Rios Ocultos

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RIOS OCULTOS

O GLOBO AMANHÃ

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TERÇA-FEIRA 31.7.2012

Qualidade de vida

Urbanização desordenada encobriu nascentes de São Paulo, contribuindo para enchentes, poluição e mau cheiro. Projeto para mudar essa megalópole passa por suas águas

MARIANA TIMÓTEO DA COSTA mariana.timoteo@oglobo.com.br

S

ão Paulo, uma das 10 cidades mais populosas do mundo, cresceu muito rapidamente. Se em 1870 — durante o ciclo do café que tornou-a motor da economia brasileira — viviam 31 mil pessoas no município, hoje são quase 20 milhões na área metropolitana e em suas 38 cidades. E os rios estão diretamente relacionados ao progresso e às agruras da megalópole. A cidade que foi fundada no século XVI do alto de uma colina escarpada, entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí, viu nesses mesmos um obstáculo ao seu crescimento. Foi para dar vazão à indústria cafeeira que veio a primeira intervenção: em 1892, o Viaduto do Chá nasceu sobre o Anhangabaú. No início do século XX, o prefeito Francisco Prestes Maia construiu viadutos, perfurou túneis, alargou avenidas e praças, derrubou casebres e prédios antigos para transformar a cidade ainda provinciana e dar a ela foros de uma verdadeira

metrópole no país. Anos depois, os rios Pinheiros e Tietê foram retificados e cederam boa parte de sua área para a construção dos atuais 17 mil quilômetros de ruas e avenidas que existem em São Paulo. E, assim, os rios foram desaparecendo aos olhos de sua população. Grandes avenidas como a 23 de maio e a Nove de Julho passam inteiras por cima deles, que atualmente servem mais para escoamento de água e esgoto. Estariam, portanto, os rios de São Paulo mortos? Muito pelo contrário, garantem especialistas. Sentada sobre a bacia hidrográfica do Paraná, a metrópole não deixou de ter seus mais de 300 rios e riachos, um total de 1.500 quilômetros de água doce. — Não há nada mais difícil do que matar um rio. Ele pode estar doente, sujo, escondido; mas morto, nunca. Se a gente conseguir com que a população perceba isso e passe a interagir com eles, esta relação muda — defende o geógrafo Luiz de Campos Junior, coordenador do projeto Rios e Ruas. Ao lado da botânica Juliana Gatti e do arquiteto e urbanista José Bueno, Campos Junior es-

ELIARIA ANDRADE

Especialistas. Luiz eJuliana estudam os rios da cidade


REPRODUÇÃO DE JOSÉ ROSAEL, DO ACERVO DO MUSEU PAULISTA DA USP

Século XIX. O quadro "Inundação da Várzea do Carmo", de 1892, mostra como era São Paulo antes dos projetos intensos de urbanização

tuda os rios de São Paulo e propõe ideias para recuperá-los, reintegrando-os à realidade da cidade. O grupo garante: pequenos e grandes projetos são capazes de reverter males que a urbanização desenfreada causou. Intervenções em córregos e nascentes ao longo dos anos, garantem eles, estão intimamente ligadas a problemas de enormes proporções à cidade como enchentes, engarrafamentos, poluição e mau cheiro. A Rios e Ruas realiza expedições pelos rios escondidos de São Paulo. Os passeios são a pé ou de bicicleta. A curiosidade dos paulistanos vem fazendo com que cada vez mais escolas e empresas se interessem em contratar os serviços do grupo. Acompanhar uma das visitas é, sem dúvida, experiência transformadora. Quem imaginaria, afinal, poder ver — e ouvir — nascentes de rios próximas à Avenida Paulista, coração econômico da metrópole? Ou observar córregos passando por dentro da casa de moradores de São Paulo? No caminho à procura dos rios urbanos, chamam atenção dois exemplos do que é e do que poderia vir a ser a relação entre os mora-

dores e os rios da cidade. O Jardim Botânico, na Zona Sul , está localizado na segunda maior reserva da Mata Atlântica da cidade: o Parque Estadual das Fontes do Ipiranga e seus 550 hectares. Em 2008, o local — mantido pelo governo estadual — realizou um projeto pioneiro, que vem sendo copiado em outras áreas: abriu-se quase 1 km do córrego Pirarungáua. O rio havia sido canalizado e enterrado nos anos 30. — Recebíamos 10 mil visitantes por ano até abrir o rio. Atualmente, são 150 mil. Além disso, espécies de plantas, algumas ameaçadas de extinção, voltaram a brotar, os peixes reapareceram — comemora Nelson Antônio Leite Maciel, do Instituto de Botânica do local. Da Zona Sul à Oeste, a situação se repete. Um beco em frente à Harmonia não faz jus ao charmoso nome da rua da Vila Madalena. O beco é um local abandonado, cinza, sujo. Na época das enchentes, de dezembro a março, é comum carros serem arrastados pela água e invadirem o local. Mas embaixo do asfalto passa um rio, o Verde. — Por que não abrir este espaço? — indaga

Juliana. — Há dezenas de locais por onde passam rios que poderiam ser abertos, impermeabilizados com plantas. A água escoaria mais facilmente, o local ficaria mais agradável para os moradores. Uma vez em contato com o rio, a relação com ele mudaria, facilitando exigências quanto à sua despoluição, por exemplo — avalia a botânica, salientando que é preciso ainda “desmistificar a ideia” de que não existem espaços livres em São Paulo. — Pequenas soluções já implementadas mostram exatamente o contrário. Duas praças na Vila Beatriz, próxima dali, abriram recentemente dois riachos que passavam por debaixo de um monte de concreto. Os locais receberam mais plantas, mais terra, pequenas cachoeiras foram construídas a partir de pedras para que água da chuva perdesse intensidade quando atingisse a rua. Os moradores estão sofrendo menos com enchentes. — Dá para fazer isso em vários locais de São Paulo, abrir trechos nas margens do Tietê, do Pinheiros, do Tamanduateí ... Fazer com que espaços de estacionamento não sejam de concreto e sim de paralelepípedo — disse Junior.


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RIOS OCULTOS DIEGO PADGURSCHI/ FOLHAPRESS

Alagamento. Chuvas transformam o centro de São Paulo num rio, em enchente em 2011

Para ele, o paralelepípedo seria melhor para absorver a água, evitando enchentes. Juliana salienta a existência de processos orgânicos elaborados pela natureza “para curar a saúde dos rios”: — Na China e em Hong Kong criaram-se ilhas flutuantes de plantas aquáticas, as raízes vão fazendo a filtragem. Já é realidade a inserção de microrganismos que comem o lodo dos rios e vão limpando suas águas. Isso traz pouco impacto ao que já existe. O esgoto, desta vez em rios que estão bem à mostra, é uma outra questão a ser resolvida. O Tietê, o principal da cidade, nasce a 1.120 metros de altitude, na Serra do Mar, e deságua no rio Paraná que, por sua vez, vai até a Argentina. Apenas 22% do esgoto produzido em São Paulo que acaba no rio são tratados. — Metade do líquido do Rio Pinheiros atualmente é formada por esgoto. As políticas de saneamento são mais do que urgentes — avalia Stella Goldstein, diretora da Águas Claras, organização formada por empresas que possuem escritórios à beira dos rios e criada para pressionar por políticas de saneamento e melhor tratamento dos esgotos do Pinheiros. — Até conseguimos que uma ciclovia fosse construída, em 2008, mas muita gente evita passar por ali porque o cheiro é ruim demais. Alexandre Delijaicov, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, está convencido de que nenhuma discussão sobre a saúde dos rios pode excluir a questão do transporte público na cidade. — É impossível manter a atual cultura ro-

doviária que marcou desde sempre a história de São Paulo. Quase um terço dessas 20 milhões de pessoas, hoje, circulam em automóveis, boa parte delas sozinha. Não é apenas o esgoto, a poluição dos carros também contamina os rios.

Eterno retorno

Delijaicov é um dos principais idealizadores do chamado anel hidroviário, um projeto de US$ 3 bilhões que pretende tornar — num período de até 30 anos — 170 km das águas dos rios Pinheiros e Tietê, assim como as represas Billings e Taiaçupeba, navegáveis. A proposta alia transporte hidroviário a obras para tratamento de lixo, combate a enchentes, despoluição, criação de parques e ampliação da capacidade de fornecimento de energia e água na Grande São Paulo. — A água está toda aí. O que necessitamos é construir um canal artificial navegável, de 17 quilômetros de extensão, ligando as represas, além de parques, portos e elevadores para os barcos — conta Delijaicov. — São Paulo precisa é voltar ao passado, quando os rios faziam parte da vida da população e não eram motivo de vergonha para a cidade. O bairro de Alto Pinheiros é um dos que mais sentem a presença dos rios em São Paulo. Ladeiras, muito verde e frescor — sinalizando que existe água no solo. É onde fica a casa do aposentado Walter Bechara. Aos 73 anos, ele lembra de quando ainda nadava nos rios paulistanos. Mal sabia que, ao comprar a casa, em 1968, adquiriria também uma das

nascentes de um rio em que adorava nadar: o Tiburtino. — Vi aquele terreno inundado, drenei tudo e construí por cima, em 1973. Mas uma aguinha continuava brotando da pedra. Resolvi criar uma piscina para ela. Só muito tempo depois descobri que era a nascente de um rio — conta o aposentado, que mandou, há alguns anos, fazer a análise da água. — Me disseram que está contaminada, uma pena. Meus netos adorariam tomar banho na água doce. Segundo Luiz de Campos Junior, da Rios e Ruas, a água pode estar contaminada por vários motivos: ligação clandestina de esgoto nas galerias, vazamento de fossas, de postos de gasolina. — O bairro fica no meio de uma área urbana. Mas, mesmo nascentes em reservas verdes, localizadas na Serra da Cantareira, ao Norte de São Paulo, já estão poluídas — garante Junior. É que a sujeira produzida por carros e fábricas em São Paulo é tão grande que sobe pelo ar. Quando chove, ela penetra no lençol freático, atingindo as nascentes. — Por isso também é que projetos que reduzam a circulação de veículos e fiscalizem as fábricas são tão essenciais. Enquanto seus netos não podem nadar na piscina, Bechara vai-lhes ensinando a ser o mais ecologicamente correto possível: faz umas lindas mandalas com pedaços de árvores e plantas que colhe do chão. — Dou um destino ao que está morto que não seja o lixo.


EDITORA RESPONSÁVEL Ana Lucia Azevedo (ala@oglobo.com.br). EDITORA Liana Melo (liana.melo@oglobo.com.br). REPÓRTERES DESTA EDIÇÃO Camila Nobrega (camila.nobrega@oglobo.com.br), Cleide Carvalho (cleide.carvalho@sp.oglobo.com.br), Mariana Timóteo da Costa (mariana.timoteo@oglobo.com.br), Martha Neiva Moreira (ciencia@oglobo.com.br) e Renato Grandelle (renato.grandelle@oglobo.com.br). DIAGRAMADOR Claudio Rocha (rochinha@oglobo.com.br). INFOGRAFIA Alexandre Alvim (alvim@oglobo.com.br). Telefone Redação 2534-5000 Publicidade 2534-4310 publicidade@oglobo.com.br Correspondência Rua Irineu Marinho 35, 2º andar, Rio de Janeiro, CEP 20230-901/RJ.

Ouro, o metal que garante a economia // página 7 EURECA!: Robôs podem atuar em desastres // página 8 a 11 ENSAIO FOTOGRÁFICO: Fundo do mar em preto e branco // páginas 12 e 13 SECA HISTÓRICA: Superplantas prometem ajudar a salvar culturas nos EUA // página 15 ECO DESTINO: Ilhas Galápagos página 6 ENCICLOPÉDIA:

MEIO AMBIENTE Pág. 6 a 15

página 16 a 18 SÃO PAULO:

Urbanização ocultou rios da cidade // página 19 VITRINE: Escritório de design pesquisa produtos de baixo impacto ambiental

QUALIDADE DE VIDA Pág. 16 a 19

Desafio da indústria é produzir uma energia limpa // página 26 RAZÃO SOCIAL: Caminhos da água no mundo //páginas 28 e 29 ECONOMIA VERDE: Consumo consciente// páginas 30 e 31 NOTÍCIAS DA TRIBO: Poluição global deixa Brasil fora da liderança mundial

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DESAFIOS DA MODERNIDADE

O Globo Amanhã nasceu da fusão do Planeta Terra com o Razão Social. Como depois do fogo e da agricultura, nenhuma outra descoberta talvez tenha sido tão importante para a história da Humanidade como o carvão — que permitiu a revolução industrial e, com ela, o advento da modernidade, nada mais simbólico para lançar uma revista sobre sustentabilidade do que tratar de um mineral tão longevo e tão identificado com a poluição e o aquecimento global. Meio ambiente, qualidade de vida e economia são os temas da revista, que pretende discutir os desafios de ser sustentável no mundo de hoje.

Liana Melo EDITORA

ECONOMIA

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Funcionários se preparam para mais um dia de trabalho na usina de carvão Presidente Médici, em Candiota Foto: Michel Filho

Energia

NÓ DO CARVÃO

O desafio da atualidade é produzir sem poluir Página 20


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