CADERNO DE FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA | INSTITUTO MORADA

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CADERNO DE FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA INSTITUTO MORADA | COMUNIDADE TERAPÊUTICA

PROJETO DE DIPLOMAÇÃO II PROF. ORIENTADOR: MÁRIO EDUARDO PEREIRA

LUCAS SILVA ALVES CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA 2022



AGRADECIMENTOS Inicio meus agradecimentos registrando minha grande felicidade e gratidão à Deus e ao universo por terem me conduzindo até aqui, com uma trajetória repleta de aprendizado e pessoas maravilhosas a quem agradecer. À minha família: minha mãe Carla, meu pai Máximo, meu irmão Pedro Paulo, minha avó Alderina e minha tia Suely, agradeço por terem sido meus espelhos e, desde pequeno, me incentivado a perseguir meus sonhos e a lutar pelo que acredito. Agradeço a todos os queridos professores presentes na minha jornada acadêmica; em especial: à prof.ª Carolina Menzl, por ter orientado o ensaio teórico que embasou este projeto de diplomação; ao prof. José Airton Costa e à profª Ludmila Correia, ilustres convidados da banca que proporcionaram grande enriquecimento ao projeto com suas observações; e ao prof. Mário Eduardo Pereira, meu estimado orientador, que além de colaborar com seu vasto conhecimento técnico, me ajudou a crescer não apenas como profissional, mas também como indivíduo. Às arquitetas Jeniffer Souza e Sarah Amorim, minhas mentoras e amigas,

agradeço por tanto terem me ensinado, me lembrando continuamente do valor do companherismo, dos bons momentos e do esforço para o crescimento conjunto. Aos meus amigos de longa data, especialmente: Anne, Igor, Luísa, Ana Luiza, Giovanna, Letícia e Mariana, agradadeço por se fazerem presentes em mais uma etapa da minha vida, estando ao meu lado e celebrando comigo minhas conquistas. Agradeço também a alguns dos presentes que este ciclo maravilhoso me deu, minhas colegas de faculdade e amigas: Beatriz, Ana Luísa, Fernanda, Evelyn, Rachel, Melissa e Dhara, por todos esses anos juntos e pela companhia e apoio, principalmente, nesses últimos meses de diplomação. Agradeço ao Instituto Crescer, na pessoa da Sra. Areolenes, por abrir as portas para mim, me ensinando e me mostrando a realidade do que é verdadeiramente uma comunidade terapêutica. Por fim, agradeço a todas as pessoas e profissionais que se dedicam a ajudar e a tornar melhor a vida de dependentes químicos; garantindo a eles a dignidade, o amor e as oportunidades que ainda tanto faltam.



SUMÁRIO 1 PARTE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA

41 PARTE 3: OBRAS ANÁLOGAS

95 PARTE 5: O PROJETO

3 O USO DE DROGAS E A

47 COMUNIDADE TERAPÊUTICA

97 PROGRAMA DE NECESSIDADES

7 PERSPECTIVA HISTÓRICA

56 ABRIGO PARA VÍTIMAS DE

DEPENDÊNCIA QUÍMICA

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LEGISLAÇÃO NO BRASIL

12 AS COMUNIDADES

SANANIN

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

69 INSTITUTO CRESCER

101 O LAR FORA DA CASA 102 INSTITUTO MORADA 107 EVOLUÇÃO DA FORMA 108 ESTRUTURA MODULAR

TERAPÊUTICAS

15 A NEUROARQUITETURA

79 PARTE 4: OUTRAS REFERÊNCIAS

111 IMPLANTAÇÃO

21 O POTENCIAL TERAPÊUTICO DO

81 REFERENCIAL ARQUITETÔNICO:

116 PAISAGISMO

ESPAÇO

HOSPITAL SATKHIRA

87 REFERENCIAL ARTÍSTICO: 29 PARTE 2: O TERRENO 30 SITUAÇÃO 32 INSERÇÃO NA MALHA URBANA 33 EQUIPAMENTOS PRÓXIMOS 34 ACESSOS 37 ASPECTOS BIOCLIMÁTICOS 38 TOPOGRAFIA 39 LEGISLAÇÃO

MOSTRA CASAS DO BRASIL

121 A EDIFICAÇÃO



PARTE 1

INTRODUÇÃO AO TEMA


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Retrato em família. Colagem digital. Foto original: Bruno Santos


O USO DE DROGAS E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA A dependência por substâncias psicoativas - ou dependência química - é reconhecida como uma doença crônica pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e afeta cotidianamente pessoas de diferentes perfis sociais, econômicos, de gênero e de idade. O assunto, no Brasil, ainda é abordado de maneira superficial, marcado por diversos estigmas sociais e políticos que o traram sob perspectivas isoladas de análise. Segundo a Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas1, a compreensão da dependência química deve ser precedida da consideração dos múltiplos fenômenos que a formalizam: os fatores biológicos; os psicológicos; e os sociais – chamados aspectos biopsicossociais (Figura 1). Todavia, no país ainda persistem atribuições errôneas do uso de drogas apenas a indivíduos marginalizados; cenário esse que, ainda associado à escassez de políticas públicas eficientes, dificulta a promoção do diálogo aberto e cria barreiras que afastam os dependentes do tratamento necessário. O Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) é a repartição da OMS responsável pela investigação e mapeamento global do consumo de substâncias psicoativas. Conforme o Relatório Mundial sobre Drogas de 20212, foi estimado que 275 milhões de

pessoas em todo o mundo utilizaram ao menos uma vez algum tipo de droga durante o ano de 2019, correspondendo a 5,5% da população mundial entre as idades de 15 e 64 anos; e segundo o escritório, considerando os percentuais de crescimento populacional, esse número pode chegar a 299 milhões em 2030. O Brasil, no documento, figura entre os países com maior número de apreensões de cannabis e produtos derivados de cocaína em 2019. Em 2012, um levantamento realizado em todo o território nacional pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas, da Universidade Federal de São Paulo3, constatou que a substância ilícita de maior prevalência de uso no Brasil, até o momento, era a maconha, com 5,8% da população adulta e 4,3% de adolescentes em amostra já tendo experimentado alguma vez na vida; seguida da cocaína, com 3,8% dos adultos e 2,3% dos adolescentes. Outro índice de relevância no relatório foi o uso de tranquilizantes, que apesar de lícitos, já haviam sido utilizados por 9,6% da população com 18 anos ou mais e foi a substância mais consumida entre a população adulta nos últimos 12 meses do estudo, representando aproximadamente 8 milhões de usuários naquele ano em todo o país.

Figura 1: Relação entre fatores e síndrome de dependência química

Fonte: LabSEAD-UFSC (2015)

SENAPRED. Capacitação de Monitores e Profissionais das Comunidades Terapêuticas – CoMPaCTa. Brasília: Ministério da Cidadania do Governo Federal, 2019. 1

UNODC. Global illicit drug trends 2003. New York: United Nations Office on Drugs and Crime, 2003.

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UNIFESP. Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. São Paulo: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas, Universidade Federal de São Paulo, 2012.

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Figura 2: Delimintação do Distrito Federal

Fonte: Croqui autoral

STACCIARINI, Isa; BORGES, Diego. Consumo de crack em Brasília é problema social e de saúde pública. Correio Brasiliense, Brasília, 27 de junho de 2017. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/ app/noticia/cidades/2017/05/27/interna_ cidadesdf,598196/consumo-de-crack-embrasilia-e-problema-social-e-de-saudepublica.shtml. Acesso em: 19 de agosto de 2021. 4

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No Distrito Federal (Figura 2), segundo a Coordenação de Repressão às Drogas da Polícia Civil (CORD), em 2017 a maconha foi a droga mais consumida na UF, seguida do crack, substância derivada da cocaína. A Diretoria de Serviços de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde do DF indicou que, no mesmo ano, cerca de 12 mil pessoas foram atendidas por problemas relacionados ao uso de álcool e de outras drogas4. Os índices na região, nos últimos anos, não demonstram ter passado por atualizações, limitando a identificação do atual panorama da questão; todavia, podem ser cogitados potenciais aumentos nas estatísticas, principalmente, em decorrência do confinamento social resultante da pandemia global iniciada em 2020. E, em todo o mundo, a problemática do uso de drogas ainda se agrava na avaliação dos danos conferidos à saúde dos usuários e, portanto, no cenário geral de saúde pública; principalmente, na crescente constatação de casos de indivíduos que se tornaram dependentes. A UNODC estimou que entre as 275 milhões de pessoas que utilizaram algum tipo de droga no ano de 2019, aproximadamente 36,3 milhões (cerca de 13%) sofre de distúrbios associados ao uso dessas substâncias – ou seja, onde o uso

é prejudicial a ponto de ser considerado uma dependência, podendo solicitar tratamento. Com estatísticas como essas, as questões do consumo de drogas mostramse relevantes na atualidade, principalmente, com as tendências projetadas de crescimento. Com um possível aumento dos números de usuários e, consequentemente, de dependentes, novas iniciativas de prevenção se fazem necessárias – como o diálogo, a democratização da informação e novas políticas de nivelamento social e acesso à educação; mas também se fazem necessárias outras disposições que são posteriores à ocorrência do consumo e da dependência – como o acompanhamento, o tratamento e a reinserção desses indivíduos na sociedade. Nesse aspecto, as instituições de reabilitação psicossocial são peças fundamentais para garantir a adequada assistência aos dependentes químicos, atuando de maneira ativa na transformação dessa realidade social. E tão importante quanto o seu funcionamento, os espaços dessas instituições são os cenários onde a mudança acontece; portanto, a arquitetura e a forma como esses lugares são concebidos também são ferramentas eficazes para a mudança.


Dependência. Colagem digital.

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Olhar gentil. Colagem digital. Foto original: Portal R7


PERSPECTIVA HISTÓRICA Para compreender a dependência química e o seu tratamento, primeiramente, é necessário entender como o conceito da doença evoluiu e também a forma como a sociedade lidou essa problemática com o passar dos anos. A percepção social sobre o uso de drogas foi encabeçada, durante muito tempo, predominantemente pelo consumo de álcool – já que poderia ser considerada a substância de maior consumo; e a forma como a sociedade encarava a dependência, por vezes, era associada à “falta de caráter” ou “falta de vontade”. Foi apenas na década de 60 que a OMS iniciou, através do programa de saúde mental, a reformular a abordagem sobre a dependência química e aprimorar instrumentos de diagnóstico

e classificação; passando a contemplá-la nos textos que deram origem à 8ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-8). Atualmente, está vigente a 10ª revisão (CID-10), que apresenta descrições clínicas e diretrizes diagnósticas utilizadas para esses casos; e que é utilizada paralelamente ao Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-4), que também possuí sua própria abordagem. Todavia, independentemente da metodologia de análise, ambas as proposições desconsideram qualquer perspectiva moral associada ao abuso de substâncias nocivas, tratando a doença como algo relacionado aos seus diversos fenômenos já citados anteriormente5.

5 SENAD. Prevenção ao uso indevido de drogas: Capacitação para Conselheiros e Lideranças Comunitárias. 4. ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2011.

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Imagem: Casa de acolhimento do MJL, em 1973 Fonte: MJL

SILVA, Débora de Souza. GÊNERO E ASSISTÊNCIA ÀS USUÁRIAS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: TRATAMENTO OU VIOLÊNCIA. Tese (Mestrado em Serviço Social) - Departamento De Serviço Social, PUC-Rio. Rio de Janeiro, 2005. 6

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Um dos marcos para o avanço do tratamento da dependência química foi a criação dos Narcóticos Anônimos (NA), em meados da década de 50, seguindo a mesma filosofia de recuperação dos Alcoólicos Anônimos (AA), fundado na década de 30 nos Estados Unidos; baseada no diálogo entre dependentes e uma recuperação estruturada em 12 passos para alcançar a abstinência. Ainda entre a I e a II Guerra Mundial, a psicologia gradualmente passou a abordar o campo do alcoolismo e da adicção, paralelamente à expansão da psiquiatria, resultando no surgimento de clínicas ambulatoriais e da adoção de técnicas psicoterápicas como alternativa de tratamento. Em 1953, também nos EUA, uma nova modalidade surgiu da associação dos conceitos de terapias psiquiátricas com os conceitos desenvolvidos pelo AA, denominada Comunidade Terapêutica formatação escolhida para o projeto e que será explorada em seguida. E, por fim, no mesmo período, outro sistema derivado da mesma filosofia foi criado pela iniciativa

privada com um modelo inédito que combinava esses conceitos com a assistência dos profissionais de saúde, conhecido por Modelo Minnesota; metodologia que inclusive deu origem e ainda hoje influencia parte dos tratamentos no Brasil6. Ainda segundo o mesmo autor, a história do próprio segmento psiquiátrico no Brasil foi influenciada por certos aspectos oriundos da Europa no tratamento de doenças mentais, em grande parte, de aspirações eugênicas – ou seja, que tinham a intenção de excluir grupos considerados “indesejados”. Em 1940, o Código Penal abordou primeiramente a questão, e com um caráter repressivo, propondo a punição como forma de recuperação para o usuário; e, na década de 50, o foco no uso do álcool deu lugar a preocupação com o consumo de drogas ilícitas. O Brasil, apenas em 1968, teve a sua primeira iniciativa de acolhimento a dependentes químicos estabelecida em Goiânia, chamado Movimento Jovens Livres (MJL), fundado pelo casal Paulo Brasil e Ana Maria Avelar de Carvalho Brasil.


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Construção. Colagem digital.


LEGISLAÇÃO NO BRASIL No Brasil, foi promulgada em 2006 a lei nº 11.343, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), e estruturou de maneira mais clara toda a tratativa do consumo de substâncias psicoativas, da prevenção do uso indevido, da atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, além dos dispositivos legais de repressão e punição em casos de crime. A lei que atribui ao Estado a responsabilidade de financiar a execução das políticas sobre drogas, também esclarece no Art. 23-A que todo o tratamento será amparado por uma rede de atenção à saúde com prioridade para a modalidade ambulatorial em unidades de saúde e hospitais, mas

também em uma articulação com serviços de assistência social que combinem ações preventivas, cuidados baseados em protocolos técnicos predefinidos e de atendimento individualizado, reinserção social e econômica, e o acompanhamento dos resultados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o SISNAD. Ainda conforme o texto, no § 3º são estabelecidos dois tipos de internação: a voluntária, dada com o consentimento do dependente; e a involuntária, sem o consentimento do dependente, a pedido de familiar ou responsável legal, ou de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do SISNAD.

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AS COMUNIDADES TERAPÊUTICAS 7 CONED. Manual para instalação e funcionamento do serviço no Estado de São Paulo – 2020. São Paulo: Secretaria da Justiça e Cidadania, 2020.

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Uma das modalidades de tratamento da dependência química estabelecidas pela lei do SISNAD são as Comunidades Terapêuticas (CTs). O Art. 26-A determina que o acolhimento nesse tipo de instituição deve ser caracterizado pela oferta de projetos terapêuticos que visem a abstinência, a adesão e permanência de forma voluntária, um ambiente residencial propício a formação de vínculos, o ingresso com avaliação médica prévia, a elaboração de um plano de atendimento individual e a proibição de qualquer tipo de isolamento físico. Segundo o Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas de São Paulo (CONED)7, o princípio orientador deste tipo de instituição é a consideração do potencial terapêutico que reside no próprio sentido

de comunidade e na conexão entre indivíduos semelhantes; considerando os membros como responsáveis pelo grupo e pela instituição. Nos últimos cinquenta anos, o modelo de Comunidades Terapêuticas passou por uma expansão no país, ocupando hoje um lugar de destaque no tratamento da dependência química, contando com toda uma infraestrutura de serviços, capacitação, federações e confederações, e, parcerias com a comunidade e as famílias. Um dos componentes mais importantes do segmento na atualidade é a Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT), fundada em 1990, que auxilia o poder público na elaboração e execução de políticas públicas no que se refere à dependência química.


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Neuroarquitetura. Colagem digital.


A NEUROARQUITETURA8 Tratar sobre a percepção do espaço é assumir que a arquitetura nem sempre possuirá um caráter significativamente homogêneo e previsível. Muitos dos critérios que relacionam o indivíduo ao lugar, sendo analisados sob uma perspectiva psicológica, partilham da subjetividade como princípio orientador. Contudo, se por um lado a percepção é individual e sua análise pode ser múltipla, por outro, as estruturas anatômicas e os processos fisiológicos cerebrais, hoje, já são mais esclarecidos pela ciência neurológica. Assim, a compreensão da mente humana pode ser o objeto capaz de expor os processos implícitos às respostas que são oferecidas ao meio - porque reagimos de determinada maneira em certos espaços. E a arquitetura, voltando-se a isso, é capaz de usufruir de novos recursos dessa interação; pois, ainda que as respostas sejam sempre específicas e individuais, o sistema por trás delas pode não ser – compreender o cérebro para interpretar o espaço. Sob essa ótica, surgiu a neuroarquitetura. Como um objeto de estudo da neurociência, o comportamento humano pode estar associado ao espaço; podendo ser analisado através dos estímulos que o meio produz. Neste ponto, a junção entre a ciência neurológica e a arquitetura é promissora em apresentar como o cérebro é

afetado pelo espaço. Inicialmente, devido a limitações científicas, muitas das deduções sobre a interação do sujeito com o ambiente eram baseadas em parâmetros exclusivamente comportamentais; que, todavia, não eram capazes de apontar quais atributos desse espaço estariam afetando o usuário positivo ou negativamente. Hoje, seja através da experimentação de ambientes fisicamente construídos ou digitalmente projetados, novos recursos como as tecnologias de neuroimagem – Ressonância Magnética Funcional (fMRI), Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET), Magnetoencefalografia (MEG), entre outras – já permitem o cruzamento de informações entre o acionamento das zonas cerebrais e suas respectivas associações fisiológicas, que impactam no comportamento; auxiliando o reconhecimento dos possíveis estímulos responsáveis por essas respostas. Explorando essas implicações, diversos são os componentes passíveis de serem analisados como inferentes na percepção. A forma como cada tópico atua sobre o indivíduo se dá por sistemas complexos que, entretanto, se veem todos interconectados por um conjunto mais amplo: o corpo humano. Todavia, três elementos destacam-se na bibliografia atual: as emoções, o movimento e a luz.

As duas próximas seções do caderno foram baseadas em ensaio teórico autoral escrito com a intenção de estruturar cientificamente o tema da neuroarquitetura e identificar elementos capazes de serem aplicados no projeto de diplomação. O trabalho científico está sob submissão para publicação. Para leitura completa, o documento foi disponibilizado em QR Code. 8

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AS EMOÇÕES Se cada indivíduo interage com o meio de uma maneira única, e a arquitetura pode transmitir estímulos diferentes para cada um, sejam eles agradáveis ou não, as reações a esses estímulos, por sua vez, podem ser caracterizadas também como respostas emocionais. As emoções indicam o significado das experiências e são elementos capazes de definir o sujeito, por isso devem ser consideradas importantes na validação da percepção. Produzidas no contato com um espaço, por vezes, antecedem a própria intelecção do local – sentir primeiro e compreender depois. Ao receber um estímulo visual, o cérebro tenta interpretálo criando uma imagem que combina não apenas as referências sensitivas que integram o repertório experimental do usuário, mas também as referências emocionais que foram criadas através de experiências prévias.

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O MOVIMENTO Apenas através do corpo, os dados armazenados em um ambiente podem ser recebidos como estímulos e, então, processados. As dimensões que envolvem a presença de um corpo no lugar e as reações que são desencadeadas por esse fenômeno excedem a sensorialidade e abarcam um conjunto tão complexo quanto a própria anatomia humana. Como mais um dos dados armazenados no meio, o lugar expressa o que pode ser feito; logo, o usuário atua demarcando o espaço por meio das suas capacidades perceptivas traduzidas em ações, gerando significação e reafirmando a relação de mútua influência com o meio. O movimento é um dos mais recorrentes modos de interação. A noção de lugar é associada à forma como o indivíduo se desloca pelo espaço. Assim, para uma melhor percepção, a arquitetura deve unir elementos topográficos (como a forma) e elementos topológicos (como o trajeto). E essa relação entre lugar e movimento se dá porque o deslocamento através do espaço também exerce um papel crucial no estabelecimento de recordações. Ao acionar lembranças, dificilmente os indivíduos deixarão de associá-las ao lugar onde se passaram. 17


A LUZ A luz é o elemento essencial para a visão. Por intermédio dos seus fenômenos de reflexão, refração e absorção, ela viabiliza a compreensão do espaço, dos seus limites e dos objetos em que nele estão inseridos. Tão importante para a percepção quanto os demais sentidos, todavia, sua a análise é complexa e alcança parâmetros associados à fisiologia, comportamento e cognição. Durante seu desenvolvimento, o ser humano aprende a reconhecer, através de associações inconscientemente incorporadas, os estímulos que a luz projeta e que podem variar segundo sua cor, sua intensidade ou até mesmo seu ritmo. Por exemplo, culturalmente a luz vermelha pode estar associada à atenção, a um estado de perigo ou urgência; assim como, quanto mais acelerada a frequência na qual uma fonte de luz pisca, maior a sensação de movimento ou agitação. E um dos instrumentos mais consolidados para transformação e percepção do espaço é o emprego das cores, como um elemento de simples aplicação, mas que pode influenciar respostas na interação com o meio. A luz, concedendo ao usuário

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visibilidade do meio, o afasta do senso de estranhamento que induz mecanismos de defesa como o medo e o estresse; e, ao mesmo tempo, é capaz de incitar a criatividade e a atração na exploração por meio do uso de sombras e diferentes fontes e intensidades. Ela produz impressões de textura, de profundidade, de cor e de distância; ajudando a criar um mapa cognitivo baseado no comportamento da matéria no espaço. E, assim como a luz produz reações sensíveis, ela desempenha igualmente uma atribuição primordial na regulação biológica humana. Ela também é capaz de afetar a performance e o comportamento do indivíduo através da regulação do ciclo circadiano – o relógio biológico que ordena as reações corpóreas em um ritmo sincronizado com o período de 24 horas do dia solar. A desregulação desse ciclo através da ausência de luz natural durante o dia ou da intensa exposição à luz artificial durante a noite, além de afetar o comportamento, também altera inúmeras reações do corpo, gerando problemas de sono, de secreção hormonal e de vários outros segmentos.


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O POTENCIAL TERAPÊUTICO DO ESPAÇO Levando análises da neuroarquitetura para a investigação das propriedades terapêuticas do espaço, se no meio construído estão armazenados dados e estímulos como potenciais indutores da experiência, a arquitetura, assim, orienta-se também pela sua capacidade de proporcionar, ou não, condições adequadas e confortáveis de permanência; relacionando-se, assim, diretamente com os impactos que pode exercer sobre a saúde mental e física dos seus usuários. No caso de espaços voltados ao tratamento de dependentes químicos, portanto, a concepção arquitetônica é capaz de potencializar o processo de tratamento e propiciar ambientes mais saudáveis para a recuperação, através do uso de recursos já conhecidos dessa interação. Com a validação do potencial de impacto do espaço na saúde, novos estudos passaram a ser empreendidos buscando compreender esse fenômeno através de associações com outras áreas do conhecimento, como a neurociência e a psicologia ambiental. Assim, surgiu o conceito de Healing Environment – ou “espaço terapêutico”. O termo que, em inglês, deriva da palavra heal – “cura”, na literatura atual está muito associado ao segmento hospitalar, já que se estabelece na

capacidade que o lugar possui em auxiliar na recuperação de indivíduos enfermos. As potencialidades terapêuticas do espaço, apesar da indireta associação, não estão limitadas aos hospitais. A abordagem tem ganhado destaque ao explorar no ambiente sua capacidade de amenizar os índices perturbadores incidentes sobre o usuário através da otimização dos seus componentes. Por suas implicações diretas na qualidade de vida dos usuários, essa nova proposta de projetos pode ser vista também como uma plataforma de transformação da experiência do indivíduo em qualquer tipologia arquitetônica, desde a moradia aos ambientes corporativos, visto que muitos de seus atributos voltamse a proporcionar, simplificadamente, o conforto e a agradável permanência no lugar. Assim, a exploração dos elementos presentes no espaço e sua relação direta com a mente humana pode ser o motor para a potencialização dos estímulos benéficos que inconscientemente já estão presentes no espaço. E com a transposição dos mecanismos da neuroarquitetura com os conceitos do espaço terapêutico, foram traçados em estudo os cinco tópicos que mais influenciam na concepção saudável de um espaço. 21


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RECURSOS PARA A SEGURANÇA

DOMÍNIO ESPACIAL

Dentro de um edifício, junto aos componentes que implicam na saúde mental do usuário, existem aqueles que se relacionam à dimensão física da saúde e que são determinantes para o uso seguro do espaço. Esses elementos, se mal concebidos, podem estar associados ao surgimento de sintomas mais perceptíveis e comumente acompanhados de dor e de debilitação funcional. Por esse motivo, muitos deles já são regidos, inclusive, por normas técnicas, como acessibilidade, ergonomia e qualidade ambiental.

Ao adentrar um novo ambiente pela primeira vez, instintivamente o indivíduo buscará compreendê-lo. A percepção do lugar leva ao domínio espacial – a consciência que o usuário cria sobre suas possibilidades de interação com o espaço, produzindo a sensação de pertencimento e de controle. Por esse motivo, é importante que a arquitetura esteja, primeiramente, contextualizada ao seu local, respeitando as estruturas sociais existentes, as técnicas e materiais regionais e utilizando os elementos do repertório local. E além da contextualização cultural, outro elemento indutor do bem-estar humano são as suas possibilidades de personalização.


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NAVEGAÇÃO ESPACIAL Se o movimento é fundamental para a apreensão do lugar, a experiência do indivíduo está sempre vinculada às ferramentas fornecidas pelo meio para um movimento bem orientado. Esse atributo do espaço é denominado orientabilidade – a capacidade de auto-localização e de definição do fluxo de deslocamento em determinados ambientes. Nesse aspecto, a presença de marcadores visuais (como placas, cores para diferenciação de ambientes, presença de aberturas, etc.) é importante para a concepção de um espaço terapêutico, já que esses elementos reforçam a percepção do lugar e garantem uma melhor orientabilidade. O senso de desorientação que surge com a ausência desses elementos pode dificultar o rastreamento do percurso dentro do espaço, produzindo a sensação de alerta e desencadeando o estresse como resposta emocional.

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PRESENÇA DA NATUREZA

ESTIMULAÇÃO MULTISSENSORIAL

O ser humano, biologicamente, sente a necessidade de estar próximo às coisas vivas – a concepção mais resumida do termo conhecido por biofilia. Apesar da função básica da arquitetura ser o abrigo, a conexão de um edifício com o seu exterior é um fator de grande influência na concepção de espaços saudáveis, pois é importante para a geolocalização e a situação temporal do usuário; pode ser utilizada como recurso contemplativo, gerando relaxamento e o bem-estar; e hoje já existem estudos que demonstram que o contato com a natureza, além de controlar reações negativas, pode ter também efeitos terapêuticos, auxiliando na redução do estresse.

Outro recurso que cientificamente teve comprovada sua relação com a redução de estresse é a estimulação sensorial. Experiências visuais agradáveis podem conduzir ao processo mental restaurativo, minimizando o estresse por meio do acionamento de emoções positivas e a contenção da necessidade de alerta. E uma associação multissensorial pode abarcar resultados ainda mais eficientes, podendo ser utilizada, inclusive, como ferramenta de estimulação funcional em pacientes com doenças degenerativas e/ou usuários de perfil infanto-juvenil.


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PARTE 2

O TERRENO


SITUAÇÃO CODEPLAN. PDAD 2018. Brasília, 2019 Disponível em: https://www.codeplan.df.gov. br/pdad-2018/. Acesso em: 28 de agosto de 2021. 8

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O Distrito Federal, segundo dados estimados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) de 20189, possui uma população total de 2.881.854 habitantes. O crescimento da cidade, há algumas décadas, tem ocorrido de maneira descentralizada, com focos em regiões administrativas mais novas. Atualmente, figuram 41 instituições de cuidados aos dependentes químicos em todo o DF – entre CTs, clínicas de reabilitação, NAs, etc. Do total, 10 dessas se apresentam como comunidades terapêuticas, sendo apenas 6 delas filiadas à FEBRACT. Tendo por base o considerável aumento populacional no DF nos últimos anos, é possível indicar que o número de organizações voltadas a esse públicoalvo, no entanto, ainda é insuficiente; em especial, em áreas de grande adensamento populacional e comunidades de maior vulnerabilidade social. Ceilândia, escolhida como sítio para o presente projeto, é a região administrativa com a maior população do DF, com 432.927 habitantes, predominância do sexo feminino (52,1%) e idade média de 31,9 anos. O terreno está localizado no antigo Setor Sol Nascente, que se tornou uma região administrativa própria apenas em 2019; portanto, os seus números ainda estão associados, nesse momento, à Ceilândia. A RA, além de abrigar a maior população

da UF, é uma das mais antigas e também é reconhecida por ser berço de uma grande diversidade cultural, fruto da chegada de migrantes das mais diversas regiões do país – com destaque à população nordestina. A cidade tem sua economia baseada majoritariamente no comércio e na indústria, mas também se distingue por sua influência no âmbito cultural e esportivo, já tendo exportado diversos atletas e artistas para o cenário nacional. No que diz respeito à renda domiciliar, a região se enquadra em uma zona de renda média-baixa, com um valor médio por pessoa de R$ 1.125,1. Apesar do lote se encontrar afastado da malha urbana principal do Sol Nascente – estando mais próximo à área rural – a região exerce igualmente grande influência sobre a dinâmica social das proximidades do terreno. A RA, durante muitos anos, foi considerada a maior favela horizontal da América Latina. Nos últimos anos, o governo de Brasília tem investido em políticas de infraestrutura urbana a fim de regularização da área; todavia, ainda persiste no local uma insuficiência de equipamentos urbanos que promovam um acesso igualitário aos serviços mais básicos, levando os habitantes a buscarem essa assistência em outras regiões, especialmente em Ceilândia - por isso a importância de um novo equipamento deste tipo neste local.


Caixa d’água de Ceilândia. Colagem digital. Foto original: Gabriela Berrogain

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ÁREA RURAL

CEILÂNDIA

SOL NASCENTE

INSERÇÃO NA MALHA URBANA O sítio está situado na QNR 4 Área Especial 25 (da Região Administrativa de Ceilândia - RA IX). O terreno que antes pertencia ao Setor Sol Nascente, considerado um dos bairros de Ceilândia, agora é validado como pertencente à RA Sol Nascente; todavia, independente do endereço, o sítio contempla toda a dimensão de uma mesma comunidade. Dentro da malha urbana de Ceilândia, o lote encontrase em sua porção mais longínqua (tendo o plano piloto como referência), distando 30km lineares até a Rodoviária do Plano Piloto. O terreno está na área limítrofe entre a zona urbana e a área rural da cidade, próximo 32

a uma quadra residencial já regularizada, fator positivo para a implantação de uma instituição que necessita estar afastada da dinâmica urbana tumultuada, e ao mesmo tempo precisa ser acessível à comunidade para a qual foi pensada. Assim, os lotes de frente ao sítio são predominantemente de habitação unifamiliar, o que diminui o perigo de exposição dos usuários em função da circulação mais reduzida e controlada de pessoas; e os lotes que ladeiam o terreno são de uso predominantemente rural, o que também colabora para sua privacidade e amplia as possibilidades de espaços contemplativos ao ar livre.


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1 - TERRENO 2 - EC 65 DE CEILÂNDIA 3 - ESTAÇÃO CIDADANIA DA QNR 4 - TERMINAL RODOVIÁRIO QNR 5 - RESTAURANTE COMUNITÁRIO DA QNR 6 - CEF 27 DE CEILÂNDIA 7 - CEPI IPÊ AMARELO 8 - CENTRO DE SAÚDE 12 DE CEILÂNDIA 9 - CED 16 DE CEILÂNDIA 10 - EC 62 DE CEILÂNDIA 11 - CEM 10 DE CEILÂNDIA 12 - 41º AGRUPAMENTO BOMBEIRO MILITAR 13 - 10º BATALHÃO DA PMDF

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EQUIPAMENTOS PRÓXIMOS Em um raio de 2,5 km, o lote está próximo a inúmeros equipamentos públicos de grande importância e impacto social. Em termos de acessibilidade, a cerca de 800 metros encontra-se o Terminal Rodoviário da QNR; de educação, são 5 escolas públicas próximas e uma creche; dos equipamentos de cidadania, encontrase a Estação da Cidadania da QNR 2 e o Restaurante Comunitário da QNR; de saúde, há o Centro de Saúde 12 de Ceilândia; e de segurança, o 41º Grupamento Bombeiro Militar e o 10º Batalhão da PMDF. Esses equipamentos, quando analisados sob a perspectiva de proposta terapêutica das CTS, são fundamentais

para o apoio, assistência e reinserção social dos dependentes químicos em tratamento. Outro ponto de potencial aproveitamento em relação à localização do terreno é sua proximidade ao Setor de Indústrias de Ceilândia e ao Setor de Materiais de Construção. Considerando a dimensão do trabalho como uma das partes dos pilares das Comunidades Terapêuticas, esse ponto pode ser crucial para auxiliar no estabelecimento de futuras parcerias entre a instituição e empresas e indústrias locais para promoção de vagas de emprego destinadas aos dependentes após o seu tratamento. 33


BR070 (RODOVIA) VIA ARTERIAL VIA COLETORA PONTOS DE ÔNIBUS

ACESSOS

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Considerando sua inserção na malha urbana, o sítio está situado próximo à BR070, rodovia que conecta cidades como Ceilândia, Taguatinga e Vicente Pires à região central de Brasília. Dessa maneira, o lote se torna mais acessível aos meios de transporte automotivos; principalmente, na modalidade de ônibus, considerando sua proximidade também ao Terminal Rodoviário da QNR. Em uma visão mais aproximada, a avenida de maior apoio comercial, que conta com diversos pontos de ônibus em sua extensão, dista menos de 400 metros do terreno, estando facilmente acessível para pedestres. Em relação ao logradouro, o lote tem apenas um de seus

limites margeado por via. A rua que separa a quadra residencial da área especial é coletora, recebendo o fluxo de diversas outras vias locais. Esse fator de acessibilidade pode ser considerado condizente com os parâmetros de privacidade e segurança que são solicitados por esse tipo de instituição que trata de usuários em situação de vulnerabilidade, ao mesmo tempo que também deve manter-se protegida e afastada de indivíduos e/ou organizações que estejam de alguma maneira envolvidas com o tráfico e consumo de drogas, podendo ser vistos como dificultadores para o processo de abstinência.


Imagem acima: Relação do terreno com o logradouro Imagem abaixo: Perspectiva do terreno Fonte: Google Earth

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VENTOS SECOS VENTOS ÚMIDOS TRAJETÓRIA SOLAR

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ASPECTOS BIOCLIMÁTICOS O lote, pela sua proximidade à área rural destinada ao cultivo, não apresenta vegetações nativas em seu interior, possuindo apenas uma cobertura vegetal baixa semelhante aos lotes vizinhos, utilizados para cultivo. A maior concentração de espécies vegetativas se encontra logo nas proximidades com o logradouro, com algumas árvores de médio porte, arbustos e pequenos espaços de hortas criados pelos moradores das redondezas. A pouca concentração de vegetação e a grande extensão do terreno, quando associados, resultam na necessidade de futuras estratégias projetuais para o conforto ambiental. Por outro lado, estando próximo a uma massa urbana com predominância de habitações unifamiliares e, portanto, de menor gabarito, o lote sofre a pouca interferência na incidência dos ventos secos predominantes oriundos do sentido Leste; e vindos do sentido Noroeste,

os ventos úmidos também são recebidos sem barreiras consideráveis, levando em consideração a baixa ocupação do lote vizinho – recursos esses que podem ser utilizados para o conforto higrotérmico e eficiência energética. Outro aspecto a ser explorado nas condicionantes ambientais do terreno é a posição do sol poente, que se encontra na porção posterior do lote (em relação ao logradouro) e na parte mais baixa do sítio. Com a ausência de barreiras vegetativas e edificações nos lotes vizinhos, há uma potencial visual de interesse a ser explorada na concepção arquitetônica, valorizando o pôr-do-sol. E, por fim, estando afastado de vias de grande movimento e ladeado por terrenos de uso predominantemente rural, o lote não possui proximidade com fontes de ruído consideráveis que possam atrapalhar a funcionalidade dos ambientes das futuras edificações.

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SENTIDO DE CAIMENTO DO TERRENO

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TOPOGRAFIA Tratando de termos planialtimétricos, o lote para o projeto situa-se entre duas curvas de nível com diferença topográfica de 5 metros entre elas; e do ponto médio da face do terreno voltada ao logradouro (acima) até o ponto médio da face posterior do terreno (abaixo), há um desnível de 3,32 metros. Considerando que a distância linear entre esses dois pontos é de 233,30 metros, o lote apresenta, portanto, uma inclinação média de 1,4%. Esse desnível existente no terreno pode ser considerado, assim, de baixa amplitude e pouca interferência funcional paisagística e arquitetônica, sendo um uma propriedade interessante a ser aproveitada.


LEGISLAÇÃO Por fim, as normas de ocupação do solo para o terreno de projeto são estabelecidas pelo Anexo III da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). Segundo os parâmetros, o lote pode ser ocupado em até 50% da sua área total, mas os seus coeficientes de aproveitamento garantem que possa ser edificado até duas vezes essa área, de maneira vertical, respeitando o gabarito máximo de 15,5 metros e a mesma projeção de 50% do lote. Não foram estabelecidos afastamentos obrigatórios em nenhum dos limites do terreno; e, no caso de uma edificação junto ao logradouro, é proibido o uso de marquise para sombreamento da calçada. Por fim, há a possibilidade de uso de sobsolo, com tanto que sua projeção esteja alinhada com a projeção da edificação acima do solo.

OCUPAÇÃO DO SOLO (NGB) ÁREA TOTAL DO LOTE (m²)

49.336,75

PARÂMETROS

VALOR

ÁREA (m²)

CFA B

2

98.673,50

CFA M

2

98.673,50

TX OCUP (%)

50

24.668,38

TX PERM (%)

30

9.867,35

ALT MAX (m)

15,5

-

AFR (m)

-

-

AFU (m)

-

-

AF LAT (m)

-

-

MARQUISE

PROIBIDO

-

SUBSOLO

TIPO 1

24.668,38

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PARTE 3

OBRAS ANÁLOGAS


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COMUNIDADE TERAPÊUTICA SANANIM A Comunidade Terapêutica Sananim é uma organização nãogovernamental localizada no vilarejo de Heřmaň, no distrito de Písek, região ao sul da Boêmia, na República Tcheca. A instituição é considerada uma das maiores do país na área de prevenção, tratamento e ressocialização da dependência química não alcoólica. Pensada para o tratamento interno de longo prazo e reabilitação social, atualmente comporta aproximadamente 20 pacientes. Seu tratamento inclui psicoterapia, terapia ocupacional, serviço social, terapia de grupo, aconselhamento individual, terapia de trabalho, e programas de esporte e lazer.

O escritório tcheco Sporadical foi o responsável pelo projeto de arquitetura para o Sananim. A instituição hoje se encontra instalada em uma antiga propriedade (imagem à esquerda) dentro de uma fazenda construída no séc. XVIII, próxima ao rio Blanice. A edificação sofreu drásticas reformas nos anos de 1995 e 2005, perdendo muitas de suas características antigas de materiais e divisão interna. Assim, segundo os arquitetos, para o projeto de reforma a intenção foi tornar a intervenção mais recente claramente reconhecível, ao mesmo tempo, conectando o antigo e o novo em termos de funcionalidade e materiais.

RESUMO Localização: Heřmaň, Písek, República Tcheca Ano de projeto: 2016 Arquitetura: Sporadical Categoria: Comunidade Terapêutica Área: 990m2 Informações e imagens: Sporadical Plantas e cortes: Archdaily

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EDIFÍCIO EXISTENTE AMPLIAÇÕES

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Implantação


Pátio central (entrada)

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As plantas baixas e plantas de demolição dos dois pavimentos da quinta (imagens à direita) mostram como os espaços internos foram rearranjados para comportar as novas funções da comunidade de maneira otimizada. Além da edificação original, devido a uma pequena limitação espacial, dois novos volumes foram adicionados ao pavimento térreo. As ampliações foram feitas para abrigar uma sala comunitária, que se projeta para fora do perímetro da propriedade, e um corredor no pátio central. Com a intervenção de 2016, a nova configuração do edifício passou a ter uma área total de 990m2. Os volumes adicionados em estrutura de madeira com vedação em vidro dialogam bem com edificação original e, simultaneamente, permitem uma sutil diferenciação visual do que era existente e do que foi acrescentado. Um outro elemento utilizado na intenção de conectar visualmente todo o conjunto foram os ladrilhos de terracota locais (imagem à esquerda), propostos para todos os acabamentos de piso - recurso que cria uma unidade entre os ambientes.

Ladrilhos de terracota

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ÁREAS TÉCNICAS/ CLÍNICAS CORREDOR SALA COMUNITÁRIA COZINHA E REFEITÓRIO BANHEIROS COLETIVOS

Planta de demolição - Pavimento térreo

Planta baixa - Pavimento térreo

ALOJAMENTO - PACIENTES ALOJAMENTO - EQUIPE O CLUBE

Planta de demolição - Pavimento superior

Planta baixa - Pavimento superior

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Edificação existente e novo corredor

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O clube


Tratando-se de uma reforma para uma organização não-governamental, ou seja, sem fins lucrativos, o investimento precisava ser reduzido - o que é nítido inclusive na preservação de algumas das interferências feitas nas reformas anteriores. Analisando as modificações propostas nas plantas dos dois pavimentos, o nível de interferência é notavelmente pequeno, ao mesmo tempo que o eficiente no aproveitamento dos espaços com a devida readequação nos seus usos; fator que acabou resultando em uma ampliação de menor escala e, portanto, de custo mais baixo. Com a limitação espacial criada pela existência de uma estrutura anterior associada a limitação financeira, o programa de necessidades para a instituição é menor se comparado a outros tipos instituições de reabilitação; ainda assim, seu programa parece ser condizente com a proposta das comunidade terapêutica de ambiente familiar pensado para a criação de vínculos - funcionando como uma casa.

Na edificação original estão os alojamentos para terapeutas e pacientes, refeitório com cozinha, a sala conhecida por “o clube”, as dependências clínicas e as salas técnicas. A acomodação para os 20 clientes acontece em quartos simples no sótão, criados através da remodelação de quartos originais e outras salas vazias. No pavimento superior há também uma separação entre o alojamento de pacientes e funcionários - acessados, inclusive, por escadas diferentes. “O clube” é uma espaçosa sala comum construída dentro do antigo celeiro (imagem da direita), pensado como um local onde pacientes e terapeutas pudessem se encontram informalmente, seu acesso se dá por uma escada no térreo dentro de um espaço de uso não identificado. A cozinha e o refeitório encontram-se no recanto mais antigo da propriedade, com visíveis vestígios de antigas paredes de pedra (imagem da esquerda). Tratando a refeição diária como um ritual importante, o espaço foi pensado para que os usuários preparassem sua própria comida.

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Tratando dos novos volumes, a sala comunitária – onde acontece a terapia de grupo – foi pensada para atribuir importância à terapia como uma ocasião especial; assim, se projeta para fora da edificação antiga, como um anexo, e se interliga com o pomar através de paredes de vidro deslizantes, tornando-se assim um espaço também de contemplação. No seu interior, como uma referência ao senso de comunidade, luzes simples no teto foram um círculo, criando uma percepção diferenciada no uso do espaço (imagem à direita). O corredor de vidro, inserido ao centro (imagem à esquerda), conecta o pátio a todos os espaços da comunidade. Sem a inserção desse elemento, o fluxo dos usuários teria que acontecer no interior dos ambientes. O corredor foi pensado como um lugar para encontros e conversas, e é eficiente em funcionalidade – ao estabelecer uma circulação de extrema importância para a nova dinâmica de uso do espaço – mas, ao mesmo tempo, se abrindo ao exterior e trazendo uma permeabilidade visual não muito convencional em propriedades tão antigas assim. Corredor

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Sala comunitária

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Pátio e corredor

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Corte transversal - celeiro

Corte longitudinal

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Através da mescla entre o novo e o antigo, o projeto para a Comunidade Terapêutica Sananim cria uma atmosfera fenomenológica para os seus ambientes e instiga o bem-estar durante o seu uso. A propriedade existente, de caráter mais robusto e tradicional, passa a contrastar com a leveza e transparência dos novos volumes (imagem à direita), se tornando assim mais aconchegante e convidativa, e se aproximando da escala humana. Com a manutenção dos atributos arquitetônicos

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vernaculares restantes na quinta, o projeto leva produz uma percepção mais familiar e segura aos usuários – caráter esse de extrema importância como um dos pilares para as comunidades terapêuticas. Dessa forma, a nova edificação se firma como uma instalação para o tratamento da dependência química, possuindo todos os elementos necessários para tal, mas abarca também o apelo emocional e sensitivo tão importantes para um verdadeiro processo terapêutico através da arquitetura.


Edifício original (esquerda) e ampliação (direita)

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ABRIGO PARA VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA O abrigo para vítimas de violência doméstica está localizado em um bairro residencial tranquilo em Tel Aviv, Israel; e foi projetado, em 2018, pelo escritório londrino Amos Goldreich Architecture, em parceria com o escritório local Jacobs Yaniv Architects. A instituição com área de 800 m2 tem capacidade para receber mais de 24 residentes ao mesmo tempo, e foi pensada conjuntamente a organização que a administra (liderada pela famosa ativista Ruth Rasnic) para acolher mulheres e crianças em dificuldade e vítimas de abuso oriundas de diferentes locais e contextos sociais. O local, hoje, conta com o trabalho de diversos profissionais e voluntários: psicoterapeutas, terapeutas artísticos, voluntários do ramo da beleza, professores de artes marciais, entre outros que ajudam as crianças em seus estudos e conhecimentos.

Ao se comparar uma comunidade terapêutica a esse tipo de instituição, são evidentes certas diferenças, principalmente, relacionadas ao seu público e seu antepassado, considerando que nem todo dependente químico sofreu esse tipo de violência – e essas diferenças, por sua vez, acabam estando relacionadas também às funções presentes no edifício, já que contextos diferentes solicitam tratamentos diferentes. Apesar dessas divergências, o que as duas tipologias arquitetônicas partilham em comum, por outro lado, é sua fundamentação como espaço de acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade. Nesse aspecto, estudar um abrigo voltado a outro tipo de público também pode ser eficaz na identificação de como a concepção arquitetônica lida com diferentes demandas e como é capaz de materializar esse acolhimento.

RESUMO Localização: Tel Aviv, Israel Ano de projeto: 2018 Arquitetura: Amos Goldreich Architecture + Jacobs Yaniv Architects Categoria: Abrigo Área: 800m2 Informações: Amos Goldreich Architecture Imagens, plantas e cortes: Archdaily

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Para o abrigo, a proposta de hospitalidade foi pensada de uma maneira diferente. O edifício funciona como uma grande residência com pequenos “blocos” familiares (imagem à esquerda), que criam uma atmosfera de lar para cada nova família que chega – já que é usual que mães vítimas de abusos busquem abrigo também para seus filhos. Com a intenção de proporcionar uma rotina normal, essas pequenas “casas” funcionam como espaços separados, com camas, mesa e banheiro, mas que se conectam através das áreas comuns, fortalecendo a ideia de um lar mais próximo, ao mesmo tempo, que permite a criação de outros vínculos que excedam o círculo familiar imediato.

Blocos familiares

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ÁREA RESIDENCIAL

ÁREA COMUM

CRECHE

ÁREA ADMINISTRATIVA

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Corredores

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O abrigo, além das dependências de alojamento, possuí diversas outras em comum com o programa de necessidades das comunidades terapêuticas. No pavimento térreo, os compartimentos de alojamento se conectam aos espaços de uso comum através de largos corredores, que também funcionam como ambientes de estar e de interação. A sala de TV, a cozinha e o refeitório são esses espaços coletivos que ajudam a formalizar essa ideia de uma única grande residência; estão presentes também, na extensão do conjunto, pequenos depósitos, lavanderia e pátios de serviço.

Pátio de serviço

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Separado da área residencial, está o bloco da creche, com salas de aula, banheiro e escritório para conselheiro. Essa separação espacial garante que a função da creche seja cumprida independentemente do alojamento – permitindo também que as mães deixem os filhos no espaço pela manhã e os busquem ao final do dia. Em um outro edifício de dois pavimentos, se encontra a área administrativa (foto à esquerda), que dispõe de enfermaria, escritórios, copas e salas de reuniões. E, ao centro, foi posicionado um grande pátio verde (imagem à direita) que desempenha a função primordial de ponto de encontro dos acolhidos e também é o elemento de conexão visual que permite a integração entre os usuários nas diferentes áreas do abrigo.

Área administrativa

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Pátio central

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Blocos da creche (à direita) e administrativo (à esquerda)

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Corte AA

Corte BB

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O projeto para o abrigo para vítimas de violência doméstica, através de uma organização espacial limpa e funcional e usando recursos arquitetônicos simples (como o pátio e os blocos residenciais), foi capaz de produzir espaços coerentes com a proposta do acolhimento e que propiciam bem-estar e conexões emocionais. Por fora, a plástica monolítica associada ao

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concreto ripado (imagem à direita) cria uma percepção de segurança e proteção, mas por dentro, o santuário verde central, o vidro e as paredes lisas brancas transmitem tranquilidade e aconchego – percepção essa que não se restringe a parte estética, mas que se faz presente no pequenos detalhes e gentilezas arquitetônicas espalhados por todo o abrigo.


Plástica externa dos edifícios

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INSTITUTO CRESCER O Instituto Crescer é uma comunidade terapêutica para homens localizada no Setor Habitacional Vicente Pires (SHVP), no Distrito Federal, e que atua na reabilitação de dependentes químicos nessa modalidade de tratamento a mais de 18 anos. A instituição conta ainda com outras três unidades no DF – um Centro de Triagem, uma unidade destinada aos primeiros meses de tratamento (chamada Unidade de Recuperação) e uma Unidade de Reinserção Cooperativa, destinada a acolhidos já recuperados sem vínculos familiares ou local de abrigo. A comunidade tem um programa

terapêutico baseado nos 12 passos dos Narcóticos Anônimos e tem um período de permanência usual entre 6 e 12 meses. A unidade visitada do SHVP, chamada de Unidade de Reinserção, é o local da segunda etapa do tratamento, e conta com uma infraestrutura adaptada do que antes funcionava como uma residência; possuindo assim, uma capacidade mais reduzida, acolhendo cerca de 20 dependentes. A unidade, por estar localizada na zona urbana, possibilita que os acolhidos estudem, se profissionalizem e, inclusive, já ingressem no mercado de trabalho.

RESUMO Localização: SHVP, Brasília - DF, Brasil Categoria: Comunidade Terapêutica Informações, imagens e planta: Visita técnica

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Tratando-se de uma edificação construída para outro fim, a reforma para a unidade readaptou os usos de alguns dos ambientes existentes, além de criar também novos espaços através da construção de um anexo. O programa de necessidades está distribuído em dois blocos: o principal, logo na entrada do lote, que conta com alojamentos, recepção/ sala de acolhimento, cozinha, refeitório (imagem à esquerda) e lavanderia; e um bloco secundário, no fundo do terreno, que no térreo apresenta sala administrativa, sala de atendimento individualizado, sala comunitária, e salas de atividades artísticas e laborais, e no segundo pavimento funciona como residência da fundadora da CT. A comunidade terapêutica hoje conta com oito funcionários (sem contabilizar voluntários), que se distribuem entre os ambientes de administração, oficinas, cozinha e espaços de uso comum. Os alojamentos dispõem de 3 ou 4 beliches e um banheiro cada, e os acolhidos também se responsabilizam pela limpeza, manutenção, preparo de refeições e lavanderia.

Refeitório

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RECEPÇÃO/ ACOLHIMENTO ALOJAMENTOS COZINHA LAVANDERIA REFEITÓRIO ÁREAS COMUNS/ ATIVIDADES ADMINISTRAÇÃO

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Anexo e salas para oficinas

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Sala de atendimento individualizado


Segundo a fundadora, a instituição conta com oficinas de teatro, informática, música e canto, espiritualidade, fabricação de vasos, e outros cursos oferecidos em parceria com o SENAI, como panificação, eletricista residencial e técnico em construção civil. As atividades ocorrem em diferentes espaços da unidade, mas um dos ambientes mais utilizados, tanto para oficinas quanto para reuniões e atendimento coletivo, é a sala comunitária - espaço que funciona como um auditório. Há também, no bloco secundário, uma sala destinada a voluntários e universitários, que recebe usualmente técnicos de enfermagem e estudantes de psicologia para a prestação de serviços complementares ao programa terapêutico.

Sala comunitária

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Sob uma análise espacial, o fato da unidade estar localizada onde antes era uma residência é aspecto positivo na percepção do lugar com uma atmosfera familiar. Nos ambientes, a dinâmica residencial foi preservada à medida em que muitas das antigas suítes tornaram-se alojamentos, a cozinha permaneceu no seu antigo lugar (ao centro da edificação), e todas as atividades divergentes do contexto habitacional (como administração e salas de aula, por exemplo) foram locadas fora do bloco principal, que ainda se manteve como uma grande residência. Além dos ambientes cobertos, a instituição também conta com muito espaço ao ar livre (imagem à direita), utilizados para atividades diversas e encontros informais. Ainda conforme a responsável, existem hoje demandas de novos espaços ou ampliação de outros já existentes, como depósito e lavanderia maiores, um local adequado para academia e um espaço destinado à pratica de compostagem.

Cozinha

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Pátio e anexo

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Independentemente da estrutura pré-existente e como a reforma impactou na reorganização espacial, hoje, o Instituto Crescer se apresenta como uma instituição totalmente alinhada com as propostas de comunidade terapêutica, principalmente, no que diz respeito a sua essência de acolhimento em ambiente familiar – até em um sentido quase literal. Apesar das limitações físicas que hoje a unidade

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tem, não existem elementos espaciais capazes de substituir a importância dessa atmosfera – que podemos considerar como genius locci – que realmente propicie o acolhimento e o conforto emocional. Nesse ponto, a instituição garante aos seus usuários um verdadeiro lar, mesmo que fora de casa; e, assim, permite que o próprio lugar funcione igualmente como um instrumento terapêutico.


Espaço de convívio

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PARTE 4

OUTRAS REFERÊNCIAS


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REFERENCIAL ARQUITETÔNICO: HOSPITAL SATKHIRA Localizado em uma zona predominantemente rural, o Hospital Satkhira, gerenciado pela ONG Friendship, foi construído em 2018 em um terreno doado por um filantropo na cidade de Shyamnagar Upazila, em Bangladesh. O projeto para a instituição, que possuí 3.387m², comporta 80 leitos e foi desenvolvido pelo escritório URBANA, liderado pelo arquiteto Kashef Chowdhury, que buscou na paisagem ribeirinha da região da Bengala inspiração para a concepção formal dos edifícios. Apesar de ter outra função e, consequentemente, um programa de necessidades mais amplo e complexo do que o de uma comunidade terapêutica, o projeto para o hospital foi escolhido como referência arquitetônica pela forma como sua planta foi distribuída e como sua plástica incorpora recursos da própria arquitetura local para criar espaços de natureza mais humanizada e próxima do usuário, mesmo tratando-se de instalações hospitalares.

Segundo o autor, o ponto orientador do projeto foi a segregação entre as áreas de internação e ambulatório. Com um layout permeado por diversos pátios pensados para ventilação e iluminação natural – atribuindo ao hospital um aspecto de “campus”, o controle de acessos entre as áreas foi resolvido com a implantação de um canal que rasga o terreno, dividindo-o em dois setores e, ao mesmo tempo, sendo utilizado como um recurso para a captação de águas pluviais. Com um traçado formado por retas em diferentes ângulos (imagem à esquerda), além da funcionalidade desse elemento, a grande contribuição arquitetônica do canal é a forma ele cria uma paisagem interna própria, que atrai o olhar do usuário para fora e que, através da reflexão na água, propicia experimentação durante trajeto e permanência, produzindo uma percepção fenomenológica que valoriza a arquitetura e o seu uso.

RESUMO Localização: Shyamnagar Upazila, Bangladesh Ano de projeto: 2018 Arquitetura: Shyamnagar Upazila Categoria: Hospital Área: 3.387m2 Informações, imagens e plantas: Archdaily

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Edifício do ambulatório (térreo) e administração (superior)

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Refeitório da internação (a direita)


ENTRADA

INTERNAÇÃO

AMBULATÓRIO

ADMINISTRAÇÃO

INTERNAÇÃO

MANUTENÇÃO

Planta baixa - Pavimento térreo

Planta baixa - Pavimento superior

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Por meio da abstração do cenário circundante, o edifício dialoga com o seu entorno ao adotar elementos pertencentes ao repertório arquitetônico bengali. Em todo o hospital, os tijolos foram utilizados como elemento construtivo aparente (imagem à direita), amplamente usados na região por seu custo mais barato e herança construtiva milenar. A incorporação dessa arquitetura vernacular, além de prestar respeito ao seu contexto cultural, também é importante por aspectos bioclimáticos – já que em locais de clima úmido e eventuais situações de alagamento, os pátios e varandas (imagem à esquerda), por exemplo, são eficazes em promover a circulação de vento e o sombreamento adequado. Através da sua distribuição espacial diferenciada (que gera tantos cenários interessantes) e recursos como os citados anteriomente, o projeto para o Hospital Satkhira é assertivo em dar a devida importância não apenas à funcionalidade requerida em uma instalação médica, mas também valoriza onde se insere e para quem foi projetado.

Aplicação dos tijolos

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Pátio da área de internação

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REFERENCIAL ARTÍSTICO: MOSTRA CASAS DO BRASIL A mostra Casas do Brasil: Conexões Paulistanas é de curadoria da designer gráfica Didiana Prata, produzida com imagens do fotógrafo Marcos Freire; e esteve em cartaz entre os dias 16 de outubro de 2020 e 02 de maio de 2021 no Museu da Casa Brasileira (MCB), em São Paulo. A exposição foi resultado da 7ª edição do projeto Casas do Brasil, que nos

últimos anos percorreu cidades brasileiras fazendo registros fotográficos para criação de um inventário sobre a diversidade da habitação popular no país. No território paulistano, foram realizadas visitas a 990 residências que produziram vinte mil fotos que garantem uma apreciação de grande valor simbólico sobre cenários comuns das vidas de milhões de brasileiros.

RESUMO Curadoria: Didiana Prata Fotografias: Marcos Freire Ano: 2020 Local: Museu da Casa Brasileira, São Paulo Informações e imagens: MCB

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A casa exposta na mostra, em sua maioria, é cheia de cor e preciosa nos mínimos detalhes: dos desenhos das xícaras nos azulejos das cozinhas – herança que nos foi dada pela colonização portuguesa – aos forros floridos que cobrem as mesas de jantar e sofás das salas. O lar original da classe média-baixa brasileira não aspira austeridade e nem busca criar espaços pela mera autoafirmação; mas pelo contrário, parece exprimir em cada cor, objeto e textura um significado que a torne um lugar de aconchego e de criação de vínculos emocionais – o diploma do filho orgulhosamente exposto na parede da sala não foi pensado apenas como um item de decoração, mas é também um objeto que transmite valores muito maiores do que sua mera presença física no espaço.

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Uma mudança perceptível no formato da residência brasileira de classe média, também registrada pelas fotografias, foi dada pela ascendência econômica da classe a partir da última década do século passado, que acabou resultando em uma gradual incorporação de novos bens de consumo que antes não eram tão acessíveis. A cozinha então passou a ser pensada naquele momento para comportar o novo fogão embutido, o micro-ondas e a geladeira inox – e inclusive ganhou também aspirações americanas de balcão para refeições; e a sala teve seu antigo rack substituído por um novo modelo não apenas para a TV - que agora também pode estar na parede, mas também para os novos aparelhos de som e de DVD.

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Independentemente de se tratar de uma residência com “cara de vó” ou outra que pode ter passado por transformações funcionais e estéticas em virtude da própria dinâmica social e econômica do país, o olhar para a casa pode ser a chave para a nossa compreensão como brasileiros, das nossas vidas, das nossas rotinas e, até mesmo, da forma como enxergamos e interagimos com o espaço, tanto em um nível de habitação quanto de cidade.

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Através do simples uso no dia-adia, a residência se torna a reflexão dos seus moradores. A análise atenciosa dos pequenos detalhes que compõem o que chamamos de lar, quando transpostas à arquitetura - mesmo que não-residencial – é capaz de produzir edifícios que nos permitam encontrar múltiplos “lares”, independente de onde estivermos - e essa pode ser uma poderosa ferramenta para o espaço terapêutico.


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PARTE 5

O PROJETO


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PROGRAMA DE NECESSIDADES O atual texto que regulamenta o funcionamento das comunidades terapêuticas é a RDC nº 29, publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2011. Antes da resolução, as CTs eram consideradas equipamentos exclusivamente de saúde, sendo regulamentadas por resoluções similares as de hospitais, clínicas e postos de saúde. Após a publicação do texto, os ambientes voltados aos cuidados médicos passaram a ser opcionais - levando a uma separação entre as comunidades terapêuticas de interesse social, que não oferecem serviços relacionados à saúde (como prescrição de medicamentos) e comunidades terapêuticas de interesse à saúde, que solicita dependências de enfermaria e uma equipe médica maior. A nova resolução, além de estabelecer parâmetros de atuação e conduta técnica, também determina a estrutura mínima necessária para o funcionamento das instituições.

O projeto será concebido para uma comunidade terapêutica de interesse social, portanto, os ambientes clínicos não eram obrigatórios. Baseado nas análises de obras análogas e consideração do públicoalvo, a capacidade definida para a instituição foi de 44 acolhidos, sendo 22 homens e 22 mulheres, em idade adulta. Os alojamentos e banheiros serão separados por gênero, por motivos de segurança e bem-estar; mas não haverá distinção em áreas comuns. No setor de reabilitação e convivência previsto pela legislação, é determinada a necessidade de áreas para realização de oficinas de trabalho, realização de atividades laborais, e para prática de atividades desportivas. Como a resolução não é específica sobre quais ambientes compõem esses segmentos, os estudos de caso foram utilizados para embasamento. E, apesar da não obrigatoriedade de ambientes clínicos, foi incluída uma sala de enfermagem para assistência no dia-a-dia da CT.

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ÁREA ADMINISTRATIVA AMBIENTE

ÁREA (m²)

QNT.

ÁREA TOTAL (m²)

RECEPÇÃO

33,4

1

33,4

SALA DE VISITANTES

57,4

1

57,4

BANHEIRO FEMININO PCD - PÚBLICO BANHEIRO MASCULINO PCD - PÚBLICO

4,5 4,5

1 1

4,5 4,5

SALA DE ACOLHIMENTO

9,45

1

9,45

ADMINISTRAÇÃO BANHEIRO PCD FEMININO - FUNCION.

30,65 4,5

1 1

30,65 4,5

BANHEIRO PCD MASCULINO - FUNCION. SALA DE REUNIÕES COPA ARQUIVO

4,5 12,1 12,1 9,45

1 1 1 1

4,5 12,1 12,1 9,45

ALMOXARIFADO

29,45

1

29,45

SAGUÃO ADMINISTRATIVO

64,16

1

64,16

SERVIÇO AMBIENTE

ÁREA (m²)

QNT.

ÁREA TOTAL (m²)

VESTIÁRIO FEMININO - FUNCIONÁRIOS VESTIÁRIO MASCULINO - FUNCIONÁRIOS LAVANDERIA DML 1 DML 2 DESPENSA (COZINHA) ABRIGO PARA RESÍDUOS SÓLIDOS SAGUÃO ENTRADA GUARITA LAVABO - GUARITA DEPÓSITO ESPAÇO PARA COMPOSTAGEM

19,86 17,77 29,05 9,45 4,95 11,77 9,45 61,04 10,8 2,31 3,65 5,66

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

19,86 17,77 29,05 9,45 4,95 11,77 9,45 61,04 10,8 2,31 3,65 5,66

ÁREA CLÍNICA

98

AMBIENTE

ÁREA (m²)

QNT.

ÁREA TOTAL (m²)

SALA DE ATENDIMENTO INDIVIDUALIZADO SALA DE ATENDIMENTO COLETIVO

11,77 127,91

2 1

23,54 127,91

ENFERMARIA (COM BANHEIRO) SALA RESPONSÁVEL TÉCNICO SALA DE REUNIÕES

16,66 9,45 22,23

1 1 1

16,66 9,45 22,23

SALA TÉCNICA BANHEIRO COLETIVO FEMININO BANHEIRO COLETIVO MASCULINO

24,86 26,51 26,51

1 1 1

24,86 26,51 26,51

SAGUÃO CLÍNICO

144,4

1

144,4


ALOJAMENTO AMBIENTE

ÁREA (m²)

QNT.

ÁREA TOTAL (m²)

167,28

1

167,28

5 1 5

121,7 21,14 22,5

1

7,15

SAGUÃO DORMITÓRIOS

QUARTOS FEMININOS DORMITÓRIO (4 ACOLHIDOS) DORMITÓRIO PCD (2 ACOLHIDOS) BANHO BANHO PCD

24,34 21,14 4,5

7,15 QUARTOS MASCULINOS

DORMITÓRIO (4 ACOLHIDOS)

24,34

5

121,7

DORMITÓRIO PCD (2 ACOLHIDOS)

21,14

1

21,14

BANHO BANHO PCD

4,5 7,15

5 1

22,5 7,15

ÁREA COMUNITÁRIA (INTERNA) AMBIENTE

ÁREA (m²)

QNT.

ÁREA TOTAL (m²)

COZINHA REFEITÓRIO SALÃO DE OFICINAS SALA DE LEITURA E ESTUDOS VARANDA AUDITÓRIO (79 PESSOAS) BANHEIRO FEMININO - AUDITÓRIO BANHEIRO MASCULINO - AUDITÓRIO BANHEIRO FEMININO PCD - AUDITÓRIO BANHEIRO MASCULINO PCD - AUDITÓRIO ESPAÇO ECUMÊNICO (70 PESSOAS)

31,97 90,4 118,85 67,47 116,23 140,8 9 9 4,5 4,5 101,25

1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1

31,97 90,4 118,85 67,47 232,46 140,8 9 9 4,5 4,5 101,25

ÁREA COMUNITÁRIA (EXTERNA) AMBIENTE

ÁREA (m²)

QNT.

ÁREA TOTAL (m²)

QUADRA POLIESPORTIVA (COBERTA) VESTIÁRIO FEMININO - LAZER VESTIÁRIO MASCULINO - LAZER BANHEIRO FEMININO PCD - LAZER BANHEIRO MASCULINO PCD - LAZER MINICAMPO PISCINA

473,25 30,45 30,45 7,5 7,5 2400 170

1 1 1 1 1 1 1

473,25 30,45 30,45 7,5 7,5 2400 170

ÁREA ÚTIL COBERTA CIRCULAÇÃO + ALVENARIA (20%)

2755,6

ÁREA CONSTRUÍDA

3461,27

705,67

99


100


O LAR FORA DA CASA Desde pequenos, aprendemos a reconhecer a casa como nosso lugar. Sendo nosso primeiro ambiente de socialização, a tornamos um sinônimo de abrigo. Na infância, ainda a tratamos por arquétipo é a casa desenhada com telhado, chaminé, janela e porta; é a casa do anúncio da imobiliária; é a casa do desenho infantil de todos os dias depois da escola. Mas casa e lar são diferentes; e conforme crescemos, passamos a enxergar que o lar nem sempre terá chaminé e telhado de duas águas. A casa é material: é o espaço delimitado; é onde residimos. Já o lar, não se limita à espacialidade; apenas a utiliza como um recurso de manifestação.

O lar é o espaço repleto de sentidos abstratos e impregnado de significados - é o lugar humanizado. E somos capazes de humanizar apenas através da nossa interação, inconscientemente atribuindo marcas pessoais de valor onde habitamos. A palavra tem origem no vocábulo em latim de mesma escrita, lar - deus protetor da casa. Em um contexto moderno, as imagens de lar e casa geralmente estão fundidas; mas na História, outras sociedades, como os nômades, também foram capazes de cultivar o sentido de lar através das suas manifestações e, principalmente, por meio do senso de comunidade - o lar estaria onde o grupo estivesse.

101


INSTITUTO MORADA Para a comunidade terapêutica, o abrigo será um lar: de tempo datado, não definitivo; mas, mesmo assim, um lar. Uma casa temporária não pode estar reduzida à mera eventualidade; tão pouco suprimir a importância do acolhimento. Se o lar é o nosso refúgio - o local para onde sempre voltamos - em um espaço para a reabilitação, mais do que nunca, ele exerce um papel simbólico - pois mesmo com tudo em constante transformação, ele ainda precisa ser durável; pois esse lar, em especial, deverá ser pensado para acolher quem o seu usuário é hoje, mas também quem ele será amanhã. Assim, o projeto foi carinhosamente nomeado Instituto Morada, como uma homenagem à casa, ou à morada - o lugar onde se habita. E, se a criação do lar

102

pressupõe o reconhecimento, a tradução desse conceito se dará através de dois elementos principais. O primeiro deles será o resgate do lar primário: o emprego de recursos arquitetônicos comuns do repertório habitacional local e que promovam a familiariedade dos usuários com sua própria construção social de casa. O segundo será a definição da arquitetura para o pertencimento e para o conforto emocional, que solicita uma receptividade dos espaços à mudanças e também a valorização dos usuários como agentes ativos no uso e na transformação: que o edifício possa permitir aos acolhidos empregar suas marcas e pertencer ao local, gerando, assim, identificação - o lar fora da "casa"; mas que não deixa de ser refúgio.


103


Visão geral do edifício

104


Fachada principal

105


106


EVOLUÇÃO DA FORMA O ponto de partida para a plástica do edifício foi a mais reduzida e simplificada referência de moradia que aprendemos a cultivar ainda na infância: o nosso arquétipo de casa - a intuitiva soma de um retângulo com um triângulo. O desenho foi espelhado em quatro faces que, prolongadas, resultaram em um prisma de aparência familiar. Mas esse volume, que inicialmente estaria exposto nas fachadas,

foi então envolto por uma caixa com aberturas que ressaltam a forma inicial nas fachadas e revelam a cobertura apenas no interior - como uma volumetria negativa. Assim, a referência à casa se manifesta mais fortemente dentro do edifício (onde reside maior importância), enquanto seu exterior ganha um aspecto mais sólido e limpo, transmitindo a sensação de segurança e proteção.

107


ESTRUTURA MODULAR O volume, então, foi transformado em um módulo para ser replicado em todo o edifício. Para tanto, uma cobertura foi dimensionada em madeira, considerando um vão transversal de 8m das aberturas. Com o cruzamento dos telhados de duas águas oriundos das quatro faces, o centro do módulo adquiriu planos triangulares inclinados e toda a cobertura recebeu vigotas intermediárias para melhor distribuição de peso e vencimento dos vãos longitudinais sem a necessidade de pilares centrais; trabalhando como uma grande grelha em madeira. Para a redução de carga, placas de

108

OSB com manta asfáltica foram usadas na cobertura, com preenchimento isolante termoacústico no entreforro. Nas quinas da caixa, pequenos "módulos" formados por pilares e vigas em madeira enrijecem o conjunto; com cobertura em laje seca (painel-wall), que permite o acesso e a manutenção do telhado. Por fim, a envoltória do módulo se dá de maneira indepedente da estrutura, trazendo flexibilidade na ocupação; e em duplos tijolos cerâmicos, que proporcionam maior inércia térmica e conforto ambiental, além de serem elemento de resgate cultural.


COBERTURA

FORRO

VIGAS E VIGOTAS

7,4

15

15

PILARES E PAREDES

109


1 - ENTRADA 2 - EDIFÍCIO PRINCIPAL 3 - ESPAÇO ECUMÊNICO 4 - ÁREA DE LAZER

-4,00

5 - JARDIM 6 - ESTACIONAMENTO 7 - BOSQUE 8 - PRAÇA

-3,00

-2,00 3 4

5

2

-1,00

-0,02

0,00 7 6 1 +1,00

PLANTA DE IMPLANTAÇÃO

110

8


IMPLANTAÇÃO Com um caimento sutil e tamanho considerável, a principal intenção na ocupação do terreno foi a menor interferência possível no lote, dispondo o edifício em sua maior dimensão paralelamente às curvas de nível, evitando demasiados elementos de circulação vertical, muros de arrimo e/ou taludes. Pela necessidade de privacidade e segurança, as funções da comunidade terapêutica foram concentradas no interior do terreno, com massas de vegetação (bosque) posicionadas entre o logradouro e o nível principal, funcionando como barreira visual e acústica, além de propocionar mais um espaço de contemplação ao ar livre. Como uma gentileza urbana, na faixa limítrofe com o logradouro foi desenhada uma praça com horta urbana coletiva, pensada para a integração dos usuários com a população local através do cultivo de hortaliças - seguindo, inclusive, uma prática já existente no local de inserção do projeto. O acesso de pedestres é feito pelo ponto médio da face do terreno através de uma entrada projetada com bastante permeabilidade visual, a fim amenizar a sensação de confinamento antes mesmo do

ingresso na instituição. Da cota de entrada do lote até o nível principal, a conexão é feita através de uma única e larga rampa que transpassa todo o bosque. Tratando-se de uma instituição de acesso controlado, o estacionamento para público e funcionários foi implantado também no interior do lote, mais próximo ao bloco principal, seguindo a inclinação natural do terreno. À esquerda do edifício principal, encontra-se a área de lazer, com piscina, mini-campo, quadra coberta e bloco de vestiários - posição escolhida em função da incidência solar sem interferências durante todo o dia. Com a porção posterior do terreno orientada para Oeste, ao fundo foram implantados os espaços de contemplação: um jardim, margeado pelo bloco principal em três dos seus lados e que funciona como ponto de convergência dos diversos fluxos do edifício; e um bloco destinado ao espaço ecumênico, com vista privilegiada para o pôr-do-sol. E por fim, também ao centro mas à direita do edifício principal, encontrase um pátio de serviço, oculto através de alvenaria e com acesso independente ao logradouro, para carga e descarga.

111


CORTE AA

CORTE CC

112


-0,02

-0,02 +0,83

113


Praça

114


Área de lazer

115


PAISAGISMO Para o paisagismo, os bolsões verdes foram desenhados com traçado orgânico e fluido, contrastando com a volumetria linear marcada dos edifícios. Dessa maneira, a vegetação que circunda a arquitetura também a complementa, gerando equilíbrio. As espécies vegetativas escolhidas remetem aos jardins mediterrâneos, com plantas e forrações de folhas reduzidas e/ou em formato de agulha, que possuem menor necessidade de rega. As espécies são de origem ou adaptáveis ao cerrado brasileiro, zelando pela criação de ecossistemas naturais que beneficiem a fauna local. Algumas árvores de flores com coloração marcante, como os ipês e os flamboyants, também foram posicionadas nos bolsões para criar variabilidade na paisagem durante as estações do ano. E no bosque, essas mesmas espécies foram locadas em conjuntos permeados por caminhos orgânicos, criando uma experiência de paisagismo à medida em que o usuário se desloca através do espaço.

PLANTA DE PAISAGISMO

116


AZALÉIA

ALECRIM-DO-CAMPO

SAGU-DE-JARDIM

AGAVE

AGAVE DRAGÃO

BROMÉLIA

BABOSA

DRACENA TRICOLOR

GARAPA

PAU-FERRO

MANGUEIRA

OITI

FLAMBOYANT

UNHA-DE-VACA

JASMIN-MANGA

IPÊ-ROSA

IPÊ-ROXO

IPÊ-AMARELO

GRAMA BATATAIS

PELO DE URSO

BARBA DE BODE

PERIQUITO

ALPINIA

CASCALHOS

117


Bosque

118


Jardim

119


Recepção

120


A EDIFICAÇÃO O programa foi distribuído em 4 blocos: o principal, que abriga funções administrativas, clínicas, comuntárias, de serviço e alojamento; o bloco do espaço ecumênico; o anexo com vestiários para a área de lazer; e o bloco de entrada. No edifício principal, de 2.625,46m2, a planta foi organizada pela setorização de suas funções. À esquerda da entrada, encontra-se a parte administrativa, com um saguão próprio que concentra os fluxos do setor e dá acesso ao auditório, permitindo a utilização por visitantes externos sem o acesso às demais dependências. À direita da entrada, está localizada a área clínica, com ambientes voltados aos cuidados dos acolhidos, como salas de atendimento e enfermaria, e que também possui um saguão como ponto de encontro. Seguindo à direita, encontra-se a parte comunitária do edifício, voltada à convivência e às atividades complementares do processo de tratamento. A cozinha e o refeitório foram posicionados, nesse setor, em um ponto estratégico de incidência de ventos oriundos do Leste para levar o cheiro afetivo de comida e instigar o sentido olfativo nas áreas comunitária e de dormitórios, reforçando a atmosfera familiar de casa. Na fachada principal, uma varanda se extende por todo o setor, estabelecendo um diálogo com o jardim de entrada, tornando-se um ambiente de descanso. Por fim, seguindo

em direção à porção posterior do terreno, encontra-se o alojamento, com saguão e dormitórios para os acolhidos, ladeado dos dois lados por jardins que fomentam o contato com a natureza e a privacidade. Toda a circulação do edifício se dá no seu interior, em um largo e contínuo corredor que permeia todos os setores, evitando a sensação de enclausuramento, garantindo maior domínio espacial e orientabilidade, e funcionando como um espaço ativo de interação social. Esse corredor se conecta ao exterior através das aberturas arquétipas e o uso de vidro, que proporciona permeabilidade visual. Nos saguões, clarabóias trazem luz natural e tornam viável o cultivo de vegetações também no interior. Para os materiais, o forro lambri é um dos elementos que resgata o repertório cultural de casa e proporciona aconchego. O piso em cimento queimado garante fluidez aos ambientes e destaque à cobertura inclinada e estrutura em madeira aparente. Para as paredes, algumas superfícies receberam cores marcantes, trabalhando o acionamento neural de sensações e orientabilidade, auxiliando na geolocalização e criação de senso de pertencimento; outras paredes, como as da cozinha, receberam revestimentos que também aludem o repertório cultural para gerar identificabilidade. 121


48

44 43

47

43

47

29

48 48

44 44

PLANTA-CHAVE

43

47 42 47

11

4 30

6

31

5

2 1

15 13

13

12

16

28 28

27 3 3 27

18 26

32

PLANTA BAIXA | EDIFÍCIO PRINCIPAL

122

45

49

43

47

17

8

9

50

46

14

33 48

10

44

7 7

48

44

43

19 20

22

24

21

25

35

34 23

36


39 41

40

38

37

PLANTA-CHAVE

PLANTA BAIXA | ENTRADA

ÁREA ADMINISTRATIVA

ÁREA CLÍNICA

ÁREA COMUNITÁRIA

SERVIÇO

ALOJAMENTO

30 - VESTIÁRIO FEM. | 19,86m2

42 - SAGUÃO DORMIT. |

(INTERNA) 1 - RECEPÇÃO | 33,4m2

12 - SAGUÃO CLÍNICO |

2 - VISITANTES | 57,4m

144,4m

21 - SALÃO DE OFICINAS |

31 - VESTIÁRIO MASC. | 17,77m2

167,28m2

13 - ATEND. INDIVIDUAL |

118,85m

32 - DML 1 | 9,45m

43 - DORMIT. MASC. | 24,34m2

4 - ACOLHIMENTO | 9,45m

11,77m

22 - SALA DE ESTUDOS |

33 - DML 2 | 4,95m

44 - WC MASC. | 4,5m2

5 - SAGUÃO ADM. | 64,16m2

14 - SALA TÉNICA | 24,86m2

67,47m2

34 - DESPENSA | 11,77m2

45 - DORMIT. PCD MASC. |

6 - ADMINISTRAÇÃO | 30,65m2

15 - SALA DE REUNIÕES |

23 - VARANDA | 116,23m2

35 - LAVANDERIA | 29,05m2

7 - WC FUNCIONÁRIOS | 4,5m

22,23m

24- COZINHA | 31,97m

36 - RESÍD. SÓLIDOS | 9.45m

46 - WC PCD MASC. | 7,15m2

8 - ALMOXARIFADO | 29,45m

16 - ENFERMARIA | 16,66m

25 - REFEITÓRIO | 90,4m

9 -ARQUIVO | 9,45m

17 - RESPONS. TÉCNICO |

26 - AUDITÓRIO | 140,8m

10 - SALA DE REUNIÕES |

9,45m

12,1m

11 - COPA | 12,1m2

2

2

3 - WC PÚBLICO | 4,5m

2 2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

21,1m2 2

37 - SAGUÃO ENTRADA |

47 - DORMIT. FEM. | 24,34m2

2

61,04m

48 - WC FEM. | 4,5m2

2

27 - WC AUDITÓRIO | 9m

38 - GUARITA | 10,8m

18 - ATEND. COLETIVO |

28 - WC PCD AUDITÓRIO |

39 - LAVABO GUARITA | 2.31m

127,91m2

4,5m2

40 - COMPOSTAGEM | 5,66m2

19 - WC FEMININO | 26,51m2

29 - ESP. ECUMÊNICO |

41 - DEPÓSITO | 3,65m2

20 - WC MASCULINO | 26,51m2

101,25m2

2

2

2

2

49 - DORMIT. PCD FEM. | 21,1m2

2 2

50 - WC PCD FEM. | 7,15m

123


55

PLANTA-CHAVE 53

54

51

ÁREA COMUNITÁRIA (EXTERNA) 51 - VESTIÁRIOS LAZER | 30,45m2 52 - WC PCD LAZER | 7,5m2 53 - QUADRA | 473,25m2 54 - PISCINA 55 - MINI-CAMPO PLANTA BAIXA | ÁREA DE LAZER

54

124

52

51

52


Saguão dos dormitórios

125


Saguão da área clínica

126


Salão de oficinas

127


PLANTA-CHAVE

PLANTA DE COBERTURA | EDIFÍCIO PRINCIPAL

128


PLANTA-CHAVE

PLANTA DE COBERTURA | ÁREA DE LAZER

PLANTA DE COBERTURA | ENTRADA

129


+5,67

+4,70

+4,70

-0,02

CORTE AA AMPLIADO | EDIFÍCIO PRINCIPAL

+4,70

+5,67

-0,02

+4,70

CORTE BB | EDIFÍCIO PRINCIPAL

+3,94

+4,70

+5,67

-0,02

CORTE CC AMPLIADO | ESPAÇO ECUMÊNICO E EDIFÍCIO PRINCIPAL

130


+5,67

+4,70 +3,94

-0,02

-0,02

CORTE DD | EDIFÍCIO PRINCIPAL

CORTE EE | ESPAÇO ECUMÊNICO

+7,88 +4,00 -0,02

CORTE FF | ÁREA DE LAZER

+7,88

+4,53 -0,02 +0,83

CORTE GG | QUADRA COBERTA

CORTE HH | ENTRADA

131


Cozinha

132


Varanda

133


FACHADA L1 | EDIFÍCIO PRINCIPAL

FACHADA S1 | ESPAÇO ECUMÊNICO E EDIFÍCIO PRINCIPAL

FACHADA O1 | EDIFÍCIO PRINCIPAL E ESPAÇO ECUMÊNICO

FACHADA N1 | EDIFÍCIO PRINCIPAL

134


FACHADAS N2 E L2 | ESPAÇO ECUMÊNICO

FACHADAS N3 E L3 | VESTIÁRIOS

FACHADAS L4 E N4 | QUADRA COBERTA

FACHADAS L5, O5, N5 E S5 | ENTRADA

135


Entrada

136


Edifício principal

137


Espaço ecumênico

138


Uma ocasião, meu pai pintou a casa toda de alaranjado brilhante. Por muito tempo moramos numa casa, como ele mesmo dizia, constantemente amanhecendo. Adélia Prado

139



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