LUIZ FERNANDO BUENO
MEMÓRIAS DO TRECHO
SÃO PAULO 2014
Parte I – FUI À BONSUCESSO E LEMBREI-ME DE VOCÊ 02 JUL 2014 – Quarta-Feira – Às 9h da manhã coloco em minha mala uma imagem de São Benedito embrulhada num papel para não quebrar, doada por minha amiga Lilian Vogel e uma corrente dourada com coração e chave que encontrei no ano passado em Migrar (2013), trabalho que envolvia ir à pé até São Paulo com uma mala cheia de terra de minha cidade. Saio de minha casa em Nazaré Paulista-SP seguindo pela Rua Cel. Benedito Bueno, sentido rodoviária. Na rodoviária encontro o primeiro objeto, uma rodinha de rolimã, logo, tenho a certeza de ser um objeto digno de pegar, pois, remeteu-me à infância, quando andava em carrinhos de rolimã dando cavalinhos de pau por terras nazareanas. Peguei o objeto e começou aqui o raciocínio do por que pegar um objeto, eu tinha que imaginar a história desse objeto, criar simulações na minha cabeça de como aquele objeto foi parar ali ou que ele ativasse alguma memória em mim. Guardei a rodinha dentro um saco com fechamentos por cordinhas. Adoro cantar músicas do Belchior na estrada e sem ninguém por perto, solto a voz. Caminho pela Estrada Juvenal Ponciano, estrada conhecida por “Estrada Guarulhos Nazaré Paulista”, pois, liga essas duas cidades. Logo em seu início, recebo uma ligação de Antonio Oliveira, sujeito carismático e brincalhão, contato que a Lilian Vogel de Atibaia indicou-me para conseguir informações sobre Bonsucesso, bairro de Guarulhos-SP. “Haha! Onde você está rapaz? Chega hoje em Bonsucesso?”, pergunta Antonio. “Não, vou até a Tapera Grande hoje.” “Haha! E tem lugar para dormir?” “Tenho duas amigas que moram lá, mas, não há certeza de lugar para dormir, qualquer coisa eu acampo. Tenho saco de dormir e isolante térmico.” “Haha! Tem o sítio de um vereador que mora lá...” “Acho melhor não, que não tenho contato com ele.” “Haha! Tenho um amigo que mora lá. Ele é cozinheiro na Festa da Carpição em Bonsucesso, vou ligar para ele e depois te ligo.” “Tá certo!” Continuei a andar. Mando mensagens para os amigos informando minha localização. Os contrastes de cores da vegetação no período de inverno é algo que me atrai e que viabiliza boas imagens. Árvores sem folhas no capim ressecado pela falta de chuva. O sol é muito quente e a sombra muito fria. Caminho por esta estrada de muitas montanhas e matas. Antonio liga novamente.
“Haha! Luiz, falei com o Válter, ele disse que se não arrumar lugar para dormir que pode ligar para ele, que ele vai te arrumar um canto. Ele trabalha com lenha e mora bem no início da vilinha da Tapera Grande.” “Tá ok, vou tentar falar com ele.” “Haha! Que horas você chega amanhã?” “Acho que lá pelas três horas da tarde.” “Haha! Se der certo, vou te esperar na chegada.” Estrada com muitas curvas, porém, de terreno plano, porém cujo acostamento é apenas de grama ou por vezes não tem. O sinal do celular está fraco e por vezes é inexistente. No Bairro do Itinga, a bota que calço começa a pegar meu pé e resolvo colocar o chinelo. Passo vaselina nos pés para não criar atrito com o calçado e também para aliviar as dores. Sinto a diferença de imediato, embora já tenha usado em Migrar por indicação de uma amiga, percebo nesse instante sua real eficácia. Enquanto estou ali, um senhor me observa durante um longo tempo. Visto uma camisa de risca de giz e uma calça verde. No pulso esquerdo está amarrada uma fita vermelha de Nossa Senhora Aparecida. Comprimento o senhor, mas, ele não me responde. Os carros cumprimentam buzinando e eu aceno. Caminho beirando a represa e observo o quanto seu nível baixou pelas bordas de terra que a margeia. Vez ou outra, fumo um L&M azul e tomo um gole de Velho Barreiro que sobrou da viagem de Migrar. Paro no bar da ponte do Itinga, tomo uma Coca lata e como um salgadinho Torcida sabor pimenta verde, meu favorito. Passei por esse bar na última viagem também. Atravesso a ponte e passo a saída para Mairiporã, por onde fui da outra vez. Sigo reto, pois meu destino é Guarulhos, daqui para frente, é um caminho que nunca andei a pé. Encontro um novo objeto no gramado à beira pista, é uma blusa de moletom vermelha, com zíper e touca. Coloco-a numa sacola, pois, está um pouco suja. Enrosco-a na corda-elástica atrás do carrinho. É uma reta bem extensa, o que provoca um estado meditativo e não passa quase nenhum carro. A cachaça potencializa esse tipo de experiência que engloba tanto a percepção quanto um deslocamento de seu corpo para perceber seu entorno, a visão é ampliada e todos os outros sentidos. Repito um movimento sincronizado pelas batidas de meu cajado. Meu cajado é de eucalipto, árvore que vejo desde que nasci, pois, minha família trabalha com isso e meu pai era lenheiro. Na parte superior está preso com fita adesiva transparente um tripé de alumínio, um extensor para me filmar. Quando preciso, é só engatar a câmera.
Um pouco mais à frente, na saída para estrada de cascalho que dá acesso ao Bairro Guavirutuva, encontro um cartão de alguma empresa escrito “PROVISÓRIO”, guardo no saco e retomo a andança. Próximo a um depósito de lixo, acho um pé de tênis rosa que lembra o modelo do All Star, também enrosco-o nas cordas. Logo, chego ao Bar do Peixe, um lugar que sempre vi desde pequeno, mas onde nunca entrei. Pedi uma refeição e, enquanto aguardava, tomava uma cerveja. Peço para deixarem eu por meu carrinho para dentro e vou buscá-lo. Os donos do bar discutiam sobre o carro (automóvel) deles que estava com algum problema e a dona disse se referindo ao meu carrinho “Bom mesmo é o carro do garoto que não dá problema nenhum!”. Meu carrinho de viagem é cromado e aguenta até 70 kg, características que viabiliza suportar as intempéries da estrada, enfim, uma ótima aquisição. Com as cordaselásticas com garras amarro a mala velha em pé sobre a base de metal inferior. Nessa mesma base, coloco a frente da mala o saco de dormir e amarro. Em cima do saco vai o isolante térmico e o cobertor, acima disso amarro a bolsa executiva com minhas coisas e meu chapéu marrom de pião. Atrás da mala velha, as cordas entrelaçadas criam espaço para o armazenamento de garrafas de água e para o saco onde guardo os objetos e outros recursos para viagem. Chega minha refeição. Arroz, feijão, salada e peixe. De uns tempos para cá venho adorando comer peixe e este estava muito bom. Era muita comida para uma pessoa só, mas, fiz um esforço. Parto. Na estrada o sinal do celular volta, informo localização para alguns e resolvo ligar para Válter da Tapera Grande. E digo: “Alô Válter! Aqui é o Luiz Fernando Bueno, o Antonio ligou para ti falando que eu estou numa romaria e que tu poderia me arrumar um lugar para dormir.” “Ele falou. O que acontece é que as 6h da tarde tenho que levar minha mãe para Guarulhos que ela tem consulta amanhã cedo. Você chega aqui que horas mais ou menos?” “Acho que por esse horário, mas, é difícil dizer. Mas, não vou acabar incomodando?” “Não, pode vir que vou te arrumar um lugar para dormir na serra!” “Tá certo então!” Pensei comigo, ainda assim acho melhor acampar para não incomodar. Chego ao Bairro Cuiabá, onde fica as terras de minha família e os nostálgicos tempos da infância, tipo Sítio do Pica-Pau Amarelo. Aqui começa a Serra de Itaberava e começo a subir, por vezes caminho pela valeta para não ser atropelado pelos carros que correm muito mesmo nessa estrada perigosa com curvas sinuosas. Vejo caetés, planta que gosta de umidade,
tem a folha com largura de um palmo e comprimento de três e é usada para embrulhar pamonha quando a palha não dá conta. Subo alto e depois começo a descer. Encontro uma placa de carro de Lins-SP e enrosco no elástico. Passo por um lenheiro, nesse caso lenheiro é o local de trabalho do lenheiro. A palavra é utilizada tanto para o lugar quanto para o ofício. Os lenheiros são plantações de Eucalipto, árvore após o corte, brota e cresce novamente. A lenha é cortada pelo lenheiro e vendida para o uso de fornos. No lenheiro avisto um lenheiro cagando, fato corriqueiro para aqueles que trabalham no mato. Logo, chego ao Bairro Morro Grande. Passo pela escolinha, comércios locais e casas, um pequeno vilarejo. Ando até chegar a um bar, cuja dona me informa o preço da cerveja, e ao fundo ouço uma voz que responde o valor. Cerveja cara, mas, bebo. Uma rapariga lamenta o fim das obras em algum lugar próximo e que saudades dos homens que ali trampavam. A dona aconselha: “Agora vai demorar para eles voltarem. As chácaras estão sempre precisando de uma empregada. Arrume um trabalho e fique por aqui.” O papo continuou e chegou um senhor numa moto e logo outro num carro. Ambos me cumprimentaram. Calor. Um deles me perguntou para onde eu ia. “Vou até Bonsucesso!” “Passa ônibus para Guarulhos por aqui, você chega lá rapidinho!” “Não posso, estou indo à pé.” Mais papo. A rapariga vai mijar no mato. No carro toca algo semelhante ao forró da Banda Calcinha Preta ou Aviões do Forró. Sigo viagem e lá vem mais morro. No topo passo pela Casa da Jaca e outros comércios. Desço e passo por mais um lenheiro. Sento num coberto de madeira e telha brasilite, e fumo um cigarro observando o lenheiro derrubado à frente, queimado a priori. Continuo a descer, passando por pastos cheios de pedras grandes e paisagens bonitas. Andei 24 km esse dia. Chegando à vila do Bairro Tapera Grande que faz divisa de Nazaré Paulista com Guarulhos tiro minha câmera para filmar, e alguém me chama: “Ow!” “Opa!” “Você é o Fernando?” “Isto!” “Eu sou o Válter.” “Ah! É você. Prazer.”
“Entre para cá, quando meu caseiro passar por aqui, peço para te levar até a casa dele.” “Mas, não vou incomodar?” “Não, lá você pode ficar tranquilo.” Cumprimentei os pais de Válter. Eles convidaram para entrar e sua mãe serviu-me pão com mortadela e café com leite. Preparou um pão com mortadela para comer mais tarde, uma marmita e também um cacho de banana. E a mãe: “Melhor você levar essa marmita, que o caseiro é boliviano, não sei se ele janta, mas vai que você não gosta da comida. Você mora em Nazaré. De quem você é parente?” “Bom, o mais conhecido lá em casa é meu avô, ele era taxista, o Seu Dito Brasil.” Todos conheciam meu avô. “Ah! Então você é neto do Seu Dito Brasil! Você se lembra dele pai?” “Lembro.” “Olha ele se lembrou, tem coisas que ele anda esquecendo, mas, do Dito Brasil ele se lembrou.” – Disse Válter, feliz. “Nós temos uma casa do lado da prefeitura, às vezes vamos lá e passamos uns dias. Usamos também na Festa do Divino.” “Conheço, é uma casa antiga. Sempre achei bonita!” Válter era um tanto gordinho, cabelo grisalho acinzentado e bigode de igual aspecto. Muitas questões foram levantadas sobre mim e minha viagem. E a mãe de Válter: “Porque não pega um ônibus? Filho, não podemos dar uma carona a ele?” “Não mãe, ele está indo a pé!” “Ah, entendi. Você está vindo por qual igreja?” “Estou vindo sozinho. Não faço parte de nenhum grupo.” “Muitos jovens passam aqui em missão. Se sacrificam e dormem em qualquer lugar. Até mesmo aqui em casa acolhemos.” “Só não dá para você dormir aqui porque vamos ter que sair, se não você ia dormir aqui!” “Não tem problema, já fico agradecido de por me deixarem ficar na casa do caseiro.” Estávamos dentro da casa e o caseiro acabou passando direto. E Válter disse que ia me levar de carro. Pensei “Não posso andar de carro.”. Válter disse: “Pegue suas coisas, vamos ter que voltar um quilômetro.” “Sem problema.”
Cheguei à conclusão que se eu estivesse voltando, não infligia às regras do trabalho, já que no dia seguinte teria que andar de novo este mesmo caminho. Guardei o carrinho e o cajado no porta-malas, sentei no banco do passageiro e partimos. A tarde ia se esvaindo. Seguimos de carro até a altura da Casa da Jaca, estabelecimento por onde eu tinha passado a pouco na caminhada, mas entramos à direita antes. Subimos por uma estrada de terra durante um tempo. Chegamos até uma porteira que Válter abriu e logo subimos até parar na frente de uma casa. Um cachorrinho corria de um lado para outro todo feliz. E Válter: “Samuel!” Ele estava regando a horta e logo veio. “Samuel, esse jovem é o Luiz, ele precisa de um lugar para passar a noite, ele pode ficar aqui?” “Pode sim!” Descemos minha bagagem. “Olha Samuel tem banana aqui para vocês. Bom, eu tenho que ir.” “Muito obrigado Válter, nos vemos na Festa da Carpição!” Válter foi embora, eu disse a Samuel que precisava fazer uma filmagem. Desmontei a gambiarra da mala, abri-a e guardei os objetos dentro. “Aqui não tem energia elétrica, tem?” “Tem sim!” “Sério? Que bom! É que preciso carregar minhas baterias.” “Pode carregar!” “Mais tarde eu coloco.” Colocamos minhas coisas para dentro e ele me convidou para ver a vista lá das montanhas. Pegamos lanternas e subimos em sua moto, o que também não quebrava as regras. Balançando na estrada de terra fomos morro acima, a noite ia caindo e o cachorrinho corria ao nosso lado. Paramos numa casa que era alugada para festas que era do Válter. A vista era linda, estávamos muito alto. Samuel me disse que o brilho da cidade longínqua que estávamos vendo era Terra Preta ou Mairiporã. Fomos comer mexericas. Ele apanhou várias e dava para o cachorro, que também adorava, achei isso muito louco. “Como é o nome do cachorro?” “Não tem nome, pensei em colocar salsicha. Ele é muito medroso e não gosta de mim, tem medo. Só está aqui porque você está comigo.” “Como se fala medroso em espanhol?”
“Miedrozo.” “Esse poderia ser o nome do cachorro.” “Hahah!” Samuel me mostrou a casa, e no espaço da churrasqueira, um pássaro do tamanho de um pombo voava desgovernado, o que me assustou. Fomos até a mesa de sinuca e começamos a jogar uma partida, não havia giz, então usamos um buraco na parede e usamos tijolo para o taco poder deslizar suavemente, o que muitos já deviam ter feito pela existência do buraco. Perdi o jogo. Voltamos para a casa de Samuel. Fui tomar banho enquanto Samuel esquentava sua comida e o processo se inverteu quando eu terminei. Ele pegou uma parte dos peixes que havia na minha marmita e eu peguei um pouco de seu feijão. Estava tudo muito bom, peixe delicioso e feijão apimentado. Na geladeira havia um fardo de cerveja vencida, que disse não fazer bem beber, mas, havia outras cervejas boas, umas Itaipavas. Abrimos e brindamos. Enquanto bebíamos conversávamos sobre a língua espanhola e ele me ensinava muitas palavras, pois, adoro o idioma. “Como é seu nome completo?” “Samuel Aliaga Flores.” “Acho que tenho um amigo com o mesmo sobrenome, o nome dele é Freddy!” “Bom, se tem meu sobrenome, deve ser meu parente, pois, tem poucos Aliaga na Bolívia.” “Você conhece a Kantuta?” “Sim, já fui lá!” “Adoro aquele lugar e também já fui às festas bolivianas no Memorial da América Latina.” Falamos de festas tradicionais, de trabalho e tudo em geral. Samuel disse que não costumava beber sozinho e que estava feliz de ter uma companhia. Marcamos até de eu voltar ali mais vezes. “Como as terras de Válter são extensas, não me falta serviço aqui, o que é bom para mim!” Samuel ligou para sua namorada que também era boliviana. As ligações só eram possíveis num ponto perto de uma janela, incrível, só naquele ponto. Samuel nasceu em La Paz. Após a ligação voltamos a beber. Foram três latinhas cada e ele me deu uma dose de licor de jabuticaba ou coisa que o valha que ele mesmo preparou, muito bom, docinho.
Achamos melhor ir dormir. Coloquei as baterias para carregar e fui dormir no colchão que ele me arrumou. Acho que era quase meia-noite ou mais. 03 JUL 2014 – Quinta-Feira – Acordamos umas 6h da manhã, tomamos café e conversamos. Ele me arrumou uma capa de chuva e saco de lixo preto grande para eu me proteger e proteger a mala caso chovesse. Saímos da casa e no portão ele me ofereceu carona, disse que não podia aceitar. Agradeci e ele passou por mim com sua moto. O cachorrinho me acompanhou até a pista, o vi me observando partir ao longe. Faltavam 12 km para acabar, o percurso. Refiz o caminho até o vilarejo e passei por ele. Vejo lagos e cartazes de casamento indicando os locais nos postes. Começo a subir a montanha mais íngreme até o momento, suo bastante e paro num ponto de ônibus, como uma banana e fumo um cigarro. Encontro um clips e guardo, pego esse objeto, pois, é algo que sempre encontrei e acho útil, então, achei relevante pegar. Continuo a subir até que chego a uma obra, depois começo a descer, foi a subida mais tensa. Vou até o início da descida para a Pau Pedra, paro num bar de esquina onde rola um som de forró naquele mesmo estilo do dia anterior. A moça me atende e bebo uma dose de Velho Barreiro com limão. Ali é um ponto de ônibus e tem uma estrada de terra que dá em Mairiporã. Converso com o dono do bar, pois, a companheira dele saiu. “Como é seu nome?” “Schneider!” “Que chique! Me vê mais uma dose!” Contei a ele o que estava fazendo, enquanto os motoristas ouviam a história também. Eles me dão uma fatia de mortadela de aperitivo. Enquanto isso, rimos muito de um menino que pegou um vaso de oferenda de Umbanda e a sua mãe gritava: “Larga isso! É macumba!” “Criança não tem jeito mesmo. Hahah!” – disse um motorista. Schneider disse que já tentaram assaltar seu bar e que fazia pouco tempo que tinha adquirido, mas, que pretendia trazer shows para ali. Schneider tinha uma banda de forró, me mostrou um pôster. Ele ofereceu macarrão e eu aceitei. Ele esquentou num fogão a lenha e também fritou um bife, convidou-me para entrar no bar e comemos. Sua companheira retorna. Passei meu celular e ele disse que ia me ligar quando fosse ter algo ali. Despeço-me do pessoal e começo a descer. Antonio Oliveira me liga e conto as novidades. No caminho, o motorista do ônibus buzina para mim e eu aceno. Chego a uma capela, entro e fico ali um tempo. Volto a andar, nova subida e depois forte descida até a
Pau Pedra, lugar onde são extraídas pedras para produção de material de construção. Poeira branca no ar. Paro num bar e tomo uma cerveja. Encho minhas garrafas água gelada e a moça que me atende diz que não estou muito longe da entrada para a estrada de Bonsucesso. Sigo pela esquerda, pois, sei que a entrada é desse lado. Muita poeira, ar seco e sol. No caminho encontro uma pilha de roupas, nada pego dali. Entro na estrada de Bonsucesso, cascalho, poeira e meu cartão de memória encheu. Começa aqui um inferno que parecia não ter fim. Após meu carrinho virar várias vezes devido às pedras e ao solo irregular, paro exausto e sento-me numa pedra. Gostaria de tomar um café para ter energia, mas, não havia nada ali. Fumei um cigarro. Levantei e sai decidido a vencer. Encontrei um saco laranja, daqueles que usam para transportar cebolas. Virei ao avesso e parecia nova. Logo, encontrei uma tira de tecido de cor verde piscina, tiras semelhantes estão ao seu redor, um punhado. Essas tiras são utilizadas para amarrar roupas em fábricas, sei disso porque trabalhei numa fábrica de tingimento de jeans, fazia corrosão em peças. Pronto, já tinha saco e tira para os objetos. Caminho agora por lama, devido a uma obra eles molharam a estrada. Depois de um longo tempo chego ao asfalto e agora sei que falta pouco. Vejo placas. Limpo-me e troco o cartão de memória, que no meio do caos não tinha conseguido trocar. Torço para que dure até o fim da viagem, pois este é de apenas 2GB. Ando cansado e feliz, Antonio me liga e diz que vai me esperar ao lado do cemitério “Haha! Mas não vai ficar lá!”. Liga novamente e logo, avisto-o, é primeira vez que nos vemos. Ele é gordinho, acho que tem minha altura e cabelos pretos e bigode. Abraçou-me todo feliz. “Haha! E aí, tudo bem?” “Tô sim!” “Haha! Quer que eu leve seu carrinho?” “Não, tenho que terminar com ele.” Caminhamos e conversamos. Antonio Oliveira foi uma figura muito amável durante esses dias e foi o mediador para eu chegar bem até o final. Agora finalmente nos vimos. O Bairro de Bonsucesso fica bem diferente quando não está em festa. Digo a ele que tenho que arrumar minhas coisas antes de chegar na Igreja de Nossa Senhora de Bonsucesso. Desmonto a bagagem, abro a mala e coloco os objetos no saco laranja e amarro com a tira de pano. Antonio, ao celular, deve me achar um louco, mas, tenho que fazer
isso. Continuamos a andar e ele me filma entrando na igreja. Estou com os pés e a calça muito sujos. Deixo o carrinho na porta e caminho me filmando até o altar. Antonio conta minha história para as mulheres que trabalham na igreja. A igreja estava sendo fotografada para a Festa da Carpição em Agosto. As mulheres pedem para o padre me dar a benção, ele o faz, mas, sem muita vontade. A igreja muitas vezes contesta a apropriação da fé de forma popular e ligada a um lado mais profano e mundano. Logo, levam-me até a sala dos milagres. Entrego o saco e a moça vai deixar num lugar, mas depois leva para outro lugar e resolve abri-lo: “Esta placa é de um acidente de carro? Este é objeto é disso? Isso é isso... São muitas histórias.” “São muitas histórias e não só minhas.” “Você é de onde?” “Eu sou de Nazaré!” Parte II – FUI À TAMBAÚ E LEMBREI-ME DE VOCÊ 19 JUL 2014 – Sábado – Abro a mala de minha avó e guardo dentro de uma sacolinha para não perder um pingente de Nossa Senhora de Bonsucesso e terra do Bairro de Bonsucesso num saquinho amarrado com uma cordinha, pois, é uma tradição pegar a terra desce lugar e levar para casa para dar sorte. Ambos foram adquiridos na migração anterior. Saio de casa ao meio-dia. Desço novamente pela Rua. Cel Benedito Bueno. Sair da cidade é o que me dá mais vergonha, já que as pessoas ficam curiosas olhando-me, mas, mantenho a seriedade e caminho. Na rodoviária pego a direita e rumo para o portal da cidade que é um grande “N”. Pego a Rodovia D. Pedro I – SP-065 sentido Norte. Dessa vez levo comigo uma garrafa de cachaça amarelinha artesanal de carvalho produzida pelo Alambique Recanto da Cachaça, feita especialmente pela família Zanetti, meus amigos de Angatuba-SP. Dou um gole para dar sorte. Esta cachaça é muito boa. É interessante dar apenas um gole de leve e sentir ela descendo até se alojar no estômago, onde ela vai aquecer. Passando pelo bairro Tanque Preto, ainda em Nazaré Paulista-SP, encontro uma chave de carro e guardo-a no meu saco. Estou vestindo uma camisa social branca e uma calça social preta, trajes leves para caminhar e que não passam a imagem de um esportista, que não me interessa. Uso meu tradicional chinelo havaianas branco com correia preta. No pulso esquerdo estou com uma fitinha azul de Nossa Senhora de
Aparecida. Minha bagagem agora ganhou um novo complemento, uma mala menor que fica abaixo da outra, o que permitiu dividir e organizar, melhor meus recursos. Atravesso o limite de território de Nazaré Paulista e agora estou em Bom Jesus dos Perdões-SP, descanso embaixo da ponte, enquanto dou um gole de cachaça e fumo um Derby Prata do Paraguai. Caminho até enxergar a igreja e enquanto filmo, vejo meu amigo Uacaly passando de carro. Acho um sinalizador adesivo de carroceria de caminhão vermelho e branco. Ainda estava com cola, então grudei na bolsa. Item importante para ser visualizado na estrada, principalmente à noite. Encontro um novo objeto logo à frente, trata-se de uma placa de Atibaia, cidade que amo muito. Enrosco-a atrás do carrinho. Vou até a passarela e atravesso para o outro lado. Lá está o Bar do Maurício, onde bebo uma Coca-Cola e como um salgado. Após, peço uma Outra, cerveja barata difundida na região. Enquanto bebo, ouço músicas do Raul Seixas que saem do carro de Maurício e um cara pergunta-me: “Você vende jóias?” “Não, não vendo.” “Você tá vendendo alguma coisa?” “Não. Não estou vendendo nada. Eu trabalho com desenho, coisas assim...” “Me desculpe. Me desculpe mesmo... Eu te vi e pensei que...” “Que é isso amigo. Não tem nada.” O cara saiu um tanto constrangido, mas, não me importo que me questionem quem sou ou o que faço. Na verdade, o mais interessante é transmitir imagens na cabeça das pessoas e fazer isso que aconteceu. Fazer elas terem algum tipo de experiência com a minha figura e tentar deslocá-las de seu lugar comum. Atravesso a passarela e, retornando à pista encontro na grama um pedaço de rolo de filme colorido com aproximadamente três imagens, achei um objeto fantástico e guardo com carinho no saco. O sol vai começando a baixar e cruzo um novo limite, agora é Atibaia. Passo por andarilhos, um casal de brancos empurrando um carrinho de bebê e um negro, eles pareciam estar empoeirados, pois, suas vestimentas e pele tinham um tom amarronzado. Eles me cumprimentaram e eu retribuí. Ligo para meu amigo Alexandre, o Cowboy. Tento ver se ele quer dar um rolê por Atibaia hoje, mas, ele não me dá certeza. Passo pelo Frango Assado e a noite vai caindo, e vou cantarolando muito feliz, ainda estou num lugar que conheço bem. Ao passar pela ponte do Bairro da Ressaca sinto que meu cajado deu uma lascada. Chego ao Bairro da Ponte e estou na cidade. Paro e chega um cara que pede para eu sair dali que está meio bêbado e precisa tirar o carro. Conheço este senhor, tem
bigode e cabelos brancos, um segurança do shopping galeria do centro, seu nome é Cido. Penso comigo “Bem-vindo a Atibaia!” e sorrio para esta cidade boêmia. Caminho pela Avenida São João e depois pego a direita na Av. Jerônimo de Camargo. Viro à esquerda e passo pelo Extra Supermercados e vou até o Kandango’s Bar, meu bar preferido, acolhedor de todos. O dono do bar é o Marcão, um budista de ascendência japonesa de quem gosto muito e que ofereceu-me pouso. “Snifh! Eae Luiz!” “Beleza Marcão!” “O que vai ser?” “O que tem para comer?” “Snifh! Tem lanche de pernil, moela de frango, tem...” “Quanto que tá?” “Ambos estão $ 5,00.” “Huuumm! Tô meio na dúvida de qual eu pego.” “Snifh! Pega a moela, vai te dar bastante energia e você precisa para caminhar.” “Tá certo, manda!” Logo, ele trouxe-me uma cumbuca de moelas de frango e fatias de pães. Como e fico satisfeito. Começo a beber cerveja e papeio pelo bar. Dan me encontra e como sabe do projeto, diz que se sente muito honrado em ver-me assim dentro do rolê e rapidamente vai embora. Dan é um jovem loiro de cabelos pelos ombros, estilo rock e é um poeta da cidade. Peço ao Marcão para deixar minhas coisas no bar para dar uma volta e vou até o Bar do Chacrinha, é um lugar que tem uma grande área coberta com brasilite, tem mesas de sinuca e pimbolim na parte de brasilite e na área do balcão parece um barzinho. Ali encontro Cláudio, também um descendente de japonês. Cabelo longo amarrado, braços fortes e pele morena. Trabalha com a produção de vime, uma espécie de arbusto ou árvore utilizada na confecção de arranjos. Ao meu lado aparece Luizão e conversamos alguma coisa. Ele disse que o Geovane estava na Praça do Peg Pag e que tinha uma galera lá, ia voltar lá, me convidou, mas, não fui. Luizão, alto, olhos claros, cabelo curto grisalho. Bebo minha amarelinha e volto para o Kandango’s. 20 JUL 2014 – Domingo – Madrugada. Na mesa de sinuca bato papo e rio com Pedrinho enquanto ele fica batendo a bola branca, tabelando pelos cantos. Pedrinho tem uns 30 anos, é artista visual e professor. É magro, tem cabelo curto castanho e tem um bigode ralo e cavanhaque de igual procedência. Adora um verde, uma maconha. O Cowboy aparece e batemos um papo.
Mais tarde, chega Geovane acompanhado de dois Serras que conheço bem, serras são pessoas que não pagam nada, só querem sugar o que os outros compram, mas, esses até que aturo. Geovane me dá um abraço e percebo que está um tanto excitado: “Tudo bom meu rei?!” “Tudo sim!” “Moh cota que a gente não se vê!” “Pois é!” “Acabamos de fumar um baseado...” “Fiquei sabendo que você tava lá na praça, mas, fiquei com preguiça de ir.” “Velho e a nave-mãe você viu? Tô até hoje esperando! Geovane é um louco da velha-guarda de Atibaia, tem uns 50 anos, cabelo preto, liso e franja, e um bigode bem recortado. Uma figura muito bem humorada e sempre com seu alto astral. Gosta de Pink Floyd. É alto e tem uma leve barriga. Quando eu o conheci, disse que ele tinha cara daqueles filmes brasileiros antigos que mostravam o cenário da Boca do Lixo. E ele me define: “Você tem chinelo de hippie, calça dos anos 40, jaqueta de grunge, cabelo de metaleiro, chapéu de Crocodilo Dandy, colar tribal e alargador da geração 2000. Curtiu?” “Hahah! Curti! Muito boa a definição!” “Moh estilo! Você fugiu de casa com essa mala?” “Não, tô indo a pé até Tambaú.” “Você tá loco!” Logo, todos os meus amigos se foram. Lavei louça e guardei as cadeiras do bar, mas, ainda havia gente. Fui abaixar uma das portas e Marcão disse que ainda não ia fechar. Eu estava podre de andar, cansado, com sono e ficando muito puto. Eram 4h30 e nada. Peguei meu carrinho e vazei, sem nem menos alguém ninguém perceber. Fui ao desativado Shopping Elefantão, entrei e vi se não tinha ninguém dormindo ali, nada. Levei minhas coisas para dentro. Arrumei o saco de dormir e o isolante térmico sobre um colchão que ali estava e que já usei outras vezes e dormi. De manhã, alguém para na entrada desse quarto sem porta, não me movo, nem ele, fico atento e ele vai embora. São 9h da manhã então arrumo as coisas, agradeço pelo lindo dia e subo para a rodoviária. Atravessando a rua para a rodoviária, um cara de dreads e óculos escuros cumprimenta-me. Retribuo. Paro e ajeito minha bagagem. Ali também estava um negro de cabelo curto. O cara de dreads se apresenta, seu apelido é Feião, percebo pelo sotaque que ele é de algum lugar da América do Sul, mas, não do Brasil. Conversamos algo e
digo a ele que estava indo para Itatiba a pé e ele disse que iria comigo. Falei para ele que só precisava usar o banheiro e tomar um café. Peguei minha mala e sai andando, e vi que deixei o cajado ali e falei para ele que depois eu pegava. Fui ao banheiro, fiz minhas necessidades, lavei o rosto, escovei os dentes e tomei meu primeiro banho hippie. Molhei um pano na torneira e entrei numa cabine. Passei nas axilas, entre as pernas e na bunda. Usei o desodorante e saí. No balcão tomei um café com leite e comi um pão na chapa. Voltei para o lugar onde Feião estava e ele disse que ia trocar um boné por um frango com o cara que estava ali. Eles saíram e foram até a casa abandonada onde Feião tinha dormido. Feião era hippie e trabalhava com a folha da palmeira. Enquanto aguardo passo vaselina nos pés e visto meus óculos escuros arredondados. Vejo no celular uma mensagem de Vera, uma amiga de Cabreúva-SP desejando-me um feliz dia do amigo, retribuo e parece que ganhei um amigo mesmo, o que deu-me nova energia para caminhar. Feião retorna e a troca foi feita. Parece que o boné até já era do cara e ele tinha abandonado, enfim.
Feião fez malabares com três laranjas, a moça que varre a
rodoviária gostou e tentou fazer, mas, em vão. Logo, saímos dali e descemos pela Avenida São João. Explico para ele que estou indo a pé aos quatro lugares da minha infância e que estou me filmando, para que ele não ache estranho as gambiarras que faço para me filmar. Passamos no supermercado Big Compacto. Eu peguei uma Coca lata e ele um refrigerante de limão e um corote, essas cachaças de frasco que parece um botijão e é barata. Bebo minha Coca e partimos. Passamos por debaixo da ponte e subimos o gramado, Feião me ajudou com o carrinho para passar o guardereio. Retorno um pouco sozinho para ver a placa do km e poder calcular o quanto estamos andando e localizarme em relação às próximas cidades. Feião pensou que era para o outro lado por causa de minha movimentação. Estamos na Rodovia D. Pedro e vamos andando. A Pedra Grande por mais que andemos não some, é difícil deixar Atibaia. Feião diz para pararmos e comermos. Pensei que não era tão tarde, mas como já passava do meio-dia, concordei. Feião abriu o frango do alumínio, um pote com farofa em que colocou sua colher e pegou umas pimentas amarelas. Comemos o frango com mãos e Feião: “Pega a farofa! Come a pimenta! Você gosta de pimenta?” “Gosto sim, mas, não é muito ardida?” “Não, é suave. Encontrei ela na macumba.”
“Haha!” “Não pega em nada, pode comer. Desculpe se às vezes eu sou meio bruto, é que é meu jeito mesmo.” “De boa!” Comi um pedaço da pimenta, apesar não gostar de comer nada de oferendas, não por medo, mas, por respeito. Não era muito ardida, mas, comi aos poucos e só metade. Comemos bastante. Bebemos refrigerante e um gole de corote. Fumei um cigarro e partimos. Vejo uma ligação perdida do Geovane no celular e ligo para ele. Ele atende e rimos muito. Desligo. Feião tem 40 anos e é uruguaio. Usava camisa preta, calça de tactel e chinelos de dedo. Asa dele era verde (a asa de um hippie é a tela onde eles penduram os brincos e coisas para vender, geralmente é feita de canos e revestida com algum tecido, assim, como a de Feião). Na sua asa havia alguns filtros dos sonhos e uma fênix de palmeira, pouco trampo. Carregava uma mochila nas costas com zíper quebrado e ali guardava uma folha de palmeira atravessando por dentro da bolsa de um lado ao outro. Feião vai abrir seu novo corote e com a faca diz que vai tirar o rótulo, pois, não gosta de rótulos, mas, acaba rasgando a garrafa. Começo a pensar o que fazer e pego minha fita adesiva, tento colar e continua a vazar. Tive que beber toda a água de uma garrafa e fizemos a transferência. Agora eu tinha uma garrafa a menos de água e pedi para quando acabasse o refrigerante que me desse a garrafa para eu usar. Andando. Passamos pelo acesso à Fernão Dias. Conversamos. Feião conta que seu pai morreu quando ele tinha oito anos e sua mãe meio descabeçada, deixou-o com os tios que não eram lá muito bons, falei que eu tinha uma história semelhante e contei a ele. Ele estava dando um rolê pelo estado de São Paulo, que depois ia para Foz do Iguaçu, onde parece que morava, sei que seu português é muito bom. Depois ia voltar para o Uruguai para resolver algumas burocracias em torno de um terreno. Paramos para descansar numa sombra e um carro parou. Feião foi manguear e ganhou bisnaguinhas, rosquinhas, bolachas de maisena e bolacha salgada. Que alegria! Andando, acabo percebendo que perdi minha outra garrafa de água. Passamos por um pedágio. Acho um grande símbolo atravessarmos um pedágio a pé, sem pagar, isto é liberdade. Vou me filmar e Feião: “Não quero que tire fotos de mim!” “Não vou tirar, estou apenas filmando-me, jamais te fotografaria ou te filmaria sem sua autorização.”
Passa alguém de carro e dá uma bandeja de frango do Frango Assado. No celular mando sempre notícias para Lilian Vogel, Luciano Favaro, Márcio Bueno, Nice, Geovane e Edilson Cainelli. Andamos até o Centro Empresarial e falamos numa guarita com dois guardas, ele nos informaram onde haveria um bar e fomos para lá. Passamos por cima da ponte e fomos numa estrada sentido Jarinú. Feião se informa melhor e rápido encontramos o lugar. Andamos menos de 20 km hoje e ainda não saímos de Atibaia. É um armazém amarelo que vende de tudo um pouco, fica beirando a pista e é um ponto de muitos caminhoneiros. Peço para carregar o celular e a câmera um garoto coloca dentro do balcão. Bebemos uma cerveja e a noite foi caindo. Conversamos com as pessoas. E Feião começa a manguear. Manguear é pedir com fala bem articulada alguma coisa que queira, sempre com um bom discurso ou história para conseguir aquilo que almeja. Mangueador, porém, pode ser tanto aquele que mangueia quanto um cano de aproximadamente 10 cm de diâmetro revestido de tecido que lembra camurça em que amarram pulseirinhas para vender, manguear. Hippies mangueiam seu trabalho. E assim foi Feião: “Oh amigo, deixa eu fazer um trabalho aqui com folha de Palmeira e você me dá um trocado?” Não sei o que o senhor respondeu, sei que ele não queria e depois o Feião ficou xingando ele, mas, depois se acalmou. Deu um rolê e informaram a ele um bom lugar para dormir, antes íamos dormir ali mesmo, porque o dono do bar autorizou. Conversei com o senhor de cabelos grisalhos e falamos da região, bom sujeito, deu-me um maço de cigarro Eight vermelho, não é meu preferido, mas, cavalo dado não se olha os dentes. Feião mangueia com alguns jovens, faz um grilo para eles e fica muito bonito realmente, incrível sua habilidade, disse que era recente que fazia esses trampos e sabia fazer outras coisas. Feião voltou da mesa todo feliz com um copo dessas bebidas coloridas e cremosas que os jovens deram. Peguei minha câmera e celular, agradecemos e saímos, pois já estava fechando, eram 20h. Chegamos num bar com cobertura na frente e uma mesa de sinuca. Arrumamos nossas coisas e bebemos mais cachaça e conversamos, não me lembro em que momento dormi. 21 JUL 2014 – Segunda – Acordo à meia-noite e Feião não está ali, apenas suas coisas. Saio pelos dois lados da estrada de terra à sua procura e nada de te encontrar. Fumo um cigarro e volto a dormir. Acordo com um cachorro lambendo meu rosto. Feião diz que saiu chapado e estava dormindo em algum lugar e acordou da mesma forma que eu.
“Vou levar ele com a gente, vai se chamar Vulcão!” Voltamos a dormir. Acordamos umas 6h, arrumamos as coisas e Feião disse que o cachorro era fêmea e que ia se chamar Solange. Vulcão era nome de um cachorro que ele teve. Solange parecia uma vaca holandesa, preto e branco, gordinha e bem cuidada, um lindo filhote. Fomos ao armazém. Tomei um café com leite e um pão na chapa. Solange já começa a fazer sucesso. Feião dá pedaços de meu pão para ela, mas ela só gosta de lamber a margarina. Peço para tomar banho e o moço avisa que o chuveiro está desligado, digo que vou tomar frio mesmo. Levo minha malinha e lavo-me apenas da cintura para baixo, passo pomada Minâncora e troco de cueca. Saio do banheiro, seco os pés e quando vou passar vaselina: “Tá no trecho amigo?” “É.” – respondo com dúvida. “Já fui trecheiro durante uns anos, rodei bastante!” “Da hora!” Volto para Feião e vamos sair, percebo que estou sem meu cajado e volto ao lugar onde dormimos, estava lá e fiquei feliz de encontrar. Feião queria sair logo dali com medo que o dono do cachorro aparecesse. Caminhamos e mesmo antes de chegar à rodovia encontro uma chave inglesa, propícia estar naquele lugar já que muitos caminhoneiros ali passavam. Guardo no saco preto. Acho que Feião fica sempre confuso quando me filmo fazendo isso, mas tenho que fazer. Voltamos a Rodovia com o sol radiante em nossos rostos e passamos a divisa de Atibaia finalmente, agora estamos em Jarinú. Feião anda sempre com seus óculos escuros. Estamos numa subida leve e bebemos um pouco de pinga do corote. “Éh, hoje você está bem mais da hora ein Feião!” “É que a gente vai se conhecendo. Desculpa por ser um pouco grosso às vezes, muitos já me deixaram por eu ficar arrumando encrenca.” “Sem problemas!” “É que às vezes bebo demais.” Passamos um pedágio e encontro uma moeda. Feião encontra outra logo em seguida. E eis que Solange começa a dar trabalho, a danada urinou no casaco de Feião. Tive que jogar desodorante em sua roupa. Andamos e passamos agora um marco da Rodovia D. Pedro I e batemos algumas fotos. Feião até quis aparecer nas fotos agora, enfim amigos.
Paramos numa curva para recarregar as energias, estávamos exaustos. Bebemos um suco que Feião fez na nossa garrafa PET antes de sairmos do Centro Empresarial e mais cachaça. Atrás do muro de proteção da auto-pista Solange apronta outra, comeu cocô. Feião se revolta e dá-lhe uns tapas mostrando o cocô como muitos fazem para ensinar os cachorrinhos novos. Solange chora. Feião pega o corote e joga um pouco de cachaça em sua boca. “Não gosto de maltratar cachorros, mas ela tem que aprender. A boca dela tá cheirando bosta ainda? Eu não tenho muito olfato...” “Não. Tá cheirando cachaça. Agora ela ficou mansinha hahahah!” “Hahah! Também, tá chapada!” Voltamos a andar, Feião queria achar um lugar para comer. Vemos nas montanhas pedras lindíssimas, coisas lindas da natureza que até Feião acha bonito. Tiro fotos e filmo. Descemos agora. Atravessamos a divisa de Jarinú e agora estamos em Itatiba, lugar que Feião e eu separiariamo-nos. Atravessamos a rodovia, pois Feião diz ter avistado um posto. Do outro lado vimos que não era. Era um hotel. Feião perguntou numa igreja evangélica onde tinha um mercadinho. A moça que nem quis vir ao portão disse para subirmos um morro. Estamos no Bairro Morro Azul. Subimos e apreciamos a vista da rodovia a esquerda e em cima do morro flores, árvores frutíferas, principalmente bananeiras. De certo plantadas pelos que ali residiam, pois do direito haviam chácaras ou sítios. Bonito. Descemos o morro e do lado esquerdo vimos a mercearia que vendia de tudo. Tomei uma coca-cola que Feião deu apenas um gole. Comprei uma cachaça Villa Velha da branquinha em garrafa de vidro da Dona do lugar. O Dono nos atende enquanto a Dona foi atender outros. Ele coloca o conteúdo da garrafa de vidro numa de plástico para que possamos levar. Vejo uma cachaça amarela num garrafão de vidro. “Essa cachaça é de alambique?” “É sim!” – Dono “Quer uma dose Luiz?” – Feião “Aceito!” Feião pega uma dose e bebemos juntos. Boa a cachaça. O Dono do Bar vê um senhor negro e banguela chegando e sacaneia-o “O que aconteceu com os dentes, uma chupeta muito forte?”. Eu rio e me surpreendo ao ver o Dono que parecia tão sério, brincar. Conversamos um pouco sobre nossa caminhada. Feião pega pão, mortadela, um novo saquinho de suco e enche mais a garrafa com água.
Na mesa, do lado de fora, sob a sombra de uma árvore comemos e bebemos. Solange deliciava-se com a mortadela, ficava doidinha, adorava e devorava. Ao lado havia uma capela que logo fui olhar e lá vejo fotos do dono, seu auxílio na construção e sua devoção. Volto para Feião. Bebemos um gole de cachaça, despedimo-nos e zarpamos. Solange tentou acompanhar andando, mas teve que ser carregada, pois ainda não entendia que carros atropelam. Subimos o morro e no alto Feião avista coqueiros. “Folha de coqueiro é ideal para fazer meus trampos, palmeira não rola. Tá vendo a diferença das plantas?” “Tô sim!” “Se tivesse perto eu pedia para o dono...” Andamos mais um pouco e Feião viu na beira de uma chácara um coqueiro. Bate palmas. Após demora aparece o dono. Feião chama-o até o portão. Receoso ele desse. “Amigo, será que eu podia tirar uma folha do seu coqueiro? É que eu uso para fazer trabalhos, tipo essa fênix que eu tenho aqui!” “Vich, mas só tenho essa palmeira para fazer sombra em meu carro...” “Mas é só uma folha, eu posso até tirar.” Após longa discussão o dono deixa. Vai para dentro busca uma serra e uma escada. Feião diz que quer a mais de cima, pois está bonita para o uso. O dono meio incomodado tenta tirar, mas em vão. O dono acaba deixando Feião entrar. Feião sobe a escada até o topo e escala a palmeira conseguindo assim cortá-la. Feião tráz para fora e ajeitá-a descartando as partes que não iria usar e também a palmeira velha que carregava já queimada pelo sol e asfato. Feião fica muito feliz com a aquisição de material. “Senhor. Fique com essa fênix de presente para você pendurar em sua área.” “Obrigado. Vocês precisam de roupas? Tenho umas camisas sociais e umas calças quase novas.” “Não, obrigado. Roupa é sempre um peso para carregar na estrada.” “E você só tem essa faca? Quer umas ferramentas? Pêra aí que eu vou buscar!” O senhor subiu até sua casa onde aparentemente morava sozinho. Voltou com uma sacolinha. Fiquei com um estilete amarelo e preto e restante deixei com Feião, pois não me era necessário. Agradecemos e partimos. Descemos o morro e voltamos para o outro lado da rodovia. Andamos bastante sobre o sou escaldante até chegar a Churrascaria Grill Sul, local de gente com grana. Feião tenta manguear e ofende muitas famílias com sua grosseria,
às vezes tenho medo dele. Feião está cansado, mas ali era inviável passar a noite, já era umas 15h00. “Sei que temos que procurar um lugar para dormir, mas aqui eu não fico.” “Realmente não dá, vamos andar!” Lilian Vogel manda-me uma mensagem dizendo está vindo de Piracicaba e que gostaria de me ver. Digo que estou andando na mão correta de trânsito. Vamos se correspondendo. Perto de um posto de gasolina, começamos a caminhar por estrada de terra paralela a rodovia. Solange causa confusão. Quer entrar onde não deve e não tem noção do que é um carro. Feião fala com seu sotaque uruguaio a todo o momento: “Sulange! Sulange! Sulaaaaangê! Ou Sulange!” Começamos a chegar perto de um matagal. “Será que vai dar para passar por aqui?” – questiono. “Acho que deve ter uma passagem.” Passamos por uma pontinha e saímos numa borracharia. Havia uma escada de cimento. Feião me deu uma mão e carregamos o carrinho para cima. “Sempre que precisar de ajuda, é só falar!” “Tá certo!” Estávamos no posto de gasolina. Chão de Paralelepípedo. Posto grande. Paramos perto das bombas de gasolina e eu observo o que tem de acessórios para vender. Solange se diverte. Pegamos água e Solange bebe. Vamos sentido a lanchonete. Um cara nos pára e puxa assunto encostado em seu carro. Parecia um desses playboys que querem ser hippies e acham fantástico falar de maconha e São Thomé das Letras. Feião mangueou um filtro dos sonhos, mas não colou. A mãe do rapaz chega e eles vão embora. Entro na lanchonete, enquanto Feião papeia com os passantes. Peço um café preto e bebo devagar. Essas lanchonetes de posto de gasolina são lugares bem interessantes e nostálgicos. Acho que é esse visual pop art retro, cheio de coisas da Coca-Cola e ladrilhos antigos, garçonetes e caminhoneiros rindo. Fantástico. Saio e vou até Feião. Na parede tem um mapa grande do Estado de São Paulo. Vejo minha rota, é incrível mapas e ainda mais se você os percorre. Ver de onde veio e para onde vai. Feião é perdido nisso, mostro para ele Piracicaba que é a cidade para onde ele diz que vai. Sentamos no piso e conversamos. Solange faz sucesso.
Após discutirmos o que fazer, pegamos a estrada novamente. O sol estava de arregaçar, devia ser umas 16h00. Andamos somente mais um pouco, 2 km talvez. Feião avista um posto no outro lado da pista: “Outro posto, vamos para lá!” “Vich, mais é ruim para eu atravessar com o carrinho.” “Precisamos achar lugar para dormir, eu ajudo você!” “Tá certo!” Odeio atravessar pistas, tem que ficar muito atento, mas foi de boa. Posto com árvores de raízes grossas na frente, clássico. Mando mensagem para Lilian e informo minha localização. Neste posto tinha carroça, coisas em madeira e esculturas. Na lanchonete um cara implica com o Feião, e ele fica resmungando e xingando o cara sempre que ele passa perto. Vou dá uma olhada nos arredores em busca de perspectivas e encontro do lado do posto uma rampa de cimento e o que me pareceu ser um bairro. Volto e conto a novidade para Feião, e ele: “Falaram que tem realmente, vamos para lá?” “Vamos, só vamos esperar mais um pouco a minha amiga.” “Tinha um cara querendo comprar seu chapéu, você vende?” “Só se for por $ 150! Hahah!” Aguardamos exaustos. Fumo um cigarro sentado numa superfície elevada de cimento enquanto Feião volta o cara que agora estava varrendo o lado de fora e vira e mexe mudava seu carro de lugar. Cara alto, brasé, de cigarro na boca. A Lilian não chegava e, aliás, não queria que ela visse-me na estrada, ela é muito preconceituosa e quando ela visse o Feião cheio de dreads ia surtar. Mando mensagem dizendo que não vou esperar, pois está ficando tarde e ainda temos que encontrar lugar para dormir. Lilian diz que está quase chegando. E Feião: “Ela deve gostar muito de você! O que ela faz?” “Ela é diretora de um museu em Atibaia e trabalhamos juntos num evento, o Revelando São Paulo.” Olho para a direita e vejo-a chegar numa van branca, ela é loira e sempre se veste de forma elegante. Está com o motorista Pádua. Barrigudinho e manca de uma perna, e é ele quem nos leva para os eventos. “Tudo bom Luiz?” “Tudo sim!” Lilian abraça-me e coloca no bolso de minha camisa branca um broche da imagem de Nossa Senhora de Aparecida, muito bem ornamentado, dourada com manto em azul.
“Para te proteger!” “Obrigado.” “Você tá bem?” “Tô um pouco cansado, hoje o sol foi intenso.” “Você bebeu?” “Um pouco.” “Senti o cheiro. Aquele é o Uruguaio?” “Sim. Aquele é o Feião e aquela é nova na turma, seu nome é Solange.” Feião acena. Todos riem, pois temos uma amiga com esse nome. “Solange, hahah!” – Pádua “Ele bebe?” – Lilian “Bastante!” – Sorrio. “Acho que você não deveria andar com ele.” “Vou ficar bem.” “Você andou pouco hoje, se não agüentar avisa que eu venho correndo te buscar.” “Pensei nisso hoje, não preciso morrer por arte!” “Não há necessidade.” “Você tá precisando de dinheiro?” “Não, tô de boa!” “Bom, tenho que ir, qualquer coisa me liga!” Despedida e partida. Pádua ficou abismado de saber que eu estava indo a pé até Tambaú. Coisa que não gosto é esse julgamento moral que a Lilian faz comigo, afinal não tenho culpa se seu ex-marido é alcoólatra, mas isso a traumatizou e fez constituir esse discurso. Pegamos nossas coisas e também partimos. Meus escorregaram muito ao descer a rampa. Lá embaixo, pegamos a esquerda. Era uma rua cheia de casinhas antigas. Passamos uma igreja e uma praça. Solange é adorada por todos. E uma senhora: “Dá essa cachorrinha para minha filha?” “Não posso, ela é minha companheira!” – Feião. Passamos um bar, sem mesas e quase vazio. “Vamos procurar outro, aqui tá triste!” – digo. Voltamos a andar e Solange também estava no chão. Vem um ônibus e pára porque Solange está atrapalhando o trânsito. Feião grita, cachorros latem, um caos. “Feião, é melhor você carregá-la.” “Ela tem que aprender a andar se quiser andar comigo!”
Casas e mais casas. A noite ia caindo, passamos uma ponte e chegamos numa encruzilhada com uma capela. Feião pergunta para o moço se sabe onde tem um bar. Diz que devemos pegar a esquerda e subir. Subimos e pegamos mais uma vez à esquerda. Feião se informa com uma mulher. Diz que é logo em frente. Chamamos bastante a atenção. Um cara vira uma esquina antes de nós e me cumprimenta. “Parece que é o Paulo Jesus, ele é vereador em Atibaia. Caraca, mas encontrar ele por aqui?” “É bom ser reconhecido por esse pessoal.” “Não ligo tanto, mas é um conhecido.” Chegamos a um bar de entrada grande, tinha umas 20 pessoas lá. Feião queria pegar maconha e um cara indica. Começamos a subir mais, mas acabamos desistindo. Voltamos ao bar e fui até o balcão e comprei uma cachaça de alambique amarela e Feião pagou uma cerveja A Outra. Fomos para uma mesa encostada na parede diante muitos olhos, acenos e cumprimentos. Sentamos e brindamos. Tento colocar o celular para carregar e dá certo, já a câmera não deu, pois meu benjamim era antigo. Tento em todas as tomadas e nada. “É tão mudando os tipos das tomadas!” – Diz um senhor ao lado do bar. Acabo desistindo. Era um bar só de homens, espaçoso e com uma mesa de sinuca, achei um lugar triste com paredes sem cor, precário, mas não como aqueles que eu gosto, atulhado de coisas para vender. As raras mesas e sua altura da laje tornavam o bar muito vazio, talvez Bachelard explicasse melhor essa sensação. Porém, as pessoas ali eram bem felizes, deviam estar vindo do trabalho e tinham ali como um ponto para relaxar. “O que aconteceu que você ficou triste?” – Feião “Ah foi ter encontrado a Lilian, parece que quando você sai num rolê assim e encontra alguém, dá um pouco de saudades de casa. E fiquei triste da forma como a Lilian me tratou, cheirando para ver se eu bebi. Poxa, você ali cansado e alguém faz isso contigo. Acabou com a minha energia. Ela não sabe o que é a estrada, o que é dormir na rua.” “É verdade. Se você tá na rua tem que se aquecer com cachaça e é bom para andar.” “Mas, chega de tristeza vamos nos animar!” “É isso aí!” Bebemos e rimos. Paguei uma Outra para a gente. Converso com as pessoas no bar. O dono é um senhor de cabelos brancos, disse que fechava o bar cedo. Volto à
mesa, e observo os homens jogando sinuca. Nunca vi uma partida assim, eles batiam forte com o taco e acertavam na hora. Jogos de curta duração. Saio para fumar um cigarro. E um senhor diz: “Empresta o isqueiro?” “Opa! Claro!” Ele acende o cigarro. “Senhor, como é nome desse bairro?” “Aqui é Abramo Delforno, mas as pessoas chamam de Nosso Teto, não faço idéia do por que.” “E aqui ainda é Itatiba?” “É sim!” Volto para dentro e bebemos até acabar a garrafa. O dono já estava fechando. Baixou as imensas portas de aço. Feião e eu descemos a rua em frente do bar até seu fim à procura de um lugar para cair de mocó, dormir. Lá embaixo, viramos à direita e encontramos alguns garotos. Feião pergunta: “Onde tem algum lugar para a gente dormir?” “Tem a quadra aí em frente” – diz um garoto. “Mas não é coberta.” “Ela fica aberta?” – pergunto. “Fica sim!” – o garoto. “Então é ali mesmo, essa noite não vai chover!” – digo a Feião. Atravessamos a rua, contornamos a quadra e entramos pela passagem na grade. Montamos acampamento e como de costume emprestei meu cobertor a Feião. Este cobertor eu mesmo nem uso, levo para ajudar quem não tem. Liguei o rádio no celular, bebemos e acendo um cigarro Eight vermelho. E feião: “Me vê um, vou fumar sem filtro para dormir.” Nunca fiz isso, mas deve ser forte. Conversamos sob o céu estralado e logo dormimos. Solange dorme com Feião. 22 JUL 2014 – Terça-Feira – Acordo algumas vezes na madrugada. As 6h00 não conseguia mais dormir, então comecei a guardar minhas coisas e nada do Feião acordar. Meu saco de dormir estava orvalhado. Feião acorda finalmente. Lavei o rosto numa torneira e peguei minhas coisas. Subimos de volta ao bar. Do lado um mercadinho estava aberto. Feião comprou mortadela, pães e um pacotinho de suco. Feião fez o suco na nossa garrafa PET verde. Ganhou um café e bebemos juntos. Solange e a velha doidera entorno da mortadela.
Partimos em direção ao posto, passamos novamente pela capela que Feião identifica, é de Nossa Senhora de Guadalupe. Acho curioso ela uma capela dessa santa aqui no Brasil. Passo por uma casinha de tijolo a vista abandonada. Detalhes que não percebi no dia anterior. Subimos a rampa de acesso ao posto. No posto Feião vai primeiro ao banheiro e eu fico segurando Solange. Cachorrinha agitada, não tenho paciência.
[Continua]