Emma e a Bauhaus

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Não sou muito adepta em contar a minha história, mas estou sentindo uma necessidade em deixar registrado o momento que estou passando atualmente. Meu nome é Emma e há pouco tempo ingressei para a New Bauhaus, aqui em Chicago. Desde pequena sempre quis fazer algo relacionado a arte, quando menor me interessava muito pelo expressionismo de Van gogh, por isso terminei conhecendo o trabalho de Wasily Kansinsky, um dos meus artistas preferidos. Quando soube que ele estava ensinando na Bauhaus logo me interessei por essa escola, mas não tinha contato nenhum com um estudante ou professor de lá. E mesmo assim, o pouco que sabia sempre me despertou uma curiosidade enorme. Ainda lembro como se fosse hoje quando contei aos meus pais que iria estudar design, fui muito recriminada, para eles apenas poderia trabalhar com tecelagem, pois um trabalho mais industrial seria para um homem. Mas isso não me desestimulou, apenas me fez persistir mais. A dois meses atrás abriram a New Bauhaus, ao entrar pedi para conversar com o ilustre diretor László Moholy-Nagy, um ex professor da Bauhaus. Logo o contei sobre meu intuito em estudar a área industrial e ele me falou de sua melhor aluna chamada Marianne Brandt, que apesar do machismo presente na escola, se destacou na oficina de metal, onde posteriormente se tornou diretora, desenhando conjuntos de chá e café e abajur de metal pintado, utilitários que se tornaram símbolo da escola. Creio que ele não saiba, mas ao contar essa história me fez ter certeza de que se em uma escola, que veio para dar mais liberdade aos artistas, as mulheres eram vítimas de machismo e sempre colocadas para a área de tecelagem e mesmo assim uma estudante como Marianne pode ter tanta importância, então quer dizer que eu tenho a possibilidade de conseguir. 7, março, 1937



Essa semana os dias passaram devagar, ontem tive uma aula inspirada nos conceitos de um dos primeiros e mais importantes professores da Bauhaus, Johannes Itten. Um suíço, originário da escola expressionista que assumiu o curso preliminar de seis meses conhecido como Vorkurs, em que todos os estudantes da Bauhaus teriam que começar por ele. Itten era filiado ao Masdeísmo, um movimento espiritual persa que seguia o vegetarianismo, jejuns periódicos e um estilo de vida saudável. Achei extremamente interessante as vestimentas dele, s n tte imagine só um professor dar aula I es n Johan vestido com uma túnica. Mas o mais inusitado foi o seu estilo pedagógico peculiar. As aulas de Itten focavam em tentar ajudar seus alunos a encontrar de forma intuitiva sua voz artística, cujo objetivo era eliminar da mente deles todo o preconceito que eles traziam, fazendo-os recomeçar do zero. E foi justamente essa parte dos ensinamentos de Itten que a nossa aula de ontem foi inspirada. Com o desejo de libertar o poder criativo do aluno para que trabalhasse na sua habilidade especifica, suas aulas sempre começavam por exercícios respiratórios e de ginastica, pois ele acreditava que isso ajudaria os alunos a relaxarem. Posteriormente eram abordados os temas como a descoberta do ritmo e composição harmoniosa a partir de ritmos, divididas em três áreas principais como o estudo de objetos naturais e de materiais específicos, depois os estudos eram desenhados dando importância ao contraste do material e por ultimo o contraste de forma e cores. Outro tema sempre presente em suas aulas era o da teoria das formas, que partia de formas geométricas elementares, onde cada uma delas tinha um significado. Seus alunos também desenhavam modelos vivos, sendo esses estudos sempre orientados para representações rítmicas, raramente ocorriam apresentações realistas. Mas, em minha opinião de aluna posterior a Bauhaus, a maior contribuição que Itten deu à arte foi a roda de cores, que permite descobrir combinações harmoniosas. A realidade das aulas de Itten são distantes pra as aulas que eu tenho aqui, sinto que os alunos dele tinham mais liberdade pra produzirem. Ao que pude conversar com o diretor László Moholy-Nagy, Itten abandonou a Bauhaus em março de 1923, por não concordar com os ideais de Gropius, já que a escola estava em época de transição de ideias, assumindo uma postura mais funcional, com a linha de produção voltada para a indústria. 1, julho, 1937



Hoje tive aula com um professor que nos contou breves histórias sobre a antiga Bauhaus, a que me despertou maior interesse foi sobre outro Paul Klee expressionista que também se destacou como professor, Paul Klee. Ele nos contou que Paul sempre foi um professor muito dedicado e ressaltava constantemente que não era dogmático. Iniciou lecionando na oficina tipográfica e posteriormente veio a se tornar o diretor de oficina de vitrais. As vanguardas as quais Klee é associado são o cubismo, surrealismo, futurismo e abstracionismo, mas suas imagens são difíceis de serem classificadas. Ao conversar com o diretor Moholy-Nagy após a aula, pude observar que Klee e Kandinsky já eram amigos antes da Bauhaus, pois os dois participaram de um grupo expressionista alemão chamado “O cavaleiro Azul”, inspirado no expressionismo de Van Gogh e Munch, o primitivismo de Gauguin e as cores não naturalistas dos fauvistas. Apesar de não ter estado presente na Bauhaus nesse momento, Moholy-Nagy disse que Gropius deve ter visto o ingresso de Klee como um triunfo para a escola. Um dos artistas mais reverenciados do mundo chegando a uma escola de arte para morar no campus e lecionar em tempo integral, quase um sonho hoje em dia, imagine naquela época de uma Alemanha emocionalmente perturbada de ideias libertárias. Ele tinha um conceito de forma muito dinâmico e constantemente criava modelos que ele utilizava posteriormente em suas obras. Enfatizava a síntese entre visão exterior e olhar interior até o aluno ficar apto a desenvolver formas abstratas. Eu queria muito ter tido a oportunidade de assistir uma aula com ele, principalmente por ser uma grande fã de seus desenhos e dos estudos sobre a linha e sua disposição espacial. Klee, uma artistia de índole burguesa, sempre teve orgulho do seu cargo na Bauhaus e era um dos mais bem pagos professores, apesar disso, tornava-se cada vez mais difícil para ele conciliar seus ideais artísticos com a sua atuação na escola. Em 1930 ele abandonou a Bauhaus e posteriormente se torna membro da Academia de Artes de Düsseldor. 30, julho, 1937



Wassily Kandinsky Faz um bom tempo que não escrevo aqui, a situação da New Bauhaus esta estranha, algumas pessoas falam de crise financeira, o que me resta é esperar. Mas tenho uma boa novidade, hoje na aula estudamos muito sobre os conceitos do abstracionismo, sendo a aula inspirada nos ensinos do mestre Wassily Kandinsky. Na nossa aula estudamos as cores com enfoque no processo da composição visual e juntamos alguns objetos de ferro-velho para fazer intervenções, estimular a criatividade e as possibilidades. Logo após o almoço fui falar com Moholy-Nagy sobre a aula e ele me explicou que Kandinsky amplia a sua intuição de que a arte para ser esteticamente válida não necessita do motivo natural, isto é, que uma arte significativa pode ser realizada também através do abstrato. Ele diz que ao em vez de se dar tanta importância ao objeto representado, o artista deve utilizar das formas abstratas e das cores para mostrar a sua necessidade interior, assim termina associando cores ás sensações. Na Bauhaus ele era o diretor da oficina de pintura de murais. Em meio da nossa conversa, Moholy-Nagy me contou que nessa época a Alemanha estava piorando, pois lutava para cumprir as obrigações que lhe haviam sido impostas pelo tratado de versalhes. Contou que muitas facções que financiavam a escola temiam que ela tivesse se tornado uma entidade política, um vivero de socialistas, então Gropius estava sendo posto a prova, precisava mudar o conceito que as pessoas tinham do valor da Bauhaus. Foi ai então que juntamente com Moholy-Nagy, entrou o novo grito de batalha “Arte e tecnologia, uma nova unidade”. 28, Setembro, 1937


Este caderno pertence a Emma Lewis Chicago, 1937. Nota:

Esta história é ficcional com alguns personagens reais, então houve certa distorção da realidade. Ela se passa no sec xx, onde uma menina, Emma Lewis, na média dos 20 anos acaba de ingressar para a New Bauhaus e se torna aluna e amiga de Wasily Kansinsky. Este documento são os relatos de Emma sobre a convivência dela na com esse professor, sobre as suas experiecias na nova escola e o despertar de sua curiosidade sobre a Bauahus e seus mestres. Um resumo histórico sobre o inicio da Bahaus: “ A escola foi fundada por Walter Gropius em 25 de abril de 1919, a partir da reunião da Escola do Grão-Duque para Artes Plásticas . A intenção primária era fazer da Bauhaus uma escola combinada de arquitetura, artesanato, e uma academia de artes, e isso acabou sendo a base de muitos conflitos internos e externos que se passaram ali. A maior parte dos trabalhos feitos pelos alunos nas aulas-oficina foi vendida durante a Segunda Guerra Mundial. ”


Este trabalho se trata de um exercício experimental aplicado na disciplina de História do Design da Universidade Federal de Pernambuco, no segundo semestre de 2014, ministrada pela prof. Dra. Oriana Duarte, com monitoria da aluna Hannah Sá. A proposta é desenvolver uma narrativa autoficcional ambientada na escola Bauhaus na primeira metade do século XX e tem como objetivo uma outra possibilidade de apreensão do saber histórico. Os conteúdos aqui apresentados não devem ser considerados estritamente como fatos históricos e não devem ser usados como documentos históricos. Trabalho realizado por Maria Eduarda Figlioulo e Luiza Ferreira Pinto


As minhas conversas com Moholy-Nagy são praticamente mensais, pois aproveitei para conversar sobre o inicio da Bauhaus, essa escola que tanto me motivou para estar onde eu estou. Inicialmente ele me contou que Gropius quando criou a escola, rejeitou a politica de produção em massa industrializada da Werkbund alemã, pois a via como uma diminuição do individuo. Ele também declarava que não existe arte profissional, dizia que o artista é um artesão inflamo, por isso queria construir um edifício do futuro, onde combinasse arquitetura, escultura e pintura de uma forma só. Planejou a estrutura de desenvolvimento educacional inspirado nas guildas medievais de William Morris, onde os alunos começariam como aprendizes, evoluindo para artífices e, por fim, jovens mestres. Moholy-Nagy ainda me mostrou algumas anotações que ele tinha escrito logo quando ingressou na Bauhaus, dizendo que foi influenciado pelo construtivismo russo e neoplasticismo-holandês, por isso defendia a integração da tecnologia e indústria no design e na arte. Pude notar que ele fala dessa época com um sentimentalismo exarcerbado, deve ocorrer por ter sido um momento muito importante em sua vida, até porque não é todo dia que você ajuda a construir uma escola que teve tanta influencia no século atual. E agora, depois de todo esse tempo, ele se encontra aqui, sendo diretor de uma nova Bauhaus. 24, maio, 1937


Estamos praticamente no final do ano, a escola não vai indo bem, não sei se irá fechar ou vai conseguir se manter, apesar que os rumores estão péssimos. Esse foi um ano mágico, queria poder voltar no tempo para poder ter tido a oportunidade de estudar na Bauhaus de Weimar. Moholy-Nagy foi como um mestre pra mim, assim como tenho certeza que ele deve ter sido para os seus antigos estudantes. Ele me ajudou a compreender o inicio e os conceitos de Bauhaus, e isso me fez perceber no quanto ela influencia no meu curso aqui em Chicago. Fico pensando se daqui a uns 50 anos essa escola vai ter alguma influencia nos cursos de design e artes como ainda tem hoje dia. Não sei que rumo seguir agora, mas fico muito grata a todos os mestres da que participaram daquela escola, pois com toda certeza, eles mudaram o rumo da história do design. Estudar na Bauhaus foi um sonho impossível de ser realizado, mas conviver com Moholy-Nagy durante um ano todo foi uma realidade bastante proveitosa. 2, Novembro, 1937


Bibliografia Isso é arte? – Will Gompertz Uma introdução a historia do design – Rafael Cardoso Bauhaus: A face do Século XX. – Frank Whitford (Vídeo) www.designculture.com.br http://bauhaus-online.de/ http://www.pintoresfamosos.com.br/


Este trabalho se trata de um exercício experimental aplicado na disciplina de História do Design da Universidade Federal de Pernambuco, no segundo semestre de 2014, ministrada pela prof. Dra. Oriana Duarte, com monitoria da aluna Hannah Sá. A proposta é desenvolver uma narrativa autoficcional ambientada na escola Bauhaus na primeira metade do século XX e tem como objetivo uma outra possibilidade de apreensão do saber histórico. Os conteúdos aqui apresentados não devem ser considerados estritamente como fatos históricos e não devem ser usados como documentos históricos. Trabalho realizado por Maria Eduarda Figlioulo e Luiza Ferreira Pinto


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