ESPORTES
- Reportagem ESPECIAL
Por: Luiz Felipe Costa
Capa disco Highway to Hell, 1979
Os anos de 2005 e 2019 ficaram e ficarão muito marcados para os torcedores mineiros. No dia 27 de novembro de 2005, o Clube Atlético Mineiro empatava com o Vasco da Gama no Estádio Mineirão pelo placar de 0 x 0 e decretava ali, até hoje, o seu primeiro rebaixamento de toda sua história. Já para o Cruzeiro Esporte Clube, o fatídico dia do descenso de sua existência, até então, foi o 08 de dezembro de
2019, também no Estádio Mineirão, depois de uma derrota para o Palmeiras pelo placar de 2 x 0. Mas além do estádio, o rebaixamento dos clubes mineiros tem outras coisas em comum? Quais os motivos que levaram Galo e Raposa a disputarem a segunda divisão do Brasileirão? Em que momento os times pegaram a “estrada para o inferno”? Isto mesmo, caro leitor, a referência aqui é à letra da canção
“I'm on the highway to hell On the highway to hell Highway to hell I'm on the Highway to hell No stop signs, speedin' limit Nobody's gonna slow me down”
Para a torcida, os sentimentos que ficaram ao final do Brasileirão foram de angústia, decepção e raiva: era a prova da chegada ao inferno! É comum o torcedor, diante da situação narrada, iniciar uma busca incessante por um culpado, seja ele um jogador, um jornalista, um técnico, um dirigente ou até mesmo uma superstição. Segundo Luciano Cunha, mestre e doutor em psicologia comportamental e especialista em psico. esportiva, o ser
“Highway to Hell”, da banda australiana AC/DC. Alguns versos da canção, gravada em 1979, caem como uma luva e poderiam ser a trilha sonora para a queda meteórica de ambos os times mineiros: “I'm on the Highway to hell; No stop signs, speedin' limit; Nobody's gonna slow me down” (Estou na estrada para o inferno; Sem sinais de "pare", sem limites de velocidade; Ninguém vai me fazer reduzir a velocidade).
“Estou na estrada para o inferno Na estrada para o inferno Estrada do inferno Estou na estrada para o inferno Sem sinais de "pare", sem limites de velocidade Ninguém vai me fazer reduzir a velocidade”
humano apresenta uma dificuldade em apontar seus próprios erros. “No momento em que o torcedor culpa apenas o outro, esquiva-se do resultado final. Quando não busca se esquivar da responsabilidade, tenta fugir do julgamento do outro. Funciona como uma estratégia de esquiva mesmo. Evitar lidar com alguma coisa. Para ficar mais claro, por que é mais fácil para quem está de fora adotar uma postura mais racional? Porque, de fora, a pes-
soa não está sob julgamento”, explica Cunha. No futebol, existe um jargão que diz: “no estádio, se o torcedor está falando, é melhor técnico e dirigente escutar.” Porém, nos casos de Atlético e Cruzeiro, as diversas críticas que vinham das arquibancadas faziam sentido? Comecemos a discutir sobre o primeiro alvo dos torcedores: os elencos! Eles possuíam qualidade suficiente dentro das 4 linhas para fazer uma campanha melhor?
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Reportagem ESPECIAL - ESPORTES
ELENCO
Jogadores Atlético-MG 2005 e Cruzeiro 2019
Primeiramente, trataremos o caso do Atlético, rebaixado em 2005. Naquele ano, passaram pelo clube 44 atletas que participaram de pelo menos uma partida do Campeonato Brasileiro, em suas 42 rodadas. Um número muito superior à média do campeonato, em que um time, considerado grande, utiliza entre 30 e 35 jogadores. Esse pode ser considerado um dos primeiros motivos para a falta de resultados do time em campo. Para Adriano Godinho, 44, advogado, professor universitário e torcedor do clube alvinegro, é importante lembrar que já no ano anterior, 2004, o Atlético lutou, até
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a última rodada da competição, para não ser rebaixado. “Então, de certa forma, o que ocorreu foi uma tragédia anunciada. Em 2005, o clube teve dois times: o primeiro, que disputou a maior parte do campeonato sem sucesso, com jogadores veteranos que não deram o resultado ideal. E o segundo time, com muitos garotos, que tentaram salvar o Atlético da tragédia, mas não em tempo, infelizmente. Na minha visão, houve erro de estratégia, erro na montagem do time. Os garotos fizeram um papel muito superior aos jogadores mais experientes, mas também não conseguiram dar conta do recado. Resumin-
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do, o que aconteceu com aquele elenco que não era tão ruim, que não estava entre os quatro piores do Campeonato Brasileiro, foi uma gestão ruim e, principalmente, pressão psicológica nos jogadores, já que, quando um time de expressão precisa sair desse abismo fica muito complicado, também pelo fator externo. Era um problema estrutural e psicológico que não permitiu ao time um bom desempenho dentro de campo, afundando-o cada vez mais naquela situação.” Vejamos, a seguir, a tabela que mostra os jogadores escalados pelo Clube Atlético Mineiro no Campeonato Brasileiro de 2005:
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- Reportagem ESPECIAL Ao olhar o elenco atleticano daquele ano, formado por jogadores renomados e também jovens talentos, é possível compreender a leitura de Godinho e também apontar algumas peculiaridades com base nos resultados do desempenho de alguns atletas. Os atacantes Marques e Euller por exemplo, possuem uma vasta carreira no clube, sendo dois dos jogadores mais idolatrados no final dos anos 90 e início dos anos 2000 pelo torcedor. Os dois foram, naquele ano, os artilheiros do Atlético no campeonato, com 10 e 7 gols respectivamente. O fato de Marques e Euller terem sido os goleadores do time, já apresenta algum problema? Sim! Nenhum dos dois atletas foram reconhecidos em suas carreiras pelo “faro de gol”. Marques e Euller sempre foram jogadores da assistência, de fazer centroavantes artilheiros. E se, ao final do campeonato, ambos jogadores acumulam mais gols é porque algo de errado estava acontecendo. Os atacantes contratados para marcar, Fábio Junior e Luís Mário, tiveram na temporada, juntos, 2 gols a menos que Euller. Tanto Fábio, quanto Luís, fizeram muitos gols por outras equipes. Fábio Júnior havia sido artilheiro da Copa Mercosul e vice-artilheiro do Brasileirão de 1998 pelo Cruzeiro. Pelo Atlético, em sua primeira passagem, ainda em 2003, foi o artilheiro da equipe com 14 gols no Campeonato Brasileiro. Outro atacante também contratado para marcar foi Pablo Giménez. “Pablito” como era conhecido, foi contratado junto ao Guarani – Paraguai, onde era conhecido por marcar muitos gols. As boas atuações na equipe fizeram com que o jogador fosse convocado em diversas oportunidades para defender a sua seleção. Pelo Atlético, em 2005, foram 8 jogos (7 pelo Campeonato Brasileiro) e nenhum gol. Mas, então, qual era o problema, o motivo da escassez de gols no time? O futebol é um jogo coletivo, onde ter jogadores que já fizeram muitos gols, por exemplo, não significa que resultará em gols no time atual. A falta de encaixe, ou o momen-
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Lima em foto tirada para a divulgação do elenco do Atlético em 2010
E se falarmos então do elenco cruzeirense de 2019? O time que havia sido bicampeão da Copa do Brasil de 2017 e 2018, foi reforçado para a temporada de 2019 e acabou rebaixado. No total foram utilizados 35 jogadores (veja tabela):
Zagueiro Lima pós rebaixamento, em 2005 / Cred. Jorn. O Tempo
“A gente sabe que era um vestiário com grandes jogadores e que existia uma vaidade muito grande, infelizmente.” - Lima em entrevista
Créditos: Flickr Cruzeiro
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Créditos: Flickr Atlético
to pessoal de cada atleta, pode ser a melhor resposta para o que ocorria no campo. Um amante do futebol que não fosse atleticano e analisasse o elenco do clube daquele ano, dificilmente imaginaria o fim que levaria o time. Jogadores como Rodrigo Fabri, Luís Mário, Marques, Euller, Fábio Júnior, Fábio Baiano, Amaral, Evanílson, Danrlei, Cáceres, Rubens Cardoso, George Lucas... Estes eram atletas já consagrados, com passagens por grandes clubes do futebol nacional e internacional, e alguns com passagem por seleção brasileira ou a seleção de seu país natal. O elenco ainda contava com os jovens talentos, que estavam começando a vida como jogadores profissionais naquele ano e conseguiram, após o fim da temporada, alcançar uma carreira nacional e internacional respeitável, como Diego Alves, Lima e Leandro Castán. Então, resta a dúvida, por que esse elenco não deu certo? A resposta para esta pergunta não é tão simples de ser respondida, já que muitos aspectos precisam ser levados em consideração. Conforme o zagueiro Lima, que em 2005 havia acabado de subir para o elenco profissional do Atlético, os jogadores que estavam ali eram muito bons. “Se for feita uma análise de jogador por jogador em todos os times do Brasil naquele ano, estávamos entre um dos melhores elencos. Tínhamos muitos jogadores consagrados, com muita capacidade técnica, extremamente campeões por onde eles passaram. Infelizmente, as peças não deram liga, não deu um time competitivo. Eram jogadores muito vitoriosos, mas não conseguiram fazer uma equipe competitiva aqui no Atlético.”
Elenco cruzeirense antes do seu jogo diante do Vasco, válido pela 17ª rodada do Campeonato Brasileiro 2019.
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Principais jogadores do Cruzeiro na temporada 2019.
Neste caso, a análise se torna ainda mais intrigante. O elenco cruzeirense pouco mudou em relação ao time bicampeão da Copa do Brasil de 2017 e 2018. O principal problema enfrentado dentro de campo foi a seca de gols. No Brasileirão de 2019, foram apenas 27 gols feitos (3ª pior marca entre os 20 clubes da competição), mesmo tendo atacantes famosos por serem considerados artilheiros como Fred e Sassá. Fred, que até então era um dos ídolos da história recente na torcida cruzeirense, acumula 149 gols (até a 21ª rodada do Brasileirão 2020) em Campeonatos Brasileiros, sendo o 4º maior artilheiro da competição em todos os tempos. O que falar, então, dos meias ofensivos do time, que nunca foram considerados “homens-gol”, mas sempre produziram muito no setor ofensivo. Robinho, que sempre foi um bom batedor de faltas e finalizador de média distância, marcou apenas 1 gol em 27 jogos, já Marquinhos Gabriel, que se destacou no Santos como homem de lado de campo, que tem a capacidade de “cortar pra dentro” e bater pro gol, conseguiu disputar 28 jogos e não fazer um gol sequer. Já Thiago Neves, considerado um dos "craques deste time", marcou 6 gols e deu apenas 5 assistências, Olhando de forma mais ampla para o elenco, percebe-se que grande parte da equipe era formada por jogadores que foram vitoriosos no próprio Cruzeiro e em outros grandes clubes brasileiros. Fábio, Egídio, Léo, Dedé, Henrique, Lucas Silva, Rafinha, Robinho, Rodriguinho, Thiago Neves, Pedro Rocha, Fred. Se havia tanta qualidade, qual o motivo do fraquíssimo desempenho dentro das 4 linhas?
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Reportagem ESPECIAL - ESPORTES Neste caso, é possível comparar o Cruzeiro de 2019 ao Atlético de 2005: jogadores bastante renomados, muita vaidade dentro dos vestiários e fraco desempenho em campo. Sendo assim, ressalta-se, mais uma vez, que o futebol é um esporte coletivo e não há espaço para interesses pessoais. O elenco precisa pensar como um time, pensar no time. Para o torcedor Daniel Costa, estudante de jornalismo e
apaixonado declarado pelo Cruzeiro, antes do rebaixamento, a impressão do elenco cruzeirense era a melhor possível. “Vamos lembrar que, além dos títulos em anos anteriores, em 2019, o time havia ganhado o Campeonato Mineiro e vinha muito bem na fase de grupos da Copa Libertadores. Era um elenco muito caro, que chegou a ser comparado com Flamengo e Palmeiras (tidos como os dois melhores elen-
Como apontou o psicólogo Luciano Cunha, no início desta reportagem, apontar a falha do outro, estando fora da situação, é mais confortável. Mas qual é a visão de quem estava dentro de campo? Para o zagueiro Lima, que passou a integrar o elenco profissional atleticano no ano de 2005, embora a equipe fosse qualificada, quando os resulta-
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dos deixaram a desejar, o clima entre os jogadores foi piorando gradativamente. “Em um ambiente de bons resultados, as coisas tendem a acontecer de forma mais fácil. Mas, quando se acumulam resultados negativos, as vitórias começam a não vir, se o grupo não está focado e todos os atletas estão remando no mesmo sentido, fica muito difícil. No
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Créditos: Arquivo pessoal
Torcedor Daniel Fagundes em confraternização com seu pai.
cos do Brasil antes da temporada 2019 começar). Tínhamos jogadores como Fred, Rodriguinho, Robinho, Edílson, Fábio, Dedé... jogadores que qualquer time do Brasil olhava e desejava ter em seu plantel. Gerava uma expectativa muito boa, apesar do meu desconforto em relação a idade dos atletas. Era um grupo com poucos jogadores jovens. Mas, sim, a expectativa era muito grande”, afirmou Costa.
ano do nosso rebaixamento, por termos ficado um grande período sem bons resultados, principalmente na Era Tite, quando vencemos apenas 3 partidas em 17 disputados, as coisas não estavam bem, né? A gente sabe que era um vestiário com grandes jogadores e que existia uma vaidade muito grande, infelizmente.”
ESPORTES Para o goleiro Fábio, um dos maiores ídolos da história cruzeirense, com mais de 900 jogos com a camisa celeste, em entrevista ao jornalista Thiago Asmar, no Canal Pilhado (Youtube), o erro do time não estava apenas no elenco: “Eu tenho certeza que não foi apenas uma situação. Foram situações decorrentes desde a primeira conquista da Copa do Brasil (2017), em que deixamos coisas erradas passarem
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apenas porque fomos campeões. No ano seguinte, foi a mesma coisa, fomos bicampeões (Copa do Brasil) e se acobertou muita coisa que acontecia. Quando você ganha, encobre-se as coisas ruins e passa a ideia de que pode tudo.” Afirmou o goleiro. “Acredito que é necessário ter um comando: presidente, vice-presidente, diretor, treinador e depois os jogadores. Os jogadores são peças importantíssimas?
Sim. Dentro de campo, com postura também fora. Mas eles precisam ser cobrados também da mesma forma. Tem que se saber separar o amigo na hierarquia. Acredito que isso ficou a desejar em todos os setores”, ressaltou Fábio. Questionado se os jogadores tinham muito poder dentro do clube, o atleta foi enfático. “Acredito que a gente tinha muito poder em situações que era da diretoria.”
Créditos: Flickr Cruzeiro
Goleiro Fábio em partida disputada
Em uma matéria assinada pelo jornalista Jorge Nicola (ESPN), no portal Yahoo em 28/06/2019, o Cruzeiro aparecia como o terceiro elenco com a maior folha salarial do país em 2019. O investimento era muito alto, mas o desempenho em campo, nem tanto. Na tabela, os 10 clubes com maior folha no país no ano passado.
Números divulgados por Jorge Nicola
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Reportagem ESPECIAL - ESPORTES Clubes mais modestos, como Goiás, Fortaleza e Ceará fizeram campanhas dignas no último ano e permaneceram na primeira divisão. Os dois primeiros conseguiram, ainda, a classificação para a Copa Sul-Americana, tendo uma folha salarial de R$ 2,5 milhões. E o que dizer do Athletico Paranaense? Com uma folha
salarial mensal de 3,6 milhões de reais, conseguiu terminar o campeonato em 5º lugar e foi o grande campeão da Copa do Brasil 2019, conquistando assim, uma vaga para a Copa Libertadores da América. Todos esses exemplos mostram que nem sempre elencos recheados de estrelas são sinônimos de conquistas e
vitórias dentro e campo, e que muitas vezes, times "baratos" podem até ganhar títulos. É possível se fazer um time campeão com menos investimento. Além dos elencos, o que mais poderia ser a causa dos problemas enfrentados? O segundo grito mais ecoado nas arquibancadas: Treinador!
TÉCNICOS Técnicos de Atlético e Cruzeiro em 2005 e 2019
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ESPORTES Ainda em 2004, o Atlético lutou muito para conseguir permanecer na primeira divisão e essa conquista aconteceu apenas na última rodada do Campeonato Brasileiro, após vitória sobre o São Caetano. Naquele ano, um dos motivos elencados por torcedores, jornalistas e jogadores foi que a constante troca de técnicos no comando do time preju-
O primeiro nome, Tite, era ainda muito jovem, é verdade. Ele próprio, em diversas oportunidades, destacou ter uma “dívida” com o Atlético pelos serviços “ruins” prestados em 2005. O técnico, que hoje está à frente da Seleção Brasileira de futebol, já havia ganhado quatro títulos quando assumiu o clube mineiro, sendo os mais importantes, um Campeonato Gaúcho com o modesto Caxias, em 2000, um Campeonato Gaúcho e uma Copa do Brasil à frente do Grêmio, em 2001. Entretanto, no Atlético, ele não conseguiu render o esperado, foram apenas quatro vitórias, sendo três delas no Campeonato Brasileiro, além de se considerar um dos responsáveis pela montagem daquele elenco de 2005.
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dicava o desempenho do elenco em campo. Em 2004, quatro treinadores passaram pelo Atlético: Paulo Bonamigo, Jair Picerne, Mário Sérgio e Procópio Cardoso. Além da rotatividade de treinadores, outro fator levado em consideração foi a “qualidade” de alguns deles. Em busca de mudar a história
de trocas constantes de técnicos e, principalmente, elevar a capacidade técnica dos comandantes para conseguir um ano (2005) com melhores resultados e sem nenhum sofrimento, a diretoria, à época, liderada pelo então presidente Ricardo Guimarães, resolveu apostar alto. Veja na tabela a transição de técnicos naquele ano.
“Eu tenho, na minha carreira, não sei quantas equipes, mas talvez mais de 1200 jogos. Se eu tivesse que dizer um local para voltar e refazer um trabalho porque tu não fez ele tal qual o teu íntimo gostaria de ter feito, é o Atlético. A esse mesmo Atlético, o meu reconhecimento, o meu respeito.” - Tite, em coletiva na cidade de Praga, antes do amistoso da seleção brasielira contra a República Tcheca
Para Mário Marra, jornalista e comentarista dos canais ESPN, e que a época, trabalhava como comentarista do Premiere nos jogos em BH, a aposta no técnico Tite foi muito válida: “O Tite era um treinador promissor, já vencedor na carreira, mas ainda
começando a ter uma projeção maior, tendo um tempo de janela. A ideia era boa, mas a direção não tinha convicção no que estava fazendo e ele também errou muito no trabalho, já que o grupo de jogadores não era um grupo montado para ajudá-lo também!”
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Reportagem ESPECIAL - ESPORTES Quando Tite foi demitido, no dia 03 de agosto, após um empate com o Paysandu em Belo Horizonte, a busca por um novo treinador não demorou muito. Já no dia 04 de agosto, Marco Aurélio, técnico campeão da Copa do Brasil e da Copa Sul-Minas pelo Cruzeiro foi contratado. Sua estadia, porém, como técnico na Cidade do Galo não durou muito: pouco antes de completar 3 meses no cargo, após uma derrota para o Fortaleza no Mineirão, Marco Aurélio foi demitido. Quem teria coragem para chegar e assumir um clube à beira do rebaixamento, com jogadores desmotivados naquele momento? O nome encontrado foi Lori Sandri. Com uma vasta carreira,
mas com trabalhos sem muito sucesso, Lori ainda era desconhecido por alguns torcedores, mas já chegava a Belo Horizonte com o objetivo de ser o “salvador da pátria”. A campanha melhorou, jogadores “medalhões” foram afastados, dando chance para garotos formados no clube. Ainda assim, os impressionantes 58,3% de aproveitamento não foram suficientes para manter o Atlético na Série A do Brasileirão. Para o zagueiro Lima, essa troca de treinadores foi muito prejudicial à equipe: “Naquele ano, essas mudanças de treinadores que nós tivemos, mudou muito a filosofia de trabalho, cada treinador vinha com um ritmo
diferente, cada treinador vinha com um pensamento diferente, e isso atrapalhou muito o elenco naquele ano. Iniciar um trabalho desde o princípio do campeonato é uma coisa que te ajuda a entender o que o treinador está te pedindo e você precisa ter tempo para dar o resultado. É muito difícil você ter a mudança no comando técnico e conseguir em um mês ou dois apresentar as melhorias em campo, principalmente jogando meio e final de semana, quando diminui ainda mais o tempo de treinamento.” Já no Cruzeiro, a história não foi muito diferente. Foram muitos treinadores que passaram pelo time em 2019, o que dificultou e muito a sequência do trabalho.
Mano Menezes foi quem começou à frente da equipe naquele ano. O técnico, que já estava comandando a Raposa desde julho de 2016, havia ganhado duas Copas do Brasil, em 2017 e 2018, o que lhe dava muito respeito e força perante torcedores, jogadores e diretoria. Tudo isso em vão. Após um início de Campeonato Brasileiro com muitas derrotas, somado à eliminação da Copa Libertadores e a perda do primeiro jogo diante do Internacional, na semifinal da Copa do
Brasil, o treinador foi pressionado e pediu demissão do cargo. Enquanto a diretoria do clube buscava um novo nome, Ricardo Resende, então técnico do sub20 cruzeirense assumiu interinamente. Em seu único jogo, Ricardo conseguiu um empate, com o Avaí, em Florianópolis, por 2 x 2. O Cruzeiro então, em 11 de agosto, 3 dias após a demissão de Mano, anunciava seu novo treinado, Rogério Ceni. O ex-goleiro de São Paulo e seleção brasileira chegava ao clube celeste
após uma excelente campanha à frente do modesto Fortaleza com uma missão: tirar o Cruzeiro da zona de rebaixamento. O início da trajetória de Ceni no comando cruzeirense foi com uma vitória no Mineirão diante do Santos, seguido de um empate com o CSA em Maceió e uma vitória contra o Vasco em Belo Horizonte. Mas nem os sete pontos conquistados em nove possíveis foram suficientes para amenizar o clima na Toca da Raposa.. Incrivelmente, 14 anos de-
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ESPORTES pois, Rogério Ceni teve a mesma percepção que Lori Sandri no Atlético de 2005: era necessário afastar alguns medalhões. O técnico cruzeirense alegava, em entrevistas, a necessidade de dar mais velocidade a sua equipe, o que não conseguiria com aqueles jogadores que estavam ali. Neste momento, começaram os problemas do então treinador. Ceni não teve o respaldo necessário da diretoria cruzeirense para que alguns atletas do elenco fossem afastados. A diretoria, em comum acordo, acatando a vontade de alguns dos jogadores que não estavam satisfeitos com a forma de o técnico lidar com toda a turbulência naquele momento, resolveu demiti-lo, logo após um empate de 0 x 0 com o Ceará. Rogério Ceni permaneceu por apenas 46 dias no cargo. Então, no dia 27 de setembro,
- Reportagem ESPECIAL
a diretoria anunciou o novo treinador do clube. Tratava-se de Abel Braga, muito experiente, que tinha como principal característica ser um treinador paizão, amigo dos jogadores, conhecido como “boleiro” e, por isso, muitos afirmavam que a contratação do treinador foi um pedido de alguns medalhões do elenco, que estavam em pé de guerra com o ex-comandante do time. A reportagem tentou o contato com algum desses jogadores, mas eles não responderam às solicitações de entrevistas. Mesmo tendo o grupo “nas mãos”, Abel não conseguiu fazer com que o elenco rendesse. Foram apenas três vitórias em 14 jogos, o que afundava o clube cada vez mais na tabela de classificação. Então, no dia 29 de novembro, um dia após uma derrota vexatória para o modesto CSA
Adilson Batista em coletiva na Toca da Raposa
no estádio Mineirão, o Cruzeiro comunicava a demissão de Abel Braga. No mesmo dia, Adilson Batista, técnico com vasta experiência à frente do clube, seja como jogador ou treinador, foi contratado. Vale ressaltar que Batista se diz um torcedor do clube e tal fato, aliado à capacidade de trazer os resultados necessários para que o Cruzeiro permanecesse na primeira divisão, fez com que o treinador fosse contratado para os últimos três jogos no campeonato. Nas três rodadas, contra o Vasco, Grêmio e Palmeira, foram três derrotas por 1 x 0, 2 x 0 e 3 x 0 respectivamente. Com estes resultados, somados é claro, a péssima campanha nas 35 rodadas anteriores, o Cruzeiro estava pela primeira vez na segunda divisão.
Créditos: Flickr Cruzeiro
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Reportagem ESPECIAL - ESPORTES Sobre o momento em que recebeu o chamado, Batista declarou: “Quando chega o convite para dirigir um clube como o Cruzeiro, onde você passou oito anos da sua vida, que você tem carinho, respeito, amor, você prontamente quer aceitar, como eu aceitei, mesmo sabendo das dificuldades, do ambiente, das trocas de treinadores, das notícias que chegavam falando sobre a má administração, dos gastos excessivos, investigações do Ministério Público... Tudo isso estava culminando para o rebaixamento também.” Adilson Batista ainda falou com a reportagem sobre o trá-
gico momento do rebaixamento do clube: “Acredito que, dentro do possível, principalmente pelo tempo que tivemos para trabalhar, fizemos um jogo competitivo contra o Vasco, depois um jogo competitivo contra o Grêmio, mas infelizmente, no último jogo, para o Palmeiras, que era um time muito forte e estava brigando pela segunda colocação, nós perdemos e acabamos rebaixados. Mas não é em uma partida que o clube vai para a segunda divisão. Após o jogo, o sentimento que batia era de tristeza, chateação. Tenho muito carinho pelo clube e senti a queda muito mais do que como um funcionário do
clube, mas como um torcedor!” Com isso, percebe-se que a mudança constante de técnicos, além da dificuldade da gestão enfrentada por eles, foi mais uma das razões para o desempenho muito abaixo do esperado pelos times nos campeonatos disputados. Uma pessoa que não vivencie tanto o dia a dia dos estádios de futebol, pode acreditar que os gritos dos torcedores sejam sempre direcionados a jogadores e técnicos. Mas não, isso não é verdade. Outro grupo que é muito importante para um clube e que é sempre lembrado por fãs deste esporte são os membros da diretoria.
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- Reportagem ESPECIAL
DIRIGENTES
Dirigentes do Atlético em 2005
Quando pensamos em administração de um time de futebol, duas funções são indiscutivelmente as mais conhecidas: o presidente, que é o maior mandatário do clube, aquele que realmente “assina o cheque”, como se diz no mundo da bola; e o diretor de futebol, ou diretor executivo de futebol, como é chamado nos dias de hoje. Este último, tem funções que vão muito além da contratação/demissão de jogadores e técnicos. Tem como exercício principal, no dia a dia, garantir o funcionamento do departamento de futebol pro-
fissional e de base do clube. A partir do momento em que tratamos da operacionalização destes departamentos, é preciso observar seus objetivos mais específicos: organizar e coordenar as atividades futebolísticas do clube, observar atletas para contratações, acompanhar a delegação em viagens, supervisionar e gerenciar processos de venda, compras e empréstimo de jogadores, reuniões com comissões técnicas, trabalhar pensando sempre no quanto o clube pode gastar e o quanto precisa vender, buscar novas formas de o time
aumentar o orçamento, reuniões com federações e confederações entre outros afazeres. É importante ressaltar que o diretor executivo responde apenas ao presidente do clube. Em 2005, a pressão da torcida atleticana era grande pois o clube vinha de um 2004 com muitos problemas dentro de campo, em que muitos jogadores foram contratados, principalmente jogadores desconhecidos do grande público, e o time conseguiu se livrar do rebaixamento para a segunda divisão apenas na última rodada.
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Créditos: Arquivo pessoal
Reportagem ESPECIAL - ESPORTES
Jornalista Mario Marra
Para o jornalista Mário Marra, o momento político do clube não ajudava muito naquela situação. “Me lembro muito dessa questão da desorganização financeira, de todos os dias ter um escândalo novo, desde anos anteriores. Se pararmos para pensar, a década de 1990 já não foi muito boa para o Atlético, o clube até conseguiu o vice-campeonato brasileiro em 1999, mas nos estaduais, por exemplo, o Cruzeiro vinha sendo constantemente superior. O clube conseguiu, em 2003, uma boa campanha, no início, ainda com técnico Celso Roth, mas sempre que se olhava pra cima, saindo do campo, saindo da direção técnica e indo para administração, sempre o Atlético foi problemático. Muito problemático. E demorou isso!”
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Buscando melhorar os resultados, o então presidente do Clube, Ricardo Guimarães, apostou na contratação de jogadores vitoriosos e experientes, como visto anteriormente. Mas quem é Ricardo Annes Guimarães? Graduado em administração de empresas pela UNA – Faculdade de Ciências Gerencias em 1988, Ricardo começou a trabalhar no banco da família desde muito cedo, o BMG. Em 1989, tornou-se Diretor Financeiro. Em 1996, vice-presidente. Entre 2004 e 2013, foi o CEO do banco. Em 2019, tornou-se membro do Conselho de Administração do banco, para, em 2020, ser eleito o Presidente do Conselho de Administração do Banco BMG. Guimarães sempre deixou claro seu amor pelo Atlético e, em 2001, tornou-se presidente do Clube, sendo reeleito para o cargo. Entretanto, permaneceu apenas até a ano de 2006, quando decidiu deixar a presidência, um ano antes do final de seu mandato. Em 2005, Guimarães cometeu o que pode ter sido o grande erro nos cinco anos que ficou à frente do clube. Naquele ano, foram contratados um total de três diretores de futebol, Humberto Ramos, Carlos Alberto Silva e Ziza Valadares. Diversos nomes, alguns famosos no meio do esporte, outros nem tanto. Mas uma coisa eles tinham em comum: todos possuiam uma história prévia no Atlético. Seja em cargo diretivo ou no campo. Humberto Ramos foi campeão brasileiro pelo Atlético em 1971, enquanto era jogador e, como treinador também no clube mineiro, conseguiu ser vice-campeão nacional em 1999. A aposta que era por um bom trabalho, porém, dessa vez, à frente da di-
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reção de futebol foi em vão: uma má gestão no futebol, que resultou em eliminações precoces no Campeonato Mineiro e Copa do Brasil, somado à campanha muito abaixo do esperado no Campeonato Brasileiro, culminaram na saída do dirigente. Após a saída de Humberto Ramos, quem foi chamado para seu lugar foi Carlos Alberto Silva, nome que sempre esteve ligado ao futebol. Técnico de diversas grandes equipes brasileiras, foi campeão nacional treinando o Guarani de Campinas em 1978 e o Atlético nos anos de 1981 e 1982, além de 1998. Quando resolveu se aposentar desta função que o consagrou, logo foi convidado por Ricardo Guimarães para ser o novo diretor de futebol do clube, permanecendo no cargo por pouco mais de 4 meses e saindo no princípio de dezembro de 2005, após o rebaixamento do time. Para o lugar de Carlos Alberto Silva, Ziza Valadares foi contratado. Ziza possuía longa carreira como político, foi vereador, deputado estadual e deputado federal. No Atlético, tinha uma passagem como vice-presidente do clube entre os anos de 1989 e 1994 e é conselheiro nato do time alvinegro. Resumidamente, muitos nomes fortes à frente do futebol atleticano, mas com pouca experiência na direção de futebol, uma receita já conhecida e que não entrega bons resultados no esporte. A experiência, o conhecimento e o estudo são pontos necessários e fundamentais para que se consiga exercer cargos tão importantes, pontos esses que não estavam intrínsecos aos profissionais atleticanos, o que gerou grande dificuldade na construção e gestão da equipe.
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Dirigentes do Cruzeiro em 2019
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E, em 2019, do lado azul de Belo Horizonte, os mesmos erros foram cometidos? O problema dos dirigentes cruzeirenses à frente do futebol, era a falta de experiência? Não. Não era! Para explicar o que aconteceu, vamos lembrar os principais dirigentes do Cruzeiro no ano passado. No segundo dia do mês de outubro de 2017, a chapa “União – Pelo Cruzeiro, Tudo”, apoiada pelo então presidente, Gilvan de Pinho Tavares, vence uma das eleições mais acirradas da história do clube, tendo em Wagner Pires de Sá o nome para presidir o Cruzeiro por um mandato de três anos. A chapa, que ainda possuía 2 vice-presidentes, Hermínio Lemos e Ronaldo Granata, venceu a eleição por apenas 35 votos de diferença (235 a 200), contra a chapa encabeçada pelo candidato Sérgio Rodrigues, apoiada pelo ex-presidente do clube e então senador da república, Zezé Perrela. E quem é Wagner Pires de Sá? Nascido em 1941, foi sócio proprietário de uma empresa de
carbonato de sódio, em Arcos, cidade do interior de Minas Gerais. No Cruzeiro, antes de ser presidente, Wagner foi, entre 1985 e 1990, diretor de planejamento. Em 1990, tornou-se conselheiro nato do clube, além de ter sido conselheiro fiscal durante esta década, nos mandatos da família Perrela à frente do clube. Apenas quatro dias após ser eleito, a primeira grande decisão do seu mandato, que começaria em 2018, Wagner Pires de Sá escolheria Itair Machado para ser o vice-presidente de futebol do clube, seu homem de confiança . Itair Machado, que possuía uma forte ligação com Zezé Perrela, apoiador do adversário da chapa de Wagner nas eleições, durante a primeira década dos anos 2000, possuía em seu “currículo” diversas histórias “controversas”. Itair foi um dos principais responsáveis pela fundação, em 1998, do Ipatinga Futebol Clube, time da cidade do Vale do Aço, que conseguiu, em 2005, ser Campeão Mineiro, chegou às
semifinais da Copa do Brasil, em 2006, e alcançou uma vaga para a divisão de elite do Campeonato Brasileiro, e, 2007, após conseguir o vice-campeonato da série B daquele ano. Um dos grandes motivos para a ascendência do clube naquela década era uma parceria com o Cruzeiro, então presidido por Zezé Perrela, em que o time da capital cedia jogadores para o clube do interior, chegando a pagar parte ou a totalidade dos salários dos atletas. A parceria com o Cruzeiro foi acabando, na mesma velocidade em que o Ipatinga ia saindo dos holofotes da mídia esportiva. Ainda sob o comando da equipe do Vale do Aço, Itair Machado começou a acumular diversas polêmicas, uma delas no ano de 2008, quando o então presidente do clube foi acusado de oferecer dinheiro para jogadores do Villa Nova, clube de Nova Lima – MG, para que eles perdessem para o time do Vale do Aço, pois o resultado faria o Ipatinga escapar do rebaixamento do campeonato mineiro daquele ano. O diri-
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Reportagem ESPECIAL - ESPORTES cruzeirense: Bruno Vicintin, que ocupava o cargo que seria de Itair, quando Wagner ganhou a eleição, decidiu sair do Cruzeiro, alegando que Wagner Pires de Sá não havia cumprido com o que tinha prometido, quando disse a ele que Itair não estaria na diretoria celeste durante seu mandato; Zezé Perrela, um dos nomes mais fortes da política cruzeirense nos anos anteriores, que fora um dia um grande aliado de Itair, mas já não tinha uma boa relação há algum tempo, preferiu se manter em silêncio. Outro nome muito importante para entender a engrenagem montada por membros da cúpula cruzeirense é o de Sergio Nonato. Serginho, como é conhecido, ficou famoso na década passada quando assumiu o posto de re-
Créditos: Arquivo pessoal
gente foi denunciado pelo então goleiro do Villa, Glaysson, que foi a imprensa comunicar o fato. A partida aconteceu, a equipe de Nova Lima ganhou o jogo e o Ipatinga foi parar na segunda divisão do campeonato estadual. Além dos problemas dentro de campo, fora dele a vida de Itair Machado não seguia na maior das “tranquilidades”. Em 2017, segundo o jornalista Guilherme Frossard, do portal globoesporte.com, Itair era réu em mais de 40 processos e, ainda segundo o jornalista, pouco mais de 25% destas ações eram por conta do futebol, as demais eram por questões pessoais. Com Wagner Pires anunciando Itair Machado como o seu novo vice-presidente de futebol, um rebuliço começou na política
Rodrigo Genta, Enquanto assessor de comunicação do cruzeiro Esporte Clube
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presentante da torcida celeste no programa “Alterosa Esporte”, da TV Alterosa, filiada ao SBT em Belo Horizonte. No Cruzeiro, Serginho ocupou cargos na comunicação do time, diretoria geral (cargo até hoje não explicado pela então diretoria), e também na assessoria do presidente. Os desentendimentos que aconteciam no clube já apontavam que algo não estava certo ali, naquela administração, mas o que o torcedor cruzeirense não esperava era que dois anos depois, o time estaria amargando a segunda divisão da principal competição de clubes do país. No início, Wagner e Itair conseguiram esconder muitos erros e atitudes ilícitas da gestão, principalmente com o título da Copa do Brasil de 2018. Aqueles que falavam dos erros e falcatruas cometidas dentro do Cruzeiro eram ameaçados ou até mesmo ridicularizados nas redes sócias e este foi o caso do jornalista Rodrigo Genta, do portal “deustedibre.com”. Genta, cruzeirense assumido, conta como começaram as ameaças, ainda em 2017. “A primeira ameaça que recebi foi no final de outubro, quando anunciaram que o Itair iria assumir cargo no clube, e eu fiz um vídeo questionando e apontando as coisas que ele já havia feito no futebol. Aí, dois dias depois, eu recebi ameaças via Whatsapp, ameaçando minha família, minha filha, falando um monte de bobagem. Mas é assim, covarde age desse jeito!”. Em 2019, a “bola de neve” da diretoria foi aumentando cada vez mais. Perguntas ficavam sem respostas, promessas não eram cumpridas, valores exorbitantes, muito acima de mercado eram pagos a diretores, dívidas com outros clubes, agentes, empresá-
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Decisão do juíz da 35ª vara cívil de Belo Horizonte informando o bloqueio do dinheiro nas contas de Itair Machado,Wagner Pires e da empresa FutGestão.
ingerência, algumas falcatruas, mas não na grandiosidade com que foi feita no Cruzeiro. Até porque, no Inter, conseguiram cair, subir e estar de volta nas cabeças do Campeonato Brasileiro. Mas a situação, o tamanho da coisa que fizeram com o Cruzeiro é, sim, inédito, não tendo acontecido em nenhum lugar do esporte mundial. O que fizeram com o Cruzeiro foi quase que uma destruição total. O Cruzeiro hoje não tem dinheiro para absolutamente nada e, além do problema financeiro, o problema político que não se resolve. Além de não se resolver, os problemas políticos parecem piorar, até porque, muitas das pessoas que estiveram envolvidas na destruição do clube continuam lá dentro. Volto a afirmar, o que aconteceu no Cruzeiro, no mundo, independentemente da modalidade, nunca ocorreu!” Os acontecimentos na diretoria celeste foram diferentes do que ocorreu na diretoria alvinegra. A falta de preparo e convic-
ção atleticana está longe dos crimes denunciados e investigados, desde então, na diretoria cruzeirense. O Cruzeiro foi lesado por pessoas mal-intencionadas, que criaram um grupo para ferir as contas do clube. Mas ainda falta uma peça nesse tabuleiro. Jogadores, técnicos e dirigentes são importantíssimos para o funcionamento de um time de futebol. Mas qual há outra peça imprescindível? Sim; o torcedor! E-mail enviado para o advogado de Wagner Pires
rios começavam a aparecer. Até que no dia 26 de maio daquele ano, a bola de neve explodiu: uma matéria no Fantástico (Rede Globo), principal jornal televisivo do país, vai ao ar e nela, os repórteres Rodrigo Capelo e Gabriela Moreira descrevem o tamanho do buraco em que o Cruzeiro se metera. Crimes como lavagem de dinheiro, uso de empresas de fachada, venda dos direitos federativos de um menor de idade, tudo foi exposto. Presidente, diretores, conselheiros, influenciadores digitais... Eram muitas pessoas envolvidas em uma gestão que aumentava a dívida cruzeirense em centenas de milhões de reais. Em pouco tempo, o Cruzeiro passou de clube considerado organizado financeiramente, para um dos maiores devedores do país. Diversos processos correm na Justiça contra os acusados. Em um deles, em que a juíza da 35ª Vara Cível de Belo Horizonte, Marcela Maria Pereira Amaral Novais, ordenou o bloqueio de quase R$ 7 milhões das contas de Wagner Pires, Itair Machado e da empresa Futgestão Assessoria e Consultoria Esportiva LTDA (empresa de Itair Machado e sua esposa), nem um centavo foi encontrado. Os advogados de Wagner Antônio Pires de Sá, Itair Machado e da FutGestão foram procurados durante a elaboração da matéria e não responderam às solicitações de entrevista até o fechamento desta edição. Questionado se já havia visto algo parecido em um caso de rebaixamento de alguma outra grande equipe brasileira, o jornalista Rodrigo Genta foi enfático: “O Internacional – RS passou por algo equivalente (2016), podemos falar assim. Lá teve muita
- Reportagem ESPECIAL
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Créditos: Osmar Ladeia
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TORCEDORES
Independente do time, o sofrimento e o uso da fé se fazem presentes
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Para Rafael Pena, 44, advogado e representante do Cruzeiro no programa “Rivalizando” no Youtube, faltou ao torcedor cruzeirense uma cobrança maior nos dirigentes do clube. “O problema todo foi o aparelhamento de marketing que foi feito até mesmo para conduzir a torcida. Noventa e nove por cento da mídia mineira se calou, se omitiu, e deixou que influencers pagos ou amigados conduzissem as coisas como se estivesse tudo bem. A omissão de muitos foi tão nociva quanto a ação de poucos. Vários daqueles que antes batiam palmas para a turma do Itair, sentavam-se à mesa com eles, valiam-se de regalias, viagens, afagos, exclusivas, deixaram de questionar os pontos nefrálgicos da crise que envolvia o time. Muitos apagaram comentários, deletaram vídeos e hoje posam como os paladinos da justiça. Infelizmente, mesmo com o rebaixamento, essas mesmas pessoas – que infelizmente conduzem o pensamento de vários torcedores – utilizam o mesmo modus operandi variando apenas a fonte de poder. A torcida, até agora, aprendeu muito pouco com o ocorrido e, ao meu ver, não teremos muito futuro dessa forma. Muito se fala em transparência com o torcedor, mas muito pouco se faz de efetivo nessa seara.”
Créditos: Imagem capturada da internet
Muitos podem estranhar a presença dos torcedores aqui. Afinal, torcedor não joga, torcedor não treina, torcedor não contrata. O que o torcedor pode ou poderia ter feito então? Onde está a culpa ou o mérito daqueles que ficam nas arquibancadas? É simples. Um time de futebol, seja ele Atlético, Cruzeiro, Vasco, Internacional, Grêmio, Corinthians ou qualquer outro tem uma única razão de existir: o torcedor! Sem torcida, não há um clube que se mantenha. Desta forma, o torcedor tem mais do que direito, mas tem a obrigação de participar e cobrar respostas dos dirigentes. Obviamente tais cobranças não podem ser feitas de maneira exagerada, com agressões, brigas e ameaças, o torcedor não pode perder o seu direito, precisa lembrar que no mundo do futebol também há leis. No caso do ocorrido em 2019 com o Cruzeiro, é compreensível que o torcedor tenha dificuldades em cobrar respostas dos dirigentes. Afinal, o clube havia ganhado em 2017 e 2018 a Copa do Brasil e para a grande maioria dos aficionados pelos clubes, se está ganhando, está tudo bem, e quando se está perdendo, tudo tem que mudar. O torcedor está longe de ser racional. É muito passional.
- Reportagem ESPECIAL
O jornalista Rodrigo Genta e o advogado Rafael Pena debatendo sobre a má fase do Cruzeiro no programa rivalizando, no Youtube
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Reportagem ESPECIAL - ESPORTES “Exigimos compromisso com o Galo. Se o futebol está ruim, a balada vai ser vigiada. Denuncie”, em seguida, foi colocado o telefone e e-mail da torcida. Para a torcedora e advogada Mayara Fonseca, 30, que se declara atleticana desde o primeiro minuto de vida, o rebaixamento alvinegro representou a primeira e maior decepção esportiva. “Lembro-me como se fosse ontem, a partida com o Vasco foi apenas o último capítulo de um livro que vinha sendo escrito há meses. Em 2005, eu havia acabado de completar 15 anos e frequentava o Mineirão com meu pai e meu irmão. Foi muito duro o que aconteceu, mas acredito fielmente que o rebaixamento me aproximou ainda mais do clube do meu coração. Estar ao lado do time nas glórias é fácil, mas digo que apoiar o Atlético no pior momento de sua história foi a obrigação para retribuir todas as alegrias que eu já havia tido com ele na minha vida.”
Doutor Luciano Cunha em entrevista para a TV capichaba (afiliada da rede bandeirantes no ES)
Do outro lado da lagoa, é fácil encontrar na internet protestos de torcedores atleticanos em 2005. Algumas dessas manifestações eram marcadas em comunidades do Orkut, rede social mais utilizada na época, entretanto, ainda assim, tais manifestações não tomaram a proporção nem a magnitude que precisariam ter. Um protesto foi marcante naquele ano: uma faixa, feita pela maior torcida organizada do clube, foi estendida no Estádio Mineirão com os seguintes dizeres:
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Créditos: Arquivo pessoal
Créditos: Arquivo pessoal
Ainda de acordo com Rafael, o torcedor deveria ter cobrado. “Só de não ficar calado já seria muito. Grande parte do que ocorreu com o Cruzeiro se deu diante da omissão, do silêncio, do quem cala consente. A verdade é que o Cruzeiro é uma versão micro do que acontece no país, de um modo geral. Uma casta pequena comanda e cala o povo. Povo calado, é cavalo selado. Vai aonde o cavaleiro quer.” Segundo o psicólogo Luciano Cunha, no caso do Cruzeiro, os torcedores, em certo momento, até admitiram entre si os erros e a preocupação com o que estava acontecendo. Mas, na frente de torcedores de outras equipes, isso não ocorreria. “O que temos que pensar é em qual a consequência de assumir o erro, a preocupação? São inúmeras consequências. Desde ser julgado, de ser penalizado, de ser zoado... Precisamos pensar em consequências!”
Torcedora Mayara Fonseca
Os torcedores se apresentam como parte muito mais do que importante, mas fundamentais de um clube de futebol. Estes, que se dizem apaixonados pelo time do coração, podem ficar atentos com o que acontece, desconfiando e cobrando por gestões mais transparentes, mais responsáveis e principalmente, gestões honestas com o clube. Depois do “leite derramado”, fica muito mais complicado ajudar a reerguer o time.
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- Reportagem ESPECIAL
PALAVRA DO AUTOR Atlético e Cruzeiro, os dois maiores clubes do Estado de Minas Gerais. Para se ter uma ideia, os dois times somados, segundo pesquisa do Datafolha de 2019, possuem mais de 15 milhões de torcedores no país. A grande rivalidade que afundou no mesmo destino, utilizando por vezes os mesmos caminhos e, em determinados momentos, caminhos diferentes. Os dois clubes apostaram, desde o início dos respectivos anos de seus rebaixamentos em elencos experientes, com jogadores com passagens vitoriosas por diversos clubes e até seleção brasileira. A média de idade muito elevada, nos dois casos, foi um grande problema e a aposta nesses atletas fez com que o desempenho dentro de campo fosse aquém do esperado. A falta de combatividade, velocidade e explosão muscular começaram a refletir nos péssimos resultados dentro de campo. Um elenco equilibrado, com jogadores jovens e experientes, é comprovadamente a mescla perfeita para chegar às vitórias tão esperadas. A incessante troca de treinadores den-
tro de uma mesma temporada não é algo positivo e que garanta resultados, isto é um fato comprovado. Todos os anos, as equipes que trocam constantemente de técnicos correm mais riscos de ser rebaixadas. Ainda assim, tanto Atlético quanto Cruzeiro insistiram neste erro, o que dificultou muito na sequência do time. O papel das diretorias e a política dos clubes foi o que mais diferenciou os casos de Atlético e Cruzeiro. Enquanto no Galo a diretoria errou em apostar em pessoas que não estavam aptas para aquele trabalho, na Raposa não houve erro e, sim, a atuação de pessoas mal-intencionadas, que usaram o clube para enriquecimento próprio, sem pensar nas consequências. Itair Machado, Wagner Pires de Sá e Sérgio Nonato estão sendo hostilizados por torcedores em qualquer lugar que vão em Belo Horizonte. O rebaixamento das equipes influenciou em muito a forma como os torcedores acabaram agindo. Os experientes do time do Atlético não correspondiam e, quando foram afastados, deram espa-
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Reportagem ESPECIAL - ESPORTES ço para jovens com vontade de se afirmar, ainda em campo. Fato é que, no dia do rebaixamento, esses garotos saíram aplaudidos de campo, com torcedores e jogadores chorando, mas cantando o hino a pleno pulmões. No Cruzeiro, foi muito diferente. A torcida antes de começar a partida derradeira contra o Palmeiras já estava muito nervosa, principalmente com os jogadores que eram acusados de descompromisso e com os membros da diretoria que haviam deixado um rombo financeiro na equipe. Os nervos acabaram explo-
Capa do Jornal Estado de Minas no dia seguinte ao rebaizamento do Atlético
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dindo quando o clube paulista marcou o segundo gol, o que colocava de vez a equipe celeste na segunda divisão. Invasões de campo, brigas generalizadas, explosões, pessoas feridas, tudo isso esteve presente naquele fatídico dia. O que fica é o aprendizado, mas que de nada adiantará se os mesmos erros forem cometidos outras vezes. Para o torcedor, o recado que fica é: fique atento, não acredite em tudo que lê e vê e, principalmente, cobre das pessoas que podem mudar os rumos tortuosos que o clube possa estar seguindo!
Capa do Jornal Estado de Minas no dia seguinte ao rebaizamento do Cruzeiro
Reportagem - Saúde Mental
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