doméstica) ou executada contra a mulher devido à sua condição de ser do sexo feminino. Na primeira situação, é necessário que o crime não seja caracterizado como violência doméstica ou familiar, enquanto, na segunda, basta que tenha sido cometido contramulherporsuacondiçãodeserdosexo feminino,não importando sehouveou não violência (física, psicológica, sexual ou moral).

(2) Requisitos subjetivos

a) medida suficiente para reprovação e prevenção do crime cometido;

b) inexistência de reincidência ou de elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas. Assim, não pode ser beneficiado com o acordo, o investigado reincidente46 De igual modo, não será beneficiado o investigado que apresente conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, salvo se insignificantes as infrações penais pretéritas.Nessecaso,nãoseexigequeoscrimessejamdamesmaespécie.Aexceçãoda insignificânciadosdelitospretéritosdizrespeitoaoscrimesdemenorpotencialofensivo.

c) não ter sido o agente beneficiado nos 05 (cinco) anos anteriores ao cometimentoda infração,emAcordodeNãoPersecuçãoPenal,transaçãopenaloususpensãocondicional doprocesso

70 2.12.1.
REQUISITOS
46 Arts. 63 c/c 64, ambos do CP.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no uso de suas atribuições legais, por intermédio da Resolução CNMP nº 181/2017, com as alterações posteriores, especialmente, advindas com a Resolução CNMP nº 289/2024, estabelece providências preliminares que deverão ser adotadas pelo membro do Ministério Público visando a celebração de um Acordo deNão Persecução Penal, quando cabível.

Nesse sentido, a participação da vítima, ou, na sua ausência, de seus respectivos familiares, comvistasàreparaçãodosdanoscausadospelainfração,muitoemboraasuaaquiescêncianão se apresente como requisito de validade ou eficácia do acordo, mostra-se relevante, observandose que antes da apresentação da proposta ao investigado, o membro do Ministério Público providenciará a notificação da vítima para informar sobre os danos decorrentes da infração penal e apresentar, sempre que possível, documentos ou informações que permitam estimar o dano suportado e a capacidade econômica do investigado.

Poderá, ainda, requisitar à autoridade policial responsável pela investigação que traga aos autos,documentalmente,elementosdeconvicçãoquepermitamestimarodanosuportadopela vítima e a capacidade econômica do investigado, sem prejuízo de a própria vítima complementar ou modificar tal documentação antes da celebração do acordo com o investigado.

Na hipótese de não comparecimento da vítima ou da sua discordância em relação à composição civil dos danos, o montante a ser pactuado pelo Ministério Público nos termos do art. 28-A, I, do CPP, deverá ser expressamente ressalvado como valor mínimo, não impedindo a busca da reparação integral pelo ofendido por meio das vias próprias.

Relativamente ao indiciado, o membro do Ministério Público, independentemente da existência de confissão anterior no curso do procedimento investigatório prestada perante a autoridade policial, providenciará a notificação daquele para comparecer em local, dia e horário determinados, devendo constar expressamente danotificação que o ato pressupõe a confissão formal e circunstanciada da prática da infração penal, bem como a necessidade de que se faça acompanharpor advogado ou defensor público.

No local, dia e horário designados, na presença do defensor do investigado, serão realizadas as tratativas do acordo e colhida a confissão detalhada dos fatos, tudo devidamente registrado pelos meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.

É de ressaltar que:

a) o não comparecimento da vítima ou a sua discordância em relação à composição civil dos danos, por si só, não obstará a celebração do ANPP;

b)o não comparecimento injustificado do investigado na data e horário fixados para coleta de sua confissão poderá ser considerado como desinteresse na celebração do acordo.

2.12.3.

CONDIÇÕES

Poderão ser objeto de negociação no acordo de não-persecução penal as seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente:

a) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

b) renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo órgão do Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

c) prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à penamínimacominadaaodelitodiminuídadeumadoisterços,emlocalaserindicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Código Penal;

71 2.12.2. PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES

d) pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentementelesados pelo delito; ou

e) cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo órgão do Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

A cláusula relativa à composição de danos civis poderá ser pactuada com caráter de irrevogabilidade, constituindo título executivo de natureza cível apto à execução, mesmo na hipótese de posterior rescisão do ANPP.

2.12.4.

FORMALIZAÇÃO DO ACORDO

A formalização do acordo se dará mediante termo nos autos, com a qualificação completa do investigado. Ele estipulará, de modo claro, as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para seu cumprimento, e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e seu defensor, e, em seguida, submetido à apreciação do juiz competente.

A vítima, sempre que possível acompanhada de advogado ou defensor público, poderá figurar como interveniente no ANPP, no que diz respeito à reparação dos danos civis decorrentes dainfração penal.

2.12.5.

AUDIÊNCIA JUDICIAL

No exercício do controle jurisdicional do acordo, o juiz designará audiência, na qual verificará a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado, na presença do seu defensor, e a sua legalidade.

Entendendo serem inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no Acordo de Não Persecução Penal, o juiz devolverá os autos ao órgão do Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e de seu defensor.

1ª Hipótese - Homologação do acordo

Considerando o acordo cabível e as condições adequadas e suficientes, a autoridade judiciária promoverá sua homologação, devolvendo os autos ao órgão do Ministério Público para que inicie a execução perante o juízo das execuções penais.

A decisão homologatória é ato judicial de natureza declaratória, cabendo ao seu prolator analisar somente a voluntariedade e a legalidade do acordo.

Homologado o acordo, a vítima será intimada para dele tomar conhecimento.

2ª Hipótese - Não homologação do acordo

A homologação do acordo poderá ser recusada pelo juiz, se considerar que ele não atende aos requisitos legais, ou quando não tiver sido realizada a adequação da proposta que anteriormenteteve reformulação indicada.

Nessa hipótese, o juiz devolverá os autos ao órgão do Ministério Público, que poderá:

a) promover a complementação das investigações;

b) oferecer denúncia, ou

c)interpor recurso em sentido estrito(art. 581,incisoXXV,CPP).

2.12.6. CUMPRIMENTO DO ACORDO

Cumprido integralmente o Acordo de Não Persecução Penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.

72

A celebração e o cumprimento do Acordo de Não Persecução Penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para comprovação de ter sido o agente beneficiado com o instituto nos 05 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, o que impedirá novo benefício.

2.12.7. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO

Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo, o órgão do Ministério Público deverá comunicar ao juízo para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia. Ademais, poderá utilizar o fato como justificativa para eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.

Porém, faz-se necessário garantir o prévio exercício do contraditório e da ampla defesa, oportunizando à defesa a manifestação acerca do pedido formulado pelo órgão do Ministério Público. Por sua vez, a vítima será intimada para conhecimento do descumprimento do acordo.

2.12.8. NÃO OFERECIMENTO DA PROPOSTA DE ACORDO

O ANPP não constituidireito subjetivo do acusado47 , mas decorre da discricionariedade regrada conferida ao órgão do Ministério Público para oferecê-lo, quando atendidos os requisitos legais (art. 28-A, caput eparágrafos, CPP).

Não sendo o caso de oferecimento da proposta de Acordo de Não Persecução Penal, a recusa fundamentada deverá constar nos autos do procedimento investigatório ou na cota da respectivadenúncia59

Havendo recusa na proposição do Acordo de Não Persecução Penal, o investigado, em até 10(dez) dias48, poderá requerer ao juiz a remessa dos autos ao órgão ministerial de revisão para apreciação do pedido, na forma do art. 28-A, § 14 do CPP, observando-se que:

a) no caso de recusa indicada na cota da denúncia, o prazo para o pedido de remessa ao órgão superior contará da citação para resposta à acusação;

b) se a recusa tiver sido consignada nos autos de procedimento investigatório, o prazo para o pedido de remessa ao órgão superior contará da comunicação da negativa ao interessado49

Estabelece, ainda, a Resolução CNMP nº 181/2017, com os acréscimos decorrentes da Resolução CNMP nº289/2024, que:

a) apresentadoopedidoderevisãodiretamenteaoórgãoquerecusouoacordo,omembro do Ministério Público deverá remetê-lo, caso não haja reconsideração, no prazo de 3 (três) dias, juntamente com cópia das principais peças da fase pré-processual e da decisão impugnada ao órgão revisional para apreciação (art. 18-G, § 4º);

b) Em até 10(dez) dias, poderá o investigado pleitear diretamente ao órgão superior ministerial a revisão da decisão que recusou o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal (art. 18-G, § 5º).

47 “AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJE-TIVO DO ACUSADO. CONDENAÇÃO CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU. INVIABILIDADE. 1. As condições descritas em lei são requisitos necessários para o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), importante instrumen- to de política criminal dentro da nova realidade do sistema acusatório brasileiro. Entretanto, não obriga o Ministério Público, nem tampouco garante ao acusado verdadeiro direito subjetivo em realizá-lo. Simplesmente, permite ao Parquet a opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo, a partir da estratégia de política criminal adotada pela Instituição. 2. O art. 28-A do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 13.964/19, foi muito claro nesse aspecto, estabelecendo que o Ministério Público "poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção docrime, mediante as seguintes condições". 3. A finalidade do ANPP é evitar que se inicie o processo, não havendo lógica em se discutir a composição depois da condenação, como pretende a defesa (cf. HC 191.464-AgR/SC, Primeira Turma, Rel. Min. ROBERTO BAR-ROSO, DJe de 26/11/2020). 4. Agravo Regimental a que nega provimento”. (STF, 1ª Turma, HC 195327 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. em 08/04/2021, pub. no DJe de 13/04/2021).

48 Art. 18-G da Resolução CNMPnº 181/2017, com os acréscimos decorrentes da Resolução nº 289/2024.

49 Art. 18-G, § 1º, da Resolução CNMP nº 181/2017, com os acréscimos decorrentes da Resolução nº 289/2024.

73

Entretanto, o pedido de reanálise formulado pelo investigado não impede o oferecimento dedenúnciapelo órgão do Ministério Público.

2.13. ENUNCIADOS DE SÚMULAS

2.13.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Súmula Vinculante 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Súmula 145: Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

Súmula 397: O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrantedo acusado e arealização doinquérito.

Súmula 524: Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.

2.13.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Súmula 522: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegadaautodefesa.

Súmula 234: A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.

Súmula 574: Para a configuração do delito de violação de direito autoral e a comprovação de sua materialidade, é suficiente a perícia realizada por amostragem do produto apreendido, nos aspectos externos do material, e é desnecessária a identificação dos titulares dos direitos autorais violados oudaqueles queos representem.

74
75

Ação Penal 3

3.1.

CONCEITO

É o direito de se pedir ao Estado-Juiz a prestação jurisdicional, mediante a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto, conforme assegurado no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal (“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça do direito”)50 .

3.2.

CARACTERÍSTICAS

O direito de ação penal, como assinala o professor Renato Brasileiro51 ,apresenta-se como:

• Direito público: a atividade jurisdicional é de natureza pública;

• Direito subjetivo: o seu titular pode exigir do Estado-juiz a prestação jurisdicional, relacionada a um caso concreto;

• Direito autônomo: não se confunde com o direito material que se pretende tutelar;

• Direito abstrato: independe da procedência ou improcedência da pretensão acusatória;

• Direito determinado: é instrumentalmente conexo a um fato concreto já que pretende solucionar uma pretensão dedireito material;

• Direito específico: apresenta um conteúdo específico, que é o objeto da imputação, isto é, o ato delituoso cuja prática é atribuída ao acusado.

3.3. CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL

Para o exercício do direito de ação, necessária se faz a presença das chamadas condições da ação penal, essenciais para a sua admissibilidade, cuja análise, por ser prévia ao mérito, submete-se à teoria da asserção52 , isto é, toma-se como objeto da demanda os fatos descritos na peça inicial (in statu assertionis), independentemente de serem verdadeiros ou não. É a partir deles que se examina a viabilidade hipotética da acusação.

Não se trata aqui de condicionantes ao direito de se invocar a tutela jurisdicional, assegurado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, mas, no campo processual, o estabelecimento de condições para o seu exercício.

Nesse raciocínio, as condições da ação se subdividem em condições genéricas, presentes em toda e qualquer ação penal, e condições específicas, próprias de determinadas infrações penais, de certos acusados, ou em condições específicas, expressamente previstas em lei.

Sinopticamente:

50 AVENA, Noberto Claúdio Pâncaro. Processo penal esquematizado. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 230.

51 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed. rev., amp. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2015, p. 192.

52 Adotada majoritariamente pela doutrina brasileira, e, ainda, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

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Legitimidade ad causam

À luz da teoria geral do processo

Condições genéricas

Condições da ação

Condições específicas

À luz da teoria específica do processo penal

Interesse de agir

Legitimidade ad causam

Prática de fato aparentemente criminoso

Justa causa em sentido estrito

Punibilidade concreta

Ativa Passiva

Necessidade

Adequação

Utilidade

3.3.1.

CONDIÇÕES GENÉRICAS

Quanto às condições genéricas, a doutrina não é pacífica: parte dela, considera aplicáveis ao processo penal as mesmas condições genéricas da teoria geral do processo (legitimidade ad causam e interesse de agir), enquanto outra parcela doutrinária defende que as especificidades do processo penal permitem fixar as próprias condições genéricas da ação (legitimidade ad causam, prática deum ato aparentemente criminoso, punibilidade concreta e justa causa).

Diante da controvérsia, examinaremos as condições genéricas da ação, levando em consideração as duas vertentes: a da teoria geral do processo e a da teoria específica do processo penal.

3.3.1.1. À luz da teoria geral do processo

O Código de Processo Civil vigente, muito embora não utilize a expressão “condições da ação”,dispõe,noseuart.17,que,parapostularemjuízo,énecessárioter interesse e legitimidade, de modo que a petição inicial será indeferida quando a parte for ilegítima ou carecer de interesse processual (art. 330, caput, incisos II e III, CPC).

O art. 485, caput e inciso VI do CPC, por seu lado, aponta que o juiz não resolverá o mérito quando verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual.

Postoisso,verifica-se queas condições da ação estãolimitadas ao interesse eà legitimidade ad causam que, além dos pressupostos processuais, não integram o mérito da causa.

A impossibilidade jurídica da causa de pedir (do pedido), em contrapartida, consolidou-se como questão de mérito.

Destarte, concluímos que são condições de admissibilidade da ação penal: a legitimidade ad causam eo interesse de agir.

3.3.1.1.1. Legitimidade ad causam

É a situação prevista em lei que permite a um determinado sujeito propor a demanda judicial (legitimidade ativa) e, a um outro, ocupar o polo passivo dessa mesma demanda

77

(legitimidade passiva).

No Processo Penal, quanto à legitimidade ad causam ativa, tem-se que, nas ações penais públicas, por força do art. 129, I da Constituição Federal, o titular da ação penal será o Ministério Público.

Para as ações penais privadas, será legitimado a agir o ofendido, seu representante legal ousucessores, conforme adiante esclarecido.

Em termos de legitimidade ad causam ativa, nos termos do art. 18 do CPC, vê-se a Legitimidade:

a) ordinária: a que prevê que somente o titular do alegado direito poderá pleitear em nomepróprio seu próprio interesse;

b) extraordinária: a que permite que, autorizado por lei, alguém pleiteie, em nome próprio,direitoalheio.Também conhecida como substituição processual (art.18,CPC). Por exemplo, na hipótese de ação penal de iniciativa privada em que a vítima pleiteia, em nome próprio, interesse alheio (o do Estado, titular exclusivo do direito de punir).

A queixa-crime também poderá ser oferecida, excepcionalmente, por curador especial (art. 33, CP) ou pelos sucessores do ofendido (art. 31, CPP), ou mesmo por entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, assim como por associações, especificamente destinadas à defesa dos interesses e dos direitos do consumidor (Lei nº 8.078/90, art. 80 c/c 82, incisos III e IV).

No polo passivo, a legitimação ad causam recai sobre o provável autor do fato delituoso, pessoa física com 18 (dezoito) anos de idade completos ou mais (art. 228 da CF).

A pessoa jurídica somente poderá ser demandada criminalmente pela prática de crimes ambientais, e, ainda assim, desde que haja imputação simultânea com a pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício. É o que a doutrina denomina de teoria da dupla imputação

Não há, todavia, que se confundir legitimidade ad causam com legitimidade ad processum, essa tido como pressuposto processual de validade e que se refere à capacidade de estar em juízo. É o que ocorre com um ofendido menor de 18(dezoito) anos, que não tem capacidade processual para oferecer queixa-crime, fazendo-o por intermédio de seu representante legal.

3.3.1.1.2. Interesse de agir

O interesse de agir está relacionado à utilidade da prestação jurisdicional que se pretende obter, sendo formado pelo trinômio: necessidade, adequação e utilidade:

a) Necessidade: a obtenção da tutela jurisdicional pleiteada deverá se fazer mediante ação penal em face do princípio nulla poena sine judicio, o qual garante que nenhuma sanção poderá ser imposta sem o devido processo legal;

b) Adequação: a providência judicial requerida deverá ser apta para a satisfação da pretensão invocada;

c) Utilidade: traduz-se na eficácia da atividade jurisdicional para satisfazer o interesse do autor, caso seja a ação julgada procedente, com a realização do jus puniendi estatal, medianteaplicaçãodasançãopenal.

Os nossos Tribunais Superiores, por outro lado, não admitem a possibilidade de reconhecimento da prescrição em perspectiva (ou prescrição virtual), sob a alegação de falta de interesse, sendo, inclusive, objeto de enunciado de Súmula do STJ: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal” (Súmula 438).

No mesmo sentido, é a posição do Supremo Tribunal Federal, consolidada no tema nº 239, que fixou a seguinte tese de repercussão geral: “É inadmissível a extinção da punibilidade em virtude da decretação da prescrição “em perspectiva, projetada ou antecipada”, isto é, com base

78

em previsão da pena que hipoteticamente seria aplicada, independentemente da existência ou sorte do processo criminal”53

3.3.1.2. À luz de uma teoria específica do processo penal

Como dito anteriormente, existe corrente doutrinária que defende o respeito às categorias próprias do processo penal, de acordo com suas especificidades, sob o argumento da indevida expansão dos conceitos do Direito Processual Civil para atender às especificidades do Processo Penal.

Nesse contexto, extraem-se as condições de ações, descritas nos subitens a seguir.

3.3.1.2.1. Legitimidade ad causam

Considerando a semelhança com as disposições referentes à legitimidade, tratada nas condições da ação à luz da teoria geral do processo, ratificamos o citado no item 3.3.1.1.1, supracitado.

3.3.1.2.2. Prática de fato aparentemente criminoso

Deve a peça acusatória inicial imputar ao acusado a prática de uma conduta, em tese, típica, ilícita e culpável, isto é, que apresente os elementos do conceito analítico do crime (tipicidade, ilicitude e culpabilidade). É o chamado fumus commissi delicti

Por óbvio, inexiste presunção de veracidade dos fatos afirmados na denúncia ou queixacrime, porém é necessário que sejam demonstrados em grau de probabilidade suficiente para asua admissão.

Ausente qualquer um desses elementos, deve o juiz rejeitar a peça acusatória (art. 395, inciso II, CPP), cuja decisão, por encetar análise do mérito da acusação, faz coisa julgada formal ematerial.

3.3.1.2.3. Justa causa em sentido estrito

A exigência de justa causa para a instauração do Processo Penal evita o início de ações penais temerárias, e, consequentemente, o uso abusivo do poder de acusar. É, pois, fator moderador ao direito de ação (ius ut procedatur).

Ao titular do direito de ação, cabe apresentar, com a denúncia (ou queixa-crime), elementos informativos que, ainda que minimamente, indiquem a existência material de um fato criminoso e indícios de sua autoria ou de participação nele.

A base probatória mínima deve lastrear toda e qualquer acusação penal.

Sob outro aspecto, muito embora inicialmente presente, existe a possibilidade do desaparecimento da justa causa de modo superveniente, quando, depois de proposta a ação penal, surja circunstância nova que elimine o lastro probatório que serviu de base para a denúncia ou queixa-crime, por exemplo, se reconhecida a ilicitude da prova que a ampara.

(1) Justa causa duplicada

O art. 2º, § 1º da Lei nº 9.613/98 (Lei de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores), estabelece que a denúncia, além de conter lastro probatório com relação ao crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, também deverá ser instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, embora desconhecida sua autoria. É o que se convencionou chamar de justa causa duplicada.

(2) Justa causa em sentido amplo

A justa causa em sentido amplo abrange todas as condições da ação penal que justificam o exercício de acusação e a respectiva instauração do Processo Penal, inclusive a justa causa mencionada no art. 395, inciso III do CPP (justa causa em sentido estrito).

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53 STF, Pleno, RE602527 RG-QO/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, j.em 19/11/2009, pub. no DJe 237, div. em 17/12/2009.

3.3.1.2.4. Punibilidade concreta

É preciso que não tenha ocorrido a extinção da punibilidade do agente, cujas causas estão dispostas no art. 107 do Código Penal54 , ou ausência de condição objetiva de punibilidade.

3.3.2. CONDIÇÕES ESPECÍFICAS

São condições específicas para determinadas infrações penais, para certos acusados ou expressamenteprevistas em lei, v.g.:

a) representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça, nos crimes de ação penal pública condicionada;

b) existência de provas novas, quando o inquérito policial tiver sido arquivado com base naausênciadeelementosprobatórios,ou,apósapreclusãodadecisãodeimpronúncia, em se tratando de crimes dolosos contra vida;

c) laudo pericial pré-constituído, nos crimes contra a propriedade imaterial;

d) a prova do lançamento definitivo do crédito tributário, nos crimes materiais contra a ordem tributária55;

e) autorização da Câmara dos Deputados para a instauração de processo contra o Presidente, o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado (CF, art. 51, I).

3.3.3. CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO

A ausência das condições da ação, passível de reconhecimento pela autoridade judiciária a qualquer tempo e grau de jurisdição, enseja a denominada carência de ação, que resultará na rejeição da denúncia ou da queixa-crime (art. 395, incisos II e III, CPP), se for em sede e juízo de admissibilidade da peça acusatória inicial, ou na absolvição sumária (art. 397, CPP), se for verificada após a apresentação de resposta à acusação.

Tratando-se de ilegitimidade de parte, ensejará, ainda, nulidade processual (art. 564, inciso II,CPP).

3.4. CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES PENAIS

As ações penais, quanto à legitimidade para a sua propositura, classificam-se na forma do roteirosinóptico abaixo:

Ação penal de iniciativa pública

Ação penal

Incondicionada

Condicionada

Exclusiva

Ação penal de iniciativa privada

Representação

Requisição do Ministro da Justiça

Personalíssima

Subsidiária

54 Art. 107 do CP: Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de leique não mais considerao fatocomocriminoso;IV-pelaprescrição,decadênciaouperempção; V-pelarenúnciadodireitodequeixa ou pelo perdão aceito, nos crimes deaçãoprivada; VI- pela retrataçãodo agente,noscasosemquealei aadmite; VII- (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005); VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005); IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

55 Súmula Vinculante nº 24 do STF: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”.

80

3.4.1.

PRINCÍPIOS

Além dos postulados gerais informadores do Processo Penal, apresenta como princípios basilares da ação penal:

AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA

Iniciativa das partes

AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA

Iniciativa das partes

Vedação da persecução penal dupla Vedação da persecução penal dupla

Obrigatoriedade

Indisponibilidade

Indivisibilidade *

Intranscendência

3.4.1.1. Iniciativa das partes

Oportunidade (Conveniência)

Disponibilidade (exceto na ação penal de iniciativa privada subsidiária)

Indivisibilidade

Intranscendência

Para evitar repetição, remetemos o leitor ao item 1.7.2.2.5.

3.4.1.2. Vedação da persecução penal dupla

Ver item 1.7.2.2.7.

3.4.1.3. Obrigatoriedade

Impõe-se ao órgão do Ministério Público que, presentes as condições da ação, assiste-lhe o dever de oferecer denúncia contra o(s) autor(es) do fato criminoso. Não o fazendo, deverá motivaro seu posicionamento56

O princípio sofre mitigação nos seguintes casos de acordo: Acordo de Não Persecução Penal (art. 28-A, CPP), transação penal (Lei nº 9.099/95, art. 76), parcelamento de débito tributário (Lei nº 9.430/96, art. 83, § 2º), acordo de leniência (Lei nº 12.529/11, art. 87) e colaboração premiada (Lei nº 12.850/13, art. 4º, § 4º).

3.4.1.4. Oportunidade

Ao titular do direito de ação é conferido exercer o juízo de conveniência sobre o oferecimento (ou não) da queixa-crime, nos casos dos crimes de natureza privada.

3.4.1.5. (In)disponibilidade

• Indisponibilidade

Ao órgão do Ministério Público é vedado não apenas dispor do direito de ação, mediante renúncia, mas também perdoar o réu ou desistir da ação penal em curso, devendo levá-la a termo, aindaque para pleitear a absolvição dodenunciado, ao final.

• Disponibilidade

A lei confere ao titular do direito de ação ou ao autor da ação penal privada exclusiva

56 “[...] 1. Embora a ação penal pública seja pautada, como regra, pelo princípio da obrigatoriedade, “o ministério público, sob pena de abuso no exercício da prerrogativa extraordinária de acusar, não pode ser constrangido, diante da insuficiência dos elementos probatórios existentes, a denunciar pessoa contra quem não haja qualquer prova segura e idônea de haver cometido determinada infraçãopenal”(HC71429,Min.CelsodeMello,PrimeiraTurma, DJ25-08-1995).[...]”. (STF,SegundaTurma,HC117.589/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, j. em 12/11/2013, pub. no DJe 25/11/2013).

81

(ação penal privada personalíssima) a possibilidade de dispor dela, mediante os institutos da renúncia, perdão e perempção (ver item 3.4.4), como consectário do princípio da oportunidade (ou da conveniência).

3.4.1.6. Indivisibilidade

O titular do direito de ação é obrigado a oferecer a denúncia (ou queixa-crime) em face dos coautores e partícipes do fato criminoso que tiverem sido identificados e contra os quais foram obtidos elementos mínimos que justifiquem a propositura da ação penal, ressalvados aqueles eventualmente beneficiados com Acordo de Não Persecução Penal (art. 28-A, CPP), transação penal (Lei nº 9.099/95, art. 76), parcelamento de débito tributário (Lei nº 9.430/96, art. 83, § 2º), acordo de leniência (Lei nº 12.529/11, art. 87) e colaboração premiada (Lei nº 12.850/13, art. 4º, §4º).

A indivisibilidade diz respeito à impossibilidade de limitação discricionária (conveniência e oportunidade) pelo acusador da extensão objetiva e subjetiva passiva da ação penal nas hipóteses de pluralidade de fatos e/ou autoria coletiva potencial57, impondo-se, caso necessário, manifestar a opinio delicti sobre todas as vertentes disponíveis, quer para o efeito de exercer a acusação, querpara o de promover arquivamento.

Desse modo, afasta-se a possibilidade do órgão do Ministério Público ou do ofendido, conforme o caso, escolher livremente quem estará no polo passivo da demanda.

Na hipótese de inobservância do princípio da indivisibilidade:

a) no crime de natureza pública, caberá ao juiz proceder nos termos do art. 28 do CPP58;

b) em sendo crime de natureza privada, reputar como renúncia ao direito de ação, aplicandoos efeitos deladecorrentes59 .

Em sentido contrário à doutrina majoritária, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça indicam que o princípio prevalente na ação penal de iniciativa pública é o dadivisibilidade.

Em discordância da posição acima, parteda doutrina pátria defende que o titular da ação penal de iniciativa pública, para incluir na denúncia ou queixa-crime determinado indivíduo, faz-se necessária a presença da justa causa, sob pena de rejeição da peça inicial. Inexistindo a justa causa, esse indivíduo não poderá ser incluído, salvo se surgirem, posteriormente, novas provas em relação a ele, quando, então, se for o caso, a inicial poderá ser aditada incluindo-o.

Nessa circunstância, nenhuma violação ao princípio da indivisibilidade existirá, uma vez que o que se veda é a escolha discricionária contra quem se irá demandar, dentro de um juízo de conveniência ou oportunidade.

Com relação à ação penal de iniciativa privada, inexistem dúvidas sobre a aplicabilidade doprincípio daindivisibilidade.

3.4.1.7. Intranscendência

Ver item 1.7.1.11.

3.4.2. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA

3.4.2.1. Titularidade

Atribuída com exclusividade ao Ministério Público, na forma do art. 129, inciso I da Constituição Federal.

57 REBOUÇAS, Sérgio. Op. cit., p. 249.

58 Na interpretação conforme a Constituição declarada pelo Supremo Tribunal Federal nasADI’s nºs 6.298/DF, 6.299/DF e 6.300/DF.

59 Para aprofundamento da matéria, veja-se o item 3.6.1.

82

3.4.2.2. Peça inicial

Sua peça inicial será sempre a denúncia.

3.4.2.3. Prazos para oferecimento da denúncia

DIPLOMA LEGAL

CPP

Lei nº 11.343/06

(Lei Antidrogas)

Crimes contra a economia popular

(Lei nº 1.521/51)

INVESTIGADO PRESO

05 dias

(art. 46, CPP)

10 dias

(art. 54, Lei nº 11.343/06)

02 dias

(art. 10, § 2º, Lei nº 1.521/51)

INVESTIGADO SOLTO

15 dias (art. 46, CPP)

10 dias (art. 54, Lei nº 11.343/06)

02 dias (art. 10, §2º, Lei nº 1.521/51)

A contagem do prazo para o oferecimento da denúncia se dará na forma prevista no art. 798, § 1º do CPP, começando a fluir a partir do primeiro dia útil forense subsequente ao daquele em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e, se o dispensar, das peças de informações ou da representação. Caso o prazo termine em dia forense não útil, considerar-se-á prorrogado até o dia forense útil imediato.

Havendo devolução dos autos do inquérito policial à repartição de origem, o prazo será iniciado da data em que o órgão do Ministério Público recebê-los de volta.

O decurso do lapso temporal para oferecimento de denúncia, sem pronunciamento do órgão do Ministério Público, diante da inexistência de decadência do direito de ação por parte dele, traz como consequência a possibilidade de oferecimento de queixa-crime pela vítima, propondo a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública. Se o investigado estiver preso, torna-se ilegal a continuidade da sua prisão por excesso de prazo.

É de se observar que, inexistindo decadência do direito de ação em desfavor do órgão do Ministério Público, enquanto não prescrito o crime ou não ocorrer outra causa de extinção de punibilidade, poderá ser apresentada a respectiva denúncia.

Na verdade, o prazo acima, implicitamente, regula a adoção alternativa de qualquer uma das seguintes medidas:

a) oferecimento de denúncia;

b) promoção de arquivamento;

c) devolução dos autos à repartição de origem para realização de novas diligências;

d) pedido de declinação da competência do juízo; ou

e) formulação do Acordo de Não Persecução Penal.

83

3.4.2.4. Classificação

Nos moldes estabelecidos no art. 24 do CPP, tem-se:

Incondicionada

Ação penal de iniciativa pública

Condicionada

Representação

Requisição do Ministro da Justiça

3.4.2.4.1. Ação penal de iniciativa pública incondicionada

Essa ação é a regra no ordenamento jurídico pátrio. A iniciativa do Ministério Público independe de satisfação de qualquer condição de procedibilidade.

3.4.2.4.2. Ação penal de iniciativa pública condicionada

Já essa outra ação penal exige, para sua propositura, o atendimento à condição de procedibilidade: representação ou requisição do Ministro da Justiça, conforme se demonstrará a seguir.

3.4.2.4.2.1. Ação penal de iniciativa pública condicionada à representação da vítima (ou de seu representante legal ou sucessor)

A condição de procedibilidade que legitima o órgão do Ministério Público a propora ação penal é a representação, que consiste em qualquer manifestação da vítima (ou de seu representante legal ou sucessor) de que tem interesse na persecuçãopenalemfacedoautor do fato criminoso que a atingiu.

A inexistência de representação ensejará a rejeição liminar da denúncia por falta de condiçãoparaoexercíciodaaçãopenal(art.395, II,CPP)ou,severificadadepoisde ultrapassada a fase do juízo de ratificação da peça inicial, a declaração de nulidadeprocessual (art. 564, III, alínea “a”, CPP). A omissão, no entanto, poderá ser sanada, com a ratificação dos atos processuais(art. 568, CPP), enquanto não decorrido o prazo decadencial de 06(seis) meses a que se refere o art. 38, caput do CPP.

Não se perca de vista que a representação, quando exigida, condiciona não apenas a proposituradaaçãopenal,mastambémaprópriainstauraçãodoinquéritopolicial à luz do art. 5º, § 4º do CPP, como visto anteriormente.

Sempre que for exigida a referida condição de procedibilidade para promoção da ação penal, a lei penal se utilizará da expressão “somente se procede mediante representação”.

Doutrina e jurisprudência posicionam-se pela impossibilidade de renúncia ao direito de representação por falta de previsão legal, salvo quando se tratar de competência dos juizados especiais criminais, por força do expresso no art. 74, parágrafo único do Lei nº 9.099/95.

(1) Legitimidade

A legitimidade para oferecimento da representação é do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo (art. 24, caput, CPP).

Nos casos de morte ou de declaração judicial de ausência da vítima, essa representação cabe aos sucessores previstos no art. 24, § 1º do CPP (cônjuge60 , ascendente, descendente ou

60 [...] 3. A companheira, em união estável reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, podendo figurar como legítima representante da falecida. Vale ressaltar que a interpretação extensiva da norma processual penal tem autorização expressa no art. 3º do CPP ("ALei Processual penal admitiráinterpretação extensiva e aplicação analógica, bemcomo o suplemento dos princípios gerais de direito"). 4. Ademais, "o STF

84

irmão), aplicada a ordem de preferência, por analogia, previstano art. 36,primeira parte doCPP.

Se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos, ou incapaz civilmente, e se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquela, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, a autoridade judiciária competente para o processo penal poderá, ainda, nomear curador especial para oferecer a representação (art. 33, CPP, por analogia).

Em se tratando de pessoa jurídica, esta será representada pela pessoa indicada no respectivo contrato social, por quem esse contrato ou estatuto designar, ou, no silêncio dele, pelos seus diretores ou sócios-gerentes (art. 37, CPP, por analogia).

(2) Prazo

O exercício do direito de representação, salvo disposição em contrário, dar-se-á dentro do prazo de 06(seis) meses, contados do dia em que a vítima vier a saber quem é o autor do crime, sobpenadedecadência, com aconsequenteextinção depunibilidade, nos termos doart. 38 do CPPc/cart. 107, incisoIVdo CP.

Para os sucessores da vítima, aplica-se idêntico prazo à luz do parágrafo único do art. 38 doCPP, atentando que:

a) porsetratar deprazo uno, asua fluência será simultânea para todos;

b) se qualquer deles sabia quem era o autor do crime, o prazo decadencial começa a correr automaticamente após constatado oóbito da vítima;

c) se já era conhecida da vítima e de seus sucessores, a identidade do responsável pelo crime, restará, para oferecimento da representação, o período remanescente aos 06(seis)meses iniciais;

d) não sendo conhecida dos sucessores a identidade do autor do crime, mas somente da vítima, restará, para oferecimento da representação, o período remanescente aos 06(seis) meses iniciais, o qual começou a fluir no momento em que qualquer um daqueles souber de quem se trata.

Na hipótese de vítima menor de 18(dezoito) anos de idade ou incapaz civilmente, deve-se atentar para a existência de dois prazos decadenciais independentes: um para o representante legal; outro, para o próprio ofendido, conforme, aliás, consta do enunciado da Súmula 594 do STF: “Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou porseu representante legal”

Nessa linha de raciocínio, ainda que o representante legal da vítima tenha deixado escoar o prazo para oferecimento da representação, a decadência apenas atingirá o seu direito de representação. Para a vítima, ciente da identidade do autor do crime, o prazo decadencial, ao qual se refere o art. 38 do CPP, começará a correr no dia em que completar 18(dezoito) anos ou em que cessar a incapacidade civil, estendendo-se pelos 06(seis) meses subsequentes. Se não conhecia o autor do crime, o termo inicial de contagem do prazo se dá a partir do dia em que souber de quem se trata.

É de suma importância ressaltar que o citado lapso temporal, embora estabelecido em lei processual penal, tem natureza penal, constituindo-se o instituto da decadência em uma das causas de extinção de punibilidade61 , haja vista que sujeita sua contagem aos parâmetros estabelecidos no art. 10 do Código Penal, com inclusão dos dias do começo e do fim no seu cômputo, descabendo interrupção, suspensão ou prorrogação, porque se trata de prazo peremptório.

já reconheceu a inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva [...]". (RE 646721, Relator Min. MarcoAurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO RE- PERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017). [...]. (STJ; APen 912; Proc. 2018/0242438-5;RJ; Corte Especial; Relª Minª Laurita Vaz; Julg. 07/08/2019; DJe 22/08/2019).

61 Art. 107, inciso IV do CP

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Em quaisquer dos casos, o prazo da prescrição da pretensão punitiva do Estado continuará a fluir paralelamente nos moldes do Código Penal, importando o seu exaurimento em extinção depunibilidade(arts. 107,inciso IV, 109e111,CP).

(3) Forma e eficácia objetiva da representação

A representação não exige qualquer formalidade, sendo suficiente a demonstração do interesse da vítima (de seu representante legal ou de seu sucessor), no sentido de autorizar a persecução penal por fato especificado.

Poderáserapresentadamediantedeclaração, escritaouoral, econterátodasasinformações que possam servirà apuração do fato e da sua autoria.

Emsendo feitaoralmente, será reduzidaatermo, podendo ser apresentada pessoalmente por quem detém legitimidade para fazê-lo ou por procurador com poderes especiais.

É dotada a representação de eficácia objetiva, uma vez que se representa contra fatos, não contrapessoas.

Assim, quando o fato criminoso for praticado em concurso de pessoas, ainda que apresentada a representação somente contra um dos autores ou partícipes, estará autorizado o órgão do Ministério Público a promover a ação penal contra os demais coautores ou partícipes doevento representado.

Veda-se, contudo, a inclusão de fatos criminosos não contidos na representação, uma vez que essa inclusão extrapolaria os limites materiais fixados pelo ofendido ou por quem o representasse legalmente (ou por seus sucessores), constituindo violação ao princípio da oportunidade ou da conveniência, o qual rege o direito de representação, com a finalidade de evitar o que a doutrina denomina strepitus iudicii, isto é, que a repercussão do fato criminoso cause maiores prejuízos que o próprio delito. Caso necessário, deve ser procedida à complementaçãodarepresentação,seaindanãotivertranscorridooprazodecadencialprevisto noart. 38 do CPP.

(4) Destinatários

A teor do art. 39 do CPP, a representação poderá ser apresentada ao juiz, ao órgão do Ministério Público ou àautoridadepolicial.

Oferecida a representação por escrito, ou reduzida a termo, quando verbal, a autoridade policial procederá à abertura de inquérito. Não possuindo essa atribuição, remetê-la-á à autoridadeque a tiver.

Se ela for apresentada perante o juiz ou o órgão do Ministério Público, sendo caso de instauração de inquérito policial, será encaminhada à autoridade policial para as providências devidas.

Contendo a representação elementos suficientes para a formação de opinio delicti, o órgão do Ministério Público, se julgar adequado, poderá dispensar o inquérito policial, e, com base nasinformações apresentadas, ofertar denúncia, propondo a ação penal.

(5) Força não vinculativa

Diante do princípio de independência funcional que regula a atividade ministerial (art. 127, § 1º, CF), o órgão do Ministério Público não fica vinculado aos termos da representação, cabendo-lhe formar livremente sua opinião sobre o fato criminoso, circunstâncias e autoria.

Destarte, poderá atribuir ao fato definição jurídica diversa da mencionada na representação, requisitar instauração de inquérito policial ou mesmo promover, em juízo, o arquivamento das peças.

(6) Retratação

Por força do disposto no art. 25 do CPP, a representação, depois de oferecida a denúncia, será irretratável

A contrario sensu, enquanto não houver oferecimento da denúncia, poderá ocorrer a retratação da representação.

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Aqui se faz necessário distinguir os atos de oferecimento da denúncia e recebimento da denúncia: o primeiro se dá com o ajuizamento da ação penal, mediante protocolo em juízoda peça acusatória; o segundo, ocorrerá em momento processual mais adiantado, quando o magistrado analisará a presença das condições essenciais da ação, recebendo a peça inicial (art.395, CPP).

Sob outro aspecto, o ciclo representação/retratação/nova representação poderá se repetir quantas vezes o(a) representante entender conveniente desde que a última representação atenda ao prazo decadencial de 06(seis) meses, contados nos moldes previstos no art. 38 do CPP,e, para a retratação, antes do oferecimento da denúncia, conforme anteriormente explicitado.

(7) Retratação da representação na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)

Pela leitura do art. 16 da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) resta claro que para admissibilidadedaretratação darepresentação, aquealei chamaderenúncia àrepresentação, épreciso que:

a) seja formalizada em audiência judicial especialmente designada com tal finalidade, a pedido da vítima, ouvido o Ministério Público; e

b) ocorra antes do recebimento da denúncia.

Tratando do tema, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 7.267/DF, com acórdão publicado em 11 de setembro de 2023, assentou que somente a ofendida pode requerer a designação da audiência para a renúncia à representação, sendo vedado ao Poder Judiciário designá-la de ofício ou a requerimento de outra parte, assim como ser inconstitucional oreconhecimento de que eventual não comparecimento da vítima de violência doméstica ao atoimplique retratação tácita ou renúncia tácita ao direito de representação.

3.4.2.4.2.2. Ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça

A propositura de ação penal pelo Ministério Público ficará a depender de prévia requisição formal do Ministro da Justiça que, como representante do Presidente da República, nos casos previstos na lei penal62 , faz um juízo político sobre a conveniência de apresentá-la.

É destacada com a expressão “somente se procede mediante requisição do Ministro da Justiça”.

A ausência da requisição poderá ensejar a rejeição liminar da denúncia por faltar condição para o exercício da ação penal (art. 395, II, CPP) ou, se verificadasomente depois de ultrapassada a fase do juízo de ratificação da peça inicial, por analogia, a declaração de nulidade processual (art. 564, III, alínea “a”, CPP).

(1) Prazo

Não há prazo para o oferecimento da requisição, podendo ser apresentada a qualquer tempo, enquanto não extinta a punibilidade.

(2) Eficáciaobjetivada requisição

A requisição é dotada de eficácia objetiva, uma vez que representa a manifestação de vontade do Ministro da Justiça na apuração de fato criminoso determinado. Quando houver concurso de pessoas, ainda que ela seja apresentada somente contra um dos autores ou partícipes do evento delituoso, o órgão do Ministério Público estará autorizado a promover a ação penal contra os demais coautores ou partícipes desse evento, o que assegura o princípioda indivisibilidade.

Pelos motivos expostos, quando se trata da eficácia objetiva da representação, veda-se a inclusão, na denúncia, de fatos criminosos não contidos na requisição. Se necessário, deve ser procedidaà complementação da requisição.

62 Crimes praticados por estrangeiros contra brasileiros fora do Brasil (art. 7º, § 3º, CP), crimes praticados contra a honra do Presidente ou contra chefe de governo estrangeiro (art. 145, parágrafo único, 1ª parte) e art. 26 da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83).

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(3) Destinatário

O destinatário da requisição será o órgão do Ministério Público.

(4) Força não vinculativa

Diantedoprincípiodeindependênciafuncional queregulaa atividadeministerial(art.127, § 1º, CF), o órgão do Ministério Público não fica vinculado aos termos da requisição, cabendo- lhe formar livremente sua opinião sobre o fato criminoso, suas circunstâncias e autoria. Ele poderá, ainda, atribuir ao fato definição jurídica diversa da mencionada na requisição, solicitar instauração de inquérito policial ou mesmo promover em juízo o arquivamento das peças, de acordo com a sua opinio delicti

(5) Irretratabilidade

Diante do silêncio da lei, a requisição do Ministro da Justiça é irretratável.

3.4.3. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA

Justifica-se pelo reconhecimento do legislador de que o interesse da vítima é superior ao interesse público, cabendo-lhe, portanto, avaliar a conveniência (ou não) da propositura da ação penal.

No entanto, a ação penal permanece pública, uma vez que é administrada pelo Estado, por meio de sua função jurisdicional, sendo permitido ao particular apenas a iniciativa de sua propositura e a legitimidade para movimentar a máquina judiciária, nos termos legais. Entretanto, a fase de execução penal é atribuição exclusiva do Estado63

Classificação da ação penal de iniciativa privada:

Ação penal de iniciativa privada

Exclusiva

Personalíssima

Subsidiária

Em qualquer uma das suas modalidades, a queixa-crime, subscrita por advogado, será a peça inicial da ação penal de iniciativa privada, podendo o juiz, a requerimento da parte considerada como pobre64, nomear referido profissional para promover a ação. Em termos práticos, com a instituição das Defensorias Públicas, a nomeação judicial acima se tornou rara, haja vista que o defensor público possui legitimidade para defender os interesses do hipossuficiente.

Importante ressaltar que, nos termos do art. 44 do CPP, a procuração do advogado que subscrever a queixa-crime deverá conter o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal.

3.4.3.1. Ação penal de iniciativa privada propriamente dita (ou exclusiva)

(1) Titularidade

Na ação penal de iniciativa privada propriamente dita (ou exclusiva), a titularidade do direito de ação pertence à vítima, devendo, na hipótese de incapacidade civil (menor de 18 anos ou outra incapacidade civil), ser exercida pelo seu representante legal na forma da lei civil (art.

63 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p.905.

64 Art.32,§§1ºe2º,CPP:[...]§1ºConsiderar-se-ápobreapessoaquenãopuderproveràsdespesasdoprocesso,semprivar-sedos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família. § 2o Será prova suficiente de pobreza o atestado da autoridade policial em cuja circunscrição residir o ofendido.

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30, CPP).

Odispostonoart.34doCPP(“Seoofendidoformenorde21emaiorde18anos,odireitode queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal”) foi revogado tacitamente pelo art. 5º do Código Civil, uma vez que o maior de 18(dezoito) anos de idade adquiriu a capacidade plena,nãonecessitandodeassistênciaparaexercerodireitodequeixa.

Nos casos de morte ou de declaração judicial de ausência, o oferecimento da queixacrime será facultado aos sucessores da vítima, previstos no art. 31 do CPP, isto é, cônjuge65 , ascendente, descendente ou irmão, e, se mais de um comparecer, observar-se-á a ordem de preferênciaestabelecida no art. 36do CPP.

Quando a vítima for menor de 18(dezoito) anos ou incapaz civilmente, e não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquela, a autoridade judiciária competente para o processo penal, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, nomeará curador especial para apresentar a queixa-crime (art. 33, CPP).

Fundações, associações ou sociedades legalmente constituídas poderão exercer a ação penal, devendo ser representadas por quem os respectivos contratos ou estatutos designarem ou, no silêncio destes, pelos seus diretores ou sócios-gerentes (art. 37, CPP).

(2)

Prazo

Salvo disposição em contrário, o prazo será de 06(seis) meses para propositura da ação penal de iniciativa privada exclusiva (ou propriamente dita), contado do dia em que o ofendido, ou seu representante legal, vier a saber quem é o autor do crime, sob pena de decadência, com a consequente extinção de punibilidade.

Para os sucessores (art. 31, CPP), aplica-se idêntico prazo, nos termos do art. 38, parágrafo único doCPP, observando que:

a) porsetratar deprazo uno, asua fluência será simultânea para todos;

b) se qualquer um deles sabia quem era o autor do crime, o prazo decadencial começa a correr automaticamente após constatado oóbito da vítima;

c) se já era conhecida da vítima e de seus sucessores a identidade do responsável pelo crime, restará para oferecimento da queixa-crime o período remanescente aos 06(seis) meses iniciais;

d) não sendo conhecida dos sucessores a identidade do autor do crime, mas somente da vítima, restará, para oferecimento da queixa-crime, o período remanescente aos 06(seis) meses iniciais, o qual começa a fluir no momento em que qualquer um daqueles souber de quem se trata.

Como destacado por ocasião do estudo da representação, na hipótese de vítima menor de 18(dezoito) anos de idade ou incapaz civilmente, deve-se atentar para a existência de dois prazos decadenciais independentes: um para o representante legal, outro, para a vítima, conforme, aliás, consta do Enunciado da Súmula 594 do SFT (“Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal”).

Nessa linha de raciocínio, ainda que o representante legal da vítima tenha deixado escoar o prazo para propositura da ação penal, a decadência apenas atingirá o seu direito de queixa. Para a vítima, ciente da identidade do autor do crime, o prazo decadencial a que se refere o art. 38 do CPP começará a correr do dia em que completar 18(dezoito) anos ou em que cessar a

65 “[...] 3. A companheira, em união estável reconhecida, goza do mesmo status de cônjuge para o processo penal, podendo figurar como legítima representante da falecida. Vale ressaltar que a interpretação extensiva da norma processual penal tem autorização expressa no art. 3º do CPP ("ALei Processual penal admitiráinterpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito"). 4. Ademais, "o STF já reconheceu a inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva [...]". (RE 646721, Relator Min. MarcoAurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO RE- PERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017). [...]. (STJ; APen 912; Proc. 2018/0242438-5; RJ; Corte Especial; Relª Minª Laurita Vaz; Julg. 07/08/2019; DJe 22/08/2019).

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incapacidade civil, estendendo-se pelos 06(seis) meses subsequentes. Se não conhecia, o termo inicialdecontagemdoprazosedaráapartirdodiaemquesabiadequemsetrata,semprejuízo, em qualquer dos casos, do curso regular da prescrição (arts. 107, inciso IV, 109 e 111, CP).

É de suma importância atentar que o lapso temporal, embora estabelecido em lei processual penal, tem natureza penal, constituindo o instituto da decadência uma das causas de extinção de punibilidade86 , o que sujeita sua contagem aos parâmetros estabelecidos no art. 10 do Código Penal, que inclui o dia do começo no seu cômputo, descabendo interrupção, suspensão ou prorrogação.

(3) Sucessão processual

Se, após iniciada a ação penal privada exclusiva, o querelante falece ou é declarado judicialmente ausente, as pessoas enumeradas no art. 31 do CPP (cônjuge ou companheiro(a), ascendente, descendente ou irmão), respeitada a ordem de preferência estabelecida no art. 36 do mesmo diploma legal, poderão assumir a posição de autor, prosseguindo no feito. É o que se denomina sucessão processual na ação penal

O prazo para a providência será de 60(sessenta) dias, nos termos do art. 60, inciso II do CPP,sob pena ocorrer a perempção (ver item 3.4.4.3).

Por fim, habilitando-se o sucessor, se vier a desistir da instância ou a abandonar, qualquer dos demais sucessores poderá prosseguir na ação (art. 36, parte final, CPP).

3.4.3.2. Ação penal de iniciativa privada personalíssima

(1) Titularidade

Na ação penal de iniciativa privada personalíssima, a titularidade do exercício do direito de ação pertence exclusivamente àvítima.

(2) Prazo

O único caso previsto no ordenamento jurídico pátrio, atualmente, é o crime de induzimento a erro essencial ou ocultação de impedimento, tipificado no art. 236 do Código Penal. Esse artigo fixa o termo inicial de contagem do prazo decadencial de 06 (seis) meses em momento diverso do art. 38 do CPP, senão vejamos: “Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior: (...) Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento”.

Logo, muito embora se sujeitando ao prazo de 06(meses), a contagem inicial do prazo decadencial paraoferecimentodaqueixasedarásomenteapós transitarem julgado asentença que, pormotivode erro ou impedimento, anular o casamento.

(3) Sucessão processual

Inexiste sucessão processual uma vez que, ocorrendo a morte ou declaração judicial de ausência da vítima, não haverá legitimado para oferecer a queixa-crime ou prosseguir na ação penal, caso já iniciada.

3.4.3.3. Ação penal de iniciativa privada subsidiária

Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal(art.5º,LXI, CF, e art.29, CPP).

Oseu cabimento, portanto, será sempre em relação a crimes de natureza pública.

Entretanto, é necessário sefazer umareflexão quanto a expressão “se esta não foi intentada no prazo legal”

Na literalidade da lei, ter-se-ia a possibilidade de propositura da ação penal privada subsidiária da pública sempre que o órgão do Ministério Público não oferecesse a denúncia no prazo legal. Todavia, não é essa a interpretação correta.

90

De fato, a legitimidade concorrente da vítima para propositura da ação penal, surge a partir da constatação de que o órgão ministerial, ao receber o inquérito policial (ou peças de informação), deixou escoar o prazo para oferecimento da denúncia, sem que tenha:

a) apresentado a peça exordial; ou

b) requisitado à autoridade policial a realização de novas diligências que entende imprescindíveis para formação da opinio delicti; ou

c) suscitado a incompetência do juízo; ou

d) formulado Acordo de Não Persecução Penal; ou

e) pugnado pelo arquivamento dos autos da investigação preliminar.

É, portanto, a inércia ministerial que faz surgir a possibilidade de oferecimento de queixa-crime pela vítima, propondo-se a ação penal de iniciativa privada subsidiária.

Suprida a omissão pelo órgão do Ministério Público, restará excluída a possibilidade de oferecimento da queixa-crime.

(1) Titularidade

As mesmas pessoas mencionadas no item 3.4.3.1, para o qual remetemos o leitor.

(2) Prazo

O prazo para o oferecimento da queixa-crime é de 06(seis) meses, contados do dia em que se configurar a inércia do órgão do Ministério Público, sob pena de decadência.

Ocorrendo a decadência do direito de queixa, o órgão acusador oficial retomará a legitimidade exclusiva para propositura da ação penal (arts. 29 c/c 38, ambos do CPP).

Em síntese:

3.4.4.

Até o exaurimento do prazo previsto para oferecimento da denúncia Pelos próximos 06(seis) meses

Legitimidade exclusiva do órgão do Ministério Público para propositura da ação penal

Enquanto não houver causa de extinção da punibilidade

Legitimidade concorrente entre o órgão do Ministério Público e a vítima para propositura da ação penal

Legitimidade exclusiva do órgão do Ministério Público para propositura da ação penal

DISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA

Como já visto, o princípio da disponibilidade é aplicável à ação penal de iniciativa privada exclusiva e à ação penal de iniciativa privada personalíssima. Essa disponibilidade é manifestada pormeio dos institutosda renúncia, perdão e perempção, a seguir abordados.

3.4.4.1. Renúncia

A renúncia, diretamente relacionada ao princípio da oportunidade (ou conveniência), constitui-se em ato voluntário unilateral, não retratável, em que a vítima abdica do exercício do direito de ação, mediante declaração expressa (renúncia expressa) ou prática de ato incompatível

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PERÍODO
PERÍODO
PERÍODO

com a vontade de promover a ação penal (renúncia tácita), ensejando, em consequência, a extinçãode punibilidade do agente (art. 107, V, CP).

É legitimado para renunciar aquele que o é para o exercício do direito de queixa-crime. Pedido de arquivamento de inquérito policial, que apurou crime de natureza privada, eventualmente formulado pelo legitimado a propor a ação, deve ser tido como renúncia.

A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais (art. 50, CPP).

Sendo o ofendido menor de 18(dezoito) anos de idade, a renúncia pelo seu representante legal conduz à extinção da punibilidade (art. 107, inciso V, CPP). Havendo, entretanto, divergência entre a vontade de ambos, aplica-se o art. 33 do CPP, nomeando-se um curador especial paraexercero direito dequeixa.

A renúncia tácita, por sua vez, admite todos os meios de prova (art. 57, CPP).

Por outro lado, as disposições do art. 50, parágrafo único do CPP não são mais aplicáveis já que, atualmente, inexiste regime especial para os maiores de 18(dezoito) e menores de 21(vinte e um) anos de idade, o que acontecia sob a égide do revogado Código Civil de 1916.

Em caso de concurso de pessoas é vedada a seletividade na escolha dos que serão processados, preservando-se o princípio da indivisibilidade.

Assim, na forma do art. 49 do CPP, a renúncia em favor de um dos acusados do crime se estende aos demais, cabendo à autoridade judiciária aplicar o efeito extensivo da renúncia, que beneficia a todos.

A celebração de composição civil dos danos, na hipótese dos crimes de menor potencial ofensivo, importa em renúncia tácita ao direito de ação, na forma disposta no art. 4º, parágrafo único da Lei nº 9.099/94.

3.4.4.2. Perdão

O perdão é ato bilateral e voluntário em que o querelante perdoa o querelado pelo(s) fato(s) criminoso(s) objeto da ação penal, manifestando o seu desejo de não mais prosseguir. com ela.

A bilateralidade do perdão se reflete na necessidade da conjugação de duas vontades, para que ele tenha efeito: a do querelante, responsável pela sua oferta, e a do querelado, que o aceita. Operdãoseráconcedidopeloquerelante,pessoalmenteouporprocuradorcompoderes especiais.

Com o Código Civil em vigor, pelos motivos exaustivamente já expostos, revogado tacitamente o disposto nos arts. 52 e 54 do CPP, desaparece, pois, a legitimidade concorrente nos casos de ofendido maior de 18(dezoito) anos e menor de 21(vinte e um) anos de idade. Havendo mais de um querelado, o perdão deverá a todos ser ofertado em face do princípio da indivisibilidade. Caso o querelante não o faça, a autoridade judiciária que preside o feito deverá, de ofício ou mediante provocação, estender a oferta do perdão a quem não foi nele incluído. Em relação ao(s) que a aceitar(em), produzirá efeito, com a consequente extinção da punibilidade (art. 107, inciso V). Quanto ao(s) que a rejeitar(em), prosseguirá a ação penal em seus ulteriores termos.

É o que se denomina efeito extensivo do perdão.

A oferta do perdão possui natureza individual.

Logo, havendo mais de um querelante e apenas um deles propondo o perdão, somente em relação a este éque seráofertado o benefício.

A oferta do perdão pode ser:

a) expressa, oferecida mediante declaração expressa, ou tácita, que resulta da prática de ato incompatível com avontade deprosseguir na ação, podendo ser demonstrado por qualquermeio deprova (art. 57, CPP); e

92

b) extraprocessual, perdão concedido fora da ação penal. Destarte, oportunamente, providencia-se a sua comprovação nos autos para a imprescindível deliberação judicial; ou Processual: oferecido diretamente nos autos da ação penal.

A aceitação do perdão, igualmente, poderá ser:

a) tácita, que é a aceitação do perdão pelo decurso do prazo de 03(três) dias, sem que o querelado, embora devidamente intimado, tenha se manifestado sobre a oferta apresentada pelo querelante, consoante previsto no art. 58 do CPP, ou Expressa, mediante declaração expressa, ainda que por intermédio de procurador com poderes especiais (art. 55, CPP); e

b) processual: aperfeiçoada diretamente nos autos da ação penal; ou extraprocessual, cuja aceitação ocorre fora dos autos, mediante instrumento firmado pelo querelante, por representantelegalouporprocuradorcompoderesespeciais, devendo, posteriormente, ser juntadana ação penal para adevida apreciação judicial.

Sendooquereladomentalmenteenfermoouretardadomental, enãotendorepresentante legal, ou se colidirem seus interesses com os do querelado, a aceitação do perdão caberá a um curador especial, nomeado pela autoridade judiciária (art. 53, CPP).

Aceito o perdão, o juiz julgará extinta a punibilidade (art. 58, parágrafo único do CPP c/c art.107,incisoV, CP).

3.4.4.3. Perempção

A perempção é causa de extinção de punibilidade, aplicável, nos termos do art. 60 do CPP, para as ações penais privadas propriamente ditas (exclusivas) e para a ação penal privada personalíssima, no quecouber, quando:

a) iniciada a ação penal, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 (trinta) dias seguidos; falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo,paraprosseguirnoprocesso,dentrodoprazo de 60 (sessenta) dias, qualquer uma daspessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36 do CPP66;

b) o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo aquedevaestarpresente,oudeixardeformularopedidodecondenaçãonasalegações finais;

c) sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

Reconhecida pela autoridade judiciária, de ofício ou mediante provocação do querelado,a perempção ensejará extinção da punibilidade (art. 107, inciso IV, CP).

3.5. PEÇA INICIAL DA AÇÃO PENAL

Apetiçãodeajuizamentodaaçãopenaléa denúncia (ação penaldeiniciativapública)ou queixa-crime (ação penal de iniciativa privada).

3.5.1. REQUISITOS FORMAIS

Nos termos do art. 41 do CPP, são requisitos formais da denúncia (ou queixa-crime):

(1) Exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias

É imprescindível que, na denúncia (ou queixa-crime), o acusador descreva, não apenas o fato apontado como criminoso, com todas as suas circunstâncias, mas, também, qual a

66 Art. 36 do CPP: Se comparecer mais de uma pessoa com direito de queixa, terá preferência o cônjuge, e, em seguida, o parente mais próximo na ordem de enumeração constante do art. 31, podendo, entretanto, qualquer delas prosseguir na ação, caso o que-relante desista da instância ou a abandone

93

participaçãodoacusadoparaasuaocorrência,afimdequeeste,oportunamente,possaexercer, complenitude,ocontraditórioeaampladefesa,defendendo-sedacondutaquelheéatribuída.

Do mesmo modo, é preciso demonstrar a existência do crime e indícios suficientes de autoria, sendo descabida uma acusação vaga, imprecisa, ou, ainda, alternativa.

Em se tratando de delito cometido em pluralidade de agentes (crimes de autoria coletiva), a jurisprudência pátria vem dispensando a exigência de descrição detalhada das condutas de cada um dos corréus na execução do fato criminoso, desde que seja possível extrair da narrativa a plausibilidade da imputação e o exercício do contraditório e do direito de defesa.

(2) Individualização do denunciado (ou querelado)

Na formulação da denúncia (ou queixa-crime), mostra-se necessária a individualização doacusado,aqualpoderáserrealizadamediantesuaqualificação(totalouparcial)ou,quando não for possível, pela indicação de sinais característicos que permitam identificá-lo fisicamente na sociedade, tudo na forma prevista no art. 259 do CPP, que expressa: “A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes”.

(3) Classificação jurídica atribuída ao fato criminoso

Inobstante o acusado se defender da imputação fática narrada na denúncia (ou queixacrime), deve o acusador indicar a classificação jurídico-penal a ele atribuída. Todavia, eventual equívoco na capitulação dos fatos descritos na peça inicial não será suficiente para ensejar sua rejeição preliminar, devendo ser recebida, e, em momento processual futuro, ser retificada.

(4) Quando necessário, o rol testemunhal

Com a denúncia (ou queixa-crime) deve a parte acusadora, dentro do limite máximo estabelecido por lei conforme o procedimento aplicável, indicar a prova testemunhal que pretenda produzir durante a instrução processual.

Além dos requisitos estabelecidos no art. 41 do CPP, por aplicação subsidiária das regras do art. 319 do CPC, deve a denúncia (ou queixa-crime) conter:

• O juízo a que é dirigida;

• O juízo destinatário da ação penal, cuja fixação se dará mediante atendimento às regras de competência, mais adiante estudadas;

• A qualificação e endereço do autor;

• O pedido com as suas especificações;

• As demais provas com que pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados.

Relativamente à queixa-crime há, ainda, requisito específico que diz respeito à procuração do advogado que a subscreve, que deverá conter poderes especiais outorgado pelo titular do direito de ação, mencionando o fato, em tese, constitutivo do direito, e o nome do acusado, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal, conforme previsto no art. 44 do CPP.

A inobservância dos requisitos formais, por seu turno, caracteriza inépcia da denúncia (ou queixa-crime), ensejando sua rejeição liminar (art. 395, inciso I, CPP).

3.5.2. ADITAMENTO À DENÚNCIA (OU QUEIXA-CRIME)

Aditamento significa acrescer informação, quando possível, a um documento com a finalidadedecomplementá-lo ou esclarecê-lo.

Oferecido o aditamento, deverá a autoridade judiciária se pronunciar sobre o seu

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recebimento (ou não).

Processualmente, a doutrina nacional costuma classificar o aditamento:

Real

Quanto ao objeto

Aditamento

Quanto à voluntariedade

(1) Quanto aoobjeto

Próprio

Impróprio

Espontâneo

Provocado

Material Legal Pessoal

• Próprio: inclui pessoas ou fatos não contidos na peça inicial:

» Real: refere-se à inclusão de novos fatos delituosos, qualificadoras ou causas de aumentode pena

o Material:especificamenterelativoaoacréscimodefatoàdenúncia,qualificando ouagravandoojáimputado,comaadiçãodecircunstâncianãocontidanainicial, oumesmofatonovoqueimportaimputaçãodeoutrooumaisdeumcrime;

o Legal:éoqueserefereaoacréscimodedispositivoslegais,penaisouprocessuais (substantivo ou adjetivo), alterando, assim, a classificação ou o rito processual, mas sem inovarno fato narrado;

» Pessoal: procede à inclusão de novos denunciados;

• Impróprio: não acrescenta fato novo ou outro acusado, mas busca corrigir falha na denúncia, seja por meio de retificação, ratificação, suprimento ou esclarecimento de algum dado narrado originariamente na peça acusatória.

(2) Quanto àvoluntariedade

• Espontâneo: pedido de aditamento realizado sem que haja necessidade de provocação deterceiro;

• Provocado: no exercício de função anômala de fiscal do princípio da obrigatoriedade, verificando a necessidade de se acrescentar algo à peça acusatória, o próprio juiz provoca o órgão do Ministério Público a fazê-lo. É, por exemplo, o que acontece com a mutatio libelli (art. 384, §1º,CPP).

3.5.2.1. Aditamento à denúncia

O órgão do Ministério Público poderá aditar a denúncia, antes da sentença final, para:

a) suprir omissões, mediante correção, substituição, suprimento ou esclarecimento de ponto da denúncia (aditamento impróprio). É também conhecido como re-ratificação da denúncia (ratifica-se o que está correto e se retifica o ponto incorreto ou omisso).

Encontraprevisão no art. 569 doCPP67;

b) incluir novos fatos tidos como criminosos (aditamento próprio real);

c) acrescentar novos denunciados (aditamento próprio pessoal);

67 CPP,Art. 569 do CPP: As omissões da denúncia ou da queixa, da representação, ou, nos processos das contravenções penais, da portaria ou do auto de prisão em flagrante, poderão ser supridas a todo o tempo, antes da sentença final.

95

d) na hipótese de mutatio libelli (art. 384, § 1º, CPP).

Noentanto,oaditamentodadenúnciaquenãorelatafatosnovos,mas,apenas,dádefinição jurídica diversa da que foi apontada na acusação primitiva não tem o condão de interromper o prazoprescricional,oquesóocorrenashipótesestaxativasprevistasnoart.117doCódigoPenal.

3.5.2.2. Aditamento à queixa-crime

No caso do concurso de pessoas, a não inclusão de todos os acusados na peça acusatória inicial da ação penal de iniciativa privada exclusiva ou da personalíssima importa em renúncia tácita ao direito de ação em relação ao excluído, extensiva a todos os demais participantes do evento criminoso, salvo se, no momento da propositura da ação penal, nãose tiver elementos suficientes para identificá-lo no seio da sociedade ou informações sobre a sua participação no crime.

Nesse caso, não se poderá considerar a omissão como renúncia ao direito de ação.

Porém,tãologotomeconhecimentodaidentificaçãodo(s)coautor(es)oupartícipe(s)deverá demandá-lo(s) na própria ação ou em ação judicial própria. Optando por fazer na ação judicial já em tramitação, o querelante fará o aditamento à queixa-crime, incluindo-o(s) no polo passivo da demanda(aditamento próprio pessoal),sobpenaderenúnciatácitaextensivaaos demais.

Com relação ao aditamento próprio real, não será possível sua efetivação por ausência de previsão legal. Assim, tomando conhecimento, no curso da ação penal, da ocorrência de outro crime, igualmente de natureza privada, deverá ajuizar nova queixa-crime em relação a esse fato.

Quanto ao órgão do Ministério Público, determina o art. 46, § 2º do CPP o prazo de 03 (três) dias, contado da data em que receber os autos da ação penal de iniciativa privada, para, querendo, aditar a queixa-crime. Em caso de não pronunciamento dele, entende-se que nada tem a aditar, prosseguindo o feito em seus ulteriores termos.

Destarte, é preciso definir os limites de sua atuação, a fim de não invadir, indevidamente, a esfera de legitimidade do querelante para a ação.

Nesses termos, em que pese vertente doutrinária contrária, o posicionamento majoritário, aqui adotado, é de que não pode o órgão do Ministério Público aditar a queixa-crime na ação penal de iniciativa privada exclusiva ou personalíssima para incluir novo(s) acusado(s), ainda que para assegurar a observância ao princípio da indivisibilidade, ou mesmo para incluir fato criminoso novo. Tal obrigação deve ser do autor da ação que, não o fazendo, incorrerá em renúncia tácita ao direito de queixa, extensivo aos demais acusados, como já dito.

Na ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, consoante previsão do art. 29 do CPP, o órgão do Ministério Público poderá, no prazo de 03(três) dias68 , aditar a queixa-crime (aditamento próprio ou impróprio), repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva.

3.6. A FUNÇÃO DO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO PENAL

O órgão do Ministério Público exerce funções distintas de acordo com a espécie de ação penal proposta, senão vejamos:

96
68 Art. 46, § 2º do CPP.

3.7.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

3.7.1.

AÇÃO PENAL SECUNDÁRIA

Denomina-se doutrinariamente de ação penal secundária quando a lei estabelece uma espécie de ação penal para determinado crime, mas, diante de circunstâncias especiais, prevê, secundariamente, uma nova espécie de ação penal para a mesma infração. Como exemplo: nos crimes contra a honra, a ação penal é de iniciativa privada (art. 145, caput, CP). Em sendo de injúria racial (art. 140, § 3º, CP), passará a ser de iniciativa pública condicionada à representação (art. 145, parágrafo único, parte final, CP). Logo, a ação penal passará, secundariamente, de ação penal de iniciativa privada para ação penal de iniciativa pública condicionada à representação.

3.7.2. AÇÃO PENAL ADESIVA

Cometidos dois ou mais crimes conexos entre si ou em continência, a priori, por força do disposto no art. 79 do CPP, haverá unidade de processamento e julgamento (ver maiores detalhes no item 6.4.2).

Na hipótese da conexão ou continência envolver crimes de natureza privada e de natureza pública, surgirá um impasse jurídico: o Ministério Público, por falta de legitimidade ad causam ativa, não poderá oferecer denúncia pelo primeiro delito; o ofendido (ou quem o represente ou suceda), por idêntico motivo, não existindo circunstância legitimadora da ação penal de iniciativa privada subsidiária, estará impedido de oferecer a queixa-crime pela infração de natureza pública. Qual a solução? Para se assegurar um julgamento único, teremos duas iniciais acusatórias (a denúncia com relação ao crime de natureza pública; a queixa-crime pelo crime de natureza privada), que resultarão na instauração de duas espécies de ação penal em conjunto, adesivas, as quais tramitarão com suas características próprias.

Na prática forense, por questão de conveniência processual, tem-se optado pela instauração de ações penais que tramitam de forma independente. No entanto, não há que se ignorar a possibilidade mencionada no parágrafo anterior.

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Trata-se de expressão utilizada para definir a situação em que a ação penal admite a titularidadedoMinistério Público ou davítima.

É a hipótese do crime contra a honra de funcionário público, cometido em razão do exercício desuas funções.

Os arts. 141, inciso II c/c 145, parágrafo único , ambos do Código Penal, estabelecem que o processamento e o julgamento do referido delito serão mediante ação penal de iniciativa pública condicionada àrepresentação do ofendido.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de oferecimento de queixa-crime pelo servidor público de forma concorrente com o Ministério Público, editando a Súmula 714: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do ministério público,condicionadaàrepresentaçãodoofendido,paraaaçãopenalporcrimecontraahonra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.

Não obstante a impropriedade de considerar a legitimidade do ofendido concorrente com a doMinistérioPúblico,oquesetem,emverdade,éumalegitimidadealternativa,jáqueapropositura de ação penal de iniciativa pública pelo órgão ministerial ficará condicionada ao oferecimento de representação pela vítima que, entretanto, poderá optar por promover diretamente a ação penal deiniciativaprivadamedianteapresentaçãodequeixa-crimeemjuízo.

3.7.4. RECONHECIMENTO DA EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE

O art. 61 do Código de Processo Penal, por seu turno, estabelece que o juiz, em qualquer fase do processo, reconhecendo extinta a punibilidade, deverá declará-la de ofício.

Na hipótese de provocação mediante requerimento do órgão do Ministério Público, do querelante ou do réu, deverá autuá-lo em apartado, ouvir a parte adversa, e, se julgar conveniente, conceder o prazo de 05(cinco) dias para a prova, decidindo dentro de 05 (cinco) dias oureservando-se para apreciar a matéria na sentença.

A decisão que reconhece a extinção de punibilidade é meramente declaratória, sendo denominada por parcela da doutrina como sentença terminativa de mérito ou definitiva em sentido estrito.

Por sua vez, preceitua o art. 107 do Código Penal que se extingue a punibilidade pelo(a):

a) morte do agente;

b) anistia, graça ou indulto;

c) retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso (abolitio criminis);

d) prescrição, decadênciaou perempção;

e) renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

f) retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

g) perdão judicial, nos casos previstos em lei.

3.7.4.1. Extinção de punibilidade e certidão de óbito falsa

Nesseparticular,noart.62doCPP,olegislador expressaque,somenteàvistadacertidãode óbito, e, depois de ouvido o órgão do Ministério Público, o juiz declarará extinta a punibilidade pelamorte do agente.

Se, posteriormente, a certidão de óbito que fundamentou a declaração de extinção de punibilidade vier a ser reconhecida como falsa, o que fazer?

Respondendo à indagação, primeiramente, urge esclarecer que se trata de uma decisão terminativa de mérito (ou definitiva, em sentido estrito), de cunho declaratório. Logo, no caso

98
LEGITIMIDADE
3.7.3.
ATIVA AD CAUSAM ALTERNATIVA

em tela, sua desconstituição será possível, pelo fato de ter sido baseada em uma realidade fática inexistente, bem como em documentação fraudada, de modo que o beneficiado não poderá reclamar a proteção de nenhum instituto do sistema processual (coisa julgada, segurança jurídica, dentre outros).

Não se há sequer de falar em coisa julgada, uma vez que essa decisão, amparada pela Constituição Federal, pressupõe que o desenvolvimento do processo teve como premissa a licitude dos atos e a correção de comportamentos, não sendo baseada em uma atuação do agente de clara litigância de má-fé, contrária à verdade, não podendo ele ser beneficiado pela própriatorpeza.

3.8. ENUNCIADOS DE SÚMULAS

3.8.1.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Súmula 594: Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente pelo ofendido ou por seu representantelegal.

Súmula 554: O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.

Súmula 564: A ausência de fundamentação do despacho de recebimento de denúncia por crime falimentar enseja nulidade processual, salvo se já houver sentença condenatória.

Súmula 608: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

Súmula 609: É pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal.

Súmula 696: Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.

Súmula 714: É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público,condicionadaàrepresentaçãodoofendido,paraaaçãopenalporcrimecontraahonra de servidor público em razão do exercício de suas funções.

3.8.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Súmula 542: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.

Súmula 589: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.

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Ação Civil Ex Delicto 4

4.1. CONCEITO

É o procedimento judicial que visa a obtenção de reparação civil pelo dano decorrente do ilícito penal.

Os arts. 63 e 68 do CPP cuidam dos efeitos civis da sentença penal.

4.2. LEGITIMIDADE

A legitimidade para propor a ação é da vítima (pessoa jurídica ou física), de seu representantelegalou,havendosuamorteoudeclaraçãojudicialdeausência,deseusherdeiros.

Se o titular do direito à reparação do dano for pobre na forma da lei, o Ministério Público poderá, a seu requerimento, promover a ação civil, bem como a execução da sentença condenatória, conformeo art. 68 do CPP.

Parece-nos, entretanto, que, diante da existência de Defensoria Pública, a razão de ser do dispositivo não mais sejustifica.

Ademais, o referido dispositivo legal atribui ao Ministério Público função incompatível comseuperfilinstitucional traçadopelosarts. 127e129daCF,por setratar dedefesa deinteresse individual disponível.

4.3. MODALIDADES

A ação civil ex delicto poderá encerrar natureza executória ou cognitiva

4.3.1. AÇÃO DE EXECUÇÃO

A sentença penal condenatória, após transitar em julgado, torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, inciso I, CP), revestindo-se da qualidade de título executivo judicial (art. 515, caput,incisoI, CPC).

O art. 387, inciso IV do CPP, determina que o juiz, na sentença condenatória, quando for o caso, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pela vítima.

Assim, o legitimado, desde logo, poderá propor a respectiva ação executiva no juízo cível pelo valor fixado na sentença, e, caso entenda insuficiente, proceder à sua liquidação para apurar o dano efetivamente sofrido, na forma expressa no art. 63 do CPP.

No entanto, nesse caso, a execução recairá, exclusivamente, na pessoa do condenado.

4.3.2. AÇÃO DE COGNIÇÃO

Independentemente de ação penal em tramitação, seu legitimado poderá promover, contra o seu autor, no juízo cível, ação civil para ressarcimento do dano causado pelo delito, e, sefor o caso, contra o responsável civil69 (art. 64, caput do CPP).

69 Art. 932 do CC: São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridadeeemsuacompanhia; II-otutoreocurador,pelospupilosecuratelados,queseacharemnasmesmascondições;III-oempregadoroucomitente,porseusempregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrentequantia; Art. 933 do CC: As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de

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Posteriormente, caso proposta a ação penal, ao juiz da ação cível é facultada a suspensãodo curso desta, conforme previsto no art. 64, parágrafo único do CPP.

Entretanto, a possibilidade de o sobrestamento da ação civil se prolongar até o julgamento definitivo do feito criminal não mais subsiste.

É que o art. 313, caput e inciso V, alínea “a” e §§ 4º e 5º do Código de Processo Civil atual - lei posterior - preveem que a suspensão do processo no juízo cível não poderá ultrapassar 01(um) ano, ao fim do qual o juízo retomará obrigatoriamente a sua tramitação.

4.3.3. (IN)DEPENDÊNCIA ENTRE OS JUÍZOS CÍVEL E PENAL

No Brasil, em relação à independência entre as esferas cível e criminal, adota-se o modelo da independência mitigada (ou relativa), havendo supremacia da segunda em relação à primeira, em questões temáticas específicas, de modo a evitar decisões conflitantes.

Nesse cenário, o art. 935 do Código Civil estabelece que “A responsabilidade civil é independentedacriminal,nãosepodendo questionarmais sobrea existênciadofato, ousobre quem seja o seu autor, quando essas questões se acharem decididas no juízo criminal”

Dessarte, a sentença penal definitiva, se condenatória, como visto anteriormente, qualifica-secomo título executivo judicial.

Em sendo sentença penal absolutória, diante da suficiência probatória e da extensão material do julgado, teremos:

a) a impossibilidade de propositura de ação civil ex delicto, quando a absolvição for fundada no reconhecimento categórico da inexistência material do fato (art. 386, I, CPP) ou na prova de que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, IV, CPP);

b) coisa julgada no cível (art. 65, CPP), se o réu for absolvido pelo reconhecimento de que agiu amparado em causa excludente da ilicitude, a saber, em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito (art. 386, VI, CPP). Nesse caso, será discutida na ação de reparação somente o dever do agente de indenizar e, em caso positivo, o quantum respectivo, nos termos do art. 929e930 doCódigo Civil70;

c) excetuados os contidos nas letras “a” e “b”, poder-se-á discutir livremente a responsabilidade civil no juízo cível mediante ação própria de conhecimento.

A teor do art. 67 do CPP, não impedirão a propositura de ação para ressarcimento dos danos na esfera cível:

a) o despacho de arquivamento doinquérito ou das peças de informação;

b) a decisão que julgar extinta a punibilidade;

c) a sentença absolutóriaque decidirque ofato imputado não constituicrime

sua parte, res-ponderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. 70 Art. 932 do CC: São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridadeeemsuacompanhia; II-otutoreocurador,pelospupilosecuratelados,queseacharemnasmesmascondições;III-oempregadoroucomitente,porseusempregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrentequantia; Art. 933 do CC: As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, res-ponderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

101

Jurisdição Criminal 5

5.1.

CONCEITO

Ajurisdição criminal, monopolizadapelo Estado, constitui-senopoder-deverdedizer a lei abstrata no caso concreto, exercitado por meio do processo.

5.2.

CLASSIFICAÇÃO

Classifica-se ajurisdição:

Quanto

À graduação

Ao organismo jurisdicional

Ao objeto

À função

À competência

Inferior

Superior

Estadual Federal

Contenciosa

Voluntária

Ordinária

Extraordinária

Plena / Limitada

Exclusiva / Cumulativa

(1) Quanto à graduação

a) Inferior: primeira instância de julgamento;

b) Superior: as demais instâncias de julgamento;

(2) Quanto ao organismo jurisdicional

a) Estadual: julga matérias da competência da Justiça Estadual;

b) Federal: julga matérias da competência da União;

(3) Quanto aoobjeto

a) Contenciosa: há um litígio aser resolvido;

b) Voluntária: homologatória de vontade do interessado ou de acordo das partes;

(4) Quantoàfunção

a) Ordinária: integrada pelos órgãos da Justiça Comum;

b) Extraordinária: excepcionalmente, o órgão está investido de função jurisdicional. Por exemplo: o Senado, quando se trata de julgamento político (art. 52, incisos I e II, CF);

102

5.3.

(5) Quanto à competência

a) Plena: a autoridade judiciária possui jurisdição plena para julgar todos os casos; Limitada: a jurisdição do juiz é limitada a determinadas ações, consoante definido nas leis deorganização judiciária;

b) Exclusiva: quando o órgão jurisdicional tem competência exclusiva (privativa) para determinadas ações. São as varas especializadas; Cumulativa: o juízo cumula mais de uma matéria para processamento e julgamento da respectiva ação

ESPÉCIES

O poder jurisdicional é dividido em competências derivadas da Constituição Federal, distribuídas em diferentes órgãos de acordo com a especificidade da matéria.

Assim, tem-se:

Comum

Espécies

Especial

Federal (art. 109, IV, CF)

Estadual (residual)

Eleitoral (arts. 118 a 121, CF)

Militar (arts. 124 e 125,§§ 4º e 5º,CF)

Política (art. 52,I e II, CF)

Trabalhista (art. 114, IV, CF)

5.4. CARACTERÍSTICAS

A jurisdição possui as seguintes características:

a) inércia: o magistrado não pode iniciar de ofício a ação penal, ficando na dependência deiniciativa das partes;

b) substitutividade: o órgão jurisdicional, substituindo a vontade das partes, declara o direito ao caso concreto;

c) imutabilidade: com o término do processo, a manifestação do juiz se torna, em geral, imutável. A sua rescisão, sempre em favor da defesa, poderá advir de procedência de revisão criminal ou habeas corpus.

5.5. PRINCÍPIOS REGENTES

5.5.1. PRINCÍPIO DA INVESTIDURA

A jurisdição somente poderá ser exercida por quem estiver legalmente investido e em pleno exercício da função de juiz.

5.5.2. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Emconsonânciacomoart.5º,incisoLIIIdaConstituiçãoFederal, ninguémseráprocessado ousentenciado por autoridade quenão tenha competência legalmente prefixada, proibindo-se

104

juízos ou tribunais de exceção (art. 5º, inciso XXXVII, CF). Para aprofundamento do princípio, remetemos o leitor ao item 1.7.1.3.

5.5.3. PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE

Sob pena de violar, ainda que indiretamente, a garantia constitucional do juízo natural, o juiz não poderá delegar a sua jurisdição a órgão diverso.

5.5.4. PRINCÍPIO DA INDECLINABILIDADE

Não poderá o juiz subtrair-se ao exercício da função jurisdicional, tampouco a lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito de alguém (art. 5º, inciso XXXV,CF).

5.5.5. PRINCÍPIO DA INEVITABILIDADE

As partes não podem recusar a atuação do juiz natural, exceto nas hipóteses de impedimento, suspeição ouincompetência.

5.5.6. PRINCÍPIO DA IMPRORROGABILIDADE

Um juiz não pode invadir a competência de outro magistrado, salvo em situações expressamenteprevistas nalegislação.

5.5.7. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO

O princípio da correlação assegura que o juiz deve decidir observando a exata correspondência entre o seu pronunciamento e o pedido da acusação. Desse modo, será nula a sentença que julgar citra (aquém), ultra(além) ou extra(fora) petita, portanto, fora do(s) pedido(s) submetidos à prestação jurisdicional pelo acusador

105
106

Competência Criminal 6

6.1. CONCEITO

Competência é a medida e o limite da jurisdição, legislativamente delimitado.

6.2. CLASSIFICAÇÃO

No modelo clássico, a competência se classifica:

Absoluta

Competência

Relativa

Em razão da matéria

Em razão da pessoa

Em razão do lugar

6.2.1.

COMPETÊNCIA ABSOLUTA

A competência absoluta tem origem em norma constitucional, razão pela qual se constitui em matéria de ordem pública, não sendo passível de modificação por convenção das partes.

Nesse sentido, o desrespeito às regras que a disciplinam será declarado pela autoridade judiciária, de ofício ou mediante provocação de qualquer uma das partes.

Reconhecida, importará na anulação do processo, inclusive a partir do ato que ensejou a suaocorrência.

No entanto, a nulidade dos atos processuais não será automática, haja vista que depende depronunciamentojudicialparaserdesconstituída.Assim,enquantonãodeclarada,continuará aproduzir efeitos.

Não estará sujeita à preclusão, podendo ser conhecida em qualquer fase do processo e até mesmo após o trânsito em julgado da decisão, quando favorável ao sentenciado71 .

São espécies de competência absoluta a competência em razão da matéria (ratione materiae) e a competência em razão da pessoa (ratione personae).

6.2.2.

COMPETÊNCIA RELATIVA

Diante do preponderante interesse das partes, a competência relativa é passível de prorrogação, nos termos previstos em lei e a sua inobservância. No entanto, se não for arguida pelo réu no prazo para a defesa72 (art. 108, CPP), mediante exceção (art. 95, II, CPP), estará convalidada face à preclusão temporal. Para a parte autora, a aceitação do juízo ocorre ao propor a ação nojuízo que considera como competente, não lhe cabendo posterior insubordinação.

Aautoridadejudiciária,noentanto,poderáreconhecê-la,nãosomenteporprovocaçãoda parte, mas, também, de ofício, em qualquer fase do processo (art. 109, CPP).

Nesse ponto, em razão da introdução do princípio da identidade física no processo penal, o qual indica que o juiz que presidiu a instrução criminal deverá proferir a sentença (art. 399,

71 Por meio de revisão criminal ou habeas corpus.

72 Art. 396-Ado CPP

107

§ 2º, CPP), é de bom alvitre que o reconhecimento ex officio da incompetência relativa ocorra até o início da instrução. Todavia, uma corrente doutrinária entende que, após dito momento processual, haveriapreclusão damatéria.

São espécies de competência relativa: a competência em razão do lugar (ratione loci); a competência por prevenção73; a competência por distribuição e a competência por conexão ou continência.

6.3. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA

A fixação da competência se traduz na definição de qual órgão jurisdicional é competente para apreciar a causa em razão da matéria, em razão da pessoa e em razão do lugar, como analisado a seguir.

Juízo competente

Competência em razão da matéria

6.3.1. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

Competência em razão da pessoa

Competência em razão do lugar

A competência em razão da matéria (ratione materiae), no plano constitucional, delimitaa competência da Justiça Comum Federal, da Justiça Militar (da União e a dos Estados), da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho no campo criminal.

Em relação à Justiça Comum Estadual, a fixação se dará de forma residual.

6.3.1.1. Justiça Comum Federal

Compete à Justiça Comum Federal processar e julgar:

a) crimes políticos (art. 109, inciso IV, 1a parte, CF);

b) infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral (art. 109, inciso IV, 2a parte, CF);

c) crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente (art. 109, incisoV, CF);

d) causas em que a competência da Justiça Federal resultar da procedência do incidente de deslocamento de competência (art. 109, inciso V-A c/c § 5º, CF);

e) crimes contra a organização do trabalho (art. 109, inciso VI, 1a parte, CF);

f) crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira (art. 109, incisoVI, 2ª parte, CF);

g) habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição (art. 109, inciso VII, CF);

h) mandados de segurança contra ato de autoridade federal (art. 109, inciso VIII, CF);

i) crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar (art. 109, inciso IX,CF);

j) crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro (art. 109, inciso X, CF);

73 STF, Súmula 706: “É relativa a nulidade decorrente dainobservância da competência penal por prevenção”.

108

k) crimes envolvendo disputa sobre direitos indígenas (art. 109, inciso XI, CF)74

Ressalte-se que a única possibilidade de contravenção penal ser julgada na Justiça Federal é quando o seu autor for juiz federal, portador de prerrogativa de foro junto ao Tribunal Regional Federal.

6.3.1.2. Justiça Militar da União

O art. 124, caput, da Constituição Federal estabelece que “À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”; já o seu parágrafo único estabelece que “A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar”.

Compete, pois, àJustiça Militar daUnião processar ejulgaros crimes tipificados noCódigo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/1969, com as alterações legislativas posteriores), a saber:

a) os crimes praticados em tempo de paz (art. 9º);

b) os crimes militares praticados em tempo de guerra (art. 10).

Estásujeito àsua jurisdição:

a) o militar das Forças Armadas;

b) o civil, desde que atente contra as Forças Armadas.

Por força do princípio constitucional da reserva legal, somente são considerados crimes militares aqueles como tal definidos no Código Penal Militar, acima citados.

Assim, por exemplo, os crimes de abuso de autoridade e de tortura, inobstante serem cometidos por militares, ainda que praticados em serviço, serão considerados crimes comuns, e, dessemodo,processadosejulgadosnaJustiçaComum,porfaltadeprevisãolegaldeles noCPM.

ALeinº13.941,de2017,deunovaredaçãoaoart.9ºdoCPM,trazendoinovaçõesreferentes à competência da Justiça Militar da União, notadamente a contida no seu parágrafo segundo, o qual transfere do Tribunal do Júri para a Justiça Militar da União o julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das Forças Armadas contra civil:

a) no cumprimento de atribuições estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro deEstado da Defesa;

b) em ações que envolvam a segurança de instituição militar ou em missão militar, mesmo que de paz;

c) durante atividades de natureza militar, de operação de paz, de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: (a) Lei nº 7.565/1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; (b) Lei Complementar nº 97/1999; (c) Decreto-Lei nº 1.002/69; e(d) Lei nº 4.737/1965 - Código Eleitoral.

6.3.1.3. Justiça Militar dos Estados

O art. 125, § 3º da Constituição Federal, permite que lei estadual crie, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em 1º Grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em 2º Grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados75 , se o efetivo militar for superior a vinte mil integrantes.

O parágrafo quarto do mesmo dispositivo constitucional estabelece que a competência da Justiça Militar estadual é para processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei, e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto

74 Súmula 140 do STJ:“Compete à Justiça Comum Estadual processar ejulgarcrimeem queo indígena figure como autorou vítima”.

75 Atualmente, existem instalados Tribunais Militares Estaduais em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo.

109

e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

No parágrafo seguinte, dispõe que compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar ejulgaros demais crimes militares.

Diferentemente da Justiça Militar da União, a Justiça Militar Estadual, por vedação constitucional (art. 125, § 4º, CF), não julga civil, mas apenas militar estadual (policial militar e bombeiro militar).

A propósito, o enunciado da Súmula nº 53 do STJ expressa: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais”. Importante ressaltar que, embora o crime militar tenha sido cometido em outra unidade da Federação, será o militar estadual julgado pela Justiça Militar do Estado a que pertencer sua corporação, consoante firmado na Súmula 78 do STJ, com o seguinte enunciado: “Compete à Justiça Militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o delito tenha sido praticado em outra unidadeda federação”.

6.3.1.4. Justiça Eleitoral

O art. 121, caput, da Constituição Federal remete para a legislação complementar a organização e acompetência daJustiçaEleitoral.

O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), embora lei ordinária antecedente a atual Constituição Federal, foi por ela recepcionada, afastadas, por óbvio, eventuais incompatibilidades materiais. No entanto, futuras modificações legislativas sobre organização e competência da Justiça Eleitoral, no entanto, deverão ser realizadas mediante Lei Complementar, consoante determina aCartaMagna (art. 121, caput, CF).

Nesse sentido, a competência da Justiça Eleitoral abrange os crimes eleitorais definidos no Código Eleitoral (arts. 289 a 354) ou em leis especiais, e, a depender do caso, os com eles conexos, como será estudado adiante (item 6.4.2.1).

Destaque-se que a competência originária da Justiça Eleitoral é para o processamento e o julgamento de crimes tipicamente eleitorais. Logo, por exemplo, se, durante o exercício de atividade jurisdicional eleitoral, um juiz for vítima de um crime não previsto como infração eleitoral, a competência para processamento e julgamento desse crime será da Justiça Federal.

6.3.1.5. Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho terá competência, na área criminal, somente para julgar habeas corpus ou mandado de segurança, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição (art. 114, inciso IV, CF).

6.3.1.6. Justiça Comum Estadual

De forma residual, isto é, quando não se enquadrar na competência material da Justiça Comum Federal, da Justiça Militar (da União ou Estadual), da Justiça Eleitoral ou da Justiça do Trabalho, teremos estabelecida a competência criminal da Justiça Comum Estadual.

6.3.2. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA PESSOA

As regras da competência em razão da pessoa (ratione personae), ou competência por prerrogativa de função, são definidas na Constituição Federal e, respeitados os parâmetrosconstitucionais, nas Constituições Estaduais (art. 125, § 1º, CF), no Código de Processo Penale até mesmo em regimentos internos dos tribunais (quanto ao órgão interno competente parajulgamento da ação penal originária).

Atente-se que o foro especial subsistirá somente enquanto o investigado ou acusado estiver no exercício da função que lhe foi conferida, ainda que os fatos tidos como criminosos

110

tenham sido praticados na constância dessa função e em razão dela. Cessado o exercício do cargo ou função, seguirá o processo para o juízo de 1º Grau para regular prosseguimento, em face da incompetênciasuperveniente dotribunal.

O foro especial se justifica em atenção à importância do cargo ou função pública, e não para proteger a pessoa que o exerce, razão pela qual é irrenunciável.

6.3.2.1. Limites ao foro especial por prerrogativa de função

Em 03 de maio de 2018, com o julgamento da Questão de Ordem na AP 93776 , em relação aos membros doCongresso Nacional, o Plenário do STF decidiu que:

a) o foro por prerrogativa de função tem aplicação apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas (regra da contemporaneidade);

b) apósofinaldainstruçãoprocessual,comapublicação dodespachodeintimação para apresentação de alegações finais, a competência do Tribunal para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente vir a ocupar ou deixar cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo;

c) aplicação da nova linha interpretativa aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados e decisões proferidas pela Corte e demais juízos com base na jurisprudência anterior.

Na hipótese de mandados exercidos no mesmo cargo eletivo pelo investigado ou acusado, em ordem sequencial e ininterrupta, reconhece-se, porém, como unidade legislativa para fins de continuidadeda prerrogativa de foro.

Por outro lado, no julgamento de Questão de Ordem suscitada nos autos do Inq 4342, realizado em 04 de abril de 2022, o Supremo Tribunal Federal decidiu que relativamente ao mandato cruzado, o qual ocorre quando um parlamentar deixa de ocupar o cargo eletivo em face do término da legislatura, para assumir outro, sem solução de continuidade, em casa legislativa diferente daquela que deu causa à fixação da competência originária, prorroga-se a competência da Corte exclusivamente nos casos de mandatos cruzados de parlamentar federal.

6.3.2.2. Foro especial por prerrogativa de função e os crimes dolosos contra a vida

Quanto aos crimes dolosos contra a vida, a competência do Tribunal do Júri para o processamento e julgamento da ação penal (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, CF) somente será afastada quando o autor gozar de foro especial por prerrogativa de função estabelecido na própriaConstituiçãoFederal.

É que, como ambas as competências estão previstas em regras em mesmo nível hierárquico umavezestabelecidasnaCartaMagna,pelo princípio da especialidade,anormaespecialprevalecerá sobre a norma geral doart.5º,incisoXXXVIII, alínea “d”daCF.

Nos casos em que o acusado pela prática de crime doloso contra a vida não tiver foro especial por prerrogativadefunçãodeterminadonaConstituiçãoFederal,éimperativaasuasubmissão ao Tribunal do Júri. Para os demais crimes comuns, deverá ser processado e julgadono órgão jurisdicional previsto na legislação infraconstitucional.

Sobre o tema, o STF editou a Súmula Vinculante nº 45, com o seguinte enunciado: “A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual”. Relativamente ao Deputado Estadual que cometa um crime doloso contra a vida,

76 “[...](I)Oforoporprerrogativadefunçãoaplica-seapenasaoscrimescometidosduranteoexercíciodocargoerelacionadosàs funçõesdesempenhadas; e(II)Apósofinaldainstruçãoprocessual,comapublicaçãododespachodeintimaçãoparaapresentação dealegaçõesfinais,acompetênciaparaprocessar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir aocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”. (AP 937 QO, Relator(a): Min. Roberto Barroso, TribunalPleno, julgado em 03/05/2018, DJe 10/12/2018 PUBLIC 11/12/2018).

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prevalecerá a competência do Tribunal de Justiça para julgá-lo, enquanto permanecer no mandato, sendo observadas as regras mencionadas no item 6.3.2.1., consoante entendimento firmado na Terceira Seção do STJ, cuja ementa expressa: “[...] 1. Apesar de não constar do artigo 27, parágrafo 1º, da Carta Magna, expressamente, a extensão do foro por prerrogativade função aos deputados estaduais, tem-se que as Constituições locais, ao estabelecerem paraos parlamentares do estado idêntica garantia prevista para os congressistas, refletem a própria Constituição Federal, não se podendo, portanto, afirmar que referida prerrogativa encontrase prevista, exclusivamente, na Constituição Estadual. 2. A adoção de um critério fundado na aplicação de regras simétricas, conforme preceitua a própria Carta Magna, em seu artigo 25, reforçaarelevânciadafunçãopúblicaprotegidapelanormadoforoprivativo.[...]”.(CC105.227/ TO, Rela. Mina Maria Thereza de Assis Moura, j. 24/11/2010, publ. no DJe de 25/03/2011).

6.3.2.3. Foro especial por prerrogativa de função e o lugar do crime

O foroespecial por prerrogativadefunção écritério absoluto decompetência,prevalecendo sobre a competência em razão do lugar.

Dessa forma, caso o detentor de foro especial cometa um delito fora dos limites territoriais do tribunal ao qual originariamente está vinculado, ainda assim, será por este julgado e não pelo tribunal com jurisdição no lugar do crime, exceto nos casos em que couber julgamento pelo tribunal do júri, pelas razões explicitadas anteriormente. A regra é decorrente da aplicação do princípio da vinculação hierárquica subordinante

6.3.2.4. Autorização e supervisão do procedimento investigatório preliminar

A competência originária dos tribunais abrange, inclusive, a supervisão do procedimento investigatório preliminar, cabendo ao relator autorizar a sua abertura, o indiciamento, as deliberações sobre medidas cautelares, acompanhando o seu desenvolvimento até o eventual oferecimento (ou não) de denúncia.

6.3.2.5. Foro especial por prerrogativa de função previsto em Constituição Estadual

Por vedação do art. 22, inciso I da CF, as Constituições Estaduais não legislam sobre direito processual, razão pela qual somente poderão estabelecer foro especial por prerrogativa de função aos seus agentes públicos estaduais, nos casos de correlação entre o cargo para o qual a Constituição Federal atribui prerrogativa e o cargo estadual, em decorrência da aplicabilidade do princípio da simetria (art. 125, caput,CF).

Consideram-se simétricos, por exemplo: o cargo de Vice-Governador com o de VicePresidente; os Secretários de Estado com os Ministros de Estado; o Procurador-Geral do Estado com o Advogado-Geral da União, os Deputados Estaduais com os Deputados Federais. Portanto, tais agentes públicos poderão fazer jus ao foro especial junto ao Tribunal de Justiça, nos moldes jáanteriormente destacados.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.512/GO, em sessão virtual realizada de 11 a 18/12/2020, com relatoria do Min. Edson Fachin, não admitiu o estabelecimento de foro por prerrogativa de função aos membros da Defensoria Pública, da Procuradoria do Estado e procuradores da Assembleia Legislativa, senão vejamos: “[...] 1. A extensão do alcance do foro por prerrogativa de função a cargos que não foram contemplados na Constituição contraria normas convencionais que asseguram o duplo grau de jurisdição em matéria penal. 2. No exercício do poder que lhe outorga o art. 125, § 1º, da CRFB, os Estados só podem conferir foro por prerrogativa de função para autoridades cujos similares na esfera federal também o detenham, em respeito ao princípio da simetria. 3. Evolução jurisprudencial em torno de uma compreensão restritiva da prerrogativa de foro. Precedentes. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente declarando-se a inconstitucionalidade das expressões “procuradores do Estado e da Assembleia Legislativa e os defensores públicos”, contidas no art. 46,VIII, e, da Constituição do Estado de Goiás.”.

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Os delegados de polícia civil, igualmente, não possuem foro especial por prerrogativa de função, diante da inexistência de tratamento constitucional semelhante à autoridade federal de cargo correspondente, in casu, delegados de polícia federal, sendo inaplicável o princípio da simetria109 .

É vedada a fixação de foro por prerrogativa de função às leis orgânicas municipais, uma vez que os municípios não possuem competência para legislar sobre organização judiciária, tampouco sobre direito processual.

Merece, igualmente, registro decisão proferida na ADI4.764, que consignou: “[...] 1.“A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União” (Súmula Vinculante 46, resultado da conversão da Súmula 722/STF). São, portanto, inválidas as normas de Constituição Estadual que atribuam o julgamento de crime de responsabilidade à Assembleia Legislativa, em desacordo com a Lei nº 1.079/1950. Precedentes. 2. A Constituição Estadual não pode condicionar a instauração de processo judicial por crime comum contra Governador à licença prévia da Assembleia Legislativa. A república, que inclui a ideia de responsabilidade dos governantes, é prevista como um princípio constitucional sensível (CRFB/1988, art. 34, VII, a), e, portanto, de observância obrigatória, sendo norma de reprodução proibida pelos Estadosmembros a exceção prevista no art. 51, I, da Constituição da República. [...] 4. Também aos Governadores são aplicáveis as medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, entre elas “a suspensão do exercício de função pública”, e outras que se mostrarem necessárias e cujo fundamento decorre do poder geral de cautela conferido pelo ordenamento jurídico brasileiro aos juízes. 5. Pedido julgado integralmente procedente, com declaração de inconstitucionalidade por arrastamento da suspensão funcional automática do Governador do Estado pelo mero recebimento da denúncia ou queixa-crime. Afirmação da seguinte tese: “É vedado às unidades federativas instituírem normas que condicionem a instauração de ação penal contra o Governador, por crime comum, à prévia autorização da casa legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça dispor, fundamentadamente, sobre a aplicaçãodemedidas cautelarespenais,inclusiveafastamentodocargo”. (Pleno,STF,ADI4764, Rel. Min. Celso de Mello, Red. do acórdão Min. Roberto Barroso, j. em 04/05/2017, pub. no DJE de 18/08/2017).

113

6.3.2.6. Competência dos tribunais para a ação penal originária

TRIBUNAL

AGENTE PÚBLICO

▪ Presidente da República

▪ Vice-Presidente

▪ Membros do Congresso Nacional

▪ seus próprios Ministros

▪ Procurador-Geral da República

Supremo Tribunal Federal

▪ Ministros de Estado

▪ Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica

▪ Membros dos Tribunais Superiores

▪ Membros do Tribunal de Contas da União

▪ Chefes de missão diplomática de caráter permanente

FUNDAMENTO

Crime comum (Art.102,I,b,CF)

Crime comum

(Art.102,I,c,CF)

Superior Tribunal de Justiça

▪ Governadores dos Estados e do Distrito Federal

▪ Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal

▪ Membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal

▪ Membros dos Tribunais Regionais Federais

▪ Membros dos Tribunais Regionais Eleitorais

▪ Membros dos Tribunais Regionais do Trabalho

▪ Membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios

▪ Membros do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais

Crime comum

(Art.105, I, a, CF)

114

TRIBUNAL

AGENTE PÚBLICO FUNDAMENTO

▪ Juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho

▪ Membros do Ministério Público da União

Tribunais Regionais Federais

Tribunais de Justiça

▪ Prefeitos Municipais

▪ Deputados Estaduais

▪ Deputados Distritais

▪ Outras autoridades com foro especial previsto em legislação estadual ou Distrital.

▪ ▪ Prefeitos Municipais

▪ Juízes estaduais e do Distrito Federal

▪ Membros do Ministério Público Estadual

▪ Vice-Governador

▪ Deputados Estaduais

▪ Deputados Distritais

▪ Outras autoridades com foro especial previsto em legislação estadual ou Distrital

Crime comum, exceto crimes eleitorais (Art. 108, I, a, CF)

Crime comum, exceto crimes eleitorais

(Art. 108, I, a, CF)

Crime comum federal (Art. 29, inciso X, CF, por analogia*)

Crime comum federal (A depender da Constituição

Estadual e da Lei Orgânica do Distrito Federal, conforme o caso).

Crime comum (Art. 29, X, CF)

Crime comum, exceto crimes eleitorais

(Art. 96,III, CF

Crime comum

(A depender da Constituição

Estadual e da Lei Orgânica do Distrito Federal, conforme o caso)

Superior Tribunal Militar

Superior Tribunal Eleitoral

▪ Oficiais generais das Forças Armadas

▪ Por força da competência originária estabelecida para o STF e STJ pela Constituição Federal, o art. 22, I, alínea “d” do Código Eleitoral não foi recepcionado, inexistindo, em consequência, foro criminal especial no Tribunal Superior Eleitoral

Crimes militares (Art. 6º, I, “a” da Lei nº 8.457/92)

115

TRIBUNAL

Tribunais

Regionais

Eleitorais **

▪ Juízes estaduais e membros do Ministério Público Estadual

▪ Juízes federais, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, e membros do Ministério Público da União

▪ Prefeito Municipal

▪ Vice-Governador

▪ Deputados Estaduais

▪ Deputados Distritais

▪ Outras autoridades com foro especial previsto em legislação estadual ou Distrital

Crime eleitoral (Art. 96, inciso III, CF)

Crime eleitoral (Art. 108,incisoI, alínea“a”, CF)

Crime eleitoral (Art. 29, inciso X, CF, por analogia)

Crime eleitoral

(A depender da Constituição Estadual e da Lei Orgânica do Distrito Federal, conforme o caso).

* “A competência do tribunal de justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau”. (Súmula 702, STF).

**” [...] a competência penal originária do TRE para processar e julgar, nos crimes eleitorais, agentes públicos que detêm, em razão de seuofício, prerrogativa de foro perante o tribunal de justiça estadual (como os deputados estaduais e os prefeitos municipais, p. ex.) tem sido reconhecida por esta Suprema Corte, na linha da diretriz consagrada na Súmula 702/STF”. (Inq. 3.357, rel. min. Celso de Mello,j.25-3-2014,dec. monocrática, DJE de22-4-2014).

6.3.2.7. Competência para o processo e julgamento dos crimes de responsabilidade em sentidoestrito

Os crimes de responsabilidade em sentido estrito77 estão previstos na Lei nº 1.079/50, quando praticados pelo Presidente da República, Ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, governadores e secretários de Estado, e no Decreto-Lei nº 201/67, no caso de serem praticados por prefeitos e vereadores. Essa terminologia se mostra equivocada, uma vez quese trata de infrações político-administrativa, não possuindo, pois, natureza jurídica de infração penal.Em consequência, inexistetambém aplicação desanções criminais a esses crimes. Conforme a função pública desempenhada pelo acusado, serão julgados:

ÓRGÃO

JURISDICIONAL

Supremo

Tribunal Federal

AGENTE PÚBLICO PREVISÃO

▪ Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, salvo se conexos com os do Presidente da República;

▪ membros dos Tribunais Superiores;

▪ membros do Tribunal de Contas da União;

▪ chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Art. 102, inciso I, alínea “c”,CF

77 A Lei nº 1.079/50 regula o crime de responsabilidade cometido pelo Presidente da República, Ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, governadores e secretários de Estado. O crime de responsabilidade dos prefeitos e vereadores é regido pelo Decreto-Lei nº 201/67. Não se confundem com os crimes de responsabilidade em sentido amplo, que são os denominados crimes funcionais contra a administração pública

116
AGENTE PÚBLICO FUNDAMENTO
LEGAL

ÓRGÃO

JURISDICIONAL

AGENTE PÚBLICO PREVISÃO

▪ desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal;

▪ membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal;

▪ membros dos Tribunais Regionais Federais;

Superior Tribunal de Justiça

Tribunais

Regionais Federais

Tribunais de Justiça

Tribunais de Justiça

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

▪ membros dos Tribunais Regionais Eleitorais;

▪ membros dos Tribunais Regionais do Trabalho;

▪ membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios;

▪ membros do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

▪ juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho;

▪ membros do Ministério Público da União;

▪ Deputados Estaduais;

▪ membros da Procuradoria-Geral do Estado;

▪ membros da Defensoria Pública.

▪ membros do Ministério Público Estadual;

▪ juízes estaduais;

▪ Secretários de Estado do Distrito Federal, nos crimes de responsabilidade não conexos com os do Governador;

Art. 105, inciso I, alínea “a”,CF

Senado Federal78

▪ Juízes do Distrito Federal e Territórios

▪ Presidente e o Vice-Presidente da República;

▪ Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes de responsabilidade quando conexos com os do Presidente ou Vice-Presidente;

▪ Ministros do Supremo Tribunal Federal;

▪ membros do Conselho Nacional de Justiça;

▪ membros do Conselho Nacional do Ministério Público;

▪ Procurador-Geral da República;

▪ Advogado-Geral da União.

Art. 108, inciso I, alínea “a”,CF

A depender da Constituição Estadual

Art. 96, inciso III da CF

Art. 107 da Lei Orgânica do Distrito Federal nº 44, de 2005

Art. 96, inciso III da CF

Art. 52, incisos I e II da CF e Lei nº 1.079/50.

78 Art. 80 da Lei nº 1.079/50: Nos crimes de responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado, a Câmara dos Deputados é tribunal de pronúncia e o Senado Federal, tribunal de julgamento; nos crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador Geral da República, o Senado Federal é, simultaneamente, tribunal de pronúncia e julgamento.

117
LEGAL

ÓRGÃO

JURISDICIONAL

Assembleia Legislativa ou

Tribunal Especial79

Câmara Legislativa do Distrito Federal

Câmara Municipal

AGENTE PÚBLICO PREVISÃO

▪ Governador e o Vice-Governador;

▪ Secretários de Estado, nos crimes de responsabilidade conexos com os do Governador ou do Vice-Governador;

▪ Procurador-Geral de Justiça;

▪ Procurador-Geral do Estado;

▪ Defensor Público-Geral do Estado;

▪ Governador;

▪ Vice-Governador;

▪ Secretários de Estado, nos crimes de responsabilidade conexos com os do Governador ou do Vice-Governador;

▪ Deputados Distritais;

▪ Prefeito;

▪ Vereadores.

A depender da Constituição Estadual

Art. 103 da Lei Orgânica do Distrito Federal nº 44/2005

Arts. 5º e 7º do DecretoLei nº 201/67

Por outro lado, a parte final do caput do art. 5º do Decreto-Lei nº 201/67 (“O processo de cassação do mandato do Prefeito pela Câmara, por infrações definidas no artigo anterior, obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo”) não foi recepcionada pela Constituição Federal, consoante decidido na ADI 2.220, cuja parte da ementa assim expressa: “[...] 2. A definição das condutas típicas configuradoras do crime de responsabilidade e o estabelecimento de regras que disciplinem o processo e julgamento das agentes políticos federais, estaduais ou municipais envolvidos são da competência legislativa privativa da União e devem ser tratados em lei nacional especial (art. 85 da Constituição da República)[...]”.

Posteriormente, foi editada a Súmula Vinculante nº 46, com o seguinte enunciado: “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União”.

6.3.3.

COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR

Trata-se de forma de competência relativa. Entretanto, considerar-se-á convalidada, se a incompetêncianão forsuscitadanomomento processualoportuno, porintermédio deexceção própria (art. 108, CPP)805 .

Todavia,épermitidoaomagistrado,aqualquertempo,declararareferidaincompetência deofício (art.109, CPP).

79 Art. 78 da Lei nº 1.079/50: O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado, senão à perda do cargo, com inabilitação até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo da ação da justiça comum. § 1º Quando o tribunal de julgamento for de jurisdição mista, serão iguais,pelo número, os representantes dos órgãos que o integrarem, excluído o Presidente, que será o Presidente do Tribunal de Justiça. § 2º Em qualquer hipótese, só poderá ser decretada a condenação pelo voto de dois terços dos membros de que se compuser o tribunal de julgamento. § 3º Nos Estados, onde as Constituições não determinarem o processo nos crimes de responsabilidade dos Governadores, aplicar-se-á o disposto nesta lei, devendo, porém, o julgamento ser proferido por um tribunal composto de cinco membros do Legislativo e de cinco desembargadores, sob a presidência do Presidente do Tribunal de Justiça local, que terá direito de voto no caso de empate. A escolha desse Tribunal será feita - a dos membros do legislativo, mediante eleição pela Assembleia:adosdesembargadores, mediantesorteio. § 4º Esses atos deverão ser executados dentro em cinco dias contados da data em que aAssembleia enviar ao Presidente do Tribunal de Justiça os autos do processo, depois de decretada a procedência da acusação.

80 Ver item 8.2.1.2.

118
LEGAL

Reconhecida a incompetência, os autos serão remetidos para o juízo tido como competente. Para se chegar à conclusão sobre a competência em razão do lugar, primeiramente, define-se a competência territorial (foro), e, em seguida, o juízo, pela natureza da infração, sendo necessário, por distribuição ou sorteio.

6.3.3.1. Competência territorial

A finalidade da competência territorial é a fixação do foro (Comarca: justiça comum estadual; Seção judiciária e subseção judiciária – justiça comum federal; Circunscrição militar - justiça militar da União; ou Zona eleitoral - justiça eleitoral), utilizando-se de critérios de acordo com o lugar da infração, com o domicílio (ou residência) do acusado ou com disposições especiais.

6.3.3.1.1. Competência pelo lugar da infração

Fixa-se o foro pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução, nos termos do art.70, caput do CPP.

Para definir o que se considera como “lugar de consumação da infração”, diferentemente do Código Penal que acolheu a teoria da ubiquidade (art. 6º, CP)81 , o Código de Processo Penal adotou, como regra, a denominada “teoria do resultado”, em que se considera como lugar do crime aquele em que foi produzido o resultado, sendo irrelevante o local da conduta.

Em sendo crime tentado, considera-se o lugar em que for praticado o último ato de execução (art. 70, caput, partefinal, CPP).

Entretanto, muitas vezes, a conduta ocorre em um local e seu resultado em outro, pertencentes a circunscrições judiciárias diversas: é o que se denomina crimes plurilocais Nesses casos, o posicionamento doutrinário e jurisprudencial é pelo acolhimento da teoria da ubiquidade para definir o local de consumação da infração, que poderá ser considerado tanto o lugar da conduta, como odo resultado, consoante conveniência da apuração probatória.

Em sendo crimes de mero resultado de crimes formais, o lugar da infração, para fixação do foro, será onde foi praticada a conduta típica, suficiente para consumar o delito.

Nos crimes a distância, considerados aqueles que têm iniciada a sua execução no território nacional e se consumam em território estrangeiro ou vice-versa, a competência será determinada:

a) no primeiro caso, pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução (art. 70, §1º,CPP);

b) no segundo, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado (art. 70, § 2º, CPP).

De acordo com o exame das normas de organização da justiça correspondente, definido o lugar da infração, deve-se verificar a qual circunscrição judiciária ele pertence. Por exemplo: em sendo crime de competência da justiça comum estadual, afastado o foro especial por prerrogativa de função, após definido o lugar de consumação da infração, à luz das normas de organização judiciária estadual, identifica-se a comarca a que pertence o território. Estará, então, fixado o Foro.

6.3.3.1.2. Competência pelo domicílio (ou residência) do acusado

Não sendo conhecido o lugar da infração, o foro será estabelecido pelo domicílio ou residência do réu (art. 72, CPP). Assim, a ação poderá ser proposta tanto no local do domicílio, como noda residênciado réu, sem qualquer distinção.

Se o acusado tiver mais de uma residência, o critério para estabelecimento da competência

81 Art. 6º do CP: Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria se produzir o resultado.

119

será aprevenção (art. 72, §1ºc/c83todos do CPP).

Nãotendooacusadoresidênciacertaousendoignoradooseuparadeiro,serácompetente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato (art. 72, § 2º, CPP).

Nos casos de exclusiva ação penal privada, ainda que conhecido o lugar da infração, no art. 73 do CPP, o legislador confere ao querelante a faculdade de optar pelo foro de domicílio ou da residênciado acusado.

6.3.3.1.3. Competência pelo domicílio da vítima

O domicílio da vítima será critério de fixação da competência criminal na hipótese dos crimes de estelionato (art. 171 do Código Penal), quando praticados mediante depósito, medianteemissãodecheques semsuficienteprovisãodefundos empoder dosacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores.

Havendo pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção.

6.3.3.1.4. Competência por disposições especiais

A despeito dos critérios de fixação da competência estudados nos itens anteriores, observam-se regras especiais para situações particulares, a saber:

a) Crimes praticadosforadoterritóriobrasileiro,porémsujeitos àleipenal brasileira

Aqui, embora a conduta e o resultado tenham ocorrido em território estrangeiro, circunstância que distingue esse crime do crime a distância, o agente se sujeita à lei penal brasileira, nos moldes do art. 7º do Código Penal82 .

Nessa hipótese, o art. 88 do CPP traz regra que define a competência territorial para processamento e julgamento da respectiva ação penal, estabelecendo que esta será do juízo da Capital do Estado onde o acusado houver residido por último.

Se nunca tiver residido no Brasil, será o da Capital da República.

b) Crimes cometidos a bordo de embarcações

O art. 89 do CPP preceitua que “Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos fronteiriços, bem como a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar, serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em quetocar aembarcação, após ocrime, ou, quandoseafastardoPaís, peladoúltimo em que houvertocado”.

O art. 2º, inciso V da Lei nº 9.537/97 define embarcação como sendo qualquer construção, inclusiveasplataformasflutuantese, quandorebocadas, asfixas, sujeitaainscriçãonaautoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas.

Em sendo a embarcação classificada como navio, de pronto, tem-se a fixação da competência para processamento e julgamento da ação penal da Justiça Federal (art. 109, inciso IX da CF), ressalvada a competência da Justiça Militar, bastando que se demonstre que estava em situaçãode deslocamentointernacional oude potencial navegação.

Porém, não basta, à determinação da competência da Justiça Federal, apenas o fato de que o eventual delito tenha sido cometido no interior de embarcação de grande porte. Faz-se necessário que este se encontre em situação de deslocamento internacional ou ao menos em

82 Art.7ºdo CP:Ficam sujeitosàlei brasileira,embora cometidosno estrangeiro: I - os crimes: a) contra a vida ou a liberdadedo Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal,deEstado, deTerritório, deMunicípio, de empresa pública, sociedade deeconomia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiroou domiciliadonoBrasil; II-oscrimes:a)que,portratado ou convenção,o Brasil seobrigouareprimir; b)praticadosporbrasileiro; praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. § 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiroounãoteraícumpridoapena;e) não ter sido o agenteperdoado noestrangeiro ou,poroutro motivo,não estarextintaa punibilidade,segundo a lei mais favorável. § 3º -Alei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça.

120

situação de potencial deslocamento.

A aplicabilidade da regra estabelecida no art. 89 do CPP far-se-á em relação aos crimes cometidos em qualquer embarcação (nacional ou estrangeira de propriedade privada) nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos fronteiriços, subsumidos à lei penal brasileira, naformadispostano art. 5º, caput e§2ºdoCP83 .

Do mesmo modo, quando o crime for cometido a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar, por ele se constituir, para os efeitos penais, como extensão do território nacional à luz doart. 5º, § 1ºdo CP84 .

A competência territorial para processamento e julgamento da ação penal será:

a) o do lugar do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação, após o crime;

b) quando estiver navegando para fora do País, e, após o crime, seguiu com a viagem, o do último porto brasileiro em que houver tocado.

Quando incerta e não se determinar de acordo com a norma estabelecida no art. 89, a competência se firmará pela prevenção (art. 91, CPP).

c) Crimes cometidos a bordo de aeronaves85

Para os crimes praticados a bordo de aeronave nacional, dentro do espaço aéreo correspondente ao território brasileiro, ou ao alto-mar, considerado, para os efeitos penais, como extensão do território nacional, à luz do art. 5º, § 1º do CP86, ou a bordo de aeronave estrangeira, dentro do espaço aéreo correspondente ao território nacional, por força do disposto no art. 90 do CPP, a competência territorial para processamento e julgamento da respectiva ação penal será:

I. do lugar em cujo território se verificar o pouso após o crime;

II. caso não pouse no território nacional, após o crime, do lugar de onde houver partidoa aeronave.

Atente-se que, a teor do art. 109, IX da Constituição Federal87 , a competência material para processamento e julgamento da ação penal por crime cometido a bordo de aeronave será da Justiça Comum Federal, ressalvada a competência da Justiça Militar da União.

Quando incerta e não se determinar de acordo com a norma estabelecida no art. 90, a competência se firmará pela prevenção (art. 91, CPP).

Por fim, é de se ressaltar que somente será aplicada a lei penal brasileira se a aeronave ou embarcação estrangeira houver partido de algum ponto do território brasileiro ou nele tocar após o crime. Caso contrário, inexistindo qualquer repercussão no país, ocorrerá o que a doutrina nomeia como direito de passagem inocente, referida no art. 3º, caput, §§ 1º e 2º da Lei nº8.617/9388 .

83 Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no territórionacional. (...) § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estran- geiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

84 Art. 5º, § 1º do CP: Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves bra- sileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embar- cações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

85 Art. 106 da Lei nº 7.565/86: Considera-se aeronave todo aparelho manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas.

86 Art. 5º, (...) § 1º do CP: Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as em- barcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ouem alto-mar.

87 Art.109daCF:Aosjuízesfederaiscompeteprocessarejulgar:[...]IX -oscrimescometidosabordodenaviosouaeronaves,res-salvadaacompetência da Justiça Militar;

88 Art.3ºÉreconhecidoaosnaviosdetodasasnacionalidadesodireitodepassageminocentenomarterritorialbrasileiro.§1ºApas-sagemseráconsiderada inocente desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser contínua e rápida. § 2º A passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear, mas apenas na medida em que tais procedimentos constituam incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim prestar auxílio a pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave.

121

6.3.3.2. Competência do Juízo

Estabelecida a competência territorial, passa-se para a fixação do juízo competente no foro:

1) Se não for único, levando-se em consideração a natureza da infração (art. 74, CPP), verifica-se, mediante consulta à norma de organização judiciária respectiva, qual ojuízo para a matéria;

2) Havendo no foro, em razão da natureza da infração, mais de um juízo igualmente competente,asuafixaçãosedaráporprecedêncianadistribuiçãooumediantesorteio(art.75, CPP).

6.3.3.3. Competência pela prevenção

Define o art. 83 do CPP, que haverá prevenção sempre que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa. Tem-se entendido que, para configuração da prevenção, necessário se faz que o ato processual tenha conteúdo decisório.

A prevenção será utilizada como critério para definição da competência em razão do lugarquando:

a) incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições (art.70, § 3º CPP);

b) se tratar de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições (art. 71 do CPP).

A inobservância da regra de prevenção importa em nulidade relativa, que deverá ser arguida no momento processual oportuno, com a demonstração do prejuízo suportado, sob penade preclusão.

Sobre o tema, dispõe enunciado da Súmula 706 do STF: “É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção”.

6.4. MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA

Tem-se a modificação da competência, consoante estudaremos nos tópicos adiante, na formado esquema abaixo:

Por simultaneidade

Intersubjetiva

Modificação da competência

Voluntária Necessária

Conexão

Por concurso

Por reciprocidade

Objetiva Teleológica

Consequencial Instrumental ou probatória Continência

122

6.4.1. VOLUNTÁRIA

A modificação voluntária da competência ocorre quando, diante da incompetência territorial (relativa), não houver arguição do vício pela parte, nem o juiz a reconhecer de ofício. Nesse caso, o foro tido inicialmente como incompetente restará convalidado, não podendo ser alegada a nulidade, posteriormente.

6.4.2. NECESSÁRIA

A modificação de competência de forma necessária (ou obrigatória) ocorrerá nos casosde conexão ou continência.

6.4.2.1. Conexão

A conexão, prevista no art. 76 do CPP, classifica-se em:

Por simultaneidade

Intersubjetiva

Conexão

Objetiva

Instrumental ou probatória

Por concurso

Por reciprocidade

Teleológica

Consequencial

(1) Conexãointersubjetiva(art.76, inciso I, CPP)

Haverá conexão intersubjetiva quando tiverem sido praticados dois ou mais crimes:

a) ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, sem que entre elas haja acordo de colaboração (conexão intersubjetiva por simultaneidade). Ex: saque simultâneo a uma loja comercial, por várias pessoas, sem que estejam agindo em concurso;

b) por várias pessoas em concurso, ainda que diversos o tempo e o lugar (conexão intersubjetiva por concurso). Ex: várias agentes, mediante prévio ajuste de vontade, cometem crimes em diversas localidades, ainda que em tempos diferentes;

c) por várias pessoas, umas contra as outras (conexão intersubjetiva por reciprocidade). Ex: grupos rivais, de forma combinada, encontram-se em um determinado lugar e os seusintegrantes passam ase agredir mutuamente;

(2) Objetiva ou material (art. 76, inciso II, CPP)

Caracteriza-se pelo elo entre os crimes, inexistindo obrigatoriedade de pluralidade de agentes. Assim, ela estará configurada se ocorrendo duas ou mais infrações houver sido uma praticada:

a) para facilitar a execução da(s) outra(s) - conexão objetiva teleológica. Ex.: o indivíduo com a finalidade de ingressar, mediante arrombamento, em um estabelecimento bancário e subtrair valores, mata o vigilante do local para obter o seu intento;

123

b) para ocultar, conseguir impunidade ou vantagem em relação a(s) outra(s) - conexão objetiva consequencial. Ex: o agente comete um homicídio e esconde o cadáver com a finalidade de ocultar o primeiro crime; um indivíduo comete um crime de homicídio e resolve matar a única testemunha ocular do delito com a finalidade de evitar que a sua identidade seja revelada para a polícia; uma quadrilha realiza um roubo e, posteriormente, no momento de partilhar o produto do crime, um dos agentes mata um comparsa com o objetivo de auferir vantagem na divisão dos bens arrecadados, aumentando a parte que lhe caberia inicialmente;

(3) Instrumentalouprobatória(art.76, incisoIII,CPP)

Quando se verifica que a prova de uma infração penal ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influi na prova do outro crime, ainda que não exista concurso nem vinculação finalística. Ex: Crime de furto e a receptação do produto subtraído. O segundo crime só existirá se restar comprovado o primeiro, ainda que não se saiba sua autoria.

6.4.2.2. Continência

Tem-se configurada a continência, a teor do disposto no art. 77 do CPP, na hipótese de:

a) continência por cumulação subjetiva: concurso de pessoas, sem pluralidade de crimes; b) continência por cumulação objetiva: concurso formal de crimes (art. 70, caput, CP),erro na execução (art. 73, CP), resultado diverso do pretendido (art. 74, CP), estesdois últimos quando resultarem em mais de um crime.

6.4.2.3. Foro de atração

Reconhecida a conexão ou continência, que, em regra, tem como como consequênciaa unidade do processo e do julgamento, haverá necessidade do estabelecimento do foro para o processo e julgamento unificado dos fatos e/ou pessoas, o que seguirá as regras traçadas no art. 78do CPP:

1) No concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri (art.78,incisoI).Assim,oTribunaldoJúrijulgaránão apenas os crimes dolosos contra a vida89, tentados ou consumados, cuja competência decorredepreceitoconstitucional(art.5º,incisoXXXVIII,alínea“d”,CF),mas,também, os que com eles forem conexos ou objeto de continência.

2) No concurso de jurisdições da mesma categoria (art. 78, inciso II), observar-se-á na ordem sequencial:

a) a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;

b) se as respectivas penas forem de igual gravidade, a do lugar em que houver ocorrido omaiornúmero de infrações;

c) a competência pela prevenção, nos outros casos.

3) No concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação (art. 78, inciso III). Trata-se de concurso entre a competência por prerrogativa de função e competência diversa. Nesse caso, prevalecerá a competência do órgão jurisdicional de maiorgraduação.Emexposiçãoposterior,serãovistasexceçõesàregra(item6.4.2.5);

4) No concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta última (art. 78, inciso IV), excetuadas as hipóteses de separação obrigatória, diante de eventual incompetência dojuízoemrelaçãoàmatéria.Parafinsdeaplicaçãodoprevistonessedispositivo legal,ajustiçafederaléconsiderada dejurisdição especial emrelação àjustiça estadual.

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89 Arts. 121 a 128 do Código Penal.

6.4.2.4. Conexão ou Continência entre infrações penais sujeitas a ritos distintos

Nas hipóteses de conexão ou continência, previstasnosarts. 76 e 77 do CPP, respectivamente,que resultarem em unidade de processo e julgamento, será observado:

1) NoconcursocomcrimesdecompetênciadoTribunaldoJúri,seráaplicáveloprocedimento especialdoJúriemvirtudedaforçaatrativaestabelecidanoart.78,IdoCPP90;

2) Nos demais casos, por oferecer condições mais amplas de defesa, aplicar-se-á o procedimento comum ordinário.

Havendo conexão ou continência com infrações de menor potencial ofensivo será aplicado o disposto no art. 60, parágrafo único da Lei nº 9.099/95, com as alterações advindas da Lei nº 11.313/06, que expressa: “Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis”91

6.4.2.5. Separação do processo e/ou julgamento

Inobstante presente qualquer das circunstâncias configuradoras da conexão ou continência, por vezes, haverá a impossibilidade de unidade de processo e/ou julgamento.

Nesse contexto, ter-se-á:

No concurso entre a jurisdição comum e a militar (art.79,incisoI, CPP),necessariamente, haveráa separação deprocessoejulgamento. É que, por imposição constitucional, acompetência material da justiça militar é exclusiva para apreciação dos crimes militares, que, por sua vez, não poderão serjulgadosnajustiçacomum.Assim,ocrimecomumseráprocessadoejulgadonajustiçacomum (federalouestadual),enquantoocrimemilitarnajustiçamilitar(daUniãoouestadual);

Dar-se-á a separação de julgamento na hipótese própria de julgamento pelo Tribunal do Júri, embora mantida a unidade do processo, à luz do art. 79, § 2º, do CPP;

Na hipótese em que se aplica o disposto no art. 366 do CPP, suspende-se a tramitação da ação penal em relação ao acusado que, citado por edital, não compareceu em juízo, nem constituiu defensor. Para o(s) corréu(s), o feito prosseguirá regularmente;

Separação obrigatória

Separação facultativa

Em virtude da colaboração premiada estabelecida no art. 4º, § 3º da Lei nº 12.850/2013, quando o colaborador tem suspenso o processo em relação à sua pessoa, prosseguindo em relação ao(s) corréu(s);

Quando houver a prática de crime doloso contra vida em concurso de pessoas, sendo o corréu detentor de foro especial por prerrogativa de função estabelecida na Constituição Federal. Nesse caso, o possuidor do foro especial responderá perante o órgão jurisdicional previsto na CF, enquanto o corréu responderá em ação penal que tramitará no Tribunal do Júri com competência material e territorial para seu processamento. É que, como visto anteriormente, a competência por prerrogativa de função prevista em dispositivos diversos da Constituição Federal somente será aplicada a quem dela goza, não possuindo força suficiente para afastar dos demais indivíduos a garantia de submissão ao julgamento pelo Tribunal do Júri por prática de crime doloso contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, CF);

Na hipótese de conexão entre um crime eleitoral de competência da Justiça Eleitoral (justiça especial) e um crime doloso contra a vida de competência do Tribunal do Júri (estadual ou federal),haverá aseparação obrigatória, não seaplicando odisposto no art. 78, incisoIV do CPP.

Nos termos do art. 80 do CPP, a separação do processo e julgamento poderá ser judicialmente determinadaquandoasinfraçõesconexastiveremsidopraticadasemcircunstânciasdetempo ou de lugar diferentes, diante do excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória ou, por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação. A providência se insere dentro do âmbito de discricionariedade do juízo.

90 Art.78doCPP:Nadeterminaçãodacompetênciaporconexãooucontinência,serãoobservadasasseguintesregras:I-noconcur- so entreacompetência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri; [...].

91 OPleno do SupremoTribunal Federal, porunanimidade, emsessãovirtual realizadade27/11 a04/12/2020,julgou improcedenteo pedido formulado na ADI 5.264/DF, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, para declarar constitucional os dispositivos que permitem o deslocamento de causas da competência dos Juizados Especiais Criminais para a Justiça Comum ou para o Tribunal do Júri, em casos de situação processual de conexão e continência.

125

6.4.2.6. Avocação de processos por conexão ou continência

O art. 82 do CPP estabelece a possibilidade de avocação de processos por parte do juiz prevalentequando,nãoobstanteaconexãooucontinência,tiveremsidoinstauradosprocessos diferentes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Nesse caso, a unidade dos processos se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas.

É suficiente, conforme majoritário posicionamento doutrinário e jurisprudencial, a prolatação de sentença como marco temporal final para a avocação de processos, não havendo sentido em modificar a competência jurisdicional já exaurida.

Sobre o tema, o enunciado da Súmula 235 do STJ dispõe: “A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”.

6.5. PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA

A prorrogação da competência somente será possível quando se tratar de competência relativa, isto é, acompetênciaem razão dolugar.

A prorrogação da competência se classifica em:

1) Legal (ou necessária): sua ocorrência independe da vontade das partes. É o que ocorre na conexão ou continência;

2) Voluntária: quando depende de iniciativa das partes. Subdivide-se em:

1. Expressa: quando há requerimento da parte. Ex.: pedido de desaforamento (art. 427, caput,CPP);

2. Tácita: ocorre diante do silêncio da parte, como, por exemplo, não sendo suscita a incompetência relativaoportunamente, o que enseja a preclusão, convalidando-se o juízo.

6.6. PERPETUAÇÃO DA COMPETÊNCIA

Inicialmente, esclarecemos a não utilização da expressão doutrinária clássica da perpetuatio jurisdictionis, porquanto, de fato, a perpetuação se refere à competência, e não à jurisdição.

6.6.1. EM FACE DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA SUPERVENIENTE DA COMPETÊNCIA

Durante o curso processual, podem surgir modificações do estado de fato ou de direito, com reflexos na continuidade da competência do juízo primeiramente firmado para a ação penal respectiva.

Assim, a entrada em vigor de uma lei que estabeleça novos critérios de competência ou que modifique os já existentes leva à reflexão sobre a sua incidência em relação às ações penais em curso, havendo necessidade de se harmonizar a natureza processual do novel diploma legal, e, portanto, prima facie, dos efeitos imediatos, com o respeito ao princípio do juiz natural, constitucionalmente assegurado.

O Código de Processo Penal, por sua vez, não traz nenhum dispositivo que trate do tema, ao contrário do Código de Processo Civil que, em seu art. 43, preceitua: “Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta”

Diante da omissão da lei processual penal, a jurisprudência pátria tem decidido pela aplicabilidade subsidiária do citado art. 43 do CPC.

Dessarte, mostra-se irrelevante qualquer alteração do estado de fato ou de direito, ocorrida

126

posteriormente ao registro ou à distribuição da denúncia ou da queixa-crime, salvo quando se extinguir o órgão judiciário, for alterada a competência em razão da matéria ou da pessoa, ou, ainda,nahipótesedecompetênciaem razão dolugar,quandosetratardemodificação dojuízo pelanatureza da infração.

Conclui-se, portanto, que:

a) as alterações relativas à competência material, funcional, ou por prerrogativa de função, exceções constantes do art. 43 do CPC, importarão na declinação da competência para o novo juízo, salvo se já houver sentença de mérito, quando nenhuma mudança se verificará;

b) a competência territorial não se desloca, permanecendo o feito no juízo de origem.

6.6.2. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO NOS CASOS DE CONEXÃO OU CONTINÊNCIA

6.6.2.1. Regra

Verificada a reunião das infrações penais em conexão ou continência em um único processo, ainda que proferida sentença absolutória ou decisão de desclassificação quanto ao crime de competência própria do juízo prevalente, esse continuará competente para julgar os demais delitos e/ou denunciados que integram o processo. É o que se denomina de perpetuação da competência, previstano art. 81, caput doCPP92 .

Ainda merece registro o disposto do art. 74, § 2º do CPP, que dispõe acerca da remessa do processo ao juiz competente, na hipótese de desclassificação própria – quando o juiz desclassifica uma infração penal para outra, para cujo julgamento não é ele o competente –, com a seguinte ressalva: “[...] salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua competência prorrogada”. A ressalva contida na parte final do dispositivo legal não encontra mais aplicação, pois, atualmente, a diferença de graduação, para fins de competência, é unicamente de instância, conforme já assinalado, isso porque a competência dos tribunais,que seriam mais graduados do que os juízes de primeira instância, é originária, em razão de prerrogativa de função. Por isso, quando determinado tribunal recusa a sua competência e remete os autos ao juízo de primeiro grau, ele, na realidade, não está desclassificando a infração,mas, simplesmente, declinando de sua competência por não reconhecer, por exemplo, foro especial por prerrogativa de função.

6.6.2.1.1. No Tribunal do Júri

Tratando-se, porém, de crime da competência do Tribunal do Júri devem ser observadasas seguintes regras:

1) O juiz, ao final da fase primeira fase do procedimento bifásico do Júri93, poderá desclassificar a infração, impronunciar ou absolver sumariamente o réu, de maneira que exclua a competência do tribunal popular. Nesse caso, remeterá o processo ao juízo competente, inclusive para apreciação de eventual crime conexo ou continente (art. 81, parágrafo único, CPP94);

2) Se o Conselho de Sentença absolver o réu do crime de sua competência originária, continuará competentepara proceder ao julgamento do crime conexo ou continente;

3) Se a desclassificação for feita pelo próprio Conselho de Sentença, ao juiz presidente do

92 Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venhao juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência,continuará competente em relação aos demais processos.

93 Arts. 414, 415 e 419 do CPP.

94 Art.81. [...] Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência porconexão ou continência, o juiz, se vieradesclassi- ficar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente.

127

júri caberá proferir a sentença, assim como do crime conexo ou continente (art. 74, § 3º,parte final c/c art. 492, § 2º, ambos do CPP);

4) Na hipótese de a desclassificação pelo Conselho de Sentença tornar o Tribunal do Júri incompetente em razão da matéria, não se aplicará a providência contida no nº 3 supracitado, devendo o juiz presidente remeter os autos para o órgão jurisdicional competente. Ex: Um policial militar foi acusado da prática de tentativa de homicídio contra um civil, durante uma operação de policiamento ostensivo. Essa ação resultou em lesões de natureza grave na vítima. Submetido a julgamento pelo Júri, o Conselho de Sentença entendeu que não se tratava de um crime doloso contra a vida, mas, sim, de lesão corporal de natureza grave, infração que, pela circunstância em que ocorreu, qualifica-se como crime militar. Nesse caso, desaparecido o caráter excepcional de seu julgamento pela justiça comum, deverá o juiz-presidente do Júri remeter os autos ao juízomilitarparaquetenhamregular processamentoejulgamento(art.125,§4º,CF95).

6.7. DELEGAÇÃO DA COMPETÊNCIA

Dentro dos limites estabelecidos pela lei, admite-se a delegação de competência a outro juízo para a execução de atos específicos do processo, os quais não puderem ser realizados no juízo natural.

É o que acontece na hipótese das cartas (de ordem, rogatória e precatória), por exemplo, quando éexpedida com a finalidade de colher depoimento testemunhal.

Não há, todavia, transferência da competência, razão pela qual a prática dos atos decisórios permanece com ojuízo solicitante.

6.8. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA (IDC)

O art. 109 § 5º da Constituição Federal prevê a possibilidade de o Procurador-Geral da Repúblicaapresentar,noSuperiorTribunal deJustiça,incidentededeslocamento decompetência para a Justiça Federal, em qualquer fase do inquérito policial ou do processo, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes detratados internacionais dedireitos humanos dos quais oBrasilseja parte.

Trata-se, na verdade, de pedido de federalização dos crimes contra os direitos humanos, expressão consagrada peladoutrina nacional.

As características de excepcionalidade e subsidiariedade do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) exigem o atendimento cumulativo dos seguintes requisitos:

a) a constatação de grave violação efetiva e real de direitos humanos;

b) a possibilidade de responsabilização internacional, decorrente do descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais; e

c) a evidência de que os órgãos do sistema estadual não mostram condições de seguir no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso com a devidaisenção.

Como decidido no IDC nº 5, é preciso “provas que revelem descaso, desinteresse, ausência de vontade política, falta de condições pessoais e/ou materiais das instituições - ou de uma ou outra delas - responsáveis por investigar, processar e punir os responsáveis pela grave violação a direito humano, em levar a cabo aresponsabilização dos envolvidos na conduta criminosa”. (IDC 5/PE,Rel.Min.Rogério SchiettiCruz,3aSeção, j.em 13/08/2014,pub. noDJede 01/09/2014).

95 Art. 125, § 4º, CF: Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

128

Deferido o deslocamento de competência, a priori, seguirá para tramitação no juízo federal com jurisdição criminal no local do fato principal.

6.9. ENUNCIADOS DE SÚMULAS

6.9.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Súmula Vinculante 36: Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Amador (CHA), ainda que expedidas pela MarinhadoBrasil.

Súmula Vinculante 45: A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.

Súmula 396: Para a ação penal por ofensa à honra, sendo admissível a exceção da verdade quanto ao desempenho de função pública, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que já tenha cessado o exercício funcional do ofendido.

Súmula 451: A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional.

Súmula 498: Compete à Justiça dos Estados, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento dos crimes contra a economia popular.

Súmula 521: O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusado pagamento pelo sacado.

Súmula 522: Salvo ocorrência de tráfico para o Exterior, quando, então, a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes.

Súmula 555: É competente o Tribunal de Justiça para julgar conflito de jurisdição entre Juiz de Direito doEstado e aJustiça Militar local.

Súmula 603: A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do Juiz singular e não do Tribunal do Júri.

Súmula 690: Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais.

Súmula 691: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.

Súmula 702: A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá aorespectivo tribunal de segundo grau.

Súmula 704: Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.

Súmula 706: É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção.

Súmula 712: É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa.

Súmula 721: A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual.

6.9.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Súmula 6: Compete à justiça comum estadual processar e julgar delito decorrente de acidente

129

de trânsito envolvendo viatura de polícia militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade.

Súmula 33: A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício.

Súmula 38: Compete à justiça estadual comum, na vigência da constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da união ou de suas entidades.

Súmula 47: Compete à justiça militar processar e julgar crime cometido por militar contra civil, com emprego de armapertencente à corporação, mesmo não estando em serviço.

Súmula 48: Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.

Súmula 53: Compete à justiça comum estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contrainstituições militares estaduais.

Súmula 59: Não há conflito de competência se já existe sentença com trânsito em julgado, proferidaporum dos juízos conflitantes.

Súmula 75: Compete a justiça comum estadual processar e julgar o policial militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal.

Súmula 78: Compete à justiça militar processar e julgar policial de corporação estadual, ainda que o delitotenhasidopraticado em outra unidade federativa.

Súmula 90: Compete à justiça estadual militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.

Súmula 104: Compete à justiça estadual o processo e julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino.

Súmula 107: Compete a justiça comum estadual processar e julgar crime de estelionato praticado mediante falsificação das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não ocorrentelesão a autarquiafederal.

Súmula 122: Compete à justiça federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos decompetênciafederaleestadual,nãoseaplicandoaregradoart.78,ii,“a”,docódigodeprocesso penal.

Súmula 140: Compete à justiça comum estadual processar e julgar crime em que o indígena figurecomo autor ou vítima.

Súmula 147: Compete à justiça federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.

Súmula 165: Compete à justiça federal processar e julgar crime de falso testemunho cometido noprocesso trabalhista.

Súmula 172: Compete à justiça comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.

Súmula 200: O juízo federal competente para processar e julgar acusado de crime de uso de passaporte falso e o do lugar onde o delito se consumou.

Súmula 206: A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultantedas leis de processo.

Súmula 208: Compete à justiça federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

Súmula209:Competeàjustiçaestadualprocessarejulgarprefeitopordesviodeverbatransferida eincorporada ao patrimônio municipal.

Súmula 235: A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.

Súmula 244: Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem provisão de fundos.

Súmula 376: Compete à turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato dejuizado especial.

Súmula 428: Compete ao Tribunal Regional Federal decidir os conflitos de competência entre juizado especial federal e juízo federal da mesma seção judiciária.

130

Súmula 528: Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional.

Súmula 546: A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada emrazãodaentidadeouórgãoaoqualfoiapresentadoodocumentopúblico,nãoimportandoa qualificação do órgão expedidor.

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132

Questões Prejudiciais 7

7.1. CONCEITO

São questões de natureza material (penal ou extrapenal) que, afetando o aspecto da tipicidade da conduta imputada ao acusado, sem qualquer interferência na ilicitude ou na culpabilidade, exigem solução antes do julgamento meritório da ação penal. Há, nesse caso, evidentedependêncialógica e necessária entrea questão prejudicial e o mérito da demanda.

As questões prejudiciais não se confundem com questões preliminares, senão vejamos:

QUESTOES PREJUDICIAIS QUESTÕES PRELIMINARES

Referem-se sempre ao direito material

Relacionadas à existência do crime

São autônomas, independendo da existência de um processo criminal

Podem ser decididas (ou não) no juízo criminal, conforme a sua natureza

7.2. PREVISÃO LEGAL

Arts. 92 a 94 do CPP.

7.3. ELEMENTOS ESSENCIAIS

Dizem respeito ao direito processual

Referentes a alguns pressupostos processuais (de existência e de validade) e às condições da ação

Dependem da existência de uma ação penal

Necessariamente são decididas no juízo criminal

São elementos essenciais da questão prejudicial:

a) Anterioridade lógica: a questão prejudicada (mérito da ação principal) está vinculada à decisão da questão prejudicial, que, portanto, deve ser julgada primeiramente;

b) Necessariedade ou essencialidade: trata-sedeumantecedentenecessárioaojulgamento de mérito da ação principal, eis que a sua procedência poderá tornar prejudicada a apreciação deste último. Ex.: crime de bigamia. Se o réu alegar que o seu casamento anterior era nulo, essa questão é prejudicial, uma vez que condiciona a questão principal. Comprovando-se, por meio de uma sentença transitada em julgado, que o casamento anterior, de fato, era nulo, não haverá crime de bigamia;

c) Autonomia: a questão prejudicial pode ser objeto de processo autônomo, cível ou criminal, distinto daquele em que figura a questão prejudicada.

133

7.4. CLASSIFICAÇÃO

As questões prejudiciais classificam-se em:

Quanto ao caráter

Questões

Prejudiciais

Homogêneas matéria penal

Heterogêneas matéria extrapenal

Quanto ao grau de influência Total Parcial

Devolutiva

Quanto ao efeito

Devolutivas obrigatórias

Devolutivas facultativas Não devolutiva

(1) Quanto ao caráter

a) Homogêneas: versam também sobre matéria penal e são resolvidas no próprio juízo penal. Dizem respeito à existência da infração penal, por exemplo: a ocorrência (ou não)docrimeantecedente(furto)quantoaoméritodocrimedereceptaçãodoproduto daquele;

b) Heterogêneas: quando versam sobre matéria extrapenal. Por exemplo: discussão sobre a propriedade da coisa, quanto ao crime de furto; discussão sobre a validade do primeiro casamento, quanto ao crime de bigamia.

(2) Quanto aograu deinfluência

a) Total: diz respeito a um elemento essencial do crime, influenciando a existência (ou não)do crime.

b) Parcial: relaciona-se àcircunstância do fato criminoso que diga respeito à gravidade da infração ou à quantidade da pena.

(3) Quanto ao efeito

a) Devolutiva: são questões prejudiciais que podem ser solucionadas por um juízo extrapenal:

1) Devolutivas absolutas ou obrigatórias: há obrigatoriedade de apreciação pelo juízocível (art. 92, CPP);

2) Devolutivas relativas ou facultativas: é de facultativa remissão à decisão do juízo cível(art. 93, CPP);

b) Não devolutiva: são solucionadas pelo juízo criminal.

7.4.1.

QUESTÕES PREJUDICIAIS HOMOGÊNEAS NÃO DEVOLUTIVAS

Como a decisão sobre as questões prejudiciais homogêneas não devolutivas são decididas na própria sentença da ação penal pelo juiz criminal, inexiste regulamentação a seu respeito no CPP, que trata somente das questões prejudiciais heterogêneas.

134

7.4.2.1. Devolutiva absoluta (ou obrigatória)

É a hipótese estabelecida no art. 92, caput do CPP, que dispõe: “Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquiriçãodas testemunhas edeoutras provas denaturezaurgente”.

A ocorrência da questão prejudicial heterogênea devolutiva absoluta remete (daí a razão de ser devolutiva) obrigatoriamente (por isso absoluta) o enfrentamento da matéria a um juízo distinto docriminal, quando houver:

a) controvérsia sobre o estado civil das pessoas, isto é, que digam respeito à existência civil, à individualidade, à cidadania, à capacidade e à família;

b) repercussão da controvérsia na própria existência do crime;

c) questão séria e fundada a ser decidida.

Reconhecendo o juiz criminal a sua existência, independentemente da fase processual, determinará, de ofício ou por provocação de qualquer das partes, nos moldes estabelecidos no art. 94 do CPP, a suspensão da ação penal por prazo indeterminado. Essa suspensão subsistirá até que haja, no juízo cível, decisão a respeito da ação penal transitada em julgada. Assim, por exemplo, existindo dúvidas sobre a validade do primeiro casamento, na hipótese do crime de bigamia96 , necessário se faz que se aguarde a decisão no juízo cível, uma vez que, declarada sua anulação, inexistirá a infração penal.

Outro ponto de destaque é que a suspensão do processo penal poderá ocorrer ainda que não tenhasido propostaa ação correspondentenojuízo cível.

O legislador confere legitimidade para o ajuizamento da ação civil ou o prosseguimento daque tiver sido iniciada:

a) Em se tratando de crime de natureza pública, ao Ministério Público com a citação dos interessados (art. 92, parágrafo único, CPP);

b) Em sendo crime de natureza privada, ao ofendido97

Efetuada a suspensão, para evitar o desaparecimento da prova, é permitida a inquirição das testemunhas e a coleta deoutras provas de natureza urgente.

Atente-se,ainda,queduranteoperíododasuspensãodaaçãopenalnãocorreaprescrição da pretensão punitiva estatal por força do disposto no art. 116, I do CP98 .

Por fim, o conteúdo da sentença cível transitada em julgado, em relação à controvérsia que ensejou a questão prejudicial, vincula o juiz criminal, que deverá decidir com base no que ficou resolvido na esfera cível.

7.4.2.2. Devolutiva relativa (ou facultativa)

Expressa o art. 93, caput, do CPP: “Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras

96 Art. 235, caput do CP.

97 Apesar do silêncio do legislador, é nesse sentido a posição doutrinária e jurisprudencial majoritária.

98 Art. 116 do CP: Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; [...].

135
PREJUDICIAIS HETEROGÊNEAS
7.4.2. QUESTÕES

denaturezaurgente”.

Destarte, a existência de uma questão prejudicial heterogênea devolutiva facultativa dependerá dos seguintes fatores:

a) questão diversa do estado civil das pessoas;

b) repercussão da questão na própria existência do crime;

c) ação já tramitando no juízo cível sobre o objeto da questão prejudicial;

d) questão de difícil solução;

e) questão que não versa sobre direito cuja prova a lei civil limite.

Exemplo típico ofertado pela doutrina se refere ao caso em que a discussão versa sobre a propriedade da coisa furtada em que se discute no juízo cível se aquela pertence (ou não) ao acusado. Reconhecida a propriedade do bem em seu favor, inexistirá o crime de furto (art. 155, caput, CP).

Relativamente à suspensão da ação penal, na forma do art. 93 do CPP, deve-se atentar que:

a) será facultativa, ficando ao critério do juízo criminal, mediante decisão irrecorrível;

b) quando determinada, será por prazo determinado, que poderá ser razoavelmente prorrogado, se a demora não for imputável à parte;

c) somente ocorrerá após a inquirição das testemunhas e a realização das outras provas denatureza urgente;

d) expirado o prazo, sem que o juiz cível tenha proferido decisão, o juiz criminal fará prosseguir o processo, retomando sua competência para resolver, de fato e de direito, todaa matéria da acusação ou dadefesa.

Do mesmo modo que na questão prejudicial heterogênea devolutiva obrigatória,a suspensão da ação penal pela autoridade judiciária se dará de ofício ou atendendo a requerimento das partes (art. 94, CPP).

Suspensa a ação penal, e, tratando-se de crime de ação pública, incumbirá ao Ministério Público intervir imediatamente na causa cível para o fim de promover-lhe o rápido andamento (art. 93, § 3º,CPP).

7.4.2.2.1.Quadro sinóptico

DIFERENÇAS ENTRE AS QUESTÕES PREJUDICIAIS HETEROGÊNEAS

Devolutiva absoluta (ou obrigatória)

Art. 92, CPP

Controvérsia sobre o estado civil das pessoas

Suspensão da ação penal é obrigatória

Devolutiva relativa (ou facultativa)

Art. 93, CPP

Controvérsia sobre questão diversa do estado civil das pessoas

Suspensão da ação penal é facultativa

136 provas

Suspensão da ação penal poderáocorrer em qualquer fase processual

Suspensão da ação penal por prazo indeterminado

Suspensão da ação penal ocorrerá independentemente de a ação no juízo cível já ter sido proposta ou não.

A decisão do juízo cível vincula o juiz criminal

Suspensão da ação penal somente poderá ocorrer após a oitiva das testemunhas e realização de outras provas consideradas urgentes

Suspensão por prazo determinado pelo juiz criminal, sujeito à prorrogação

A suspensão somente ocorrerá se necessariamente já existir no juízo cível uma ação em tramitação

A decisão cível vincula o juiz criminal somente se proferida enquanto suspensa a ação penal

137
138

Processos Incidentes 8

8.1. CONCEITO

Sãoprocedimentosincidentaisquesurgemduranteaaçãopenal,sem,contudo,interferir no seu mérito, sendo autuados em apenso aos autos principais. Classificam-se na forma a seguir:

Exceção de suspeição

Dilatórias

Exceções

Conflito de jurisdição

Restituição das coisas apreendidas

Processos incidentes

Medidas assecuratórias

Incidente de falsidade documental

Incidente de insanidade mental

Peremptórias

Sequestro

Arresto

Hipoteca legal

Exceção de incompetência de juízo

Exceção de ilegitimidade de parte

Exceção de litispendência

Exceção de coisa julgada

8.2.

EXCEÇÕES

As exceções se dividem em dilatórias e peremptórias. Serão sempre autuadas em apartado a teor do disposto no art. 111 do CPP.

8.2.1.

EXCEÇÕES DILATÓRIAS

Não encerram o processo principal, mas retardam a sua tramitação. Corrigida a falha processual apontada, ele retomará seu regularprosseguimento. Dividem-se em exceção de suspeição, exceção de incompetência e exceção de ilegitimidade de parte.

8.2.1.1. Exceção de suspeição

(1) Suspeição dejuiz de1º Grau

É instrumento conferido às partes para, arguindo qualquer das circunstâncias previstas no

139

art. 254, doCPP, suscitarem asuspeição dojuiz.

A exceção de suspeição, por afetar a imparcialidade da autoridade judiciária, precederáa qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente (art. 96, CPP).

O reconhecimento espontâneo da suspeição,inclusivepormotivodeforoíntimo(art.145, § 1º do CPC99, aplicado subsidiariamente), far-se-á por escrito, devendo a autoridade judiciária providenciar a remessa imediata do processo ao seu substituto, dando-se ciência às partes, a teordodisposto no art. 97do CPP.

Em sendo suscitada por qualquer das partes, nos termos dos arts. 98 a 101, todos do CPP, observar-se-á:

1) Apresentação por petição assinada por ela própria ou por procurador com poderes especiais, aduzindo as suas razões acompanhadas de prova documental ou do rol de testemunhas;

2) Reconhecendo a suspeição, o juiz sustará a marcha do processo, mandará juntar aos autos a petição do recusante com os documentos que a instruam, e, por despacho, declarar-se-á suspeito, ordenando a remessados autos aosubstituto;

3) Recusando-a, a autoridade judiciária mandará autuar em apartado a petição, dará sua resposta em até (03) três dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida, determinará sejam os autos da exceção remetidos, em até 24(vinte e quatro horas), aotribunal a quem competir ojulgamento;

4) Quando a parte contrária reconhecer a procedência da arguição, poderá ser sustado, a seu requerimento, o processo principal, até que se julgue o incidente da suspeição;

5) Encaminhada a exceção ao tribunal, o relator, em juízo preliminar, poderá: a) considerar a suspeição de manifesta improcedência, rejeitando-a liminarmente; b) reconhecer a relevância da arguição, e, com citação das partes, marcar dia e hora para a inquirição das testemunhas, seguindo-se ojulgamento, independentemente de mais alegações;

6) Julgada procedente a suspeição, os atos do processo principal ficarão nulos, condenando-se, no caso de erro inescusável, o magistrado suspeito em custas processuais.

(2) Suspeição de membro de Tribunal

Caso a suspeição seja reconhecida por membro de tribunal:

1) Se for o relator, procede-se à nova distribuição dos autos, ou, em sendo revisor, os autos passarão para oseu substituto, tudona forma previstanoregimento interno daCorte.

2) Não sendo relator nem revisor, dá-se por suspeito, verbalmente, na sessão de julgamento, registrando-se na ata a declaração.

3) Seo presidente dotribunal seder porsuspeito,competirá ao seu substituto designar o diaparao julgamento, presidindo-o.

4) Não havendo reconhecimento de ofício pelo membro do tribunal, qualquer das partes poderá apresentar a exceção, a qual, no que couber, seguirá o rito mencionado anteriormente, senão vejamos: “Observar-se-á, quanto à arguição de suspeição pela parte, o disposto nos arts. 98 a 101, no que Ihe for aplicável, atendido, se o juiz a reconhecer, oque estabelece este artigo”. (art. 103, § 3º, CPP).

O julgamento, nesse caso, competirá ao tribunal pleno, funcionando como relator o presidente, se não for o recusado, hipótese em que o relator será o vice-presidente.

99 Art. 145, § 1º do CPC: Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.

140

(3) Suspeição do órgão do Ministério Público

Poderá o membro do Ministério Público se dar por suspeito para participar do processo nas mesmas circunstâncias previstas para o juiz, fazendo-o nos autos do processo, os quais serão remetidos aosubstituto legal.

Seoacusadoapresentarasuspeiçãoporescrito,comaindicaçãodasprovasquepretende produzir, o juiz, depois de ouvir o órgão do Ministério Público no prazo de 03(três) dias, colherá eventual prova indicada, decidindo, sem recurso, na forma prevista no art. 104, CPP.

(4) Suspeição de peritos, intérpretes, serventuários ou funcionário da justiça

Não reconhecida espontaneamente, as partes poderão suscitar a suspeição dos peritos, dos intérpretes e dos serventuários ou funcionários da justiça, decidindo o juiz de plano e sem recurso, à vista da matéria alegada e da prova imediata.

(5) Suspeição dos jurados

A suspeição dos jurados deverá ser arguida oralmente, caso em que o presidente do Tribunal do Júri decidirá de plano e a rejeitará, fazendo constar tudo da ata, se, negada pelo acusado, não forimediatamente comprovada.

(6) Suspeição da autoridade policial

Não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas elas deverão declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.

8.2.1.2. Exceção de incompetência

Éoinstrumentoadequadoparasearguiraincompetênciadojuízo,nãosuspendendo, em regra, o andamento da ação penal.

Em se tratando de incompetência relativa, sob pena de preclusão, deve ser manejada no prazo para a defesa, nos termos do art. 108, caput do CPP100 , isto é, dentro dos 10 (dez) dias para oferecimento de resposta à acusação (art. 396, caput, CPP).

Autuada em apartado, seguirá para manifestação do órgão do Ministério Público, e, em seguida, para decisão judicial.

Acolhendo a exceção, o juízo, declarando-se incompetente, remeterá os autos para aquele que considerar competente.

Ao aportar no novo juízo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos, ratificados os atos anteriores, salvo os decisórios, que são nulos, devendo ser refeitos (art. 564, inciso I c/c 567, ambos doCPP)143 .

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça flexibilizou a regra para admitir que os atos decisórios também possam ser ratificados por força do disposto no art. 108, § 2º do CPP, v.g.: “[...] 2. Nos termos dos artigos 108, § 1º e 567, ambos do Código de Processo Penal, em caso de incompetência relativa, o Juízo competente deve confirmar os atos decisórios proferidos, para que se revistam de legalidade. Doutrina. 3. Esta Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento de que a ratificação dos atos decisórios pelo Juízo competente não precisa ser expressa, admitindo-se que ocorra implicitamente, mediante a prolação de decisão que dê prosseguimento ao processo. [...]”. (5a Turma, AgRg-HC 479.729/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. em 06/12/2018, pub. no DJE 13/12/2018).

Recusada a incompetência, prosseguirá o feito regularmente no juízo.

Em se tratando de incompetência absoluta (incompetência em razão da matéria ou incompetênciaemrazãodapessoa),poderásersuscitadaporumadaspartesoureconhecidade ofício pela autoridade judiciária em qualquer fase processual, independentemente de exceção. Tambémserápermitidoaomagistrado,aqualquertempo,reconhecerasuaincompetência (art. 109do CPP)101

100 Art. 108 do CPP.Aexceção de incompetência do juízo poderá ser oposta, verbalmente ou por escrito, no prazo de defesa.

101 Art. 109 do CPP: Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-ános autos,haja ou não alegação da

141

8.2.1.3. Exceção de ilegitimidade de parte

A legitimidade ad causam se refere à capacidade que tem a parte de estar em juízo como autor (polo ativo – Titular do direito de ação) ou réu (polo passivo). Então, teremos, por exemplo, ilegitimidade ativa ad causam, se o órgão do Ministério Público oferecer denúncia por um crime de iniciativa privada. Do mesmo modo, caso um indivíduo seja denunciado por um crime que cometeu quando era menor de 18(dezoito) anos de idade, logo, penalmente inimputável, para fins penais considera-se a data do fato delituoso

A legitimidade ad processum diz respeito à capacidade que tem a parte de exercer direitos edeveres processuais.

A ilegitimidade de parte pode ser reconhecida de ofício pelo juiz a qualquer tempo, anulando-se ab initio todos os atos processuais, se ad causam (art. 564, inciso II, CPP). Sendo ad processum, por ilegitimidade do representante da parte, essa ilegitimidade poderá ser a todo tempo sanada, mediante ratificação dos atos processuais (art. 568, CPP).

Caso venha a ser objeto de arguição mediante exceção, por força do expresso no art. 110 do CPP, será observado, no que couber, o regramento estabelecido para a exceção de incompetênciadejuízo (item 8.2.1.2).

8.2.2. PEREMPTÓRIAS

8.2.2.1. Exceção de litispendência

Configurada a litispendência, isto é, a tramitação simultânea de duas ou mais ações, com idêntico fato criminoso (causa petendi) contra o mesmo réu, ele poderá manejar exceção própria, visando a extinguir as ações penais excedentes, observando-se, no que couber, o procedimento previsto para a exceção de incompetência de juízo (art. 110, caput, CPP), razão pelaqual remetemos o leitorparaoitem 8.2.1.2.

A procedência da exceção implicará na extinção do feito sem resolução do mérito, sujeitando-se a decisão ao recurso em sentido estrito (art. 581, inciso III, do CPP)102 .

Na hipótese de rejeição da exceção, tem-se a decisão com força de definitiva, irrecorrível, somente podendo ser atacada mediante habeas corpus, sob o argumento de falta de justa causa para a segunda ação penal (art. 648, I, CPP)103

Poroutrolado,nadaimpedeque,tratando-sedematériadeordempública,aexceçãopossa ser reconhecida pelo juiz, a qualquer tempo, de ofício ou mediante provocação de qualquer das partes, ou pelo órgão do Ministério Público (no caso da ação penal privada exclusiva ou personalíssima), independentemente da apresentação da exceção.

8.2.2.2. Exceção de coisa julgada

Cabível somente na coisa julgada material e em relação ao fato principal que tiver sido objeto de sentença.

A oposição da exceção se dará com o objetivo de evitar que se traga a julgamento questão já decidida definitivamente em um processo penal anterior.

O procedimento seguirá os moldes da exceção de incompetência de juízo, no que lhe for aplicável, razão pela qual remetemos o leitor para o item 8.2.1.2.

Se for acolhida, a exceção resultará na extinção do processo sem resolução de mérito, cuja decisão, com força de definitiva, desafia recurso em sentido estrito (art. 581, inciso III, CPP).

Se a exceção for negada, a decisão será irrecorrível, somente podendo ser combatida pela via do habeas corpus (art.648, I,CPP).

parte, prosseguindo-se na forma do artigo anterior.

102 Art.581doCPP:Caberárecurso,nosentidoestrito,dadecisão,despachoousentença:[...]III-quejulgarprocedentesasexceções, salvo a de suspeição; [...].

103 Art. 648 do CPP:Acoação considerar-se-á ilegal: I - quando não houver justa causa; [...].

142

Independentementedaapresentaçãodeexceção,ojuizpoderáreconheceraocorrênciada coisa julgada material, a todo tempo, de ofício ou mediante provocação de qualquer das partes ou do órgão do Ministério Público (no caso da ação penal privada exclusiva ou personalíssima) porsetratar dematériade ordem pública,tal como a litispendência.

8.3. INCOMPATIBILIDADES E IMPEDIMENTOS

O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários, os funcionários da justiça e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver incompatibilidade (art. 253, CPP) ou impedimento legal (art. 252, CPP), o que declararão nos autos.

Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser arguida pelas partes, processando-se na forma estabelecida para a exceção de suspeição (art. 112, CPP).

É de se registrar que o art. 3º-D do CPP, introduzido pela Lei nº 13.964/2019, foi declarado inconstitucionalpeloSupremoTribunalFederal,nojulgamentodasADI’snºs6.298,6.299,6.300 e 6.305, com acórdão publicado em 19 de dezembro de 2023104 .

8.4. CONFLITO DE COMPETÊNCIA

O art. 113 do CPP expressa que “As questões atinentes à competência resolver-se-ão não só pela exceção própria, como também pelo conflito positivo ou negativo de jurisdição”

Inobstante o Código de Processo Penal utilizar a nomenclatura “Conflito de Jurisdição”, tem-se, defato, situação de “Conflito de Competência” entre órgãos jurisdicionais.

Não há que se falar em conflito de competência após sentença transitada em julgado, proferida por um dos juízos conflitantes, nos termos do enunciado da Súmula 59/STJ.

De igual modo, inexiste conflito de competência quando houver hierarquia jurisdicional entre os órgãos,cabendo ao de maior graduação determinar a sua competência e, reconhecendo-a, avocar o processo que esteja tramitando no juízo subordinado hierarquicamente. (art. 117, CPP). Logo, não há conflito de competência entre:

a) o Supremo Tribunal Federal e outros Tribunais;

b) entre Tribunal e juiz a ele vinculado;

c) entre Tribunal de Justiça e Turma Recursal de Juizado Especial Criminal de um mesmo Estado.

8.4.1. PREVISÃO LEGAL

Arts. 113 a 117 do CPP.

8.4.2. PROCEDIMENTO

Tem-se o conflito de competência:

a) positivo: quando dois ou mais órgãos jurisdicionais se consideram competentes para o processo e julgamento da causa;

b) negativo: quando dois ou mais órgãos jurisdicionais se consideram incompetentes para o processo ejulgamento dacausa.

Igualmente, haverá conflito de competência quando houver controvérsia entre dois ou mais órgãos jurisdicionais sobre unidade de juízo, junção ou separação de processos, decorrentes de conexão ou continência.

O conflito se dará entre juízes, entre tribunais e entre juízes e tribunais.

104 STJ, 3ª Seção, CC nº 163.420/PR, Rel. Min. Joel Illan Paciornik, j. em 13/05/2020, pub. no DJe de 01/06/2020.

143

O incidente, nos moldes do art. 115 do CPP, será suscitado perante o tribunal competente, em forma de requerimento, pela parte interessada, pelo órgão do Ministério Público junto a qualquer dos juízos em dissídio, ou, por intermédio de representação, por qualquer dos juízes ou tribunais em causa, com exposição escrita dos fundamentos e juntada de documentos comprobatórios.

Tratando-se de conflito de competência negativo, os juízes e tribunais poderão suscitá-los nos próprios autos doprocesso.

Distribuído o feito, se o conflito de competência for positivo, o relator poderá determinar imediatamente que se suspenda o andamento do processo. Expedida ou não a ordem de suspensão, requisitará informações às autoridades em conflito, no prazo que determinar, remetendo-lhes cópia do requerimento ou representação.

Recebidas as informações, e depois de ouvido o órgão do Ministério Público, o conflito de competência será decidido na primeira sessão, salvo se a instrução do feito depender de diligência.

Proferida a decisão, as cópias necessárias serão remetidas, para a sua execução, às autoridades contra as quais tiver sido levantado o conflito ou que o houverem suscitado.

Há, inclusive, a possibilidade de declaração de um terceiro juízo alheio ao conflito instaurado como competentepara processamento e julgamento da ação penal105 .

Os conflitos de competência serão apreciados pelo:

ÓRGÃO JULGADOR

Supremo

Tribunal Federal

Superior Tribunal de Justiça

Tribunais Regionais Federais

Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal

HIPÓTESES

Entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal (art. 102, I, alínea “o”, CF)

Entre quaisquer tribunais, ressalvada a competência do STF, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos (art. 105, I, alínea “d”, CF)

Entre juízes federais vinculados ao Tribunal (art. 108, I, alínea “e”, CF), e, ainda, entre juizado especial federal e juízo federal sujeitos à jurisdição do mesmo TRF (Exegese da Súmula 428/STJ)

Entre juízes de direito vinculados ao respectivo tribunal

8.5. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE ÓRGÃOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Quanto a divergências entre órgãos do Ministério Público não há que se falar em conflitode competência, mas em conflito deatribuições.

8.5.1.

CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES DENTRO DO MESMO MINISTÉRIO PÚBLICO

Seráresolvido:

a) Ministério Público Estadual: pelo Procurador-Geral de Justiça (art. 10, X, Lei nº 8.625/93);

b) Ministério Público Federal: Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério

105 STJ, 3ª Seção, CC nº 163.420/PR, Rel. Min. Joel Illan Paciornik, j. em 13/05/2020, pub. no DJe de 01/06/2020.

144

Público Federal (art. 62, VII, da Lei Complementar nº 75/1993);

c) Ministério Público Militar: Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério Público Militar (art. 136,VI, daLei Complementar nº 75/1993).

8.5.2. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE ÓRGÃOS DE RAMOS DIFERENTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO

Será resolvido pelo Procurador-Geral da República (art. 26, VII, da Lei Complementar nº 75/1993).

8.5.3.

CONFLITO

DE ATRIBUIÇÕES ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS DIVERSOS

Competência do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para dirimir conflito de atribuições entre órgãos de Ministérios Públicos diversos.

8.6.

RESTITUIÇÃO

DE COISAS APREENDIDAS

A apreensão recairá sobre coisas que se relacionem com a infração, encontradas na própria cena do crime por ocasião de diligências policiais (art. 6º, inciso II, CPP) ou em cumprimento de ordem judicial de busca e apreensão (art. 240, § 1º, CPP).

De igual modo, estarão sujeitos a apreensão os bens materiais obtidos diretamente com a prática delituosa (produto direto do crime), por exemplo: o aparelho de celular furtado.

Sob outro aspecto, não recairá apreensão sobre as coisas e valores adquiridos com os proventos da infração (produto indireto do crime), que serão sujeitos a medida assecuratória dosequestro (veritem 11.1.2).

As coisas apreendidas não poderão ser devolvidas ao proprietário enquanto interessarem à persecução penal, devendo acompanhar os autos do inquérito policial (art. 11, CPP).

Na fase judicial, deixando de interessar ao processo, serão, quando restituíveis, devolvidas ao proprietário, antes do trânsito em julgado da decisão (art.118, CPP).

8.6.1. PREVISÃO LEGAL

Arts. 118a124 do CPP.

8.6.2. PROCEDIMENTO

A restituição, quando cabível, far-se-á pela autoridade policial ou judiciária, ouvido o órgão do Ministério Público (art. 120, § 3º, CPP), conforme o caso.

8.6.2.1. Pedido de restituição de coisas apreendidas

(1)

Autoridadepolicial

À luz do disposto no art. 120 do CPP, a restituição do bem se dará pela autoridade policial nafase de inquérito policial, quando:

• não tenhasido apreendido em poder de terceiro de boa-fé; e

• inexistirem dúvidas quanto ao direito do reclamante.

A formalização da devolução se fará mediante termo nos próprios autos do procedimento inquisitorial.

145

(2) Autoridade judiciária

Inexistindo dúvida quanto ao direito do reclamante, a formalização será feita mediante termo nos autos da ação penal (art. 120, caput, CPP).

8.6.2.1. Procedimento incidental derestituição decoisas apreendidas

O procedimento incidental de restituição de coisas apreendidos, nos moldes do art. 120, §§ 1º e 2º do CPP, será instaurado se:

a) duvidoso o direito do requerente, sendo-lhe assinalado o prazo de 05 (cinco) dias para fazer prova desuas alegações (art. 120, § 1º,CPP);

b) as coisas tiverem sido apreendidas em poder de terceiro de boa-fé, que será intimado para alegar e provar o seu direito, em prazo igual e sucessivo ao do reclamante, tendo um e outro 02 (dois) dias para arrazoar. Quando o requerente for o terceiro de boa-fé, deverá o acusado ser intimado para se pronunciar sobre o pleito (art. 120, § 2º, CPP).

Realizada a instrução, o juiz decidirá:

a) pela devolução do bem ao reclamante, quando demonstrado o seu direito;

b) não comprovada a propriedade do bem, pelo indeferimento do pedido de restituição, sendo cabível recurso de apelação (art. 593, inciso II, CPP);

c) persistindo dúvidas sobre quem seja o verdadeiro dono, havendo necessidade de dilação probatória complexa, pela remessa da discussão para a esfera cível, ordenando odepósitodas coisasemmãosdedepositáriooudopróprioterceiro queas detinha, se forpessoa idônea;

Éde se ressaltar que se os bens apreendidos forem facilmente deterioráveis, serão avaliados e levados a leilão público, depositando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao terceiro que os detinha, se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade (art. 120, § 5º, CPP).

8.6.3. DESTINAÇÃO PROVISÓRIA DOS BENS APREENDIDOS

O art. 133-A do CPP, inserido pela Lei nº 13.964/2019, expressa a possibilidade, mediante autorização judicial e constatado o interesse público, da utilização pelos órgãos de segurança pública (art. 144, CF), do sistema prisional, do sistema socioeducativo, da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícia, para o desempenho de suas atividades, do bem sequestrado, apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória, priorizando-se a destinação ao que tiver participado das ações de investigação ou repressão da infração que ensejou a constrição do bem.

É possível, ainda, demonstrado o interesse público, a autorização do uso do bem ser concedidaa outros órgãos públicos, respeitadaa prioridade antes mencionada.

Na hipótese de ser veículo, embarcação ou aeronave, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao órgão de registro e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento em favor do órgão público beneficiário, o qual estará isento do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores à disponibilização do bem para a sua utilização, os quais deverão ser cobrados de seu responsável.

8.6.4. BENS IRRESTITUÍVEIS

Nos termos do art. 119 do CPP, salvo eventual direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, são bens irrestituíveis, mesmo após o trânsito em julgado da decisão:

a) os instrumentos do crime, que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fatoilícito(art. 91,inciso II, alínea “a”, CPP);

146

b) o produto do crime (produto direto do crime) ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (produto indireto do crime) (art. 91,inciso II,alínea “b”,CPP).

8.6.5. DESTINAÇÃO FINAL DOS BENS NÃO RESTITUÍDOS

Transitada em julgado a sentença, os bens apreendidos e não restituídos aos legítimos proprietários terão a seguinte destinação, conforme a situação:

(1) Bens irrestituíveis, perdidos em favorda União (art. 91,inciso II,CP):

a) Os instrumentos do crime, que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, serão inutilizados ou, se houver interesse na conservação, recolhido(s) a museu criminal, nos termos do art. 124 do CPP.

No entanto, a Lei nº 10.826/2003 (Lei do Desarmamento) prevê, em seu art. 25, o encaminhamento pelo juiz das armas de fogo apreendidas, quando não mais interessarem àpersecução penal, após confecção do laudo pericial e sua juntada aos autos, ao Comando doExército para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas,na forma regulamentar. Posteriormente, será remetida ao juízo a relação das armas a seremdoadas para que determineoseuperdimento em favor da instituição beneficiada.

Com relação às armas de fogo e munições apreendidas em decorrência de tráfico de drogasde abuso, ou de qualquer forma utilizadas em atividades ilícitas de produção ou comercializaçãode drogas abusivas, ou, ainda, que tenham sido adquiridas com recursos provenientes do tráficode drogas de abuso, perdidas em favor da União e encaminhadas para o Comando do Exército devem ser, após perícia ou vistoria que atestem seu bom estado, destinadas com prioridade paraos órgãos de segurança pública e do sistema penitenciário da unidade da federação responsável pela apreensão (Art. 25, § 1º-A, incluído pela Lei nº 13.886/2019);

b) O produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso: o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, determinará a avaliação e a venda em leilão público, sendo o dinheiro apurado, depois de descontado o que couber ao lesado ou ao terceiro de boa-fé, recolhido ao Tesouro Nacional, especialmente ao Fundo Penitenciário Nacional, exceto se houver previsão diversa em lei especial (art. 121 c/c art. 133, ambos do CPP);

c) Se a coisa apreendida estiver sendo utilizada por órgão público, o juiz poderá determinar a transferência definitiva para o beneficiado da propriedade do bem (art. 133-A, §4º, CPP);

d) Na hipótese de decretação de perdimento de obras de arte ou de outros bens de relevante valor cultural ou artístico, se o crime não tiver vítima determinada, poderá haver destinação dos bens a museus públicos (art. 124-A do CPP, acrescentado pela Lei nº13.964/2019);

e) No crime de reprodução de obra com violação de direito autoral, na sentença condenatória, o juiz determinará a destruição dos bens ilicitamente produzidos ou reproduzidoseoperdimentodosequipamentosapreendidos, desdequeprecipuamente destinados à produção e reprodução dos bens, em favor da Fazenda Nacional, que deverá destruí-los ou doá-los aos Estados, Municípios e Distrito Federal, a instituições públicas de ensino e pesquisa ou de assistência social, bem como incorporá-los, por economiaouinteressepúblico,aopatrimôniodaUnião,osquaisnãopoderãoretornálos aos canais de comércio (art. 530-G, CPP).

147

(2) Bens não reclamados pelos proprietários

Decorridos 90(noventa) dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença (condenatória ou absolutória), sem que tenham sido os objetos apreendidos reclamados pelos proprietários, o juiz decretará a perda dos bens em favor da União, providenciando-se a venda em leilão, depositando o valor apurado à disposição do juízo de ausentes, na forma disposta no art. 123 do CPP.

(3) Bens não restituídos por falta de comparecimento pessoal do acusado

O art. 4º, § 3º da Lei nº 9.613/98 (Lei de lavagem e ocultação de bens, direitos e valores), preceitua que os bens apreendidos em razão dos crimes nela previstos somente poderão ser restituídos com o comparecimento pessoal do acusado ou interposta pessoa, devendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores.

No mesmo sentido, é a determinação contida no art. 63-A da Lei nº 11.343/2006, incluído pela Lei nº 13.840/2019, que impõe o comparecimento pessoal do acusado como condição para conhecimento do pedido de restituição.

Não preenchida a exigência, qualquer pedido de restituição não será conhecido, seguindoseconforme mencionado naletra anterior.

8.6.5.1. Alienação dos bens não restituídos

A alienação dos bens não restituídos se dará por meio de leilão público, seguindo as regras estabelecidas no art. 133 do CPP, conforme previsão do art.122 do mesmo Código.

8.7. INCIDENTE DE FALSIDADE

DOCUMENTAL

O Incidente de falsidade documental tem por objetivo a apuração da autenticidade, material ou ideológica,de documento constante dos autos.

Não se trata aqui de documento que constitua objeto material do crime que, obrigatoriamente, deverá ser submetido a exame pericial para fins de comprovação da materialidade do delito, por exemplo, nos crimes de falsidade de documento público (art. 297, CPP) ou de documento particular (art. 298, CP), falsidade ideológica (art. 299, CP), dentre outros.

A propósito, considera-se como documento tudo aquilo capaz de retratar determinada situação fática, ainda que o seja por meio de áudio ou vídeo106

8.7.1. PREVISÃO LEGAL

Arts. 145a148 do CPP.

8.7.2. LEGITIMIDADE

Possuem legitimidade para arguir o incidente:

a) ojuiz, de ofício; ou

b) atendendo a requerimento do Ministério Público, do assistente de acusação, do querelanteou da defesa.

Quando a falsidade for suscitada por procurador, exige-se instrumento de mandato com poderes especiais paratal objetivo (art. 147,CPP).

106 AVENA, Noberto Claúdio Pâncaro. Op. cit., p. 437.

148

8.7.3. MOMENTO

O incidente de falsidade documental somente poderá ser proposto na fase processual, excluídaa recursal.

8.7.4.

PROCEDIMENTO

Na forma do art. 145 do CPP:

Suscitado o incidente, por escrito, ou instaurado de ofício pelo juiz, será autuado em apartado à ação penal

Intimação da parte adversa para, no prazo de 48(quarenta e oito) horas, oferecer resposta

Apresentada ou não a resposta, será concedido o prazo de 03(três) dias, sucessivamente, a cada uma das partes, para prova de suas alegações

Conclusos os autos, se for o caso, o juiz poderá ordenar as diligências que considerar necessárias para formação do seu convencimento

Em seguida, o juiz decidirá o incidente e, em reconhecendo a falsidade, após o trânsito em julgado da decisão, mandará desentranhar o documento e remetê-lo, com os autos do procedimento, ao órgão do Ministério Público para as providências que entender cabíveis

Da decisão caberá recurso em sentido estrito, previsto no art. 581, inciso XVIII, do CPP. A decisão do procedimento incidental não fará coisa julgada em prejuízo de ulterior processo penal ou civil em que se apure a responsabilidade penal ou civil pela falsidade, consoanteprevêo art. 148doCPP.

Nesse sentido, por exemplo, caso reconhecida a falsidade do documento por decisão irrecorrível e, após o encaminhamento dos autos ao órgão do Ministério Público, este entenda de oferecer denúncia, poderá ocorrer que, diante de novas provas produzidas na instrução criminaldessaaçãopenal,odocumentovenhaasertidocomoverdadeiro.Nãohaveránenhuma vinculação com a decisão proferida no incidente de falsidade.

Inexiste previsão legal de suspensão do curso do processo penal em razão de eventual incidentede falsidade documental.

8.8. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO

O incidente de insanidade mental tem a finalidade de verificar o grau de integridade mental do acusado tanto ao tempo do crime, quanto à contemporaneidade do exame.

8.8.1.

PREVISÃO LEGAL

Arts. 149 a 154 do CPP.

149

8.8.2. INICIATIVA

O juiz ordenará a realização do exame:

a) de ofício;

b) a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão oucônjuge doacusado; ou

c) se no curso do inquérito policial, mediante representação da autoridade policial.

8.8.3. MOMENTO PARA EXAME

Na fase de inquérito policial, durante o curso da ação penal ou mesmo em sede de execução penal107

8.8.4. PROCEDIMENTO

Oincidente será processado em autos apartados e somente após a apresentação do laudo pericial apensado ao processo principal.

Determinado o exame, o juiz nomeará curador ao acusado, ficando o processo suspenso, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento. Na fase de inquérito policial, não haverá suspensão do procedimento, prosseguindosenormalmente com as investigações.

Por outro lado, inexistindo previsão legal, não ocorre a suspensão do curso do prazo prescricional.

Para a realização do exame, o acusado, se estiver preso será internado em manicômio judiciário, onde houver.

Se estiver solto, e o requererem os peritos, será recolhido em estabelecimento adequado queo juizdesignar.

O exame não durará mais de 45 (quarenta e cinco) dias, salvo se os peritos demonstrarem necessidade de um maior prazo, podendo o juiz, se não houver prejuízo para o curso do processo, autorizar que lhes sejam entregues os autos, para facilitar o exame.

8.8.5. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

Se os peritos concluírem que:

a) o acusado era, ao tempo da infração, inimputável, nos termos do art. 26, caput do CP108,o processo prosseguirá, com a presença do curador (art. 151, CPP).

Ao final da ação penal, comprovando-se a materialidade, autoria e ilicitude do fato penalmente típico109, será absolvido, porém como consequência jurídica do crime, sofrerá imposição de medida de segurança (art.386, parágrafo único, inciso III, CPP);

b) a doença mental sobreveio à infração, o processo continuará suspenso até que o acusado se restabeleça, observado o art. 149, § 2º do CPP110 (art. 152, CPP).

107 Art.183 daLeinº7.210/84: Quando, no curso da execução dapena privativa de liberdade, sobrevierdoença mental ou perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança.

108 Art. 26 do CP: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

109 REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 474.

110 CPP, art. 149: [...] § 2o O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já inicia- da a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.

150

O juiz poderá, ainda, ordenar a internação do acusado em manicômio judiciário ou em outro estabelecimento adequado. Ademais, o art. 319, inciso VII do CPP, estabelece, como medida cautelar pessoal diversa da prisão, a possibilidade de decretação de internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração.

O processo retomará o seu curso, desde que se restabeleça o acusado, ficando-lhe assegurada a faculdade de reinquirir as testemunhas que houverem prestado depoimento sem asua presença.

Nesse caso, o curso do prazo prescricional não sofrerá qualquer suspensão visto que, diante da falta de previsão legal, não se poderá interpretar referido dispositivo de forma desfavorável aoréu.

151
152

Sujeitos do Processo Penal 9

9.1.

JUIZ

É o titular da função jurisdicional, recebendo várias designações, a depender da hierarquia jurisdicional do órgão em que desempenha suas funções:

a) 1ª instância ou Turma Recursal de Juizado Especial: juiz;

b) 2ª instância: desembargador;

c) Tribunais Superiores: ministro.

Não confundir o juiz (a pessoa), o órgão jurisdicional (o Estado na pessoa do juiz) e o juízo (órgão judiciário).

9.1.1. FUNÇÕES

O juiz exerce no processo não somente funções jurisdicionais, mas também de caráter administrativo.

Nesse sentido, por exemplo, dispondo sobre o exercício de função administrativa pelo juiz togado, preceitua o art. 251 do CPP: “Ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública”.

9.1.2. IMPEDIMENTO, SUSPEIÇÃO E INCOMPATIBILIDADE

Exige-se do juiz uma atuação jurisdicional imparcial e para que se assegure a indispensável posição de equidistância das partes integrantes da relação processual, oordenamento jurídico nacional prevê circunstâncias que, umavez presentes, por presunção, torna-o impossibilitado defuncionar no feito.

Assim, temos as hipóteses de:

(1) Impedimento (art. 252, CPP). O juiznão poderá exercerjurisdição quando:

a) tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;

b) ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;

c) tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;

d) elepróprioouseucônjugeouparente,consanguíneoouafimemlinharetaoucolateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito;

(2) Incompatibilidade (art. 253, CPP), que leva à inconciliabilidade entre juízes do mesmoórgãojurisdicional coletivo:

Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive.

153

(3) Suspeição (art. 254, CPP), que se refere ao ânimo subjetivo do juiz em relação às partes:

a) se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

b) se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

c) se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentardemandaouresponderaprocessoquetenhadeserjulgadoporqualquerdas partes;

d) setiver aconselhado qualquer das partes;

e) sefor credorou devedor, tutoroucurador, de qualquer das partes;

f) se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

O impedimento, a incompatibilidade e a suspeição decorrentes de parentesco por afinidade cessarão pela dissolução do casamento que lhe tiver dado causa, salvo sobrevindo descendentes; mas, ainda que dissolvido o casamento sem descendentes, não funcionará como juiz o sogro, o padrasto, ocunhado, ogenroouenteadodequemforparte noprocesso (art.255,CPP).

Se o juiz não reconhecer voluntariamente o impedimento, suspeição ou incompatibilidade, afastando-sedoprocesso,poderáserrecusadoporqualquerdaspartes, medianteaarguiçãoda exceção própria (ver itens 8.2.1.1 e 8.3). A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida,quandoaparteinjuriarojuizou,depropósito, dermotivo paracriá-la.

Ressalte-se que, embora inexistente previsão na lei processual penal, o juiz poderá se considerar suspeito por motivo de foro íntimo, na forma contida no art. 145, § 1º do CPC.

9.2. MINISTÉRIO PÚBLICO

No processo penal, o órgão do Ministério Público poderá atuar na condição de autor, interveniente adesivo obrigatório (ação penal privada subsidiária da pública) ou fiscal da lei (custos legis).

O art. 258 do CPP impõe ao órgão do Ministério Público, no que lhe for aplicável, as mesmas causas de suspeição ou impedimento dos juízes, vedando, ainda, que intervenha nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive.

Arguida a suspeição ou impedimento do órgão do Ministério Público, o juiz, depois de ouvi-lo, decidirá, sem recurso, podendo antes admitir a produção de provas no prazo de 03 (três)dias, nos termos doart. 104do CPP.

9.3.

ACUSADO

É o sujeito passivo da ação penal, o réu.

A impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou com outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física. A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença, se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação, por termo, nos autos, sem prejuízo da validade dos atos precedentes. (art. 259,CPP).

9.3.1.

IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL

O art. 5º, inciso LVIII da Constituição Federal, assegura que o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.

154

In casu, a Lei nº 12.037/2009, em seu art. 3º, prevê a submissão à identificação criminal nas seguintes hipóteses:

a) o documento de identificação apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

b) o documento de identificação apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

c) o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entresi;

d) a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

e) constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

f) o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento de identificação apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

Ascópiasdosdocumentosapresentadosdeverãoserjuntadasaosautosdoinquéritooude outra forma de investigação, ainda que consideradas insuficientes para identificar o indiciado. Havendo necessidade de identificação criminal, esta incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação, devendo a autoridade encarregada tomar as providências necessárias para evitar constrangimento ao identificado.

É vedado mencionar a identificação criminal do indiciado em atestados de antecedentes ouem informações não destinadas ao juízo criminal, antes dotrânsito em julgado da sentença condenatória.

No caso de não oferecimento da denúncia, ou de sua rejeição, ou absolvição, é facultado ao indiciado ou ao réu, após o arquivamento definitivo do inquérito, ou o trânsito em julgado da sentença, requerer a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou do processo, desde que apresenteprovas desuaidentificação civil.

9.3.2. BANCO DE DADOS DE PERFIL GENÉTICO

Na hipótese de a identificação criminal ser essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, a qual decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa, poderá ser incluída a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.

A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento expedido pelo Poder Executivo.

9.3.2.1. Formação do banco dedados

Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.

As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais einternacionaissobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.

Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos do previsto na Lei nº 12.037/2009 ou em decisão judicial.

Asinformações obtidas apartir da coincidência de perfis genéticos deverãoser consignadas

155

em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.

9.3.2.2. Exclusão do perfil genético do banco de dados

A Lei nº 13.964/2019, dando nova redação ao art. 7º-A da Lei nº 12.037/2009, estabelece que a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá:

a) no caso de absolvição do acusado; ou

b) no caso de condenação do acusado, mediante requerimento, após decorridos 20 (vinte) anos do cumprimento da pena.

9.3.3. BANCO NACIONAL MULTIBIOMÉTRICO E DE IMPRESSÕES DIGITAIS

A Lei nº 13.964/2019 incluiu o art. 7º-C na Lei nº 12.037/2009, para autorizar a criação, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais, prevendo em seus parágrafos que:

a) a formação, gestão e acesso serão regulamentados em ato do Poder Executivo federal;

b) o seu objetivo é armazenar dados de registros biométricos, de impressões digitais e, quando possível, de íris, face e voz, para subsidiar investigações criminais federais, estaduais ou distritais;

c) será integrado pelos registros biométricos, de impressões digitais, de íris, face e voz colhidos em investigações criminais ou por ocasião da identificação criminal;

d) poderão ser colhidos os registros biométricos, de impressões digitais, de íris, face e voz dos presos provisórios ou definitivos quando não tiverem sido extraídos por ocasião da identificação criminal;

e) poderão integrá-lo, ou com ele interoperar, os dados de registros constantes em quaisquer bancos de dados geridos por órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário das esferas federal, estadual e distrital, inclusive pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelos Institutos de Identificação Civil;

f) no caso de bancos de dados de identificação de natureza civil, administrativa ou eleitoral, a integração ou o compartilhamento dos seus registros será limitadoàs impressões digitais e às informações necessárias para identificação do seu titular;

g) a integração ou a interoperação dos dados de registros multibiométricos constantes de outros bancos de dados ocorrerá por meio de acordo ou convênio com a unidade gestora;

h) os seus dados constantes terão caráter sigiloso, e aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial responderá civil, penal e administrativamente;

i) as informações obtidas a partir da coincidência de registros biométricos relacionados a crimes deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial habilitado;

j) é vedada a comercialização, total ou parcial, da sua base de dados;

k) a autoridade policial e o Ministério Público poderão requerer ao juiz competente, no caso deinquérito ou ação penal instaurados, oacesso ao bando de dados.

9.3.4. INCONSTITUCIONALIDADE DA CONDUÇÃO COERCITIVA DO ACUSADO

Não obstante o art. 260 do CPP prever que se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado,

156

a autoridade poderá mandar determinar sua condução coercitiva à sua presença, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADPF’s 395 e 444, concluiu por pronunciar a não recepção daexpressão ‘para o interrogatório’,constantedoart.260doCPP,edeclararaincompatibilidade coma Constituição Federaldaconduçãocoercitivadeinvestigadosouderéusparainterrogatório.

Assim, descabe condução coercitiva do investigado ou acusado para interrogatório.

9.4. DEFENSOR

A presença do defensor (constituído pelo próprio réu ou nomeado pela autoridade judiciária) é imprescindível para o regular processamento da ação penal, sob pena de nulidade absoluta(art. 564,inciso III, alínea “c”doCPP).

Trata-se de uma garantia irrenunciável.

A constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório (art. 266, CPP).

Ao acusado é conferido o direito de indicar seu defensor, somente cabendo a nomeação pelo juiz, subsidiariamente, na hipótese de abandono do processo pelo advogado constituído e desde que o acusado permaneça inerte, após ser instado a constituir novo causídico, ou não venha a ser localizado. A todo tempo, entretanto, poderá apontar outro de sua confiança ou atuar em causa própria, caso tenha habilitação (art. 263, caput, CPP).

O Estado, por dever constitucional (art. 5º, LXXIV, CF), deverá colocar à disposição do acusado,quenãopossacontratarumadvogadoporinsuficiênciaderecursosfinanceiros,assistência jurídica integral e gratuita, e o faz por intermédio das Defensorias Públicas (art. 134, CF). Nesse caso,dispensa-seinstrumentodomandatoescrito(art.16,parágrafoúnico,Leinº1.060/50).

O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de responder por infração disciplinar perante o órgão correicional competente (art. 265, caput,CPP).

Sob outro aspecto, em caso de nomeação pelo juiz de defensor dativo particular, este não poderá recursar o múnus, salvo motivo relevante, sob pena de não apenas descumprir o preceito do art. 264 do CPP, mas por incorrer em infração disciplinar prevista no art. 34, inciso XII da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia). Fará jus, porém, a honorários fixados pelo juiz e arcados pelo Estado, na forma do art. 22, § 1º da Lei nº 8.906/94, ou, se o acusado não for hipossuficiente, a ser por este pago (art. 263, parágrafo único, CPP).

A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer, devendo provar o impedimento até a abertura do ato. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou somente para o ato (nomeação ad hoc) (art. 265, §§ 1º e 2º, CPP).

Em certos casos, por exigência legal, o defensor precisará de poderes especiais para prática de alguns atos, v.g.:

a) aceitar o perdão (arts. 55 e 59, CPP);

b) propor exceção de suspeição (art. 98, CPP);

c) propor incidente de falsidade documental (art. 146, CPP);

d) ofertar queixa crime, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal (art. 44, CPP).

Além do mais, não funcionarão como defensores os parentes do juiz do feito111

111 Art. 252 do CPP: O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consan- guíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; [...].

157

O ofendido, na ação penal, poderá assumir as seguintes posições jurídicas:

a) meramente a vítima da infração penal;

b) assistente de acusação;

c)autor (querelante).

9.5.1. VÍTIMA

É o sujeito passivo da infração penal.

Nessa condição, nos termos do art. 201 do Código de Processo Penal, fará jus:

a) ao recebimento de comunicações sobre atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, a designação da data da audiência e a sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem;

b) a ficar em espaço separado do acusado, antes do início da audiência e durante a sua realização;

c) a encaminhamento para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado, quando necessário;

d) a ter preservada sua intimidade, vida privada, honra e imagem, inclusive, mediante determinação de segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.

Por outro lado, poderá:

a) ser submetida a exame de corpo de delito para fins de comprovação da materialidade dofato delituoso (art. 158, CPP);

b) requerer a instauração de inquérito policial (art. 5º, inciso II, §§ 4º e 5º, CPP);

c) ser ouvida na fase investigativa e/ou judicial (arts. 6º, inciso IV e 201, ambos do CPP);

d) ser submetida a acareação (art. 229, CPP);

e) requerer diligência durante o curso do inquérito policial, cuja realização ficará ao critério do seu presidente(art. 14, CPP);

f) oferecer queixa-crime, propondo a ação penal de iniciativa privada (arts. 29 e 30, ambos doCPP);

g) na ação penal de iniciativa pública, se habilitar como assistente de acusação (art. 268, CPP);

h) requerer medidas cautelares de ordem patrimonial (arts. 127 e 134, ambos do CPP).

9.5.2. ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO

9.5.2.1. Legitimidade

Possui legitimidade para se habilitar na ação penal de iniciativa pública como assistente de acusação, nos termos do art. 268 do CPP, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer dos sucessores processuais estabelecidos no art. 31 do mesmo diploma legal.

158
9.5. OFENDIDO

Excepcionalmente, conforme autorização legal própria, poderão atuar como assistente:

a) A Comissão de Valores Mobiliários - CVM, quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa Autarquia, e do Banco Central do Brasil quando, fora daquela hipótese, houver sido cometido na órbita de atividadesujeitaàsuadisciplinaefiscalização(art.26,parágrafoúnico,Leinº7.492/86);

b) As entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pela Lei nº 8.07890 (Código de Defesa do Consumidor), e as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pela mesma lei, dispensada a autorização assemblear, no processo penal atinente aos crimes previstos no CDC, bem como a outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo. Serlhe-ás assegurada a faculdade de propor ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazolegal (art. 80 da Lei nº 8.078/90);

c) As associações de titulares de direitos de autor e os que lhes são conexos poderão, em seu próprio nome, nos crimes de violação de direito autoral, previstos no art. 184 do Código Penal, quando praticado em detrimento de qualquer de seus associados (Art. 530-H do CPP).

Por fim, veda-se ao corréu no mesmo processo atuar como assistente.

9.5.2.2. Procedimento de habilitação

A admissão do assistente de acusação se dará mediante requerimento formulado ao juiz do processo, o qual, ouvido o órgão do Ministério Público, decidirá sobre a pretensão, descabendo recurso, devendo, entretanto, constar dos autoso pedidoe adecisão.

O ingresso do assistente na causa será possível, desde o recebimento da denúncia e enquanto não passar em julgado a sentença, recebendo-a no estado em que se achar.

NoscrimesdecompetênciadoTribunaldoJúri,casopretendaatuaremplenárioenãoesteja habilitadonoprocesso, deverárequerê-lacom 05(cinco)diasdeantecedência(art.430,CPP).

9.5.2.3. Atuação processual

Na condição de assistente do Ministério Público, por intermédio de advogado, nos termos doart. 271do CPP, ser-lhe-ápermitido:

a) propor meios de prova, se tempestivo, porquanto receberá a causa no estado em que seachar;

b) perguntar às testemunhas;

c) aditar as alegações finais do Ministério Público;

d) participar do debate oral;

e) requerer prisão preventiva (art. 311, CPP);

f) arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público;

g) contrarrazoar os recursos apresentados pela defesa;

h) apresentar recurso em sentido estrito contra decisão que julgar extinta a punibilidade (arts. 584, § 1º c/c 581, VIII, CPP) ou impronunciar o réu (art. 584, § 1º, CPP);

i) apelar, supletivamente, nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, ainda que não se tenha habilitado como assistente, que não terá, porém, efeito suspensivo (art. 598, CPP);

159

j) recorrer extraordinariamente contra acórdão proferido em sede de apelação ou de recurso em sentido estrito contra decisão extintiva de punibilidade. Nesse sentido, vejamos a Súmula nº 210 do STF: “O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1º e 598 do Código de Processo Penal” Pelos mesmos motivos, deve-se considerar a legitimidade parao recurso especial.

Antes de decidir acerca da realização de eventuais provas propostas pelo assistente, o juiz deveráouvirpreviamenteoMinistério Público.

O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente, quando este, intimado, deixar de comparecer a qualquer dos atos da instrução ou do julgamento, sem motivo de força maior devidamente comprovado.

9.5.3. QUERELANTE

O ofendido é o titular do direito de ação nas hipóteses de crimes de natureza privada, podendo propor a respectiva ação penal de iniciativa privada exclusiva ou personalíssima, conforme o caso, mediante oferecimento de queixa-crime (art. 30, CPP).

Igualmente, é parte legítima para propositura da ação penal de inciativa privada subsidiária da pública quando se verificar a inércia do Ministério Público (art. 29, CPP).

Em qualquer dos casos, como autor da ação penal, será considerado querelante, enquanto oacusado seráo querelado

Não se tratando de ação penal de iniciativa privada personalíssima, na hipótese de sua morteoudeclaraçãodeausênciapordecisãojudicial,poderãoprosseguirnaaçãopenalqualquer dos sucessores processuais, na forma do art. 31 do CPP (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão).

9.6. AUXILIARES DA JUSTIÇA

Aos serventuários da Justiça, peritos, intérpretes e tradutores aplicam-se as prescrições sobre suspeição dos juízes, no que couber, consoante previsto nos arts. 274 e 280 do CPP.

Eventual arguição da suspeição se dará nos moldes determinados no art. 105 do CPP.As partes não intervirão na nomeação do perito não oficial.

O perito estará sujeito à disciplina judiciária, não podendo recusar eventual nomeação realizada pela autoridade, salvo escusa atendível. Sujeitar-se-á ao pagamento de multa, quando, sem justa causa, provada imediatamente:

a) deixar de atender à intimação ou ao chamado da autoridade;

b) não comparecer no dia e local designados para o exame;

c) não der o laudo, ou concorrer para que a perícia nãoseja feita, nos prazos estabelecidos.

Ocorre, todavia, que, diante da desatualização da multa prevista no art. 277 do CPP, a sanção se tornainaplicável.

No caso de não-comparecimento, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a condução do perito.

Estarão impedidos de atuar como peritos:

a) os que estiverem sujeitos à interdição de direito mencionada atualmente no art. 47, incisos Ie IIdo Código Penal;

b) os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto da perícia;

160

c) os analfabetos e os menores de 21 anos.

Por força do art. 281 do CPP, os intérpretes e, extensivamente, os tradutores são, para todos os efeitos, equiparados aos peritos.

9.7. ENUNCIADOS DE SÚMULAS

9.7.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Súmula 208: O assistente do Ministério Público não pode recorrer, extraordinariamente, de decisão concessiva de habeas corpus.

Súmula 210: O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 do Cód. de Proc. Penal.

Súmula 523: No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

Súmula 568: A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado játenha sido identificado civilmente.

161

Comunicação dos Atos Processuais 10

A comunicação dos atos processuais se dará mediante citação ou intimação112, na forma descrita no presente capítulo.

10.1. CITAÇÃO

É o ato processual por meio do qual se dá ciência ao réu de uma ação penal contra ele ajuizada, chamando-o para sedefender.

Nos termos do art. 362, caput do CPP, a citação válida completa a formação do processo, como severá noitem 10.1.3.

10.1.1. FORMAS DE CITAÇÃO

Citação Real

Ficta

Mandato Carta

Requisição por ofício

Com hora certa

Por edital

De ordem

Precatória

Rogatória

10.1.1.1. Citação real

A citação real (ou pessoal) é aquela em que o réu é citado diretamente, conforme adiante exposto.

10.1.1.1.1. Citação por mandado

A forma prioritária de citação, quando o réu estiver no território sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado, é por mandado a ser cumprido pelo Oficial de Justiça, colhendo o cientedo citado.

O mandado deverá conter, como requisitos intrínsecos (art. 352, CPP):

a) o nome do juiz;

b) o nome do querelante nas ações iniciadas por queixa-crime;

c) o nome do réu, ou, se for desconhecido, os seus sinais característicos;

d) a residência do réu, se for conhecida;

e) o fim para que é feita a citação;

f) a subscrição do escrivão e a rubrica do juiz.

112 Abrange a notificação posto que o CPP não faz distinção entre ela e a intimação.

164

AhipóteseprevistanoincisoVIdoreferidoart.352( “o juízo e o lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer”) não tem mais aplicabilidade, já que, com a entrada em vigor das Lei nº 11.689/2008 e nº 11.719/2008, a citação passou a ser feita, em regra, para fins de apresentação de resposta escrita à acusação no prazo de dez dias (arts. 396 e 406, ambos do CPP).

Por sua vez, são requisitos extrínsecos do mandado os prescritos no art. 357 do CPP:

a) a leitura do mandado ao citando pelo oficial e a entrega da contrafé, na qual se mencionarão dia e hora da citação;

b) a declaração do oficial, na certidão, da entrega da contrafé, e sua aceitação ou recusa.

Por outro lado, verificando o oficial de justiça que o réu se oculta para não ser citado, certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, como se verá adiante.

Estando o réu preso, será pessoalmente citado no estabelecimento carcerário em que se encontrar recolhido.

O ato citatório poderá ocorrer em qualquer lugar em que o citando for encontrado, independentemente do dia e hora, desde que respeitadas as regras da inviolabilidade de domicílio, asseguradas no art. 5º, inciso XI da Constituição Federal.

O funcionário público será citado para apresentar resposta à acusação, sendo dispensada a providência de comunicação ao seu chefe, mencionada no art. 359 do CPP, anterior às modificações introduzidas pelas Leis nº 11.689/2008 e nº 11.719/2008.

O inimputável à época do crime será citado por intermédio da pessoa do curador (art. 151, CPP).Éoquesechama de citação imprópria

10.1.1.1.2. Citação por carta

Achando-se o réu, em lugar certo e sabido, porém fora do território de competência do juízo processante, a citação será feitapor:

(1) Carta Precatória

Se o réu residir no território nacional, todavia em localidade pertencente à jurisdição de outro juízo de igual graduação, será expedida carta precatória em que o juízo processante (juízo deprecante) solicita a realização da citação ao juízo destinatário (juízo deprecado).

De acordo com o art. 354 do CPP, a carta precatória deverá conter:

a) o juiz deprecado e o juiz deprecante;

b) a sede dajurisdição deum e de outro;

c) o fim para que é feita a citação, com todas as especificações.

Recebida a carta precatória, o juízo deprecado lançará o “cumpra-se” e expedirá mandado de citação para execução, nos mesmos moldes dos arts. 352 e 357 do CPP.

Cumprida a carta, independentemente de traslado, será devolvida ao juiz deprecante.

Acaso certificado pelo oficial de justiça que o réu se ocultou para não ser citado, o ato se realizará mediante citação por hora certa na forma do art. 362 do CPP. Executada a citação, será a carta devolvida ao juízo de origem.

Nada obsta que, antes da devolução da carta, aguarde-se a apresentação de resposta à acusação pelo citado, procedendo-se à juntada aos mesmos autos, e, em seguida, a remessa ao juízo deprecante.

Havendo urgência para o seu cumprimento, aplicando-se interpretação progressiva ao art. 356 do CPP, a precatória poderá ser expedida por meio eletrônico (Lei nº 11.419/2006).

Na hipótese em que se verificar que o réu se encontra em território sujeito à jurisdição de outro juiz, o juiz inicialmente deprecado àquele remeterá os autos para efetivação da diligência. É o denominado “caráter itinerante da carta precatória”.

165

(2) Carta de Ordem

Será expedida para citar réu que residir no território nacional, porém em local diverso da sede do Tribunal. Nesse caso, a denominada carta de ordem será remetida ao órgão jurisdicional de grau inferior a fim de que proceda ao ato citatório. No mais, serão observadas as disposições prescritas para a citação porcarta precatória, no quecouber.

(3) Carta Rogatória

Se o réu morar fora do território nacional, com endereço certo, exige-se expedição de carta rogatória ao país de residência daquele, suspendendo-se o prazo prescricional até a data da efetivação da comunicação processual no estrangeiro, tudo nos termos dos arts. 368 c/c 798, §5º, alínea “a”, ambos doCPP113 .

AcartarogatóriadeveserencaminhadaaoMinistériodaJustiça,quesolicitaráaoMinistério das Relações Exteriores a sua execução. Da pasta governamental, pela via diplomática, será enviada àJustiça rogada.

Tratando-se de citação em legações estrangeiras (Embaixadas e Consulados) localizadas no Brasil, cuidando-se de locais protegidos por Tratados e Convenções, o ato será realizado, igualmente, por meio de carta rogatória, porém sem que haja a suspensão do curso do prazo prescricional por falta de previsão no art. 369 do CPP.

Em síntese:

Carta rogatória

10.1.1.1.3. Citação por requisição

Citação de réu com endereço certo, fora do território nacional

Citação de réu em legação estrangeira

Suspensão da prescrição

Não suspende a prescrição

A citação mediante requisição se dará para o réu militar da ativa.

Nesse caso, por força do disposto no art. 358 do CPP, o ato far-se-á por intermédio do comandante da unidade militar em que ele trabalhar.

Não há necessidade de expedição de mandado, bastando que o expediente contenha os requisitos intrínsecos previstos no art. 352 doCPP.

Recebido o ofício, o comandante dará ciência do seu teor ao subordinado, comunicando aojuízo o cumprimento da requisição.

10.1.1.2. Citação Ficta

10.1.1.2.1. Citação com hora certa

Nos termos do art. 362 do Código de Processo Penal, verificando o oficial de justiça que o réu se oculta para não ser citado, certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 252 a 254 do CPC114

Essa citação ocorrerá quando, por 02(duas) vezes, o oficial de justiça houver procurado o citando em seu domicílio ou residência, sem o encontrar, havendo suspeita de sua ocultação.

113 “[...] O art.368,doCPP, embora sejaclaro ao estabelecera suspensão do prazo prescricional pela expedição decarta rogatóriaparacitaçãodoacusado no exterior, não épreciso quanto ao termo finalda referida suspensão, devendo ser interpretado de forma sistemática,comoart.798,§5º,"a",do CPP, bem como com a Súmula 710, do STF, voltando a correr o lapso prescricional da data da efetivação da comunicação processual no estrangeiro, ainda que haja demora para a juntada da carta rogatória cumprida aos autos. [...]”. (STJ, 5ª Turma, REsp 1882330/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. em 06/04/2021, pub. no DJe de 09/04/2021).

114 Art. 1.046, § 4º do CPC: As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado, existentes em outras leis, passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código.

166

Intimará, então, pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho, comunicando-lhe que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora designada.

Tratando-se de residência ou domicílio situado em condomínio ou loteamento com controle de acesso, será válida a intimação mencionada no parágrafo anterior a funcionário da portaria responsável pelo recebimento da correspondência.

No dia e hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à residência do citando, a fim de realizar a diligência. Se ele não estiver presente, o oficial procurará saber das razões da sua ausência, dando por feita a citação, aindaqueo citando tenha seocultado em outracomarca, seção ou subseção judiciárias.

A citação com hora certa será efetivada, mesmo que a pessoa da família ou o vizinho que houver sido intimado esteja ausente, ou se, embora presente, recuse a receber o mandado.

O oficial de justiça deixará contrafé da certidão da ocorrência com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.

Realizada a citação por hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria enviará ao réu, no prazo de 10(dez) dias, contado da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência eletrônica, dando-lhe ciência de tudo. Trata-se de providência indispensável àvalidação da citação por hora certa.

O parágrafo único do art. 362 do CPP impõe que, completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo. No caso, como exposto anteriormente, em regra, o réu não é citado para interrogatório, mas sim para oferecer resposta escrita à acusação, no prazo de 10(dez) dias. Desse modo, permanecendo omisso, ser-lhe-á nomeado defensor dativo para apresentá-la, nos termos do art. 396-A, § 2º do CPP.

10.1.1.2.2. Citação por edital

Éaformadecitaçãorealizadaquandooréunãoéencontradoparasercitadopessoalmente (art. 363, § 1ºdoCPP).

Ressalte-se que para sua realização é necessário o esgotamento prévio de todos os meios disponíveis para alocalização do acusado.

Oedital,comoprazode15(quinze)dias(art.361,CPP),seráafixadoàportadoedifícioonde funcionar o juízo e publicado pela imprensa, onde houver, devendo a afixação ser certificada pelo oficial que a tiver feito e a publicação provada por exemplar do jornal ou certidão do escrivão, da qual conste a página do jornal com a data da publicação (art. 363, parágrafo único, CPP).São os denominados requisitos extrínsecos da citação por edital

Poroutrolado, oedital, naformadoart. 365do CPP,deveráconter (requisitos intrínsecos):

a) o nome do juiz que determinar a citação;

b) o nome do réu, ou, se não for conhecido, os seus sinais característicos, bem como sua residência e profissão, se constarem do processo;

c) o fim para que é feita a citação, ou seja, o seu comparecimento (pessoalmente ou por advogado constituído) em juízo para tomar conhecimento da acusação e apresentar resposta à acusação;

d) oprazo,queserácontadododiadapublicaçãodoeditalnaimprensa,sehouver, ouda suaafixação.

Dispensa-se a transcrição integral no edital citatório da peça acusatória, consoante reconhecido pelo enunciado da Súmula nº 366 do STF: “Não é nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em quesebaseia”.

Escoadooprazoprevistonoedital,presume-se queoréutomouconhecimentodaexistência da ação penal e que lhe foi oportunizado, pelo prazo de 10(dez) dias, oferecer resposta escrita à acusação. A contagem do lapso temporal dar-se-á a partir do seu comparecimento pessoal em

167

juízooudoadvogadoquetenhaconstituído,consoanteart.396,parágrafoúnicodoCPP.

O não atendimento ao chamamento do edital, quer pelo não comparecimento do réu pessoalmente em juízo, quer pela ausência de constituição de advogado, impõe, por força do art. 366 do CPP, a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for cabível, decretar prisão preventiva, nos termos do art. 312doCPP.

Ressalte-se que a suspensão do curso do prazo prescricional não é indefinida, mas limitada ao período correspondente ao tempo para a prescrição aplicável ao crime objeto da ação penal. Esgotado esse tempo, o lapso prescricional voltará a fluir.

Para melhor compreensão, veja-se o exemplo: um determinado indivíduo foi acusado da prática de crime de furto simples, previsto no art. 155, caput do CP, com pena de reclusão, de 01(um) a 04(quatro) anos, e multa. Nesse caso, a prescrição da pretensão punitiva estatal ocorrerá em 08(oito) anos - art. 109, inciso IV, CP. Assim, o prazo prescricional ficará suspenso por até 08(oito) anos. Transcorrido o período, a prescrição começará a fluir.

Nessesentido,tem-seaSúmula415doSTJ: “Operíododesuspensãodoprazoprescricional éregulado pelo máximo da pena cominada”

Relativamente à produção antecipada das provas consideradas urgentes, ela somente será realizada em caráter excepcional, fundada na necessidade e naurgência, uma vez que não contarácomapresençadoréu,oqualsefarárepresentarpordefensornomeadopelaautoridade judiciáriapararesguardar o contraditório.

Portanto, a decretação da prisão preventiva somente se legitimará se estiverem presentes os motivos descritos no art. 312 do CPP, não sendo providência automática decorrente do não atendimento pelo acusado da citação por edital.

A qualquer tempo, comparecendo o acusado citado por edital, o processo observará o dispostonos arts. 394 eseguintes doCPP.

Em que pese ter sido o art. 363, inciso I do CPP revogado pela Lei nº 1.719/2008, admite-se a possibilidade da citação por edital do acusado que estiver em lugar inacessível, por analogia ao art. 256, inciso II do CPC115, consoante permissão contida no art. 3º do CPP, ou, pela própria disposição do art. 363, § 1º do CPP, que prevê a citação por edital quando o acusado não for encontrado.

10.1.2. CITAÇÃO INVÁLIDA

A falta de citação válida é causa de nulidade absoluta ab initio da ação penal (art. 564, inciso III, alínea “e”,CPP).

Eventualnulidadedacitação seráconsideradacomosanada, seoacusado comparecer ao processo, antes de o ato se consumar, ainda que o faça com o único objetivo de suscitá-la, nos moldesdoart.570doCPP, in verbis:“Afaltaouanulidadedacitação,daintimaçãoounotificação estarásanada,desdequeointeressadocompareça,antesdeoatoconsumar-se,emboradeclare que o faz para o único fim de argui-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quandoreconhecer que airregularidadepoderá prejudicar direitoda parte”.

Por sua vez, o ato pelo qual se julga nulo ou de nenhuma eficácia o ato citatório se chama “circundução”.Logo,quandoanulada,diz-sequehouve “citação circunduta”.

10.1.3. EFEITOS DA CITAÇÃO VÁLIDA

A citação válida completa a formação do processo (actum trium personarum), nos termos do art. 363 do CPP, abrindo-se a oportunidade para o réu apresentar resposta à acusação por meio de sua defesa técnica.

115 Art.256doCPC:Acitaçãoporeditalseráfeita:[...]II-quandoignorado,incertoouinacessívelolugaremqueseencontrarocitando;[...].

168

Uma vez citado, pessoalmente ou por hora certa, se não comparecer em juízo, deixando de apresentarrespostaescritaàacusação,ser-lhe-ánomeadopelojuizumdefensorparafuncionar na ação penal, prosseguindo-se em seus ulteriores termos.

De igual modo, passa a ter o ônus de comparecimento aos atos do processo e comunicação ao juízo de novo endereço em caso de mudança de residência, sob pena de o feito prosseguir sem que haja a necessidade de sua intimação para os atos processuais subsequentes, conforme previsãocontidanoart.367doCPP,queexpressa:“Oprocessoseguirásemapresençadoacusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou,nocaso demudança deresidência, nãocomunicar o novo endereço ao juízo”.

10.2. INTIMAÇÃO

Quanto às formas de comunicação dos atos processuais, a doutrina faz distinção entre intimação e notificação, considerando que esta é a comunicação para que se pratique conduta determinada, enquanto a primeira serve para cientificar um ato processual járealizado.

Todavia, o Código de Processo Penal somente faz menção à intimação, tratando-a como sinônimo de notificação.

Nas intimações dos acusados, das testemunhas e das demais pessoas que devam tomar conhecimento de qualquer ato processual, será observado o regime legal da citação, a teor do art. 370 doCPP, noquefor aplicável.

10.2.1.

INTIMAÇÃO AOS SUJEITOS PROCESSUAIS

(1) MembrodoMinistério Público

A intimação do membro do Ministério Público será sempre pessoal (art. 370, § 4º, CPP), mediante entrega dos autos com vista (art. 41, inciso IV da Lei nº 8.625/93).

(2) Querelante

A intimação do querelante se fará por intermédio de seu advogado, mediante publicação no Diário da Justiça, devendo o ato incluir o nome do acusado, sob pena de nulidade (art. 370, § 1º, CPP). A intimação pessoal, feita pelo escrivão, dispensará a publicação (art. 370, § 3º, CPP).

Inexistindo órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo (art. 370, § 2º, CPP).

(3) Acusado e advogado constituído

A intimação do acusado deverá ser feita pessoalmente, por mandado, aplicando-se subsidiariamente o art. 351 doCPP (art. 370, CPP).

Quanto ao advogado constituído, deverá ser intimado mediante publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nomedoacusado (art. 370, §1º, CPP).

A intimação pessoal, feita pelo escrivão, dispensará a publicação (art. 370, § 3º, CPP).

Inexistindo órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo (art. 370, § 2º, CPP).

Nos termos do art. 392 do CPP, na hipótese de sentença, a intimação será dada:

a) ao réu, pessoalmente, se estiver preso;

b) ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança116;

116 “[...]1.AmbasasTurmasquecompõema3ªSeçãodesteSodalíciofirmaramacompreensãodeque,emsetratandoderéusolto,é suficienteaintimação

169

c) ao defensor constituído pelo réu, se a infração for afiançável ou não e, sendo expedido o mandado de prisão, ele não tiver sido encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça;

d) mediante edital, nos casos da letra b, se o réu e o defensor que ele houver constituído não forem encontrados, e assim o certificar o oficial de justiça;

e) mediante edital, nos casos da letra c, se o defensor que o réu houver constituído também não for encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça;

f) mediante edital, se o réu, não tendo constituído defensor, não for encontrado, e assim o certificarooficial dejustiça.

O prazo do edital será de 90(noventa) dias, se tiver sido imposta pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 01(um) ano, e de 60(sessenta) dias, nos outros casos. (art. 392, § 1º, CPP).

Para apelação, o prazo correrá após o término do fixado no edital, salvo se, no curso deste, forfeitaaintimaçãoporqualquerdasoutrasformasestabelecidasnesteartigo(art.392,§2º,CPP).

Relativamente à intimação da decisão de pronúncia, a teor do art. 420 do CPP:

e) pessoalmente ao acusado;

f) Se o acusado estiver solto e não for encontrado, mediante edital, com prazo de 15(quinze) dias (art. 361 do CPP), contados a partir da sua publicação117 . Esgotados os 15(quinze) dias, começará a fluir o prazo para o recurso em sentido estrito contra a decisão(art.581, inciso IV, CPP);

g) ao defensor constituído, mediante publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado (art. 370, § 1º, CPP). A intimação pessoal, feita pelo escrivão, dispensará a publicação (art. 370, § 3º, CPP). Caso inexista dito órgão, a intimação far-se-á pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo.

(5) Advogado do querelante e do assistente

Por intermédio de publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado (art. 370, § 1º, CPP). A intimação pessoal, feita pelo escrivão, dispensará a publicação (art. 370, § 3º, CPP).

Inexistindo órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo (art. 370, § 2º, CPP).

(6) Defensor dativo (nomeado pelo juiz)

A intimação do defensor nomeado será pessoal (art. 370, § 4º, CPP)118 .

(7) Defensor público

O Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, tem a prerrogativa de ser intimado pessoalmentedetodososatosdoprocesso,emambasasInstâncias,medianteentregadosautos com vista, contando-se-lhe em dobro todos os prazos, conforme previsto no art. 5º, § 5º da Lei nº1.060/50119 e art. 44, inciso IdaLC nº80/94120 de seu advogado acerca da sentença condenatória, procedimento que garante a observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes. [...]”. (STJ; AgRg-AREsp 1.507.696; Proc. 2019/0151335-9; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Jorge Mussi; Julg. 08/10/2019; DJE 23/10/2019).

117 Ver item 10.2.1.2.

118“[...] A jurisprudência desta Corte reconhece que em que pese a previsão de intimação pessoal do defensor dativo, contida no art. 370,§4°,do CPP,o advogado queoptapelaintimaçãopormeio do Diário daJustiçaeletrôniconão podealegarasuanulidade,nos termos do art. 565 do CPP. [...]”. (STJ, 5ª Turma, RHC HC 387413/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. em 06/06/2017, pub. no DJe de 14/06/2017).

119 Art. 5º, § 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todosos atosdo processo, em ambasas Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos.

120 Art.44.SãoprerrogativasdosmembrosdaDefensoriaPúblicadaUnião:I–receber,inclusivequandonecessário,medianteentrega dosautoscomvista,

170

(8) Ofendido

Se for para prestar depoimento em juízo, sua intimação se dará pessoalmente por mandado, e, em caso de não comparecimento, injustificado, poderá ser determinada sua condução coercitiva(art. 201,§1º,CPP).

Habilitado como assistente, será intimado por seu advogado, mediante publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca (Diário da Justiça), devendo o ato incluir, sob pena de nulidade, o nome do acusado (art. 370, §1º, CPP).

Inexistindo órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo (art. 370, § 2º, CPP).

Não estando habilitado como assistente, será comunicado sobre atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivosacórdãosqueamantenhamoumodifiquem,naformaprevistanoart.201,§2ºdoCPP.

As comunicações deverão ser feitas no endereço por ela indicado, admitindo-se, por sua opção, o uso de meio eletrônico, nos moldes estabelecidos pelo art. 201, § 3º do CPP.

(9) Testemunhas, peritos ou intérpretes

As testemunhas, peritos ou intérpretes serão intimados pessoalmente por mandado.

(10) Em audiência ou Sessão

As partes e demais interessados presentes na audiência ou Sessão ficarão, desde logo, intimados da prática dos atos processuais nela realizados ou designados para data futura, tudo devidamente consignado no termo respectivo.

(11) Intimação de decisão imediata

Nos termos do art. 371 do CPP, admite-se a intimação por despacho na própria petição em que for requerida, nos casos de sigilo e/ou de urgência em que a parte formula o requerimento e comparece na presença do juiz

(12) Intimação em 2º Grau

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC-AgR 149.604121, por meio da 2ª Turma, confirmou o entendimento de que a intimação do réu e de seu defensor constituído, em segundo grau de jurisdição, será realizada mediante publicação na imprensa oficial, sendo imprescindível que conste o nome do acusado, nos moldes estabelecidos no art. 370, § 1º do CPP, dispensado o ato intimatório pessoal em relação ao acusado.

De igual modo, far-se-á a intimação do advogado do querelante e do assistente.

Ao membro do Ministério Público, defensor público e defensor dativo permanece a prerrogativa da intimação pessoal122

10.2.1.1. Intimação porhora certa

Considerando que o art. 370, caput do CPP, dispõe que nas intimações dos acusados, das testemunhasedemaispessoasquedevamtomarconhecimentodequalqueratoseráobservado, no que for aplicável, o disposto no capítulo que trata de citação e, como é possível a citação por hora certa (art. 362, CPP), admitida restará a intimação por hora certa, a ser realizada nos moldes descritos no item 10.1.1.2.1, quando o intimando se oculta para não ser intimado.

intimação pessoal emqualquerprocesso egrau dejurisdição ou instância administrativa,contando-se-lhes em dobro todos os prazos; [...].

121 STF, HC-AgR 149.604, SegundaTurma, Rel. Min. DiasToffoli, pub.no DJe de 06/02/2018.

122 “[...] 1. É constitucional o tratamento diferenciado dado às intimações do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente, realizadas por meio de publicação oficial, em contraposição às do ministério público e do defensor nomeado, feitas pessoalmente (CPP, art. 370, §§ 1º e 4º). 2. “não há na intimação por órgão oficial de publicidade dos atos judiciais qualquer ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, uma vez que não caracteriza ela obstáculo ao desenvolvimento das atividades dos advogados no cumprimento de suas funções.” (adi 2144 - Mc, Rel. Min.Min. Ilmar Galvão, tribunal pleno, DJ de 14-11-2003) 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgadaimprocedente”. (STF, ADI 2144; Tribunal Pleno; Rel. Min. Teori Zavascki; Julg. 02/06/2016; DJe 14/06/2016).

171

10.2.1.2. Intimação de atos processuais por meio eletrônico

A Lei nº 11.419/2006 estabelece a possibilidade de realização de intimações por meio eletrônico, em qualquer grau de jurisdição, mediante:

(1) DiáriodaJustiça eletrônico

Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, a ser disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral, devendo ser assinados digitalmente com base em certificado emitido por autoridade certificadora credenciada na formada lei específica.

Nesse caso, a publicação eletrônica substitui qualquer outro meio de publicação oficial paraquaisquer efeitos legais,àexceçãodos casosque,por lei,exigemintimaçãoouvistapessoal.

Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil forense subsequente ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.

O prazo processual começará a fluir no primeiro dia útil forense que se seguir ao considerado como data da publicação.

Assim, por exemplo, uma publicação na edição de quarta-feira, será considerada realizada na quinta-feira, iniciando-se a contagem do prazo processual na sexta-feira, por óbvio, sendo todos os dias forenses úteis.

(2) ProcessoJudicial Eletrônico

De início, atente-se que não há citação por meio eletrônico no Direito Processual Penal, consoante vedação expressa do art. 6º da Lei º 11.419/2006.

O acesso aos processos judiciais eletrônicos (ou informatizados) exige credenciamento prévio junto ao Poder Judiciário, nos termos do art. 2º da Lei nº 11.419/2006.

Aos credenciados, as intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico.

Para os demais sujeitos processuais, segue-se o disposto no art. 370 do CPP (ver item 10.2.1).

As intimações por meio eletrônico em portal próprio, nos termos do art. 5º, §§§ 1º, 2º e 3º da Lei nº 11.419/2006, considerar-se-ão realizadas:

a) no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização;

b) seaconsultacitadanaletraanteriorsederemdianãoútil,aintimaçãoseráconsiderada como executada no primeiro dia útil seguinte;

c) a consulta referida nas letras “a” e “b” deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo.

Em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo processual aos que manifestarem interesse pelo serviço (art. 5º, § 4º, da Lei nº 11.419/2006).

Quando a intimação supramencionada, diante da urgência, puder causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conformedeterminado pelo juiz.

Asintimaçõesfeitasnaformadesteartigo,inclusivedaFazendaPública,serãoconsideradas pessoais paratodos os efeitos legais.

Em relação a intimação eletrônica do membro do Ministério Público, vejamos o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: “[...] 3. Nos termos do art. 5º, § 1º, da Lei nº 11.419/2006, por se tratar de intimação eletrônica, considera-se intimado o Ministério Público no

172

dia em que for efetivada a consulta eletrônica ao teor da intimação, e não no dia em que esta é encaminhadaparavisualizaçãonoportaleletrônico.[...]”.(STJ,6aTurma,AgRg-AREsp1.546.583/ SP,Rela.Min.LauritaVaz, j. em 17/12/2019, pub. no DJede03/02/2020).

E,ainda:“[...]Nostermosdoart.5º,§§1ºe3º,daLeinº11.419/2006,aintimaçãoeletrônica considera-se realizada no dia em que efetivada a consulta eletrônica, em até 10 dias, contados da datadoseuenvio,sobpenadeconsiderar-serealizada automaticamente nadatadotérmino do prazo, regras aplicáveis ao Ministério Público, em observância aos princípios da igualdade das partes e do devido processo legal. 3. Disponibilizada o Ministério Público a intimação eletrônica do acórdão embargado, não havendo efetiva consulta, considera-se realizada no prazo de 10 dias corridos, contados da data do envio, sendo, portanto, tempestivo o seu recurso [...]”. (STJ, 6a Turma, EDcl-EDcl-REsp 1.623.985/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. em 05/11/2019, pub. no DJe de11/11/2019).

10.3.

CONTAGEM DOS PRAZOS

A contagem dos prazos processuais se dará na forma prevista no art. 798 do CPP, sendo contínuoeperemptório,nãoseinterrompendoporférias,domingooudiaferiado,observandose, ainda, que:

a) o seu início ocorrerá no primeiro dia útil forense após o dia em que se considera feita a citação ou intimação, incluindo-se o do vencimento. Assim, se a comunicação foi publicada em um dia não útil, por exemplo, sábado ou domingo, considera-se realizada no primeiro dia útil seguinte. Logo, o termo inicial (dies a quo) da contagem do prazo será a terça-feira;

b) quando a intimação se der por meio de diário eletrônico, considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico. Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação123;

c) o prazo que terminar em domingo ou dia em que não haja expediente forense considerar-se-á prorrogado até o dia útil imediato;

d) não correrão os prazos, se houver impedimento do juiz, força maior, ou obstáculo judicial oposto pelaparte contrária;

e) salvo os casos expressos, os prazos correrão:

1. da intimação;

2. da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, se a ela estiver presente a parte;

3. do dia em que a parte manifestar nos autos ciência inequívoca da sentença ou do despacho.

f) Na hipótese de intimação por carta, o prazo será computado a partir da data da intimação e não da juntada aos autos da carta124 .

g) A terminação dos prazos será certificada nos autos pelo escrivão; será, porém, considerado findo o prazo, ainda que omitida aquela formalidade, se feita a prova do dia em que começou a correr.

O prazo para apresentação da resposta escrita à acusação terá como termo inicial a data da efetivação da citação, a teor do previsto no enunciado da Súmula 710 do STF: “No processo

123 Art. 4º, §§ 3º e 4º da Lei 11.490/2006.

124 STF, Súmula 710: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou dacarta precatória ou de ordem”.

173

penal, contam-seos prazos dadatadaintimação, enão dajuntadaaosautos domandado ou da cartaprecatória ou deordem”

Atentar para não confundir com a previsão contida no art. 219, caput do Código de Processo Civil, que estabelece a contagem dos prazos processuais somente em dias úteis, pois essenão é o caso no processo penal.

Ponto relevante diz respeito à contagem dos prazos processuais penais, diante do período derecesso forense.

Sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça decidiu: “[...] O entendimento do Superior Tribunal de Justiça está fixado no sentido de que “a suspensão do curso dos prazos processuais prevista no art. 220 do NCPC, regulamentada pela Resolução CNJ n. 244, de19/9/2016, não incide sobre os processos de competência da Justiça Criminal, visto que submetidos, quanto a esse tema, ao regramento disposto no art. 798, caput e § 3º, do CPP. A continuidade dos prazos processuais penais é afirmada, no caso, pelo princípio da especialidade” (AgRg no AREsp 1.070.415/SP, desta Relatoria, DJe 22/5/2017). 3. “O recesso judiciário e o período de férias coletivas, em matéria processual penal, têm como efeito, em relação aos prazos vencidos no seu curso, a mera prorrogação do vencimento para o primeiro dia útil subsequente ao seu término, não havendo interrupção oususpensão” [...]”. (5a Turma, AgRg noAREsp 1814224/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 16/03/2021, pub. no DJe de 19/03/2021).

Não se perca de vista que o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50, prevê a contagem em dobro de todos os prazos concedidos ao Defensor Público ou a quem exerça cargo equivalente.

10.4. ENUNCIADOS DE SÚMULAS

10.4.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Súmula 310: Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir.

Súmula 351: É nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da Federação em que ojuiz exerce a sua jurisdição.

Súmula 366: Não é nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia.

10.4.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Súmula 273: Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação dadatada audiência nojuízo deprecado.

174
175

Medidas Cautelares 11

O legislador estabelece a possibilidade de decretação de medidas cautelares de três espécies:

a) medidas cautelares de ordem assecuratória: visam a garantir patrimônio suficiente do acusado para, em caso de condenação, honrar, com eventual indenização em favor da vítima, pagamento de pena pecuniária, despesas processuais e, ainda, evitar a obtenção de vantagem patrimonial com a prática criminosa;

b) medidas cautelares de ordem probatória: possuem a finalidade de obtenção de provas sobre a prática do crime e sua respectiva autoria. Por exemplo: interceptação telefônica, busca eapreensão, quebra desigilo bancário, dentre outros;

c) medidas cautelares de ordem pessoal: têm caráter privativo ourestritivo daliberdade de locomoção do indivíduo. Por exemplo: prisão preventiva, medidas cautelares diversas da prisão, etc.

Todas as medidas citadas apresentam em comum:

a) caráter restritivo a direito individual, razão pela qual estão sujeitas à cláusula de reserva de jurisdição, ou seja, dependem de autorização judicial;

b) naturezacautelar,sendonecessáriaademonstraçãodequeháriscoefetivodedanoem caso de demora da entrega da prestação jurisdicional (periculum in mora) e razoável probabilidade de ser acolhida a pretensão reparatória (fumus boni iuris).

11.1. MEDIDAS CAUTELARES DE ORDEM ASSECURATÓRIA

Também chamadas de medidas cautelares reais em razão da natureza patrimonial de que estãoinvestidas, são detrês espécies: sequestro, hipoteca legal e arresto.

O escopo de ditos instrumentos jurídicos é assegurar, em caso de futura condenação, a existência de bens suficientes para garantir a reparação à vítima do dano sofrido com o crime, o pagamento de pena pecuniária, se for o caso, despesas processuais e, ainda, como referenciado alhures, desconstituir eventual vantagem patrimonial resultante da infração penal.

É importante destacar que sobrevindo absolvição ou extinta a punibilidade por decisão transitada em julgado as medidas assecuratórias perdem a validade.

11.1.1. PREVISÃO LEGAL

Arts.125a144-AdoCPP.

11.1.2.

SEQUESTRO

É medida de constrição do bem (móvel ou imóvel) adquirido com o produto do crime de modo a impedir que dele se disponha para assegurar a execução de dois efeitos extrapenais da sentença condenatória transitada em julgado: a) a reparação do dano causado pelo crime (art.

176

91, inciso I, CP); b) a perda do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (art. 91, inciso II, alínea “b”, CP).

11.1.2.1.Cabimento

O sequestro caberá quando demonstrada a existência de indícios veementes de que o bem foi adquirido com o produto do crime, objeto da investigação policial ou da ação penal, aindaque já transferido a terceiro.

Estabelece o art. 91 do Código Penal, em seus parágrafos 1º e 2º, que estarão também sujeitos ao sequestro, para posterior decretação de perda, os bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou se localizarem no exterior.

11.1.2.2. Oportunidade e iniciativa

Depreende-se do art. 127 do CPP, que o sequestro poderá ser determinado:

a) na fase pré-processual: pelo juiz, de ofício, ou mediante representação da autoridade policial ou requerimento do órgão do Ministério Público ou do ofendido. Nesse particular, háparceladoutrináriaqueentendeque adecretação dosequestro ex officio na fase investigatória fere o princípio acusatório, devendo-se conferir ao art. 127 do CPP interpretação conforme a Constituição, permitindo-se a imposição da medida de ofício pelo juiz somente na fase processual;

b) na fase processual: pelo juiz, de ofício ou atendendo a requerimento do Ministério Público ou do ofendido.

O art. 4º, caput da Lei nº 9.613/98 (crimes de lavagem de capitais), art. 12, caput da Lei nº 13.260/2016 (crime de terrorismo) e o art. 8º da Lei nº 13.344/2016(crimes de tráfico de pessoas) contemplam idêntica medida, determinando a oitiva do Ministério Público, quando não for ele o requerente, no prazo de 24(vinte e quatro) horas, antes de o juiz decidir.

11.1.2.3. Procedimento

Oprocedimentoincidentedeveráserautuadoemapartado,aindaquedecretadodeofício.

A execução do sequestro de bens imóveis se dará mediante sua inscrição no Registro de Imóveis, a teor do art. 128 do CPP, cuja averbação segue o procedimento previsto no art. 239, caput daLei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).

Relativamente aos bens móveis, o art. 312 do CPP estabelece que o sequestro se realizará se, verificadas as condições previstas no art. 126 do mesmo diploma legal (existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens), não for cabível a medida de busca e apreensão (art. 240,§ 1º, CPP).

11.1.2.3.1. Embargos

O instrumento de defesa para se contrapor ao sequestro executado são os embargos que poderão ser manejados pelo:

a) investigado ou réu, sob o fundamento de os bens não terem sido adquiridos com os proventos dainfração (art.130, I,CPP).

Oconhecimentodosembargos,quandosetratardebenssequestradosemrazãodaLei deLavagem de Capitais (Lei nº 9.613/98 – art. 4º, § 3º) ou Lei Antidrogas (Lei nº 13.840/2019, art.63-A), entretanto, fica condicionado ao comparecimento pessoal do acusado, devendo o juizdeterminar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores;

b) terceiro, a quem tiverem os bens sido transferidos a título oneroso, sob o argumento de tê-los transacionado de boa-fé, sem ter ciência de que o acusado os teria adquirido com verbas ilícitas (art. 130, II, CPP);

177

c) terceiro, senhor ou possuidor do bem, estranho ao processo, sob a alegação de que inexiste qualquer vinculação entre este e aquele (art. 129, CPP), procedendo-se ao seu julgamento independentemente da decisão final proferida na ação penal, aplicando, de forma subsidiária, o disposto nos arts. 674 a 681 do CPC.

Os embargos interpostos nas hipóteses dos itens “a” e “b”, somente serão decididos no juízo criminal após passar em julgado a sentença penal condenatória (art. 130, parágrafo único, CPP).

11.1.2.4. Levantamento do sequestro

Haverá o levantamento do sequestro, isto é, a perda da eficácia da medida, nos termos doart. 131do CPP, quando:

a) não for a ação penal respectiva proposta no prazo de 60(sessenta) dias, contado da data em que for concluída a diligência. Entretanto, a jurisprudência tem admitido a flexibilização do prazo diante de casos complexos e/ou com pluralidade de acusados, quando restar evidenciada violação ao princípio da razoabilidade, segundo as circunstâncias do caso concreto125;

b) o terceiro, a quem tiverem sido transferidos os bens, prestar caução que assegure a aplicação do disposto no art. 91, II, “b” doCódigo Penal126;

c) extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por sentença transitada em julgado. A providência se justifica em virtude do caráter acessório da medida em relação ao processo principal127 Com relação à exigênciadedefinitividade dadecisão, esta não mais subsiste. É que o art. 386, parágrafo único, inciso II do CPP, com redação posterior ao art. 131, inciso III, determina que, na sentença absolutória, o juiz ordenará a cessão das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas.

Obviamente que julgados procedentes os embargos, impõe-se o levantamento da medida assecuratóriaque recaiu sobreo(s)bem(bens) objeto da defesa.

11.1.2.4. Destinação provisória

Para evitar repetição, orientamos o leitor a examinar o item 8.6.3, que tratou do tema.

11.1.2.6. Destinação final

Nos termos do art. 387, § 1º do CPP, a sentença condenatória, o seu subscritor decidirá,se for o caso, sobre a manutenção da medida cautelar ou imposição de outra, sem prejuízo do conhecimento da apelação.

Transitada em julgado a condenação, autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento dointeressado oudoMinistérioPúblico,noprópriojuízo criminal, determinará a avaliaçãoe a venda dos bens cujo perdimento tenha sido decretado em leilão público, destinando-se o dinheiro apurado à reparação do prejuízo da vítima ou a terceiro de boa-fé, e, o remanescente ao Fundo Penitenciário Nacional, salvo previsão diversa em lei especial (art. 133, CPP).

Igualmente, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé, autorizado pelo art. 133A do CPP, o juiz poderá determinar a transferência definitiva da propriedade a órgão público, prioritariamente ao que tiver sido beneficiado com a custódia provisória do bem.

125 Por exemplo: REsp 1.057.650/RS, Rela. Mina Maria Thereza Assis Moura, j. em 16/02/2012, pub.noDJede05/03/2012.

126 Art. 91 do CP: São efeitos da condenação: [...] II – a) a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: [...] b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”.

127 Aplica-se também aos casos de arquivamento do inquérito policial ou rejeição da peça inicial.

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11.1.3. HIPOTECA LEGAL

A lei, consoante previsão do art. 1.489, inciso III do Código Civil, confere hipoteca ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do acusado para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais.

Trata-se de direito real de garantia em favor da vítima para assegurar que o acusado tenha patrimôniosuficienteparahonrareventual pagamento deindenização pelo dano causado com ainfração penal.

A hipoteca legal deverá ser utilizada somente quando as demais medidas assecuratórias se mostrarem insuficientes para assegurar a reparação do dano provocado pelo delito.

11.1.3.1. Cabimento

A hipoteca legal recairá sobre bens imóveis de origem lícita do acusado desde que haja certeza da infração e indícios suficientes da autoria.

11.1.3.2. Oportunidade e iniciativa

Nos termos do art. 134 do CPP, a inscrição da hipoteca legal poderá ser requerida pelo ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros, em qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infração e indícios suficientes de autoria.

O que se pretende, em verdade, é a especialização da hipoteca e o seu registro sobre o(s) imóvel(eis) do acusado no Cartório Imobiliário. A hipoteca, por si só, decorre da lei (art. 1.489, inciso III, CC), havendo, pois, impropriedade técnica no texto do art. 134 do CPP128 , supracitado.

O art. 142 do CPP confere legitimidade ao Ministério Público para promover o pedido de inscrição da hipoteca legal no registro de imóveis, se houver interesse da Fazenda Pública ou se oofendido forpobre e o requerer.

11.1.3.3. Procedimento

O procedimento de especialização da hipoteca legal e o seu registro, a teor do art. 135 do CPP, cumpre as seguintes etapas129:

1) Requerimento de especialização

A parte, mediante requerimento, apresentará estimação de valor da responsabilidade civil, indicará e estimará o(s) imóvel(eis) que pretende sujeitar à hipoteca, instruindo o pedido com as provas ou indicação das provas em que se fundar a estimação da responsabilidade, com a relação dos imóveis que o responsável possuir, se outros tiver, além dos indicados no requerimento, e com os documentos comprobatórios do domínio;

2) Nomeação de perito e apresentação de laudo de avaliação

Ao avaliador judicial caberá o arbitramento do valor da responsabilidade e a avaliação de todos os imóveis designados pelo requerente, sendo-lhe facultada a consulta dos autos do processo respectivo. Na sua inexistência, a tarefa será realizada por perito nomeado pela autoridadejudiciária;

3) Pronunciamento das partes

Apresentado o laudo de avaliação e ouvidas as partes, em prazo de 02(dois) dias, que correrá em cartório, o juiz poderá corrigir o arbitramento do valor da responsabilidade, se lhe parecerexcessivo ou deficiente.

Com relação ao prazo, há parcela doutrinária que defende que ele deve ser sucessivo e não comum, a fim de que as partes possam, inclusive, retirar os autos do cartório para melhor

128 Art. 134 do CPP:Ahipoteca legal sobre os imóveis do indiciado poderá ser requerida pelo ofendido em qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infração e indícios suficientes da autoria.

129 LIMA, Renato Brasileiro de. Op. cit., p. 1144.

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A avaliação, porém, não será definitiva, já que, de fato, a real quantificação do prejuízo sofrido pela vítima somente será obtida em eventual liquidação da sentença condenatória transitadaem julgado no juízo cível.

A realização da avaliação, nesse momento processual, objetiva, unicamente, parametrizar a inscrição da hipoteca, impedindo que recaia em bem(bens) com valores desproporcionais ao prejuízo estimadamente sofrido.

4) Decisão

Observando os requisitos do art. 381 do CPP, o juiz proferirá decisão determinando (ou não) a inscrição da hipoteca do(s) imóvel(eis) necessário(s) à garantia da responsabilidade, cabendo apelação contra essa decisão, nos termos do art. 593, inciso II do CPP.

5) Suspensão do procedimento

Procedida à inscrição da hipoteca no Cartório de Registro de Imóveis, permanecerá o procedimentoincidental sobrestado, aguardando odeslinde final da ação penal:

a) Se o acusado for condenado, após o trânsito em julgado da sentença, os autos da hipoteca serão remetidos ao juiz do cível (art. 63), nos termos do art. 143 do CPP, cabendo ao ofendido adotar as providências para promover a execução do valor mínimo para a reparação dos danos decorrentes da infração, já estabelecidos na sentença, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente causado (art. 387, inciso IV c/c art. 63,parágrafo único, todos do CPP);

b) Sendo ele absolvido ou sendo declarada extinta a punibilidade, será cancelada a inscrição dahipoteca (art. 142,CPP).

11.1.3.4. Substituição da hipoteca legal por caução

Épossívelasubstituiçãodahipotecalegalporcauçãosuficiente,emdinheiroouemtítulosde dívidapública,pelovalordesuacotaçãoemBolsanodiaemqueforprestada(art.135,§6º,CPP).

Em que pese o dispositivo legal expressar que, aceita a substituição, o juiz deixará de mandar “proceder à inscrição da hipoteca legal”, o que levaria à conclusão de que a substituição somente poderia ocorrer antes de se proceder à inscrição do gravame no registro de imóveis, tem a jurisprudência firmado posição em sentido inverso, permitindo a substituição em qualquer fase processual, o que nos parece bem mais razoável.

11.1.3.5. Embargos

Apesar de inexistir previsão de oposição de embargos, quando se tratar de hipoteca legal, a doutrinaeajurisprudênciatêmentendidoapossibilidadedesuautilização, aqualdenominam “embargos de terceiro estranho à infração penal”, nos mesmos moldes permitidos para o sequestro (art. 129, CPP), procedendo-se ao julgamento desse embargo, independentemente da decisão final proferida na ação penal, caso em que é aplicado, de forma subsidiária, o disposto nos arts. 674a681do CPC.

11.1.4. ARRESTO PREVENTIVO

É o instrumento utilizado com o objetivo de tornar intransferível(eis) o(s) bem(bens) imóvel(eis) do acusado, enquanto não iniciado o procedimento de especialização da hipoteca legal no cartório de registro imobiliário, ou, após iniciado, não concluído.

Qualquer dos legitimados para a hipoteca legal poderá apresentar o pedido de arresto preventivo perante o juízo criminal em que tramita a ação penal, demonstrando o fumus boni iuris e o periculum in mora para justificar a imposição da constrição, e, ainda, indicando o(s)

180 exame.

bem(bens) a ser(em) arrestado(s), dispensada a apresentação do(s) valor(es) de avaliação correspondentes e do dano.

Efetivado o arresto, a parte disporá do prazo máximo de 15(quinze) dias para requerer a especialização da hipoteca legal, sob pena de revogação da medida, consoante art. 136 do CPP. Apresentado o pedido, tempestivamente, o arresto subsistirá até efetiva inscrição.

11.1.5. ARRESTO

SUBSIDIÁRIO

De início, esclarecemos que o arresto aqui tratado não se confunde com a medida mencionada no item anterior, haja vista que o arresto subsidiário constitui instrumento destinado à garantia da reparação do dano causado pelo crime e do pagamento de prestações pecuniárias oriundas da condenação. Recai sobre bem móvel de origem lícita, isto é, que não constitui produto ou provento da infração penal, o que o diferencia do sequestro.

Já da hipoteca legal difere por incidir apenas em bem móvel, embora haja semelhança com ela em relação àorigem lícitado bem

11.1.5.1. Pressupostos

Como pressupostos da aplicabilidade da dita medida assecuratória, exige-se a materialidade do fato e indícios suficientes de sua autoria.

11.1.5.2. Cabimento

Será cabível o arresto de bem (bens) móvel(eis) suscetível(eis) de penhora130 , quando o responsável não possuir bens imóveis passíveis de hipoteca legal ou os possuir em valor insuficiente à responsabilidade civil estimada (art. 137, caput, CPP). Daí o caráter subsidiário em relação àhipoteca legal.

Se as coisas arrestadas forem fungíveis e facilmente deterioráveis, proceder-se-á com a sua alienação antecipada, tratada no item 11.1.6., para o qual remetemos o leitor.

11.1.5.3. Destinação provisória do(s) bem(bens) arrestado(s)

Uma vez cumprida a medida, o depósito e a administração do(s) bem(bens) móvel(eis) arrestado(s)ficarãosujeitosaoregimedoprocessocivil131 ,conformedeterminaoart.139doCPP.

11.1.5.4. Iniciativa e oportunidade

São legitimados para a medida assecuratória o juiz, o ofendido (ou representante legal ou herdeiros), e, ainda, excepcionalmente, o Ministério Público poderá propô-la quando a vítima pobre requerer a sua atuação, ou, então, quando houverinteresse daFazenda Pública.

O arresto subsidiário somente será possível na fase judicial, processando-se em autos apartados (art. 138, CPP).

11.1.5.5. Embargos

Inobstante não existir previsão na lei processual penal para a interposição de embargos contra o arresto, tem-se admitido embargos de terceiro, mediante aplicação de forma subsidiária das regras previstas no art. 674, caput do CPC: “Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos deterceiro”.

11.1.5.6. Levantamento do arresto

O arresto será levantado nos casos de absolvição do réu ou de extinção de punibilidade

181
130 Arts. 159 a 161 do CPC. 131 Arts. 159 a 161 do CPC.

transitadaem julgado (art. 141, CPP).

11.1.5.7. Destinação final

Passando em julgado a sentença condenatória, serão os autos do arresto remetidos ao juiz do cível (art. 63), para promoção da ação de execução ex delicto (art. 143, CPP).

11.1.6. ALIENAÇÃO ANTECIPADA

Trata-sedavendaantecipadadosbensconstritosemrazãodemedidacautelarpatrimonial ou que tenham sido apreendidos, com a finalidade de evitar perda de valor econômico da garantia em razão de deterioração ou depreciação deles, ou, ainda, quando houver dificuldade para a sua manutenção.

11.1.6.1. Pressupostos

Apresentam-se como pressupostos da medida:

a) risco de deterioração ou depreciação do(s) bem (bens); ou

b) dificuldades para suamanutenção.

11.1.6.2. Momento

Inobstante não existir previsão legal estabelecendo a fase da persecução penal para se proceder à alienação antecipada, parcela da doutrina e da jurisprudência compreende que a sua realização somentepoderá ocorrer quando já existe ação penal em tramitação.

Parece-nos, entretanto, que não é o melhor posicionamento, uma vez que a medida se faz necessária diante do risco evidente de deterioração ou de depreciação do bem constrito ou, ainda, diantedas dificuldades parasuamanutenção, oquepoderáser constatado ainda nafase investigativa.

Assim, inegavelmente, é de bom alvitre que, em qualquer das fases, havendo necessidade, autorize-se a alienação antecipada, com posterior depósito em conta à disposição do juízo criminal do valor arrecadado, mantendo-se, desse modo, preservado o valor econômico da garantia.

11.1.6.3. Legitimidade

O art. 144-A, caput, do CPP132 não dispõe, expressamente, sobre quem tem legitimidade para requerer a alienação antecipada, porém, acompanhamos corrente doutrinária e jurisprudencialque admite que o magistrado a determine de ofício, na fase judicial, ou mediante requerimento do Ministério Público, da autoridade policial (para a qual sustenta a possibilidade da decretaçãoda alienação na fase investigativa), do assistente da acusação, do ofendido, do querelante, dopróprio acusado ou de terceiro interessado, mediante aplicação subsidiária do art. 4º-A, caputdaLei nº 9.613/98 (acrescentado pela Lei nº 12.683/2012).

11.1.6.4. Procedimento

Autuado, em apartado, aos autos da ação principal, o requerimento (ou a portaria, se, de ofício) deverá conter a individualização e a especificação do(s) bem(bens) cuja alienação se pleiteia.

Após oportunizado à parte contrária se manifestar sobre o pretendido, o juiz analisará se estão presentes os requisitos para a decretação da medida, decidindo, em seguida, pelo acolhimento (ou não) do pedido de alienação.

Julgado procedente o pleito, proceder-se-á à alienação, mediante leilão, preferencialmente

132 Art. 144-A do CPP: O juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos aqualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção

182

por meio eletrônico, pelo valor fixado na avaliação judicial ou por valor maior.

Na hipótese de o leilão fracassar por não ter sido alcançado o valor mínimo estipulado pela administração judicial, será marcado um novo leilão, dentro dos 10 (dez) dias subsequentes, contadosdaocorrênciadoprimeiro,ocasiãoemqueo(s)bem(bens)poderá(ão)seralienado(s) por valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do estipulado na avaliação judicial.

O produto obtido com a venda ficará depositado em conta vinculada ao juízo, até a decisão irrecorrível do processo. Ao final, havendo a absolvição, impõe-se a sua devolução ao acusado.

Por outro lado, prevê o art. 144-A, § 3º do CPP que, em caso de condenação, proceder-se-á à sua conversão em renda para a União, Estado ou Distrito Federal.

Nesse ponto, surgem divergências com relação à destinação apontada.

Diferentemente do sequestro, cujo objeto é o produto ou proveito do crime, no arresto, a constrição atinge bens do patrimônio geral do acusado, com a pretensão de garantir o ressarcimento pelos danos causados pelo delito, ou seja, de proteger os interesses da vítima. Logo, somente quando a União, o Estado ou o Distrito Federal forem os ofendidos é que se poderá pensar na reversão a eles do produto da infração penal, como afirma Pacelli133 .

Quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusive moeda estrangeira, títulos, valores mobiliários ou cheques emitidos como ordem de pagamento, a autoridade judiciária determinará a conversão do numerário apreendido em moeda nacional corrente e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial.

No caso da alienação de veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de certificado de registro e licenciamento em favor do arrematante, ficando este livre do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal em relação ao antigo proprietário.

Tratando-se de títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa, o seu valor será o da cotação oficial do dia, provada por certidão ou publicação noórgão oficial.

11.1.7. QUADRO SINÓPTICO

SEQUESTRO

Bens imóveis ou móveis adquiridos com os proventos da infração, ainda que já tenhamsido transferidos a terceiros.

Natureza do bem

Requisitos

Excepcionalmente, na hipótese de o produto ou proveito do crime não ser encontrado ou se localizar no exterior, poderá recair sobre bens ou valores equivalentes de origem lícita (CP, §§ 1º e 2º, CP)

Indícios veementes da proveniência ilícita dos bens

Bens imóveis de origem lícita

Bens móveis de origem lícita suscetíveis de penhora134

Certeza da existência da infração e indícios suficientes de autoria

Certeza da existência da infração e indícios suficientes de autoria

133 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18. ed., rev., ampl. e atual., São Paulo:Atlas, 2014, p. 322.

134 Art. 833 do CPP,define os bensabsolutamente impenhoráveis [...].

183

HIPOTECA
ARRESTO
LEGAL
SUBSIDIÁRIO

Fase

Na fase de investigação preliminar ou durante o curso da ação penal

Recurso Apelação

Sentença condenatória transitada em julgado

Os bens sequestrados serão levados a leilão no próprio juízo criminal.

No curso da ação penal. Há corrente doutrinaria que partilha da ideia de sua aceitação durante o inquérito policial

No curso da ação penal

Apelação Sem previsão de recurso

Os autos do incidente serão enviados para o juízo cível

11.2. MEDIDAS CAUTELARES DE ORDEM PROBATÓRIA

Os autos do incidente serão enviados para o juízo cível

As medidas cautelares de ordem probatória são meios de obtenção de prova. São elas: a busca e apreensão, a interceptação telefônica, a quebra de sigilos, as captações e interceptações ambientais, a infiltração de agentes e a ação controlada.

Se requeridas durante a fase pré-processual, a apreciação do pedido caberá à autoridade judiciária competente para aação principal.

Quandoimplementadoojuizdasgarantias,passaráesteaserocompetenteparadeliberar sobre a medida135

No curso da ação penal, a competência será do juiz processante.

Poroutrolado,nahipótesedeojuizqueinicialmenteconcedeu amedidacautelartornarse, por força de circunstância superveniente, incompetente para o feito principal, nenhum prejuízo haverá para a prova coletada, em virtude da aplicação da teoria do juízo aparente, a qual reconhece a sua validade, quando autorizada por autoridade até então investida, aparentemente, de competência para deliberar sobre o ato.

11.2.1.

BUSCA E APREENSÃO

Inobstante ter sido inserida pelo legislador no Código de Processo Penal, no título “Da prova”, não se trata de um meio direto de prova, mas de obtenção de prova referente ao fato investigado e a todas as suas circunstâncias.

A busca e apreensão compreende duas providências: a busca, que é a procura pelo bem ou pessoa, e a apreensão, que é o seu resultado positivo.

11.2.1.1. Previsão legal

Arts. 240 a 250 do CPP.

11.2.1.2. Finalidade

Obtenção de fontes materiais de prova.

11.2.1.3. Espécies

Há duas espécies de busca: a domiciliar e a pessoal.

11.2.1.3.1. Busca domiciliar

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XI, expressa que a “casa é asilo inviolável

184
135 194 Ver item 1.9.2.1.

do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”

O art. 150, § 4º do Código Penal, considera como casa:

a) qualquer compartimento habitado;

b) aposento ocupado de habitação coletiva; e

c) compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

Esseartigo, no parágrafo quinto, exclui da definição a:

a) hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo quanto ao aposento ocupado desta última;

b) taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

Por seu turno, a jurisprudência pátria alargou a abrangência do termo “casa”: quarto ocupado de hotel, motel e similares; quarto ocupado em hospital; ambientes integrados à residência (pátio, jardim, quintal, garagem), locais destinados à habitação, ainda que provisoriamente (trailers, motor home, barcos-residência, parte traseira do interior da boleia do caminhão que serve como dormitório, dentre outros do gênero).

Destarte,oingressonacasaparacumprimentodebuscaeapreensão,semoconsentimento do morador, exige ordem judicial e que sua execução ocorra durante o dia.

Em contrapartida, o consentimento do morador, livre de qualquer coação, legitima o ingresso em sua casa a qualquer horário, inclusive sem ordem judicial, consoante se extrai do citado art. 5º, inciso XIdaCartaMagna.

No entanto, para que o mencionado consentimento tenha validade, o Superior Tribunal de Justiça, por intermédio de suas Turmas criminais136 , exige como prova da sua legalidade e voluntariedade declaração assinada pela pessoa que autorizou a entrada no domicílio, com indicação, sempre que possível, de testemunhas do ato, e, ainda, o registro da operação em áudio-vídeo, preservada tal prova enquanto durar o processo.

(1) Objeto

O objeto da busca domiciliar está delineado no art. 240, § 1º do CPP, que a autoriza diante defundadas razões para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreenderarmasemunições,instrumentosutilizadosnapráticadecrimeoudestinados afim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu137;

f) apreendercartas,abertasounão,destinadasaoacusadoouemseupoder,quando haja suspeitade que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

136 Por exemplo: Sexta Turma (HC 598.051/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. em 02.02.2021, pub. no DJe de 15.03.2021) e Quinta Turma (HCnº 616.584/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. em 30.03.2021, pub. no DJe de 06.04.2021).

137 O artigo 240 do Código de Processo Penal, ao tratar da busca e apreensão, apresenta um rol exemplificativo dos casos em que a medida pode ser determinada, no qual se encontra a hipótese de arrecadação de objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu, não havendo qualquer ressalva de que não possam dizer respeito à intimidade ou à vida privada do indivíduo" (STJ, 5ª T., HC 142.205/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, pub. no DJe de 13/12/2010).

185

h) colher qualquer elemento de convicção.

Relativamente ao disposto no art. 240, § 1º, letra “f”, do CPP, existem controvérsias sobre a suaconstitucionalidade,àluzdoart.5º,incisoXIIdaCF,oqualexpressaque“éinviolávelosigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Com relação às cartas abertas, cujo conteúdo é de conhecimento público, nenhuma restriçãohaveráquantoàsuaapreensãoeaoexamedautilidadeparaaformaçãodaprova,uma vez que não são resguardadas pelo sigilo epistolar. Todavia, não se deve confundir essas cartas com as lacradas que foram abertas pelo destinatário, uma vez que as últimas permanecem sob aproteção do sigilo constitucional.

Prevalece, todavia, o entendimento da possibilidade de afastamento da inviolabilidade epistolar, quando utilizada como instrumentopara práticas criminosas.

É que nenhum direito fundamental tem caráter absoluto, de modo que, quando colidir com outros direitos fundamentais, deve preponderar o de maior relevância, com base no princípio da proporcionalidade.

Assim, a apreensão de correspondência será possível quando:

a) houver consentimento do acusado;

b) se tratar do próprio objeto material do crime;

c) for obtida em circunstâncias que caracterizem causa excludente da ilicitude;

d) for mediante ordem judicial.

Nos demais casos, constituirá prova obtida por meio ilícito e, portanto, inadmissível a teor do art.5º, incisoLVI da CFe art. 157, caput do CPP.

(2) A busca e apreensão e o Estatuto da Advocacia

O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94, com as alterações legislativas posteriores) estabelece que constitui prerrogativa do advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho,bemcomodeseusinstrumentosdetrabalho,desuacorrespondênciaescrita,eletrônica, telefônicaetelemática,desdequerelativasaoexercíciodaadvocacia(art.7º,incisoII).

Inobstanteaprerrogativa,estandopresentesindíciosdeautoriaematerialidadedaprática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra deditainviolabilidade,emdecisãomotivada,determinandoaexpediçãodemandadodebusca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo vedada, em qualquer hipótese, a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos apreendidos que pertencerem a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre seus clientes (art. 7º, § 6º, Lei nº 8.906/94), salvo quando estes também estejam formalmente investigados como seus partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade (art. 7º, § 7º, Lei nº 8.906/94).

O art. 243, § 2º do CPP, prescreve que “Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito”.

A violação da prerrogativa supramencionada constitui crime capitulado no art. 7º-B da Lei nº 8.906/94, com as alterações advindas da Lei nº 13.869/2019, com pena de detenção de 03(três)meses a01(um) ano e multa.

(3) Momento

A busca domiciliar pode ser realizada no curso do procedimento de investigação ou duranteo processo penal.

Quando executada na fase pré-processual, a busca domiciliar qualifica-se como prova

186

cautelar, sujeita aocontraditório diferido.

(4) Iniciativa

A medida está sujeita à clausula de reserva de jurisdição, e, portanto, necessita de autorização judicial.

O seu deferimento na fase pré-processual, conforme interpretação constitucional, depende de representação da autoridade policial, ouvido o Ministério Público, quando este não foro requerente.

Na fase judicial, poderá ser decretada pelo juiz de ofício ou atendendo a requerimento de qualquerdas partes (art. 242, CPP).

(4) Execução

» Mandado judicial

Deverá:

a) indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador: trata-se de requisito de grande relevância para evitar abusos ou arbitrariedades. Ainda que não seja possível explicitar rua e número da casa, deve ser determinável, pelo menos, o local da busca, bem como quemláresideouestásendoinvestigado138 Ouseja,nomínimo,oendereçodoimóvel ou quem seja seu morador. Haverá ilegalidade na expedição de mandado coletivo de busca e apreensão, sem individualizar o domicílio que deverá ser objeto da diligência, tampouco poderão os seus executores estendê-la a outros domicílios não descritos na ordem judicial. Nesse caso, a diligência ficaria ao inadmissível critério da autoridade responsável pelo seu cumprimento, a quem caberia escolher o local a ser violado;

b) mencionar o motivo e os fins da diligência: é preciso que o executor se limite ao objeto da diligência, constante do mandado. Todavia, não há necessidade de que a decisão judicial (e o mandado) especifique detalhadamente o que se busca apreender. Havendo necessidade de se imiscuir em outra esfera de intimidade, constitucionalmente assegurada, não contida na ordem expedida, deverá obter autorização judicial específica, não podendo ser considerada como decorrência natural do ato. Por exemplo, os dados de um celular apreendido no curso de diligênciade busca domiciliar somente poderão ser acessados se houver autorização judicial específica concedida nos termos da Lei nº 9.296/96. É que as informações se inserem no contexto de intimidade das comunicações telemáticas;

c) ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir;

d) conter a ordem de prisão, se houver.

» Horário para cumprimento da ordem judicial

A execução de mandado de busca e apreensão domiciliar à luz do disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal e do art. 245 do Código de Processo Penal deverá ocorrer durante o dia, salvo se o morador consentir que se realiza à noite. Infelizmente, na jurisprudência pátria não existe um consenso a respeito do conceito de dia, porquanto há quem o defina a partir do critério físico (entre a aurora e o crepúsculo), do critério cronológico (entre 6 e 18h), do critério misto (entre 6 e 18h, desde que haja luminosidade). Com o advento do art. 22, § 1º, inciso III, da Lei nº 13.869/2019, imaginouse que haveria uma pacificação em torno da celeuma, fixando-se como dia, para fins de licitude do início de cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar, o período compreendido entre as 5h e 21hs. Não foi o que aconteceu, permanecendo a insegurança jurídica em torno da questão.

Por outro lado, uma vez iniciada durante o dia, havendo risco de a suspensão das buscas

138 AVENA, Noberto Claúdio Pâncaro. Op. cit., p. 627.

187

prejudicar a diligência ou causar dano grave, poderá prosseguir durante a noite.

» Responsabilidade pelo cumprimento

Na fase pré-processual, o mandado de busca e apreensão deve ser executado pela polícia federal oucivil, conformeatribuição.

Nocurso dainstrução criminal,pelo oficial dejustiçaquepoderáseutilizardoauxílioda força pública.

Por sua vez, não é de hoje que o Supremo Tribunal Federal tem admitido o cumprimentode mandado de busca e apreensão pela polícia militar sob o argumento de que não há violaçãoàs atribuições exclusivas de polícia investigativa e judiciária das polícias federal e civil, previstasno art. 144, §§ 1º e 4º da Constituição Federal, porquanto não realizados atos de investigação, tampoucodeinstrução, mas, sim, amera execução de umamedida cautelar.

Nesse sentido, v.g., decidiu:” [...] O cumprimento do mandado de busca e apreensão pela polícia militar não contraria o art. 144, §§ 4º e 5º, da Constituição Federal” (2a T., HC 137.575, Rel.Min. Ricardo Lewandowski, pub. noDJe de 22/06/2017).

E, ainda: “[...] 2. Ação penal. Prova. Mandado de busca e apreensão. Cumprimento pela polícia militar. Licitude. Providência de caráter cautelar emergencial. Diligência abrangida na competência da atividade de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública. Recurso extraordinário improvido. Inteligência do art. 144, §§ 4º e 5º da CF. Não constitui prova ilícita a queresultedocumprimentodemandadodebuscaeapreensãoemergencialpelapolíciamilitar” (2a T., RE 404.593/ES, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 18/08/2009, pub. no DJe de 23/10/2009).

Na mesma linha, segue o Superior Tribunal de Justiça: “[...] 1. Nos termos do art. 144 da Constituição Federal, à polícia federal e às polícias civis compete, com exclusividade, unicamente o exercício das funções de polícia judiciária, o que não se estende à atividade de polícia investigativa. Assim, embora não seja atividade típica da polícia militar, não consiste em ilegalidade - muito menos nulidade - eventual cumprimento de mandado de busca e apreensão pela instituição. Precedentes. [...]” (5a T., AgRg no HC n. 752.547/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 13/9/2022, pub. no DJe de 19/9/2022).

E: “[...] 1. A Constituição da República diferencia as funções de polícia judiciária e de polícia investigativa, sendo que apenas a primeira foi conferida com exclusividade à polícia federal e à polícia civil, evidenciando a legalidade de investigações realizadas pela polícia militar e da busca e apreensão por aquela corporação realizada, mediante ordem judicial. [...]” (6a T., RHC 97886 / SP, Rel. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 07/08/2018, pub. no DJe de 14/08/2018).

Por fim, a própria autoridade judiciária responsável pela ordem poderá realizar o seu cumprimento (art. 241,CPP).

» Procedimento de execução

Como a busca domiciliar exige ordem judicial por imposição constitucional como visto, a parte inicial do art. 241 do CPP, que autoriza a diligência pela autoridade policial, mediante dispensade mandado, encontra-se derrogada.

Nos termos do art. 245 do CPP, o executor, de posse do mandado de busca e apreensão, comparecerá ao local a ser diligenciado e, durante o dia, salvo se o morador consentir que se realize à noite, antes de penetrar na casa, mostrará e lerá o mandado ao morador, ou a quem o represente,intimando-o,emseguida,aabriraportaemostraracoisaprocurada,sedeterminada.

O mandado somente será dispensável quando a autoridade judiciária realizar pessoalmente a busca,hipótese em quedeclarará sua qualidadee oobjeto da diligência.

Não atendida a ordem, será arrombada a porta e forçada a entrada.

Apresentando o morador resistência ao cumprimento da determinação, será permitido o emprego de força contra coisas existentes no interior da casa, para o descobrimento do que se

188

Idêntico procedimento será adotada quando ausentes os moradores, devendo, nessa situação, ser intimado qualquer vizinho a assistir à diligência, se houver e estiver presente.

Encontradaacoisaqueseprocura, seráimediatamente apreendida epostasob guardada autoridadeou de seus agentes.

Não sendo encontrada a coisa procurada, os motivos da diligência serão comunicados a quem tiversofrido abusca, se orequerer.

Em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável parao êxito dadiligência.

» Formalização

Concluída a diligência, lavra-se auto de busca e apreensão, assinando-o o(s) executor(es) com 02(duas) testemunhas presenciais, e, caso tenha sido necessário, do vizinho que assistiu ao arrombamento da entrada da porta da casa na ausência do morador.

» Cumprimento em território alheio

Nos termos do art. 250 do CPP, a autoridade ou seus agentes poderão penetrar no território de jurisdição alheia, ainda que de outro Estado, quando, para o fim de apreensão, forem no seguimentodepessoaoucoisa,devendoapresentar-seàcompetenteautoridadelocal, antesda diligênciaou após, conforme aurgênciadesta.

Compreende-se que a autoridade ou seus agentes vão em seguimento da pessoa ou coisa, quando:

a)tendoconhecimentodiretodesuaremoçãooutransporte,seguirem-naseminterrupção, emboradepois a percam devista;

b) ainda que não a tenham avistado, mas sabendo, por informações fidedignas ou circunstâncias indiciárias, que está sendo removida ou transportada em determinada direção, forem ao seu encalço.

Na hipótese em que as autoridades locais tiverem fundadas razões para duvidar da legitimidade das pessoas que, nas referidas diligências, entrarem em seu território, ou da legalidade dos mandados que apresentarem, poderão exigir as provas dessa legitimidade, mas evitando frustrar a diligência.

» Encontro fortuito de provas ou serendipidade

É o que se chama de serendipidade, que se configura quando a prova de determinada infração penal é encontrada casualmente durante diligência autorizada para a investigação de outro crime.

Nesse contexto, a prova será válida desde que, no cumprimento da ordem judicial, inexista desvio de finalidade ou abuso de autoridade pelo seu executor.

» Criminalização

Nos termos da Lei nº 13.869/2019, em seu art. 22, caput e seu § 1º, constitui crime invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ouforadas condições estabelecidas em lei:

Incorre ainda, em crime, quem:

a) coagir alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências;

b) cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas).

A pena prevista, em qualquer dos casos, é de detenção, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa.

189 procura.

Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre (§ 2º).

11.2.1.3.2. Busca pessoal

Nos termos do art. 240, § 2o do CPP, proceder-se-á à busca pessoal, quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou os seguintes objetos:

a) coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

b) instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

c) armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

d) objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

e) colher qualquer elemento de convicção.

De igual modo, poderá acontecer durante a execução de ordem de busca e apreensão domiciliar (art. 244, partefinal,CPP).

A busca veicular equipara-se à busca pessoal.

Considera-se, ainda, que abrange o corpo da pessoa suas vestes e outros objetos que estejam por ela sendo transportados (bolsa, mochilas, malas, etc.).

Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado:

a) no caso de prisão;

b) quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito;

c) quando amedida fordeterminadano curso de busca domiciliar.

Por outro lado, o cumprimento da ordem judicial poderá ocorrer em qualquer hora do dia, exceto se o sujeito procurado estiver dentro de domicílio, quando deverão ser observadas as regras da busca domiciliar para fins de preservação da inviolabilidade de domicílio.

A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo dadiligência(art. 249,CPP).

Ademais, somente as autoridades judiciais, policiais ou seus agentes estão legitimados a realizar a busca pessoal.

O procedimento de busca pessoal acima tratado não se confunde com a revista corporal realizada por razões preventivas de segurança de natureza contratual e que deverá sempre ocorrer com moderação e proporcionalidade. A recusa do indivíduo em se submeter a tal modalidade de revista resultará na proibição de ingressar no recinto ou acessar ao serviço oferecido. Nada mais. É o que acontece, por exemplo, na entrada de casas de show, festas, aeroportos, dentre outros.

11.2.2. INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E TELEMÁTICAS

A Constituição Federal, no art. 5º, inciso II, determina: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Nesse aspecto, a norma regulamentadora do dispositivo constitucional é a Lei nº 9.296/96 que, em seu art. 1º, caput, disciplina o procedimento de interceptação das comunicações telefônicas de qualquer natureza.

190

A expressão interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza abrange aquelas feitas por terceiro, com ou sem consentimento de um dos interlocutores.

Como se trata de medida cautelar probatória, exige-se, para sua concessão, a demonstração de elementos contundentes da existência de crime e de sua autoria (fumus commissi delicti), os quais, se não forem coletados imediatamente, perder-se-ão (periculum in mora).

O Conselho Nacional de Justiça, por intermédio da Resolução CNJ nº 59, de 09 de setembro de 2008, com as alterações posteriores, disciplina e uniformiza as rotinas visando ao aperfeiçoamento do procedimento de interceptação de comunicações telefônicas e de sistemas de informática e telemática nos órgãos jurisdicionais do Poder Judiciário, aos quais se refere a Lei nº9.296, de24dejulho de1996.

11.2.2.1. Interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação telefônica

Não se confundem interceptação telefônica, escuta telefônica e gravação telefônica:

a) interceptação telefônica é a captação e o registro, realizado por terceiro, do conteúdo de comunicação telefônica entre duas ou mais pessoas, sem o conhecimento dos interlocutores;

b) escuta telefônica é a captação e o registro, executado por um terceiro, com o consentimento de um dos participantes do diálogo telefônico; e

c) gravação telefônica clandestina,acaptaçãodeconversatelefônica realizada por um dos interlocutores, sem que o outro saiba, ainda que conte com o auxílio de um terceiro139

As interceptações telefônicas e as escutas telefônicas estão sujeitas à cláusula de reserva de jurisdição, necessitando de autorização judicial prévia para sua realização, o que não se exige da gravação telefônica clandestina desde que realizada em razão do exercício de direito idôneo.

11.2.2.2. Interceptações eletrônica e telemática

A Lei nº 9.296/96, consoante dispõe o seu art. 1º, parágrafo único, tem também aplicação para as interceptações do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Interceptação eletrônica é a captação e o registro de comunicações havidas por meios informáticos, com transmissão pela rede mundial de computadores, como o correio eletrônico (e-mail); Interceptação telemática, a captação e o registro de comunicação havida mediante a transmissão de escritos e de mídias audiovisuais (áudio, vídeo e fotografia) pela utilização de instrumentos telefônicos, associados a sinais da rede mundial de computadores140 .

Assim, sujeitam-se ao mesmo regime de autorização judicial previsto na Lei nº 9.296/96 a interceptação de comunicações mantidas por intermédio de mensagens de e-mail e demais mensagens privadas transmitidas pela rede mundial de computadores (internet), a exemplo das comunicações individuais mantidas por sistema como o inbox do facebook e o Messenger, bem com mensagens transmitidas por sistemas e tecnologias de telefone celular, do tipo SMS ou, ainda, por whatsapp e telegram

Por sua vez, a obtenção será lícita, ainda que não haja autorização judicial, caso exista permissão prévia do acusado.

De outra banda, a prova obtida decorrente de conduta em que a autoridade policial, sem qualquer autorização judicial ou pessoal, passando-se pelo acusado, atende ligação telefônica a este direcionada, foi, por decisão proferida pela 6a Turma do STJ, considerada ilícita por violar

139 [...]3. No caso concreto, agenitora davítima solicitou auxílio técnico a terceiro para a gravação de conversas realizadas atravésde terminaltelefônico de sua residência, na qualidade de representante civil do menor impúbere e investida no poder-dever de proteção e vigilância do filho, não havendo ilicitude na gravação. Dada a absoluta incapacidade da vítima para os atos da vida civil. E ante a notícia de que estava sendo vítima de crime de natureza hedionda. A iniciativa da genitora de registrar conversa feita pelo filho com o autor da conjecturada prática criminosa se assemelha à gravação de conversa telefônica feita com a autorização de um dosinterlocutores, sem ciência do outro, quando há cometimento de delito por este último, hipótese já reconhecida como válida pelo Supremo Tribunal Federal. [...]. (STJ; 6ª Turma; REsp 1.026.605/ES; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; DJe 13/06/2014)

140 REBOUÇAS, Sérgio. Op. cit., p. 698

191

a privacidade daquele e constituir quebra do sigilo das comunicações telefônicas141

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça evoluiu no sentido de admitir o procedimento consistente na prática do espelhamento via whatsapp web das conversas realizadas pelo investigado contra terceiros, desde que o uso da ação controlada na investigação criminal esteja amparada por autorização judicial.

Na hipótese de e-mail corporativo, dispensa-se a necessidade de prévia autorização judicial para a quebra do sigilo das informações nele contidas, quando, nas disposições normativas para seu uso, constar a advertência ao usuário de que se destina somente a assuntos estritamente profissionais, e, portanto, às comunicações sujeitas a monitoramento e acesso pelo empregador.

Relativamente às prerrogativas de advogados, a Lei nº 8.906/94, em seu art. 7º, inciso II, estabelece “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde querelativas ao exercício da advocacia; [...]”.

A violação de dita prerrogativa constitui crime previsto no art. 7º-B da Lei nº 8.906/94, dispositivoincluído pela Lei nº 13.869/2019.

Nesse contexto, perfeitamente possível a medida cautelar ora examinada quando houver indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, sendo, todavia, vedada a utilização das informações relativas aos seus clientes, exceto se esses estejam sendo formalmente investigados como partícipes ou coautores no delito que deu causa à quebra da inviolabilidade, na forma disposta no art. 7º, §§ 6º e 7º da Lei nº 8.906/94.

11.2.2.2.1. A interceptação de comunicações telefônicas e de sistemas de informática e telemática realizada diretamente pelo membro do Ministério Público mediante autorização judicial

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), via Resolução CNMP nº 36/09, disciplina o pedido e a utilização das interceptações telefônicas no âmbito do Ministério Público, prevendo a possibilidade de o membro do Ministério Público, em procedimento investigatório criminal ou na instrução processual penal, sempre mediante autorização judicial, realizar diretamente o procedimento de interceptação de comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática a que se refere a Lei nº 9.296/96, observando as cautelas e providências previstas no ato do CNMP.

A Resolução, a propósito, foi objeto da ADI 5.315, tendo o Pleno do Supremo Tribunal Federal, com Relatoria do Min. Luis Roberto Barroso, em julgamento concluído em 04 de setembro de 2023, com trânsito em julgado em 16 de novembro de 2023, reconhecido sua constitucionalidade, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional o estabelecimento, por Resolução do CNMP, de cautelas procedimentais para proteção de dados sigilosos e garantia da efetividade dos elementos de prova colhidos via interceptação telefônica”142 .

11.2.2.3. Procedimento

Ao regulamentar o inciso XII, parte final do art. 5º da Carta Magna, a Lei nº 9.296/96 estabeleceu regras que deverão ser observadas na realização das interceptações de comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, pontualmente abaixo destacadas.

11.2.2.3.1. Pressupostos de admissibilidade

Infere-se da exegese dos arts. 1º e 2º da Lei nº 9.296/96, que são pressupostos cumulativos para admissibilidade da interceptação:

a) a utilização da prova coletada em investigação criminal ou em instrução processual

141 HC 511.484/RS

142 Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15362623801&ext=.pdfAcesso em 14 de maio de 2024.

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penal;

b) a existência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

c) que a prova não possa ser feita por outros meios disponíveis; e

d) que o fato investigado constitua infração penal punida com pena de reclusão.

Streck143 , com propriedade, adverte que a expressão “meios disponíveis” contida na parte final do inciso II do art. 2º da aludida lei, referida no parágrafo anterior na letra “c”, não deve ser interpretada como os meios que, materialmente, estejam à disposição da autoridade policial, mas, sim, como osmeios legais-processuais.

Entretanto, é ônus da defesa, quando alega violação ao disposto no artigo 2º, inciso II, da Lei 9.296/1996, comprovar que existiam, de fato, outros meios investigativos como alternativa à interceptação das comunicações telefônicas e telemáticas.

É bom destacar que não se admite a denominada interceptação de prospecção, isto é, a interceptação de comunicações telefônicas realizada com a finalidade de se obter indícios de autoria ou de participação em infração penal do indivíduo a suportar a medida. Como visto, estes indícios devem existir anteriormente ao pedido da diligência, cuja finalidade será a obtenção de prova de que aquele concorreu para a prática de um crime.

Namesmalinhaderaciocínio, pedido deinterceptação formulado unicamentecom base em denúncia anônima deveser indeferido.

11.2.2.3.2. Iniciativa

O art. 3º, caput da Lei nº 9.296/96, estabelece que a interceptação ora abordada poderá ser determinada pelo juiz, de ofício, ou a requerimento da autoridade policial, na investigação criminal, ou do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Com relação à possibilidade de decretação da medida de ofício pelo magistrado na fase investigatória, parece-nos que se mostra incompatível com o modelo acusatório do processo penal, além de violar a garantia da imparcialidade do juiz.

Tramita no Supremo Tribunal Federal, a ADI nº 3.450, proposta pela Procuradoria-Geral da República em 31 de março de 2005, com Relatoria do Min. Gilmar Mendes, que requer a inconstitucionalidade parcial do citado dispositivo, sem redução do texto, para excluir a possibilidade de o magistrado, na fase pré-processual, determinar de iniciativa própria a interceptação de comunicações telefônicas.

Quanto a eventual representação formulada pela autoridade policial pela interceptação de comunicações telefônicas, a lei específica nada expressa com relação à necessidade de oitiva prévia do Ministério Público. Todavia, o procedimento ora abordado deve ser interpretado em conformidade com a Constituição Federal que, nesse caso, torna necessária a oitiva prévia do órgão do Ministério Publico a respeito do pleito diante de seu status de dominus litis e na condição de guardião dos direitos individuais e coletivos da sociedade, como aponta Streck144 . 11.2.2.3.3. Pedido

O pedido de interceptação deverá conter, com clareza, a demonstração da situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e a qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada e ainda que a sua realização se faça necessária à apuração da infração penal, com indicação dos meios a serem empregados imobstante o art. 4º, § 1º da Lei nº 9.296/96, expressar a possibilidade de admissão, em caráter excepcional, de pedido formulado verbalmente, caso em que a concessão da medidaserá

143 STRECK, Lênio Luiz. As interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais – Constituição – Cidadania – Violência: A lei 9.296/96 e seus reflexos penais e processuais. 2ª ed. rev. ampl. PortoAlegre: Livraria doAdvogado Editora, 2001. Pag. 54. 144 Ibid., p. 76.

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condicionada à sua redução a termo, o comum é que se requeira por escrito mediante petição subscrita pela autoridade requerente e que contenha os pressupostos referidos no parágrafo anterior.

Formulado o pedido, o juiz terá até 24 (vinte e quatro) horas para decidir sobre ele.

11.2.2.3.4. Prazo da interceptação

A decisão concessiva, devidamente fundamentada na presença dos pressupostos de admissibilidade da medida, indicará a forma de execução da diligência que, prima facie, não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável, entretanto, de forma sucessiva, quantas vezes for necessário desde que demonstrada a inevitabilidade da manutenção da interceptação.

11.2.2.3.5. Execução e formalização da interceptação

Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos da interceptação, dando ciência ao Ministério Público, o qual poderá acompanhar a sua realização, nos termos doart. 6º, caput daLei nº9.296/96.

Para execução desses procedimentos, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público (art. 7º, Lei nº 9.296/96).

No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição, que deve representar o conteúdo fiel das conversas gravadas, sendo desnecessária a degravação integral do material obtido com a quebra do sigilo referido, bastando que se confira às partes o acesso aos diálogos interceptados145 .

Encerradoo procedimento, aautoridadepolicial encaminharáo resultadodainterceptação ao juiz competente, acompanhado do auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas, e das mídias de gravação e transcrição dos diálogos, se for o caso, o que permitirá, oportunamente, verificar se os meios empregados foram, de fato, os citados no pedido e a decisão, e se não houve extrapolação do prazo por parte da autoridade executora.

Recebidas as peças, o juiz determinará a sua autuação em autos apartados, como procedimento cautelar de interceptação. Esses autos serão apensados aos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrição respectivas, cientificado oMinistério Público.

A apensação será realizada imediatamente, antes do relatório da autoridade, quando se tratar deinquéritopolicial (art.10,§ 1°,CPP),ounaconclusão do processo aojuiz,parasentença.

É que os dispositivos citados na parte final do parágrafo único do art. 8º da Lei nº 9.296/96, sofreram modificações legislativas: o art. 407 teve sua redação alterada pela Lei nº 11.689/2008, passando a tratar do procedimento incidente das Exceções; o art. 502 foi revogado pela Lei nº 11.719/2008; e o art. 538, com redação alterada pela Lei nº 11.719/2008, passou a versar sobre infrações penais de menor potencial ofensivo, todos do Código de Processo Penal.

Atente-se que a formalização da interceptação telefônica nos autos ocorrerá somente depois do encerramento dadiligência, sobpena de prejudicar a operação.

Nesse contexto, é permitido que a autoridade competente restrinja o acesso de advogados aos autos, sem que constitua violação de prerrogativa, consoante dispõe o art. 7º, § 11 da Lei nº 8.906/94146 .

Acostado todo o material ao processo, deverá ser assegurado às partes o exercício do contraditório diferido e da ampladefesa.

145 STF,1ªTurma, Rcl-AgR33.783/SP, Rel.Min. Roberto Barroso, j.em29/11/2019, pub.no DJede13/12/2019.

146 Art. 7º: São direitos do advogado: [...] § 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.

194

11.2.2.3.6. Incidente de inutilização de gravação

Nos termos do art. 9º da Lei nº 9.296/96, a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.

11.2.2.3.7. Criminalização

O art. 10, da Leinº 9.296/96, com a redação dada pela Lei nº 13.869/2019, define que constitui crime, com pena de reclusão de 02(dois) a 04(quatro) anos, e multa, realizar interceptação decomunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei, estando sujeito à mesma pena, a autoridade judicial que determina a execução de quaisquer dessas condutas com idêntico objetivo.

11.2.3. ACESSO A REGISTROS TELEFÔNICOS E DADOS CADASTRAIS

O acesso a registros telefônicos não se confunde com a interceptação das comunicações telefônicas, pois representa o conhecimento das ligações telefônicas efetuadas e recebidas por determinada pessoa, em um certo lapso temporal, revelando os números de origem e de destino, o mesmo ocorrendo em relação ao acesso aos seus dados de cadastro (qualificação pessoal, filiação e endereço).

A Lei nº 12.850/2013, que trata do combate às organizações criminosas, no seu art. 3º, inciso IV, informa que, em qualquer fase da persecução penal, será permitido, como meio de obtenção de prova, “acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais”. Nesse caso, estabelecem os seus arts. 15, 16 e 17 que:

a) o delegado de polícia e o órgão do Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito;

b) as empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de 05 (cinco) anos, acesso direto e permanente do juiz, do Ministério Público ou do delegado de polícia aos bancos de dados de reservas eregistro de viagens;

c) as concessionárias de telefonia fixa ou móvel manterão, pelo prazo de 05 (cinco) anos, à disposição das autoridades mencionadas no art. 15, registros de identificação dos números dos terminais de origem e de destino das ligações telefônicas internacionais, interurbanaselocais.

Na forma do art. 13-A do CPP, para apuração dos crimes de sequestro e cárcere privado (art. 148), redução a condição análoga à de escravo (art. 149), tráfico de pessoas (art. 149-A), extorsão (art. 158, § 3º), extorsão mediante sequestro (art. 159), todos previstos no Código Penal, e no tipificado do art. 239 do ECA, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos.

A requisição, que será atendida no prazo de 24(vinte e quatro) horas, conterá: o nome da autoridade requisitante; o número do inquérito policial e a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pelainvestigação.

De acordo com o art. 13-B do CPP, se for necessário à prevenção e à repressão dos

195

crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia, mediante autorização judicial, poderão requisitar às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais147 , informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos dodelitoem curso.

Nessa hipótese, o sinal:

a) não permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, o que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em lei;

b) deverá ser fornecido pela prestadora de telefonia móvel celular por período não superior a 30 (trinta) dias, renovável por uma única vez, por igual período;

c) paraperíodossuperioresàquelesdequetrataaletra“b”,seránecessáriaaapresentação deordem judicial.

O art. 13-B, § 4º do CPP, estabelece que, não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a autoridade competente (delegado de polícia ou membro do Ministério Público) requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso, com imediata comunicação ao juiz.

A permissibilidade acima foi objeto da ADI 5.642/DF, proposta pela Associação Nacional das Operadoras Celulares (ACEL), atualmente em tramitação no STF, sob relatoria do Min. Edson Fachin, com julgamento pela improcedência do pedido concluído em 18 de abril de 2024148 .

É de se destacar que a consulta direta ao aparelho telefônico para coleta de citados dados deve ser precedida de ordem judicial uma vez que, diante das inovações tecnológicas, o acesso viabiliza a conferência de extratos bancários, fotos, e-mails, vídeos, conversas em aplicativos WhatsApp, Telegram, entre outros.

11.2.3.1. Criminalização

A recusa ou a omissão de dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, no curso de investigação ou do processo, constitui crime, com pena de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, incorrendo na mesma sanção quem, de forma indevida, se apossa dos dados cadastrais retromencionados, propala-os, divulga-os ou faz uso deles, a teor do disposto no art. 21, caput e parágrafo único daLei nº12.850/2013.

11.2.4.

CAPTAÇÃO AMBIENTAL

Classifica-se da seguinte forma:

147 Art. 13-B, § 1º do CPP: Para os efeitos deste artigo, sinal significa posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensi- dade de radiofrequência.

148 Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5117846Acesso em 14 de maio de 2024.

196

Captação ambiental

Interceptação ambiental

Escuta ambiental

Gravação ambiental

11.2.4.1. Interceptação ambiental, escuta ambiental egravação ambiental

A interceptação ambiental é a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, feita por terceiro, realizada sem conhecimento dos comunicadores. Por sua vez, a escuta ambiental é a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, feita por terceiro, com o consentimento de um dos comunicadores. Já a gravação ambiental é a captação no ambienteda comunicação, feita por um dos comunicadores.

A captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos tinha previsão normativa somente no art. 3º, inciso II da Lei nº 12.850/2013, aplicável no combate às organizações criminais.

Com a entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019, o art. 8º-A foi acrescentando à Lei nº 9.296/96, passando a prever expressamente a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos como meio de obtenção de prova fora da esfera das investigações sobre organizações criminosas, mediante atendimento dospressupostos adiante abordados.

Diferentemente das comunicações telefônicas em que se tem o sigilo dos diálogos, os quaissãorestritosaosinterlocutores,nacomunicaçãoambientalentrepessoasissonemsempre acontece, pois ela poderá ter (ou não) o caráter sigiloso, a depender do contexto em que se der, o que pode constituir (ou não) invasão da privacidade do indivíduo. Assim, a comunicação ambiental, que é constitucionalmente assegurada, poderá ocorrer nos seguintes moldes:

a) captação ambiental de comunicação (ou imagens) mantida em lugar público, sem contexto de intimidade: não necessita de autorização judicial. Entende-se por lugar público o local de livre acesso e trânsito das pessoas em geral, sem qualquer nota de reserva. Aplica-se, nesse caso, a teoria do risco (ex.: salas de espera de repartição pública,praçaspúblicas, shoppings centers etodososlugaresdelivreacessoaopúblico);

b) captação ambiental de comunicação (ou imagens) mantida em lugar público, mas em caráter reservado: há proteção jurídica à intimidade, dependendo, portanto, de autorização judicial (ex.: duas pessoas se põem em um contexto de intimidade e de sigilo ao conversarem, mesmo que se encontrem em lugar de livre acesso ao público);

c) captação ambiental de comunicação mantida em lugar privado não aberto ao público:necessita de autorização judicial, diante da proteção à inviolabilidade de domicílio.

Ao analisar a captação ambiental no âmbito do combate às organizações criminosas, o entendimento pretoriano é o de que, para a interceptação ambiental e para a escuta ambiental, exige-se autorização judicial, quando em local privado, sendo ela dispensada para a gravação ambiental, aplicando-se, no que couber, tratamento normativo idêntico àquele das comunicações telefônicas.

As comunicações que dizem respeito ao patrocínio da causa, mantidas entre o advogado e seu cliente, terão garantido o sigilo, não estando este sujeito a quebra sequer mediante autorização judicial, independentemente do local em que elas se derem, como prevê o art. 7º, inciso II da Lei nº 8.906/94. O afastamento da inviolabilidade somente poderá ocorrer no cenário

197

de envolvimento do profissional na prática de infração penal, nos termos dos parágrafos sexto e sétimo domesmo diploma legal.

11.2.4.1.1. Procedimento

11.2.4.1.1.1. Pressupostos de admissibilidade

A captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos poderá ser autorizada judicialmente para a investigação ou instrução criminal, nos termos do art. 8º-A da Lei nº 9.296/96, quando:

a) a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e b) houver elementos provatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 04 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.

11.2.4.1.1.2. Iniciativa

Será autorizada pelo juiz a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público.

11.2.4.1.1.3. Pedido

O requerimento, que conterá a comprovação do atendimento dos pressupostos de admissibilidade, deverá também descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação dodispositivo decaptação ambiental.

11.2.4.1.1.4. Decisão concessiva

Formulado o pedido, o juiz terá até 24(vinte e quatro) horas para decidir sobre ele.

A decisão, devidamente fundamentada com a presença dos pressupostos de admissibilidade da medida, indicará a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por igual período, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada.

11.2.4.1.1.5. Execução da medida e o incidente de inutilização de gravação

Para execução da medida e quanto ao incidente de inutilização de gravação, aplicamse, subsidiariamente, as regras previstas na Lei nº 9.296/96, referentes à interceptação das comunicações telefônicas.

Ressalte-se que, para a efetivação da captação ambiental, por vezes, é necessária a realização da denominada busca exploratória (também chamada de exploração de local), a qual consiste no ingresso no imóvel de policiais ou técnicos especializados no imóvel, mediante prévia autorização judicial, para, de forma não ostensiva, além de registrarem informações e elementos probatórios, instalarem equipamentos para captação de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, mantendo a configuração original do local, de modo que o investigado não perceba aintromissão em seu espaço físico.

A busca exploratória não obedece ao período de execução atinente à busca e à apreensão comum, podendo ser executada em qualquer dia e horário e não se sujeitando aos termos do art. 245 do CPP. Ao final, deverá ser lavrado termo circunstanciado respectivo para fins de registro da diligência.

Entretanto, por força da derrubada pelo Congresso Nacional de veto presidencial à Lei nº 13.964/2019 (VT 56/2019), em 19 de abril de 2021, foram incluídos os §§ 2º e 4º ao art. 8º-A da Lei nº9.296/96, in verbis:

a) Art. 8º [...] § 2º A instalação do dispositivo de captação ambiental poderá ser realizada, quando necessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período

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noturno,exceto na casa, nos termos do inciso XI do caput do art. 5º da Constituição Federal.

Nesse sentido, para que não haja desarrazoado retrocesso ao combate à criminalidade, deve-se interpretar que a vedação contida no referido dispositivo diz respeito exclusivamente à realização do procedimento de instalação de equipamentos de captação ambiental em “casa”149 durante o período noturno150, como medida de respeito à inviolabilidade de domicílio prevista no inciso XI do caput do art. 5º da Constituição Federal.

Ademais, é técnica de investigação que se sujeita à cláusula de reserva de jurisdição, necessitando, portanto, de autorização judicial para a sua execução.

Todavia, certamente, haverá corrente doutrinária que defenda a vedação completa da utilização de captação ambiental na casa do investigado.

A correta interpretação do texto legal deverá ser objeto de pacificação pela jurisprudência pátria.

b) Art. 8º [...] § 4º A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação.

No referido dispositivo, o legislador não atentou que a captação ambiental é gênero, o qual apresentacomoespéciesainterceptaçãoambiental,aescutaambientaleagravaçãoambiental.

Nesse contexto, é inconcebível dar à captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro (gravação ambiental) o caráter de prova ilícita, e, portanto, somente sendo possível sua utilização, em matéria de defesa, em face da inexistência de prévio conhecimento de sua realização pela autoridade policial ou pelo órgão do Ministério Público.

Ora, qual o sentido de se dar conhecimento prévio da realização de uma gravação ambiental para a autoridade policial ou para o órgão do Ministério Público? Nenhum, já que é absolutamentedesnecessáriaqualquer autorização préviapara a realização do ato.

A ilicitude da prova produzida mediante captação ambiental apenas deve ser reconhecida quando, exigida a autorização judicial, essa não tiver sido obtida de forma antecedente à diligência. Não é o caso da gravação ambiental151

Restringir a utilização da captação ambiental (na modalidade gravação ambiental), obtida sem prévio conhecimento da autoridade policial ou do órgão do Ministério Público, dando-lhe o indevido tratamento de prova ilícita e permitindo seu uso unicamente em matéria de defesa, fereosprincípiosdaisonomia,porquantomaculaachamadaparidadedearmasentreacusação e defesa, e da comunhão das provas, haja vista que a prova produzida pertence ao processo, podendo ser utilizada por qualquer das partes.

Ademais, por força do princípio da proporcionalidade, os nossos tribunais reconhecem a licitude da gravação ambiental quando for utilizada como meio de defesa para comprovar a inocência do acusado ouquando for a prova de uma investida criminosa de um dos interlocutores contrao outro.

Por fim, a necessidade de preservação da integridade da gravação é inerente a todo elemento probatório, razão precípua da cadeia de custódia, na forma estabelecida nos arts. 158Aa158-FdoCPP.

Nesse sentido, sem sombra de dúvidas, a redação do novel dispositivo legal deverá ser objeto de controvérsia a ser dirimida por nossos tribunais.

149 Código Penal, art. 150 [...] § 4º - A expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. § 5º - Não se compreen- dem na expressão "casa": Ihospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.ºII do parágrafo anterior; II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

150 Período compreendido entre 21h (vinte e uma horas) a 05h (cinco horas), conforme exegese do art. 22, § 1º, inciso III da Lei nº 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade).

151 Tese de Repercussão Geral fixada pelo STF no Tema 237: “É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”.

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11.2.4.2. Criminalização

Constitui crime:

a) promover escuta ambiental ou quebrar segredo de justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei, com pena de reclusão de 02 (dois) a 04(quatro) anos, e multa (art. 10, caput da Lei nº 9.296/96);

b) determinar a autoridade judicial a execução da conduta citada no item anterior com objetivo não autorizado em lei, com pena de reclusão de 02 (dois) a 04(quatro) anos, e multa (art. 10, parágrafo único da Lei nº 9.296/96);

c) realizar captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos para investigação ou instrução criminal sem autorização judicial, quando esta for exigida, com pena de 02(dois) a 04(quatro) anos, e multa. A pena será aplicada em dobro ao funcionário público que descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a captação ambiental ou revelar o conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo judicial (art. 10-A, caput e § 2º da Lei nº 9.296/96).

Todavia, não haverá crime se a captação for realizada por um dos interlocutores.

11.2.5. QUEBRA DE SIGILO FINANCEIRO, BANCÁRIO E FISCAL

AConstituiçãoFederalassegura no art 5º,incisosXeXII152 ,aproteçãoaosigilofinanceiro como decorrência do direito à inviolabilidade da vida privada e de seus dados.

A Lei nº 12.850/2013, no art. 3º, inciso VI, aponta a possibilidade de afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica, em qualquer fase da persecução penal, como meio de obtenção de prova (ato investigatório).

O resultado da diligência se constituirá em meio de prova (prova documental em que constarão os dados obtidos com a quebra do sigilo).

O art. 1º, caput da Lei Complementar nº 105/2001, indica que “As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”.

O sigilo financeiro, que tem um sentido mais amplo que o sigilo bancário, por força do conceito de instituição financeira estabelecido no art 1º, § 1º da LC nº 105/2001, assegura proteção contra a divulgação de dados referentes à vida das pessoas em seus relacionamentos nos mercados monetário, de crédito, de câmbio, de capitais e de seguro153

O dever de sigilo é extensivo ao Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, em relação às operações que realizar e às informações que obtiver no exercício de suas atribuições, na forma prevista no art. 2º da LC nº 105/2001.

O sigilo financeiro, a teor do art. 1º, § 4º da LCnº 105/2001, poderá ser afastado, quando for necessário para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, na fase investigativa ou do processo judicial, eespecialmentenos seguintes crimes:

a)de terrorismo;

b) de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou de drogas afins;

c)decontrabandooudetráficodearmas,muniçõesoumaterialdestinadoasuaprodução;

d) de extorsão mediante sequestro;

e)contra o sistema financeiro nacional;

152 Art. 5º: [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material oumoraldecorrentedesuaviolação;[...]XII-éinviolávelo sigilo dacorrespondênciaedascomunicaçõeste-legráficas,dedadosedascomunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; [...].

153 REBOUÇAS, Sérgio. Op. cit., p. 728.

200

f)contra a Administração Pública;

g) contra a ordem tributária e a previdência social;

h) de lavagem de dinheiro ou de ocultação de bens, direitos e valores;

i) praticados por organização criminosa.

No pedido de quebra de sigilo, a ser formulado pelo delegado de polícia ou pelo membro do Ministério Público, deverá ser demonstrada a presença de indícios da autoria e de prova da materialidade do crime investigado e a imprescindibilidade da medida para a investigação ou instrução processual criminal.

Concedida a medida, nos termos do art. 3º da LC nº 105/2001, as informações requisitadas serão prestadas pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras, preservado o seu caráter sigiloso, mediante acesso restrito às partes que delas não poderão servir-se para fins estranhos ao processo.

Por outro lado, a 5a Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, decidiu que não viola a ordem pública brasileira o compartilhamento direto de dados bancários pelos órgãos investigativos mesmo que, no Estado de origem, sejam obtidos sem prévia autorização judicial, se a reserva de jurisdição não é exigida pela legislação local154 . Tratando-se de dados sobre operações envolvendo recursos públicos, dispensa-se prévia autorização judicial, podendo o órgão do Ministério Público requisitar diretamente informações bancárias de conta corrente de titularidade da prefeitura municipal e, por extensão, ter acesso aos registros das operações bancárias realizadas por particulares, a partir das verbas públicas creditadas naquela conta. Entendimento em sentido diverso implicaria o esvaziamento da própria finalidade do princípio da publicidade, que é permitir o controle da atuação do administrador público e do emprego de verbas públicas155

11.2.5.1. Compartilhamento de dados com o Ministério Público

O Pleno do Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o compartilhamento de dados dos órgãos de fiscalização com o Ministério Público: “1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.” (RE 1055941, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 04/12/2019, pub. no DJe de 18/03/2021).

OreferidojulgamentoresultounafixaçãodoTema990derepercussãogeral:“Possibilidade de compartilhamento com o Ministério Público, para fins penais, dos dados bancários e fiscais do contribuinte, obtidos pela Receita Federal no legítimo exercício de seu dever de fiscalizar, sem autorização prévia do PoderJudiciário”.

11.2.5.2. Criminalização

Estabelece o art. 10 da LC nº 105/2001 que a quebra de sigilo, fora das hipóteses nela autorizadas, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Incorrenasmesmaspenasquemomitir,retardarinjustificadamenteouprestarfalsamente as informações legalmente requeridas.

154 AREsp 701833/SP, Rel.Min.Ribeiro Dantas, j. em04/05/2021, pub.no DJe de10/05/2021.

155 STF,2ªTurma,RHC133118/CE.

201

Nos termos do art. 1º, § 3o da LC nº 105/2001, não constitui violação do dever de sigilo:

a) a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil;

b) o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central doBrasil;

c) o fornecimento das informações de que trata o art. 11, § 2º, da Lei no 9.311/96;

d) a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa;

e) a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados;

f) a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos 2o, 3o , 4o , 5o , 6o , 7o e9destaLei Complementar; e

g) o fornecimento de dados financeiros e de pagamentos, relativos a operações de crédito e obrigações de pagamento adimplidas ou em andamento de pessoas naturais ou jurídicas, a gestores de bancos de dados, para formação de histórico de crédito, nos termos de lei específica.

11.2.6.

AÇÃO CONTROLADA

11.2.6.1. Conceito

A Lei nº 12.850/2013, em seu art. 8º, caput, conceitua a ação controlada como sendo o retardo da intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosaouaelavinculada, desdequemantidasobobservaçãoeacompanhamento, paraque a medida legal se concretize no momento mais eficaz para a formação de provas e obtenção de informações.

11.2.6.2. Previsão Legal

• Art. 4º-B da Lei nº 9.613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683/2012;

• Art.53,inciso II e parágrafo único da Lei nº 11.343/2006;

• Arts.3º,incisoIII,8ºe9ºdaLeinº12.850/2013,comasalteraçõesdaLeinº13.964/2019.

11.2.6.3. Procedimento

(1) Lei nº 9.613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683/2012 (Lei de Lavagem de Capitais)

Para não comprometer as investigações, o art. 4º-B dessa lei estabelece que a ordem de prisão de pessoas ou as medidas cautelares de ordem assecuratórias poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido oMinistério Público.

(2) Lei nº 11.343/2006 (Lei Antidrogas)

Nostermosdoart.53, caput,incisoIIeparágrafoúnicodaLeiAntidrogas,emqualquerfase da persecução penal relativa aos crimes nela previstos, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, será permitida a não autuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de

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integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Todavia, aautorizaçãojudicialparaaaçãocontroladaficarácondicionadaaoconhecimento do itinerário provável e à identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

(3) Lei nº 12.850/2013, com as alterações da Lei nº 13.964/2019 (Lei de Combate às Organizações Criminosas)

Em qualquer fase da persecução penal, será permitida a ação controlada, devendo a medida ser previamente comunicada (e não requerida) ao juiz competente, o qual, ouvido o Ministério Público, poderá, se for o caso, estabelecer os seus limites, inclusive temporal.

Por cautela, a referida comunicação será sigilosamente distribuída, de forma a não conter informações quepossam indicar a operação a ser efetuada.

Até o encerramento da diligência, para garantir o êxito das investigações, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia.

Concluída a diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado, descrevendo toda a ação controlada.

Na hipótese em que a ação envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.

11.2.7. INFILTRAÇÃO DE AGENTES POLICIAIS

11.2.7.1. Conceito

Procedimento em que se introduz de forma dissimulada (disfarçada) um agente policial no seio de uma organização criminosa, para que possa obter informações e identificar fontes deprova156

11.2.7.2. Previsão Legal

• Art. 53, inciso I da Lei nº 11.343/2006.

• Arts. 3º, inciso VII e 10 a 14 da Lei nº 12.850/2013, com as alterações oriundas da Lei nº 13.964/2019.

11.2.7.3. Procedimento

A Lei nº 11.343/2006 (Lei Antidrogas), em seu art. 53, inciso I, faz menção genérica à possibilidade de utilização da técnica da infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, mediante autorização judicial e ouvido o MinistérioPúblico,

A Lei nº 12.850/2013 (Lei de Combate às Organizações Criminosas), com as alterações oriundas da Lei nº 13.964/2019, além de prever a utilização da infiltração por policiais, em atividades de investigações, preocupou-se em estabelecer o rito procedimental a ser adotada para realização da técnica investigativa, de modo a assegurar o seu desenvolvimento dentro de padrões de segurança e sigilo necessários para a preservação da integridade do agente infiltrado.

A não observância do contido no art. 10 da Lei nº 12.850/2013 importará em nulidade da provapor acaso obtida.

Nesse diapasão, temos:

(1) A necessidade de autorização judicial prévia

A infiltração será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites e atenderá obrigatoriamente:

156 REBOUÇAS, op. cit., p. 765.

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a) representação da autoridade policial, hipótese em que, antes de decidir, a autoridade judiciária deverá ouvir o Ministério Público, a respeito do pedido;

b) requerimento formulado pelo Ministério Público, devendo o juiz, antes de decidir, munir-se de manifestação técnica do delegado de polícia, quando solicitada no curso deinquérito policial.

No pedido, o requerente (delegado de polícia ou membro do Ministério Público) deverá demonstrar a necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes e/ou apelidos das pessoas investigadas, bem como o local da infiltração.

(2) Requisitos

Diante da exegese da Lei nº 12.850/2013, verifica-se que são requisitos para concessão da medida:

a) a demonstração da existência de indícios de crimes praticados por organização criminosa (art. 10, § 2º) e a necessidade da medida para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e para evitar a prática de infrações penais;

b) a sua indispensabilidade diante da impossibilidade de produção da prova por outros meios disponíveis (art. 10, § 2º, parte final);

c) a aceitação do agente policial que será infiltrado (art. 14, inciso I).

(3) Prazo

O prazo de duração da infiltração será de até 06(seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde quecomprovada asuanecessidade.

(4) Sigilo da operação

Considerando o risco a que o agente policial estará submetido, o sigilo da medida é fundamental, não apenas para garantir a eficiência da investigação, mas, também, para a própriasegurança doinfiltrado, durante ou após aoperação.

Nesse sentido, a Lei nº 12.850/2013 prevê uma série de cautelas que deverão ser adotadas:

a) o pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que seráinfiltrado (art. 12, caput);

b) os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurandose a preservação da identidade do agente (art. 12, § 2º);

c) havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada, mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial (art. 12, § 3º);

d) o agente deve ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9º da Lei nº 9.807/99, bem como deve usufruir das medidas de proteção a testemunhas (art. 14, inciso II);

e) o agente deve ter o seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário (art. 14, inciso III);

f) o agente não deve ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito (art. 14, inciso IV).

No aspecto criminal, o descumprimento de determinação de sigilo das investigações que envolvam a ação controlada e a infiltração de agentes constitui crime, previsto no art. 20 da Lei

204

nº 12.850/2013, com pena de reclusão de 01(um) a 04(quatro) anos, e multa.

(5) Relatório

Após o encerramento do prazo da atividade de infiltração, será confeccionado e apresentado relatório circunstanciado ao juiz competente (juiz das garantias, se instalado) que, imediatamente, dará ciência do seu teor ao Ministério Público.

De igual modo, no curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes relatório da atividade, podendo o Ministério Público requisitá-lo a qualquer tempo.

11.2.7.4. Limitação material à conduta do agente policial infiltrado

Ponto nevrálgico na medida de infiltração é o de uma eventual prática de crime pelo agente infiltrado, como pseudo membro da organização criminosa.

Nesse particular, o parágrafo único do art. 13 da Lei nº 12.850/2013 dispõe que não será punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado, no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.

Obviamente, qualquer desproporcionalidade da atuação do agente com a finalidade da investigação o levará a responder criminalmente pelos excessos praticados, na forma do art. 13, caput da lei oradiscutida.

Não se perca de vista que os limites substanciais à ação do infiltrado deverão estar delineados na decisão judicial que autorizar a medida.

11.2.7.5. Infiltração virtual de agentes policiais

A Lei nº 13.964/2019 incluiu na Lei nº 12.850/2013 os arts. 10-A a 10-D, dispondo sobre a admissibilidade de infiltração virtual de agentes de polícia na internet, com o fim de investigar os crimes nela previstos e os a eles conexos, praticados por organizações criminosas, e conceituando para efeitos da Lei:

a) Dados de conexão: informações referentes a hora, data, início, término, duração, endereço de Protocolo de Internet (IP) utilizado e terminal de origem da conexão;

b) Dados cadastrais: informações referentes a nome e endereço de assinante ou de usuário registrado ou autenticado para a conexão a quem endereço de IP, identificação de usuário ou códigodeacesso tenhasido atribuído no momento da conexão.

Destaque-se que será nula a prova obtida sem a observância do procedimento previsto no art. 10-AdaLei nº12.850/2013.

11.2.7.5.1. Procedimento

(1) Necessária autorização judicial|

Assim como na infiltração física, a infiltração virtual será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites e atenderá obrigatoriamente:

a) representação da autoridade policial, hipótese em que, antes de decidir, a autoridade judiciária deverá ouvir o Ministério Público, a respeito do pedido

b) requerimento formulado pelo Ministério Público.

No pleito, o requerente (delegado de polícia ou membro do Ministério Público) deverá demonstrar a necessidade da medida, indicando o alcance das tarefas dos policiais, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais que permitam a identificação dessas pessoas.

O pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado.

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As informações quanto ànecessidade daoperação de infiltraçãoserão dirigidasdiretamente ao juiz competente, que decidirá, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após manifestação do Ministério Público, na hipótese de representação do delegado de polícia, devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado.

Os órgãos de registro e cadastro público poderão incluir nos bancos de dados próprios, mediante procedimento sigiloso e requisição da autoridade judicial, as informações necessárias à efetividade da identidade fictícia criada, nos casos de infiltração de agentes na internet.

Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada, mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.

(2) Requisitos

Diante da análise da Lei nº 12.850/2013, verifica-se que são requisitos para concessão da medida:

a) ademonstração dequeháindícios daexistênciadeinfraçãopenalrelativaàorganização criminosa(art. 10-A, §3º);

b) a sua indispensabilidade, diante da impossibilidade de produção da prova por outros meios disponíveis (art. 10-A,§ 3º, partefinal);

c) a aceitação do agente policial que será infiltrado (art. 14, inciso I).

(3) Prazo

O prazo de duração da infiltração será de até 06(seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, mediante ordem judicial fundamentada, desde que o total não exceda a 720 (setecentos e vinte) dias e que seja comprovada sua necessidade.

(4) Sigilo da Operação

Considerandoserumaoperação sensívelsobopontodevistadesegarantir,não apenas a eficiência da investigação, mas, também, a segurança do agente policial infiltrado virtualmente, são previstas uma série de providências que deverão ser adotadas para preservação do sigilo:

a) o pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que seráinfiltrado (art. 12, caput);

b) as informações da operação de infiltração serão encaminhadas diretamente ao juiz responsável pela autorização da medida, que zelará por seu sigilo (art. 10-B, caput);

c) antes da conclusão da operação, o acesso aos autos será reservado ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia responsável pela operação, com o objetivo de garantir osigilo das investigações (art. 10-A, parágrafo único);

d) os atos eletrônicos registrados na investigação serão reunidos em autos apartados e apensados ao processo criminal juntamente com o inquérito policial, assegurando-se a preservação da identidade do agente policial infiltrado e a intimidade dos envolvidos (art. 10-D, parágrafo único);

e) os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurandose a preservação da identidade do agente (art. 12, § 2º);

f) havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegadode polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial (art. 12, §3º);

g) ter o agentesuaidentidade alterada, aplicando-se, noquecouber, o disposto noart. 9º

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da Lei nº 9.807/99, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas (art. 14, inciso II);

h) ter o agente o seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisãojudicial em contrário (art. 14, inciso III);

i) não ter o agente sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito (art. 14, inciso IV).

(5) Relatório

Concluída a diligência ou o prazo máximo para sua execução, o relatório circunstanciado, juntamente com todos os atos eletrônicos praticados durante a operação, deverão ser registrados, gravados, armazenados e apresentados ao juiz competente que, imediatamente, cientificará o Ministério Público.

Com o término da investigação, todos os atos eletrônicos praticados durante a operação deverão ser registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz e ao Ministério Público, juntamente com relatório circunstanciado.

No curso do inquérito policial, a qualquer tempo, poderão ser realizados relatórios da atividade de infiltração mediante determinação do delegado de polícia ou requisição do órgão do Ministério Público ou do juizcompetente.

11.2.7.5.2. Limitação material à conduta do agente infiltrado

Como dissemos alhures, questão crucial da infiltração (física ou virtual) é a de um possível envolvimento na prática de crime pelo agente infiltrado, como, em tese, membro de uma organização criminosa.

Nesse sentido, o art. 10-C da Lei nº 12.850/2013 expressa que não comete crime o policial queocultaasuaidentidadepara,pormeiodainternet,colherindíciosdeautoriaematerialidade dos crimes previstos no seu art. 1º.

O parágrafo único do art. 13 da Lei nº 12.850/2013 dispõe que não será punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.

Por outro lado, se o agente agir com desproporcionalidade à finalidade da investigação, responderá criminalmente pelos excessos cometidos na forma do art. 10-C, parágrafo único da Lei nº12.850/2013.

Não se perca de vista que os limites substanciais à ação do infiltrado deverão estar delineados na decisão judicial que autorizar a medida.

11.3. MEDIDAS CAUTELARES DE ORDEM PESSOAL

Arts. 282 a 320 do CPP.

11.3.1.

TEORIA GERAL

A aplicabilidade, isolada ou cumulativa, das medidas cautelares de ordem pessoal pela autoridade judiciária deve levar em consideração a sua adequação para assegurar a lei penal, a investigação ou a instrução criminal, e, nos casos expressamente previstos, evitar a prática de infrações penais e a proporcionalidade diante da gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

A Lei nº 13.964/2019, ao alterar a redação do art. 282, § 2º do CPP, afastou a possibilidade de decretação de ofício pelo juiz das medidas cautelares de ordem pessoal, condicionando-as ao requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, à representação da

207

autoridade policial ou ao requerimento do Ministério Público.

Salvo nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, devidamente justificados na decisão judicial que a conceder, ao receber o pedido de imposição de medida cautelar, o juiz determinará a intimação da parte contrária para se manifestar no prazo de 05 (cinco) dias. Essa intimação será acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, enquanto os autos permanecem em cartório.

No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, a autoridade judiciária, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, na forma estabelecida no art. 312, parágrafo único do CPP.

O juiz, de ofício ou a pedido das partes, poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la por outra, quando verificar a falta de motivo para que subsista, assim como voltar a decretá-la, sesobrevierem razões que ajustifiquem.

11.3.2. PRISÃO

AConstituiçãoFederal,emseuart.5º,incisoLXI,asseguraque:“Ninguémserápresosenão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Por sua vez, o art. 283, caput do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 13.964/2019, por sua vez, estabelece que: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado”.

Divide-se a prisão em:

Prisão cautelar

Prisão

Prisão em flagrante delito

Prisão temporária

Prisão preventiva

Prisão definitiva Cumprimento da pena

11.3.2.1. Audiência de custódia

O(A) preso(a) em qualquer modalidade de prisão será encaminhado à presença da autoridade judiciária competente no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído.

Assim, a teor art. 310 do Código de Processo Penal, a autoridade judiciária, à luz do auto de prisão em flagrante, deverá deliberar, fundamentadamente, sobre:

a) relaxamento da prisão tida como ilegal; ou

b) conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, quando houver pedido do Ministério Público, presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, caso se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

c) concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança.

208

No caso de mandado de prisão cumprido fora do âmbito territorial da jurisdição do juízo que a determinou, a audiência de custódia deve ser realizada pela autoridade judicial da localidade em que ocorreu aprisão.

Em que pese, originalmente, o art. 3º-C, § 1º, do CPP, vedar, de forma absoluta, a audiência de custódia por meio de videoconferência, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADI’s nºs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305219, decidiu por promover a interpretação do referido disposto e do caput do art. 310, do mesmo diploma legal, conforme a Constituição para admitir, excepcionalmente, o emprego da videoconferência, mediante decisão da autoridade judiciária competente, desde que este meio seja apto à verificação da integridade do preso e à garantia de todos os seus direitos.

No mesmo julgamento, a Excelsa Corte, conferindo interpretação conforme ao art. 310, § 4º, do CPP, decidiu afastar a ilegalidade da prisão pelo decurso do prazo para ocorrência da audiência de custódia, cabendo a autoridade judiciária avaliar se estão presentes os requisitos para a prorrogação excepcional do prazo ou para sua realização por videoconferência, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.

11.3.2.2.

Prisão em flagrante delito

Ao tratar da inviolabilidade de domicílio, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XI dispõe: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Vê-se, portanto, que o ingresso em residência para efetivação de prisão em flagrante independe de ordem judicial ou de autorização do morador, podendo ser ela executada a qualquer dia e hora.

Entretanto, a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados, consoante fixado pelo Supremo Tribunal Federal em repercussão geral (Tema 280).

Para o Superior Tribunal de Justiça, o ingresso regular e válido no domicílio alheio para fins de execução de prisão em flagrante, sem mandado judicial e sem o consentimento do morador, exige:

a) a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito;

b) aconclusãodequeoatrasodecorrentedaobtençãodemandadojudicialpossaobjetiva e concretamenteinferirque aprovado crime será destruída ou ocultada;

c) o registro da operação em áudio-vídeo e preservação de tal prova enquanto durar o processo.

Na hipótese de ingresso mediante consentimento domorador, a citada Corte decidiu que necessário se faz a prova da legalidade e da sua voluntariedade, documentada por escrito e testemunhada, oudocumentada em vídeo, sobpena de tornar ilícita toda a prova obtida.

Nesse sentido: “1. Esta Corte Superior possui o entendimento de que as hipóteses de validação da violação domiciliar devem ser restritivamente interpretadas, mostrando-se necessário para legitimar o ingresso de agentes estatais em domicílios, a demonstração, de modo inequívoco, do consentimento livre do morador ou de que havia fundadas suspeitas da ocorrência do delito no interior do imóvel”. (5a T., AgRg no HC n. 854.089/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. em 29/4/2024, pub. no DJe de 8/5/2024), e, “[...] 4. No julgamento doHC n. 598.051/SP, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em voto de relatoriadoMinistroRogério Schietti Cruz, estabeleceu diretrizes e parâmetros, a fim de que

209

seja reconhecida a existência de fundada suspeita de flagrante delito, consignando que o consentimento do morador para a entrada dos policiais no imóvel será válido apenas se documentado por escritoe registrado em gravação audiovisual. 5. A permissão para ingresso no domicílio proferida em clima de estresse policial não deve ser considerada espontânea, a menos que tenha sido porescrito e testemunhada, ou documentada em vídeo, o que não ocorreu no caso”. (6a T., HC nº 886.472/PE, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT),j. em16/4/2024,pub. no DJede 19/4/2024).

11.3.2.2.1. Previsão legal

Arts. 301 a 310 do CPP.

11.3.2.2.2. Etapas da prisão em flagrante

Reconhecimento do estado de flagrância

Formalização da prisão

Efetivação da prisão em flagrante delito

Recolhimento do autuado ao cárcere, se for o caso.

1º - Reconhecimento do estado de flagrância

Apresentação à autoridade policial

Comunicações legais

Nos termos do art. 302 do Código de Processo Penal, configura-se estado de flagrância quando o indivíduo:

a) está cometendo ainfração penal;

b) acaba de cometê-la;

c) é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumirser ele autor da infração.

Doutrinariamente, classifica-se o flagrante em:

a) flagrante próprio: quando o agente é surpreendido cometendo a infração penal (art. 302, inciso I, CPP); ou quando acaba de cometê-la (art. 302, inciso II, CPP);

b) flagrante impróprio (quase flagrante): oagenteéperseguido,logoapós,pelaautoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração(art. 302, inciso III, CPP). Não há fixação de prazo máximo para caracterização do flagrante, mas sim a necessidade de que a perseguição, nos moldes estabelecidos no art. 290, § 1º do CPP, seja ininterrupta, ainda que aconteça durante dias157 . Assim, a crença popular de que após 24(vinte e quatro) horas do cometimento do crime o seu autor“livrao flagrante”éinverídica;

c) flagrante presumido: o agente é preso, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração (art. 302, inciso IV, CPP). Não hánecessidadedeperseguição,bastandoqueoagenteseja encontrado logo depois da prática do crime com objetos que representem indícios da autoria ou participação no

157 Art.290,§1ºdoCPP:Entender-se-áqueoexecutorvaiemperseguiçãodoréu,quando:a)tendo-oavistado,forperseguindo-osem interrupção, embora depois o tenha perdido devista; b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.

210

delito. A expressão “logo depois”, para alguns doutrinadores, seria diferente da “logo após”, mencionadanoart. 302, inciso III do CPP, unicamentenaausênciadaperseguição, representando uma relação de imediatividade entre o início da perseguição, no flagranteimpróprio e oencontro do acusado, no flagrante presumido158 De qualquer modo, o juiz deverá sopesar cada caso concreto, aplicando o critério da razoabilidade, para verificar a ocorrência (ou não) de situação de flagrante;

d) flagrante preparado (provocado): o indivíduo é induzido ou instigado à prática da infração penal, na expectativa de que seja capturado em flagrante. Trata-se de uma modalidade inadmitida pelo nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, estabelece a Súmula 145 do STF: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia tornaimpossível asua consumação”;

e) flagrante forjado: flagrante realizado para incriminar um inocente, que não praticou qualquer crime;

f) flagrante esperado: sabendo da iminência do crime, a autoridade policial aguardaos primeiros atos executórios para a realização da captura, sem induzir ou provocar o agente;

g) flagrante retardado (diferido): Em uma ação controlada, a efetivação da prisão do indivíduo e retardada para possibilitar a melhor formação de provas e autuação de outros envolvidos no crime.

Considera-se o agente em flagrante delito no:

• crime permanente: enquanto não cessar a atividade criminosa, o autor se encontra em estado de flagrância (art. 303doCPP);

• crime habitual: a doutrina não é pacífica sobre a possibilidade de ocorrência de flagrante em tais crimes, porquanto a consumação do crime somente seria possível mediante a prática reiterada de atos, não ocorrendo no caso de um ato isolado. Corrente em sentido contrário defende ser possível o flagrante quando se prove no momento da prática de um dos atos, a reiteração da conduta delituosa do agente. Ex: crime de exercício ilegal da medicina (art. 282, CP), crime de manutenção de casa de prostituição (art. 229, CP);

• crime continuado: cada um dos crimes cometidos poderá ensejar a prisão em flagrante, pois os delitos consumam-se em momentos próprios e de forma independente uns dos outros159 .

2º - Prisão em flagrante delito

Qualquer pessoa do povo poderá (flagrante facultativo) e a autoridade policial e seus agentes deverão (flagrante obrigatório) prender o indivíduo que seja encontrado em estado de flagrância(art. 301 do CPP).

Referente ao sujeito passivo do flagrante, deve-se observar as regras atinentes às imunidades conferidas a determinadas pessoas que, em razão da função ou profissão que exercem e de acordo com circunstâncias específicas, impossibilitam suas prisões em flagrante delito, consoante exposto no item 1.4.3.

Por exemplo, advogados, quando presos em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, possuem o direito da presença de representante da OAB na lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nas demais espécies de prisão, comunicação expressa à seccional da OAB, conforme assegurado pelo art. 7º, inciso IV da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da

158 LIMA, Renato Brasileiro de. Op. cit., p. 903.

159 AVENA, Noberto Claúdio Pâncaro. Op. cit, p. 863.

211

A inobservância da prerrogativa acima constitui crime capitulado no art. 7º-B do referido diploma legal, incluído pela Lei nº 13.869/2019, com pena de detenção de 03(três) a 01(um) ano, e multa.

A prisão em flagrante delito de magistrados somente se dará nas hipóteses de crimes inafiançáveis, caso em que a autoridadefará imediata comunicação e apresentação domagistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado (art. 33, inciso II da LOMAN).

De igual modo, relativamente aos membros do Ministério Público Estadual, a comunicação e a apresentação ao Procurador-Geral de Justiça (art. 40, inciso III da Lei nº 8.625/93).

Outra hipótese diz respeito aos Deputados Federais e Senadores que, desde a expedição do diploma, não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, hipótese em que os autos serão remetidos dentro de 24(vinte e quatro) horas à Casa Legislativa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a permanência (ou não) da prisão (art. 53, § 2º,CF).

Em outro aspecto, tratando-se de crime de menor potencial ofensivo de competência do juizado especial criminal, quando o autor do fato se comprometer a comparecer em juízo, o auto de prisão em flagrante será dispensado, sendo lavrado termo circunstanciado de ocorrência (TCO),na forma do art. 69, parágrafo único da Lei nº 9.099/95.

Quando o acusado se apresenta espontaneamente à autoridade policial, tem-se entendido que é impossível sua prisão em flagrante delito, uma vez não está caracterizada nenhuma das hipóteses previstas no art. 302, incisos I a IV do CPP.

Destarte, não há qualquer empecilho para que, presentes os requisitos legais (arts. 312 e 313, CPP), seja imposta a sua prisão preventiva, cuja superveniente decretação, em qualquer caso, torna prejudicada a alegação de ilegalidade na prisão em flagrante, por constituir novo título para justificar a privação da liberdade do indivíduo.

3º - Apresentação à autoridade policial

Capturado, o preso deverá ser levado pelo condutor à presença do delegado de polícia da circunscrição em que ocorreu a prisão, para as providências legais cabíveis, e não ao do lugar onde foi praticado o crime, se distintos. Porém, o não atendimento da regra não conduz à nulidadedo ato.

No entanto, a atribuição para presidir o inquérito policial será da autoridade policial do lugar da prática da infração penal, nos termos do art. 304, § 1º, parte final do CPP.

A apresentação do preso perante a autoridade policial será dispensada, quando o fato tiver sido praticado em presença de juiz, ou contra esta, no exercício de suas funções, e ele próprio presidir o auto de prisão em flagrante, a teor do art. 307 do CPP.

Não havendo autoridade policial no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será apresentado à do local mais próximo.

A fim de se evitar uma prisão ilegal, deve a autoridade policial responsável pela lavratura do auto verificar, preliminarmente, se o agente foi capturado em uma das circunstâncias caracterizadoras do estado de flagrância, previstas no art. 302 do CPP.

Não configurada nenhuma dessas circunstâncias, deverá a autoridade policial, motivadamente, negar a autuação em flagrante, determinando, se o fato constituir crime, a lavratura de boletim de ocorrência, mediante portaria, para fins de instauração de inquérito policial.

Ademais, existem situações em que a lei veda a prisão em flagrante da pessoa detida, v.g., na circunstância estabelecida no art. 301 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro): “Ao condutor de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela”.

A prisão e o local em que se encontra o preso deverão ser comunicados, imediatamente, ao juiz competente, ao Ministério Público e à sua família ou à pessoa por ele indicada (art. 306,

212 Advocacia).

4º - Formalização da prisão

A formalização da prisão em flagrante delito se fará mediante a lavratura de auto de prisão em flagrante, observando-se:

1) instrumento: Auto de Prisão em Flagrante (APF);

2) prazo: em até 24 (vinte e quatro) horas da realização da prisão;

3) lavratura do APF: pelo escrivão de polícia (oficial ou ad hoc), na presença do Delegado de Polícia. Admite-se sua confecção por juiz, quando a infração tiver sido praticada em sua presença ou cometida contra ele próprio, quando estava no exercício de suas funções;

4) Conteúdo do auto de prisão em flagrante:

• Preâmbulo (data, hora, local e identificação do presidente do ato);

• Declarações do condutor, com coleta de sua assinatura;

• Declarações da vítima, se for o caso, de 02(duas) testemunhas que acompanharam o condutor e interrogatório do autuado, colhendo após cada oitiva, as respectivas assinaturas;

• Arbitramento de fiança, se for o caso160;

• Encerramento do auto eaposição de assinaturas;

• Caso o preso se recuse a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto será assinado por 02(duas) testemunhas que tenham ouvido sua leitura na presença deste. São as denominadas testemunhas instrumentárias.

ATENÇÃO

A ausência de testemunhas que tenham presenciado o fato não impede a lavraturadoAPF.Nessahipótese,deverãoassinarpelomenos02(duas)testemunhas que tenham assistidoa apresentação do preso à autoridade (art. 304, § 2º, CPP). São as chamadas testemunhas de apresentação (testemunhas fedatárias ou testemunhas instrumentárias).

5º - Recolhimento do autuado ao cárcere, se for o caso

Não sendo hipótese de concessão de liberdade provisória pela própria autoridade policial que presidiu o APF, será o autuado recolhido ao cárcere, aguardando pronunciamento judicial, nos termos do art. 310 do CPP.

O militar preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhidoaquarteldainstituiçãoaquepertencer,ondeficarápresoàdisposiçãodasautoridades competentes (art. 300, parágrafo único doCPP).

6º - Comunicações legais

Em até 24 (vinte e quatro) horas da prisão, a autoridade deverá:

a) expedirnotadeculpa,dando ciênciadomotivodaprisão, do nomedocondutor edas testemunhas (art. 306,§2º, CPP);

b) caso o autuado não informe o nome de seu advogado, encaminhar cópia do APF para

160 Veritem 12.3.1.

213 caput do CPP).

aDefensoriaPública(art.306, §1º, CPP);

c) remeter cópia do APF para o juiz competente (art. 306, §1º, CPP).

Incorrerá nas sanções do art. 12 da Lei nº 13.869/2019, com pena de detenção de 06 (seis) meses a02(dois) anos, emulta, quem NÃO:

a) comunicar a prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal;

b) comunicar,imediatamente,aexecuçãodeprisãotemporáriaoupreventivaàautoridade judiciáriaque a decretou;

c) comunicar, imediatamente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra à sua família ou à pessoa por ela indicada; e

d) entregaraopreso,noprazo de24(vinteequatro)horas,anotadeculpa, assinadapela autoridade, com omotivo da prisão e os nomes do condutor e das testemunhas.

11.3.2.3. Prisão temporária

Espécie de prisão provisória com prazo predeterminado por lei e com a finalidade de garantir efetividade da investigação criminal nos delitos nela definidos.

11.3.2.3.1. Previsão legal

Leinº 7.960/89.

11.3.2.3.2. Iniciativa

Descabedecretaçãodeprisãotemporáriadeofício,somentepodendoserdeterminadaem atendimentoarepresentaçãodaautoridadepolicialourequerimentodomembrodoMinistério Público.

11.3.2.3.3. Momento

No curso de inquérito policial.

11.3.2.3.4. Cabimento

Cabível nas hipóteses previstas no art. 1º da Lei Federal nº 7.960/89, ou seja, quando:

1) imprescindível para as investigações do inquérito policial;

2) o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

3) houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput e seu § 2°);

b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão(art.158, caput eseus §§1°e2°);

e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

214

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com o art. 285);

k) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

l) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889/56), em qualquer de suas formas típicas;

m)tráfico de drogas (art. 12 daLei n° 6.368/76);

n) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492/86);

o) crimes previstos na Lei de Terrorismo (Lei nº 13.260/2016);

p) crimes hediondos (art 2º, § 4º da Lei nº 8.072/90);

q) crimes de tortura(art 2º,§ 4º da Lei nº 8.072/90).

Para possibilitar a decretação da prisão temporária, necessário se faz que o requerente comprove a conjugação de, pelo menos, um dos dois pressupostos mencionados nos incisos I e II, com fundadas razões de autoria ou participação do agente na prática de um dos crimes constantes do inciso III, todos do art. 1º da Lei Federal nº 7.960/89.

11.3.2.3.5. Prazos da prisão temporária

• Até 05(cinco) dias (art. 2º, caput da Lei nº 7.960/89);

• Até 30(trinta) dias nos crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo (art. 2º, § 4ºdaLei Federal nº8.072/90).

Qualquer dos prazos acima poderá ser prorrogado por decisão judicial, uma única vez por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade.

11.3.2.3.6. Ministério Público

Quando não for o requerente, o juiz, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público sobre a representação formulada pela autoridade policial.

11.3.2.3.7. Mandado de prisão

Decretada a prisão, será expedido mandado que conterá, obrigatoriamente, o período de duração da prisão temporária, bem como o dia em que o preso deverá ser libertado, em duas vias, uma das quais lhe será entregue, servindo como nota de culpa.

A prisão somente poderá ser executada depois da expedição de mandado judicial.

11.3.2.3.8. Controle judicial

De ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou do advogado, o juiz poderá determinar que o preso lhe seja apresentado, solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial e submetê-lo a exame de corpo de delito.

Deixando, porém, de existir os motivos que ensejaram a medida privativa de liberdade, ainda que no curso do prazo, o juiz poderá revogá-la.

Os presos temporários deverão permanecer, obrigatoriamente, separados dos demais detentos.

11.3.2.3.9. Soltura

Expirado o prazo da prisão temporária, deverá o preso ser imediatamente colocado em liberdade pela autoridade responsável pela custódia, independentemente de nova ordem da autoridade judicial, salvo se já tiver sido comunicado sobre a prorrogação da prisão temporária ousobre adecretação daprisão preventiva.

A propósito, incorre na mesma pena capitulada no art. 12, caput da Lei 13.869/2019, quem

215

prolonga a execução de pena privativa de liberdade, de prisão temporária, de prisão preventiva, de medida de segurança ou de internação, deixando, sem motivo justo e excepcionalíssimo, de executar o alvará de soltura imediatamente após recebido ou de promover a soltura do preso quando esgotado o prazo judicial ou legal.

11.3.2.4. Prisão preventiva

Tem o caráter de ultima ratio, somente devendo ser imposta quando não couber a sua substituição poroutramedida cautelar de ordem pessoal.

11.3.2.4.1. Previsão legal

Arts. 311 a 316 do CPP.

11.3.2.4.2. Momento da decretação

Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal.

11.3.2.4.3. Iniciativa

A nova redação conferida ao art. 311, caput do CPP, pela Lei nº 13.964/2019 sepultou a possibilidade de decretação de prisão preventiva de ofício pela autoridade judiciária, somente podendo ser ela determinada em atendimento a requerimento do Ministério Público, do querelanteoudoassistentedeacusação,ouporrepresentaçãodaautoridadepolicial,senafase de investigação policial. Portanto, é necessário que haja provocação ao juiz.

11.3.2.4.4. Requisitos legais

(1) Pressupostos

Nos termos do art. 312, caput do CPP, são pressupostos da prisão preventiva:

a) fumus commissi delicti (provadaexistênciadocrimeeindíciossuficientesdeautoria);e

b) periculum in mora (perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado), introduzido pelaLei nº13.964/2019.

(2) Fundamentos – Periculum libertatis (art. 312, primeira parte, CPP)

a) Garantia da ordem pública ou da ordem econômica

Visa a evitar a prática de novas infrações penais. Não há que importar em resposta ao clamor ou à comoção pública resultante do fato criminoso praticado, os quais, consoante já decidido pelas Cortes Superiores, por si sós, não são suficientes para justificar a decretação da custódia preventiva. Em contrapartida, primariedade, bons antecedentes e residência fixa não são fatores inibidores da providência, quando presentes outros motivos que a justifiquem;

b) Conveniência da instrução criminal

Objetiva evitar interferência na coleta da prova;

c) Assegurar a aplicação da lei penal

Tem por finalidade garantir que o imputado não venha a se evadir do distrito da culpa, frustrando eventual cumprimento de sentença condenatória;

d) Descumprimento de obrigação decorrente de outra medida cautelar de ordem pessoal(art. 282, § 4º , CPP).

(3) Admissibilidade (art. 313, CPP)

Será admitida a decretação da prisão preventiva:

a) Nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; ou

216

b) Nos crimes dolosos se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado a temporaneidade legal da reincidência (art. 64, I, CP); ou

c) Se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas deurgência; ou

d) Quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Nessa hipótese, o preso será colocado imediatamenteem liberdade após aidentificação, salvo seoutrahipótese recomendar a manutenção da medida.

Como dito anteriormente, a prisão preventiva é providência ultima ratio, determinada somentequandonãoforcabível asuasubstituiçãoporoutramedidacautelardeordem pessoal ou esta, se imposta, mostrou-se insuficiente para atingir o seu objetivo, na forma dos arts. 282, §§ 4º e 6º c/c 319, todos do CPP.

Na mesma linha de raciocínio, é inadmissível a sua decretação com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia, como expressamente veda o art. 313, § 2º do CPP.

11.3.2.4.5. Decisão

A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva deverá ser motivada e fundamentada.

Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra medida cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos oucontemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada (art. 312, § 2º e 315, § 1º, ambos do CPP).

Nos termos do art. 315, § 2º do CPP, não se considera fundamentada nenhuma decisão judicial (interlocutória, sentença ou acórdão) que:

a) limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

b) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidênciano caso;

c) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

d) não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

e) limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

f) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Oart.387,§1ºdoCPP,porsuavez,estabelecequeojuiz,aoproferirsentençacondenatória, decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a serinterposta.

De igual modo, na pronúncia, o juiz deverá, motivadamente, decidir, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormentedecretadae, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da

217

11.3.2.4.6. Prazo

Em que pese permanecer a inexistência de prazo máximo de duração da prisão preventiva, a nova redação do art. 316, parágrafo único do CPP, dada pela Lei nº 13.964/2019, passou a exigir que o órgão emissor da decisão a cada 90 (noventa) dias revise a necessidade de sua manutenção, fundamentadamente, de ofício, sob penadetornar a prisão ilegal.

É sua submissão à cláusula rebus sic stantibus, ficando a manutenção da prisão condicionada à presença das mesmas circunstâncias em que tenham sido impostas. Caso contrário, a revogação damedidase impõe.

No entanto, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça, já decidiram que a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90 (dias), não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo em que seencontraremosautosdaaçãopenalserinstadoareavaliaralegalidadeeaatualidadedeseus fundamentos.

11.3.2.5. Prisão definitiva

É a prisão para cumprimento de pena privativa de liberdade imposta por sentença penal condenatória transitada em julgado. É também chamada de prisão-pena (carcer ad poenam).

11.3.3. MANDADO DE PRISÃO

11.3.3.1. Requisitos

São requisitos do mandado de prisão:

a) designação da pessoa, que tiver de ser presa, por seu nome, alcunha ou sinais característicos;

b) menção à infração penal que motivar a prisão;

c) o valor da fiança arbitrada, quando afiançável a infração;

d) ser dirigido a quem tiver qualidade para dar-lhe execução;

e) assinatura da autoridade judiciária que expediu a ordem.

11.3.3.2. Expedição

O mandado de prisão será expedido em duplicata, devendo uma cópia ser entregue ao preso, logo depois da prisão, com declaração do dia, hora e lugar da diligência.

O preso deverá passar recibo da entrega, no outro exemplar; se recusar-se a passá-lo, não souber ou não puder escrever, o fato será mencionado em declaração, assinada por duas testemunhas.

Para o cumprimento de mandado expedido pela autoridade judiciária, a autoridade policial poderá expedir tantos outros mandados quantos forem necessários às diligências, devendo ser fielmente reproduzido neles o teor do mandado original.

11.3.3.3. Registro em banco de dados nacional

A inclusão do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça, conforme disposto no art. 289-A do CPP, permite que qualquer agente policial no território nacional efetue o cumprimento da ordem, ainda que fora da competência territorial dojuiz que o expediu.

218 prisão ou imposição dequaisquer das medidas de caráter pessoal diversas da prisão (art. 413, § 3º, CPP).

E mais: ainda que sem registro no Conselho Nacional de Justiça, o agente policial poderá executaraprisãodecretada,adotandoasprecauçõesnecessáriasparaaveriguaraautenticidade domandado e comunicando a prisão aojuiz que a determinou, devendo esse providenciar, em seguida, a anotação registral do mandado de prisão no CNJ.

Cumprido o mandado de prisão, esta será imediatamente comunicada ao juiz do local de cumprimento da medida, o qual providenciará a certidão extraída do registro do CNJ, esclarecendo a prisão ao juízo quea decretou.

Opresoseráinformadodeseusdireitos,nostermosdoincisoLXIIIdoart.5o daConstituição Federal. Caso não informe o nome de seu advogado, esse fato será comunicado à Defensoria Pública, para fazer o devido acompanhamento dele.

Existindo dúvidas sobre a legitimidade da pessoa do executor ou sobre a identidade do preso, as autoridades locais poderão pôr em custódia o detido, até que fique esclarecida a dúvida.

11.3.3.4. Cumprimento por Carta

Quando o acusado estiver no território nacional, fora da jurisdição do juiz processante, será deprecada a suaprisão, devendo constar da carta precatória o inteiro teor do mandado. Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, no qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança a ser arbitrada.

A autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precauções necessárias para averiguar a autenticidade da comunicação.

Efetivada a medida, o juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de 30(trinta) dias.

11.3.3.5. Execução da prisão

11.3.3.5.1. Previsão legal

Arts. 287 a 293 do CPP.

11.3.3.5.2. Dia, hora e local para cumprimento

A prisão do indivíduo poderá ser efetuada em qualquer dia e hora, respeitadas as restrições relativas àinviolabilidade do domicílio.

11.3.3.5.3. Cumprimento

Para o cumprimento da ordem de prisão, o executor deverá:

a) Identificar-se, sob pena de cometer o delito previsto no art. 16, caput da Lei nº 13.869/2019161 , com pena de 06(seis) meses a 02(dois) anos, e multa;

b) Ocorrendo de o procurado entrar ou se encontrar em casa de terceira pessoa, intimar o morador a entregá-lo. Se não for obedecido imediatamente, convocar 02(duas) testemunhase,sendodia,entraràforçanacasa,arrombandoasportas,senecessário;se for noite, não sendo atendido, guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombar as portas eefetuar a prisão.

O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de direito.

A captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial, por qualquer meio de comunicação. Todavia, a autoridade a quem for feita a requisição deverá tomar as precauções necessárias paraverificar asua autenticidade.

Ninguém será recolhido à prisão, sem que seja exibido o mandado ao respectivo diretor

161 Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

219

ou carcereiro, a quem será entregue cópia assinada pelo executor ou apresentadaa guia expedida pela autoridade competente, devendo ser passado recibo da entrega do preso, que poderá ser no próprio exemplar do mandado, se este for o documento exibido, com declaração de dia e hora.

Outrossim, a prisão entender-se-á feita desde que o executor, fazendo-se conhecer do réu, apresente-lhe o mandado e o intime a acompanhá-lo.

11.3.3.5.4. Perseguição para a prisão

Sendo perseguido, se o acusado passar ao território de outro município ou comarca, o executor da prisão poderá efetuá-la no lugar onde o alcançar, apresentando-o imediatamente à autoridade local, a qual, depois de lavrado o auto de flagrante, se for o caso, providenciará a remoção do preso.

O próprio legislador, no art. 290, § 1º do CPP, indica que circunstâncias configuram a situação de perseguição:

a) se tendo avistado o procurado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenhaperdido de vista;

b) sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o procurado tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.

Tendo as autoridades locais fundadas razões para duvidar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado que apresentar, poderão pôr em custódia o réu, até que fique esclarecida adúvida.

Para o Superior Tribunal de Justiça, o cumprimento do mandado de prisão no domicílio, porsisó,nãoautorizaabuscaexploratórianaresidênciadoprocuradoeaapreensãodeobjetos de forma aleatória, consoante decidido, por exemplo, no HC nº 868.155/SP, de Relatoria do Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), j. em 16/4/2024, pub. no DJe de 19/4/2024: “[...] 5. Embora legalmente viável a entrada na residência para o cumprimento de mandado de prisão, a Sexta Turma desta Corte, em diversos precedentes, firmou o entendimento de que não se pode admitir que a entrada na residência especificamente para o cumprimento de mandado de prisão sirva de salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (“fishing expedition”), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio definalidade”.

11.3.3.5.5. Emprego de força

O emprego de força na execução do ato da prisão somente será permitido quando houver oposição de resistência ou quando ela for indispensável para frustrar qualquer tentativa de fuga. Em sendo a resistência à prisão apresentada por parte de terceiros, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, sendo lavrado auto de tudo, subscrito, também, por 02 (duas) testemunhas.

O emprego da força deve ser limitado àquela necessária para vencer a resistência à execução da ordem de prisão.

11.3.3.5.6. Uso de algemas

O enunciado da Súmula Vinculante 11 do STF dispõe que “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena deresponsabilidadedisciplinar,civilepenaldoagenteoudaautoridadeedenulidadedaprisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

É vedado, ainda, o uso de algemas tanto em mulheres grávidas, durante os atos médicohospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, como em

220

mulheres, durante o período de puerpério imediato (art. 292, parágrafo único, CPP).

11.3.3.5.7. Uso de instrumentos de menor potencial ofensivo

A Lei nº 13.060/2014, disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo, em todooterritórionacional,que, consoantedispostonoseuart. 4º, são conceituados como sendo aqueles projetados especificamente para, com baixa probabilidade de causar mortes ou lesões permanentes, conter, debilitar ou incapacitar temporariamente pessoas. Ex: o gás/spray de pimenta, armas de eletrochoque, gás lacrimogênio, munições de borracha, dentre outros.

Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização desses instrumentos, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, devendo obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade.

Deslegitima, ainda, o uso de arma de fogo:

a) contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros;

b) contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros.

11.3.3.5.8. A prisão pela INTERPOL

Tema interessante e pouco abordado nos manuais de direito processual penal diz respeito ao cumprimento de mandado de prisão pela INTERPOL (Internacional Criminal Police Organization), com sede em Lyon, na França, e, no mínimo, uma representação denominada de Escritório Central Nacional (BCN), em cada país membro, formada por agentes policiais locais.

É, portanto, uma rede internacional de cooperação policial.

Recebida a informação de que o indivíduo procurado pela Justiça fugiu de seu país, o Escritório Central Nacional local incluirá o nome e informações sobre o fugitivo na lista de difusão vermelha (red notice) dos Estados-membros filiados (atualmente 194 países), internacionalizando a ordem de prisão.

Executada a prisão desse indivíduo, caberá ao país de origem da ordem solicitar o processo de sua extradição. Concedida a extradição, será efetivada a sua transferência para o país requerente.

11.3.3.5.9. Cumprimento de ordem deprisão decretada no exterior

O cumprimento, no Brasil, de ordem de prisão decretada no exterior, ainda que a ser executada pela INTERPOL, exige prévio pedido de extradição em tramitação no STF, devendo o relator determinar a prisão preventiva, nos termos do art. 102, inciso I, alínea “g” da Constituição Federal.

A propósito, consoante determina o Regimento Interno da Corte, não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do Tribunal (art. 208), devendo permanecer na prisão à sua disposição, até o julgamento final (art. 213). Nesses casos, a prisão preventiva é condição de procedibilidade para o processo de extradição e a sua finalidade é assegurar a entrega do estrangeiro ao Estado requerente, em caso de procedência162 .

11.3.3.6. Prisão domiciliar

A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.

Nos termos do art. 318, do CPP, poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agentefor:

162 STF, 1ª T., Ext 1.563/DF, Rel. Min. MarcoAurélio, julg em 15/05/2020, publ. no DJe de 29/05/2020.

221

a) maior de 80 (oitenta) anos;

b) extremamente debilitado por motivo de doença grave;

c) imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

d) gestante;

e) mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

f) homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anosde idadeincompletos.

Nos termos do art. 318-A, se a presa preventivamente for gestante, mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será possível o cumprimento da constrição em prisão domiciliardesde que não tenha cometido crime:

a) com violência ou grave ameaça a pessoa; ou

b) contra seu filho ou dependente.

Ressalte-se que o cumprimento em prisão domiciliar da medida cautelar não impede, caso necessário, a aplicação concomitantemente das medidas alternativas previstas no art. 319 doCPP.

Por fim, pode-se ter cumprimento de prisões provisórias em domicílio sempre que não seja possível assegurar ao encarcerado direito estabelecido em lei de ficar recolhido em Sala de Estado-Maior163 até o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.

Não há que se confundir a prisão domiciliar aqui examinada com a prevista no art. 117 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), que dispõe, in verbis: Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; IIIcondenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.

11.3.3.7. Prisão especial

Consiste exclusivamente no recolhimento do preso em ambiente distinto da prisão comum, quando sujeitos ao cárcere antes de condenação definitiva.

Inexistindo estabelecimento específico para acolhê-lo, a separação será assegurada mediante sua acomodação em cela distinta da mesma unidade, que poderá ser alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existênciahumana.

Afora o recolhimento nos moldes acima e ser transportado em separado, os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.

De ressaltar, ainda, a possibilidade de fixação de prisão especial mediante dispositivos em leis especiais.

O art. 295, incisos e parágrafos do CPP, em rol não exaustivo, aponta que deverão ser recolhidos em quartéis ou prisão especial:

a) os ministros de Estado;

b) os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes dePolícia;

c) os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das

163 “[...]ASalade Estado-Maiorsedefine por suaqualidade mesma de sala enão decelaou cadeia. Sala,essa, instalada no Comando das Forças Armadas ou de outras instituições militares (Polícia Militar, Corpo de Bombeiros) e que em si mesma constitui tipo he- terodoxo de prisão, porque destituída de portas ou janelas com essa específica finalidade de encarceramento. [...]”. (STF, 1ª T., HC 91.089/SP, Rel. Min. Carlos Britto, j. em 04.09.2007).

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Assembleias Legislativas dos Estados;

d) os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito”;

e) os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

f) os magistrados;

g) os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

h) os ministros de confissão religiosa;

i) os ministros do Tribunal de Contas;

j) os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função164;

k) os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.

De igual modo, os membros do Ministério Público a teor do art. 18, inciso II, “e”, da Lei

Complementar nº 75/93 e do art. 40, inciso V da Lei nº 8.625/93.

Os militares, onde for possível, serão recolhidos à prisão em estabelecimentos militares, de acordo com os respectivos regulamentos.

11.3.4. RECOLHIMENTO EM ESTABELECIMENTO PENAL FEDERAL

A Lei nº 11.671/2008, com as alterações advindas da Lei nº 13.964/2019, disciplina a transferência e inclusão de presos no Sistema Penitenciário Federal (SPF).

A atividade jurisdicional de execução penal, nos estabelecimentos penais federais, será desenvolvida pelo juízo federal da seção ou subseção judiciária em que estiver localizado o estabelecimento penal federal de segurança máxima, ao qual for recolhido o preso, sendo esse juízo competente para as ações de natureza penal que tenham por objeto fatos ou incidentes relacionados à execução dapenaou deinfrações penais ocorridas na unidade.

Ficará sob a custódia, em unidade do sistema prisional federal, o preso, condenado ou provisório, cuja medida se justifique no interesse da segurança pública ou da sua própria segurança.

Nesse sentido, o Decreto nº 6.877/2009, que regulamenta a Lei nº 11.671/2008, dispõe, em seu art. 3º, que o preso deverá possuir, no mínimo, uma das seguintes características:

a) ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante em organização criminosa;

b) ter praticado crime que coloque em risco a sua integridade física no ambiente prisional deorigem;

c) estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD);

d) ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática reiterada de crimes com violênciaougrave ameaça;

e) ser réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua integridade física no ambiente prisional de origem; ou

f) estar envolvido em incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional deorigem.

Duranteapermanêncianosistemaprisionalfederal,odetentoestarásujeito: a) recolhimento em

164 Para parte da doutrina, o dispositivo legal teria sido tacitamente revogado a partir da nova redação dada ao art. 439 do CPP pela Lei nº 12.403/2011, não mais subsistindo a prisão especial para o jurado.

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cela individual; b) visita do cônjuge, do companheiro, de parentes e de amigos somente em dias determinados, por meio virtual ou no parlatório, com o máximo de 02 (duas) pessoas por vez, além de eventuais crianças, separados por vidro e comunicação por meio deinterfone, comfilmagemegravações; c) banho de sol de até 02 (duas) horas diárias; e d) monitoramento de todos os meios de comunicação, inclusive de correspondência escrita.

Caberá à Defensoria Pública da União a assistência jurídica ao preso que estiver nos estabelecimentos penais federais de segurança máxima.

As decisões relativas à transferência ou à prorrogação da permanência do preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, à concessão ou à denegação de benefícios prisionais ou à imposição de sanções ao preso federal poderão ser tomadas por órgão colegiado de juízes, na forma das normas de organização interna dos tribunais.

A lotação máxima do estabelecimento penal federal de segurança máxima não será ultrapassada.

O número de presos, sempre que possível, será mantido aquém do limite de vagas, para que delas o juízo federal competente possa dispor em casos emergenciais.

11.3.4.1. Procedimento para inclusão ou transferência de preso no SPF

Estabelece o art. 2º do Decreto nº 6.877/2009 que o processo de inclusão ou de transferência, de caráter excepcional e temporário, será autuado em apartado e terá início mediante requerimento subscrito pela autoridade administrativa, pelo Ministério Público ou pelo próprio preso, contendo os motivos que justifiquem a necessidade da medida, devendo estar acompanhado da documentação pertinente.

Instruídos os autos do processo de transferência, no prazo de 05 (cinco) dias cada, quando não requerentes, a autoridade administrativa, o Ministério Público e a defesa serão ouvidos, bem como o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a quem é facultado indicar o estabelecimento penal federal mais adequado.

Ao ser ouvido, o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça opinará sobreapertinênciadainclusãooudatransferênciadopreso,eindicaráoestabelecimentopenal federal adequado à custódia, podendo solicitar diligências complementares, inclusive sobre o histórico criminal do preso.

Ao final da instrução do procedimento, o juiz de origem, admitindo a necessidade da inclusão ou da transferência do preso, remeterá os autos do requerimento ao juiz corregedor federal da unidade indicada 165 , que decidirá pela sua admissão, podendo determinar diligências complementares necessárias à formação do seu convencimento. Na hipótese de imprescindibilidade de diligências complementares, o juiz federal ouvirá, no prazo de 05 (cinco) dias, o Ministério Público Federal e a defesa e, em seguida, decidirá acerca da transferência no mesmo prazo.

Observe-se o que expressa o enunciado da Súmula 639 do STJ: “Não fere o contraditório e o devido processo decisão que, sem ouvida prévia da defesa, determine transferência ou permanênciade custodiado em estabelecimento penitenciário federal”.

A inclusão e a transferência do preso poderão ser realizadas sem a prévia instrução dos autos,desdequejustificadaasituaçãodeextremanecessidade,sendorequeridadiretamenteao juízo de origem, instruída com elementos que demonstrem a extrema necessidade da medida. Concordando com a medida, este último, imediatamente, remeterá, o requerimento ao juízo federal competente.

Havendo extrema necessidade, o juiz federal poderá autorizar a imediata transferência do presoe,apósainstruçãodosautos,decidirpelamanutenção ourevogação damedidaadotada.

A autoridade policial será comunicada sobre a transferência do preso provisório, quando

165 Atualmente existem 05(cinco) penitenciárias federais de segurança máxima em funcionamento, assim distribuídas: Brasília (DF), Mossoró (RN), Porto Velho (RO), Campo Grande (PR) e Catanduvas (PR).

224

a autorização da transferência ocorrer antes da conclusão do inquérito policial que presidir.

Admitida a inclusão ou a transferência, emergencial ou não, o juízo de origem deverá encaminhar ao juízo federal competente, além de sua decisão sobre as razões da excepcional necessidade damedida, os seguintes documentos:

(1) Tratando-se de preso condenado:

a) cópia das decisões nos incidentes do processo de execução que impliquem alteração dapena e regime a cumprir;

b) prontuário, contendo, pelo menos, cópia da sentença ou do acórdão, da guia de recolhimento, do atestado de pena a cumprir, do documento de identificação pessoal e do comprovante de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF, ou, no caso desses dois últimos, seus respectivos números;

c) prontuário médico;

(2) Tratando-sede preso provisório:

a) cópia do auto de prisão em flagrante ou do mandado de prisão e da decisão que motivou a prisão cautelar;

b) cópia da denúncia, se houver;

c) certidão dotempo cumprido em custódia cautelar;

d) cópia da guia de recolhimento; e

e) cópia do documento de identificação pessoal e do comprovante de inscrição no CPF, ouseus respectivos números.

A execução penal da pena privativa de liberdade, no período em que o condenado permanecer no sistema prisional federal, ficará a cargo do juízo federal competente. Já no que se refere ao preso provisório, esse juízo ficará responsável somente pela fiscalização da prisão no SPF, continuando o juízo de origem competente para o processo e respectivos incidentes.

Mediante requerimento da autoridade administrativa, do Ministério Público ou do próprio preso, poderão ocorrer transferências de presos entre estabelecimentos penais federais.

O requerimento de transferência, instruído com os fatos motivadores, será dirigido ao juiz federal corregedor do estabelecimento penal federal onde o preso se encontrar, o qual ouvirá o juiz federal corregedor do estabelecimento penal federal de destino.

Autorizada e efetivada a transferência, o juiz federal corregedor do estabelecimento penal federal em que o preso se encontrava comunicará a decisão ao juízo de execução penal de origem, se preso condenado, ou ao juízo do processo, se preso provisório, e à autoridade policial, sefor ocaso.

11.3.4.2. Prazo de permanência no sistema prisional federal

A decisão que admitir o preso no estabelecimento penal federal de segurança máxima indicará o período de permanência, que, a princípio, será de até 03 (três) anos, renovável por iguais períodos, quando solicitado motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência, e se persistirem os motivos que a determinaram.

A teor do Decreto nº 6.877/2009, restando 60 (sessenta) dias para o encerramento do prazo de permanência do preso no estabelecimento penal federal, o Departamento Penitenciário Nacional comunicará tal circunstância ao requerente da inclusão ou da transferência, solicitando manifestação acerca da necessidade de renovação.

Transcorrido esse prazo, sem que seja feito o pedido de renovação da permanência do preso em estabelecimento penal federal de segurança máxima, este retornará ao sistema prisional ou penitenciário de origem, ficando o juízo obrigado a recebê-lo na unidade sob sua

225

Na hipótese de obtenção de liberdade ou progressão de regime de preso custodiado em estabelecimento penal federal, caberá ao Departamento Penitenciário Nacional providenciar o seu retorno ao local de origem ou a sua transferência ao estabelecimento penal indicado, para cumprimento do novo regime.

Se o egresso optar por não retornar ao local de origem, deverá manifestar sua vontade, formalmente, perante o diretor do estabelecimento penal federal, ficando o Departamento Penitenciário Nacional dispensado da providência supracitada.

11.3.4.3. Rejeição de pedido de renovação da permanência do preso no SPF

Tendohavidopedidoderenovaçãodapermanênciadopreso,estecontinuarárecolhidono estabelecimento federal em que se encontrar, aguardando que o juízo federal profira a decisão:

a) aceita a renovação, ele permanecerá no estabelecimento federal de segurança máxima em que estiver, retroagindo o termo inicial do prazo ao dia que segue o término do prazo anterior;

b) rejeitada a renovação, o juízo de origem poderá suscitar o conflito de competência, que o tribunal apreciará em caráter prioritário. Enquanto não decidido o conflito de competência em caso de renovação, o preso permanecerá no estabelecimento penal federal.

A respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 662, com o seguinte enunciado: “Para a prorrogação do prazo de permanência no sistema penitenciário federal, é prescindível a ocorrência de fato novo; basta constar, em decisão fundamentada, a persistência dos motivos que ensejaram a transferência inicial do preso”.

E já decidiu que não cabe à Justiça Federal discutir os motivos declinados pelo Juízo que solicita a transferência ou a permanência de preso em estabelecimento prisional de segurança máxima, pois este é o único habilitado a declarar a excepcionalidade da medida166

11.4. MEDIDAS CAUTELARES DE ORDEM PESSOAL DIVERSAS DA PRISÃO

Nos termos do art. 319, do CPP, são também medidas cautelares de ordem pessoal e que poderão ser impostas ao investigado ou réu pela autoridade judiciária:

1) comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar ejustificar atividades;

2) proibição de acesso oufrequência a determinados lugares quando, porcircunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitarorisco de novas infrações;

3) proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva oindiciado ouacusado delapermanecer distante;

4) proibição de se ausentar da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

5) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

6) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais167;

166 AgRg no CC n. 199.369/PA, Rel. Min,Teodoro Silva Santos,Terceira Seção, j. em 28/2/2024, pub. no DJe de 5/3/2024.

167 Interessantedecisãofoiprolatadapela5ªTurmadoSuperiorTribunaldeJustiçanoRMSnº60.818,sobRelatoriadoMin.Reynaldo Soares da Fonseca,

226 jurisdição.

7) internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

8) garantia de seu comparecimento a atos do processo, a fim de evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

9) monitoração eletrônica, na forma prevista no art. 146-A a 146-D da Lei nº 7.210/84 (LEP).

11.5. ENUNCIADOS DE SÚMULAS

11.5.1. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Súmula Vinculante 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil doEstado.

Súmula 717: Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.

Súmula 697: A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo.

11.5.2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Súmula 21: Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão porexcesso deprazo na instrução.

Súmula 52: Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo.

Súmula 64: Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado peladefesa.

Súmula 639: Não fere o contraditório e o devido processo decisão que, sem ouvida prévia da defesa, determine transferência ou permanência de custodiado em estabelecimento penitenciário federal

em julgamento realizado no dia 20 de agosto de 2019, em que reconheceu a possibilidade de suspensão das atividades comerciais de pessoa jurídica com base no Código de Processo Penal: “[...] 1. A jurisprudência desta Corte vem enten- dendo que a suspensão do exercício de atividade econômica ou financeira de pessoa jurídica tem amparo legal no art. 319, VI, do CPPeestáintimamenteligadaàpossibilidade dereiteraçãodelitivaeàexistência de indícios de crimes de natureza financeira. [...] Não há necessidade de que a pessoa jurídica tenha sido denunciada por crime para que lhe sejam impostas medidas cautelares tendentes a recuperar o proveito do crime, a ressarcir o dano por ele causado ou mesmo a prevenir a continuação do cometimentode delitos, quando houver fortes evidências, como no caso dos autos, de que a pessoa jurídica é utilizada como instrumento do crime. 3. A imposição de medida cautelar de suspensão de atividade comercial de empresa somente demanda a existência de fortes indícios da existência de crime, sendo desnecessária prévia sentença condenatória transitada em julgado. [...]”.

227

Liberdade 12

AregranoEstadoDemocráticodeDireitoéaliberdadedelocomoção quegozaoindivíduo, garantida constitucionalmente no art. 5º, inciso XV (“é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”), somente podendo ser restringida em razão de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei (art. 5º, inciso LXI, CPP).

Uma vez preso, o indivíduo poderá ter restabelecida sua liberdade mediante relaxamento da prisão, revogação da prisão, concessão de liberdade provisória ou, se decorrente de prisão definitiva, pelo cumprimento da pena, como abordaremos adiante.

12.1. RELAXAMENTO DA PRISÃO

A prisão tida como ilegal, deverá ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária competente, consoante assegura o art. 5º, inciso LXV da Constituição Federal.

Ademais, o art. 310, inciso I do Código de Processo Penal estabelece que o juiz, à luz da cópia do auto de prisão em flagrante, deverá fundamentadamente relaxar a prisão caso a reconheça como ilegal diante da atipicidade do fato, efetivação ao arrepio da lei ou lavratura do auto sem observâncias das formalidades previstas em lei e na Constituição Federal168 .

Na prisão temporária, o exaurimento do seu prazo, sem que tenha sido o investigado colocado em liberdade, por si só, torna ilegal a sua permanência encarcerado.

Nãoconcedendoorelaxamentodaprisão, quandocabível, incorreráaautoridadejudiciária no crime previsto no art. 9º, parágrafo único, inciso I da Lei nº 13.869/2019 (Lei de abuso de autoridade), que expressa: “Art. 9º [...] Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de: I - relaxar a prisão manifestamente ilegal;”.

O relaxamento da prisão, porém, não é óbice para, em sequência, a decretação da prisão temporária ou preventiva, bem como de outras medidas cautelares de ordem pessoal, quando presentes requisitos legais.

12.2. REVOGAÇÃO DA PRISÃO

O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão temporária ou preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivos para que a medida subsista (art. 316, caput do CPP).

Sobrevindo razões que a justifiquem, nada impede que, motivadamente, a autoridade judiciárianovamentedecreteamedidaconstritivaouasubstituapormedidacautelardeordem pessoal alternativa.

12.3. CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA

O direito à liberdade provisória está previsto no art. 5º, inciso LXVI da Constituição Federal, que assegura que ninguém será levado à prisão ou nela mantida, quando a lei admitir aliberdadeprovisória, com ousem fiança.

Assim, preenchidos os requisitos legais, o investigado ou réu tem o direito de aguardar em

168 Ibid., p. 896.

231

liberdadeo final do processo.

A liberdade provisória pode ser considerada como:

a) medida de contracautela substitutiva da prisão em flagrante delito em que, após a autuação, coloca-se em liberdade o autuado pela ausência de motivos para a custódia preventiva, mediante compromisso de cumprimento de obrigações, como se verá mais adiante; ou

b) providência cautelar autônoma, nos termos dos arts. 321 c/c 319, inciso VIII do CPP, que pode ser aplicada, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória (art. 334, CPP), com a imposição de uma ou mais das medidas cautelares de ordem pessoal diversas da prisão (art. 321, CPP).

A liberdade provisória será concedida com ou sem fiança.

12.3.1.

LIBERDADE PROVISÓRIA COM FIANÇA

A liberdade provisória com fiança possibilita ao acusado que, mediante caução e sujeição à certas obrigações, possa permanecer em liberdade até sentença condenatória transitada em julgado.

12.3.1.1. Inadmissibilidade de fiança

Os delitos de racismo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo, crimes considerados hediondos, crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático são inafiançáveis, conforme art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV da Constituição Federal. Igualmente, na forma do art. 324 do CPP, não se concederá liberdade provisória mediante fiança:

a) aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328do CPP;

b) em caso de prisão civil ou militar; ou

c) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva.

12.3.1.2. Momento para concessão

Como medida de contracautela substitutiva da prisão em flagrante deverá ser concedida no auto de prisão em flagrante, se cabível de arbitramento pela autoridade policial (art. 322, CPP), ou, caso contrário, apreciado o seu cabimento pelo juiz tão logo comunicado da prisão em flagrante (art. 310, CPP).

Em sendo medida cautelar de ordem pessoal diversa da prisão (art. 319, VIII, CPP), será possível concedê-la enquanto não transitada em julgado a sentença penal condenatória (art. 334do CPP).

12.3.1.3. Legitimidade para sua concessão

Afiançapoderáserconcedidapelaautoridadepolicial quepresidiralavraturadoautode prisão em flagrante, nas infrações com pena privativa de liberdade máxima não superior a 04(quatro) anos (art. 322, caput, CPP).

Nos demais casos, quando cabível, será concedida pela autoridade judiciária.

12.3.1.4. Valor

Para fixação do valor da fiança, a autoridade considerará a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua

232

periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento, tudo naformaprevista noart. 326do CPP.

O valor será estabelecido de acordo com o disposto no art. 325, incisos I e II do CPP, observando-seos seguintes parâmetros:

a) de 1 (um) a 100 (cem) salários-mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos;

b) de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários-mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.

Se a situação econômica do preso recomendar, poderá a fiança ser:

a) reduzida até o máximo de 2/3(dois terços); ou

b) aumentada em até 1.000 (mil) vezes.

12.3.1.5. Forma de prestação da fiança

A fiança, que será sempre definitiva, consistirá em depósito de dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar.

Para assegurar a equivalência de valores, um perito nomeado pela autoridade fará a avaliação de eventuais imóveis, de pedras, objetos ou metais precisos apresentados como caução, assim como quando consistir em títulos da dívida pública, o valor será determinado pela sua cotação em Bolsa, e, sendo nominativos, exigir-se-á prova de que se acham livres de ônus.

O recolhimento da fiança será efetivado em repartição arrecadadora federal ou estadual (ou instituição credenciada), ou entregue ao depositário público, juntando-se aos autos o respectivo comprovante.

Nos lugares em que não se puder fazer o depósito de pronto, o valor será entregue ao escrivão ou à pessoa abonada, a critério da autoridade, e dentro de 03(três) dias, dar-se-á o destino adequado, constando tudo do termo defiança.

São as disposições contidas nos arts. 330 e 331 do CPP.

12.3.1.6. Desnecessidade de oitiva prévia do Ministério Público

Nos termos do art. 333 do CPP, a fiança será concedida independentemente de oitiva do órgão do Ministério Público, o qual, somente após sua concessão, terá vista do processo a fim derequerer o quejulgar conveniente.

12.3.1.7. Dispensa da prestação de fiança

Nos casos em que couber fiança, determina o art. 350, caput do CPP, que o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá dispensar o seu pagamento, concedendolhe a liberdade provisória sem fiança, sujeitando-o, todavia, às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do mesmo diploma legal e a outras medidas cautelares, se for o caso.

Descumprindo o afiançado, injustificadamente, qualquer das obrigações ou medidas cautelares impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, do assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (arts. 350, parágrafo único c/c 282, § 4º, ambos do CPP).

12.3.1.8. Obrigações do afiançado

A liberdade provisória com fiança impõe ao afiançado os deveres ínsitos nos arts. 327 e 328 do CPP,asaber:

a) comparecimento perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento;

233

b) proibiçãodemudançaderesidência,sempréviapermissãodaautoridadeprocessante;

c) nãoseausentarpormaisde08(oito)diasdesuaresidênciasemcomunicaràautoridade o lugar onde se encontra.

12.3.1.9. Incidentes da fiança

12.3.1.9.1. Reforço da fiança

De acordo com o art. 340 do CPP, a fiança deverá ser reforçada quando:

a) a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente;

b) houver depreciação material ou perecimento dos bens hipotecados ou caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas; ou

c) for inovada a classificação do delito.

12.3.1.9.2. Quebra da fiança

Considera-se quebrada a fiança, nos termos dos arts. 327, 328 e 341, todos do CPP, quando oafiançado:

a) descumprir os deveres ínsitos nos artigos 327 e 328 do CPP;

b) regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justificado;

c) deliberadamente, praticar ato de obstrução ao andamento do processo;

d) descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança;

e) resistir injustificadamente à ordem judicial;

f) praticar nova infração penal dolosa.

A autoridade judiciária é a única que poderá determinar o quebramento da fiança, cuja consequência será:

a) a perdademetadedovalorda fiança que,deduzidas as custas emais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário;

b) a possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares ou, em último caso, decretação da prisão preventiva, se presentes os requisitos dos arts. 312 e 313, ambos doCPP;

c) a impossibilidade de concessão de nova fiança no mesmo processo (art. 324, inciso I doCPP).

Caso venha a ser reformado o julgamento em que se declarou quebrada a fiança, esta subsistiráem todos os seus efeitos.

12.3.1.9.3. Perda da fiança

A fiança será julgada perdida na totalidade se o condenado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta (art. 344, CPP).

12.3.1.9.4. Cassação da fiança

A fiança será cassada em qualquer fase do processo quando:

a) não cabível na espécie (art. 338, CPP); ou

b) reconhecida a existência de delito inafiançável, no caso de inovação na classificação do delito(art. 339, CPP).

Cassada a fiança, o valor caucionado será devolvido a quem o prestou, devendo o juiz

234

verificar a necessidade da decretação de uma ou mais medidas cautelares diversas da prisão, ou, em último caso, a imposição da prisão preventiva.

12.3.1.9.5. Fiança tornada sem efeito

A fiança será tornada sem efeito (ou inidônea) quando o afiançado não promover o reforço da fiança que lhe foi determinado, nos termos do art. 340, parágrafo único do CPP.

Nesse caso, restitui-se integralmente o valor que a constituiu, devidamente atualizado.

Se não for adequada a imposição de qualquer das medidas cautelares de ordem pessoal não prisionais (art. 319, CPP), decretar-se-á a prisão preventiva, presentes os requisitos estabelecidos nos arts. 312e313, CPP.

12.3.1.10. Execução da fiança

Nos casos em que a fiança tiver sido prestada por meio de hipoteca, a execução será promovida no juízo cível pelo órgão do Ministério Público (art. 348, CPP).

Caso consista em pedras, objetos ou metais precisos, será determinada pelo juiz a venda porleiloeiro ou corretor (art. 349, CPP).

12.3.1.11. Destinação da fiança

O dinheiro ou objetos dados como garantia terão a seguinte destinação:

MOTIVO

Sentença de absolvição transitada em julgado

Sentença condenatória transitada em julgado

Fiança declarada sem efeito

DESTINAÇÃO DOS VALORES

(ouOBJETOS)

O valor que a constituir, atualizado, será restituído integralmente (art. 337 do CPP)

Servirá ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, e, o remanescente, devolvido a quem prestou a fiança (arts. 336 c/c 347, CPP)

O valor que a constituir, atualizado, será restituído integralmente (art. 337, CPP)

Cassação da fiança Devolução integral da fiança (art. 337, CPP)

Quebramento da fiança

Não apresentação do condenado para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta

Perda da fiança

Perda de metade do seu valor que, deduzidas as parcelas referentes às custas, indenização do dano, prestação pecuniária e multa, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei. (arts. 343 e 346, CPP)

Perda integral do valor da fiança (art. 344, CPP)

O valor da fiança, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei. (art. 345, CPP)

12.3.2. LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA

Não existe crime que não admita liberdade provisória sem fiança no ordenamento jurídico brasileiro. Mas ela somente poderá ser concedida pela autoridade judiciária.

Na hipótese do art. 310, § 1º do CPP, a autoridade judiciária concederá liberdade provisória sem fiança, sempre que verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato amparado por uma das excludentes de ilicitude expressas no art. 23, caput, incisos I, II e III do

235

Código Penal234 , assumindo, mediante termo, o compromisso de comparecimento obrigatório a todos os atos do processo, sob pena de revogação do benefício.

A medida se aplica, igualmente, por interpretação extensiva, nas situações de exclusão de ilicitude, previstas na Parte Especial do Código Penal.

Por outro lado, verificando o juiz que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares (art. 310, § 2º, CPP).

Aliberdadeprovisória,quandoforconcedidacombasenoart.310,§1ºdoCPP,porforçado disposto no art. 314 do mesmo diploma legal235 , não poderá ser revogada para se impor a prisão, aindaque obeneficiado deixede comparecer a determinado ato doprocesso.

Nos demais casos, o juiz poderá conceder liberdade provisória, impondo as medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, quando considerar que são suficientes para produzir o mesmo resultado que a prisão preventiva (art. 321, CPP).

Havendo descumprimento injustificado da medida cautelar, esta poderá ser substituída, imposta a sua cumulação com outra, ou, em último caso, poderá ser decretada a custódia preventiva, se presentes os requisitos do art. 312 do CPP.

12.4. ENUNCIADOS DE SÚMULAS

12.4.1.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Súmula 81: Não se concede fiança quando, em concurso material, a soma das penas mínimas cominadas for superior a dois anos dereclusão.

236

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