Viktor E. Frankl
Conceitos Básicos de Logoterapia
Mensanapress Publicações Digitais Há maneiras de ler Que são maneiras de ser Março, 2016
Viktor E. Frankl Conceitos Básicos de Logoterapia Texto original: ―Basic Concepts of Logotherapy‖ Tradução de: Walter O. Schlupp
Transcrição e Reprodução Digital: Luiz Edgar de Carvalho
© Logotipo criado por Ricardo Ferreira de Carvalho
Mensanapress Publicações Digitais Há maneiras de ler Que são maneiras de ser Março, 2016
Prefácio LOGOTERAPIA: O HOMEM EM BUSCA DE SENTIDO Por que existo? A vida tem sentido? Vale a pena sofrer? Por que aceitar uma doença incurável, se não há remédio para a morte? Há motivos para eu viver? Quem não se surpreende, inúmeras vezes, fazendo-se esse tipo de pergunta, diante de uma situação difícil ou de um sofrimento muito grande? E por tratar-se de questões fundamentais ao ser humano, as respostas a tais indagações precisam ser significativas, uma vez que delas dependem a vida e a felicidade do homem. Algum tempo atrás alguém já se questionou a esse respeito, em situações nada parecidas com as nossas, procurando respostas à angústia que o dominava. Foi Viktor Frankl, um médico psiquiatra vienense, de raízes judaicas, quando se encontrava nos campos de concentração de Auschwitz condenado à morte, com milhares de companheiros. Em meio a intenso sofrimento e degradação, teve a sensibilidade de perceber que muitos colegas de infortúnio dirigiam-se para o forno crematório de cabeça erguida; outros, embora proibidos de se locomover, dedicavam-se a confortar os mais atingidos pelas privações. Ele próprio, em vista de tais exemplos, dedicou-se aos doentes tifóides, a fim de dar um sentido à própria morte, refletindo, dentro de si, que algo muito forte impelia, interiormente, aqueles que não abdicavam do exercício da própria Liberdade, mesmo num campo de concentração. Tendo por berço esse cenário e como motivação às interrogações profundas sobre o sentido da vida, nasceu a logoterapia, uma nova teoria psicológica que vem revolucionando as proposições de Freud e Adler, constituindo a Terceira Escola de Psicoterapia de Viena. Com efeito, as propostas de Frankl, com relação à psicoterapia representam, hoje, um avanço considerável na "reumanização da psicologia". LOGOS, que em grego significa sentido, define bem o que o fundador da logoterapia pretendia ao criar essa nova teoria. Fundamentada em três alicerces: a Liberdade da escolha, vontade de sentido e o sentido da vida, ela se propõe ajudar o ser humano a ser feliz, descobrindo o sentido da própria existência. Assim, a logoterapia responde, plenamente, aos anseios mais profundos do homem moderno.
Introdução Leitores da minha breve narrativa autobiográfica costumam pedir uma explicação mais completa e específica da minha doutrina terapêutica. Para vir ao seu encontro, acrescentei à edição original de "Um Psicólogo no Campo de Concentração" um breve resumo sobre logoterapia. Mas isto não foi suficiente, e tenho sido assediado por muitos que solicitam um tratamento 'mais detalhado da matéria. Por este motivo, reescrevi por completo e ampliei consideravelmente o meu relato na presente edição. Não foi tarefa fácil. Transmitir ao leitor, dentro de um espaço restrito, todo o material que ocupa catorze volumes em língua alemã, é empreendimento quase impossível. Isso me lembra aquele médico americano que certa vez apareceu em minha clínica em Viena e perguntou: "Então, doutor, o Sr. é psicanalista?", ao que respondi: "Não bem psicanalista. Digamos um psicoterapeuta," Continuou ele: "Qual a escola que o Sr. representa?" Respondi: ―É minha própria teoria. Chamase logoterapia." - "Poderia o Senhor dizer-me, numa única sentença, o que quer dizer logoterapia, ao menos qual a diferença entre psicanálise e logoterapia?" "Sim", repliquei, "mas, em primeiro lugar, pode o Senhor dizer-me com uma só sentença o que pensa ser a essência da psicanálise?" Eis a sua resposta: "Durante a psicanálise o paciente precisa deitar-se num sofá e contar coisas que às vezes são muito desagradáveis de se contar." Ao que retruquei imediatamente com o seguinte improviso: "Bem, na logoterapia o paciente pode ficar sentado normalmente, mas precisa ouvir certas coisas que às vezes são muito desagradáveis de se ouvir". É claro que eu disse isso na brincadeira, sem a intenção de fornecer uma fórmula concentrada da logoterapia. Entretanto, ela não deixa de ter sua razão, uma vez que, se comparada à psicanálise, a logo terapia é menos retrospectiva e menos introspectiva. A logoterapia se concentra mais no futuro, ou seja, nas tarefas e no sentido a serem realizados pelo paciente em seu futuro. Ao mesmo tempo a logoterapia tira do foco de atenção todas aquelas formações tipo círculo vicioso e mecanismos retroalimentadores que desempenham papel tão importante no surgimento de neuroses. Assim é quebrado o autocentrismo (self-centeredness) típico do neurótico, ao invés de se fomentá-lo e reforçá-lo constantemente. Obviamente esta formulação simplifica demais as coisas; mesmo assim a logoterapia de fato confronta o paciente com o sentido de sua vida e o reorienta para o mesmo. Minha definição improvisada de logoterapia, por isso, confere no sentido de que o indivíduo verdadeiramente neurótico procura fugir à consciência plena da tarefa de sua vida. Conscientizá-lo dessa tarefa, despertá-lo para uma consciência mais viva da mesma pode contribuir em muito para sua capacidade de superar a neurose. Quero explicar porque tomei o termo "logoterapia" para designar minha teoria. O termo "logos" é uma palavra grega que significa "sentido"! A logoterapia, ou, como tem sido chamada por alguns autores, a "Terceira Escola Vienense de Psicoterapia", concentra-se no sentido da existência humana, bem como na busca da pessoa por este sentido. Para a logoterapia, a busca de sentido na vida da pessoa é a principal força motivadora no ser humano. Por esta razão, costumo falar de uma vontade de sentido, a contrastar com o princípio do prazer (ou como também poderíamos chamá-Io, a vontade de prazer) no qual repousa a psicanálise freudiana, e contrastando ainda com a vontade de poder, enfatizada pela psicologia adleriana.
A Vontade de Sentido A busca do indivíduo por um sentido é uma força primordial em sua vida, e não uma "racionalização secundária" de impulsos instintivos. Esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e somente pode ser cumprido por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que possa satisfazer à sua própria vontade de sentido. Alguns autores sustentam que sentidos e valores são "ainda mais que mecanismos de defesa, formações reativas e sublimações". Mas, pelo que toca a mim, eu não estaria disposto a viver em função dos meus "mecanismos de defesa". Nem tampouco estaria pronto a morrer simplesmente por amor às minhas "formações reativas", O que acontece, porém, é que o ser humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores! Faz poucos anos, realizou-se na França uma pesquisa de opinião pública. Os resultados mostraram que 89% das pessoas consultadas admitiram que o indivíduo precisa de "algo" em função do qual viver. 61% admitiram haver algo ou alguém em suas próprias vidas, pelo qual estariam até prontas a morrer. Repeti essa pesquisa na minha clínica em Viena, entre pacientes e funcionários, e o resultado foi praticamente igual àquele obtido entre milhares de pessoas pesquisadas na França; a diferença foi de apenas 2%. Em outras palavras: Na maioria das pessoas, a vontade de sentido é fato, e não fé. Naturalmente pode haver casos em que a preocupação de um indivíduo com valores é, na realidade, uma camuflagem de conflitos interiores ocultos; mas estes casos são, antes, exceções à regra, e não a regra em si. Ali se justifica uma interpretação psicodinâmica que procure descobrir a dinâmica subjacente. Nesses casos, estaremos realmente lidando com pseudovalores (um exemplo que cabe muito bem aqui é o do santarrão), e como tais eles terão que ser desmascarados. O desmascaramento, entretanto, deveria cessar no momento em que nos depararmos com o que é autêntico e genuíno na pessoa, como por exemplo, o desejo do ser humano por uma vida tanto quanto possível dotada de sentido. Caso não se parar ali, a pessoa que está fazendo o desmascaramento apenas trairá a sua própria vontade de depreciar as aspirações espirituais dos outros. Temos que nos resguardar contra a tendência de tratar valores como se fossem mera auto-depressão da própria pessoa humana. Isto porque logos, ou seja "sentido", não é apenas algo que emerge da existência em si, mas constitui em si mesmo algo que confronta a existência. Caso o sentido a ser cumprido pela pessoa humana realmente não passasse de mera expressão do eu (self), ou nada mais fosse que uma projeção dos seus anseios (wishfuI thinking) ele perderia de imediato o seu caráter de exigência e desafio; o sentido não mais poderia chamar e engajar a pessoa. Isto vale não só para a 'assim chamada sublimação dos assim chamados impulsos instintivos, mas ainda para aquilo que C. J. Jung chamou de "arquétipos" do "inconsciente coletivo", uma vez que estes também seriam autoexpressões, ou seja, da humanidade como um todo. Isto é válido também para a tese de alguns pensadores existencialistas, de que os ideais do ser humano nada mais são que suas próprias invenções. De acordo com Jean-Paul Sartre é o ser humano que se inventa a si mesmo, ele é quem concebe a sua própria "essência", ou seja, aquilo que ele é essencialmente, incluindo o que ele deveria ser ou tornar-se. Penso, entretanto, que o sentido da nossa existência não é inventado por nós mesmos, mas é, antes, detectado por nós.
A investigação psicodinâmica na área dos valores é legítima; a questão é se ela sempre é indicada. Sobretudo, precisamos ter em mente que qualquer investigação exclusivamente psicodinâmica pode, em princípio, vir a revelar apenas aquilo que representa uma força propulsora dentro da pessoa. Valores, entretanto, não impulsionam uma pessoa; eles não a empurram, mas antes a puxam. Aliás, esta é uma diferença da qual sou constantemente lembrado sempre que entro num hotel americano. Uma porta precisa ser puxada, e a outra, empurrada. Se digo, agora que a pessoa precisa ser puxada por valores, quero dar a entender implicitamente que isto sempre envolve liberdade: a liberdade do ser humano de optar entre aceitar ou rejeitar uma oferta, isto é, de cumprir uma potencialidade de sentido ou, então, pô-la a perder. Entretanto é preciso deixar bem claro que não pode existir no ser humano algo como um impulso moral ou mesmo um impulso religioso - da mesma forma como dizemos que o ser humano é determinado por instintos básicos. O ser humano jamais é impelido à conduta moral; em cada caso é ele quem decide proceder moralmente. A pessoa humana não o faz com a finalidade de satisfazer um impulso moral ou de ter a consciência tranqüila; ela age assim em função de uma causa por ela assumida, ou de uma pessoa amada, ou por amor ao seu Deus. Se realmente o fizesse com o objetivo de ter uma consciência tranqüila, tornar-se-ia um fariseu e deixaria de ser uma pessoa verdadeiramente moral. Penso que até mesmo os santos não se importavam com outra coisa senão simplesmente com o servir a Deus, e duvido que jamais tivessem em mente tomar-se santos. Fosse este o caso, simplesmente se teriam tornado perfeccionistas, e não santos. Sem dúvida, "uma consciência tranqüila é o melhor travesseiro", reza o ditado alemão; porém a moral verdadeira é mais do que apenas um sedativo ou tranqüilizante.
Frustração Existencial A vontade de sentido também pode ser frustrada; neste caso, a logoterapia fala de "frustração existencial". O termo "existencial" pode ser usado de três maneiras: referindo-se (1) à existência em si mesma, isto é, um modo especificamente humano de ser; (2) referindo-se ao sentido da existência; (3) referindo-se à busca por um sentido concreto na existência pessoal, ou seja à vontade de sentido. Frustração existencial também pode resultar em neurose. Para esse tipo de neurose a terapia cunhou o termo "neurose noogênica", a contrastar com a neurose na significação habitual da palavra. isto é, a neurose psicogênica. Neuroses noogênicas têm Sua origem não na dimensão psicológica, mas antes na dimensão "noológica" (do termo grego "nous" que significa "mente") da existência humana. Este é outro conceito logoterapêutico que designa qualquer aspecto pertinente ao cerne "espiritual" da personalidade. É preciso salientar que, dentro do quadro de referências da logoterapia, "espiritual" não tem uma conotação primordialmente religiosa, mas se refere a uma dimensão especificamente humana.
Neuroses Noogênicas Neuroses noogênicas não surgem de conflitos entre impulsos e instintos, mas de conflitos entre valores diferentes, em outras palavras, de conflitos, morais, ou em termos mais genéricos, elas surgem de problemas espirituais. Entre esses problemas a frustração existencial muitas vezes desempenha importante papel. É óbvio que em casos noogênicos a terapia apropriada não é a psicoterapia de um modo geral, mas antes a logoterapia: ou seja uma terapia que ousa' penetrar na dimensão espiritual da existência humana. E de fato, logos em grego não significa apenas "sentido", mas também "espírito". Questões espirituais, como por exemplo o anseio da pessoa humana por uma existência dotada de sentido, bem como a frustração desse anseio, são tratadas em termos espirituais, na logoterapia. Elas são encaradas com sinceridade e seriedade, e não como derivadas de raízes e fontes inconscientes, caso em que seriam tratadas simplesmente em termos instintivos. Sempre que um terapeuta falhar na distinção entre a dimensão espiritual' e a instintiva, pode surgir uma confusão perigosa. Quero citar um exemplo: um diplomata americano de alto escalão dirigiu-se a meu consultório em Viena a fim de continuar o tratamento psicanalítico iniciado cinco anos antes com um analista de Nova Iorque. Logo de início perguntei-lhe por que pensava precisar da análise, por que, em si, começara com a análise. Revelou-se que o paciente estava descontente com a sua carreira e tinha extrema dificuldade em concordar com a política exterior dos Estados Unidos. Seu analista, no entanto, lhe havia dito repetidamente que ele devia tentar reconciliar-se com seu pai, porque o governo dos Estados Unidos bem como os seus superiores eram "nada mais que" imagens paternas, e consequentemente a insatisfação com o seu emprego se devia ao ódio inconsciente contra o pai. Uma análise que já vinha durando cinco anos induzira o paciente a aceitar cada vez mais as interpretações de seu analista, até que, de tantas árvores de símbolos e imagens, ele não mais conseguiu ver a floresta da realidade. Após algumas poucas entrevistas, ficou evidente que a sua vontade de sentido estava sendo frustrada por sua profissão, e que ele na realidade ansiava por engajar-se em outra espécie de trabalho. Como não havia motivo para não largar a profissão e abraçar outra, ele assim o fez, com os mais gratos resultados. Em sua nova ocupação ele está satisfeito já faz mais de cinco anos, conforme relatou há pouco tempo. Duvido que, neste caso, eu estivesse lidando com um estado neurótico, e esta é a razão porque pensei que ele não precisava de qualquer psicoterapia, nem mesmo de logoterapia, pela simples razão de, na realidade, não ser nem mesmo um paciente. Nem todo conflito é necessariamente neurótico; certa dose de conflito é normal e sadia. De forma similar, sofrimento não é sempre um fenômeno patológico; em vez de sintoma de neurose, sofrimento pode ser perfeitamente um mérito (achievement) humano, especialmente quando o sofrimento emana de frustração existencial. Eu negaria categoricamente que a busca por um sentido na existência da pessoa ou mesmo sua desorientação a respeito sempre provenha de alguma doença ou mesmo resultante de doença. Frustração existencial em si mesma não é nem patológica nem patogênica. A preocupação ou mesmo o desespero da pessoa sobre se a sua vida vale a pena ser vivida é uma angústia espiritual, mas de forma alguma uma doença mental. É bem possível que, se um terapeuta interpretar aquela angústia como doença, ele pode ser levado a soterrar o desespero existencial do seu paciente debaixo de um monte de tranqüilizantes. Sua função, no entanto, é de pilotar o paciente através das suas crises existenciais de crescimento e desenvolvimento.
A logoterapia considera tarefa sua ajudar o paciente a encontrar sentido em sua vida. Na medida em que a logoterapia o conscientiza do logos oculto de sua existência, trata-se de um processo analítico. Até esse ponto a logoterapia se assemelha à psicanálise. Entretanto, quando a logoterapia procura conscientizar a pessoa novamente de alguma coisa, ela não restringe sua atividade a fatos instintivos dentro do inconsciente do indivíduo, mas se preocupa também com realidades espirituais, : tais como o sentido em potencial de sua existência, ainda por ser cumprido, bem como a sua vontade de sentido. Qualquer análise, mesmo que se abstenha de incluir a dimensão noológica ou espiritual em seu processo terapêutico, procura tomar o paciente consciente daquilo que ele realmente anseia na profundidade do seu ser. A logoterapia se desvia da análise na medida em que considera o ser humano um ente cuja preocupação principal consiste em cumprir um sentido e em realizar valores, e não na pura e simples gratificação e satisfação de impulsos e instintos, na mera reconciliação dos reclamos conflitantes de id, ego e superego, ou na adaptação e no ajustamento à sociedade e ao meio ambiente.
Noodinâmica A busca por sentido e valores pode inclusive causar tensão interior em vez de equilíbrio interior. Entretanto, esta tensão é justamente um pré requisito indispensável para a saúde mental. Ouso dizer que nada no mundo contribui tão efetivamente para a sobrevivência, mesmo nas condições mais adversas, como saber que a vida da gente tem um sentido. Há muita sabedoria nas palavras de Nietzsche: "Quem tem porque viver, suporta quase todo como viver". Nestas palavras eu vejo um lema válido para qualquer psicoterapia, Nos campos de concentração nazistas, podia-se observar algo posteriormente confirmado por psiquiatras americanos no Japão e na Coréia: os prisioneiros que ainda tinham pela frente uma missão a cumprir, apresentavam maiores possibilidades de sobrevivência. Quanto a mim, quando fui levado para o campo de concentração em Auschwitz (1), apreenderam um manuscrito meu, que estava pronto para ser publicado. Não há dúvida de que a minha grande preocupação em reescrever o manuscrito me ajudou a sobreviver aos rigores do campo de concentração, Assim, por exemplo, quando fui atacado por tifo exantemático, rabisquei muitos apontamentos em pedacinhos de papel para depois conseguir reescrever o manuscrito, caso um dia voltasse à liberdade. Tenho certeza de que essa tarefa de reconstituir o manuscrito perdido, levada a cabo na penumbra dos barracões de um campo de concentração na Baviera, ajudou-me a superar o perigo de colapso. Pode-se ver, assim, que a saúde mental está apoiada em certo grau de tensão, tensão entre aquilo que já se alcançou e aquilo que a pessoa ainda está por alcançar, ou a lacuna entre o que se é e o que se deveria vir a ser. Essa tensão é inerente ao ser humano e por isso indispensável ao bem-estar mental. Não deveríamos, então, hesitar em desafiar a pessoa com um sentido em potencial a ser por ela cumprido. Somente assim despertaremos do estado latente a sua vontade de sentido. Considero perigosa e errônea a noção de higiene mental que parte do pressuposto de que a pessoa necessita em primeiro lugar do equilíbrio, ou como se diz na biologia: de "homeostase", ou seja, de um estado livre de tensão. O que o ser humano realmente precisa não é um estado livre de tensões, mas, antes, a
busca e a luta por um objetivo que seja digno da pessoa em questão. O que ela necessita não é a descarga de tensão a qualquer custo, mas antes, o desafio de um sentido em potencial à espera do seu cumprimento. O ser humano não precisa de homeostase, mas daquilo que chamo de "noodinâmica", isto é, da dinâmica espiritual num campo polarizado de tensões, onde um pólo está representado por um sentido a ser cumprido e o outro pólo pela pessoa que o deve cumprir. E ninguém pense que isto é válido somente em situações normais; isto vale mais ainda para indivíduos neuróticos. Quando arquitetos querem salvar uma arcada que ameaça desabar, aumentam a carga por ela sustentada, para que, assim, seus componentes se juntem e se firmem melhor. Da mesma forma, quando terapeutas desejam fomentar a saúde mental de seus pacientes, não deveriam ter receios de aumentar aquela carga através da re-orientação para o sentido da sua vida. Uma vez mostrado o impacto benéfico da orientação para o sentido, voltome agora para a perniciosa influência daquela sensação da qual se queixam tantos pacientes hoje em dia, ou seja, de uma total e extrema falta de sentido em suas vidas. Eles carecem da consciência de um sentido pelo qual valesse a pena viver. Sentem-se perseguidos pela experiência de seu vazio interior, de um abismo dentro de si mesmos; estão presos pela situação que costumo chamar de "vácuo existencial".
O Vácuo Existencial O vácuo existencial é um fenômeno bastante difundido no século XX. Isso não causa surpresa; pode-se atribuí-lo talvez a uma dupla perda sofrida pelo ser humano depois que se tornou um ser verdadeiramente humano. No início da história humana, o homem perdeu alguns instintos animais básicos, que regulam o comportamento do animal e asseguram sua existência. Esta segurança o ser humano perdeu para todo o sempre. Ele precisa fazer opções. Acresce-se ainda que o ser humano sofreu mais outra perda em seu desenvolvimento mais recente. As tradições, que serviam de apoio para seu comportamento, atualmente vêm desaparecendo com grande rapidez. Nenhum instinto lhe diz o que deve fazer, e não há tradição que lhe diga o que ele deveria fazer; dentro em breve ele não saberá o que quer fazer. Cada vez mais, será governado por aquilo que outros querem que faça, acabando vitimado pelo conformismo. Um levantamento estatístico de um grupo representativo dos pacientes e do pessoal de enfermaria, realizado pela minha equipe no setor de neurologia do Hospital Policlínico de Viena, revelou que 55% das pessoas questionadas mostravam um grau maior de vácuo existencial. Em outras palavras, mais da metade tivera a experiência da perda de sensação de que a vida tem um sentido. Esse vácuo existencial se manifesta principalmente num estado de tédio. Agora podemos entender porque Schopenhauer disse que, aparentemente, a humanidade estava fadada a oscilar eternamente entre os dois extremos da angústia e do tédio. É fato concreto que atualmente o tédio está causando e certamente trazendo aos psiquiatras mais problemas do que o faz a angústia. E estes problemas estão se tornando cada vez mais agudos, uma vez que o crescente processo de automação provavelmente conduzirá a um aumento enorme das horas de lazer do trabalhador médio. Lastimável é que muitos deles nem saberão o que fazer com seu tempo livre.
Pensemos, por exemplo, na "neurose dominical", aquela espécie de depressão que acomete pessoas no momento em que passa o corre-corre da semana atarefada e elas precisam encarar o abismo dentro de si mesmas; então se conscientizam da falta de conteúdo em suas vidas. Não são poucos os casos de suicídio atribuídos a este vácuo existencial. Fenômenos tão difundidos como o alcoolismo e a delinqüência entre os jovens não podem ser entendidos se não reconhecermos o vácuo existencial subjacente. O mesmo é válido também para crises de aposentados e idosos. Existem ainda diversas máscaras e disfarces sob as quais transparece o vácuo existencial. Às vezes a vontade de sentido frustrada é vicariamente compensada por uma vontade de poder, inclusive pela mais primitiva forma da vontade de poder, que é a vontade de dinheiro. Em outros casos o lugar da vontade de sentido frustrada é tomado pela vontade de prazer. É por isso que muitas vezes a frustração existencial acaba em compensação sexual. Podemos observar nestes casos que a libido sexual assume proporções descabidas no vácuo existencial. Algo análogo ocorre em casos de neurose. Existem certos casos de mecanismos retroalimentadores e de configurações tipo círculo vicioso que ainda discutirei adiante. Pode-se observar em casos e mais casos, entretanto, que esta sintomatologia invadiu um vácuo existencial no qual ela continua em plena florescência. No caso desses pacientes não estamos lidando com neuroses noogênicas. Entretanto jamais conseguiremos que o paciente supere sua condição se não suplementarmos o tratamento psicoterapêutico com logoterapia. Isto porque, ao se preencher o vácuo existencial, o paciente estará prevenido contra relapsos. Por isso a logoterapia não só é indicada em casos psicogênicos, e particularmente no que tenho chamado do "'(pseudo) - neuroses somatogênicas". Sob esta luz se justifica uma afirmação feita certa vez por Magda D. Arnold: "Toda terapia precisa, de algum modo, por mais restrita que seja, ser também uma Iogoterapia". (2). Vejamos o que se pode fazer quando um paciente pergunta qual é, afinal, o sentido de sua vida.
O Sentido da Vida Não creio que terapeuta algum possa responder esta questão em termos genéricos. Isto porque o sentido da vida difere de pessoa para pessoa, de um dia para outro, de uma hora para outra. O que importa, por conseguinte, não é o sentido da vida de um modo geral, mas antes o sentido específico da vida de uma pessoa em um dado momento. Formular esta questão em termos gerais seria comparável a perguntar a um campeão de xadrez: "Diga-me, mestre, qual o melhor lance do mundo?" Simplesmente não existe algo como o melhor lance separado de uma situação específica num jogo e da personalidade peculiar do adversário. O mesmo é válido para a existência humana. Não se deve procurar um sentido abstrato da vida. Cada qual tem sua própria vocação ou missão específica na vida; cada um precisa executar uma tarefa, concreta que está a exigir cumprimento. Nisto a pessoa não pode ser substituída, nem pode sua vida ser repetida. Assim a tarefa de cada um é tão singular como a sua oportunidade específica de levá-la a cabo. Uma vez que cada situação na vida representa um desafio para a (cada) pessoa e lhe apresenta um problema para resolver, pode-se, a rigor, inverter a questão pelo sentido da vida. Em última análise a pessoa não deveria perguntar
qual o sentido da sua vida, mas antes deve reconhecer que é ela que está sendo indagada. Em suma, cada pessoa é questionada pela vida; e ela somente pode responder à vida respondendo por sua própria vida; à vida ela somente pode responder sendo responsável. Assim sendo, a logoterapia vê na responsabilidade (responsibleness) a essência propriamente dita da existência humana.
A Essência da Existência Esta ênfase sobre a responsabilidade se reflete no imperativo categórico da logoterapia, que reza: "Viva como se já estivesse vivendo pela segunda vez, e como se na primeira vez você tivesse agido tão errado como está prestes a agir agora!" Parece-me que nada estimula tanto o senso de responsabilidade de uma pessoa como esta máxima, a qual convida a imaginar primeiro que o presente é passado, e em segundo lugar, que o passado ainda pode ser alterado e corrigido. Semelhante preceito a confronta com a finitude da vida e com a finalidade (finality) daquilo que ela faz de sua vida e de si mesma. Logoterapia procura criar no paciente uma consciência plena de sua própria responsabilidade; por isso precisa deixar que ele opte pelo que, perante que ou perante quem ele se julga responsável. Eis que um logoterapeuta é, dentre todos os psicoterapeutas, o que menos se vê tentado a impor julgamentos de valores a um paciente, porque jamais permitirá ao paciente transferir ao psicoterapeuta a responsabilidade de julgar. Por isso é o paciente quem decide se deve interpretar a tarefa de sua vida como pessoa responsável perante a sociedade ou perante a sua própria consciência. A maioria, entretanto, se considera responsável perante Deus; são aqueles que não interpretam suas próprias vidas simplesmente em termos de uma tarefa a eles designada, mas também em função de um contramestre que lhes atribuiu a tarefa. Logoterapia não é instrução nem pregação. Ela está tão distante do arrazoado lógico como da exortação moral. Em linguagem figurada, o papel do logoterapeuta é antes o de um oculista que de um pintor. O pintor procura transmitir-nos uma imagem do mundo como ele o vê; o oculista procura capacitar-nos a enxergar o mundo como ele é na realidade. O papel do logoterapeuta consiste em ampliar e alargar o campo visual do paciente de modo que todo o espectro de sentido e de valores se tome consciente e visível para ele. Logoterapia não tem necessidade de impor quaisquer julgamentos ao paciente, uma vez que, na realidade, a verdade se impõe por si mesma e não carece de intervenção. Ao declarar que o ser humano é uma criatura responsável e precisa realizar o sentido potencial de sua vida, quero salientar que o verdadeiro sentido da vida se encontra no mundo, e não dentro da pessoa humana ou de sua psique, como se fosse um sistema fechado. Por isso, o verdadeiro alvo da existência humana não pode ser encontrado no que se chama de auto-realização. Existência humana é, por essência, autotranscendência, e não autorealização. Auto-realização, a priori, não é um alvo possível, pela simples razão de que, quanto mais uma pessoa a buscar, menos ela a alcançará. Pois apenas na medida em que a pessoa se consagra ao cumprimento do sentido de sua vida ela também se realiza a si mesma. Em outras palavras, a auto-realização não pode ser conseguida caso dela se fizer um fim em si mesmo, ela é alcançada apenas como efeito colateral da autotranscendência.
O mundo não pode ser considerado mera expressão da própria pessoa (self). Nem tampouco pode ser o mundo considerado mero instrumento ou meio para o fim da auto-realização. Em ambos os casos, a cosmovisão, a Weltanschauung, vira uma Weltentwertung, isto é, uma depreciação do mundo. Até aqui mostramos que o sentido da vida sempre se modifica, mas jamais pára de existir. De acordo com a logoterapia podemos descobrir na vida este sentido de três diferentes formas: 1. praticando um ato; 2. experimentando um valor; 3. sofrendo. A primeira forma, a de feito ou conquistada, é bastante evidente. A segunda e terceira ainda precisam ser detalhadas. A segunda forma de encontrar um sentido na vida está na experiência de algo como uma obra da natureza ou da cultura; ela também ocorre no ato de se experimentar o encontro com alguém, isto é, no amor.
O Sentido do Amor O amor é a única maneira de captar a outro ser humano no mais íntimo da sua personalidade. Ninguém consegue ter consciência plena da essência última de outro ser humano sem amá-lo. Através do ato espiritual do amor a pessoa se toma capaz de ver os traços característicos e as feições essenciais do ser amado; mais ainda, ela vê o que está potencialmente contido nele, aquilo que ainda não está realizado, mas ainda deveria ser realizado. Além disso, através do seu amor a pessoa que ama capacita a pessoa amada a realizar estas potencialidades. Conscientizando-a do que ela pode ser e do que ela deveria vir a ser, aquele que ama faz com que estas potencialidades venham a se realizar. Na logoterapia, o amor não é interpretado como mero epifenômeno de impulsos e instintos sexuais no sentido de uma assim chamada sublimação. O amor é um fenômeno tão primário como o sexo. Normalmente sexo é uma modalidade de expressão do amor. O sexo se justifica e é até santificado no momento em que, e apenas enquanto for um veículo do amor. Desta forma o amor não é entendido como mero efeito colateral do sexo, e sim o sexo é entendido como um meio de expressar a experiência daquela união última chamada de amor. Uma terceira forma de encontrar o sentido da vida está no sofrer.
O Sentido do Sofrimento Sempre que a pessoa é confrontada com uma situação inexorável e inevitável, sempre que alguém precisa encarar um destino que não pode ser alterado, por exemplo, uma doença sem cura como o câncer inoperável, precisamente então ela recebe uma chance última de realizar o valor supremo, de cumprir o mais profundo dos sentidos, o sentido do sofrimento. Pois o mais importante de tudo é a atitude que tomamos em relação ao sofrimento, a atitude com que assumimos o nosso sofrimento. Quero citar um exemplo bem claro: Certa vez um clínico geral de mais idade veio consultar-me por causa de sua depressão muito profunda. Ele não conseguia superar a perda de sua mulher, que falecera fazia dois anos a qual ele amara acima de tudo. Bem, como poderia eu ajudá-lo? Que poderia lhe dizer? Absti-
ve-me de lhe dizer qualquer coisa e, ao invés, confrontei-o com a questão: "Que teria acontecido, doutor, se o senhor tivesse falecido primeiro e sua esposa tivesse que lhe sobreviver?" – ―Ah!", disse ele, "isso teria sido terrível para ela; ela teria sofrido muito!" Ao que retruquei: "Veja bem, doutor, ela foi poupada deste sofrimento e foi o senhor que a poupou desse sofrimento; mas agora o senhor precisa pagar por isso sobrevivendo a ela e chorando a sua morte". Ele não disse mais palavra, apertou a minha mão e calmamente deixou meu consultório. Sofrimento de certo modo deixa de ser sofrimento no instante em que se vê um sentido, como o sentido de sacrifício. É claro que esta não foi propriamente uma terapia, uma vez que em primeiro lugar o seu desespero não era nenhuma doença; em segundo, eu não podia alterar a sua sina, não podia ressuscitar a sua esposa; mas o que eu consegui naquele momento foi ajudar a sua atitude frente ao destino inalterável, visto que a partir daquela ocasião ele pelo menos podia ver um sentido em seu sofrimento. Um dos princípios fundamentais da logoterapia está em que a preocupação mais importante da pessoa humana não consiste em ter prazer ou evitar a dor, mas antes em ver um sentido em sua vida. Esta é a razão porque o ser humano está pronto até a sofrer, sob a condição, é claro, de que o seu sofrimento tenha um sentido. Não é preciso explicar que o sofrimento não tem sentido, se não for absolutamente necessário; assim, por exemplo, um câncer que pode ser curado por cirurgia não deve ser carregado por um paciente como se fosse a sua cruz. Isso seria masoquismo, e não heroísmo, Mas se um médico não pode nem curar a doença nem aliviar o doente de sua dor, ele deveria apostar na capacidade do paciente de cumprir o sentido de seu sofrimento. A psicoterapia tradicional tem procurado restaurar a capacidade da pessoa de trabalhar e gozar a vida; a logoterapia inclui estas coisas, mas vai além, fazendo com que o paciente reconquiste sua capacidade de sofrer, caso necessário, assim encontrando sentido até mesmo no sofrimento. Neste contexto Edith Weisskopf-Joelson, docente de psicologia na Universidade de Purdue, sustenta em seu artigo de logoterapia que "nossa filosofia corrente sobre higiene mental enfatiza a noção de que as pessoas deveriam ser felizes, que infelicidade é sintoma de desajustamento. Esse sistema de valores poderia ser responsável pelo fato de o fardo de infelicidade inevitável ser acrescido da infelicidade de a pessoa ser infeliz". (4). Em outro ensaio, ela manifesta a esperança de que a logoterapia "possa ajudar a reagir contra certas tendências pouco sadias na atual cultura dos Estados Unidos, onde o sofredor incurável recebe muito pouca oportunidade de ter orgulho do seu sofrimento e de o considerar enobrecedor, ao invés de degradante", tanto é que "ele não só é infeliz, mas também tem vergonha de ser infeliz". (5). Existem situações em que se está impedido de trabalhar ou de gozar a vida; o que, porém, jamais pode ser excluído é a inevitabilidade do sofrimento. Ao aceitar esse desafio de sofrer com bravura, a vida recebe um sentido até o seu derradeiro instante, mantendo este sentido literalmente até o fim. Em outras palavras, o sentido da vida é um sentido incondicional, por incluir até o sentido potencial do sofrimento. Gostaria de recordar aquilo que foi, talvez, a mais profunda experiência por que passei no campo de concentração. As possibilidades de sair dali com vida não passavam de uma em vinte, como se pode verificar facilmente em estatísticas exatas. Não era provável nem mesmo possível que o manuscrito do meu
primeiro livro, que ocultei dentro da minha capa ao chegar em Auschwitz, jamais pudesse ser salvo. Assim, tive que sofrer e superar a perda do meu filho espiritual. Parecia agora que nada nem ninguém sobreviveria a mim; nem filho físico nem filho espiritual que fossem meus! Vi-me assim confrontado com a questão se, dentro dessas circunstâncias, minha vida carecia de qualquer sentido, em última análise. Eu ainda não percebera que uma resposta para esta questão com que me debatia tão desesperadamente, já estava à minha espera e que pouco depois ela me seria dada: Foi quando tive de entregar minha roupa e, em troca, herdei os trapos surrados de um recluso que fora mandado para a câmara de gás, logo depois de sua chegada à estação ferroviária de Auschwitz; em lugar do grande número de páginas do meu manuscrito, encontrei no bolso da capa recém-adquirida uma única página, arrancada de um livro de orações hebraico, contendo a principal oração judaica, o Chemá Yisrael. Como interpretar semelhante "coincidência" senão como um desafio no sentido de viver meus pensamentos, em vez de simplesmente colocá-los no papel? Lembro-me que pouco depois me pareceu que eu morreria em futuro próximo. Dentro dessa situação crítica, entretanto, eu tinha uma preocupação diferente da maioria dos meus companheiros. A pergunta deles era: "Será que vamos sair com vida do campo de concentração? Caso contrário, todo esse sofrimento não tem sentido". A pergunta que atormentava a mim era: "Será que tem sentido todo esse sofrimento, toda essa morte ao nosso redor? Caso contrário, em última análise não faz sentido sobreviver; uma vida cujo sentido depende de semelhante eventualidade - escapar ou não escapar - em última análise nem valeria a pena ser vivida".
Problemas Metaclínicos O médico é cada vez mais confrontado com as perguntas: Que é a vida? Afinal, que é sofrimento? De fato, contínua e incessantemente o psiquiatra hoje em dia é consultado por pacientes que o confrontam mais com problemas humanos que com sintomas neuróticos. Algumas pessoas que atualmente apelam para o psiquiatra, em outra época se teriam dirigido a um pastor, sacerdote ou rabi. Agora, porém, eles se recusam a ser passados para as mãos de um clérigo, de modo que o terapeuta se vê confrontado mais com questões filosóficas que com conflitos emocionais.
Um Logodrama Gostaria de citar o seguinte exemplo: Certa feita, a mãe de um menino que morrera na idade de onze anos deu entrada em minha clínica, após uma tentativa de suicídio. Meu colega, Dr. Kocourek, convidou-a a participar de um grupo terapêutico, Ocorreu que em certa ocasião eu entrei na sala da clínica em que ele dirigia um psicodrama. Ela estava contando a sua história. Quando seu filho morreu, ficou sozinha com outro filho, mais velho, que era aleijado, vítima de paralisia infantil. O pobre rapaz estava preso a uma cadeira de rodas. Sua mãe, entretanto, rebelou-se contra o destino. Mas quando tentou o suicídio juntamente com ele, foi o filho aleijado quem a impediu; ele gostava de viver! Para ele a vida continuara a
ter muito sentido. Por que não se dava o mesmo com sua mãe? Como poderia a vida dela continuar a ter um sentido? E como poderíamos ajudá-la a conscientizarse disso? Improvisando, entrei no diálogo e perguntei a outra mulher no grupo por sua idade, ao que ela responde: "Trinta anos". Repliquei: "Não, você agora não está com trinta anos, mas sim com oitenta, deitada no seu leito de morte. E agora você olha para trás, para sua vida, uma vida sem filhos, mas plena de sucesso financeiro e prestígio social". Convidei-a então a imaginar como ela se sentiria dentro dessa situação. "Que você acha disso? O que vai dizer para si mesma?" Vou citar o que ela realmente disse, de uma fita gravada naquela sessão: "Ah, casei com um milionário, tive uma vida fácil, cheia de amenidades; e aproveitei bem! Flertei com homens, provoquei-os; mas agora estou com oitenta anos; não tenho filhos próprios. Olhando para trás, como mulher de muita idade, não consigo ver para que foi tudo isso; na realidade preciso dizer que a minha vida foi um fracasso!" Convidei então a mulher que tinha o filho paralítico que se imaginasse em situação idêntica, repassando a sua vida. Vejamos o que ela disse, conforme está gravado na fita: "Desejei ter filhos, e este desejo me foi concedido; um menino morreu, mas o outro, o aleijado, teria sido mandado para uma instituição, se eu não tivesse ficado com ele, cuidando dele. Mesmo que ele seja aleijado e completamente dependente, não deixa de ser o meu filho, Assim eu fiz com que ele pudesse ter uma vida mais completa; fiz do meu filho uma pessoa humana melhor." Neste ponto, houve uma explosão de lágrimas e choro; ela continuou: "Quanto a mim, posso encarar tranqüila a minha vida passada; porque posso dizer que minha vida foi rica em sentido e dei duro para realizá-lo, fiz o melhor que pude dei a meu filho o melhor de mim. Minha vida não foi um fracasso!" Encarando sua vida passada como se estivesse no leito de morte, ela repentinamente pôde ver um sentido em sua vida, um sentido que incluía até mesmo todos os seus sofrimentos. Da mesma forma ficara igualmente claro que uma vida de pouca duração, como por exemplo de seu filho morto, podia ser tão rica em alegria e amor a ponto de conter mais sentido que uma vida que durasse oitenta anos. Pouco depois passei para outra questão, dirigindo-me desta vez ao grupo inteiro. Lancei a questão se um macaco utilizado para produzir soro contra poliomielite e que, por esta razão, fosse picado vez após vez, jamais seria capaz de captar o sentido do seu sofrimento. O grupo negou unanimemente: pois com sua inteligência limitada ele não poderia entrar no mundo dos seres humanos, ou seja, o único mundo no qual o seu sofrimento seria inteligível. Fui em frente com a seguinte pergunta: "E como é com a pessoa humana? Vocês têm certeza de que o mundo humano é um ponto final na evolução do cosmo? Não é concebível que ainda haja outra dimensão possível, um mundo além do mundo humano? Um mundo em que a pergunta pelo sentido último do sofrimento humano encontraria uma resposta?"
O Supra-sentido Esse sentido último necessariamente excede e ultrapassa a capacidade intelectual finita do ser humano; na logoterapia falamos neste contexto de um supra-sentido. O que se requer da pessoa não é aquilo que alguns filósofos exis-
tenciais ensinam, ou seja, suportar a falta de sentido da vida: o que se propõe é, antes, suportar a incapacidade de captar, em termos racionais, o fato de que a vida tem um sentido incondicional. O logos é mais profundo que a lógica. Um psiquiatra que vai além do conceito do supra-sentido, mais cedo ou mais tarde acabará embaraçado por seus pacientes, como se deu comigo quando minha filha de seis anos me perguntou: "Por que dizemos que o Senhor é bom?" Eu repliquei: "Faz algumas semanas você teve sarampo, e então o Senhor, em sua bondade, fez você sarar completamente". Mas a pequena não se deu por satisfeita e retrucou: "Mas ora, pai, foi ele que me fez pegar o sarampo!" No entanto, quando o paciente está sobre o chão firme da fé religiosa, não se pode objetar ao uso do efeito terapêutico das suas convicções religiosas, aproveitando seus recursos espirituais. Para esse fim o psiquiatra eventualmente precisará colocar-se no lugar do paciente. Fiz isto certa vez, por exemplo, quando um rabi de um país oriental veio ter comigo e me contou sua história. Ele tinha perdido sua primeira esposa e seus seis filhos no campo de concentração de Auschwitz, onde foram mortos na câmara de gás e agora se evidenciava que sua segunda mulher era estéril. Observei que a procriação não é o único sentido da vida, porque então a vida em si perderia o sentido, porque algo em si mesmo não tem sentido, não pode ganhar sentido simplesmente através de sua perpetuação. Entretanto o rabi encarava a sua sorte como um judeu ortodoxo, ou seja, no desespero de não ter um filho próprio que pudesse pronunciar o Caddich (6) para ele, quando morresse. Não desisti. Fiz uma última tentativa de ajudá-lo, perguntando se ele não esperava ver os seus filhos novamente no céu. Minha pergunta entretanto, desencadeou uma torrente de lágrimas, e agora sim, veio à tona o verdadeiro motivo do seu desespero; explicou ele que seus filhos, uma vez que morreram como mártires inocentes, (7) mereceriam o mais elevado lugar no céu; mas ele mesmo, um velho pecador, não esperava receber o mesmo lugar. Ainda não desisti e retruquei: "Não se poderia conceber, rabi, que foi este justamente o sentido de o senhor sobreviver a seus filhos, para que fosse purificado por estes anos de sofrimento, de modo que o senhor, embora não inocente como seus filhos, possa afinal tornar-se digno de juntar-se a eles no céu? Não está escrito nos salmos que Deus guarda todas as suas lágrimas? (8) Assim talvez nenhuma de suas dores foi em vão." Pela primeira vez em muitos anos ele se sentiu aliviado do seu sofrimento, pela nova perspectiva que lhe pude abrir.
A Transitoriedade da Vida Entre as coisas que parecem tirar da vida humana o seu sentido não estão apenas o sofrimento e a angústia, mas também a morte. Nunca me canso de dizer que os únicos aspectos realmente transitórios da vida são as potencialidades: mas no momento em que estas são realizadas, elas se transformam em realidades; elas são resgatadas e entregues ao passado, no qual elas ficam a salvo e resguardadas da transitoriedade. Isto porque no passado nada está irremediavelmente perdido, mas tudo está irrevogavelmente guardado. Sendo assim, a transitoriedade da nossa existência de forma alguma lhe tira o sentido. Na verdade ela constitui a nossa responsabilidade, porque tudo depende de nos conscientizarmos das possibilidades essencialmente transitórias. O ser humano está constantemente fazendo uma opção diante da massa de potencia-
lidades presentes; quais delas serão condenadas a não-ser, e quais serão concretizadas? Qual opção se tomará realidade uma vez e para sempre imortal "pegada nas areias do tempo"? A todo e qualquer momento a pessoa precisa decidir para o bem ou para o mal, qual será o monumento de sua existência. Não há dúvida de que geralmente a pessoa somente leva em conta o campo de restolhos da transitoriedade e se esquece dos abarrotados celeiros do passado, onde ele guardou de uma vez por todas os seus atos, suas alegrias e também seus sofrimentos. Nada pode ser desfeito, nada pode ser eliminado; eu diria que ter sido é a mais segura forma do ser. Ao considerar a transitoriedade essencial da existência humana, a logoterapia não é pessimista, mas antes ativista. Em linguagem figurada poderíamos dizer que o pessimista parece um homem que observa com temor e tristeza que o seu calendário na parede vai ficando mais fino a cada dia que passa. Por outro lado a pessoa que enfrenta ativamente os problemas da vida é como o homem que, dia após dia, vai destacando cada folha do seu calendário e cuidadosamente a guarda junto às precedentes tendo primeiro feito no verso alguns apontamentos referentes ao dia que passou. É com orgulho e alegria que ele pensa em toda a riqueza contida nessas anotações, em toda a vida que ele já viveu em plenitude. Que lhe importa notar que está ficando velho? Terá ele alguma razão para ficar invejando os jovens que ele vê, ou de cair em nostalgia por ter perdido a juventude? Que motivos terá ele para invejar uma pessoa jovem? Pelas possibilidades que estão à frente do jovem, do futuro que o espera? "Eu agradeço", é o que ele vai pensar. "Em vez de possibilidades, realidades, realidades é o que tenho no meu passado, não apenas a realidade do trabalho realizado e do amor vivido, mas também a realidade do sofrimento que passei. Estas são as coisas das quais me orgulho mais, embora não sejam coisas que possam causar inveja".
A Logoterapia como Técnica Um medo realista como o medo da morte não pode ser amenizado nem eliminado por sua interpretação psicodinâmica; de outro lado, um medo neurótico como a agorafobia não pode ser curado pela compreensão filosófica. Entretanto a logoterapia desenvolveu uma técnica especial para lidar também com estes casos. Para entender o que ocorre ao se aplicar esta técnica, tomamos como ponto de partida uma condição freqüentemente encontrada em indivíduos neuróticos, qual seja, a ansiedade antecipatória. Característico deste temor é que ele produz exatamente aquilo que o paciente teme. Assim por exemplo um indivíduo que está com medo de enrubescer ao entrar num salão e enfrentar muitas pessoas, acabará enrubescendo mesmo. Neste contexto poder-se-ia transpor o ditado "o desejo é pai do pensamento" para "a ansiedade é mãe do evento". Ironicamente, da mesma forma como o medo faz acontecer aquilo de que se tem medo, uma intenção forçada toma impossível aquilo que se deseja com intensidade. Esta intenção excessiva, ou "hiper intenção" como eu a chamaria, pode ser observada particularmente em casos de neurose sexual. Quanto mais um homem procura demonstrar sua potência sexual, ou quanto mais a mulher tenta mostrar a sua capacidade de experimentar o orgasmo, menos chances de sucesso terão. O prazer é e deve permanecer efeito colateral, ou produto secundário; ele será anulado e comprometido na medida em que dele se fizer um objetivo em si mesmo.
Além da intenção excessiva descrita acima, também a atenção excessiva ou "hiper reflexão" como é chamada na logoterapia, pode ser patogênica (ou seja, pode levar à doença). O seguinte relato clínico ilustrará o que quero dizer. Uma mulher jovem dirigiu-se a mim queixando-se de sua frigidez. O histórico do caso mostrou que em sua infância ela tinha sido agredida sexualmente por seu pai. Entretanto, não foi esta experiência traumática em si mesma que fizera surgir a sua neurose sexual, como podia ser facilmente verificado. Isto porque se mostrou que a paciente, lendo literatura psicoanalítica popular, vivera o tempo todo na temerosa expectativa do pesado tributo que sua experiência traumática lhe cobraria algum dia. Esta ansiedade antecipatória resultou tanto na intenção excessiva de confirmar a sua feminilidade como na atenção excessiva centrada nela mesma, ao invés de no seu parceiro. Isto bastou para incapacitar a paciente para a experiência do auge do prazer sexual, uma vez que o orgasmo fora transformado em objeto de intenção e em objeto de atenção, em vez de permanecer um efeito não-intencionado do seu devotamento ao parceiro. Depois de se submeter à uma logoterapia de pouca duração, a atenção e intenção excessivas da paciente, voltadas para a sua capacidade de experimentar orgasmo, acabaram sendo "des-refletida" (com o que estamos introduzindo outro termo logoterapêutico). Quando a sua atenção foi focalizada para o objeto apropriado, ou seja, o parceiro, o orgasmo surgiu espontaneamente. (9) Nesta dupla constatação de que o medo torna realidade aquilo que se teme, e de que a hiperintenção impossibilita aquilo que se deseja, a logoterapia baseia a sua técnica chamada de "intenção paradoxal". Nesta abordagem o paciente que sofre da fobia é convidado a intencionar precisamente aquilo que ele teme, mesmo que apenas por um momento. Vou lembrar um caso. Um jovem médico me consultou por causa do seu medo de transpirar. Sempre que ele esperava uma emissão de suor, esta ansiedade antecipatória já era suficiente para precipitar a transpiração excessiva. Com a finalidade de romper este círculo vicioso, aconselhei o paciente a que, quando voltasse essa transpiração, deliberadamente mostrasse às pessoas o quanto ele conseguia suar. Uma semana depois ele voltou, relatando que sempre que encontrava alguém que nele provocasse ansiedade antecipatória, ele dizia para si mesmo: "Antes eu só conseguia suar meio litro, mas agora eu vou despejar pelo menos cinco litros!" O resultado foi que, depois de sofrer desta fobia durante quatro anos, com uma única sessão ele foi capaz de se libertar da mesma permanentemente, em questão de uma semana. O leitor perceberá que este procedimento consiste numa inversão da atitude do paciente, uma vez que seu temor é substituído por um desejo paradoxal. Através deste tratamento tira-se o vento das velas da ansiedade. Semelhante procedimento, entretanto, precisa fazer uso da capacidade especificamente humana do auto-distanciamento, inerente a um certo senso de humor. Esta capacidade básica da pessoa distanciar-se de si mesma entra em ação sempre que se aplica a técnica logoterapêutica chamada "intenção paradoxal". Ao mesmo tempo, capacita-se o paciente a colocar-se numa posição distanciada de sua própria neurose. Gordon W. Allport escreve: "O neurótico que aprende a rir de si mesmo pode estar a caminho da autogerência (self-management), talvez da cura" (10). A intenção paradoxal é a validação empírica e aplicação clínica da afirmação de Allport.
Vejamos mais alguns casos que ajudarão a esclarecer este método. Outro paciente foi um contador, tratado por muitos médicos em diversas clínicas, sem obter sucesso terapêutico. Ao chegar à minha clínica, estava desesperado e admitia estar perto do suicídio. Fazia anos que vinha sofrendo de uma "cãibra de escritor", que recentemente se tornara tão grave a ponto de quase perder o seu emprego. Por isso somente uma terapia imediata, a curto prazo, poderia remediar a situação. Ao iniciar o tratamento, meu colega associado recomendou ao paciente que fizesse exatamente o oposto do que ele costumava fazer, ou seja, ao invés de escrever da forma mais legível e estética possível, que escrevesse com os piores garranchos possíveis. Ele recebeu o conselho de dizer para si mesmo: "Agora vou mostrar às pessoas os garranchos que sei fazer!" E no momento em que deliberadamente procurou rabiscar de forma ilegível foi incapaz de fazê-lo, "Procurei bagunçar minha letra, mas simplesmente não consegui." Dentro de quarenta e oito horas, o paciente livrou-se de seu mal, continuando livre durante todo o período de observação depois do tratamento. Ele é novamente um homem feliz e plenamente capaz de trabalhar. Caso semelhante, relacionado entretanto com a fala, não com a escrita, foi-me contado por um colega do setor de laringologia do Hospital Policlínico. Fora o mais grave caso de gagueira que ele vira em muitos anos de profissão. Ao que o gago podia se lembrar, nunca em sua vida estivera livre de seu problema de fala, nem sequer por um momento, com uma única exceção. Esta ocorreu quando ele tinha doze anos, ao andar de bonde sem pagar passagem. Ao ser pego pelo cobrador, pensou que a única maneira de se safar seria a de conquistar a simpatia dele, fazendo-se de pobre coitadinho que sofria de gagueira. No momento em que tentou gaguejar, foi incapaz de fazê-lo. Sem querer, ele pusera em prática a intenção paradoxal, embora não para fins terapêuticos. Esta apresentação, no entanto, não deveria deixar a impressão de que a intenção paradoxal somente funciona em casos menos sintomáticos. Com esta técnica logoterapêutica meus colaboradores no Hospital Policlínico de Viena conseguiram trazer alívio até em neuroses de caráter obsessivo-compulsivo da maior gravidade e duração. Refiro-me, por exemplo, a uma mulher que durante sessenta dos seus sessenta e cinco anos de vida sofrera de uma compulsão de limpeza tão grave que pensei na lobotomia como a única maneira possível de lhe trazer algum alívio. Entretanto, meu colega começou um tratamento logoterapêutico baseado na intenção paradoxal, sendo que dois meses mais tarde a paciente estava em condições de levar uma vida normal. Antes de dar entrada na clínica, ela confessara que "a vida era um inferno para ela". Tolhida por sua compulsão e obsessão bacteriológicas, ela acabou ficando acamada o dia inteiro, incapaz de fazer qualquer trabalho caseiro. Não seria exato dizer que ela agora está completamente isenta de sintomas, pois uma obsessão ainda pode subir à sua mente. Entretanto, ela é capaz de "fazer troca de idéia", segundo diz, ou seja, em outras palavras, aplicar a intenção paradoxal. A intenção paradoxal também é aplicável em casos de distúrbios do sono; o medo da insônia (11) resulta numa hiper-intenção de pegar no sono, o que, por sua vez, incapacita o paciente de fazê-lo, Para superar este medo em particular, costumo aconselhar o paciente a não tentar dormir, mas antes fazer justamente o contrário, ou seja, ficar acordado tanto quanto possível. Em outras palavras, a hiper-intenção de adormecer, oriunda da ansiedade antecipatória de não conseguir fazê-lo, precisa ser substituída pela intenção paradoxal de não pegar no sono, o
que logo será sucedido pelo sono. A intenção paradoxal é um instrumento muito útil no tratamento de condições obsessivo-compulsivas e fóbicas, especialmente em casos com ansiedade antecipatória subjacente. Além disso, constitui-se também em um dispositivo terapêutico a curto prazo; entretanto ninguém deveria concluir daí que semelhante terapia a curto prazo resulta necessariamente em efeitos terapêuticos apenas temporários. Escreve Emil A. Gutheil que uma das "mais generalizadas ilusões da ortodoxia freudiana é de que a duração dos resultados corresponde à duração da terapia" (12). Em meus arquivos existe, por exemplo, o relatório do caso de um paciente tratado com a intenção paradoxal há mais de vinte anos; o efeito terapêutico, mesmo assim, demonstrou ser permanente. Um fato muito notável é que a intenção paradoxal é eficiente independentemente da etiologia do caso. Isto reforça uma afirmação de Edith WeisskopfJoelson: "Muito embora a psicoterapia tradicional tenha insistido em que as práticas terapêuticas precisam basear-se em constatações etiológicas, é possível que certos fatores causem neuroses durante a primeira infância, e que fatores completamente diferentes remediem neuroses durante a vida adulta" (13). Fatores muitas vezes considerados causas de neuroses, como complexos, conflitos e traumas, são muitas vezes sintomas das neuroses, ao invés de suas causas. Um recife que aparece durante a maré baixa com certeza não é a causa da maré baixa; antes é a maré baixa que faz o recife aparecer. Agora, que é a melancolia senão uma espécie de maré baixa emocional? Os sentimentos de culpa tão típicos das "depressões endógenas" (as quais não devem ser confundidas com as neuróticas!) não são a causa desse tipo particular de depressão. O inverso é verdade, uma vez que esta maré baixa emocional faz com que esses sentimentos de culpa venham à tona, a nível consciente, os traz apenas para o primeiro plano. Quanto à real causa de neurose, afora os elementos constitutivos de natureza somática ou psíquica, os mecanismos retroalimentadores, como a ansiedade antecipatória, parecem constituir importante fator patogênico. Dado sintoma desperta uma fobia, a fobia provoca o sintoma e o sintoma por sua vez reforça a fobia. Uma cadeia como esta pode ser observada em casos obsessivo-compulsivos, nos quais o paciente combate as idéias que o perseguem (14). Desta forma, porém, ele aumenta o poder que elas têm, de perturbá-lo, uma vez que pressão provoca contrapressão, e mais uma vez é reforçado o sintoma! Por outro lado, assim que o paciente para de combater suas obsessões, procurando ridicularizá-las, tratando-as com atitude irônica, aplicando a intenção paradoxal, interrompe-se o círculo vicioso, o sintoma diminui e acaba atrofiando. No caso em que não haja um vácuo existencial propiciando o sintoma e convidando-o a se instalar, o paciente conseguirá ridicularizar o medo neurótico , e, finalmente, terá sucesso em ignorá-lo, Estamos vendo que a ansiedade antecipatória precisa ser combatida através da intenção paradoxal; a hiper-intenção bem como à hiper-reflexão é preciso opor a des-reflexão; des-reflexão, em última análise, não é possível a não ser através de reorientação do paciente para a sua vocação e missão específica na vida (15). Não é a preocupação do neurótico consigo mesmo, seja ela de autoconsideração ou de desprezo, que vai romper o círculo vicioso; a chave para a cura está no "auto-engajamento" (self-commitment)!
A Neurose Coletiva Cada época tem sua própria neurose coletiva, e cada época necessita de sua própria psicoterapia para enfrentá-la. O vácuo existencial, que é a neurose em massa da atualidade, pode ser descrito como forma privada e pessoal de niilismo; porque niilismo pode ser definido como a posição que diz não ter sentido o ser. Quanto à psicoterapia, porém, ela jamais será capaz de enfrentar esse estado de coisas em escala maciça, se não se mantiver livre do impacto e da influência das tendências contemporâneas de uma filosofia niilista; caso contrário, ela mesma representará um sintoma da neurose de massa, ao invés de sua possível cura. A psicoterapia refletiria uma filosofia niilista, e, mesmo sem saber e sem querer, transmitiria ao paciente o que, na verdade, é uma caricatura, e não uma imagem verdadeira do ser humano. Antes de mais nada, há um perigo na doutrina do "nada-mais-que" aplicado à pessoa humana, a teoria de que o ser humano é "nada mais que" o resultado de condicionantes biológicas, psicológicas e sociológicas, produto da hereditariedade e do meio ambiente. Semelhante visão da pessoa humana transforma-a num robô, não num ser humano. Esse fatalismo neurótico é fomentado e reforçado por uma psicoterapia que nega ser livre a pessoa humana. Sem dúvida, o ser humano é um ser Imito, e sua liberdade é finita. Não se trata de uma liberdade de condicionantes, mas da liberdade para tomar uma posição frente aos condicionantes, por exemplo, não ser responsável pelo fato de ser grisalho; entretanto, sou responsável pelo fato de não ter ido ao cabeleireiro tingir o meu cabelo - como bom número de senhoras o teria feito. Por conseguinte, cada indivíduo tem certa margem de liberdade, mesmo que ela se reduza à opção de tingir o cabelo ou não.
Crítica do Pandeterminismo A psicanálise muitas vezes tem sido criticada por seu chamado pansexualismo. Eu, para começar, não creio que esta censura jamais tenha sido legítima. Parece-me, entretanto, que a psicanálise parte de um pressuposto ainda mais errôneo e perigoso, que eu chamo de "pandeterminismo". Refiro-me à visão do ser humano, que descarta a sua capacidade de tomar uma posição sob condicionantes quaisquer que sejam. O ser humano não é completamente condicionado e determinado; ele mesmo determina se cede aos condicionantes ou se lhes resiste. Isto é, o ser humano é autodeterminante, em última análise. Ele não simplesmente existe, mas sempre decide qual será a sua existência, o que ele se tornará no momento seguinte. Da mesma forma, todo ser humano tem a liberdade de mudar a qualquer instante. Por isso, podemos predizer o seu futuro somente dentro de um quadro muito amplo de um levantamento estatístico relativo a um grupo inteiro; a personalidade individual, entretanto, permanece essencialmente imprevisível. A base para qualquer previsão estaria constituída pelas condições biológicas, psicológicas ou sociológicas. Mesmo assim, uma das principais características da existência humana está na capacidade de se elevar acima dessas condições e transcendê-las. Do mesmo modo, o ser humano, em última análise, transcende-se a si mesmo. O ser humano é um ser que se transcende a si mesmo.
Permitam-me citar o caso do Dr. J. Foi ele o único homem que encontrei em minha vida e que eu ousaria chamar de um "ente mefistofélico", uma figura diabólica. Naquela ocasião ele era comumente chamado de o "carniceiro de Steinhof", em alusão a um grande hospital psiquiátrico em Viena. Quando os nazistas começaram seu programa de eutanásia, ele era a pessoa chave, tão fanático em sua função que não deixava um único indivíduo psicótico escapar da câmara de gás. Depois da guerra, quando voltei a Viena, perguntei o que sucedera ao Dr. J. "Os russos o prenderam numa das celas isoladas de Steinhof", contaram-me. "No dia seguinte, entretanto, a porta da cela estava escancarada e o Dr. J. nunca mais foi visto". Eu estava convicto de que, com a ajuda de seus companheiros, ele rumara mais tarde para a América do Sul, como vários outros. Mais recentemente, entretanto, fui consultado por um ex-diplomata austríaco que estivera por muitos anos encarcerado do outro lado da Cortina de Ferro, primeiro na Sibéria, depois na famosa prisão de Liublianca, em Moscou. Durante um exame neurológico, ele, de repente, me perguntou se, por acaso, conhecia o Dr. J. Eu disse que sim, e ele continuou: "Conheci-o em Liublianca. Ali ele morreu com cerca de quarenta anos, de câncer na bexiga. Antes de morrer, ele foi o melhor companheiro que se pode imaginar! Dava conforto a todo mundo. Vivia segundo os mais altos padrões morais que se pode conceber. Foi o melhor amigo que jamais encontrei em todos os meus longos anos na prisão! Esta a história do Dr. J., "o carniceiro de Steinhof", Quem ousará prever o comportamento de uma pessoa? Pode-se predizer os movimentos de uma máquina, de um autômato; até mais do que isto, pode-se tentar predizer até mesmo os mecanismos ou "dinamismos" da psique humana; mas o ser humano é mais do que psique. O pandeterminismo parece uma doença infecciosa inoculada nos educadores; parece que ela atingiu até muitos adeptos da religião, e, ao que tudo indica. eles não se dão conta de que assim estão minando a própria base de suas convicções; porque de duas uma: ou se reconhece a liberdade da pessoa humana de decidir a favor ou contra Deus, bem como a favor ou contra o ser humano, ou a religião é um embuste, uma educação para a ilusão. Ambas pressupõem a liberdade, caso contrário foram mal-entendidas. A avaliação pandeterminista da religião sustenta que a vida religiosa de uma pessoa está condicionada, uma vez que depende das experiências na primeira infância. Diz ela ainda que o conceito de Deus depende da imagem que se tem do pai. Contrastando com este modo de ver, sabe-se muito bem que o filho de um beberrão não se tornará necessariamente um beberrão, da mesma forma uma pessoa pode resistir à influência perniciosa de uma imagem amedrontadora do pai, para entrar numa relação sadia com Deus. Mesmo a pior das imagens paternas não impede necessariamente alguém de estabelecer uma boa relação com Deus; antes, uma vida religiosa profunda dá à pessoa os recursos necessários para superar o ódio pelo pai; inversamente, nem sempre uma vida religiosa precária está necessariamente condicionada por fatores presentes no desenvolvimento da pessoa (16). No momento em que interpretamos a religião como mero produto da psicodinâmica, de forças motivadoras inconscientes, não acertamos o essencial e perdemos de vista o fenômeno autêntico. Essa concepção errônea faz com que a psicologia da religião muitas vezes acabe virando psicologia como religião, na qual a psicologia é, por vezes, cultuada e transformada numa explicação para tudo.
O Credo Psiquiátrico Não se pode conceber algo que condicione o ser humano a ponto de deixá-lo sem a menor das liberdades. Por isso um resíduo de liberdade, por mais limitada que seja, ainda resta à pessoa em caso de neurose ou mesmo de psicose. Na verdade, o mais íntimo cerne da personalidade de um paciente nem é tocado pela psicose. Lembro-me de um homem de seus sessenta anos que trouxeram a mim por causa de alucinações auditivas que já duravam décadas. Vi-me frente a uma personalidade arruinada. Ficou evidente que todo mundo no meio em que ele circulava o considerava um idiota. Mas que estranho charme esse homem irradiava! Quando criança ele quisera tomar-se um sacerdote. Entretanto teve que se contentar- com a única alegria que lhe era dada, de cantar no coro da igreja aos domingos pela manhã. Sua irmã, que o acompanhava, contou que às vezes ele ficava extremamente agitado, mas que, no último instante, sempre conseguia recuperar o auto-controle. Fiquei interessado pela psicodinâmica subjacente ao caso, porque pensei haver uma fixação muito forte do paciente em sua irmã; quis saber como ele conseguia recuperar o auto-controle: "Por amor a quem você age assim? (17). Houve alguns segundos de silêncio, quando o paciente respondeu: "Por amor a Deus". Neste exato momento, revelou-se a profundidade de sua personalidade, e no chão dessa profundeza, a despeito da precariedade de seus dons intelectuais, revelou-se uma autêntica vida religiosa. Um indivíduo incuravelmente psicótico pode perder sua utilidade, mas conservar a dignidade de um ser humano. Este é meu credo psiquiátrico. Sem ele, para mim não valeria a pena ser psiquiatra. Por amor a quem? Simplesmente por amor a uma máquina cerebral danificada, que não pode ser consertada? Se o paciente não fosse categoricamente algo mais do que isso, a eutanásia estaria justificada.
Reumanizando a Psiquiatria Por longo tempo, durante meio século, a psiquiatria tentou interpretar a mente humana simplesmente como um mecanismo, e consequentemente a terapia da doença mental simplesmente foi encarada como uma técnica. Eu acredito que esse sonho acabou. O que desponta agora no horizonte não são os contornos de uma medicina psicologizada, mas antes, de uma psiquiatria humanizada, Um terapeuta, entretanto, que continuasse entendendo o seu próprio papel principalmente como o de um técnico, confessaria que não vê em seu paciente mais do que uma máquina, em vez de enxergar o ser humano que está por trás da doença! O ser humano não é uma coisa entre outras; coisas se determinam mutuamente, mas o ser humano, em última análise, se determina a si mesmo. Aquilo que ele se toma - dentro dos limites dos seus dons e do meio ambiente - é ele quem faz de si mesmo. Nos campos de concentração, por exemplo, nesse laboratório vivo e campo de testagem que foi, observamos e testemunhamos alguns dos nossos companheiros se portarem como porcos, ao passo que outros agiram como se fossem santos. A pessoa humana tem dentro de si ambas as potencialidades; qual será concretizada, depende de decisões e não de condições. Nossa geração é realista porque chegamos a conhecer o ser humano como ele de fato é. Afinal, ele é aquele ser que inventou as câmaras de gás de Auschwitz; mas ele é também aquele ser que entrou naquelas câmaras de gás de cabeça erguida, tendo nos lábios o Pai Nosso ou o Chemá Yisrael.
NOTAS 1. Trata-se da primeira versão do meu primeiro livro, cuja versão inglesa foi publicada em 1955 por Alfred A. Knopf, Inc., Nova lorque, sob o título The Doctor and the Soul: An Introduction to Logotherapy. 2. Magda B. Arnold e John A. Gasson, The Human Person (Nova lorque, The Ronald Press Company, 1954, p. 618. 3. Fenômeno que ocorre como resultado de um fenômeno primário. 4. Edith Weisskopf-Joelson, "Some Comments on a Viennese School of Psychiatry", in: The Journal of Abnormal and Social Psychology, Vol. 51, pp. 701-703 (1955). 5. Edith Weisskofp-Joelson, "Logotherapy and Existential Analysis" in: Acta psichotherapeutica, vol. 6, pp. 193-204 (1958). 6. Oração pelos mortos. 7. L'QIDDUS HASEM, isto é, para santificação do nome de Deus. 8. "Contaste os meus passos quando sofri perseguições; recolheste as minhas lágrimas no teu odre; não estão elas inscritas no teu livro?" (SI 56,8). 9. Para o tratamento de casos de impotência sexual, desenvolveu-se na logoterapia uma técnica específica, baseada na teoria logoterápica da hiperintenção e hiperreflexão, conforme descrito acima. Naturalmente não podemos entrar em detalhes neste resumo dos princípios da logoterapia. 10. Gordon W. Allport, The Individual and His Religion (Nova lorque, The Macmillan Company, 1956), p.92. 11. O medo de insônia, na maioria dos casos, deve-se à ignorância do paciente em tomo do fato de que o organismo se provê da quantidade mínima de sono realmente necessária. 12. Emil A. Gutheil, American Journal of Psychotherapy, vol. 10, p. 134 (1956). 13. Edith Weisskopf-Joelson, "Some Comments on a Viennese School of Psychiatry", in: The Journal of Abnormal and Social Psychology, Vol, 51, pp. 701-703 (1955). 14. A motivação para isto está, muitas vezes, no medo do paciente de que suas obsessões indiquem uma psicose iminente ou mesmo real; o paciente não sabe do fato empírico de que uma neurose obsessivo-compulsiva o está imunizando contra uma psicose formal, em vez de fazê-lo caminhar nesta direção. 15. Esta convicção tem o apoio de Allport, que escreveu: "Na medida em que o empenho é transferido de conflito para alvos fora da própria pessoa (selfless), a vida como um todo se torna mais sadia, mesmo que a neurose possivelmente jamais desapareça por completo" (op. cit., p.95). 16. Um levantamento estatístico representativo realizado por minha equipe no Hospital Policlínico de Viena revelou que cerca de um terço dos pacientes que haviam passado pela experiência de uma imagem paterna positiva, largaram a religião em sua vida posterior, ao passo que a maioria dos que tiveram uma imagem paterna negativa, não obstante conseguiram criar uma atitude positiva em relação a assuntos religiosos. 17. "For whose sake", no original, poderia ser traduzido também por "por causa de quem", "em consideração a quem" ou "em função de quem". A expressão volta várias vezes em seguida no texto. Optamos por aquela versão que melhor combina com a resposta do paciente: "For God's sake"; que no linguajar coloquial significa "Pelo amor de Deus". (Nota do tradutor).
Viktor Frankl – Dados biográficos Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Viktor Emil Frankl (Viena, 26 de março de 1905 — 2 de setembro de 1997) foi um médico e psiquiatra austríaco, fundador da escola da Logoterapia, que explora o sentido existencial do indivíduo e a dimensão espiritual da existência.
Juventude No início da década de 1920, quando tinha quinze anos de idade, Frankl passou a se corresponder com Sigmund Freud. Em 1921, deu sua primeira conferência, sobre o tema A respeito do sentido da vida. A seguir, Frankl torna-se membro ativo de organizações de trabalhadores socialistas jovens. Em 1925, como estudante de medicina, Frankl encontra-se pessoalmente com Freud e se aproxima do círculo intelectual liderado por Alfred Adler. No ano seguinte, ele é excluído da Association de Psychologie Individuelle, em razão de suas divergências com Adler. De 1933 a 1936, Frankl é diretor do pavilhão das mulheres suicidas do hospital psiquiátrico de Viena. Quando os nazistas tomam o poder na Áustria, Frankl, correndo risco de perder a vida, sabota as ordens que recebera de proceder à eutanásia de doentes mentais sob seus cuidados.
Segunda Guerra Mundial Em setembro de 1942, Viktor, mulher grávida e família, porque judeus, são deportados para diferentes campos de concentração, tendo ele recebido a tatuagem de prisioneiro nº 119.104. Libertado somente ao fim da guerra, Frankl toma conhecimento de que sua mulher morreu de esgotamento simultaneamente à liberação do campo de Bergen-Belsen. Perdeu além dela, seus pais e irmão no Holocausto nazista. Esta indelével experiência pessoal será marcante em sua obra terapêutica e em seus escritos, tendo sido capaz de manter, em tal situação desumanizadora, a capacidade de conservar a liberdade do espírito.
Maturidade Nos 25 anos subseqüentes à guerra, Frankl será o diretor da policlínica de neurologia de Viena. Em 1948, obtém seu doutorado em filosofia com o tema: "O Deus inconsciente". Em 1955, torna-se professor de neurologia da Universidade de Viena. Em 1970, em San Diego, Califórnia (em cuja universidade federal passara a lecionar), é fundado o primeiro instituto de logoterapia do mundo. Foi nos Estados Unidos - país em que também lecionou como professor visitante nas Universidades de Harvard, Dallas e Pittsburgh - que a figura de Frankl atingiu
notoriedade mundial, a despeito de suas teses contrariarem as correntes psicanalíticas tradicionais e dominantes. Ao longo de sua vida, os livros de Viktor Frankl serão traduzidos em mais de 30 idiomas. Frankl recebeu o título de doutor honoris causa de diversas instituições de ensino do mundo inteiro, inclusive da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Brasil. Como conferencista, Frankl visitou muitos países ao longo de sua vida, tendo passado pelo Brasil em 1984 (Porto Alegre), 1986 (Rio de Janeiro) e 1987 (Brasília). Atualmente, institutos, centros de estudos e associações de logoterapia podem ser encontrados em mais de 30 países.
Panorama de sua obra A obra de Frankl é relativamente pouco conhecida nos países de língua portuguesa e é comumente ignorada pelas principais correntes da psicanálise (como Sigmund Freud, Carl Gustav Jung, Alfred Adler e Jacques Lacan). De uma forma prática e simples assim diferenciava a Psicanálise da Logoterapia: Na psicanálise, o paciente tem de deitar-se num divã e contar coisas que, às vezes, são muito desagradáveis de serem contadas. Pois na logoterapia o paciente pode ficar sentado normalmente, mas tem de ouvir coisas que, às vezes, são muito desagradáveis de serem ouvidas.(in Sede Sentido, São Paulo: Quadrante, 1999). O fundador da Logoterapia (também chamada de "Terceira Escola Vienense da Psiquiatria"), adotou um certo distanciamento de Freud no que se refere à etiologia sexual das neuroses e também no que se refere à religião. Frankl considera que a neurose individual poderia ser, em alguns casos, a expressão da recusa da religião. Segundo Frankl, existiria no ser humano um desejo e uma vontade de "sentido". Ele percebe que seus pacientes não sofrem exclusivamente de frustrações sexuais (Freud) ou de complexos como o de inferioridade (Adler), mas também do que reputa ser o vazio existencial. Para o analista, a neurose revelaria antes de mais nada um ser frustrado de sentido, o que o levou a concluir que a exigência fundamental do homem não é nem a emancipação sexual, nem a valorização do self, mas a "plenitude de sentido". Segundo Frankl, a compensação sexual não seria nada além de um Ersatz para com a falta de sentido existencial. Por isso, conclui, o terapeuta não pode negligenciar a espiritualidade do analisado e a logoterapia passa a estar centrada no inconsciente espiritual, mais do que nas pulsões. Em "O Deus inconsciente", Frankl repudia a psicanálise tradicional, declarando que "Degradando o 'eu' em simples epifenômeno, Freud, por assim dizer, traiu o 'eu' em favor do 'isso'; mas ao mesmo tempo ele, por assim dizer, insultou o inconsciente, vendo nele nada além do que é do 'isso' - o instintivo - deixando escapar aquilo que é do 'eu' - o espiritual". Para o autor, haveria um hiato ontológico entre o instinto e o espírito. Ele considera o homem uma totalidade trinária e tridimensional, a saber: físico-físico-espiritual. Segundo Frankl, Freud teria negligenciado a terceira dimensão.
No seu livro A Busca do Homem por Sentido (publicado pela primeira vez em 1946), Frankl relata suas experiências como interno de campo de concentração, descrevendo seu método psicoterapêutico para encontrar sentido em todas as formas de existência (mesmo as mais sórdidas) e, daí, uma razão para continuar vivendo. Em suas próprias palavras "O homem, por força de sua dimensão espiritual, pode encontrar sentido em cada situação da vida e dar-lhe uma resposta adequada. Em Viena, em 1983, no Prefácio que faz da sua obra Em Busca de Sentido, à edição de 1984, Frankl, afirma: ...o Pós-escrito de 1984 a este livro é intitulado "A Tese do Otimismo Trágico". O capítulo se refere a preocupações dos dias de hoje e como é possivel dizer sim à vida apesar de todos os aspectos trágicos da existência humana. Espera-se que um certo "otimismo" com relação ao nosso futuro possa fluir das lições retiradas do nosso "trágico" passado.. Sua filosofia é fundamentalmente otimista e baseada na crença - fruto de sua experiência pessoal - de que o fim último da existência humana tem uma meta fora do próprio indivíduo, fim este que lhe dá o sentido da própria existência. Outras citações úteis para a compreensão de seu pensamento podem ser invocadas, como no Prefácio que faz da Edição de 1984 à sua obra Em Busca de Sentido: Não procurem o sucesso. Quanto mais o procurarem e o transfomarem num alvo, mais vocês vão errar. Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser. E ainda, no mesmo prefácio da edição de 1984 de Em Busca de Sentido: Quero que vocês escutem o que sua consciência diz que devem fazer e coloquem-no em prática da melhor maneira posível. E então voces verão que a longo prazo - estou dizendo a longo prazo! - o sucesso vai perseguí-los, precisamente porque voces esqueceram de pensar nele. Finalmente: Nós que vivemos nos campos de concentração podemos lembrar de homens que andavam pelos alojamentos confortando a outros, dando o seu último pedaço de pão. Eles devem ter sido poucos em número, mas ofereceram prova suficiente que tudo pode ser tirado do homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas escolher sua atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho. Por essa e outras razões, Viktor Frankl é uma das figuras-chave da terapia existencial ou existencialista. Sua vida e obra é, para certos analistas, uma sequência de atos e fatos que se desencadeiam em um testemunho inquestionável do poder desafiador do espirito. Para Frankl, a "busca de sentido" é uma exata e precisa definição da natureza humana. Em sua obra, Frankl não recomenda nenhuma religião ou confissão constituída, muito menos alguma Igreja em especial. A todo tempo ele remete o leitor às suas próprias preferências e escolhas. Alguns analistas entendem que um maior estudo da obra de Viktor Frankl seria capaz de ajudar a psicanálise a se libertar de dogmas problemáticos para a sua coerência.
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