P
EDRO
C
HIARADIA
DOCUMENTÁRO DE UMA VIDA EXEMPLAR
ORIGEM
A
estirpe de Pedro Chiaradia germinou com o
casamento de Giusseppe Chiaradia e Teresa Zampol, moradores em Stevena, distrito do Município de Caneva, no norte da Itália. Eles tiveram os filhos Innocente, Antônio, Silvio, Virginio, Eugenio, Maria, Giuseppina, Pierina e Eugenia. O sobrenome Chiaradia predomina no Vêneto e no Friuli-Venécia Julia. Na região do Vêneto ele se concentra nas Províncias de Belluno e Treviso, que se limitam com a Província de Pordenone. A maior incidência do referido nome de família está na Província de Friuli-Venécia Julia. Pordenome é província mais recente, separada da de Udine em 1978. O primogênito Innocente casou em 4 de Abril de 1893 com Pierina Carli, nascida em 6 de setembro de1868. O casal embarcou para o Brasil no navio “Ré Humberto”, chegando em Santos- SP em 2 de julho de 1893, conforme Consta na Certidão de Desembarque nº 00695, Autos 1.585/99, do Livro de Registro de Imigrantes da Hospedaria de São Paulo.
Nessa viagem veio também Antônio, irmão solteiro de Innocente, o qual permaneceu pouco tempo no Brasil e retornou a sua pátria.
Certidão de Casamento Innocente e Pierina Innocente, que era pedreiro, foi morar na cidade de Tietê - SP e lá começou a trabalhar. Em 20 de julho de 1895, de acordo com a certidão do Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais, nasceu Pedro, o primeiro filho do casal.
Entretanto, a famĂlia, por motivo ignorado, comemorava os aniversĂĄrios dele no dia 6 de julho.
CertidĂŁo de Nascimento Pedro -
Certid達o de Desembarque
Innocente e Pierina transferiram sua residência para Botucatu SP, inicialmente à Rua Silva Jardim, nº 1, esquina da Rua Dr. Cardoso de Almeida (antiga Rua Áurea). Depois mudaram para a Rua Dr. Cardoso de Almeida, nº 458. Foto Familia Innocente e Pierina
Em pé da esquerda para direita: Luiz, Silvano, Pedro e Orlando. Sentadas Maria, Áurea Morato (esposa Luiz), Pierina, Oliva Lunardi (Esposa Pedro) Tereza Gonçalves (esposa Orlando) e Irma. Abaixados: Antônio e Rui (filhos Luiz/Áurea, Edda, Inocente, Fulvio, Vera e Lívia, filhos de Pedro/Oliva.
Innocente montou uma serraria às margens do Rio Tietê, perto do Porto Martins, na altura da antiga “Cachoeira”, onde permanecia a maior parte do seu tempo. Nessa época ele realizava fornecimentos à companhia que se instalara na região da “Mina” (denominação que perdura até hoje) e localizada ao lado de uma ilha do Rio Tietê, submergida com a elevação do nível deste, causada pela construção da represa de Barra Bonita. A precitada empresa objetivava a extração de petróleo e asfalto, pois abundavam sinais da existência de xisto betuminoso nas barrancas do rio.
A
ntes da formação da represa de Barra Bonita,
existiam vestígios dessa malograda empreitada, como chaminé de tijolos, paiol de explosivos, depósito de ferramentas, etc., que eram vistos pelos antigos moradores e visitantes da região. Presume-se que essas benfeitorias não foram demolidas antes do represamento. Por isso, caso alguém deseje pesquisar, poderá encontrá-las mergulhando junto ao barranco esquerdo do rio. A tentativa da exploração do xisto betuminoso, naquela época, ocorreu em várias regiões do Brasil, inclusive por uma poderosa companhia de capital aberto do Vale do Paraíba, mas o alto custo da extração inviabilizou esses empreendimentos.
A região da “Mina” foi alvo de amplo noticiário, tempos atrás, quando um avião B23 da FAB, que praticava vôos rasantes nas proximidades dela, caiu após suas hélices se chocarem com as águas do Rio Tietê, por provável erro do piloto. Os pescadores próximos do acidente salvaram três tripulantes, porém o quarto morreu afogado. Em posterior estiagem, com a redução do nível da represa de Barra Bonita, a FAB resgatou o avião avariado e o levou a um de seus depósitos. Entrementes, a madeira da região diminuía rapidamente, pois, além do consumo da serraria, a Estrada de Ferro Sorocabana extraía lenha para suas locomotivas a vapor (“marias-fumaça”), mantendo um pequeno ramal para transporte desse material de Porto Martins a Vitoriana. Para coleta da lenha, a Sorocabana possuía várias barcaças, cuja conservação era feita por um pequeno estaleiro construído para esse fim.
Porto Martins
A Sorocabana desativou o ramal de Porto Martins em 1955. Com a construção da Barragem de Barra Bonita, pronta em 1960, o represamento das águas do Rio Tietê submergiu quase toda a Vila De Porto Martins, provocando o desaparecimento do estaleiro, do porto, de várias casas e outras construções, entre as quais o serviço de balsa, muito utilizado na época para a travessia do rio. Diante da escassez da matéria-prima, Innocente levou sua serraria para as margens do Rio Piracicaba, perto da Fazenda Barreiro Rico, onde faleceu em 11 de julho de 1922, vitima da malária endêmica que grassava na região naquela época.
O
acesso a essa zona era difícil, tanto que o traslado
do seu corpo se deu por canoa e mulas, demandando um dia inteiro de esforço.
Pierina, sua laboriosa esposa, tinha uma máquina de fazer tricô, manuseada com rara habilidade, graças ao que granjeou numerosa freguesia em Botucatu. Seus netos a veneravam e a visitavam assiduamente. Ela então os presenteava com os cones de papelão das linhas usadas, improvisados por eles em criativos brinquedos.
A
s filhas Irma e Maria, solteiras, moravam com
ela. O filho Orlando, futebolista da Associação Atlética Botucatuense, empresário, compositor musical e flautista nas sessões do cinema mudo, foi seu vizinho durante alguns anos, já então casado com Tereza Gonçalves e tendo em seu lar os filhos Mariinha, Clóvis e Ana. Silvano, outro filho de Innocente, era gerente de banco, o que o levou a mudar para Ourinhos, onde prosperou no comércio de papelaria e tipografia. Lá casou com Esperança Matachana, com a qual teve a filha Célia. Ele convidou para trabalhar consigo o
irmão Orlando, que aceitou, transferiu sua residência a Ourinhos, mas faleceu logo depois, com apenas 43 anos de idade. Luiz, quinto filho de Innocente, casou com Áurea Morato, que lhe deu os filhos Ruy, Antônio Celso e Maria Lúcia. Ele gerenciou em São Manuel, a Agência do Banco Francês e Italiano, arrestado pelo governo federal na Segunda Guerra Mundial.
C
ontinuou no ofício bancário assumindo a
gerência de São José do Rio Pardo do Banco Brasul, praticamente sucessor do liquidado Banco Francês e Itáliano, e depois retornou à agência de Botucatu da mesma instituição financeira Nessa época, ele já era sitiante no Guarantã e Faxinal revelando-se caprichoso agricultor especializado na cafeicultura. Apesar de personificar um denodado trabalhador, sempre encontrava tempo para lazer, sendo as artes de filmagem e fotografia seus hobbies prediletos.
CAMINHADA
P
edro ajudou seu pai na serraria, no período em
que frequentava as aulas do professor Chiquinho Alves. Ele era precocemente criativo, virtude comprovada quando, com apenas sete anos de idade, montou um pequeno torno de madeira movido a pedal. Notando que não havia nenhum curso satisfatório nas proximidades e perdurando sua preocupação com os riscos da malária, Innocente o convencéu a estudar na Itália, a fim de obter uma escolaridade melhor e onde poderia contar com o apoio de seus familiares locais. Aproveitando a vinda de um parente italiano ao Brasil, Innocente o mandou para lá em 1907, levando uma carta de apresentação dirigida ao Cavaliere Virginio Lunardi, que ainda tinha imóvel residencial em seu país natal.
Foto em Stevena - Itália, casa de Lucio Alberto. Em pé: Pedro, Eugênio irmão do avô Inocente, sentados Tereza filha, Luigia Battictuzzi, esposa, Dario e Dino filhos.
P
edro se diplomou como ¨Ragioniere” (Guarda-
livros) e voltou ao Brasil em 1912, embora tivesse ofertas de bolsas para a continuidade de seus estudos na Itália. Todavia, com a eclosão da guerra mundial de 1914, ele alistou-se no Exercito Italiano em 30 de agosto de 1915, ingressando no Destacamento de Sacile (região de Pordenone), da 26ª Infantaria, adesão essa facilitada por suas referências anteriores. Em 1917 ele foi autorizado pela 65ª Sezione Di Sanitá, Del 24º Corpo D'Amata do Régio Exercito Italiano a
fregiarsi Del distintivo instituito col R. Decreto nº 641, 21 Maggio 1916.
P
or seu alistamento e participação no Exercito
Italiano, foi-lhe conferido o título de “Cavaliere dell' Ordine di Vittorio Veneto, pelo Presidente Del Consiglio Dell Ordine”, por proposta do Ministro da Defesa, pelo decreto nº 886, de 15/09/1970.
V
ários brasileiros de Botucatu participaram da
guerra mundial de 1914 pela Itália: Bavia, Nardone, Turri, Genarino e outros.
P
edro retornou novamente ao Brasil em 1920 e foi
professor na Escola Italiana Dante Alighieri que existia em Botucatu. Nesta escola, veio a conhecer Oliva, filha do Cavallerie Virginio Lunardi e Stella Paulini Lunardi, imigrantes da Itรกlia, com quem se casaria em 7 de junho de 1924.
E
m 31 de março de 1923, ele requereu e obteve seu
registro como Guarda-Livros, na Coletoria das Rendas Federais de Botucatu, sob nº 146 Do Livro 3, fls. 45, profissão exercida na Rua Silva Jardim, nº 1. Seu diploma italiano dessa categoria profissional foi reconhecido no Brasil pela Superintendência do Ensino Comercial, do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 21 de julho de1932.
FAMILIA DE OLIVA
S
eu pai Virginio montou uma padaria na Rua
Curuzu e depois diversificou suas atividades estabelecendose, em sociedade com seu irmão Mansueto Lunardi, com um pastifício, uma máquina de beneficio de algodão, outra de beneficio de café, outra de beneficio de arroz, uma fábrica de bolachas, um empório, um posto de gasolina (Standard Oil), uma revenda de veículos Chevrolet e comércio de Eletro Domésticos.
D
otados de notável espírito progressista,
adquiriram as fazendas Boa Vista e Santa Luzia e participação na Fazenda São Bento, para exploração da Cafeicultura. Chegaram a explorar a criação de bichos-da-seda. Foram atacadistas de fumo, possuíam distribuidora de filmes cinematográficos (através do Grupo Matarazzo) e um cinema
(Cine Glória), na Vila dos Lavradores Devido à grande e rápida expansão de seus negócios, já tinham constituído a empresa Virginio Lunardi e Cia., posteriormente S/A Virginio Lunardi & Irmão.
A
lém das empresas em Botucatu, instalaram uma
máquina de benefício de de algodão em Quatá-SP e um empório na cidade de Santo Anastácio-SP onde também compraram uma fazenda para criação de equinos, bovinos e porcos. Tiveram ainda participação no Curtume Victória, na Casa Comissária que Francisco Botti abrira em Santos e na serraria da SAIB (Sociedade Anônima Industrial Botucatuense).
FAMILIA DE PEDRO E OLIVA
P
edro e Oliva tiveram sete filhos: Lívia, Edda,
Vera, Innocente, Fulvio, Maria de Lourdes e Mirna, todos botucatuenses. Lívia, Edda, Maria de Lourdes e Mirna fizeram o curso ginasial e professoral na Escola Normal “Dr. Cardoso de Almeida” e chegaram a exercer o magistério primário (Lívia se aposentou como Diretora de Grupo Escolar do município de São Paulo, e prestou exame no Conservatório Musical de Santos, onde formou-se em Piano e Matérias complementares. Maria de Lourdes Lecionou em várias escolas, dentre as quais, Instituto Caetano de Campos, Colégio Rio Branco da Fundação de Rotarianos de São Paulo, Colégio Nossa Senhora do Sion, e se aposentou pelo Departamento de Recursos Humanos da Secretaria da Educação do Governo do Estado de São Paulo. Recontratada permanece até hoje no Colégio Rio Branco, como revisora.
V
era estudou na Escola Industrial “Armando
Salles de Oliveira”, na Avenida Santana . Hoje possue duas unidades administradas pela Fundação Paula Souza. Fulvio e Innocente optaram pelo curso ginasial na Escola Normal “Dr. Cardoso de Almeida” e pelo de Técnico em Contabilidade na Escola de Comércio “Nossa Senhora de Lourdes”, integrada no Ginásio Diocesano, atualmente Colégio “La Salle”.
T
odos os sete gostavam de música e tiveram
iniciação em piano com a professora Branca Serra Netto e depois, as que perseveraram na arte, com o Professor Aécio Salvador. Edda se dedicou ao estudo do violino e Vera preferiu o acordeão. Innocente gerenciou a Empresa Gráfica Botucatu Ltda. simultaneamente com o cargo de redator-chefe da “Folha de Botucatu”, fundada por Pedro Chiaradia e outros e que será objeto de comentários à parte, mais adiante, ingressou na carreira de Fiscal de Rendas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, por concurso, em setembro de 1952, assumindo inicialmente a
chefia do Posto Fiscal de Parapuã (1ª entrância), promovido a 2ª entrância em março de 1956, foi removido à chefia do Posto Fiscal de Pompéia; em abril de 1959, por designação do Delegado Regional Tributário de Marília, foi guindado à função de titular da Inspetoria Fiscal de Tupã, que abrangia os Postos Fiscais de 11 municípios dessa sub-região da Alta Paulista e no exercício da qual se aposentou em 4 de junho de 1983; foi vereador à Câmara Municipal de Tupã de 1973 a 1976 (considerado o melhor dessa legislatura pelo jornal local “Folha do Povo”), mas, decepcionado com a política, nunca mais se candidatou a cargo eletivo, a despeito dos constantes convites para concorrer ao cargo de Prefeito de Tupã, município posteriormente elevado à categoria de Estância Turística, por suas tradições indígenas; constituiu em julho de 1964 a firma Empreendimentos Ápis Ltda., administradora do Fundo Ápis, o primeiro consórcio comercial do Brasil, e precursora das empresas congêneres, inclusive as do exterior.
R
ecebeu em 2012, da Câmara Municipal de Tupã,
o título de Cidadão Tupãense.
F
úlvio se dedicou à profissão de Técnico em
Contabilidade em Botucatu, a principio individualmente e depois como sócio de Arlindo de Almeida no Escritório Contábil Brasil, inicialmente na Rua Curuzu, nº 250, depois na Rua Amando de Barros, nº 885 - 1º andar. Em 1º de julho de 1954 comprou a parte do seu sócio e mudou o escritório para a Rua Monsenhor Ferrari, nº 176 e por último na mesma Rua, nº 88, em prédio próprio. A ida para a Rua Monsenhor Ferrari, 176, foi motivada pelo fato de funcionar nesse endereço a Empresa Gráfica Botucatu Ltda., que, além de produzir impressos para terceiros, editava a “Folha de Botucatu” da qual Fúlvio foi gerente e redator esportivo, com o pseudônimo “Jochi”. Devido às limitações do oficio de Técnico em Contabilidade, ele cursou e se bacharelou em Ciências Econômicas pela “Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas” da Instituição Toledo de Ensino, em Botucatu, hoje UNIFAC, e em Ciências Contábeis, na “Faculdade de Ciências Contábeis e Administrativas de AvaréSP” Em 1978 vendeu o Escritório Brasil e passou a assessorar várias empresas de Botucatu, inclusive algumas das que era sócio.
E
m 1981, atendendo convite do Professor Doutor
Domingos Alves Meira, foi contratado por 120 dias para instalar a recém criada a Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar. Entretanto lá permaneceu até 2007. Primitivamente nomeado Diretor Financeiro por quatro anos pelo então Reitor Professor Doutor Armando Otávio Ramos, foi reconduzido várias vezes ao mesmo cargo pelos reitores que o sucederam na UNESP - Universidade Estadual Paulista. Lívia casou com o Tenente Fernando Salgado (falecido com apenas 43 anos), então radiotelegrafista da FAB (Força Aérea Brasileira), com quem teve os filhos Lívia Maria e Fernando Júnior. Edda casou com Ivo Nicoletti, cinematografista, com quem teve os filhos Ivo César, Ilza Maria e Edson. Vera casou com João Lopes Garcia, professor de Desenho da Escola Industrial, com quem teve as filhas Cássia e Fernanda. Innocente casou-se com Geny Solano, com quem teve os filhos Décio Lineu, Deise Leni, Dalton Luis e Dênis Luciano. Fúlvio casou com Maria das Graças Zerbinato, que lhe deu o filho Pedro Neto; tendo Maria das Graças falecido, contraiu núpcias com Maria Helena de Oliveira. Maria de Lourdes casou com Rinaldo Belinazzi,
Fulvio e sua segunda esposa Maria Helena de Oliveira
Foto filhos em 2 momentos. 1ª) Em pé : Innocente, Vera (falecida) e Fulvio. Sentadas: Maria de Lourdes, Edda, Lívia e Mirna
Em Tupã, festa 70 anos Innocene: Edda, Inocente, Lívia, Maria e Lourdes, Fulvio e Mirna, sem Vera já falecida.
com quem teve as filhas Andréa e Mirela. Mirna casou com Ronaldo Passos, empresário, com quem teve os filhos João Neto, Gustavo, Paula e Beatriz.
Foto família Pedro e Oliva: Em pé da esquerda para direita: Fulvio, Maria das Graças Zerbinato (falecida), Ivo Nicoletti (falecido) e Edda, Vera (falecida), Geny Solano esposa de Inocente, Inocente, Lívia esposa ao lado do seu marido Fernando Salgado (falecido). Sentados: Maria de Lourdes, Oliva, Pedro, Mirna. Abaixados: Ilza e Ivo Cesar, filhos de Ivo e Edda, Fernando Junior e Lívia Maria, filhos de Fernando e Lívia.
V
iúvo (sua amada Oliva falecera em 24 de
Fevereiro de 1976), Pedro sofreu alguns contratempos físicos que abalaram sensivelmente sua saúde.
O
primeiro resultou de uma complicada cirurgia na
boca, o que lhe dificultava a fala e a alimentação. Outro foi um acidente ocorrido quando, ao sair de casa para a habitual caminhada diária, pisou e escorregou numa casca de manga jogada na calçada por alguma pessoa irresponsável. Nesse momento passava pelo local sua filha Edda, e coincidentemente, de carro, seu ex-sócio Mario Siloto, que o conduziu imediatamente à Misericórdia Botucatuense, onde foi atendido pelo seu sobrinho, Dr. Virginio José Lunardi e seu sócio Benedito O. Amaral Costa, ambos ortopedistas, que constataram fratura do fêmur direito.
A
s sequelas dessas fatalidades agravadas pela
redução da visão, causada pela sua avançada idade, prejudicavam a locomoção de Pedro, que passou a se movimentar em cadeira de rodas.
H
á algumas atitudes tão nobres, sob o aspecto
doméstico ora abordado,que não podem ser omitidas neste relato. O genro Ronaldo Passos e a filha Mirna, bem como seus educados filhos, dedicavam a Pedro e Oliva os mimos, carinho, zelo e atenção, como também fariam seus futuros anfitriões, adiante mencionados. Ronaldo então adquiriu um terreno defronte à casa deles e ali edificaram sua residência, para facilitar a bondosa assistência a Pedro e Oliva. Com o falecimento de Oliva, suas filhas passaram a se revezar na hospedagem a Pedro, a fim de poupá-lo do triste isolamento.
N
este particular, a filha Edda, o genro Ivo
Nicoletti e seus filhos também merecem destaque especial. Percebendo que Pedro detestava as viagens a São Paulo, onde as filhas Lívia e Maria de Lourdes moravam, e o abrigaram afetuosamente durante algum tempo, até sua acolhida definitiva por Mirna e Ronaldo. Alem dos danos físicos causados pelas desgraças acima descritas, Pedro estava quase cego. Era evidente sua aflição por precisar de
uma enorme lupa na leitura diária dos jornais. Agravando-se a perda da visão, ele passou a somente ouvir rádio e televisão. Nós, demais irmãos e cunhados dos casais supracitados e tios de seus filhos sempre reconhecemos o mérito desses gestos generosos, humanitários e dignificantes, pelos quais reitero nossa eterna gratidão.
D
epois da segunda estada na Itália, Pedro não mais
voltou à que considerava sua segunda pátria, mas seu primo Sílvio aqui esteve entre 1951 e 1959 e trouxe para cá seus irmãos Rino e Luigi, que aqui permaneceram cerca de 4 anos. Eles se associaram a outro italiano, chamado Valério, e instalaram no Belenzinho, em São Paulo, uma oficina de máquinas e equipamentos elétricos, na qual fabricavam rolamentos para motores de partida de veículos, num sistema inédito no Brasil, e eficazes estabilizadores de voltagem, um dos quais foi instalado na Empresa Gráfica Botucatu Ltda., a pedido de Pedro, porque a oscilação da carga elétrica em Botucatu, era muito frequente.
E
xistem muitas famílias Chiaradia no Brasil, mas
é difícil a apuração da relação de parentesco entre as mesmas. As maiores concentrações delas estão nos Estados de São Paulo (Araras, Botucatu, Cascalho, Cordeirópolis, Guaratinguetá, Rio Claro, Santa Rita do Passa Quatro e São Paulo), Minas Gerais (Itajubá) e em municípios do Rio Grande do Sul.
Pedro e Oliva
ATIVIDADES COMERCIAIS E COMUNITARIAS
P
edro fundou em 1920, junto com o irmão
Orlando e o amigo Mário Siloto, a sociedade Siloto & Chiaradia, na Avenida Floriano Peixoto, 229, em frente ao atual prédio dos Correios. A empresa comercializava materiais para construção, ferragens, e ladrilhos hidráulicos por ela mesma fabricados. Os tijolos vinham de Conchas-SP e as telhas de Barra Bonita-SP, transportados pela Estrada de Ferro Sorocabana, depois denominada FEPASA. As gôndolas (vagões de carga sem cobertura) carregadas eram desviadas para um pequeno ramal implantado defronte aos armazéns da ferrovia, perto do estacionamento para veículos situado em praça próxima, bem arborizada, onde aguardavam a retirada das mercadorias. A família Dorini construíra uma ser rariaria (Vila Jau), ao lado desse ramal, pela facilidade do descarregamento das pesadas toras de madeira a ela enviadas. Os materiais chegados eram retirados por pequenos caminhões existentes na época e assim levados aos seus destinatários. Outras
mercadorias menores e mais frágeis eram transportadas por vagões fechados e descarregadas nos armazéns até hoje existentes ao lado da estação de embarque de passageiros.
A
Sorocabana foi de extrema importância para
Botucatu, pois além das cargas, ela transportava passageiros em vagões adequados, tendo inclusive vagões com camarotes-dormitórios e vagão-restaurante. A cidade se destacava como grande centro ferroviário, pois possuía ótima gare, amplo pátio para manobra dos trens e oficina de manutenção das locomotivas e vagões. Afora isso,estava próxima do entroncamento ferroviário do Distrito de Rubião Junior, de onde bifurcava o ramal para Bauru e demais cidades do trecho (São Manuel, Igualdade, Toledo, Lençóis Paulista, Agudos, etc.). Em Rubião Júnior existiam enormes armazéns para estocagem de café, do qual o Brasil era o maior produtor mundial, e pouco tempo depois também de açúcar. Num desses depósitos chegou a funcionar uma fábrica de contêineres, a SAEF, que produziu os primeiros contêineres da Estação Brasileira da Antártica, recentemente destruída por grande incêndio. Como Botucatu se desenvolvera sobremaneira na área da cinematografia, por
ser sede de agências das principais distribuidoras de filmes nacionais e estrangeiros, que eram acondicionados em embalagens de lata arredondadas, a Sorocabana se tornara o meio ideal para o transporte dos mesmos para toda a região. Eles geralmente eram levados à estação, para despacho, e de lá conduzidos às agências distribuidoras, nos retornos, no pequeno caminhão do popular Moressi.
T
rabalharam na loja da firma Siloto & Chiaradia
os seguintes empregados: Alcides Boaro (depois funcionário da Receita Federal) e Domingos Scarpelini, atualmente cartorário aposentado e presidente do Centro Brasil-Itália); como ladrilheiros ou seus auxiliares: Santin Borgato, José Mogica, Felix Figueiroa, Oswaldo e outros; como motoristas: Pedro Zaparolli e Sambugaro.
P
edro Chiaradia foi sócio fundador e secretário da
S/A Industrial Botucatuense, conhecida comumente como Serraria Anônima e situada perto do Elevado Bento Natel, ao lado dos trilhos da antiga Estrada de Ferro Sorocabana. Ela era administrada pelo sócio Eugênio Milanesi, auxiliado por seus filhos e cuja família morava em imóvel próximo, na Vila Casabranca. Um detalhe mostra o prestigio dessa
indústria: dispunha de ramal ferroviário extensivo até o seu interior, para descarga de madeira bruta. Dissolvida a sociedade, seus prédios passaram a ser alugados. Os imóveis ainda existem, continuam sendo alugados, porém estão mal conservados.
P
Teatro Esperia (antigo Santa Cruz) destruído por pavoroso incendio. Na frente do busto aviador e militar italiano Carlo Del Prete, que cruzara o oceano atlântico com um avião monomotor.
edro foi secretário também da Societá Italiana
di Beneficenza, proprietária do belíssimo Teatro Espéria, sua primeira sede. Funcionou ali também o Centro Cultural
e Recreativo de Botucatu. O suntuoso prédio foi destruído por um incêndio devastador. Na frente dele existia o busto do aviador e militar italiano Carlo Del Prete, que cruzara o Oceano Atlântico pilotando um avião, proeza fantástica para a época. Esse monumento foi depredado em manifestações contra os italianos, na Segunda Guerra Mundial, mas Pedro o recolheu e guardou durante quase vinte anos nas dependências da sua “Folha de Botucatu”.
A
entidade tinha a Escola Italiana “Dante
Alighieri” na Rua General Telles, para onde mudou sua sede. Esse prédio abrigou por muitos anos o Tiro de Guerra 123. Em Assembleia Geral para reforma dos seus estatutos, realizada nessa sede, foram aprovadas várias modificações, inclusive a mudança da denominação para Centro BrasilItália, sob a qual permutou esta sede, através de transação engendrada por José Luiz Nascimento, com o prédio do Clube 24 de Maio, na Rua João Passos, e após profunda reforma, ali instalou sua nova sede. Quando do término da reforma deste imóvel, Pedro entregou à aludida sociedade o histórico busto de Carlo Del Prete, salvo por ele, como ficou acima elucidado, e até hoje lá está exposto. No ponto do antigo imóvel o novo proprietário, construiu um moderno
prédio, atualmente alugado à Caixa Econômica Federal. Com o dinheiro assim apurado, a diretoria do Clube 24 de Maio iniciou a construção de um clube de campo onde agora existem as dependências esportivas e sociais da Policia Militar, perto do Cemitério Jardim, região que passou a ser denominada “24 de Maio”.
A
acima comentada campanha contra os italianos
levou gente ignorante a perpetrar atos verdadeiramente absurdos. Além da depredação do monumento de Carlo Del Prete, esses vândalos saquearam as placas de bronze fixadas em monumento de alvenaria da Praça Anita Garibaldi (triângulo formado pela Rua General Telles, Avenida Floriano Peixoto e Rua Tiradentes), cuja homenageada era brasileira de Laguna (Estado de Santa Catarina) e esposa de Giuseppe Garibaldi, ambos alcunhados de “heróis de dois mundos”, em reconhecimento às suas corajosas lutas contra as ditaduras da América do Sul e da Europa. As perseguições aos italianos foram, pois, absolutamente injustas, diante da notória contribuição deles ao progresso do Brasil.
P
edro foi um dos fundadores, em 27 de janeiro de
1940, do Rotary Club de Botucatu, e seu membro ativo, sob a classificação “Materiais de Construções”. Convidado, ingressou também na Maçonaria, desligando-se pouco tempo depois por estar sobrecarregado de compromissos profissionais e sociais.
E
le foi presidente da Associação Atlética
Botucatuense, tendo recebido o título vitalício de Presidente Honorário. A cercadura do antes devassado campo de futebol daquela A.A.B foi construída com tapume em sua gestão.
E
m 6 de agosto de 1942, nos altos do prédio
Teatro Espéria, na então sede do Aero Clube de Botucatu, reuniram-se Beraldo Rangel Torres Bandeira, Germano Jorge Rodolfo Martinson, Hebe Canuto da Boa Viagem, Hebe Guimarães Leme, José Pedretti Neto, José Sampaio, Oswaldo Walder, Paulo Assumpção Marques, Pedro Chiaradia, Raymundo Cintra, Raimundo Penha Forte Cintra e Sebastião de Almeida Pinto, com o propósito da fundação de uma instituição de finalidades culturais, a qual foi dado o nome de Centro Cultural de Botucatu. Sob a presidência de Sebastião de Almeida Pinto, foi eleita a diretoria provisória, assim constituída: presidente, Paulo Assumpção Marques; 1º secretário José Pedretti Neto; 2º secretário, José Sampaio; tesoureiro, Raimundo Penha Forte Cintra. Em outubro de 1942, foi fundada no Centro uma biblioteca, registrada no Instituto Nacional do Livro em 15 de abril de 1943.
O
Centro Cultural foi considerado de “utilidade
pública” pela Lei Municipal nº 23, de 3 de junho de 1948, o que foi confirmado pela Lei Estadual nº 304 em 9 de junho de 1959. Com o incêndio do Teatro Espéria, em 21 de setembro de 1951, a biblioteca que já contava com perto de 39.000 volumes, teve seu acervo atirado na praça, o que ocasionou a perda de inúmeros livros. A sede do Centro Cultural foi restaurada em prédio da Igreja Presbiteriana, na Rua Cesário Alvim (hoje João Passos), 296. Inúmeros intelectuais aderiram ao movimento, dentre os quais devemos destacar Arnaldo Reis, Benedito Canto, Darwin do Amaral Viegas, Sebastião Rocha Lima, Walter Wagner e outros. Hoje o Centro possui sede própria, construída em terreno cedido pela Prefeitura Municipal, na Praça Rubião Junior, nº 30.
ATIVIDADES RECREATIVAS
E
xímio pescador, Pedro tinha um barco de
madeira com motor de popa Evinrude 3,3 hps, varas de bambu reforçadas com fios de aço, linhas de aço preparadas por ele mesmo, anzóis noruegueses, carretilhas Pen e os demais apetrechos desse esporte. Ele implantou no seu quintal um minhocário particular que despertava a curiosidade de outros adeptos da pesca.
Pescando no porto martins
CINEMATOGRAFIA
O
Município de Botucatu era
bastante
desenvolvido para a época além de imenso, pois abrangia extensa área, desde Itapetininga até as barrancas do Rio Paraná, na divisa com o Estado de Mato Grosso do Sul. Foi comemorado há pouco tempo o 100º aniversário da primeira exibição cinematográfica realizada na cidade, no terreno da Rua Amando de Barros onde funcionara um velódromo. Apresentou-a um técnico itinerante, que operava um cinematógrafo, aparelho antecessor dos atuais projetores.
H
oje existe nesse lugar um prédio em que esteve
estabelecida a Caixa Econômica paulista, junto com algumas repartições públicas também estaduais (Delegacia da Fazenda, Inspetoria Fiscal, Posto Fiscal e Coletoria), e que atualmente é ocupado por uma das agências locais do Banco do Brasil. Vale a pena recordar que, antes da construção do atual prédio, lá existiu outro imóvel ocupado pelo grande cientista brasileiro Vital Brasil, onde ele
desenvolveu seus trabalhos para produção do soro antiofídico. Foram efetuadas várias tentativas para exploração de cinema em Botucatu. Assim despontaram as experiências do Cine Santa Cruz (Bosque) e do Cine Ideal, que funcionava na Rua Monsenhor Ferrari, esquina da Rua Curuzu, com entrada por um corredor iniciado na Rua Amando de Barros, ao lado da atual Lojas Marisa, onde anteriormente funcionou o Hotel Peabiru. O referido imóvel é objeto de outras considerações em texto na frente nesta explanação.
E
mpolgado com as notícias do sucesso do cinema
nos grandes centros, Pedro convidou os amigos Emilio Peduti e Eichenberg, a ingressarem com ele no ramo, do que resultou a constituição da Empresa Cinematográfica Chiaradia & Peduti, que logo inaugurou sua primeira sala, o Cine Casino. Outros foram abertos por essa empresa, inclusive o Cine Bauru, destruído por um incêndio arrasador.
Eichenberg deixou a sociedade ao transferir a
residência para Ribeirão Preto. Emílio Peduti então elaborou plano para expansão da atividade em outras cidades, mas Pedro, temeroso diante do desastre do Cine Bauru, recusou a oferta da participação. Seu entusiasmo inicial pela cinematografia também se arrefecera, diante de outro fator que influiu nessa decisão: sua extraordinária visão de longo alcance o desanimava quanto ao futuro do negócio, sujeito, a seu ver, ao grave risco da concorrência de algo inovador no mesmo ramo.
N
uma fase em que o termo “televisão” ainda
estava ausente do vocabulário popular, ele previa que, com o crescente avanço da tecnologia em todos os setores, não tardaria a surgir um aparelho domiciliar para captação de imagens de filmes, peças teatrais, noticias, outras atrações e propagandas emitidas por uma estação central; como tudo isso poderia ser visto sem sair de casa, o suposto invento prejudicaria fatalmente a frequência aos cinemas. Ele manifestou seu receio ao sócio Emílio, que mesmo assim fundou a Empresa Teatral Peduti. Esta cresceu rapidamente, chegando a ter perto de 60 salas. Passado algum tempo, maior do que o imaginado por Pedro, sua previsão se concretizou e a conseqüência por ele
temida aconteceu. Mas as empresas cinematográficas conseguiram superar essa fase extremamente negativa e criaram novas formas operacionais, explorando essa atividade nos shoppings center.
A
Empresa Chiaradia & Peduti Ltda. sobreviveu
só em Botucatu, onde inaugurou em 1939, com o filme ”Carga da Brigada Ligeira”, o Cine Paratodos, em prédio edificado pela Construtora Dinucci, igualmente botucatuense. Com a desativação também desse cinema pelo motivo exposto no item anterior, o mencionado prédio, completamente reformado, abriga hoje o magnífico Teatro Municipal “Camilo Dinucci”.
A
lguns anos depois, Pedro desistiu dessa
sociedade, recebendo pela cessão de suas quotas a Emílio Peduti a participação deste no imóvel e as quotas que ele possuía na Empresa Gráfica Botucatu Ltda.
JORNALISMO
D
as atividades profissionais exercidas por Pedro
Chiaradia, o jornalismo foi, sem dúvida, a que mais o agradou e que lhe proporcionou as maiores satisfações. Ele já era assíduo colaborador de jornais locais (“II Moccollo“,”Correio de Botucatu”, “Jornal de Noticias”, etc.,) desde seu segundo seu retorno da Itália. Em 19 de março de 1935, um grupo formado por Agenor Nogueira, Anselmo S. de Souza, Antônio Aversa, Antônio Queiroz, Antônio Tilio, Ayres Nelson Fernandes, Bernardino Correa Amaro, Carlos César, Dirceu Dias Ferraz, Emílio Peduti, Flávio César, Francisco de Paula Carvalho, Francisco Dias Ferraz, Jayme de Almeida Pinto, João Lumina, Joaquim Amat, José Dal Farra, Dr. José Damião Pinheiro Machado, José Gomes da Cunha, Pedro Chiaradia, Pedro Stefanini, Petrarca Bacchi, Raphael Serra e Dr. Sylvio Galvão adquiriu do professor Aluízio de Azevedo Marques todo o equipamento gráfico da Companhia Weigang Limitada, através de Escritura de
Venda e compra lavrada no Livro 127 AUX, fls. 145v a 147, do Cartório dirigido pelo tabelião Sebastião Pinto Conceição e pelo escrivão-substituto Rodolpho Barbosa, de Botucatu, Antônio Barreiros e Alfredo Lopes Galvão assinaram como testemunhas. Essa companhia editava o “Jornal de Noticias”, criado em 1931 por João Thomaz de Almeida e Nello Pedretti e extinto em 1935.
E
m 30 de março de 1935, os integrantes acima
relacionados constituíram a sociedade Empresa Gráfica Botucatu Limitada, para exploração de artes tipográficas e ramos similares, tendo Emílio Peduti como gerente. O contrato social revelava as seguintes modificações no quadro inicial (item 3.2): Serafim Blasi & Companhia no lugar de Brasil Blasi e Esdras Dias Ferraz no lugar de Francisco Dias Ferraz. Anotava ainda os seguintes ingressos na sociedade: Afonso Celso Dias, Antônio Torelly, Camilo Mazzoni, Leopoldo Fernandes Silva, Manoel Álvaro Guimarães, Pedro Pires de Campos, Pedro Wenceslau, Salvador de Toledo Artigas e Virginio Lunardi & Companhia. Antes da instalação da Empresa Gráfica Botucatu Limitada no prédio fronteiro à Rua Monsenhor Ferrari, esquina da Rua Curuzu, ocuparam a parte do fundo, construção de tábuas, sucessivamente, o Cine Ideal (já
mencionado no item 2.2), uma quadra de basquetebol, o Clube Luiz Gama e um rinque de patinação. Esse barracão desabou depois de forte temporal, sendo levantado em seu lugar um prédio de dois andares, com frente para a Rua Curuzu, ocupado sucessivamente por depósito de bebidas, Rádio Municipalista, Fábrica de Aparelhos Cinematográficos, Academia de Karatê, Escola de Dança, Curso de Teatro e hoje por loja de molduras e artefatos de madeira e escola de pintura. No prédio da Rua Monsenhor Ferrari, antes ocupado pela Empresa Gráfica Botucatu Limitada, está estabelecida a loja Ponto Certo.
Cartões Associação de Escritores e Associação Paulista de Imprensa
FOLHA DE BOTUCATU
E
m 10 de abril de 1935 foi lançada a “Folha de
Botucatu”, da qual Pedro, inscrito sob n° 363 na Associação Brasileira de Escritores, era o jornalista responsável, constando como gerente o Sr. Antônio Tilio. Tri-semanal no começo e depois diário, ela logo se tornou um importante órgão midiático da cidade, juntamente com o “Correio de Botucatu” e o “Monitor Diocesano”. Vários jornais e revistas já haviam sido lançados na cidade, quase todos com curta duração.
N
os primórdios da “Folha” a preparação dos
textos para impressão de suas páginas era feita manualmente, com tipos de ferro unitários e recambiáveis. Cada tipógrafo tinha à sua frente um cavalete, móvel de madeira com pouco mais de um metro de altura, no qual eram engavetadas as caixas de tipos e em cuja superfície, levemente inclinada para facilitar o serviço ele colocava a gaveta com que ia trabalhar.
A caixa de tipos consistia em um tabuleiro retangular de madeira, plano e dividido em cubículos quadrados ou retangulares, no qual estavam colocados os tipos das letras de A a Z. Esses pequenos espaços continham também os tipos das letras maiúsculas, das vogais com acento, dos corpos (tamanhos) diferentes dos básicos, dos espaçamentos das palavras e dos sinais ortográficos (ponto final, vírgula, ponto e vírgula, pontos de interrogação e de exclamação, aspas, etc.). Dentro de cada cubículo existia uma determinada quantidade do tipo que o identificava, para uso nas repetições dele nas palavras da mesma página. Como se observa, o número de cubículos era enorme, daí as diversas gavetas do cavalete.
O
tipógrafo pegava nos cubículos o tipo necessário
à montagem de cada palavra ou sinal e o colocava seguidamente na linha em elaboração no componedor, utensílio de metal apropriado para essa função, que segurava com a outra mão. Após a confecção das manchetes, dos artigos, das noticias, das ilustrações e dos anúncios, os blocos do componedor eram amarrados separadamente e encaminhados à diagramação da página, que eram colocados dentro de um retângulo de ferro, em cima de mesa resistente,
e pressionados por cunhas de metal para que não se movimentassem quando do encaminhamento do retângulo para a impressora. Antes desse procedimento, passava tinta na composição com um rolete e em seguida tirava uma cópia que era levada ao revisor para verificar se havia algum erro. Após essa revisão, eram os retângulos juntados ordenamente e colocados em par na impressora plana, rotativa. Desejando evitar essas trabalhosas tarefas, Pedro, sempre atento as inovações gráficas, comprou em São Paulo uma linotipo, que eliminou a maior parte da composição por tipos moveis, das letras comuns, fundindo linha por linha de cada coluna. Bastante tempo depois, quando a “Folha” já inexistia, surgiu o ofsete, método de estampagem litográfica, que aperfeiçoou ainda mais a impressão de textos e desbancou as linotipos.
A
“Folha de Botucatu” encetou inúmeras
campanhas na defesa dos interesses da coletividade e apoiou as promovidas por terceiros com igual objetivo. É memorável a do afastamento do Bispo que administrara pessimamente a Cúria, sendo sucedido por Dom Frei Luiz Maria de Santana, notável orador sacro e que se tornou grande amigo de Pedro, com quem conversava várias tardes durante a semana, ambos
reciprocamente atraídos pela igualdade do nível intelectual. Pedro auxiliou Dom Frei Luiz Maria de Santana na recuperação financeira da Cúria. Graças a ele, a maioria dos credores aceitou o pagamento de apenas 40% da dívida, mas um deles insistia na decretação da falência da Mitra. Pedro novamente entrou em ação e, com alguns racionais artigos no seu jornal, salvou-a da quebra. Quando dessa campanha, ele recebeu uma carta ameaçadora do Bispo deposto, porém não a divulgou. O original dela, guardado pelo filho Fulvio, foi doado a Dom Maurício, atual Arcebispo, que, segundo consta, pretende organizar um museu eclesiástico e esse documento possivelmente será incorporado à história da Mitra de Botucatu.
O
utra iniciativa vitoriosa da “Folha” foi a
desencadeada por seu colunista José Amaro Faraldo visando à instalação de uma Faculdade de Medicina no prédio do Hospital Regional do Distrito de Rubião Junior, destinado à cura de tuberculosos e então sem atividade devido a descoberta de medicamentos que reduziram a incidência da doença e possibilitaram o tratamento domiciliar dos pacientes afetados por ela, tornando dispensável a internação dos mesmos. Como é do conhecimento de todos, o objetivo
dessa oportuna proposta foi consumado.
D
entre as tantas conquistas resultantes de
campanhas concebidas ou endossadas pela “Folha”, merecem citação mais as seguintes, todas sumamente relevantes: instalação da Escola Industrial, do Curso Colegial na Escola Normal “Dr. Cardoso de Almeida”, da Escola Prática de Agricultura e do Parque para Exposição de Animais; ampliação do Distrito Industrial; permanência da sede regional dos Correios e Telégrafos, da sede da Região Administrativa do Estado e da Delegacia da Receita Federal, todas então ameaçadas de fechamento; criação de uma Rádio Emissora e da criação de uma Circunscrição de Recrutamento Militar; a vinda dos colonos holandeses ao nosso município; transformação de Botucatu em entreposto quando se cogitava do acesso à ferrovia Brasil-Bolívia; construção de um moderno aeroporto e das rodovias de Botucatu a Pardinho, a Guareí, a Torre de Pedra e a Itapetininga, o que permitiu a interligação com as mais importantes rodovias paulistas e interestaduais.
Q
uase todos os artigos relativos às mencionadas
reivindicações, publicadas na “Folha de Botucatu”, foram transcritos por Rubens Amaral na “Folha da Manhã”, de
circulação nacional.
N
aquela remota época os jornais botucatuenses
tinham colaboradores cultos e de destaque na sociedade. Eles se reuniam na redação do periódico a que serviam e batiam longos papos, num ambiente saudável entre pessoas de elevado nível intelectual e alguns novatos, apelidados de “foca”, interessados no aprendizado no oficio Eis abaixo nomes de alguns desses figurões: Adolpho Dinucci Venditto, Aleixo Delmanto, Antônio Oscar Guimarães, Antônio Tílio Júnior, Afonso Celso Dias, Antônio Pires de Campos, Álvaro Ruiz, Albertino Iasi, Aluisio de Azevedo Marques, Agostinho Minicucci, Arnaldo Moreira Reis, Ari Thomaz Simonetti, Benedito de Almeida, Carlos Antônio de Rosa, Damião Pinheiro Machado, Diego Pires de Campos, Djalma José Grohmann, Domingos Minicucci Filho, Eulico Mascarenhas de Queiroz, Elda Moscogliato, Emílio Agostinho Sambugaro, Edmilson José Zanin, Frei Fidelis, Francisco Marins, Gilberto Pereira Machado, Hernani Donato, Hugo de Avellar Pires, Humberto Vicentini, Ignácio de Loyola Vieira Novelli, João Thomaz de Almeida, João Rodrigues Nepomuceno, José Kuster Pisani, José Pedretti Neto, José César Cassano, José Amaro Faraldo, José do Amaral Wagner, Lygia Maria Cintra dos Santos, Luís Peres, Luiz de Rosa, Lúcio Ribeiro da Motta,
Lourival de Oliveira, Lourenço Júlio César Paolini, Luiz Baptistão, Maria José Dupré, Manuel Paes de Almeida, Milton Mariano, Nello Pedretti, Osmar Delmanto, Oswaldo Minicucci, Ranimiro Lotufo, Renato Vieira de Mello, Sebastião de Almeida Pinto, Sebastião Pinto Conceição, Sebastião da Rocha Lima, Trajano Pupo Júnior e Vanice de Andrade Camargo Alves.
P
edro tinha a matrícula nº 412, Cat. A.1, da
Associação Paulista de Imprensa. Jornalista nato, dominava perfeitamente o idioma português, apesar de ser autodidata, atribuindo esse esmero à costumeira leitura das obras de Machado de Assis, seu autor preferido. Ele assinava seus sempre elogiados artigos com engenhosos pseudônimos, sendo os mais famosos o “Cristino da Cruz”, o “Petrus Petrônio” e o “Juca Bicanca”. Aliás, o uso de pseudônimo era comum na imprensa da época: na “Folha”, por exemplo, o do prof. Gilberto Pereira Machado era “Gipema”; do Frei Fidelis “Peregrino Vidal”; do Innocente V. Chiaradia “Inochi”; do Prof. Raymundo Cintra, “Racy”; do Fulvio J. Chiaradia, “Jochi”. Passaram pela “Folha” tipógrafos altamente
qualificados, como Amadeu Ambrosi, Antônio Gamito, Arlindo Fábio, Cláudio Sperandin, Ettore João Baptista Barbero, Geraldo Marques, Gilberto Simonetti, Ivo Fioravanti, Hortêncio Gonçalves, João Carmona de Oliveira, João Dias Camargo, João Lourenção, José Carlos Carreira, José Pedretti Neto (que depois se tornaria ótimo redator, articulista, orador, poeta, professor e diretor da Escola Normal “Dr. Cardoso de Almeida”), José Pereira Garcia, Juventino Palombarini, Laurindo Minhoto Sobrinho, Mauro Pena, Moacyr do Amaral, Paulo Martins, Renato Borges de Freitas, Sebastião, Waldomiro Sanson, etc.
G
erenciaram a “Folha” e/ou a Empresa Gráfica
Botucatu Ltda.: Antônio Tillio, Frank Laluna, Fulvio José Chiaradia, Innocente Verginio Chiaradia, Luís Carlos de Moura Campos e Luíz Carlos Sabóia. Foram seus secretários e/ou redatores: Antônio Tillio Júnior, Carlos de Oliveira Gonzaga, Darcílio Pinheiro Machado, Eulico Mascarenhas de Queiroz, Gilberto Pereira Machado, Innocente Verginio Chiaradia, José Pedretti Neto e Sílvio de Carvalho e Silva Mattos. Pedro era uma pessoa extremamente simples,
comunicativa e bondosa. Ele tratava seus empregados com atenção, respeito e amizade. Nos aniversários da fundação da “Folha de Botucatu” e em todo dia da Imprensa, promovia reuniões de congraçamento entre os funcionários. redatores e demais colaboradores, sempre providas das deliciosas pizzas preparadas por Oliva, sua prendada esposa, e regadas a chopes.
A
“Folha” circulou até meados de 1959, quando sua
aparelhagem foi vendida à Gráfica Riachuelo, de Antônio Fonseca Mendes. Pedro pagou todos os quotistas remanescentes, da Empresa Gráfica Botucatu Ltda., entre eles alguns ausentes havia muito tempo de Botucatu: Afonso Celso Dias, renomado educador e Antônio Queiroz, destacado comerciante. Todavia, uma crônica escrita e lida na Radio Emissora de Botucatu por Oswaldo Minicucci, emérito educador, professor de vários estabelecimentos de ensino, emocionou fortemente Pedro. Seu filho Fulvio, chocado com o abalo sofrido pelo pai, comprou em dois dias novos equipamentos e restaurou a “Folha”, que subsistiu nessa nova etapa até 1960. Pedro já não gozava de boa saúde, tinha problemas na vista, na perna operada e por esses motivos os equipamentos e a marca “Folha de Botucatu” foram vendidos, desta vez definitivamente ao grupo da “Gazeta de Botucatu”, o qual editou poucos números e depois sustou sua publicação.
POLÍTICA
A
paixonado pela política, Pedro defendia
ferrenhamente, através da “Folha”, seu ex-sócio Emílio Peduti e o antigo Partido Social Democrático (PSD), no qual se inscrevera antes da revolução de 1930. Devido a essa inclinação partidária, travou calorosos debates com redatores de outros jornais locais, sobretudo os do “Correio de Botucatu”, cujos dirigentes militavam no Partido Social Progressista (PSP). O “Correio”, fundado pelo Dr. Miguel Alvarenga em 1921, em 1924 passou a ser propriedade de Deodoro Pinheiro Machado, em 1949 da firma Santos & Santos Publicidade, em 1950 do político Geraldo de Barros (irmão do veterano político Adhemar de Barros) e depois da família Paganini, tendo encerrado suas atividades em 1977 substituído pelo “Diário de Botucatu”.
Q
uando da candidatura de Oswaldo Lunardi a
Prefeito de Botucatu, esse seu cunhado recebeu o apoio do estadista Hugo Borghi, candidato a Governador. Após um
comício deles na cidade, Pedro e os correligionários José Paolini (Bepe) e Joaquim André chamaram o taxista Antônio Tocci para levá-los a Vitoriana, onde a campanha eleitoral prosseguiria, e tomaram o rumo pela estrada existente até hoje e que dá também acesso a várias fazendas da região, inclusive a Fazenda Lageado, antiga Estação Experimental de Café, do governo federal, hoje incorporada à Universidade Estadual Paulista, por doação do Governo do Estado de São Paulo, graças ao trabalho do na época Deputado Federal Braz de Assis Nogueira, que conseguiu com o Governo Federal a permuta dessa propriedade com a Ilha Anchieta, e depois doada pelo Estado à Universidade Estadual Paulista, juntamente com a Fazenda Edgardia; hoje ambas abrigam o “Campus” da Faculdade de Ciências Agronômicas daquela Universidade.
A
o cortar um cruzamento da via rural, na entrada
dessa fazenda, o automóvel em que viajavam colidiu com um caminhão carregado de pedrabritada, provocando graves lesões aos ocupantes, felizmente nenhuma letal. Pedro louvava fervorosamente a honestidade, a moralidade e as causas justas e abominava energicamente as falcatruas de qualquer gênero, como exemplifica o
antológico episódio aqui narrado. Certo dia foi procurado por um político que era alvo de suas implacáveis censuras na “Folha” em virtude de atos de corrupção em que se envolvia.
O
visitante foi direto ao assunto que o levava até o
escritório do jornal: não pretendia que Pedro o elogiasse, bastando que apenas o poupasse de suas influentes críticas. Dito isso, pôs sobre a escrivaninha do experiente jornalista um cheque assinado, mas com o valor em branco, cuja fixação, afirmou, deixava a critério de Pedro. Este o encarou, pegou o cheque, picou-o, jogou os pedaços no cesto de lixo e respondeu calmamente: “Minha consciência não está à venda.” Depois expulsou da sua sala o frustrado subornador.
HOMENAGENS
A
rmando Delmanto reativou a prestigiosa “Folha
de Botucatu” em 1988, com edições intermitentes, em várias das quais homenageou o criador dela. Foi transcrita na de 27 de setembro de 1990 a seguinte saudação do Vereador Dr. Antônio Gabriel Marão, proferida quando da concessão do título de “Cidadão Botucatuense” ao emérito jornalista: “Pedro Chiaradia foi um verdadeiro escravo da sua profissão. Seu dever de criticar ou de elogiar estava sempre acima de suas conveniências. O certo é que, no desempenho de suas funções, não conheceu amigos ou inimigos. Não foi um jornalista comum. Isso porque fez discípulos que ainda hoje o reverenciam. Soube formar, corrigir, orientar. Ensinou aos que se iniciavam no jornalismo a mística da honestidade. Foi, como Sócrates, um professor de exemplos.
H
onrou e engrandeceu o jornalismo
botucatuense, pródigo em grandes e abnegados valores. Numa terra onde pontificaram Levy e João Thomas de Almeida; onde se elevaram Deodoro Pinheiro Machado e
Eurico Mascarenhas de Queiroz, ele sobressaiu-se, de vez que, à bossa jornalística, uniu sua invejável cultura, a par de seu jamais desmenti do espírito de humanidade”.
C
onstou da mesma edição o discurso do
acadêmico Hernani Donato, assim iniciado: “A “Folha” e seu ilustre diretor, Pedro Chiaradia, colaboraram muito para o desenvolvimento de nossa cidade. Além de preservar a cultura de nosso povo, graças aos artigos publicados neste insigne jornal é que Botucatu obteve tantas melhorias.” Em seguida ele especificou as campanhas detalhadas nas páginas 27; 28 e 29. Hernani Donato traduziu à língua portuguesa o épico livro “A Divina Comédia” do escritor italiano Dante Alighieri, já mencionado no item 1.9. Na abertura de sua versão ele faz uma afetuosa referência a Pedro Chiaradia.
F
rancisco Marins, também articulista da
“Folha”, nunca perde oportunidade para demonstrar seu reconhecimento a Pedro Chiaradia. No discurso de sua
posse na Academia Paulista de Letras ele se referiu ao “papa” Pedro Chiaradia e citou vários contemporâneos seus na imprensa botucatuense. Ele publicou na “Gazeta de Botucatu”, em 30 de setembro de 1983, um artigo que bem definiu a figura de Pedro Chiaradia: Os (pitos) e puxões de orelha do Pedro...
S
ão aqueles de não se esquecer porque impunham
uma conduta, marcavam a direção! E doíam mais do que se realmente macerassem a carne e espicaçassem entranhas. Mas dados de modo suave, para chamar à razão o discípulo inseguro e orientá-lo para que se não desviasse da rota firme e responsável.
A
redação da Folha de Botucatu, onde Pedro
Chiaradia pontificava naturalmente, sem nenhuma empáfia, respeitado por muitos e temido por adversários, pelo seu estilo irônico mas saboroso e, por todos, pela sua cultura humanística, tornou-se, por largo tempo, bela e inesquecível época, uma espécie de navio-escola, onde a “oficialidade” era constituída por Nello Pedretti, Eulico Mascarenhas, Tião
Pinto, Sílvio Galvão, Dr. Arnaldo e até por Amaral Wagner, todos mestres de muitos ofícios, mas ali só colaboradores e pelo segundo escalão o dos grumetes, a “arraia” miúda: Pedretti, Hernani, Gonzaga, Luís Carlos Moura Campos, Osmar Delmanto, Nelson Lago, Sampaio... Entre estes me incluía. Estes imberbes, pousando de “focas”, admiravam o mestre nas suas “ferroadas” quando polemizava com a batuta de Petrus Petrônio ou desancava mazelas sob Juca Bicanca. Ali, traçavam planos políticos ou literários, quase sempre inatingíveis; um deles foi o de se instalar à época, uma grande industria gráfica de 1.500 empregados. Outra, a brincadeira de se imprimir um exemplar único da “Folha” que indicava o Máximo como responsável por “espancamentos” dos velhinhos do Asilo de Botucatu.
O
“trote” quase gerou tiros! Na Gerência, com os
óculos encavalados na ponta do nariz, à maneira de um Scrooge, de Dickens, porém de coração mole, o velho Tilio, reaproveitava até o verso de envelopes usados. Eram estes os papéis disponíveis para os “focas” escreverem seus artigos e noticias. Os tempos eram duros e Petrus financiava a aventura jornalística, em crise permanente e a “tripulação” procurava,
com dose de idealismo, colaborar com o Capitão, feliz e compensada somente com a paga de ver estampada em letras de forma, pelas mãos do Sanson e do Minhoto suas “retumbantes” ideias...
I
deias de Juventude que às vezes queria ir além de
seus passos curtos e inseguros. E daí os “puxões de orelhas”, quando merecidos. Foi o que aconteceu de certa feita quando alguns ginasianos da então gloriosa Escola Normal colocaram-se em franca hostilidade ao seu Diretor, Antônio Henrique Ribeiro,bom educador, mas embuído de ares inquisitoriais (estava-se em plena ditadura getulista). Houve reação dos moços: uma a dos famosos “arrotos” tonitruantes do Gonzaga, em sessão de louvação do regime que recebeu grandes risadas; outra, de quem escreve estas linhas não apresentando ao Diretor, como ele exigia, o seu discurso de 7 de Setembro, para censura prévia e pronunciando-o de viva voz, na solenidade. E ainda, a mais terrível, a catilinária que o grupo da 5ª série (Diógenes Negrão et caterva) forgicaram em latim macarrônico sob a denominação “Tria capritorum amatorum fuerunt em hortarum escolarum normarum e rapuerant muitas “brassicas oleraca” (couve).... Pirulitorum videt e os denuncia policiarum....”. A arenga ia adiante
contando uma das mais esquisitas aventuras em relação ao espírito reinante no estabelecimento, orgulho dos botucatuenses. Mas o apelido “Pirulito” pegou no saudoso Diretor.
E
o grupo não conseguindo seus objetivos de
afasta-lo da Escola, planeou publicar verrina contra o “Pirulito”. Levou o escrito as mãos do Petrus, que mandou chamar os cabecilhas da “cainçalha” entre os quais alguns dos seus “diletos” redatores e discípulos da “Folha”, citados acima e perguntou-lhes: -Vocês assinam o destampatório que escreveram? Todos se encolheram. Queríamos a coberta cômoda do anonimato! Alguém sugeriu, vendo que ele não publicaria a diatribe: -E se a gente mandasse uma carta anônima? Pedro olhou-nos gravemente! Todos nos encolhemos. -“Se vocês não tem coragem de escrever seu nome em baixo do artigo, jamais mandem uma carta anônima! Só os covardes fazem isso! No jornal podemos usar pseudônimos, mas o Autor deve responder pelo que diz!” Aquela lição como tantas outras do timoneiro Pedro Chiaradia certamente jamais seria esquecida por todos nós, os “grumetes”!
D
a redação da “Folha”. Felizes os que podemos
recordar uma figura desse porte, tão rara em nossos dias, quando ele parte para sempre! Francisco Marins. Francisco Marins foi autor de mais de uma dezena de livros, em sua maioria do gênero infantil, inserindo em todos eles uma cordial dedicatória a Pedro Chiaradia, na qual sempre lhe atribuía o cognome de “Mestre”.
S
ebastião de Almeida Pinto, ótimo contador de
casos e assíduo colaborador da “Folha”, relatava casos acontecidos, com muito humor. Pedro lhe dizia que seus jocosos contos publicados na “Folha” seriam esquecidos, porque os brasileiros não guardam jornais antigos e os artigos lavrados por ele ficariam estocados só em Museus ou Centros Culturais, ao passo que num livro seriam imortalizados, procurados e lidos. Assim Sebastião editou o livro “No velho Botucatu”., sendo que no ato do lançamento da segunda edição foi citada essa idéia plantada por Pedro. Oswaldo Minicucci, emérito professor, escreveu no jornal “A Gazeta de Botucatu”, em 26/11/1979, em sua coluna PEÇO A PALAVRA, a crônica:
MARINS E DONATO
T
odo botucatuense, nato ou adotivo, vibra
intensamente quando algum de seus filhos, mercê de seu talento ou de sua atividade em determinado setor, se destaca sob qualquer aspecto, enaltecendo, dessa maneira, a comunidade que o viu nascer. Não é segredo para ninguém que Botucatu tem um núcleo cultural de primeira grandeza. As escolas, as boas escolas que sempre possuímos, através dos tempos, até o advento do ensino superior, com a criação e instalação de mais de dez faculdades tornaram Botucatu centro irradiador de cultura, por que não dizer, criou-se uma elite cultural em nossa comunidade, como conseqüência de aumento do índice de escolaridade de sua gente.
T
empos houve em que éramos uma cidade, onde o
ensino médio, representado pela alta eficiência de sua escola normal, possuía patrimônio educacional constituído por professores do mais alto nível, tendo sido a fase em que mais
desabrocharam talentos para as letras. Foi a época do mestre Pedro Chiaradia, criando jornalistas e orientando-os para o aprimoramento cultural. A Folha de Botucatu tornou-se uma escola de jornalismo. Como o foi, também na época, o Correio de Botucatu. E ai surgiram dois elementos que viriam, mais tarde, engrandecer Botucatu seus talentos para as letras, face as obras que iriam escrever e difundi-las através não apenas no Brasil, mas também no exterior, em traduções. Referimo-nos a Francisco Marins e Hernani Donato. É sempre uma satisfação falar de ambos por que a todo instante eles surgem no noticiário dos jornais ou de outros veículos de comunicação. Através de feitos que os engrandecem cada vez mais e, por extensão, a terra que os viu nascer e lhes proporcionou as oportunidades primeiras de demonstrarem o talento inato de que eram possuidores. Não nos temos furtado em mencionar sempre esses feitos, com aquela vaidade botucatuense e, mesmo por que, tivemos a ventura de ser contemporâneo dos mesmos nos saudosos tempos do ginasial.
P
ois bem , todo este preâmbulo vem à
propósito da noticia que nos chega de São Paulo, comunicando que Francisco Marins e Hernani Donato acabam de ser eleitos presidente e secretário geral da
Academia Paulista de Letras para o biênio 79/80. Vejam bem, Marins Presidente da Academia uma das mais conceituada do Estado de São Paulo, ombreando-se mesmo com a Academia Brasileira de Letras, pois São Paulo tem sido, sem favor nenhum, o centro irradiador de cultura em todo o pais. Nessas condições, dois botucatuenses, ocupando duas altas funções numa instituição desse jaez só poderia ser um feito de tão grande expressão, em se considerando que a presidência de uma academia e, via de regra, ocupada por elementos mais antigos e que ocupam cadeiras há mais tempo. Nós temos a impressão de que o fato em si, é de tal relevância que não poderia ficar restrito a um comentário, a um elogio, a uma menção pura e simples. Esses dois botucatuenses merecem os aplausos de toda a população, de seus poderes públicos e de nossa Academia, eis que Marins e Donato são patronos de duas de suas cadeiras.
D
esejamos, através de nossas modestas
palavras, cumprimentar os dois diletos amigos, os dois renomados escritores e acima de tudo, os dois grandes botucatuenses. A Academia Paulista de Letras terá em Marins e Donato ambos nascidos em 1922, dois excelentes diretores que saberão dirigi-la com o mesmo acerto com que
sempre dirigiram suas próprias vidas, dentro de retidão de caráter, do dinamismo de suas ações e da elevação de suas culturas.
E
mílio Agostinho Sambugaro, também
colaborador de “Folha”, enviou a Pedro o poema UM JORNALISTA, intencionalmente intitulado em letras maiúsculas:
Ele é tão grande, para o meu talento, Mas, mesmo assim, eu quero descrevê-lo; Não por inteiro, que ele é um monumento, Mas algo assim que não deixa esquecê-lo, E, em qualquer parte, e a qualquer momento, Que lembro dele, me parece vê-lo Sentado à mesa, fixo o pensamento No seu jornal, que edita com desvelo. No seu jornal...sua “FOLHA” tão querida, Que era seu lar, seu deus, que era sua vida, Que era o que, no mundo, mais queria. Seu justo orgulho, já inativo e enfermo: Ter consciência que foi, no exato termo, UM JORNALISTA: PEDRO CHIARADIA.
O
saudoso professor, escritor e jornalista José
Pedretti Neto dedicou a Pedro esta composição literária, lavrada em outubro de 1939, no viço de seus 19 anos, o que atesta seu precoce talento:
TOADA DA MINHA TERRA A Pedro Chiaradia
Cidade do alto da serra que meu amor todo encerra. Cidade trabalhadora da Vila dos Lavradores. E o bairro inteiro zumbe... estruge... e ruge... e zanga... E ronca... batendo o compasso nos trilhos de aço ao calor do mormaço. E as máquinas negras arfam ardentes E resmungam... e clamam... e choram fumaça... e cospem fuligens pelas bocas disformes... Anseio, trabalho, vertigem... Cidade milagrosa da Santa Cruz de Ana Rosa. Cidade de caridade do Asilo de Mendicidade. Cidade de velha capela de São Benedito. Cidade de 13 de Maio, que viu no batucar, entre o pregão do café. bolinho e quentão... Perfume intenso de gente cansada e pele tostada.
Cidade sempre sem mágoa da zona da caixa d'água. Cidade que é todo um mistério morando no cemitério. Cidade cheia de fé da velha Sé Catedral, da Igreja de São Benedito, daquela de São José, de Nossa Senhora de Lourdes, da Vila dos Lavradores, daquela de Santo Antônio postada no Bairro Alto. Cidade que é um sacrário sob o céu de ouro e cobalto. Cidade que a tradição ressoa na Praça João Pessoa. E os velhos falam de maneira saudosa de uma velha figueira cheia de anos ao cair das tardes cor-de-rosa. Cidade altiva e moderna da Rua Amando de Barros. Cidade da biquinha cheinha da gente à tardinha. Cidade um tanto esquisita do Bairro da Boa Vista. Cidade alegre e vazia de vida estudantina ao lado do jardim velho. E cada escola é uma Igreja onde se aprende o Evangelho. Cidade recreativa do B0sque do Sossego amigo.
Cidade... Cidade de minha saudade, Cidade de minha paixão, Cidade do meu coração! Como a unanimidade é inviável em quase tudo, notadamente no âmbito político, um covarde desafeto de Pedro, contratou dois capangas para o surrarem, em represália a procedente acusação divulgada na “Folha”. Preparada a emboscada, o brioso jornalista foi cercado durante sua caminhada vespertina pelos dois comparsas, que passaram a provocá-lo.
P
ercebendo a cilada, Pedro, franzino como era,
solicitou calmamente para eles o ouvirem e lhes pregou uma lição de moral tão eloquente que os bandidos se desencorajaram, pediram desculpa e fugiram.
ACADEMIA BOTUCATUENSE DE LETRAS
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oi fundada em 9 de julho de 1972. No dia 1 de
setembro de 1972, Pedro recebeu ofício dessa entidade comunicando a aprovação de seus Estatutos e a eleição de sua primeira Diretoria. Informava também que ele havia sido escolhido como MEMBRO HONORÁRIO e solicitava o envio de sua biografia. No dia 7 de março de 1973, no plenário da Câmara Municipal, realizou-se a sessão solene de instalação da referida entidade e de posse dos primeiros acadêmicos: Aleixo Delmanto, Antônio Gabriel Marão, Antônio Pires de Campos, Arnaldo Reis, Bahige Fadel, Dinorah Silva e Álvares, Domingos Alves Meira, Elda Moscogliato, Francisco Guedelha, Ignácio de Loiola V. Novelli, José Antônio Sartori, Luíz Peres, Olavo Godoy, Osmar Delmanto, Oswaldo Minicucci, Raymundo Marcolino Cintra, Sebastião Rocha Lima, Sebastião de Almeida Pinto e Trajano Pupo Júnior. Figuravam entre os patronos os botucatuenses Alceu Maynard de Araujo, Francisco Marins e Hernani Donato. Foram considerados membros honorários: Carlos Drumond de Andrade, Genaro Lobo, Henrique
Golland Trindade, Hugo Pires, Malba Tahan, Maria José Dupré, Marina Passos, Pedro Chiaradia e Vicente Marchetti Zione.
A
primeira Diretoria da Academia era assim
constituída: Presidente, Antônio Gabriel Marão; 1º VicePresidente, Trajano Pupo Júnior; 2º Vice-Presidente, Arnaldo Reis; 1º Secretário, Bahige Fadel; 2º Secretário, Elda Moscogliato; 1º Tesoureiro, José Antônio Sartori; 2º Tesoureiro, Olavo Godoy; Bibliotecário, Sebastião Rocha Lima.
Convite da Assembléia de Posse
CIDADÃO BOTUCATUENSE
E
m 17 de novembro de 1965, a Câmara Municipal
de Botucatu, presidida pelo Sr. Laurindo Izidoro Jaqueta, aprovou por unanimidade a Resolução nº 138, da mesma data e formulada pelo Vereador Antônio Gabriel Marão, conferindo ao ilustre jornalista Pedro Chiaradia o título de “Cidadão Botucatuense”.
Q
uando da entrega do diploma dessa
honraria, em sessão de 14 de abril de 1966, coincidente com o 111° aniversário de Botucatu e que contou com a presença do Prefeito Municipal, Professor Joaquim.Amaral Amando de Barros, Pedro foi saudado pelo Vereador Dr. Antônio Gabriel Marão, autor da moção que culminava com esse preito. Sua manifestação está transcrita no item 3.9 acima. Receberam a mesma distinção, nessa oportunidade, Dom Silvio Maria Dário, Bispo Auxiliar de Botucatu, e Adeodato Faconti, escritor e jornalista. No seu discurso de agradecimento, Pedro, com a humildade que lhe era peculiar, frisou: “Seria lógico que neste momento fizéssemos
um exame retrospectivo, revivendo o passado, a fim de perguntar à nossa consciência se fizemos realmente algo para receber a homenagem ora concedida neste austero recinto do Legislativo Municipal�. Ele foi calorosamente aplaudido.
NOME DE RUA
E
m sessão de 13 de setembro de 1983, a Câmara
Municipal aprovou a indicação nº 453/83, apresentada pelo Vereador Progressso Garcia e subscrita também pelo Vereador José Ramos, na qual seu autor recomendava ao Prefeito estudos urgentes para a outorga do honrado nome do jornalista Pedro Chiaradia a algum dos logradouros da cidade. A rua escolhida está localizada no Bairro 24 de Maio.
MEDALHA “BRIGADEIRO JOSÉ VIEIRA COUTO DE MAGALHÃES”
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ssa condecoração foi conferida a Pedro
Chiaradia pela Sociedade Geográfica Brasileira, através do Diploma 67, emitido pela mesma, em reconhecimento aos seus méritos pessoais e ao seu dedicado culto à história da nossa pátria.
TEATRO AMADOR DA ESCOLA “DR. CARDOSO DE ALMEIDA”
O
Professor Genaro Lobo iniciou em 10 de março
de 1951 um movimento destinado a proporcionar oportunidades de exercícios artísticos na Rádio Emissora de Botucatu a atores amadores, que assim poderiam ganhar experiência na atividade. Seu idealizador criou o Curso de Teatro Amador na Escola Normal “Dr. Cardoso de Almeida”. Armando Joel Nelli, gerente do Banco Comercial em Botucatu e entusiasta das idéias do Professor Genaro, conseguiu da Prefeitura Municipal, com muito esforço, a doação do terreno necessário e realizou campanhas que visavam à arrecadação dos recursos financeiros indispensáveis a essa finalidade.
P
or ter apoiado vivamente essa louvável iniciativa
na “Folha”, Pedro recebeu em 1º de setembro de 1963 o título de Sócio Benemérito da referida instituição. O prédio assim erigido recebeu o nome de Cine Teatro Nelli e hoje funciona com dupla utilidade: cinema e teatro.
EPÍLOGO
P
edro faleceu em 11 de setembro de 1983, findando
sua profícua sina na Terra. A Academia Botucatuense de Letras, tema do item 4 desta biografia, prestou-lhe significativa homenagem póstuma no dia seguinte, em reunião convocada especialmente para essa finalidade, quando usaram da palavra os renomados escritores Francisco Marins e Hernani Donato, ambos discípulos e amigos do venerável extinto. A história de Botucatu carecia de um documentário completo como este sobre o insigne, culto e prestativo Pedro Chiaradia. Ao concluí-lo evoco as inspiradas palavras do eminente escritor e publicitário Nizam Guanaes, pois elas retratam perfeitamente minha admiração por meu pai: “Eu era criança e queria ser igual a ele. Adolescente, procurei meus próprios caminhos. Então cresci e descobri que queria ser igual a ele.”
A
gradeço a Deus pelo maravilhoso pai que
concedeu a nós, seus filhos, do qual muito nos orgulhamos e que nos legou salutares lições de honestidade, fraternidade, civilidade, altruísmo, disciplina, paciência e estoicismo.
B
otucatu, 30 de Setembro de 2012. Fulvio José Chiaradia