HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO PROPOSTA PARA UM SISTEMA CONSTRUTIVO INDUSTRIALIZADO LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO 2014 orientação prof. Dr. FRANCISCO SPADONI
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. cita: CUNHA, Luiz Felipe Amado. Habitação, Tecnologia e Construção: Proposta para um sistema construtivo industrializado. Trabalho final de graduação - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. e-mail: luizfelipeacunha@gmail.com
Ă Julieta Commercio Amado [in memoriam] e Francisco Antonio da Cunha [in memoriam]
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família e principalmente aos meus pais, sem os quais jamais chegaria até aqui.
Agradeço aos amigos que me acompanharam nesses anos de FAU, em especial aos Doidões, presentes na alegria e nas cervejas, nos jogos e na zoeira. Agradeço à Associação Atlética Acadêmica da FAU da USP e seus membros, sempre um refúgio e espaço para conversas sem fim.
Agradeço à FAU e à USP, determinantes não só em minha formação acadêmica.
Agradeço ao professor Francisco Spadoni por aceitar o desafio e me orientar neste trabalho.
Agradeço ao professor José Antonio Lerosa de Siqueira pela coorientação.
Agradeço aos membros da banca examinadora, que cederam um pouco do seu precioso tempo para me ouvirem falar.
Agradeço aos colegas de escritório, pela contribuição diária de conhecimentos.
Agradeço ao Murilo ‘Bezerra’ Mendes, Luis ‘Luluba’ Novaes e Luciana Mattar, cuja ajuda permitiu que esse trabalho fosse concluído.
RESUMO Com um déficit habitacional de 5,24 milhões de moradias no Brasil (IPEA-IBGE, 2013), é urgente a necessidade de se propor alternativas construtivas que permitam reduzir o custo da habitação e assim democratizar o seu acesso. Deve-se encarar o problema pelo viés da produção, da técnica, promovendo a racionalização da construção, reduzindo os prazos e desperdícios de obra com sistemas construtivos mais eficientes, flexíveis, econômicos e de menor impacto ambiental. O desafio começa pelo desenvolvimento tecnológico do setor, através da já tardia industrialização da construção. Ao se aprofundar o tema, surgem diversas questões, como: o que significa industrializar a construção? Por que a construção civil brasileira ainda não se industrializou? A quem interessa a industrialização da construção? De manufatura a indústria, quais as implicações para a mão de obra? Poderia a industrialização melhorar as condições de trabalho e alcançar o trabalho livre? Este trabalho buscará então responder a essas perguntas com a proposta de um sistema construtivo. Palavras-chave: habitação, tecnologia, racionalização, sistema construtivo, industrialização da construção.
ABSTRACT With a housing shortage of 5.24 million homes in Brazil (IPEA-IBGE, 2013), is an urgent need to propose constructive alternatives to reduce the cost of housing and thus democratize its access. The problem must be envisaged by the production bias, by the technical, promoting the rationalization of construction, reducing delay and waste of construction with more efficient, flexible, economical and less environmental impact building systems. The challenge begins with the technological development of the sector, through the already late industrialization of construction. Deepening the topic, several questions arise, such as: which means industrialize construction? Why Brazilian civil construction has not yet become industrialized? Who matter industrialization of construction? From the manufacturing to industry, what are the implications for the labor? Industrialization could improve working conditions and achieve free labor? This work aims to answer these questions with the proposal of a building system. Keywords: housing, technology, rationalization, building system, industrialization of construction.
O objetivo foi, através das novas possibilidades dadas pela pré-fabricação, atingir um nível de excelência que demonstrasse que a qualidade de uma habitação não deveria corresponder ao padrão econômico de uma determinada classe social, mas aos conhecimentos técnicos do seu momento histórico, que permitissem uma construção racionalizada, honesta e acessível a todos. WISNIK in ROCHA, Paulo Mendes da. Paulo Mendes da Rocha. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 184.
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO
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I. HABITAÇÃO, ARQUITETURA E CONSTRUÇÃO
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A questão da habitação
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A recente explosão do mercado habitacional
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A produção de habitações de mercado popular e de interesse social
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Uma oportunidade perdida
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O atraso do setor da construção
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O papel do(a) Arquiteto(a) e Urbanista
42
Arquitetura e racionalização
44
Racionalização e indústria
53
Um sistema construtivo industrializado
54
II. TECNOLOGIA E INDÚSTRIA
56
O canteiro e o atraso na industrialização
57
Resistindo ao avanço
62
Industrialização e pré-fabricação
64
Industrialização de ciclo aberto e ciclo fechado
67
Coordenação modular
69
Dificuldades na aplicação da coordenação modular
70
A indústria de materiais e a construção
71
Do projeto ao canteiro
72
A questão da uniformidade
75
Dificuldades no desenvolvimento de tecnologias
77
Desafios a serem superados
78
III. SISTEMA CONSTRUTIVO INDUSTRIALIZADO
82
Proposta
83
Estrutura
84
Instalações
94
Vedações, fachadas e caixilhos
96
Desenvolvimento e produção
98
Transporte e construção
106
Os operários na industrialização
106
Habitação universal
107
São Remo
110
Edifício
112
Unidade habitacional
112
Custos
113
ANÁLISE TERRITORIAL | SÃO REMO
114
APLICAÇÃO | PROPOSTA
118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
148
O desafio habitacional
149
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
152
APRESENTAÇÃO As primeiras ideias para este trabalho surgiram em uma conversa de corredor, instigadas por um colega que defendia que o arquiteto, com sua competência técnica, seria capaz de racionalizar a construção desde a sua concepção, a ponto de torná-la economicamente acessível. Diversos exemplos de arquitetos que buscaram responder a esse desafio poderiam ser citados, utilizando inclusive diferentes métodos e estratégias. Nenhum deles, porém, alcançou a escala de produção que pudesse fazer frente ao déficit habitacional brasileiro, da ordem de milhões de residências. Para democratizar o acesso a moradia é extremamente necessário reduzir o seu custo, racionalizando o processo produtivo com ganhos em escala e qualidade. Todos esses fatores apontam a industrialização como o caminho para sua viabilização. A construção civil encontra-se, porém, como um dos setores mais atrasados da economia, empregando técnicas manufatureiras e mecanização primária enquanto já se dispõe de tecnologias muito mais avançadas. Em um contexto em que o maior programa habitacional já realizado no país está em curso, poderiam ser lançadas as bases não só para a reversão do déficit habitacional, mas também para a construção de um novo panorama urbano no Brasil. Seria a oportunidade para o desenvolvimento de tecnologias, sistemas construtivos mais eficientes e para uma nova perspectiva de cidades mais igualitárias, inclusivas e sustentáveis. Frente a isso, se faz necessário discutir a importância e o papel social dxs arquitetxs e urbanistas na construção dessas cidades e da própria sociedade, quando o modelo de cidade que se ergue é a de muros, condomínios fechados e terraços gourmets. A prática arquitetônica parece distante dos que mais a necessitam, restringindo-se a um serviço exclusivo e elitista, disponível apenas a quem pode pagar por ele. Cabe também questionar os conceitos e o entendimento sobre a habitação para a baixa renda. Com limitações de toda a ordem, de área a número de sanitários, de aberturas a uso estritamente residencial, da sua inserção urbana aos custos de construção, os conjuntos construídos carregam o estigma de projetos de baixa qualidade junto ao seu ‘interesse social’.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Enquanto milhões de cidadãos ascendem à classe média e outros milhões continuam sem casa ou estas em condições precárias, faltam alternativas de sistemas construtivos de construção rápida e econômica. Buscando responder a essas questões este trabalho abordará a questão da habitação pelo viés da produção, da técnica, da tecnologia, como um caminho que permita tornar a moradia economicamente acessível. A capacidade técnica é fundamental, mas sem o alicerce ético é impossível construir a arquitetura. DELIJAICOV, Alexandre.
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É pedra que apoia tábua, madeira que apoia telha, saco plástico, prego, papelão. Amarra corda, cava buraco. Barraco. Moradia popular em propagação. Cachorro, gato, galinha, bicho de pé, a população real convive em harmonia, normal. Faz parte do dia-a-dia, banheiro-cama-cozinha no chão. Esperança, fé em Deus, ilusão. “Quando a maré encher” - Fábio Trummer, Roger Man, Bernardo Chopinho
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I. HABITAÇÃO, ARQUITETURA E CONSTRUÇÃO A questão da habitação Apesar do recente avanço socioeconômico brasileiro na última década, os desafios para uma realidade melhor continuam grandes. O quadro de estabilização da economia com baixos índices de desemprego e grandes investimentos em programas sociais apontam para um cenário otimista. Porém, milhões de brasileiros continuam a viver em condições precárias de moradia ou em áreas de risco, sem acesso a serviços públicos, tratamento de esgoto, água encanada e coleta de lixo.
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1. Disponível em: <http:// saladeimprensa.ibge.gob.br/ noticias?view=noticia&id=1&busca= 1&idnoticia=265>. Acesso em 26 de agosto de 2013. 2. Disponível em: <http:// saladeimprensa.ibge.gob.br/ noticias?view=noticia&id=1&busca= 1&idnoticia=2093>. Acesso em 26 de agosto de 2013. 3. Disponível em: <http://www1. folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ ult91u82644.shtml>. Acesso em 3 de setembro de 2013.
Somente na última década a expansão econômica brasileira fez o produto interno bruto passar de R$ 1,556 trilhão1 de reais para R$ 4,143 trilhões2 (um aumento de 266%), permitindo que o país passasse da 15ª economia mundial3 para a sexta colocação em 20114. Esse rápido aumento fez com que 40 milhões de pessoas ascendessem à classe média5. O acesso a moradia, porém, continua distante para milhões de brasileiros. A última estimativa do déficit habitacional brasileiro realizada pelo IPEA-IBGE aponta que o Brasil possuía em 2012 um déficit de 5,24 milhões de residências6. Esse número é superior ao total de residências de toda a Região Norte do país e representaria o 4º maior estado brasileiro. O valor não inclui famílias que vivem em domicílios precários ou improvisados, em situação de coabitação, com aluguel superior a 30% da renda domiciliar total e domicílios alugados com mais de três habitantes usando o mesmo cômodo de dormitório, o que caracteriza adensamento excessivo. Se somarmos todas essas condições, a demanda pela produção de habitações chegaria a 10,7 milhões de unidades, equivalente a mais de duas vezes o total de domicílios da região Centro-Oeste.
4. Disponível em: <http:// economia.estadao.com.br/noticias/ economia,brasil-bate-reino-unidoe-se-torna-6-maior-economia-domundo-diz-jornal,97257,0.htm>. Acessado em 3 de setembro de 2013. 5. Disponível em: <http://economia. estadao.com.br/noticias/economiageral,mais-de-40-milhoesentraram-na-classe-c-em-seteanos,106974,0.htm>. Acessado em 3 de setembro de 2013. 6. FURTADO, Bernardo; NETO, Vicente; KRAUSE, Cleandro. Nota técnica: estimativas do déficit habitacional brasileiro (PNAD 2007-2012). Brasília: IPEA, 2013. ROCINHA, Rio de Janeiro. 22
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Estimativa do déficit habitacional por faixas de salário mínimo de rendimento domiciliar. Fonte: IPEA, 2013.
O estudo indica também a vulnerabilidade das camadas mais carentes da população no déficit habitacional, com 73,6% para famílias com renda de até 3 salários mínimos (SM), 11,6% para famílias com renda de 3 a 5 SM, 9,4% entre 5 e 10 SM e 2,9% para rendas maiores que 10 SM. Estes dados demonstram o abismo social ainda existente no Brasil e a necessidade urgente de se pensar em soluções que contemplem a população de baixa renda, já marginalizada sócio-espacialmente.
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Estimativa do déficit habitacional, seus componentes e subcomponentes. Fonte: IPEA, 2013.
Renda mensal das famílias brasileiras em % (Observação: a soma não chega a 100% pois parte dos entrevistados se nega a declarar a renda). Fonte: Datafolha/ Nov. 2013. Disponível em: <http:// www1.folha.uol.com.br/colunas/ nandocanzian/2014/01/1398643o-role-do-brasil.shtml>. Acesso em: 17 de janeiro de 2014.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Déficit habitacional por grupos de atendimento. Fonte: MINISTÉRIO DAS CIDADES; SECRETARIA NACIONAL DE HABITAÇÃO. Plano Nacional de Habitação [versão para debates]. Brasilia: Ministério das Cidades, 2010, p. 17, 196.
Paraisópolis, São Paulo
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ROCINHA, Rio de Janeiro.
Ainda segundo o PNAD, o déficit se concentra nas regiões metropolitanas das maiores capitais brasileiras (com exceção de Salvador). A Região Metropolitana (RM) de São Paulo, a primeira da lista, possui um déficit de 561.307 moradias, seguida da RM do Rio de Janeiro com 290.037, RM de Belo Horizonte com 129.737, RM de Fortaleza com 120.108 e a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno com 115.922 moradias, só para citar as 5 maiores. Nota-se a predominância urbana no déficit habitacional, onde o alto valor da terra e fatores como a especulação imobiliária dificultam o acesso a moradia e obrigam as populações mais carentes a ocupar áreas distantes, lotes exíguos, terrenos acidentados e áreas de risco.
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Este cenário se repete em todo o país. Segundo a estimativa do déficit habitacional e seus componentes por estado, todos os estados apresentam proporção do déficit pelo número total de domicílios acima de 6% (com exceção do estado do Rio Grande do Sul com 4,8%), chegando a mais de 15% em Amazonas e a 21,2% no Maranhão. Esses dados demonstram a forte demanda por habitação em todo o país, que deve permanecer alta em médio e longo prazo. A meta do Plano Nacional de Habitação (PlanHab), elaborado pela Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades e publicado em 2009, é de acabar com o déficit habitacional até 20237. Segundo o documento: Historicamente, a falta de alternativas habitacionais, gerada por fatores como o intenso processo de urbanização, baixa renda das famílias, apropriação especulativa de terra urbanizada e inadequação das políticas de habitação, levou um contingente significativo da população a viver em assentamentos precários. O déficit habitacional, acumulado ao longo de décadas e a demanda habitacional futura representam um desafio de cerca de 31 milhões de novos atendimentos habitacionais até 2023.8
7. MINISTÉRIO DAS CIDADES; SECRETARIA NACIONAL DE HABITAÇÃO. Plano Nacional de Habitação [versão para debates]. Brasilia: Ministério das Cidades, 2010.
8. Ibidem, p. 5.
A recente explosão do mercado habitacional O fomento ao setor habitacional na última década, em especial o destinado a habitações de interesse social (HIS) e habitações de mercado popular (HMP) aliados às mudanças e incentivos nas políticas públicas para habitação nas esferas federal, estadual e municipal mostram como a pauta tem ganhado importância na agenda política do país. Segundo FERREIRA, “a eliminação, a partir de 2006, de alguns gargalos administrativos e institucionais, dando maior segurança jurídica e financeira ao setor da construção, e levando a significativo aumento do crédito imobiliário, associada ao crescimento da economia nacional, deu oportunidade de acesso ao financiamento habitacional a uma parcela da população antes alijada dessa possibilidade, aquecendo de forma inédita a oferta de moradia para as camadas de renda intermediária.”9
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9. FERREIRA, João Sette Whitaker (coord.). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. São Paulo: LABHAB: FUPAM, 2012, p. 7.
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Com o mercado já aquecido, foram lançados pelo governo federal dois programas de estímulo econômico na construção civil, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007 e o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) em 2009, aumentando ainda mais o crédito no setor. Esses programas contaram com investimentos recordes e injetaram bilhões de reais na economia, impulsionando a construção civil e promovendo uma explosão no segmento de habitações de mercado popular no Brasil. Somente na primeira fase do PMCMV (Plano PluriAnual 2008-2011) a meta era construir 1 milhão de unidades habitacionais com investimentos de cerca de R$ 34 bilhões de reais. Para a segunda fase do programa, pretende-se construir mais 2 milhões de moradias até 2014, com investimentos totais na ordem de R$ 72,5 bilhões de reais10. O Programa Minha Casa Minha Vida se tornou então o maior programa habitacional do país e a aposta do governo federal para a questão, descrito no PlanHab como a principal estratégia de combate ao déficit. Para se ter uma ideia do tamanho do programa, os 3 milhões de domicílios a serem construídos representarão quase 5% do total de domicílios existentes no país. 10. Segundo o 10º balanço do PAC 2, até abril de 2014 o Programa Minha Casa Minha Vida contratou 3,4 milhões de moradias (90% da meta) e entregou 1,7 milhão. O número de moradias contratadas equivaleria a 2ª maior cidade do Brasil, pouco atrás da maior cidade, São Paulo. Já o número de moradias entregues equivaleria a construção da 3ª maior cidade brasileira em um período de apenas 5 anos. Disponível em: <http:// www.pac.gov.br/pub/up/pac/10/910PAC2-MinhaCasaMinhaVida. pdf>. Acesso em 15 de outubro de 2014. 11. Cabe destacar pela qualidade das propostas os concursos HabitaSampa (PMSP-2004), Habitação para todos (CDHU SP2010) e Renova SP (PMSP-2011).
A produção de habitações de mercado popular e de interesse social Com tantos investimentos, a habitação social tem voltado à pauta. Negligenciada há anos, novos concursos, publicações, pesquisas e debates têm atualizado a discussão às questões contemporâneas. Praticamente todos os escritórios de arquitetura e urbanismo de maior destaque e importância do país desenvolveram recentemente algum projeto ou participaram de algum concurso de habitação social. Estes, por sinal, têm mais uma vez provado pelas propostas apresentadas que é possível haver projetos e soluções de baixo custo com qualidade.11 A importância da questão e o maior envolvimento dos profissionais, porém, não garantiu que os resultados de tantos investimentos se traduzissem na popularização de habitações de qualidade para as faixas de mercado popular e interesse social. Apesar da evolução no debate da questão, as teorias permanecem distantes da prática e os parâmetros de qualidade não são absorvidos e incorporados pelo mercado da construção, que continua a reproduzir o mesmo atraso de modelos, tipologias e técnicas utilizadas há décadas.
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A produção de moradias pelos programas habitacionais ainda se caracteriza pela baixa qualidade, monotonia de soluções reproduzidas à exaustão em conjuntos distantes e segregados. O objetivo dos programas se resume a quantidade de unidades produzidas, onde as soluções de qualidade ao invés de serem adotadas como modelo, acabam sendo exceções pontuais. A despreocupação com o padrão das moradias, sobretudo na faixa de 0 a 3 salários, é também decorrente de uma demanda tão grande que impede as pessoas de fazerem escolhas e exigências mínimas, ou seja, exercer a chamada “liberdade” de consumidor.12
12. Não serão discutidos os programas no âmbito de políticas públicas de acesso a moradia e política urbana, atendo-se a discutir a qualidade na produção de moradias para a baixa renda. Para maior aprofundamento dessas questões, recomenda-se a leitura dos artigos: Programa Minha Casa Minha Vida: a (mesma) política habitacional no Brasil, de Denise Morado Nascimento e Simone Parrela Tostes; Minha casa, minha vida, de Sérgio Magalhães; As armadilhas do pacote habitacional, de Raquel Rolnik e Kazuo Nakano; Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação, de Pedro Fiori Arantes e Mariana Fix; O “Minha Casa” é um avanço, mas segregação urbana fica intocada, de Ermínia Maricato.
Roberto Bottura sintetiza a crítica à recente produção das habitações de interesse social, segundo o qual “grandes edifícios habitacionais como Bamburral (Brasil Arquitetura) e Novo Santo Amaro V (Vigliecca & Associados), são espasmos arquitetônicos que se destacam frente à realidade da avalanche de projetos sob o rótulo Minha Casa Minha Vida, que inundam toda e qualquer cidade brasileira. Promovidos pelas grandes Incorporações em parceria com a Caixa Econômica Federal, perde-se o conceito de habitar dando lugar ao sobreviver em espaços mínimos, mal executados, longe de qualquer pesquisa arquitetônica, referência estética ou valorização urbana. Simplesmente alojamentos de gente fabricados a lucro alto viabilizados pelas hipotecas incentivadas pela mesma Caixa Econômica realizando o sonho da casa própria, seja ela como for. Crédito fácil e loucura construtiva foram os fatores determinantes para a crise espanhola que perdura há anos.13
13. BOTTURA, Roberto. Brasil a todos os olhos. Disponível em: <http://www. vitruvius.com.br/revistas/read/ resenhasonline/12.141/4863>. Acessado em 16 de janeiro de 2014.
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Ainda nas etapas de projeto fica evidente o distanciamento entre arquitetos e projetistas com o público a que se destinam, onde a falta de participação social, consulta e diálogo compromete o atendimento às reais necessidades dessa população. A solução projetual é imposta, sem possibilidade de alteração de seu programa ou compartimentação, cabendo ao morador se adaptar ao projeto e não o projeto se adaptar ao usuário a que se destina.
O apartamento [apresentado como exemplo pela Caixa no manual de orientação do pacote] tem 37 m² de área útil e adota o tradicional modelo de prédio em H, que possui baixa qualidade urbanística. No caso dos apartamentos, a área construída não pode ser ampliada pelo morador. Para famílias com mais de 4 pessoas (nos cadastros de um movimento de sem-teto de São Paulo, elas chegam a 40% da demanda), a área por habitante é claramente insuficiente, cerca de 7 m² por pessoa, o que produz sobrelotação, problemas de salubridade, falta de espaço para as crianças estudarem e brincarem, além de favorecer a violência doméstica e sexual.14
14. ARANTES, Pedro; FIX, Mariana. Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação. Disponível em: <http://passapalavra. info/2009/08/9445>. Acessado em 11 de fevereiro de 2014.
Modelo de planta de casa e apartamento para o programa Minha Casa Minha Vida. Fonte: Manual do PMCMV da CAIXA.
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Planta das unidades habitacionais do Conjunto Bamburral (Brasil Arquitetura) e Parque Novo Santo Amaro V (Vigliecca & Associados).
A implantação dos conjuntos geralmente não atenta às características físicas do ambiente, deixando de tirar proveito do relevo, paisagem, vegetação, matérias-primas e culturas locais, numa reprodução desenfreada de conceitos genéricos já prontos. Procura sobretudo a rentabilização máxima do terreno na repetição dos edifícios ou casas, onde a preocupação com o aproveitamento dos coeficientes construtivos acaba determinando o projeto. Os espaços livres são negligenciados e utilizados predominantemente para acomodar o traçado viário e estacionamentos, não havendo tratamento paisagístico. O resultado disso são espaços que não convidam a permanência e ao lazer, comprometendo seu uso, o recreio, a interação social e consequentemente sua manutenção e segurança. A inserção e articulação na escala urbana também são deficitárias, havendo pouco ou nenhum diálogo com o seu entorno, bairro ou região. Edifícios e casas repetem tipologias pré-concebidas como carimbos, compondo a paisagem numa monotonia formal em soluções com pouca qualidade arquitetônica. Bairros são formados sem identidade própria cuja imagem é idêntica à de muitos outros empreendimentos. Não há assim o projeto para o lugar, o sentido de lugar. A característica monofuncional dos conjuntos também dificulta sua integração, ao contrário de espaços onde há diversidade de usos que qualificam e enriquecem o lugar, tornando-os atrativos e convidativos para as pessoas, como comércios e serviços. O traçado viário também impede o trânsito de veículos e pessoas que não residam nos conjuntos, impossibilitando a fruição do espaço.
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Edifícios e habitações limitam-se a responder ao estritamente necessário em termos legais e regulamentares, adotando os padrões mínimos como regra e não como parâmetro de concepção. As dimensões mínimas sem flexibilidade e possibilidade de alterações engessam seus moradores e os condenam a permanecer na mesma condição. O mobiliário padrão indicado como referência para os projetos evidencia a limitação no entendimento das necessidades da população, onde seu caráter generalizante ignora as diferenças culturais e econômicas. As demandas de uma família da região norte do país não são idênticas às de uma família do sul em uma mesma faixa de renda, e ainda que se considere uma mesma região e faixa de renda, as demandas dos habitantes não são as mesmas. Ao adotar as mesmas tipologias, desconsidera-se a variedade da formação familiar brasileira e de suas necessidades diversas, inclusive a modificação destas com o tempo. Há também reduzida mistura social, resultado dessa uniformidade de tipologias, edifícios e habitações, dificultando a integração de classes sociais diferentes.
15. NASCIMENTO, Denise Morado; TOSTES, Simone Parrela. Programa Minha Casa Minha Vida: a (mesma) política habitacional no Brasil. Disponível em: <http:// vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/12.133/3936>. Acessado em 14 de janeiro de 2014.
No que se refere aos espaços internos da habitação, as variações no tamanho e na tipologia – casa ou apartamento – resultam de uma mesma concepção geral baseada na pré-determinação do modo de morar, por sua vez ancorada em um perfil igualmente prédeterminado do grupo doméstico, a saber, a família nuclear. Embora este perfil (casal mais filhos) ainda seja majoritário na sociedade brasileira, indicadores recentes têm apontado para tendências de alterações importantes: não só o número de filhos tem diminuído, como tem aumentado o número de famílias com outros perfis, como por exemplo, as chefiadas por mulheres sem cônjuge. Há que se considerar ainda a existência de famílias ampliadas, compostas de membros com graus variados de parentesco e ligação: noras, genros, sobrinhos, netos, afilhados, etc., assim como a existência de disparidades consideráveis entre as diversas regiões do país. Por todos esses motivos, um programa nacional de moradia que considere apenas um perfil de morador incorrerá em generalizações e distorções grosseiras que não atenderão satisfatoriamente todos os grupos a que se destina.15
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É possível notar, portanto, que pelos aspectos arquitetônicos, implantações, plantas das unidades e até mesmo no desenvolvimento dos projetos não há qualquer tipo de inovação e avanço em relação a soluções ultrapassadas de programas e políticas habitacionais.
Minha Casa Minha Vida em Santarém e São José do Rio Preto.
Especialistas alertam para o perigo da construção indiscriminada sem a preocupação com a sua qualidade. Áreas residenciais e habitações que não garantem a satisfação das necessidades dos moradores podem traduzir-se em problemas sociais cujos custos para a sua reversão superam o investimento inicial necessário caso houvessem sido construídos adequadamente. Inúmeros são os exemplos de grandes conjuntos que acabaram degradados e posteriormente demolidos, como os construídos na Europa pósguerra. Não tão distante, pode se citar também o caso chileno, como destaca Raquel Rolnik:
As centenas de milhares de casas e apartamentos da supostamente exitosa política habitacional chilena produziram um território marcado por uma segregação profunda, onde o “lugar dos pobres” é uma periferia homogênea, de péssima qualidade urbanística
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e, muitas vezes, também, de péssima qualidade de construção, marcada ainda por sérios problemas sociais, como tráfico de drogas, violência doméstica, entre outros. Para se ter uma ideia, vários conjuntos habitacionais já foram demolidos e muitos outros se encontram em estudo para demolição. Deixada para o mercado a decisão de onde e como deveria ser produzida, encarada como um produto que se compra individualmente, como um carro ou uma geladeira, a cidade que resultou é simplesmente desastrosa. Nada nos leva a supor, que, em menos de dez anos, não estaremos enfrentando no Brasil o mesmo cenário com o Programa Minha Casa, Minha Vida.16
16. ROLNIK, Raquel. Eu sou você amanhã: a experiência chilena e o Minha Casa, Minha Vida. Disponível em: <http://raquelrolnik. wordpress.com/2012/05/10/eusou-voce-amanha-a-experienciachilena-e-o-minha-casa-minhavida>. Acessado em 16 de janeiro de 2014.
Conjunto habitacional deteriorado no Chile.
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Honeycomb Housing project by Georges Candilis, Shadrach Woods, Vladimir Bodianski and Henri Pirot in Casablanca Marrocos, 1952.
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Uma oportunidade perdida O momento histórico de forte crescimento econômico e social e a retomada dos investimentos em habitação parecia ser uma grande oportunidade de recuperar o atraso no déficit habitacional do país e dar um salto qualitativo no desenvolvimento urbano de nossas cidades. Ao simplesmente reproduzir as mesmas tecnologias obsoletas de construção quando há crédito e investimento de bilhões de reais no setor da construção e o poder público garantir a demanda de sua produção, perdemos uma oportunidade de avançar e desenvolver uma indústria que fosse capaz de racionalizar, reduzir custos e assim democratizar o acesso à moradia. O que poderia se tornar um legado na diminuição das desigualdades sociais do país perpetua-o no seu subdesenvolvimento.
Cena do filme Cidade de Deus (2002), que critica o modelo de urbanização e provisão de moradias populares promovido pelo BNH na década de 1960. Ao lado Residencial Pacatuba (CE), concluído em 2011.
Diante das possibilidades de inovação tecnológica, insiste-se em racionalizar as construções pelo espaço arquitetônico, pela redução e compactação da planta das unidades utilizando, porém, os mesmos meios e técnicas que se mostraram incapazes de reduzir os custos de construção a ponto de atingir habitações economicamente acessíveis. As exigências modestas nos quesitos ambientais, qualitativos e energéticos favorecem também a inércia no padrão das habitações sociais.
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Mesmo não superando a condição da forma-mercadoria, o pacote poderia pretender qualificar minimamente os projetos de habitação popular, inclusive obtendo os dividendos eleitorais favorecidos por casas mais funcionais, bonitas e sustentáveis. Para tanto deveria mobilizar arquitetos, engenheiros e suas agremiações profissionais, universidades e laboratórios de pesquisa, avaliar referências internacionais e nacionais premiadas, favorecer critérios de sustentabilidade ambiental das edificações e dos sistemas de saneamento, etc. Do ponto de vista do processo produtivo, poderia promover apoio a estudos sérios de pré-fabricação com qualidade, já aproveitando o conhecimento acumulado, por exemplo, pelas fábricas públicas de produção de escolas, hospitais e mobiliário urbano, coordenadas pelo arquiteto João Filgueiras Lima (o Lelé) – atual inimigo número um das empreiteiras e combatido por elas, graças ao seu método de produção de equipamentos públicos econômicos e de altíssima qualidade.17
17. ARANTES, Pedro; FIX, Mariana. Op. cit.
Essa não é a primeira vez que desperdiçamos uma chance de avanço. A incapacidade de reconhecer as oportunidades de progresso tem promovido um acúmulo nas disparidades sociais, tornando cada vez mais difícil e custoso seu processo de reversão. A construção de Brasília foi uma oportunidade perdida, poderia ter sido o princípio de um vigoroso trabalho visando à industrialização da construção no Brasil. Os atuais planos habitacionais teriam, do ponto de vista tecnológico, um roteiro seguro e uma base industrial mais organizada.18
18. BRUNA, Paulo. Arquitetura, industrialização e desenvolvimento. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 57.
O atraso do setor da construção A revisão das políticas urbanas e habitacionais vem, ainda que a passos lentos, mostrando uma evolução. Marcos como a criação do Estatuto da Cidade e do Ministério das Cidades lançaram as bases para a reformulação da política habitacional, junto com a criação do Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS/FNHIS) e a retomada do planejamento do setor habitacional com o PlanHab. A arquitetura e o urbanismo também têm dado respostas às demandas e apresentado soluções de qualidade. Além dos já citados conjuntos Novo Santo Amaro V (Vigliecca & Associados) e Bamburral (Brasil
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Arquitetura), destacam-se ainda projetos como o Corruíras de Marcos Boldarini, Itaoca de Jorge Mário Jáuregui, Jardim Vicentina, novamente de Vigliecca & Associados e a produção das assessorias técnicas, na qual pode-se destacar os conjuntos habitacionais Parque do Gato da Peabiru T.C.A. e União da Juta do Usina C.T.A.H.
Em sentido horário: Parque Novo Santo Amaro V (Vigliecca & Associados), Conjunto Bamburral (Brasil Arquitetura), Itaoca (Jorge Mário Jáuregui) e Corruíras (Boldarini).
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Em sentido horรกrio: Jardim Vicentina (Vigliecca & Associados), Uniรฃo da Juta (Usina CTAH), Parque do Gato (Peabiru TCA).
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Os projetos supracitados apresentam diversas soluções para problemas recorrentes nas habitações de interesse social, com respostas a diferentes densidades habitacionais, respeito e adequação à topografia local, tipologias diferenciadas, acessibilidade a portadores de necessidades especiais, racionalização das instalações hidrosanitárias, conforto ambiental, otimização das circulações de acesso às unidades e algumas contendo até varanda. Mas os avanços políticos e arquitetônicos ainda não foram capazes de atingir os meios de produção. Apesar dos incentivos, crédito, demanda e propostas de qualidade, a construção segue atrasada. É ainda mais notável esse atraso quando o comparamos com a tecnologia empregada em outras indústrias, como por exemplo, as indústrias automobilística e aeronáutica. Estas, criadas somente no século XX, avançaram neste período muito mais do que o setor construtivo, que apesar de seu modesto desenvolvimento ainda depende de grande número de mão de obra utilizando técnicas arcaicas. Enquanto as outras indústrias foram capazes de aperfeiçoar, diminuir custos e popularizar seus produtos com aumento da qualidade, a construção civil pouco evoluiu, permanecendo onerosa e inacessível a boa parte da população.
Técnicas construtivas ainda empregadas.
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A tecnologia no canteiro e a tecnologia na indústria.
A ineficiência no processo de produção de habitações precisa ser superada para realmente se combater o déficit. Um dos gargalos nas políticas habitacionais, é preciso vencer esse obstáculo para popularizar a moradia. Assim como hoje em dia a maioria da população nem mais pensa em encomendar sapatos sob medida, limitando-se a usar produtos em série, em consequência de métodos aperfeiçoados de fabricação, no futuro cada indivíduo poderá encomendar no depósito a sua moradia adequada.19
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19. GROPIUS, Walter. Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 191.
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O papel dx Arquitetx e Urbanista Se é verdade que muitos arquitetxs e urbanistas têm se engajado na tentativa de mudança da realidade habitacional, seja atuando no desenvolvimento de políticas públicas ou no projeto de habitações, também é verdade que a profissão permanece como um serviço exclusivo e elitista. Como um item de luxo, desfruta da arquitetura quem pode pagar por ela. O ativismo político e social que foi inclusive determinante para a criação de diversos cursos de Arquitetura e Urbanismo pelo país e que sempre acompanhou a carreira parece ter sido relegado a um segundo plano para a maioria dos profissionais. Enquanto muros, condomínios e shoppings se multiplicam, milhões de brasileiros continuam a viver em condições sub-humanas. A dimensão ética tem se perdido a ponto de nos próprios escritórios arquitetos praticarem o subemprego com seus colegas de prancheta, não respeitando os direitos trabalhistas da própria profissão.
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Não estaríamos, ao exacerbar cada vez mais o culto à atividade profissional autoral destinada à alta renda, correndo o risco de limitar perigosamente nosso campo de atuação a um mercado que é estruturalmente reduzido? Não estaríamos nos arriscando a repetir os erros do passado que levaram nossa profissão a se distanciar da realidade urbana brasileira, uma tragédia em que quase a metade da população sequer tem acesso a casa, quanto menos à arquitetura? 20
20. FERREIRA, João Sette Whitaker. Perspectivas e desafios para o jovem arquiteto no Brasil. Disponível em: <http:// www.vitruvius.com.br/revistas/ read/arquitextos/12.133/3950>. Acessado em 19 de agosto de 2013.
Os órgãos de representação dos arquitetos e urbanistas têm também se ausentado da atuação política e defesa da ética profissional. Sindicatos, o recém-criado Conselho de Arquitetura e Urbanismo e mesmo o Instituto de Arquitetos do Brasil, com papel histórico importantíssimo, se omitem ou tem atuação discreta frente ao panorama atual das cidades brasileiras. O papel crítico se restringe quase que somente à produção acadêmica, limitando seu alcance, discussão e conscientização. Assim, a profissão tem se afastado dos cidadãos e perdido seu reconhecimento pela sociedade. Diante disso, arquitetos e urbanistas devem retomar o seu protagonismo e o seu papel na transformação da sociedade, contribuindo para o desenvolvimento físico, urbano e social. Como profissão fundamental no planejamento e construção da cidade, sua atuação tem grande importância e responsabilidade, devendo assumir o desafio da mudança da realidade brasileira. Cabe também ao arquiteto, enquanto projetista, utilizar suas competências técnicas no desenvolvimento e racionalização das tecnologias construtivas, contribuindo para a redução e viabilização dos custos da construção, permitindo assim a democratização no acesso a moradia. Os arquitetos tem uma responsabilidade com a sociedade em ajudar a resolver seu grave problema habitacional; portanto, o seu envolvimento nesse processo é inevitável para assumir o papel de integrador dos fatores científicos, sociais, técnicos e econômicos inerentes à nova arquitetura da era industrial.21
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21. GROPIUS apud BARROW; ARAYEDH; KUMAR. Performance House 1 – A CADCAM Modular House System. Disponível em: <http://larrybarrow.com/assets/ publications/11.pdf>, tradução livre. Acessado em 03 de maio de 2014.
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Arquitetura e racionalização Com a Revolução Industrial, o desenvolvimento tecnológico transformou radicalmente os meios de produção. Os avanços aperfeiçoaram antigas técnicas, diminuindo os custos de materiais como o vidro e estruturas metálicas, permitindo seu uso em larga escala. Essas mudanças abriram novas possibilidades para a arquitetura, que buscava agora uma nova linguagem na era da máquina. A economia de escala na indústria prometia diminuir os custos de produção e democratizar seus produtos, porém a produção ainda carecia de estética e qualidade. Buscando aliar arte e técnica, é fundada em 1919 na Alemanha a Bauhaus, sob a direção de Walter Gropius. No programa da escola está a ideia de que o aprendizado e o objetivo da arte ligam-se ao fazer artístico, resgatando a integração entre artes e ofícios. As tendências construtivistas evocam um racionalismo formal e produtivo pautado pela economia e atenção às características específicas dos diferentes materiais, como madeira, vidro e metal. A forma seria então a resposta a um problema e derivada de um método, traduzindo-se na máxima “forma segue a função”. Assim a Bauhaus cria o conceito de design, integrando arte, tecnologia e qualidade à produção industrial. Os princípios da escola influenciariam fortemente a arquitetura que viria a ser produzida. Ainda no início do século XX, em meio à efervescência cultural e as vanguardas artísticas europeias, surge com o Modernismo uma arquitetura pautada pela economia de formas e de meios, eliminando ornamentos e tudo o que fosse supérfluo. Buscando resolver os problemas da cidade moderna, a habitação se torna um dos principais objetos de estudo, com o desafio de torná-la acessível a todos. A estratégia para alcançar esse objetivo seria a produção em massa através da indústria, que permitiria realizar o antigo desejo de aplicar as mais modernas tecnologias na construção civil. Procura-se então racionalizar a habitação ao máximo, com pesquisas de sistemas construtivos a espaços mínimos e funcionais. Entre as primeiras propostas de habitações totalmente pré-fabricadas estão as projetadas pelo francês Le Corbusier na década de 1920. Com grande fascínio pela indústria automotiva, desejava produzir casas como se fabricavam carros. As casas Leucher e M.A.S. (maison préfabriquée et montée à sec), pensadas para a produção em série, foram subdivididas em peças padrão que seriam transportadas por caminhão da fábrica ao canteiro e montadas por uma equipe especializada em poucos dias. Nenhuma delas chegou a sair do papel.
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Na Alemanha a principal referência em industrialização da construção é Walter Gropius, defendendo uma arquitetura industrial mais flexível através da produção de partes da casa, os chamados componentes. Estes poderiam ser combinados e rearranjados de diversas formas, de acordo com a necessidade do cliente, em uma arquitetura industrializada não uniforme e que atendesse a qualquer necessidade. Em 1927 Gropius apresenta o protótipo de duas casas integralmente pré-fabricadas para a exposição Deutscher Werkbund, com um sistema de painéis apoiados em perfis de aço. Entre 1943 e 1945 desenvolve em conjunto com Konrad Wachsmann um sistema construtivo pré-fabricado em madeira para o mercado americano, a Packaged House. Nela são possíveis diversas tipologias mesmo com reduzido número de peças. O sistema era facilmente transportável, de rápida execução e dispunha de diversos tipos de acabamentos.
Walter Gropius : Packaged House System (1942-45) e Werkbund (1927).
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Pesquisadores apontam que o contexto de instabilidade político-econômica dificultou investimentos na aplicação das propostas pré-fabricadas. É na obra do francês Jean Prouvé que arquitetura e indústria se encontram. Sua formação como ferreiro e a execução dos trabalhos em sua própria oficina permitiam o contato direto entre concepção e realização, incorporando ao projeto as possibilidades do material e o conhecimento necessário para sua
Jean Prouvé: Maison ‘Les Jours Meilleurs’ (1956)
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produção. Com isso era possível realizar protótipos, testá-los e aperfeiçoá-los para a produção em série. A transferência de tecnologia da indústria para a arquitetura produziu casas de baixo custo e rápida execução, sem perda de qualidade e estética. O Case Study House Program (1945), lançado em Los Angeles, foi outra iniciativa pioneira visando à democratização da habitação. Teve como objetivo proporcionar ao público e à indústria da construção modelos de casas de baixo custo, após a escassez na produção decorrente da crise de 1929 e da Segunda
Case Study House #18 (1948), Craig Ellwood e Case Study House #22 (Stahl House, 1960), Pierre Koenig
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Guerra Mundial. Para isso convidou notáveis arquitetos da época a conceber protótipos experimentais modernos com materiais industrializados. Apesar de não conseguirem popularizar a construção, permitiram demonstrar as possibilidades de aplicação das técnicas industriais com casas de grande beleza formal, leveza estrutural e funcionalidade. As dificuldades e condições próprias do Brasil levaram a caminhos diferentes na busca pela racionalização da construção. A situação político, econômica, social e educacional do país levou os arquitetos a traçarem duas estratégias distintas: a primeira acreditando ser o momento de introduzir técnicas industriais de produção, aprimorando o controle no processo de fabricação com sistemas pré-fabricados; a segunda buscou racionalizar as técnicas populares de construção através da otimização de processos, aumento de produtividade, melhor aproveitamento dos materiais e redução no desperdício. A primeira vertente conta principalmente com os estudos e obras de Eduardo Kneese de Mello e é a aposta de Vilanova Artigas e equipe para o Conjunto Habitacional CECAP “Zezinho Magalhães Prado” (1967), que acabou sendo construído com técnicas tradicionais. A segunda é defendida pelos arquitetos
Casa Pery Campos (1970), Rodrigo Lefèvre.
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Propaganda do CECAP “Zezinho Magalhães”.
Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro, do Grupo Arquitetura Nova. Apesar do curto período de atuação prática do grupo, diversas de suas experiências obtiveram sucesso na racionalização e redução de custos, sem, contudo, conseguir atingir uma escala maior. Outras tentativas como as casas desmontáveis de José Zanine Caldas e Severiano Mário Porto demonstram o esforço dos profissionais em desenvolver tecnologias construtivas mais econômicas, restritas porém a aplicações pontuais.
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Severiano Mario Porto, residência em Manaus (1971)
Um trabalho que se destaca não só pela qualidade de formas, soluções e economia, mas sobretudo como exemplo de atuação é o de Joan Villà. Em sua carreira acadêmica esteve à frente de laboratórios de habitação e canteiros experimentais, desenvolvendo tecnologias construtivas com componentes prémoldados cerâmicos (CPC). O Condomínio Residencial em Cotia (2002), em parceria com Silvia Chile, sintetiza essa trajetória. Produzido pela iniciativa privada e destinado ao mercado popular, utiliza a técnica em CPC para alcançar baixo custo de produção sem abrir mão da qualidade, mostrando como o trabalho do arquiteto pode contribuir para uma construção mais democrática.
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Condomínio Residencial em Cotia (2002), Joan Villà e Silvia Chile.
Execução de painéis com tecnologia CPC.
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E não seria possível falar em racionalização da construção sem citar João Filgueiras Lima, o Lelé, maior referência nacional no assunto. Com extensa investigação de materiais e técnicas, foi responsável pela implantação da Fábrica de Equipamentos Comunitários (FAEC - 1985) e do Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS - 1992), ambos em Salvador. Neles desenvolveu a industrialização da construção com a préfabricação em argamassa armada e estruturas metálicas, produzindo em série elementos que comporiam escolas, hospitais, edifícios públicos e equipamentos urbanos. A atuação predominante para o poder público reflete a preocupação e valorização do caráter social de suas obras, exemplos de construções eficientes e econômicas.
Centri de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS), Salvador, BA.
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Racionalização e indústria Diante do cenário atual, fica evidente a gravidade do problema habitacional no Brasil e a urgência na reversão desse quadro. A alta demanda por habitação, concentrada principalmente em famílias de baixa renda, demonstra a necessidade de se pensar em soluções que diminuam os custos de construção e permitam democratizar o acesso à moradia. Os métodos construtivos tradicionais ainda empregados no país permanecem na forma de manufaturas pouco produtivas, de baixa qualidade, dispendiosas apesar dos baixos salários pagos à mão de obra e sujeitas a inúmeros atrasos e imprevistos, sendo incapazes de tornar as habitações economicamente acessíveis. Construir as mais de 5 milhões de residências necessárias no país tijolo por tijolo se mostra inviável e absurdo. Carecem também sistemas pré-fabricados com qualidade e flexibilidade para atender as diferentes necessidades e realidades do país. O longo período de execução das obras é outro fator que onera a construção. Uma casa construída com técnicas tradicionais demora meses para ser construída. Soma-se a isso a dependência de grande contingente de mão de obra para a realização das atividades e técnicas de cura in loco que exigem mais de uma semana para desforma. É, portanto, imprescindível a revisão dos métodos de produção e o avanço tecnológico do setor com sistemas construtivos mais eficientes. Para reduzir os custos de construção é necessária a racionalização dos processos construtivos, otimizando as etapas produtivas, reduzindo os prazos de execução e os desperdícios causados pelo emprego de tecnologias primárias. As tentativas de aprimorar os sistemas atuais, apesar de conseguirem reduzir custos, têm alcance limitado na escala de produção. Deve-se então transportar do canteiro de obras para a indústria o maior número possível de operações, onde há maior organização e controle sobre a produção. Além dos ganhos em produtividade com a mecanização do processo produtivo, a indústria permite o trabalho o ano inteiro, sem a interferência de intempéries. Dessa forma será possível implementar a construção a seco, alcançando maior agilidade e rapidez na execução, dispensando o tempo de cura das estruturas e permitindo a simples montagem de peças pré-fabricadas no canteiro de obras. Estas requerem padronização, precisão e controle de qualidade, só possíveis em escala através da indústria.
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22. Disponível em: <http://www1. folha.uol.com.br/ilustrada/917497arquiteto-propoe-mudancas-noprojeto-minha-casa-minha-vida. shtml>. Acesso em: 02 de outubro de 2013.
Segundo Lelé, “a construção civil é a coisa mais retrógrada do mundo. Se se quer construir no Brasil inteiro, impõem-se a industrialização e a qualidade. Isso só se consegue com tecnologia.” 22 A adoção de técnicas industriais permitiria então racionalizar da fábrica ao canteiro, aliando qualidade, economia e escala de produção com prazos e orçamento precisos, rapidez nas obras e redução nos desperdícios. Exemplo disso é o próprio Centro de Tecnologia da Rede Sarah, criado por Lelé, que prova ser possível e viável a industrialização da construção civil no país.
Um sistema construtivo industrializado No cenário atual brasileiro, faltam alternativas para uma construção rápida e racional. Apesar de existirem diversos setores e produtos com normatização, padronização e produção industrial, não existe um sistema construtivo industrializado para habitações que una os diversos sistemas prediais e interfaces de uma construção de forma integrada, ou seja, um sistema que produza um produto final completo pensado de ponta a ponta. Não há, por exemplo, opções de casas pré-fabricadas com estrutura, instalações, vedações, caixilhos, cobertura, etc. resolvidos em um único sistema. É preciso então recorrer a diferentes fabricantes e suas diferentes padronizações, exigindo toda sorte de ajustes e desperdícios. Além de onerar a construção, essa forma de produção reduz a produtividade e faz com que se gaste muito tempo na etapa de projeto com a compatibilização dos diversos elementos do projeto. A industrialização pressupõe a adoção de um sistema de coordenação modular que organize e oriente a produção dos diferentes fabricantes, garantindo a comunicação entre os componentes e a flexibilidade de usos e aplicações. Deve ainda permitir uma variação de tipos e soluções, de forma a atender as diversas demandas com identidade, e não a simples reprodução de um modelo genérico. Não se pode, porém, pensar nos custos de construção de forma isolada, pois um fator que pesa diretamente no acesso à moradia é o custo da terra (lote), principalmente nas grandes regiões metropolitanas, onde se concentra a maior parcela do déficit habitacional. Para que o sistema construtivo seja viável nas grandes cidades deve possibilitar tanto soluções horizontais como um maior adensamento populacional com soluções verticais.
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Evolução do valor do m² em São Paulo. Fonte: Folha de São Paulo. Disponível em: <http:// classificados.folha.uol.com.br/ imoveis/2014/06/1466615-precomedio-do-m-em-sao-paulo-sobe-evai-a-r-9191.shtml>. Acesso em: 08 de junho de 2014.
Este trabalho buscará então responder a estes desafios propondo uma alternativa aos tradicionais métodos de construção empregados no país. Não será exclusivamente um sistema construtivo que será capaz de reverter o atual quadro habitacional no país, mas é indiscutível a necessidade de se reduzir os custos e promover o desenvolvimento tecnológico do setor, como um caminho que possa contribuir para democratizar a habitação. A arquitetura brasileira não pode conformar-se em apontar apenas dois caminhos: ou da arquitetura da “alta costura” e grande qualidade, destinada ao mercado de alta renda, ou o da arquitetura “de mercado” conformada a uma mediocridade ditada pelos interesses imobiliários.23
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23. FERREIRA, João Sette Whitaker. Op. Cit.
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Roberto Pinho: Lelé, eu queria que você desenvolvesse mais a questão do pré-moldado. Eu acho que a opção pelo pré-moldado – sobretudo num país com as dimensões do Brasil, com os problemas habitacionais e sociais que o Brasil tem e a necessidade de produzir arquitetura para uma quantidade extraordinária de pessoas – é uma opção pelo coletivo, pelo social, não é? Marcelo Ferraz: A Europa – a França, a Inglaterra e não apenas a União Soviética – resolveu grande parte do problema da habitação graças ao pré-moldado. No Brasil, estima-se em doze milhões a carência de habitações. Você acha que há alguma possibilidade de sair disso sem passar pelo prémoldado? Lelé: Não, porque eu acho que o problema se agrava a cada dia. Se a gente não sair para soluções industrializadas, a resolução dessa questão de uma forma civilizada ficará cada vez mais distante. PINHO; FERRAZ; LIMA in LATORRACA, Giancarlo. João Filgueiras Lima, Lelé. Lisboa: Editorial Blau: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 2000, p. 23.
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II. TECNOLOGIA E INDÚSTRIA O canteiro e o atraso na industrialização A construção civil, que não pode ser considerada uma indústria, uma vez que as máquinas ainda não atingem uma importância na sua participação a ponto de condicionar a forma de produção, tão pouco pode ser considerada artesanal, já que o trabalho foi submetido a uma forma avançada de divisão. Segundo Sérgio Ferro, ela se configura como uma “manufatura”, na transição entre o trabalho artesanal e a forma industrial. Nela o processo é dividido e decomposto em diversos ofícios, com funções e tarefas limitadas, nas quais a compreensão da totalidade do processo, presente no artesão, é dispensada. Por ser uma somatória de atividades primárias, a construção tradicional requer um extenso contingente de mão de obra. O emprego de operários não qualificados, que para o bom andamento de uma obra tenderia a ser limitado, é na prática altíssimo, chegando a limitar as possibilidades construtivas e a qualidade das edificações. Do desperdício de materiais a homens-hora, o trabalho no canteiro está sujeito a ineficiências de toda a ordem, resultando em atraso nos prazos e alto custo de produção, apesar dos baixos salários pagos à mão de obra. Diversas são as tentativas de justificar o atraso da indústria da construção no Brasil. Para Sérgio Ferro, a situação de capitalismo periférico do país, baseado em baixos salários, êxodo rural e alto grau de marginalização tornou a construção civil um espaço privilegiado para o emprego dos recém-chegados às cidades grandes. Pouco capacitados para outras atividades ou na espera de uma oportunidade na indústria, estes e outros trabalhadores do chamado “exército de reserva” aceitavam receber os baixos salários pagos na construção, permanecendo entre a inclusão e a marginalização.
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24. FERRO, Sérgio. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 87.
Com poucas opções, essa numerosa força de trabalho sustenta e acaba até por estimular a manutenção das formas de produção vigentes, pouco mecanizadas e baseadas no emprego de grande contingente de trabalhadores. Muitas vezes acabam servindo apenas como força de trabalho, sem qualquer exigência de trabalho intelectual. Para Ferro, “o combustível básico da manufatura está garantido numa quantidade e a um tal preço que dispensa quaisquer preocupações quanto à sua substituição”. 24 Essa condição garante o atraso da construção, que prefere não correr riscos com o investimento de capital em tecnologia, máquinas, instalações industriais e capacitação de mão de obra. Não é o que ocorreu, por exemplo, na Europa, que por não haver esse excedente e pelo alto custo dos encargos sociais dos trabalhadores, obrigou o desenvolvimento de sistemas de maior produtividade e reduzido número de operários. No caso brasileiro, não interessava também o incentivo ao desenvolvimento do setor, que mantinha ocupada uma massa significativa de trabalhadores e a rentabilidade na construção. O progresso que se imaginava vir da indústria não se concretizou e a construção civil permaneceu como um dos setores mais atrasados da economia. Mesmo respondendo por fatia expressiva do PIB brasileiro, tem ficado atrás de outros setores tradicionalmente menos tecnológicos e que vêm se modernizando, como a agricultura e a indústria têxtil.
25. LIMA, João Filgueiras. Revista AU, ed. 175, Outubro de 2008, p. 67.
A rigor a construção civil não progrediu nada nos últimos 40, 50 anos. Progrediu nas indústrias subsidiárias, complementares, que fornecem pisos, tecnologias de ponta, mas na integração desses processos construtivos não existe nenhum progresso significativo na indústria da construção civil. Quando você vê construir um viaduto, os processos se sucedem da mesma forma que se fazia há 50 anos. Quando se vê em São Paulo um prédio um pouco mais sofisticado tecnologicamente, o que existe ali são setores que evoluíram: os vidros, as cerâmicas. Mas a integração não evoluiu.25 Esse atraso chega a ponto de apresentar alguns paradoxos. Sem inovações que alterassem as formas de produção, os ganhos em produtividade não se deram pela economia de trabalho, mas com o aumento da exploração. Neste contexto, as experiências com mutirões autogeridos, que por suas limitações de recursos, materiais e qualificação, poderiam representar formas mais arcaicas de construção, foram capazes de apresentar mais avanços técnicos e segurança aos trabalhadores do que obras de empreiteiras, além de conseguirem cumprir os prazos estabelecidos.
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Na realidade brasileira, o capital da construção tem se tornado um grande freio, na medida em que tem mais interesse na baixa remuneração da força de trabalho do que nas boas condições de sua reprodução, o que envolveria progresso tecnológico e melhoria na qualidade da produção. Dentro da aparência dos métodos de trabalho que os empresários ou a literatura técnica trata como “arcaico”, “tradicional”, “artesanal”, existe um racionalidade empresarial compromissada com o lucro.26
26. VARGAS, Nilton. Racionalidade e não-racionalização: o caso da construção habitacional. In: FLEURY, Afonso C.; VARGAS, Nilton (coord.). Organização do trabalho. São Paulo: Atlas, 1987, p.195.
A industrialização da construção no Brasil só ocorrerá então, quando houver a ruptura ou desestabilização dessas condicionantes, ou seja, quando o quadro social do país apresentar mudanças como pleno emprego, aumento nos salários, conquistas trabalhistas, universalização da educação, etc. O
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alto custo do capital humano passaria a estimular as construtoras a economizar trabalho vivo e ampliar a pré-fabricação e a mecanização nos canteiros, como começa a ocorrer nas grandes cidades. A superação do atraso só se dará de fato, com a superação do próprio subdesenvolvimento. Eu acho que, para que haja realmente uma transformação no canteiro de obras, é indispensável que haja uma transformação em toda a sociedade, em todos os níveis da produção, em todos os aspectos da produção. Acho que não há nenhuma incompatibilidade entre a indústria e o trabalho livre. Trata-se, evidentemente, de que esse trabalho livre na indústria não se fará ou não será conduzido da mesma maneira que na manufatura. Haverá uma outra lógica, uma outra maneira de proceder, etc. Mas nada impede que as mesmas exigências de liberdade, de auto-determinação e responsabilidade surjam na indústria, na manufatura, no campo ou seja onde for.27
27. FERRO, Sérgio. Sérgio Ferro: entrevista a Daniela Colin Lima. Disponível em: <http://www. vitruvius.com.br/revistas/read/ entrevista/07.027/3301?page=5>. Acessado em 5 de junho de 2014.
Resistindo ao avanço A manutenção de tecnologias atrasadas de construção contribui para que as realidades do canteiro e da produção permaneçam iguais. Uma das expressões desse atraso é a insistência no uso de alvenarias na construção habitacional, sobretudo em habitações populares. Deve-se lembrar que sua utilização também é condicionada pela falta de alternativas mais eficientes e com baixo custo de produção, porém
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a construção civil resiste em desenvolver e empregar sistemas alternativos mais avançados frente as tecnologias já disponíveis. O sistema de alvenaria estrutural, amplamente utilizado, mantém a construção obsoleta mesmo com as inovações que vêm aplicando, como maior emprego de maquinário. Apesar dos ganhos em produtividade que o sistema têm alcançado, sua tecnologia não reduz as diversas etapas de obra, a necessidade de grande número de operários em várias especialidades, não dispensa o emprego de trabalhos manuais, os ajustes nos materiais e o alto índice de desperdício. A aplicação de concreto e argamassa in loco ainda requer a espera pelo ganho de resistência, fazendo com que sua construção continue lenta. Apenas para a execução de uma parede são necessárias várias etapas, como o preparo de argamassa, transporte dos blocos e seu assentamento um a um, checagem regular do nivelamento e prumo em cada uma das fiadas, sem contar os ajustes necessários quando há passagem de instalações ou a locação de caixilhos. As inevitáveis irregularidades ainda precisam ser corrigidas, chegando a 3 camadas antes da aplicação do acabamento. Mesmo com equipamentos que melhorem o rendimento e diminuem desperdícios, permanece arcaico enquanto sistema.
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A eficiência é outro ponto a ser questionado. Uma vedação com placas cimentícias possui em torno de 25% da massa de uma alvenaria tradicional constituída por blocos de concreto, podendo contribuir para uma redução dos materiais empregados nas estruturas e fundações de um edifício, além de sua instalação ser mais rápida e precisa. Mas a resistência não vêm só de projetistas e construtoras. Em alguns concursos e editais, órgãos públicos e financiadores impedem o uso de tecnologias alternativas, justificando o baixo custo dos sistemas convencionais. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, tem estimulado e desenvolvido trabalho técnico visando estabelecer critérios para a execução de edificações multifamiliares de 3 a 5 pavimentos em alvenaria estrutual, para que possam ser financiados. Como lembra Hélio Olga, o setor deve olhar para frente se quiser se modernizar e promover melhorias, assim como órgãos públicos devem incentivar e promover o desenvolvimento da construção, e não limitá-la. Resistir ao avanço nos condena à mesma posição.
28. SOUZA JR., Hélio Olga de. Entrevista por Adilson Melendez e Fernando Serapião. Projeto Design, ed. 264. Disponível em: <http://www.arcoweb.com.br/ entrevista/helio-olga-jr-usa-semadeira-08-02-2002.html>. Acessado em 28 de agosto de 2013.
Em 1500, explorávamos toras; hoje, exportamos madeira serrada. Temos que exportar casas prontas, móveis.28
Industrialização e pré-fabricação Uma distinção que precisa ser esclarecida e que ainda causa confusão é entre industrialização e préfabricação, cabendo ainda diferenciar esta da produção de pré-moldados. A industrialização está essencialmente associada aos conceitos de organização e de produção em série, racionalizando o processo produtivo de forma integrada e planejada através da mecanização. Não é, porém, somente a mecanização responsável por configurar uma indústria, mas o seu emprego como instrumento de ordenação e sistematização da produção, utilizando a repetição como contraponto à unidade artesanal. Importante salientar também que a mecanização não implica necessariamente na organização ou na produção em série, devendo ser entendida como uma forma de racionalização da força de trabalho.
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Construção do Habitat 67 (1967) de Moshe Safdie, Montreal.
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O processo industrial implica no fracionamento e divisão das etapas produtivas, alcançando alta produtividade, padronização de seus produtos e equiparação qualitativa. A industrialização da construção envolveria então o controle e organização da produção até o produto final, passando inclusive pelo transporte e montagem.
Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS) e Ardec prefab housing.
A pré-fabricação é um processo de produção industrial de partes da construção a serem montadas na obra, reduzindo o tempo de trabalho e contribuindo para a economia de materiais e mão de obra. Constitui apenas uma fase de um processo de industrialização mais amplo e complexo, uma vez que organiza apenas uma etapa da produção, e não o processo em sua totalidade. Assim, deve ser entendida apenas como racionalização do sistema de construção, que pode permanecer essencialmente artesanal como organização. Já os pré-moldados são elementos que podem ter sua moldagem externa ou no próprio canteiro de obras, como uma forma mais simples e limitada de racionalização da construção (sem o controle dimensional e de qualidade encontrados em uma indústria), enquanto o pré-fabricado é necessariamente produzido em uma unidade industrial (mesmo que seja uma instalação temporária no canteiro de obras), com rigoroso controle de qualidade e cumprimento das respectivas normas de produção.
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Sistemas pré-fabricados
Industrialização de ciclo aberto e ciclo fechado Outro conceito a ser esclarecido para a compreensão dos métodos industriais de produção é o de industrialização de ciclo aberto e ciclo fechado. A industrialização de ciclo fechado se caracteriza por uma produção integralmente constituída por elementos próprios, ou seja, uma produção voltada unicamente para o seu consumo. O produto final é executado inteiramente com meios próprios, por uma mesma empresa ou por um grupo coligado. Cada material, componente e processo é estudado minuciosamente para se atingir a máxima eficiência do sistema. Com isso se obtêm um produto final pensado de ponta a ponta, com a vantagem de seus elementos serem completamente integrados, sem a necessidade de ajustes.
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O sistema de ciclo fechado foi amplamente utilizado na construção de moradias da Europa pósguerra, onde a limitação dos sistemas desenvolvidos criaram conjuntos monótonos e repetitivos, que acabaram estigmatizados, degradados e fortemente combatidos. A lógica na concepção desses sistemas foi a busca por ganhos de escala, como os alcançados na indústria automobilística décadas antes. Os recursos então investidos no desenvolvimento e na aquisição dos equipamentos necessários para a operação seriam amortizados pela escala de produção, reduzindo também o custo final das unidades construídas. O Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS), em Salvador, é um exemplo de industrialização preponderantemente de ciclo fechado, uma vez que responde pela produção da maior parte dos componentes utilizados nos hospitais da rede. Pioneiro no desenvolvimento de tecnologia pré-fabricada em argamassa armada e aço, o CTRS é um caso paradigmático de industrialização fechada com elevada qualidade arquitetônica no Brasil. A industrialização de ciclo aberto se configura pela produção de peças padronizadas para o mercado, e não exclusivamente às necessidades de uma só empresa. Estas devem ser compatíveis a elementos de diferentes fabricantes, o que requer a adoção de um sistema de coordenação modular, estabelecendo os parâmetros que orientem sua produção e articulação sem a necessidade de modificações, cortes ou perdas. Este método induz à especialização da produção, uma vez que a pesquisa pelo desenvolvimento dos produtos tende a concentrar os esforços no aprimoramento dos mesmos. Permite, porém, maior flexibilidade de suas aplicações, uma vez que não é destinada somente a uma solução. A industrialização de ciclo aberto implica também uma produção de estoque e catálogo, em contraposição a de ciclo fechado onde a utilização dos elementos já é definida. A produção do sistema aberto deve possuir como características básicas a possibilidade de serem substituíveis por elementos de outras origens; intercambiáveis, assumindo diferentes posições dentro de uma obra; combináveis, formando conjuntos maiores (aditividade de termos) e permutáveis, seja por uma peça maior ou por um número de peças menores.
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Coordenação modular Coordenação modular pode ser entendida como uma metodologia sistemática de industrialização, que define um sistema dimensional de referência a partir de medidas com base em um módulo prédeterminado, compatibilizando e organizando tanto a aplicação racional de técnicas construtivas como o uso de componentes em projeto e obra, sem sofrer modificações. Todas as etapas do ciclo produtivo, desde a normalização, a certificação e projeto dos componentes, passando pela matéria-prima utilizada para sua fabricação, pelos projetos arquitetônico, estrutural e complementares, até a montagem e manutenção das edificações, ficam envolvidas. Dessa forma, todos os intervenientes da cadeia produtiva são corresponsáveis pela busca do sucesso. Com normas técnicas bem elaboradas seguidas por um eficiente sistema de certificação, os componentes passam por uma padronização dimensional, a partir da qual têm as mesmas características dimensionais, e por uma redução da variedade de tipos, mediante o emprego de medidas pré-determinadas. A produção dos componentes é seriada, e não mais sob medida. Mesmo sendo os componentes produzidos por indústrias diferentes, essas características asseguram a intercambialidade entre eles, pois passam a ser compatíveis entre si, em função de suas dimensões serem múltiplas de um mesmo módulo. Além disso, há uma simplificação do projeto, tanto pelo fato de os detalhes construtivos mais comuns já estarem solucionados em função da própria padronização quanto pelo estabelecimento de uma linguagem gráfica, descritiva e de especificações que será comum a fabricantes, projetistas e construtores, facilitando o entendimento entre os intervenientes do processo. Isso acaba por permitir mais tempo para o aprimoramento do projeto arquitetônico. A coordenação modular promove também a racionalização da etapa de execução, que passa a ser simplesmente um processo de montagem da edificação, pois utiliza componentes padronizados e intercambiáveis que não necessitam de cortes, auxiliando assim na redução do desperdício. Com relação aos quesitos de sustentabilidade, a coordenação modular reduz o consumo de matériaprima e aumenta a capacidade de troca de componentes da edificação, facilitando a sua manutenção.
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Para os fabricantes de componentes, projetistas e executores, ainda traz agilidade operacional e organizacional, em função da repetição de técnicas, processos e do domínio tecnológico, auxiliando no controle de custos e prazos de produção.
Dificuldades na aplicação da coordenação modular Uma questão extremamente importante para que a industrialização da construção ocorra é a adoção de um sistema de coordenação modular único, criando um padrão na construção que oriente a produção dos mais diversos fabricantes. Esse padrão único determinaria diversos itens de coordenação dimensional e de ligação entre os componentes, permitindo a qualquer produto se integrar ao sistema e criando um catálogo comum de produtos. Assim a construção teria a disposição uma infinidade de elementos que permitiriam atender as mais diversas demandas e necessidades, atingindo uma abrangência de aplicações que viabilizaria a produção em escala. A necessidade de se estabelecer um acordo dessa natureza, pelo qual fosse possível coordenar os elementos de uma construção produzidos industrialmente, foi sentida há muitos anos e foi objeto de pesquisa. O Brasil se insere entre os países precursores na adoção da cultura da coordenação modular. Em 1950, é publicada a primeira norma relacionada ao assunto, a NB-25 “Modulação das Construções”. Nas décadas de 1970 e 1980 a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) elaboraria as normas vigentes ainda hoje, mas nenhuma se dedicaria a traçar estratégias para sua implementação. Além disso, as normas sobre o assunto são incipientes, pouco claras e pouco objetivas, provocando dúvidas quanto à sua interpretação e tornando sua viabilidade frágil. O fato de as NBRs não especificarem dimensões para os componentes e vãos é provavelmente um dos motivos pelos quais elas não sejam respeitadas, o que se agrava pelo fato de que grande parte dos intervenientes da cadeia da indústria da construção civil desconhece sua existência e os conceitos do que seja a coordenação modular. As normas de coordenação modular nem ao menos são citadas como complementares nas demais normas brasileiras, e a terminologia usada em cada uma delas não é padronizada. Essa situação mostra a necessidade de revisão e complementação dessas normas, assim como também dos códigos de edificação e códigos de obra.
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O ponto mais polêmico sobre o assunto é a adoção de um padrão dimensional. Como a industrialização da construção de fato nunca chegou a se concretizar, os fabricantes acabaram seguindo os padrões que melhor lhes convieram, fazendo com que houvesse no mercado inúmeros padrões que não se comunicam, dificultando hoje a adoção de um que satisfaça a todos. Em resumo, a coordenação modular seria o instrumento capaz de definir um acordo sobre as dimensões básicas dos principais componentes da construção, de maneira a permitir o desenvolvimento da industrialização da construção. Sua adoção seria um processo lento mas seguro, uma vez que, tão intimamente ligada ao desenvolvimento da industrialização, não poderia adiantar-se em relação à evolução da tecnologia sem o risco de se tornar merca especulação teórica. Na medida em que os princípios básicos da coordenação modular se tornarem mais claros e conhecidos, a seleção das dimensões preferenciais será mais simples e diretamente associada ao processo de projetar, fabricar e construir. A coordenação modular deverá, então, desenvolver-se paralelamente à industrialização da construção, servindo como um marco regulador de uma política centrada no desenvolvimento tecnológico.
A indústria de materiais e a construção A construção civil apresenta uma profunda subdivisão na organização de sua produção, refletindo na prática uma verdadeira ruptura no processo produtivo. Dois setores ficam bem definidos: de um lado, a produção de materiais de construção, dos componentes ou materiais intermediários e, de outro, a montagem destes componentes no canteiro, isto é, a construção em si. O conjunto das indústrias de materiais e elementos, aparentemente um setor subsidiário da indústria da construção e que deveria ter sua produção orientada para o atendimento das necessidades desta, mostra-se na verdade mais forte na determinação dos padrões de construção do que as próprias construtoras, impondo seus critérios e obrigando projetistas e executores a se adaptarem a eles. Além disso, no interior de cada setor, verifica-se uma ulterior subdivisão de atividades, fragmentando a produção em um número muito grande de tarefas, capacidades, técnicas, especializações e intenções que, longe de contribuírem para um único fim, frequentemente se sobrepõem e divergem. É possível constatar que esta multiplicação dos processos de produção leva a uma política de laissez-faire
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generalizada, isto é, ninguém se preocupa com a qualidade e o preço do produto acabado, enquanto todos se concentram em tornar seu setor mais eficiente e rentável. Verifica-se que a maioria das indústrias de materiais de construção limita-se aos ciclos produtivos de suas unidades sem a menor preocupação em oferecer um produto que seja coordenado em relação aos demais semi-acabados. Não há preocupação com a pesquisa dimensional, com a oferta de um material efetivamente de catálogo e de estoque. Cada empresa, ou grupo de empresas, orienta-se segundo critérios próprios, mais indicados para a fabricação de produtos finais do que para fabricação de componentes intermediários.29
29. BRUNA, Paulo. Op. cit., p. 47-8.
A inexistência de sistemas construtivos completamente integrados acaba forçando a adoção de materiais artesanais mesmo em construções relativamente industrializadas. A coexistência e a incompatibilidade entre eles acabam por determinar situações de improvisação para solucionar os problemas, bem como o uso de materiais normatizados com técnicas inadequadas, perdendo assim suas vantagens.
Do projeto ao canteiro Pensar a construção de forma industrializada requer uma mudança na forma como ela é planejada e executada. Ações de racionalização aplicadas apenas ao canteiro estão fadadas ao fracasso se não houver a mesma preocupação na etapa de projeto. Este deve considerar a redução das dificuldades de construção, otimizando produção, transporte, montagem e instalação das peças. No processo industrializado a etapa de pesquisa e desenvolvimento do sistema construtivo requer um longo período, pois compreende um planejamento minucioso de cada etapa do processo. São necessários diversos testes, ensaios, avaliações de desempenho e aprimoramentos das soluções para que o sistema chegue ao mercado e possa ser executado.
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O tempo dedicado ao desenvolvimento é que garantirá a redução nos prazos de projeto e
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execução durante a operação do sistema, uma vez que suas soluções já foram elaboradas e especificadas. Em síntese, dedica-se longo período uma única vez para que se ganhe agilidade em todas as etapas posteriores, que serão repetidas inúmeras vezes. O mesmo ocorrerá na aplicação dos recursos. A etapa de desenvolvimento exigirá um alto investimento inicial para que se alcance a economia nas etapas seguintes, com ganhos pela escala de produção. O mesmo ocorre em outras indústrias, como no caso da automobilística, que desenvolve diversos protótipos até colocar um modelo em comercialização. A industrialização da construção conta ainda com uma diferença fundamental em relação às outras indústrias: uma das etapas da produção necessariamente será executada in loco, ou seja, será executada no local final da edificação. O que nas outras indústrias é produzido somente em instalações industriais, na construção civil requer que uma parte da produção seja adaptável às diferentes condições de terreno, onde as questões de transporte, distância e acesso de peças, máquinas e operários têm de ser resolvida caso a caso. Isso faz com que a construção de cada edifício seja única e exija um planejamento próprio. Outro ponto a se destacar é o papel do arquiteto na industrialização da construção, que deve assumir e integrar o grupo multidisciplinar de desenvolvimento dos sistemas construtivos industrializados, e não reduzir seu campo de atuação somente ao projeto do edifício. Há tempos o trabalho do arquiteto tem se distanciado do canteiro, devendo retomar o papel de construtor e o domínio das tecnologias aplicadas na construção, as quais deve ajudar a desenvolver, especificar e aplicar. Quando o arquiteto perde o contato com o canteiro ele abdica de parte da sua razão de ser, pois é também do domínio construtivo que nasce a possibilidade dessa natureza de liberdade de projeto que configura seus meios para realizar seus desejos.30
30. REBELLO, Yopanan; BOGÉA, Marta; ELOY, Edison. Invenção: popular e erudito. Revista AU, ed. 141, Dezembro de 2005. Disponível em: <http:// au.pini.com.br/arquiteturaurbanismo/141/invencao-popular-eerudito-22272-1.aspx>. Acessado em 22 de maio de 2014.
A questão da qualificação da mão de obra para a execução dos serviços também precisa ser abordada. Por sua natureza racional e padronizada, os operários da construção industrializada podem ser treinados rapidamente para a execução de suas tarefas, ao contrário da construção tradicional que exige domínio e prática de suas técnicas.
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Acho muito mais fácil qualificar uma mão de obra para trabalho de industrialização do que qualificar para trabalhos artesanais (...) torna-se mais simples do que formar alguém em uma atividade mais artesanal, como um marceneiro, que exige até uma certa vocação para trabalhos manuais. (...) A proposta de industrialização com argamassa armada sempre foi feita com o objetivo de não criar desemprego.31
31. LIMA, João Filgueiras. Op. cit., p. 66-7.
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A questão da uniformidade Uma crítica recorrente ao sistema industrializado de construção é a questão da uniformidade. Estigmatizada pela monotonia nas soluções formais decorrentes principalmente do sistema de ciclo fechado, criou-se a falsa ideia de que a industrialização limita as possibilidades arquitetônicas, o que não é verdade. A crítica deve se dirigir aos edifícios construídos sob uma organização industrial que não exploraram a diversidade de composição possível pelo uso de partes padronizadas, e não à indústria. Nossas futuras casas não serão necessariamente produtos estereotipados como consequência da padronização e da pré-fabricação. A competição natural, no mercado livre, cuidará para que as partes de construção pré-fabricadas apresentem uma multiformidade tão individual quanto os artigos de consumo produzidos pela máquina, que hoje dominam o mercado.32
32. GROPIUS, Walter. Op. cit., p. 119.
Nada é mais dinâmico e mutável do que a indústria. Olhem um avião de 1900 e um avião de hoje, não é o mesmo, ainda assim ambos são industrializados. Você vai constatar que nada varia mais rapidamente do que a indústria. A mudança é quase anual. O vestido que você comprou no ano passado é diferente daquele que você vai comprar este ano: tratase de uma produção industrial. O carro que você compra este ano é diferente daquele que comprará no ano que vem. Há uma evolução permanente. Não obstante, fabricamse muitos automóveis, muitos vestidos de um certo tipo. Nós poderíamos fabricar muitas casas de certo tipo, e tenho certeza, caso a industrialização fosse bem compreendida, que pela força das coisas, pela busca da economia, pelo aprimoramento de determinado tipo, a casa do próximo ano seria diferente daquela do ano em curso... Ou seja, não há porque temer a uniformidade. A indústria deve permitir a renovação e, assim, a evolução arquitetônica.33 Nada é mais dinâmico e mutável do que a indústria. Olhem um avião de 1900 e um avião de hoje, não é o Apesar dos edifícios adotarem características próprias, geralmente seus sistemas são pensados de forma semelhante. As estruturas, por exemplo, costumam ser pensadas com módulos ortogonais regulares
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33. PROUVÉ, Jean in LAVALOU, Armelle. Conversas com Jean Prouvé. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2005, p. 40.
sem que os edifícios construídos dessa forma tenham como resultado uma identidade única. A variedade de possibilidades para as construções dependerá então da estratégia de industrialização, de forma que os componentes sejam flexíveis a ponto de não determinar o partido, a linguagem, a implantação e as soluções arquitetônicas. Assim, os diferentes sistemas, sejam estruturas, vedações, instalações, etc. poderão ser aplicados em diferentes projetos sem que estes fiquem limitados a uma única solução.
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Dificuldades no desenvolvimento de tecnologias Apesar de diversas associações, institutos e órgãos desenvolverem projetos de pesquisa na construção civil, é baixa a transferência dos conhecimentos acumulados para a cadeia produtiva. Muitos trabalhos que poderiam ser adotados e contribuírem para o avanço do setor acabam desperdiçados. O Programa de Inovação Tecnológica da Câmara Brasileira da Indústria da Construção buscou entender porque isso ocorre. As constatações apontam a falta de articulação e o distanciamento entre pesquisadores e a realidade dos canteiros e indústrias, sendo baixa a incidência de projetos que efetivamente podem gerar inovações e, assim, acabarem incorporados aos meios de produção. O desconhecimento de como atuam e funcionam as empresas e os profissionais dificulta o atendimento às reais necessidades da construção, faltando canais de diálogo e difusão. Por parte das empresas também falta saber o que as instituições de pesquisa fazem e as linhas de trabalho que poderiam gerar avanços, assim como dos órgãos de fomento tais quais FINEP, BNDES, etc.
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Além disso, a defasagem de normas e códigos de obra sem uniformidade básica (como por exemplo, a variação do pé-direito nos pavimentos) impedem a adoção de soluções inovadoras de projeto e tecnologias em larga escala para atuação nacional das empresas construtoras. Por último, falta uma maior participação e qualificação dos próprios projetos, onde muitas vezes os parâmetros de qualidade arquitetônica, ambiental e urbana acabam não incorporados e têm, consequentemente, sua viabilidade e aceitação no mercado da construção comprometidas.
Desafios a serem superados
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Vai se tornando claro que o atraso na industrialização da construção, apesar de ter de superar inúmeros atrasos técnicos, organizacionais e de regulação, tem sua raiz em interesses de ordem administrativa, econômica, política e social, e não na incapacidade de progresso tecnológico. Pensada apenas pelo viés econômico, a industrialização perde espaço para investimentos mais lucrativos (como o alcançado na incorporação de imóveis) e acaba negligenciada. Trata-se, porém, de um avanço muito mais do que econômico, pois representaria melhores condições de trabalho, melhor qualidade das edificações e menor impacto ambiental. Não se deve, porém, confundir racionalização com lucratividade, pois aqui não se trata apenas das necessidades econômicas, mas também sociais da população.34
34. GROPIUS, Walter. Op. cit., p. 199.
A dificuldade de controle do trabalho, dos custos e dos prazos de execução tem levado a um crescente processo de terceirização da construção, com a subcontratação de serviços específicos. Com melhores condições de controle do trabalho realizado, esse processo têm intensificado a subdivisão e uma fragmentação ainda maior no canteiro, onde muitas vezes a dificuldade de controle inicial reaparece sobre a dificuldade de controle dos diversos serviços prestados, anulando as vantagens inicialmente apontadas. Estas dificuldades demonstram o grau de desordem do processo construtivo, onde os ganhos com a racionalização de técnicas e materiais são desperdiçados se não houver organização do processo. Para que a racionalização construtiva se dê de fato, é necessário que esteja vinculada ao planejamento e organização do processo como um todo, e não apenas às etapas de obra. Na realidade brasileira, é comum encontrar em uma obra, que ainda assume a forma e a organização de manufatura, elementos industrializados. De materiais de base (cimento, aço, etc.), componentes (equipamentos elétricos e hidráulicos, caixilhos, blocos e lajes pré-fabricados, etc.) a complementos instrumentais (guinchos, betoneiras, etc.), sua incorporação não altera a condição da produção no canteiro. Mesmo as máquinas ainda não foram capazes de incorporar as qualidades e especificidades do trabalho manual a ponto de substituí-lo e superá-lo, impondo assim sua necessidade (como fizeram em outros setores). A maioria dos equipamentos utilizados, de britadeiras a guindastes e gruas, substitui apenas a força muscular do operário, mas não suas habilidades.
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As mudanças necessárias para o avanço técnico do setor partem de uma premissa: tecnologia, indústria, arquitetura e engenharia têm de estar intimamente ligadas. A lógica na industrialização é que para um processo de produção atingir sua máxima eficiência, todos os seus aspectos devem estar adequadamente organizados e integrados. Para desenvolver tecnologia é necessário que haja pesquisa, o que consequentemente requer que institutos, laboratórios, associações da construção e universidades se dediquem ao assunto. A articulação entre os mesmos é de suma importância para que a produção do conhecimento seja compartilhada e contribua sucessivamente em outros projetos. O desenvolvimento tecnológico ainda exige que sejam feitos ensaios e testes para a avaliação do desempenho e o aprimoramento técnico, aperfeiçoando as inovações produzidas. Os conhecimentos empíricos criados no próprio canteiro, adquiridos no dia a dia das construções, “testados” e “colocados a prova” nas mais diversas condições também devem ser considerados e podem contribuir nos resultados. Outro ponto que merece atenção são as especificidades relacionadas às diferentes condições climáticas. Deve haver componentes para controle passivo que contemplem os mais diversos climas, garantindo assim o conforto ambiental das edificações em qualquer região do país. O aspecto sociocultural também deve ser levado em consideração, sempre respeitando e se adequando ao local em questão. As construções devem permitir diferentes arranjos e configurações, com tipologias que incorporem os costumes tradicionais, além de contemplarem materiais da região. A pesquisa e incorporação das inúmeras especificidades regionais tende a enriquecer o sistema com um todo, permitindo que as potencialidades e benefícios possam ser compartilhados em qualquer construção, adaptando-se a qualquer condição sem interferir na identidade e nas características locais. Para que a industrialização tenha sucesso e seja aceita pelo mercado, deve proporcionar ganho em custo e qualidade em relação à construção convencional. Nesse sentido, a informalidade na contratação de mão de obra e na compra de materiais pouco industrializados gera uma vantagem tributária e logística de um canteiro de obras artesanal sobre o canteiro industrializado. Sobre o aspecto ambiental, apenas a redução nos desperdícios gerados já representaria um enorme avanço. Diversos estudos ligados à construção civil ainda apontam grandes perdas nos canteiros de obra.
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Além de onerarem e tornarem os serviços pouco produtivos, transformam recursos que poderiam melhorar a qualidade das construções em lixo, entulho e poluição. A construção civil é o maior consumidor de recursos naturais do planeta, apropriando-se atualmente de mais da metade da massa total dos materiais extraídos. Neste contexto, o desenvolvimento de sistemas construtivos que proporcionem uma redução do consumo de materiais, conhecida como o princípio da desmaterialização dos edifícios, pode ser uma estratégia para a redução do impacto que a construção civil exerce sobre o ambiente, e um passo em direção a uma economia mais sustentável.35 Por fim, é preciso desmitificar a ideia de que para se industrializar é preciso das mais sofisticadas tecnologias, equipamentos caríssimos e alta complexidade organizacional. É antes de tudo, um processo de racionalização e organização, que pode até ser alcançado com a implantação de pequenas mudanças em um sistema que já possua certo planejamento e ordenação. Aqui em nossa indústria, que não é nenhuma sofisticação tecnológica, temos processos dominados por qualquer indústria de construção civil. A nossa diferença é que integramos esses processos. E as pessoas trabalham integradas: arquitetos, engenheiros e todas as pessoas que atuam nos processos trabalham no mesmo espaço, integradas e com o mesmo objetivo.36
35. FONTENELLE, João Heitzmann. Sistema de fixação e juntas em vedações verticais constituídas por placas cimentícias. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 7.
36. LIMA, João Filgueiras. Entrevista por Bianca Antunes. Revista AU, ed. 175, Outubro de 2008, p. 66.
Lentamente começamos a descobrir que o componente social pesa mais que os problemas técnicos, econômicos e estéticos que se relacionam com eles. A chave para a reconstrução efetiva de nosso mundo-ambiente – eis a grande tarefa do arquiteto – reside na nossa decisão de reconhecer de novo o elemento humano como fator dominante. GROPIUS, Walter. Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 118.
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III. SISTEMA CONSTRUTIVO INDUSTRIALIZADO Proposta A proposta de um sistema construtivo industrializado, destinado principalmente a habitações de baixo custo, visa criar uma alternativa com menor custo de construção que seja capaz de combater o déficit habitacional de forma racionalizada e econômica, permitindo maior acesso a moradia digna. Conceber um sistema construtivo é pensar o projeto e o edifício pelo elemento construtivo, pela construção. Com isso é possível enxergar a construção como um processo e o projeto arquitetônico como um gabarito de obra. Com um sistema industrializado, o diálogo entre fábrica, canteiro e projetistas se torna uniforme, com um vocabulário comum. Embora isso já devesse ocorrer, o que se observa é que o distanciamento entre práticas e conhecimentos provoca uma profunda dificuldade de comunicação. O planejamento desse sistema deve partir de uma escala de produção economicamente adequada a sua demanda, o que significa garantir uma regularidade no fluxo de obras por certo prazo de tempo que permita amortizar os investimentos e formar de uma mão de obra qualificada. A aceitação pelo mercado estará condicionada aos ganhos proporcionados pelo sistema, desde que responda às exigências de qualidade, economia, eficiência e de sua capacidade de aperfeiçoamento e atualização. A viabilidade econômica fica dependente, então, da garantia de demanda em longo prazo. Para que a proposta contemplasse a diversidade climática, geográfica, econômica e social de um país com dimensões continentais, teve como premissa ser o mais aberto e flexível possível, seja na possibilidade de soluções espaciais quanto no uso de materiais. Deve ainda adaptar-se à disponibilidade de mão de obra, insumos e transporte de cada região. Todo o sistema foi planejado para uma construção a seco, sem o preparo ou aplicação de materiais na obra que exigissem cura. Assim, o processo de construção se resume a simples montagem dos elementos in loco, de forma rápida e segura, eliminando imprevistos e cumprindo prazos com precisão. Para que a etapa de obra seja apenas um processo de montagem, o edifício deve ser decomposto em componentes padronizados segundo um sistema de coordenação modular. Produzidos em unidades
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industriais com precisão, formarão uma biblioteca parametrizada que permitirá uma diversidade de aplicações, conforme as necessidades e intenções de projeto. Com os acabamentos já aplicados na fábrica, os componentes reduzem o lento processo feito manualmente nos canteiros, praticamente eliminando uma etapa de obra. Essas medidas já permitem reduzir consideravelmente o impacto ambiental de uma construção, com canteiros mais limpos e organizados, redução no descarte de materiais e entulho, possibilidade de reciclagem ou reutilização dos componentes, além de alcançar melhor qualidade do produto final.
Estrutura A primeira questão que surge ao planejar o sistema estrutural é o material a ser utilizado. Seguindo a diretriz de permitir um sistema com múltiplas possibilidades, foram elaboradas alternativas com uso de estruturas metálicas e em concreto armado. Assim é possível optar pela solução mais econômica caso a caso, sem que a variação nos preços de um material inviabilize o sistema como um todo. Como o sistema deve permitir soluções em altura, a utilização de madeira para as estruturas foi descartada. Apesar de possível sua utilização em soluções verticais, teria sua aplicação limitada por questões de segurança. Em termos de desempenho, o concreto armado apresenta inúmeras qualidades. Trata-se de um material totalmente plástico que permite a produção em máquinas e usinas com tecnologias relativamente simples, utilizando fôrmas reutilizáveis. Conta ainda com outras vantagens quando empregado adequadamente: é resistente ao fogo, apresenta pequena mudança de volume em consequência das variações de temperatura, não necessita de excessivos cuidados de manutenção e possui alta resistência à compressão. Como desvantagens não é bom isolante acústico, difícil de reciclar, complicado de modificálo depois de fundido além de ser um material pesado, onerando seu transporte. Essas complicações são, porém, relativamente fáceis de contornar. Já as estruturas metálicas têm como principal virtude a leveza alcançada, com peças em dimensões bem esbeltas que facilitam o transporte e a instalação. O processo de fabricação, apesar de ser mais complexo tecnologicamente, é de pleno domínio na indústria, atingindo precisão milimétrica e alta qualidade final. Permite ainda o reaproveitamento do material, evitando o seu descarte na natureza. Em contrapartida,
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as estruturas metálicas exigem cuidados contra agressões químicas e medidas de proteção contra incêndio. A maior limitação no uso dessas estruturas, porém, é em relação ao seu custo, o que para um país exportador de minério de ferro não deveria ser problema, muito menos apresentar custo superior ao de países que importam o material. As fundações exigem análise e cuidados específicos para cada edificação, de acordo com as necessidades do edifício, das condições topográficas, de solo e acesso de equipamentos e máquinas. Sua inserção em um sistema industrializado se daria com peças pré-fabricadas a serem solidarizadas com a superestrutura. Para o sistema proposto ser economicamente viável e combater o déficit rural e urbano, onde o alto custo do lote exige maior aproveitamento construtivo, deveria permitir tanto a construção de casas quanto de edifícios de múltiplos pavimentos. Para resolver o problema em um sistema único, com a mesma solução estrutural, reduzindo o número de tipos que justificaria uma escala de produção, seria necessário modular os pilares por pavimentos. Nos sistemas pré-fabricados convencionais estes possuem a altura total do edifício, sem secções, dificultando o transporte e instalação, além de não permitirem variações ou modificações, limitando assim sua aplicação.
Sistema pré-fabricado convencional - Conjunto Comandante Taylor (2010), Piratininga Arquitetos.
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Pilares em sistema pré-fabricado convencional: grandes, pesados e complicados de instalar - Conjunto Comandante Taylor (2010), Piratininga Arquitetos.
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O desafio que pilares modulares pré-fabricados impõem é como contraventá-los sem obstruir seu vão, impossibilitando aberturas como janelas e portas. A solução proposta foi a criação de vigas-pórtico com agulhas que, encaixadas nos pilares, travam o conjunto no sentido do seu comprimento, impedindo o giro e o consequente colapso. O travamento da estrutura em no mínimo dois sentidos horizontais feitos nos pilares e o travamento no plano diagonal com as lajes garante a estabilidade da estrutura. Com alternativas em concreto e aço, os pilares possuem um vazio onde se encaixará as agulhas das vigas-pórtico. No caso do pilar em concreto, uma chapa metálica inserida junto à concretagem da peça fará a transição com a viga, evitando seu desgaste. Deve-se ainda atentar para o recobrimento mínimo do vazio de inserção para que o pilar não apresente trincas e rachaduras. Estes podem ainda ter angulação variada, permitindo a flexibilidade de arranjos estruturais. Na ligação entre pilares deve-se prever elementos de transição que permitam o trabalho de dilatação da estrutura. As vigas-pórtico também em concreto ou aço terão sua agulha de inserção nos pilares em aço. No caso do componente estrutural metálico, o insert será uma continuação da alma da viga. Já na viga-pórtico em concreto, a agulha metálica será soldada à armação da viga a ser posteriormente concretada. Haverá ainda uma viga especial com aberturas verticais para passagem de instalações, a ser descrita a seguir. As lajes utilizadas serão pré-fabricadas alveolares, por possuírem alta resistência com baixa altura da peça, vencendo grandes vãos. Com o sistema proposto as estruturas funcionam de forma independente aos outros sistemas, seguindo uma modulação padrão e somente em casos especiais possuindo dimensionamento excepcional.
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Contraventamento que inviabiliza aberturas no plano estrutural.
Viga-pórtico com agulhas que substituem o contraventamento em “X”.
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Detalhe do encaixe da viga-p贸rtico nos pilares.
Viga-p贸rtico, insert de transi莽茫o e pilar em concreto armado.
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Detalhes do vínculo viga-pilar.
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Vista superior dos pilares em concreto armado.
Vista superior de uma viga biapoiada
Detalhe do contraventamento diagonal pelas lajes alveolares, impedindo a torção nos eixos estruturais.
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Pilar metálico, pilar em concreto armado, armadura do pilar em concreto e fôrma do pilar já com armadura pronta para a concretagem da peça.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Viga-p贸rtico em a莽o, armadura da viga-p贸rtico em concreto armado, detalhe da armadura na viga de concreto e viga-p贸rtico em concreto.
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
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Instalações Para permitir que as unidades habitacionais pudessem ter flexibilidade na disposição dos ambientes e fossem possíveis alterações em seu layout, as instalações hidráulicas, elétricas, de gás e telefonia deveriam ter fácil acesso às suas redes de fornecimento. Assim foram criadas vigas vazadas que permitem a passagem de shafts com as instalações, dispensando furos nas lajes. Com os shafts passando pelas vigas, ou seja, nos eixos estruturais, duas unidades compartilham a mesma prumada, racionalizando as instalações. Sem instalações nas lajes, estas passarão pelas paredes. No caso das instalações hidráulicas, as saídas de esgoto serão horizontais. As elétricas contarão com uma calha superior nas paredes, permitindo fácil acesso para manutenção. A iluminação poderá ser feita com arandelas ou através de forro no teto. Com isso o sistema permite facilidade para futuras ampliações ou alterações. Instalações de gás e telefonia seguem os mesmos princípios. No caso específico dos banheiros, que usualmente possuem rebaixo no piso, receberão uma placa de piso impermeável já com caimentos colocada sobre as lajes. Isso permite não só sua realocação sem qualquer mudança estrutural como garante sua estanqueidade, com uma soleira inclinada resolvendo o desnível. O compartimento de banho terá ainda um rebaixo no piso com escoamento horizontal da água até o ralo sifonado situado no shaft, contando, porém, com acesso para manutenção.
Detalhe dos shafts de instalações prediais sob parede.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Detalhe da viga-pórtico com vazios para passagem de instalações prediais
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
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Vedações, fachadas e caixilhos Com estrutura independente e shafts nos eixos estruturais, as unidades habitacionais contam com planta inteiramente livre. É desejável ainda que as habitações possam ser alteradas de modo a dar resposta à progressiva mudança das necessidades e aspirações dos moradores. Assim sendo, as vedações seguem a diretriz de permitir a flexibilidade de compartimentação e alteração futura, contando com sistema de vedações em placas cimentícias ou cerâmicas para paredes externas e em drywall para paredes internas. Elas serão fixadas, respectivamente, em perfis rígidos (por questões de segurança) e pontaletes (para permitir realocações). As placas têm como vantagem serem mais leves e de instalação mais rápida que paredes em alvenaria. Contarão em seu interior com materiais para melhor desempenho térmico e acústico (lã de rocha ou similar), garantindo conforto ambiental. Formular uma revisão dos critérios de projeto de habitação para o século XXI implica refletir, fundamentalmente, a consciência de mudança social. A composição das casas não é uniforme, nem a vida de um ser humano em particular, nem o conjunto da sociedade. Diferentes estilos de vida tornam obseleto o conceito de ‘família nuclear’ como componente majoritário e, portanto, a habitação deve ser projetada com respostas de máxima ambiguidade e versatilidade funcional, de maneira que possa abrigar a enorme variedade de estilos de vida e permitir maior capacidade de transformação.37
Detalhe da fixação de painéis cerâmicos de fechada, Rue de Meaux Housing (1987), Renzo Piano.
Os pontaletes são semelhantes aos utilizados no cimbramento de fôrmas de estruturas em concreto e dispensam furos e parafusos nas lajes. Permitem ainda a mudança na posição das paredes conforme a necessidade do morador, sem necessidade de reforma. Com poucas ferramentas e instalação simples, as vedações podem ser erguidas rapidamente.
37. MONTANER, Josep María; MARTÍNEZ, Zaida Muxí. Reflexiones para proyectar viviendas del siglo XXI. Disponível em: <http://dearq. uniandes.edu.co/articles/2010/ reflexiones-para-proyectarviviendas-del-siglo-xxi>. Acessado em 24 de setembro de 2013.
As fachadas também possuem tratamento livre, uma vez que também são independentes da estrutura do edifício. Com perfis apoiados nas lajes, podem ter seu revestimento especificado de acordo com as intenções de projeto, garantindo identidade própria ao projeto e adaptabilidade para soluções de conforto ambiental. Os caixilhos serão componentes modulares em acordo com a coordenação modular do sistema, facilitando sua aplicação e integração aos outros elementos. Visando melhorar o aproveitamento de espaço na área de serviço, foi proposto um módulo para secagem de roupa com ventilação permanente externo ao ambiente. 96
HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Detalhe do sistema de vedações com placas em drywall e pontaletes.
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
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Desenvolvimento e produção Após a etapa de planejamento, concepção, dimensionamento e análise funcional do sistema construtivo, seu desenvolvimento deve passar pela prototipagem em escala real para a avaliação do desempenho e qualidade da proposta. Nesta etapa é possível detectar e solucionar eventuais problemas de projeto. O sistema construtivo deve ainda atender as diretrizes do Sistema Nacional de Avaliação Técnica (SINAT), do Ministério das Cidades e comprovar desempenho satisfatório para todos os requisitos da Norma Brasileira de Desempenho (NBR 15.575/2008), entre eles segurança estrutural e ao fogo, conforto térmico e acústico, estanqueidade e durabilidade. Caso atenda as exigências, o sistema estará pronto para entrar em produção. O processo de fabricação dos componentes construtivos seria inteiramente em unidades industriais. As instalações para a produção das peças em concreto armado contariam com equipamentos mecanizados de preparo e moldagem, com cura por submersão em tanques. As armações também seriam preparadas por máquinas na oficina de metalurgia leve e depois posicionadas nas fôrmas para o preparo das peças. As estruturas metálicas seriam todas produzidas na oficina de metalurgia pesada, com equipamentos para corte, furação, soldagem, acabamento e aplicação de materiais de proteção térmica e de agentes químicos. As unidades industriais garantem maior produtividade e controle de qualidade dos componentes. Protegidas das intempéries mantêm sua produção durante todo o ano, realizando diversas operações específicas simultaneamente. Eventuais problemas em uma etapa não chegam necessariamente a interromper a cadeia de produção, sem comprometer prazos e causar prejuízos. Com alta mecanização são necessários poucos operários na fabricação, seja em pequena ou grande escala, além de melhores condições de segurança e baixo esforço físico.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Centro de Tecnologia da Rede Sarah (CTRS), Salvador, BA, idealizada por João Filgueiras Lima (Lelé) e exemplo de industrialização da construção no Brasil. Abaixo: oficina de pré-fabricados.
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Oficina de argamassa armada.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Detalhe da armazenagem da produção. Abaixo: oficina metalurgia pesada.
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Oficina de metalurgia leve.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Oficina de marcenaria e oficina de pintura.
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Perspectiva explodida do sistema construtivo proposto.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Diagrama das etapas de obra.
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
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Transporte e construção O transporte dos componentes do local de produção até o canteiro de obra deve ser feito pelo meio mais conveniente, seja ele caminhão, carreta ou mesmo vagões ferroviários, hoje em dia quase inexistentes no Brasil. Para isso devem-se considerar dimensões econômicas (prevista desde a concepção do projeto), os cuidados com a não deformação de peças esbeltas, a proteção das pinturas e os meios de cargas e descargas. As distâncias também têm de ser consideradas, uma vez que o custo do transporte pode inviabilizar a adoção do sistema. Sobre este aspecto também incide o planejamento do sistema de maneira global, com unidades de fabricação articuladas com fornecedores, sistemas de transporte e concentração da demanda. Uma vez resolvido o acesso e alocação de peças, máquinas e operários, pode-se começar a construção propriamente dita. Com componentes padronizados e já prontos para execução, sem a necessidade de ajustes ou adaptações, o processo construtivo se revela um processo de montagem. Exige para isso trabalhadores treinados, ferramental correto e sistemas de proteção contra acidentes. Após executadas as fundações, sobe-se rapidamente a superestrutura e o sistema de fachadas, permitindo que se trabalhe abrigado das intempéries. Em seguida são executadas as instalações e as vedações internas. O sistema também pode ser construído em etapas, com ampliações que não descaracterizam a obra. As vantagens do sistema construtivo continuam mesmo com a edificação já concluída. Por serem industrializados os componentes podem ser facilmente substituídos, simplificando manutenções, reformas ou alterações. Há ainda a possibilidade de desmontagem e reconstrução em outro lugar, assim como o reaproveitamento de qualquer material que já compõe uma edificação.
Os operários na industrialização Ao empregar grande número de trabalhadores com baixa qualificação, a construção com técnicas manufatureiras faz o emprego no setor ser de poucas garantias. O fim de uma obra ou qualquer mudança econômica que afete os investimentos na construção desemprega grande contingente de trabalhadores.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Na industrialização, equipes reduzidas tendem a valorizar a participação e a experiência dos trabalhadores, reduzindo a rotatividade da mão de obra. Com a mecanização substituindo o esforço físico do operário, variações na escala de produção não chegam a alterar o quadro de funcionários como na manufatura, tornando os empregos mais estáveis. O trabalhador passa a ser responsável pelo controle e operação dos processos de fabricação, substituindo o esforço braçal pelo trabalho intelectual. Essas mudanças pressupõem profissionais mais qualificados e preparados. Apesar de teoricamente proporcionar melhores condições de trabalho, a exploração da mão de obra pode ocorrer tanto na manufatura quanto na indústria, tanto no canteiro quanto na fábrica. Condições dignas de trabalho não são determinadas pela tecnologia, mas pelos próprios homens. Sendo assim, a única garantia de respeito aos direitos dos trabalhadores se fará com uma legislação justa e a devida fiscalização do seu cumprimento.
Habitação Universal A moradia adequada foi reconhecida como direito humano fundamental em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Segundo a ONU, mais do que um teto e quatro paredes, a moradia deve assegurar abrigo, segurança (inclusive no que diz respeito à posse), conforto e um padrão de vida adequado. Sua área e a quantidade de cômodos têm de ser condizentes com o número de moradores, a um custo acessível que não comprometa o orçamento familiar. Deve ainda estar localizada onde haja disponibilidade de infraestrutura, transporte, serviços e equipamentos públicos. No Brasil, a habitação é garantida constitucionalmente como direito e condição de cidadania. Convencionou-se chamar de Habitação de Interesse Social (HIS) a destinada à população de baixa renda, divididas em faixas que variam de acordo com o programa habitacional ou com a legislação municipal. O recém-aprovado Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo define que as HIS são divididas em duas: uma destinada a famílias com renda familiar mensal de até 3 salários mínimos (atuais R$ 2.172,00), e outra para famílias com renda entre 3 e 6 salários mínimos (atuais R$ 4.344,00). Já as Habitações de Mercado Popular (HMP) são destinadas a famílias com renda de 6 a 10 salários mínimos (atuais R$ 7.240,00). Na definição do programa Minha Casa Minha Vida, anterior à revisão do PDE de São
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
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Paulo, os empreendimentos para a primeira faixa (ou seja, para HIS) destinam-se a famílias com renda de até 1600 reais, enquanto os empreendimentos produzidos para a segunda faixa, a famílias com renda de até 3275 reais. Há ainda uma terceira faixa para famílias com renda de até 5000 reais. Ao invés de procurar qualificar as habitações para a baixa renda com requisitos mínimos a serem cumpridos, as definições de “interesse social” e “mercado popular” impõem uma série de limitações aos projetos. Com restrições máximas para sanitários e área das unidades, as soluções ficam completamente limitadas e incapazes de atender às diferentes formações familiares, impedindo que famílias com mais de 5 membros sejam contempladas adequadamente. A habitação básica deve ser entendida como aquela que, além de atender com as qualidades mínimas e suficientes de habitabilidade, oferece uma mínima capacidade de adaptação. Ou seja, é uma habitaç ão que permite a evolução e modificação do seu espaço, aumento do número de habitantes, adaptação a diferentes tipos de famílias e mudanças dentro de uma mesma família, assim como mudanças das formas de vida das pessoas que a habitam.38
38. MONTANER, Josep María; MARTÍNEZ, Zaida Muxí. Op. cit.
As exigências deveriam ser pautadas pelo mínimo necessário para que as moradias apresentassem qualidade projetual e urbana, de forma a não haver qualquer tipo de distinção social ou econômica. O próprio conceito de “interesse social” se torna equivocado ao impor limitações que condenam a baixa renda unicamente a soluções mínimas, não existe habitação de interesse “não social”. Com as mesmas necessidades, um modelo inclusivo deve partir do princípio de habitação universal capaz de atender a todos, quebrando o paradigma de que não é possível produzir moradias melhores para a baixa renda. Ao mesmo tempo, temos o direito de perguntar “por que” a moradia deve ser o mais barata possível, e não, por exemplo, relativamente cara; “por que”, em vez de fazer todo esforço possível para reduzi-la a níveis mínimos de superfície, de espessura, de materiais, não deveríamos tentar torná-la espaçosa, protegida, isolada, confortável, bem equipada, rica em oportunidades de privacidade, comunicação, intercâmbio, criatividade pessoal. Ninguém, na verdade, pode dar-se por satisfeito com uma resposta que apela para a escassez de recursos disponíveis, quando todos sabemos o quanto se gasta nas guerras,
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
na construção de mísseis e sistemas antibalísticos, nos projetos de exploração da Lua, nas pesquisas voltadas para o desfolhamento das florestas habitadas por guerrilheiros e na imobilização dos manifestantes saídos dos guetos, na persuasão secreta, na invenção de necessidades artificiais, etc.39 Vista muitas vezes apenas como uma questão quantitativa e econômica perde-se a dimensão e o impacto urbano que a moradia popular tem nas cidades. Além do déficit habitacional, se for considerada a parcela da população que integra a faixa popular pode-se imaginar a escala e a importância do segmento. Para que os reflexos dessa produção não reproduzam o mesmo urbanismo segregador e excludente, devese abandonar o modelo de conjuntos habitacionais isolados e fechados, favorecendo a permeabilidade urbana e usos mistos que incorporem comércio e serviços. Essas medidas permitem a fruição do espaço público, além de garantir maior segurança, redução nos deslocamentos e o desenvolvimento da economia local.
39. DE CARLO apud FRAMPTON, Kenneth. História crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 338.
A habitação universal não deve ser pautada simplesmente pela quantidade de unidades, mas como parte da construção da cidade. Os fatores econômicos também não podem ser impeditivos para que a população tenha acesso à moradia, assim como a política de menor custo não é capaz de promovê-la adequadamente. Se os programas habitacionais direcionarem corretamente os investimentos e qualificarem a produção das moradias, no futuro teremos cidades mais igualitárias. Assim, as políticas habitacionais não devem ser consideradas apenas de um ponto de vista economicista, mas simultaneamente como meio de construção de um ambiente físico e de um marco favorável à vida em sociedade, longe de atuações oportunistas que buscam apenas oferecer “abrigo”, solucionar “necessidades mínimas” ou “básicas”.40
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
40. JÁUREGUI, Jorge Mario. Os porquês de nossos problemas habitacionais e os caminhos para a solução. Disponível em: <http://au.pini.com.br/arquiteturaurbanismo/126/habitacaovi-23199-1.aspx>. Acessado em 23 de março de 2014.
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São Remo
Como forma de demonstrar a aplicação, as qualidades e potencialidades do sistema construtivo proposto, foi elaborado o estudo de um conjunto habitacional para realocar as famílias em área de risco da Comunidade São Remo, na zona oeste de São Paulo.
41. Diferentes fontes divergem sobre a posse da área. Uma delas afirma que a área integra a gleba desapropriada pelo Estado para a criação da Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira e que pertence à USP. Outra fonte afirma que parte do terreno pertence ao Tesouro do Estado e que não chegou a ser transferido para a universidade. Há ainda um mapa da SEHAB que aponta alguns lotes particulares.
Localizada no encontro dos bairros do Butantã, Rio Pequeno e Jaguaré, seu surgimento se dá ainda na década de 1960 como moradia a trabalhadores humildes do recém-inaugurado campus da capital. Ocupando terreno do Estado41, o crescimento da comunidade se deu junto ao da vizinha USP chegando, segundo estimativas, a 2.000 domicílios nos 75 mil metros quadrados da área. Muito próxima do conhecimento e ao mesmo tempo muito distante, há diversos indicadores de precariedade, como habitações improvisadas, coleta de esgoto parcial, alta densidade habitacional, baixa segurança contra incêndio e circulações inadequadas em caso de emergência. Há ainda a ocupação de área de risco sobre córrego com esgoto a céu aberto, identificada pelo IPT com alto risco de solapamento. Em busca de informações sobre possíveis projetos de urbanização para a área, nenhum projeto oficial foi encontrado. Em relatório da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), a região tem previsão de urbanização apenas para 2021, porém, como a área pertence ao Estado, caberia a ele essa responsabilidade. Uma fonte afirmou que em 2011 a reitoria da universidade chegou a iniciar um estudo para a urbanização da área em conjunto com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), órgão estadual, porém divergências com a comunidade e restrições orçamentárias acabaram paralisando o projeto. A urbanização de um assentamento precário deve ter como objetivo integrá-lo a cidade oficial, dotá-lo da infraestrutura urbana necessária e qualificá-lo como ambiente construído que propicie o desenvolvimento do individuo em sociedade. Assim a urbanização da área não garantiria apenas melhores condições de vida para seus moradores como também teria reflexos para a cidade e seu entorno, divergências não podem impedir o andamento de um projeto dessa importância. As restrições orçamentárias também não podem ser utilizadas como argumento uma vez que há programas e investimentos federais para provisão de infraestrutura e moradia, além de recursos estaduais e municipais. A área ocupada já foi demarcada como Zona Especial de Interesse Social 1 pelo Plano Diretor Estratégico. ZEIS 1 são áreas caracterizadas pela presença de favelas, loteamentos irregulares e
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
empreendimentos habitacionais de interesse social, e assentamentos habitacionais populares, habitados predominantemente por população de baixa renda, onde haja interesse público em manter a população moradora e promover a regularização fundiária e urbanística, recuperação ambiental e produção de Habitação de Interesse Social. É ainda vizinha de outro terreno do Estado, plano, desocupado, pouco vegetado e demarcado no projeto de lei do PDE como ZEIS 2, ideal para ocupação. ZEIS 2 são áreas caracterizadas por glebas ou lotes não edificados ou subutilizados, adequados à urbanização e onde haja interesse público ou privado em produzir Empreendimentos de Habitação de Interesse Social. A proposta prevê utilizar este terreno, entre o 16º Batalhão da Polícia Militar e a prefeitura do campus, como área de intervenção. Nele seriam construídos edifícios habitacionais com uso misto e o atendimento da demanda por espaços e equipamentos públicos, com a criação de uma praça, centro comunitário e um centro de educação infantil. As unidades habitacionais seriam destinadas prioritariamente para realocação das famílias removidas da área de risco, permitindo mantê-las na mesma região. O programa se organiza em torno da praça central, articulando as áreas livres e o espaço público. Na parte norte está o Centro de Educação Infantil, junto à vegetação existente a preservar, e na parte sul está o Centro Comunitário. Um novo acesso foi criado com a abertura de uma rua ligando a Avenida Escola Politécnica e a Avenida São Remo, com um passeio público fazendo a transição com os cinco edifícios da parte oeste. Na parte leste estão mais dois edifícios, um deles com abertura direta para a praça. O partido de projeto visa ainda à requalificação ambiental da área, com a preservação da mata nativa e a renaturalização do córrego e da encosta que foram ocupados pelas famílias relocadas, arborizando a área de proteção permanente nas margens do curso d’água e assim evitando o processo de erosão, solapamento e assoreamento. O desenvolvimento da proposta não contou com o processo participativo por ser inviável a sua realização no período deste trabalho. Mas se faz importante ressaltar que um projeto de urbanização deve ouvir e ser feito em conjunto com a comunidade, sem o qual jamais obterá sucesso e alcançará seu objetivo final. Deve ainda ser acompanhado de pesquisa e levantamento de dados para o atendimento de necessidades específicas locais.
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
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42. DELIJAICOV, Alexandre. A construção coletiva do lugar. Disponível em: <http:// escoladacidade.org/bau/alexandredelijaicov-construcao-coletivalugar/>. Acessado em 12 de outubro de 2014.
Temos que fazer um exercício no âmbito coletivo de construir a arquitetura da cidade que interessa, que é a arquitetura do encontro, da convivência, da confiança em contraposição a um tipo de arquitetura ou urbanismo que é do desencontro, da desconfiança e do medo.42
Edifício Partindo de uma modulação de 1,25 metro e eixos estruturais espaçados em 7,5 metros, os edifícios habitacionais se dividem em blocos com 2 módulos. O térreo foi destinado a unidades comerciais com abertura direta para o passeio público, ou ainda a unidades acessíveis quando no interior do lote. Os 4 pavimentos superiores são destinados às unidades habitacionais, interligados por uma passarela apoiada em somente um eixo de pilares. Centralizada ao edifício se encontra a circulação vertical, com espaço destinado à instalação da caixa de elevador. A configuração em lâmina com abertura nas duas fachadas favorece a insolação e ventilação naturais, garantindo melhores condições de conforto ambiental e eficiência energética. A orientação predominante dos edifícios no eixo norte-sul permite melhor aproveitamento da luz natural, assim como a varanda em balanço funciona como brise-soleil e permite maior abertura para ventilação. As estratégias de sustentabilidade ambiental preveem o reuso de águas cinzas e a captação de águas pluviais. Na cobertura ainda há captação de energia solar e terraço jardim, reduzindo a incidência térmica e aumentando a taxa de permeabilidade.
Unidade habitacional A principal diretriz no desenho das unidades habitacionais foi permitir flexibilidade de arranjos e de compartimentação. Elas foram planejadas de forma modular, onde o acréscimo de módulos permite o aumento do número de dormitórios. Com isso foi possível o desenho de unidades de um, dois, três dormitórios e kitchenette com um mesmo módulo estrutural. Essa segmentação atende famílias de 1 a 7 membros, com área mínima por habitante entre 12,2 e 16 metros quadrados. Sua organização permite ainda que a combinação das unidades seja variável, sendo possível um pavimento conter todas as configurações e, assim, formar edifícios que atendem precisamente a demanda.
112
HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
Com áreas entre 32 e 85 metros quadrados, todas as unidades possuem desenho universal, permitindo acessibilidade, conforto e segurança a toda e qualquer pessoa. Os cômodos foram planejados para oferecer mais do que o simples abrigo, mas também como espaços que propiciem privacidade e bemestar nas diversas atividades realizadas. Podem também ser alterados conforme a vontade dos moradores, sem interferência na estrutura do edifício. Todas as unidades possuem varanda.
Custos A uma proposta de sistema construtivo caberia uma avaliação de custos que comprovassem seus ganhos econômicos. Para isso seriam necessários parâmetros de cálculo referentes ao sistema proposto, e não os utilizados nos sistemas convencionais, sem os quais não se alcançariam resultados precisos ou confiáveis e se chegaria apenas a especulações. Entre eles estariam dados de produtividade, porte da fábrica, tempo de fabricação dos componentes, distância entre fábrica e canteiro, tempo de construção, entre outros. A escala de produção é outro fator importante para a questão, quanto maior mais econômica se torna. Mesmo com muitas variáveis é razoável afirmar que seria possível reduzir os custos da construção, sobretudo pela industrialização ser um processo de organização e racionalização do processo produtivo. As tecnologias empregadas já são de pleno domínio da indústria, assim como os materiais utilizados. O sistema proposto é plenamente capaz de reduzir de forma significativa prazos e desperdícios, além de aumentar a produtividade da construção. Quem presta o serviço procura se cercar de garantias, de melhores condições de aferição, procura ter um orçamento confiável. É interessante que o custo do metro quadrado da construção é uma composição de preços, de grandes monopólios como o vidro, o aço e o cimento, mais o valor da mão de obra. A nossa atividade então, não apenas por um critério ético, mas econômico também, tem um compromisso de lutar pelo fim da desigualdade social, que nos afeta negativamente de muitos modos: seja na qualidade da obra, na responsabilidade de cada um dos agentes envolvidos no processo e no que ela deforma o custo da construção.43
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
43. BUCCI, Angelo. Entrevista por Evelise Grunow. Projeto Design, ed. 408. Disponível em: <http:// arcoweb.com.br/projetodesign/ entrevista/entrevista-angelo-bucci>. Acessado em 10 de março de 2014.
113
ANÁLISE TERRITORIAL | SÃO REMO
APLICAÇÃO | PROPOSTA
B
N
GALPÕES DA PREFEITURA DO CAMPUS
USP
748.2
ÁREA DESTINADA PARA CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL
A
CNIC A
A
PRAÇA
LITÉ
727.2
736.5
ÃO
AV. E S
.S AV
COL
A PO
COMUNIDADE SÃO REMO
MO
RE
VEGETAÇÃO NATIVA A MANTER
A
D TA
A
VI
IMPLANTAÇÃO DO CONJUNTO
JE RO
P
VEGETAÇÃO NATIVA A MANTER
ESCALA 1:1250 10
5
0
10
30
B GALPÕES DO 16º BATALHÃO DA POLÍCIA
MILITAR
N
GALPÕES DA PREFEITURA DO CAMPUS
USP
COMUNIDADE SÃO REMO
6
6 6
6
6
6
6
6
6
6
4
5
6
6
5
ÃO
.S AV
5
MO
RE
5 4
3
2
2
1
2
2
2
PRAÇA
IMPLANTAÇÃO SUPERIOR ESCALA 1:500 10
5
0
10
3
736.5
2
1
2
2
1 2 3 4 5 6
ACESSO EDIFÍCIO UNIDADE COMERCIAL BICICLETÁRIO ESTACIONAMENTO CIRCULAÇÃO VERTICAL UNIDADE HABITACIONAL
N COMUNIDADE SÃO REMO
VIA PROJETADA
736.1
PASSEIO
1
PRAÇA
2
733.9
7
3
4
O EM
2
2
R ÃO .S AV
2
2
1
5
IO
736.1
E SS PA
3
7
5
2
4
734.3
4
2 1
733.5
5
1 2 3 4 5 6 7
ACESSO EDIFÍCIO UNIDADE COMERCIAL BICICLETÁRIO ESTACIONAMENTO CIRCULAÇÃO VERTICAL UNIDADE HABITACIONAL CENTRO COMUNITÁRIO
4
ESCALA 1:500 10
5
0
10
4
VEGETAÇÃO NATIVA A MANTER
6
IMPLANTAÇÃO INFERIOR
4
5
6
6
6
6 6
2
3
2
CORTE AA ESCALA 1:500 10
5
0
10
CORTE BB ESCALA 1:500 10
5
0
10
B 1
1
7.50
7.50
A
7.50
1.25
7.50
-0.10
3
2
2
4
5
7
7.50
1.25
7.50
7.50
2
A
2
4
0.00
5
6 7
0.79
EDIFÍCIO TIPO PLANTA PAVIMENTO TÉRREO 2
1
0
2
5
10
1 2 3 4
8
B
ESCALA 1:200
PASSEIO PÚBLICO UNIDADE COMERCIAL ACESSO EDIFÍCIO BICICLETÁRIO
1.25
5 6 7 8
ESTACIONAMENTO CIRCULAÇÃO VERTICAL ESTAR SOCIAL RUA INTERNA
B 50.00 15.00 1.25
15.00
7.50
7.50
1.25
15.00
7.50
7.50
1.25
7.50
7.50
1.25
1.25
3.50 3.50 2.37
3.67
2.95 3.52
4.04 4.24
4.24
3.50
5.31
3.50
3.05
3.50
6.80
3.05
7.19
3.50
3.50
3.52
1
1
2.25
2.40 3.52
1.64
3.59
3.50 2.36
2.25
2.25
1.64
2.25
2.25
1.72
2.40
3.50
1
2.25
2.34
2.25
4.375
2.50
2.25
1
1.25
2.25
3.50
1.64
1.25
3.52 1.25
2.25
2.83
14.375
2.25
1 2.40
1
1.64
1
2.25
2.25
1.09
2.40
1.72
10.00
A
7.50
2.25
2
1.875
2 3.75
7.50
1.25
3.75
2.50
2.50
18.75
3.75
1.25
7.50
15.00
1.875
3.75
1.875
3
1.875
3.75
1.875
TIPOLOGIA DAS UNIDADES
B
7.50
EDIFÍCIO TIPO PLANTA PAVIMENTO TIPO ESCALA 1:200 2
1
0
2
5
10
ESPAÇOS E FUNÇÕES
1 UNIDADE HABITACIONAL 2 CIRCULAÇÃO 3 CIRCULAÇÃO VERTICAL
A
B
A
1 2 3
4
1
14.09
B
A
10.00
50.00
EDIFÍCIO TIPO COBERTURA ESCALA 1:200 2
1
0
2
5
10
1 2 3 4
COBERTURA VERDE PAINEL SOLAR CAIXA D’ÁGUA ALÇAPÃO DE ACESSO
0.80
2.50
2.70
14.09
2.50
2.70
11.40
2.50
2.70
8.71
2.50
2.70
6.02
3.12
3.32
3.32
-0.10
CORTE AA ESCALA 1:200
5
10
11.71
2.50
2.70
11.40
9.02
2.50
8.71
6.33
2.50
6.02
3.64
3.32
3.12
0.79
14.09
2.50
2.70
0.80
2
2.70
0
2.70
1
3.32
2
-0.10
CORTE BB ESCALA 1:200 2
1
0
2
5
10
C
1
1
4
1 1
4
1
1
1
1
1 1
1
1
C
2 3
3
EDIFÍCIO PRAÇA PLANTA DO 2º PAVIMENTO
1 2 3 4
ESCALA 1:400 2
0
4
10
C
4
UNIDADE HABITACIONAL CIRCULAÇÃO CIRCULAÇÃO VERTICAL ESTAR SOCIAL
1
1
1 1
1
1
1
1
1
1
4
1 1
4
3
EDIFÍCIO PRAÇA PLANTA DO 4º PAVIMENTO ESCALA 1:400 4
2
0
4
10
C
2 3
1 2 3 4
UNIDADE HABITACIONAL CIRCULAÇÃO CIRCULAÇÃO VERTICAL ESTAR SOCIAL
0.80
2.50
2.70 11.71
14.09
2.70
11.40
9.02
2.70
5.20
8.71
6.33
3.64
3.12
3.32
3.32
0.79
2.50
2.70
6.02
-0.10
CORTE BB ESCALA 1:200 2
1
0
2
5
10
B 15.00 7.50
7.50
3.50
6
3.50
1
4
3.50
1
2.40
1.72
7.50
10.00
3.05
4
A
5 5
2.25
2.25
3.52
2
4
4
PLANTA DAS UNIDADES DE 2 DORMITÓRIOS ESCALA 1:75 1
0.5
0
1
2.5
2.25
3.50
B
2.25
3.50
1.64
3
1.25
3
1 2 3 4 5 6
SALA DE ESTAR COZINHA ÁREA DE SERVIÇO DORMITÓRIO BANHEIRO VARANDA
2.83
2
1.25
A
3.05
3.50
6
6.80
6
7.19
1.25
6
15.00 7.50
7.50 3.50
1.25
6
6
6 2.95
3.50 2.37
3.67
4.24
4.04
4
3.52
1
4
4
2.24
2.40
1.09
2.25
7
7.50
5 2.40
10.00
2
5 4 3.59
2.25
2 3.50
6
2.25
PLANTA DAS UNIDADES DE 1 E 3 DORMITÓRIOS ESCALA 1:75 0.5
0
1
2.5
2.25
2.34
1.64
3 2.36
1.64
1.25
3
1
3.52
1
2.25
1 2 3 4 5 6 7
SALA DE ESTAR COZINHA ÁREA DE SERVIÇO DORMITÓRIO BANHEIRO VARANDA LAVABO
15.00 7.50
7.50
4
6.80
3.05
3.50
6
6
3.50
3.50
4.24
6
5.31
1.25
6
1
3.50
2.40
7.50
10.00
2
2
5
1.15
2.25
2
2.25
2.25
1.72
4
3.50
PLANTA DAS UNIDADES DE 2 DORMITÓRIOS E KITCHENETTE ESCALA 1:75 1
0.5
0
1
2.5
2.25
1.25
1.64
3
1.25
3 3
2.25
2.25
1 2 3 4 5 6
1.64
2.83
5
1.78
5
SALA DE ESTAR COZINHA ÁREA DE SERVIÇO DORMITÓRIO BANHEIRO VARANDA
2.50
CORTE AA ESCALA 1:50 0.5
0
1
2.50
1
CORTE BB ESCALA 1:50 1
0.5
0
1
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
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LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
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Porque não é pela utopia que as coisas devem ser criticadas, mas pela impossibilidade de as utopias serem realizadas. Vilanova Artigas. Um lugar à utopia, 1975.
148
HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS O desafio habitacional Um dos grandes desafios das políticas habitacionais do país é recuperar o atraso no acesso à moradia. Mais de 10 milhões de habitações apresentam algum nível de precariedade, de área insuficiente a aluguel elevado, além de uma demanda futura bastante expressiva. E não se trata apenas das famílias que serão formadas, porque embora as taxas de crescimento demográfico no Brasil venham diminuindo, a necessidade de habitações continua crescendo. O motivo é o encolhimento das famílias, o crescimento da população jovem e o aumento na expectativa de vida. O Plano Nacional de Habitação identificou a necessidade de se construírem 31 milhões de unidades em 15 anos, o que corresponde a mais de 2 milhões de moradias por ano. O atendimento dessa demanda exige o desenvolvimento de novas tecnologias e uma produção em escala. Impressionam também os números de imóveis vazios ou desocupados, que contribuiriam significativamente na redução da demanda caso fossem utilizados. Mas o problema não se resume somente às unidades habitacionais, como também qualificar o ambiente construído, prover infraestrutura e melhorar a vida no campo e nas cidades. Passa ainda pela melhoria nas condições de trabalho na construção civil, com mais segurança, estabilidade e garantias. O modesto avanço no setor da construção não se deve a dificuldades técnicas. Embora o país invista muito pouco em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias, há capacidade e espaço para progresso. Também não faltam recursos, vide os investimentos realizados por programas federais como o PAC44, a questão se mostra fundamentalmente de ordem política e econômica.
44. Somente o PAC 2 (2011-2014) teve investimentos superiores a 870 bilhões de reais. Fonte: 10º balanço do PAC 2. 45. MARICATO, Ermínia. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com. br/cotidiano/2014/09/1521614projeto-de-moradia-provisoria-podeser-usado-em-sp-diz-arquitetojapones.shtml). Acessado em 01 de outubro de 2014.
Enquanto o lucro das construtoras vier da valorização de terrenos, e não da produção, elas não vão investir na racionalização da construção.45
LUIZ FELIPE AMADO DA CUNHA
149
O que faltaria então para a construção civil brasileira se industrializar? Ser mais econômico promover a industrialização do que empregar as técnicas manufatureiras atuais. Foi o que ocorreu, por exemplo, na França do pós-guerra, onde a escassez de trabalhadores se tornou um estímulo para a mecanização do processo produtivo. A formação de mão de obra especializada foi considerada uma alternativa impraticável seja pelos motivos de tempo e custos necessários, como também por haver uma tendência de extinção desse tipo de trabalho nas indústrias de tecnologia mais avançada. Entendia-se ser anacrônico investir em um modelo de baixa produtividade que resultaria mais em um artesanato de luxo do que em uma produção abundante e econômica. A economia como decorrência da quantidade só pode ser obtida pelo trabalho mecanizado, em série e em indústrias. Fica claro também que seriam necessários incentivos na esfera federal que fomentassem o setor como um todo, não apenas ações e grupos pontuais. Além disso, deveria haver o esforço na consolidação de um sistema único e eficiente de coordenação modular, investimentos em pesquisa e formação de mão de obra e ainda melhorias na infraestrutura dos transportes de carga. Quanto mais for adiado o desenvolvimento da construção mais difícil e cara será a reversão do problema habitacional, com um custo social e ambiental altíssimo. Neste contexto, a proposta de um sistema construtivo industrializado serviria como um instrumento capaz de reduzir os custos de construção, traçando um caminho para tornar a moradia economicamente mais acessível e assim ser possível democratizá-la. Se você não tiver uma fundação ética, que tem como estacas: a sua dimensão humanista, social, pública e coletiva, seja arquiteto, seja médico, seja advogado, não vai pra lugar nenhum.46
46. DELIJAICOV, Alexandre. Op. cit.
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HABITAÇÃO, TECNOLOGIA E CONSTRUÇÃO
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