Comunicação Eleitoral: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais em 2010.

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LUCIANA PANKE E MARCELO SERPA (ORGANIZADORES)

COMUNICAÇÃO ELEITORAL CONCEITOS E ESTUDOS SOBRE AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS EM 2010

INSTITUTO CPMS COMUNICAÇÃO Coleção: Voto Hoje


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INSTITUTO CPMS COMUNICAÇÃO Coleção: Voto Hoje

Conselho Editorial: José Marques de Melo Presidente de Honra Adolpho Queiroz (MACKENZIE) Aluízio Ramos Trinta (UFJF) Caio Manhanelli (ABCOP) Carlos Manhanelli (ABCOP) Geraldo Tadeu Moreira Monteiro (IUPERJ) Gil Castillo (ABCOP) Luciana Panke (UFPR) Mônica Machado (ECO / UFRJ) Marcelo H. N. Serpa (NUMARK / ECO / UFRJ) Paulo Roberto Figueira (UFJF) Paulo Cesar Zamar Taques (ABCOP) Roberto Gondo (POLITICOM)


4 Copyright © 2011 Título original: Comunicação Eleitoral Conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais de 2010 Capa: Joaquim Nunes Saraiva Preparação: Luciana Panke e Marcelo Serpa Revisão: Noemia Hepp Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

______________________________________________________________________________ PANKE, Luciana; SERPA, Marcelo. (Org.) C742

Comunicação Eleitoral: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais de 2010 / Luciana Panke e Marcelo Serpa (organizadores). Coleção Voto Hoje. Rio de Janeiro: Instituto CPMS Comunicação, 2011. 325 p. E-Book Internacional Versão 1.1 PDF / ISBN 978-85-64957008 1. Comunicação 2. Propaganda 3. Política 4. Ciência Eleitoral 5. Ethos I.Título II. Título: Conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais de 2010. CDD – 320 / 306.2 / 324.72

______________________________________________________________________________ 2011 CPMS Comunicação Avenida Treze de Maio, 45 Sala 1503 – Centro 20.031-007 Rio de Janeiro, RJ Telefone: 55 21 8275-5555

Apoios: ABCOP Associação Brasileira dos Consultores Políticos POLITICOM Sociedade Brasileira de Pesquisa e Profissionais de Comunicação e Marketing Político NUMARK / ECO / UFRJ Núcleo de Marketing da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro PPGC / UFPR Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná


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Ao Professor Cid Pacheco (in memorian) e aos alunos e profissionais latino-americanos apaixonados por comunicação política e eleitoral.


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© Copyleft A consulta ao presente documento está condicionada à aceitação das seguintes premissas e condições de uso: 1. É livre a consulta e reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que autor, fonte e a instituição sejam citados e esta nota incluída. 2. É vedada a reprodução, no todo ou em parte, para fins comerciais ou lucrativos. 3. Trata-se de trabalho acadêmico destinado a uso privativo de atividades de ensino e pesquisa. 4. Todas as fontes consultadas para a formulação do presente trabalho são de acesso público. Para efeito de citação: PANKE, Luciana; SERPA, Marcelo. (org.) Comunicação eleitoral: conceitos e estudos sobre as eleições de 2010. Coleção Voto Hoje. Rio de Janeiro: Instituto CPMS Comunicação, 2011. 325 p. (E-Book Internacional Versão 1.1 PDF / ISBN 978-85-64957008)


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SUMÁRIO COMUNICAÇÃO ELEITORAL: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais em 2010. Prefácio Israel Navarro – Editor da Revista Campaigns & Elections Espanhol ..................................................................................................................... 12-15 Português .................................................................................................................... 16-19 Apresentação Luciana Panke e Marcelo Serpa ................................................................................. 20-21 Primeira Parte COMUNICAÇÃO POLÍTICA E ELEITORAL Capítulo I ................................................................................................................................ 23-42 ELEIÇÃO É ESPETÁCULO: como a política abriu espaço para o espetáculo no discurso eleitoral contemporâneo. ELECTIÓN ES ESPECTÁCULO: como la política abre espacio para el espectáculo en el discurso electoral contemporáneo. ELECTION IS SPECTACLE: how politics give space to the spectacle in contemporary election speech. Marcelo Serpa Capítulo II ................................................................................................................................ 43-57 COMUNICAÇÃO ELEITORAL DA URNA ELETRÔNICA: tecnologia ao serviço da democracia brasileira. COMUNICACIÓN ELECTORAL LA URNA ELETRÓNICA: la tecnología al servicio de La democracia brasileña. ELECTION COMMUNICATION OF THE ELETRONIC URN: technology at the service of brasilian democracy. Roberto Gondo Capítulo III ............................................................................................................................ 58-71

HUMOR E CONTRAPROPAGANDA POLÍTICA HUMOR Y CONTRA-PROPAGANDA POLÍTICA HUMOR AND COUNTER-PROPAGANDA Adolpho Queiroz


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COMUNICAÇÃO ELEITORAL: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais em 2010. Primeira Parte COMUNICAÇÃO POLÍTICA E ELEITORAL Capítulo IV ............................................................................................................................. 72-88 O ENGAJAMENTO POLÍTICO-ELEITORAL DE JOVENS NO BRASIL: apontamentos sobre a crise desta representação. LA PARTICIPACIÓN POLITICA Y ELECTORAL DE LOS JOVENES EN BRASIL: notas sobre la crisis de esta representación. POLITICAL AND ELECTORAL ENGAGEMENT OF YOUNG PEOPLE IN BRAZIL: notes on the crisis of this representation.

Mônica Machado Capítulo V .............................................................................................................................. 89-98 AS PESQUISAS COMO INFORMAÇÃO ESTRATÉGICA EM CAMPANHAS ELEITORAIS LA INVESTIGACIÓN COMO INFORMACIÓN ESTRATÉGICA EN CAMPAÑAS ELECTORALES RESEARCH AS A STRATEGIC INFORMATIO IN ELECTION CAMPAIGNS Geraldo Tadeu Moreira Monteiro Capítulo VI ........................................................................................................................... 99-113 ENCUESTAS DE OPINIÓN PÚBLICA EN CAMPAÑAS ELECTORALES: ¿El comienzo del ocaso? PESQUISAS DE OPINIÃO PÚBLICA EM CAMPANHAS ELEITORAIS: começo do declínio? PUBLIC OPINION SURVEYS IN ELECTION CAMPAIGNS: the beginning of the decline? Daniel Gutiérrez Capítulo VII ....................................................................................................................... 114-134 LOS 4 CIUDADANOS. LA MARCA DEL CANDIDATO Y LA COMUNICACIÓN POLÍTICA: acercamiento al concepto de apropiación de la cultura ciudadana frente a decisiones de país, de ciudad y elecciones populares OS 4 CIDADÃOS, A MARCA DO CANDIDATO E A COMUNICAÇÃO POLÍTICA: conceito de apropriação cultural cidadã frente às decisões do pais, da cidade e eleições THE FOUR CITIZENS, CANDIDATE BRAND AND THE POLITICAL COMMUNICATION: concept of cultural appropriation front to political decisions and elections Jorge Aguilera Capítulo VIII ...................................................................................................................... 135-151 TELEJORNALISMO E INFLUÊNCIA DO VOTO PERIODISMO EN LA TELEVISIÓN Y INFLUENCIA EN LA VOTACIÓN TELEJOURNALISM AND VOTE INFLUENCE Alexandro Kurovski


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COMUNICAÇÃO ELEITORAL: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais em 2010. Segunda Parte ELEIÇÕES 2010 Capítulo IX ......................................................................................................................... 153-172 RUPTURAS, RETROCESSOS E REPETIÇÕES NA PROPAGANDA ELEITORAL RUPTURAS, RETROCESOS Y REPETICIONES EN LA PUBLICIDAD ELECTORAL BREAKS, SETBACKS AND REPETITIONS IN ELECTORAL PROPAGANDA Luciana Panke Capítulo X .......................................................................................................................... 173-187 A CAMPANHA DE 2010 NO CONTEXTO DA PERSONALIZAÇÃO DA POLÍTICA LA CAMPAÑA DE 2010 EN EL CONTEXTO DE LA PERSONALIZACIÓN DE LA POLÍTICA THE 2010 CAMPAIGN IN THE CONTEXT OF POLITICAL PERSONALIZATION Paulo Roberto Figueira Leal e Mário Braga Magalhães Hubner Vieira Capítulo XI ......................................................................................................................... 188-209 O DISCURSO E A IMAGEM DO PT E DO PSDB NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002 E 2010 NO BRASIL DISCURSO Y LA IMAGEN DE PT Y DE PSDB EN LAS ELECCIONES PRESIDENCIALES DE 2002 Y 2010 NO BRASIL DISCOURSE AND THE IMAGE OF PT AND THE PSDB IN 2002 AND 2010 PRESIDENTIAL ELECTIONS IN BRAZIL Nelson Rosário de Souza e Sandra Avi dos Santos Capítulo XII ....................................................................................................................... 210-224 TWITTER: BUZZ MARKETING NA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2010 TWITTER: BUZZ MARKETING EN LA ELECCIÓN PRESIDENCIAL DE 2010 TWITTER: BUZZ MARKETING EN LA ELECCIÓN PRESIDENCIAL DE 2010 Mauricio Romanini


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COMUNICAÇÃO ELEITORAL: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais em 2010. Segunda Parte ELEIÇÕES 2010 Capítulo XIII ...................................................................................................................... 225-245

COMO A FOLHA DE SÃO PAULO COBRIU AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS: um estudo comparativo entre as disputas de 2006 e 2010. ¿CÓMO EL PERIÓDICO FOLHA DE SÃO PAULO NOTOCIÓ LAS ELECCIONES PRESIDENCIALES? Un estudio comparativo entre las disputas de 2006 y 2010. HOW THE NEWSPAPER FOLHA DE SÃO PAULO COVERED THE PRESIDENTIAL ELECTION: a comparative study between 2006 and 2010 contests. Emerson Urizzi Cervi, Nelson Rosário de Souza e Leonardo Medeiros Barretta. Capítulo XIV ...................................................................................................................... 246-260 A COBERTURA DA REVISTA “VEJA” SOBRE A DISPUTA PRESIDENCIAL DE 2010 LA COBERTURA DE LA REVISTA “VEJA” EN LA DISPUTA PRESIDENCIAL DE 2010 THE COVERAGE OF MAGAZINE “VEJA” IN THE PRESIDENCIAL ELECTION IN THE 2010 Luiz Ademir de Oliveira e Wanderson Antônio do Nascimento

Terceira Parte ETHOS E ELEIÇÃO Capítulo XV ........................................................................................................................ 262-273 RELAÇÕES ENTRE ETHOS E DISCURSO ELEITORAL RELACIONES ENTRE ETHOS Y EL DISCURSO ELECTORAL ETHOS AND ELECTORAL DISCOURSE Luciana Panke, Lucas Gandin, Claiton César Czizewski e Taiana Bubniak


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COMUNICAÇÃO ELEITORAL: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais em 2010. Terceira Parte ETHOS E ELEIÇÃO Capítulo XVI ...................................................................................................................... 274-284

O RAIAR DE UMA NOVA ESTRELA: uma análise do Ethos de Dilma Rousseff na campanha eleitoral de 2010 EL AMANECER DE UNA NUEVA ESTRELLA: una revisión del Ethé de Dilma Rousseff en la campaña electoral de 2010 THE DAWNING OF A NEW STAR: a review of the Dilma Rousseff Ethé election in the 2010 campaign Lucas Gandin Capítulo XVII .................................................................................................................... 285-290

SIMPLESMENTE “ZÉ”: os Ethé da campanha de José Serra SIMPLEMENTE “ZÉ” – el Ethé de la campaña de José Serra SIMPLY “ZÉ” – the Ethé of José Serra Campaign Jocelaine Santos Capítulo XVIII ................................................................................................................... 291-301

MARINA, A TUA PROPAGANDA QUE ETHOS PINTOU? ¿MARINA? ¿QUE ETHOS PINTÓ TU PUBLICIDAD? MARINA, WHAT ETHOS APPEARES IN YOUR ADVERTISING? Claiton César Czizewski Capítulo XIX ............................................................................................................................. 303

OS ETHÉ DO CANDIDATO PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO LOS ETHÉ DE CANDIDATO PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO THE ETHÉ OF PLINIO ARRUDA SAMPAIO CANDIDATE Anderson Moreira Capítulo XX ............................................................................................................................... 311

O QUE DIZEM OS QUE NÃO TÊM ESPAÇO? LO QUE DICEM LOS QUE NO TIENEN ESPACIO? WHAT SAY WHO DONT HAVE SPACE? Taiana Bubniak e Raul Kleber Boeno

Pós-textuais ................................................................................................................... 325 HOMENAGEM A CID PACHECO


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PREFÁCIO PRÓLOGO PREFACE Israel NAVARRO 1

Gabriel García Márquez relataba de una forma excepcional en Cien Años de Soledad la forma en la los procesos políticos se desarrollaban hace muchos años. El modelo político de Macondo en el que los políticos basaban su campaña en la concentración masiva de gente en mítines donde se pronunciaba un discurso unilateral, que poco tenía que ver con las necesidades del electorado, ha quedado atrás. En algunos países gracias al colapso de las dictaduras militares, mientras que en otros países debido a la apertura a la democratización de los sistemas políticos. Sea cual sea el caso, la participación ciudadana real en los procesos electorales tiene ahora un peso fundamental en los procesos electorales que definen quién nos gobierna. Tomemos por ejemplo el caso de México en donde hasta hace una década el sistema presidencialista (y electoral) estaba basado en la voluntad de una sola persona: El Presidente. O bien el caso de cualquiera de las dictaduras del Cono Sur que poco tomaban en cuenta las opiniones de la población sobre los asuntos del país. Ahora la gente expresa su voluntad de forma efectiva en las urnas. En la última década Latinoamérica ha dado claras señales de madurez política y democrática. Entre ellas, la alternancia en el poder, índices menores de abstencionismo, y la expansión de la libertad de opinión de los medios de comunicación. Sin embargo, más allá de estas condiciones de favorabilidad, existe un fenómeno que nos habla de la verdadera democracia. La expansión de la opinión pública. Esto es la capacidad de cada individuo de expresar sus ideas y tener la seguridad de que serán escuchadas sea o no un líder de opinión. Esto, evidentemente, se facilita mediante el uso de las Tecnologías de la Información y Comunicación (TICS) que no son otra cosa sino un amplificador de la opinión pública. El Internet, los celulares, las redes sociales como Twitter y Facebook son un claro reflejo del pensamiento de la sociedad y por ende, del elector. Es aquí donde se reflejan las aspiraciones, deseos, necesidades y preocupaciones de la gente. 1

Israel Navarro é editor da revista Campagns & Elections.


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Toda campaña electoral bien planeada basa su mensaje en dos pilares fundamentales: La motivación que tiene el candidato para aspirar al puesto de elección popular y las preocupaciones de los electores. En esta era no hay otra forma de ganar la elección más que preguntando a la única persona que sabe cómo hacerlo: el votante. Esta es la mejor fórmula para ganar una elección y las redes sociales y microblogging son un gran reflejo del pensamiento social. Sin embargo, resultaría imposible tener una lectura precisa de la opinión pública de una sociedad solo con ver los comentarios que expresan en Twitter. Para ello, existen herramientas que nos ayudan a llevar a cabo una campaña más técnica y ordenada. Es aquí cuando percibo que las herramientas de gerencia política cobran una especial relevancia en las campañas electorales del siglo XXI y en el desarrollo de sus mensajes. De ahí que las encuestas han evolucionado y se han vuelto más profesionales. Aunque cabe reconocer que en algunos episodios electorales recientes han tenido fallas significativas. Hasta el momento existen debates sobre la falla de las encuestas y sobre todo si cabe la hipótesis de fraudes electorales ante la disparidad de los números previos al día de la elección y el resultado real. Sea cual sea el debate, tenemos que tener en cuenta que la medición de la opinión pública a través de la ciencia estadística sigue prevaleciendo como una de las herramientas más socorridas en la elaboración de campañas profesionalizadas. No descartemos tampoco el uso de los grupos de enfoque y las entrevistas a profundidad a líderes de opinión tanto de élite como de base que nos dan un pulso aproximado al fondo de los sentimientos de la sociedad. Estas técnicas de medición de la opinión pública, en las que se basan los mensajes de cada campaña electoral, han evolucionado al punto de llegar al nivel cuasipersonal bajo el concepto de microtargeting en el que se desarrollan mensajes personalizados para cada mini grupo de electores al que queremos llegar porque evidentemente la preocupación principal de las madres solteras de 18 a 35 años de edad del distrito 5 será distinta a la de los adultos mayores varones que tienen una imagen favorable de la administración actual. Decía José Ortega y Gasset que cada individuo es un planeta distinto. Yo diría que cada elector también lo es. Sin embargo, como no podemos hacer una campaña personalizada para cada votante, aproximamos el contacto directo al máximo nivel que es el de subgrupos, para ello de igual forma nos valemos de la tecnología (TICs) para penetrar a este nivel. Lo irónico del caso es que en la era de los más grandes avances tecnológicos y de la velocidad de las comunicaciones, la


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tendencia principal en el mundo de las campañas y las elecciones es escuchar al elector y hacer contacto directo con él o ella. El Prof. Edward Grefe diría que “las alta tecnología no sustituye al alto contacto”. Aquellas campañas que son capaces de vincular activamente a los electores y hacerlos partícipes de un proyecto social para cambiar lo que no funciona en su entorno o preservar la funcionalidad de sus procesos, son las que resultan más efectivas. Sin embargo, no podemos llegar a este punto sin un motivo válido por el cual contender electoralmente y sin escuchar los deseos de aquellas personas que llevarán al poder al candidato. De aquí deriva el atractivo de una campaña y su fundamento principal. Una campaña sin un mensaje coherente es como un cuerpo sin alma. Por ello, es que las campañas más novedosas van más allá del mitin tradicional y el discurso desde la tarima. Van hacia el diálogo con los ciudadanos, a tocar puertas y recorrer las calles. Siempre tendrá más peso una visita del candidato que se mantiene en cercanía con sus constituyentes que un anuncio político poco creativo con las mismas líneas genéricas y promesas electorales que no serán cumplidas. Enfrentémoslo, la política no es tan atractiva para al común denominador de los ciudadanos. ¿Por qué habrían de seguir a un candidato cuando hay futbol o novelas en la televisión? La única forma es emocionando al elector sea positivamente (esperanza) o negativamente (miedo o ira), pero no hay otra forma de hacer que el elector se sienta parte de un proyecto y sobre todo que nos otorgue su voto si la campaña no es capaz de despertar algún tipo de emoción en él o ella. Una vez que lo hemos logrado, esta persona expresará estas emociones en las redes sociales y a través de las TICs que hablábamos hace poco, confirmado que la dinámica de la opinión pública es un proceso que se ha vuelto más vertiginoso y en donde desde los periodistas que marcan la agenda de opinión hasta el estudiante universitario de licenciatura (pregrado) tienen una opinión que será escuchada. De esta manera se construyen las campañas del siglo XXI. Más lúdicas, más proactivas, más originales, al igual que los electores. Aquellas campañas electorales que sigan tratando a los votantes como seres con poca capacidad analítica o con fórmulas genéricas para la cosecha del voto están condenadas a perecer en las urnas. Los nuevos electores sienten y lo expresan de una forma activa. De igual forma tienen que ser las campañas que traten de convencerlos de la importancia de llevar al poder a un individuo


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que los represente verdaderamente. Con esto no pretendo decir que los candidatos y sus campañas tienen que transformarse el Circ du Soleil, pero sí quiero afirmar que los motivos de los candidatos y sus mensajes deben ser comunicados de una forma innovadora que incentive la participación ciudadana. Décadas tras décadas en las que el activismo ciudadano tuvo poco peso no pueden ser dejadas de lado cuando se estimula la participación democrática que se construye a diario a través de las opiniones, sentimientos y sobre todo los votos de una sociedad que merece ser tomada en cuenta de una forma interactiva. Israel Navarro, 2011


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PREFÁCIO PRÓLOGO PREFACE Israel NAVARRO 1 Gabriel García Márquez relata de forma excepcional, em “Cem anos de solidão”, o modo como os processos políticos se desenvolviam há muitos anos. O modelo político de Macondo, no qual os políticos baseavam suas campanhas na concentração massiva de pessoas, em comícios onde se pronunciava um discurso unilateral que pouco tinha a ver com as necessidades do eleitorado, ficou esquecido em alguns países, graças ao colapso das ditaduras militares, e em outros, devido à abertura e à democratização dos sistemas políticos. Seja qual for o caso, a participação cidadã real nas conduções eleitorais tem agora, um peso fundamental nesses procesos que definem quem governa. Tome-se por exemplo, o caso do México onde até há uma década, o sistema presidencialista (e eleitoral) se baseava na vontade de uma só pessoa: o Presidente. Ou ainda, o caso de qualquer das ditaduras do Cone Sul que desconsideravam as opiniões da população sobre os assuntos do país. Agora, as pessoas expressam sua vontade de forma efetiva, nas urnas. Na última década, a América Latina dá claros sinais de amadurecimento político e democrático. Entre eles, a alternância do poder, índices menores de abstenção e a expanssão da liberdade de opinião dos meios de comunicação. Entretanto, além dessas condicões de favorecimento, há um fenômeno relacionado à verdadeira democracia: a expansão da opinião pública. Isto é, a capacidade de cada indivíduo expressar suas ideias e a segurança de que será ouvido sendo, ou não, um líder de opinião. Isto, evidentemente, se facilita mediante o uso das tecnologias da informação e comunicação (TICS) que não são outra coisa, senão um amplificador da opinião pública. A internet, os celulares, as redes sociais, como Twitter e Facebook, são um claro reflexo do pensamento da sociedade e portanto, do eleitor. É aqui onde se refletem as aspirações, desejos, necessidades e preocupações das pessoas. Toda campanha eleitoral bem planejada baseia sua mensagem nos pilares fundamentais: a motivação que tem o candidato para aspirar ao posto de eleição popular e as preocupações dos eleitores. Nesta era não há outra forma de ganhar a eleição, senão 1

Israel Navarro é editor da revista Campagns & Elections.


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perguntando à única pessoa que sabe como lhe responder: o eleitor. Esta é a melhor fórmula para ganhar uma eleição e as redes sociais e o microblogging são um grande reflexo do pensamento social. Entretanto, seria impossível fazer uma leitura precisa da opinião pública de uma sociedade somente acompanhando os comentários que se expressam no Twitter. Para isso, existem ferramentas que auxiliam na concretização de uma campanha mais técnica e ordenada. Nesse contexto, percebe-se que os instrumentos de gerência política assumem uma especial relevância nas campanhas eleitorais do século XXI e no desenvolvimento de suas mensagens. Por isso, as técnicas de pesquisa têm evoluído e se tornado mais profissionais, ainda que se reconheçam falhas significativas, em alguns episódios eleitorais recentes. Até o momento existem debates sobre o equívoco das pesquisas e sobretudo, se é possível sustentar a hipótese de fraudes eleitorais, ante a disparidade dos números previstos para o dia da eleição, e o resultado real. Seja qual for o debate, precisa-se levar em consideração que a aferição da opinião pública, através da ciência estatística, continua prevalecendo como uma das ferramentas mais utilizadas na elaboração de campanhas profissionais. Não se descarta tampouco, o uso dos grupos focais e as entrevistas em profundidade, junto a líderes de opinião, tanto da elite, como da base que permitem um parâmetro aproximado sobre os sentimentos da sociedade. Essas técnicas de avaliação da opinião pública, nas quais se baseiam as menssagens de cada campanha eleitoral, evoluíram ao ponto de chegar ao nivel quasepessoal sob o conceito de microtargeting, no qual se desenvolvem mensagens pessoais para cada mini grupo de eleitores

que se quer atingir porque evidentemente, a

preocupação principal, por exemplo, das mães solteiras de 18 a 35 anos de idade do distrito 5, é distinta da dos homens maiores e adultos, que têm uma imagen favorável da administração atual. José Ortega y Gasset dizia que cada indivíduo é um planeta distinto. Argumentase que cada eleitor também o é. Entretanto, como não se pode fazer uma campanha personalizada para cada eleitor, é relevante aproximar-se

diretamente,

ao nível

máximo, que é o de sub-grupos. Para isso, de igual forma, emprega-se a tecnologia (TICs) para penetrar neste nível. O irônico do caso é que na era dos maiores avanços tecnológicos e da velocidade das comunicações, a tendência principal no mundo das


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campanhas e das eleições, é escutar o eleitor e fazer contato direto com ele ou ela. O Prof. Edward Grefe diria que “a alta tecnologia não sustitui o alto contato”. Aquelas campanhas que são capazes de vincular ativamente aos eleitores e fazêlos partícipes de um projeto social para mudar o que não funciona no seu entorno ou preservar a funcionalidade de seus processos, são as mais efetivas. Entretanto, não se pode chegar a esse ponto sem um motivo válido pelo qual disputar eleições e sem ouvir os desejos daquelas pessoas que levarão o candidato ao poder. Daí, o atrativo de uma campanha e seu fundamento principal. Uma campanha sem uma mensagem coerente é como um corpo sem alma. Por isso, é que as mais recentes vão além do comício tradicional e do discurso do palanque. Vão de encontro ao diálogo com os cidadãos, batendos às portas e correndo às ruas. Sempre terá mais peso uma visita do candidato que se mantém próximo a seus eleitores do que um anúncio político, pouco criativo, com as mesmas linhas genéricas e promessas eleitorais que não serão cumpridas. Encare-se que a política não é tão atrativa para o denominador comum dos cidadãos. Por que se haveria de assistir a um candidato quando há futebol ou novela, na televisão? A única forma é emocionando ao eleitor seja, positivamente (esperança) ou negativamente (medo ou ira), mas não há outra maneira de se fazer o eleitor sentir-se parte de um projeto e sobretudo, que outorgue seu voto. Sem a campanha, não se é capaz de despertar algum tipo de emoção nele ou nela. Uma vez que se atinja o objetivo, essa pessoa expressará suas emoções nas redes socias e através das TICs, a que houve referência há pouco. Confirma-se, portanto, que a dinâmica da opinião pública é um processo que se tornou mais vertiginoso, no qual jornalistas pautam a agenda de opinião e até mesmo, o estudante universitário de licenciatura, tem uma opinião a ser ouvida. Dessa maneira se constroem as campanhas do século XXI; mais lúdicas, mais proativas, mais originais, mais próximas aos eleitores. Aquelas campanhas eleitorais que continuam tratando os eleitores como seres com pouca capacidade analítica ou com fórmulas genéricas para a colheita do voto, estão condenadas a perecer nas urnas. Os novos eleitores sentem e se expressam de uma forma ativa. Da mesma maneira, têm que ser as campanhas que os convencerão da importância de levar ao poder, um indivíduo que os represente verdadeiramente. Com isso, não se pretende dizer que os candidatos e suas campanhas têm que se transformar-se no Circ du Soleil. Afirma-se, no entanto, que os motivos dos candidatos e suas mensagens devem ser comunicados de uma forma


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inovadora que incentive a participação cidadã. Décadas após décadas, quando o ativismo cidadão teve pouca relevância, não podem ser esquecidas e é necessário estimular a participação democrática que se constrói diariamente através das opiniões, sentimentos e sobretudo, dos votos de uma sociedade que merece ser considerada, de uma forma interativa. Israel Navarro, 2011


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COMUNICAÇÃO ELEITORAL: CONCEITOS E ESTUDOS SOBRE AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS EM 2010. APRESENTAÇÃO “Comunicação eleitoral: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais de 2010” congrega pesquisadores e profissionais de vários países com o intuito de reunir olhares e saberes, no mesmo espaço. A cada dois anos os brasileiros comparecem às urnas para cumprir o dever de votar e exercer o direito de escolher seus representantes. A democracia representativa acarreta a responsabilidade da escolha entre as opções disponíveis. Como preconiza Foucault, existe a luta pelo poder de usar a palavra, o que, aplicado ao presente tema, significa ser visto, ouvido e respeitado. Nesse contexto, o Brasil apresenta uma realidade múltipla e desafiadora no que tange à comunicação eleitoral porque governo, candidatos, partidos e eleitores co-habitam em um determinado espaço simbólico que, nem sempre democrático, traz, com certeza, repercussão na vida de todos. Assim, esta coletânea pretende contribuir com os estudos em comunicação política e eleitoral trazendo, na primeira parte, oito capítulos que discutem questões centrais de comunicação política e eleitoral: inicia pelo texto de Marcelo Serpa que aborda a espetacularização do discurso eleitoral contemporâneo, segue o artigo de Roberto Gondo sobre a importância do processo de comunicação que motiva e esclarece os eleitores nos momentos de decisão de voto, depois, Adolpho Queiroz contribui com um estudo de caso sobre contrapropaganda. Também Mônica Machado discute a representação do jovem; ainda, Geraldo Tadeu Moreira Monteiro analisa a pesquisa como instrumento de informação estratégica e o argentino Daniel Gutierrez reflete sobre o papel da neurociência nas pesquisas de opinião pública. Outra contribuição latino americana vem do colombiano Jorge Aguilera, que esquematiza estratégias de projeção de imagem em campanhas eleitorais, e finalmente, Alexandre Kurovski avalia a influência dos telejornais na decisão do voto. A segunda parte do livro registra e discute questões relativas às eleições presidenciais de 2010. Inicia com uma visão geral de comunicação adotada pelos candidatos, artigo escrito por Luciana Panke. A questão de personalização dessas


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campanhas é o tema de Paulo Roberto Figueira Leal e Mário Braga Magalhães Hubner Vieira; uma comparação entre a imagem do PT e do PSDB nas eleições de 2002 e de 2010 é realizada por Nelson Rosário e Sandra Avi dos Santos. Mauricio Romanini considera o twitter como uma ferramenta valiosa na propagação das mensagens e influenciadora do voto. Ainda, sobre informação, aparecem as pesquisas de Emerson Cervi, Nelson Rosário de Souza, Leonardo Medeiros Barretta que enfocam a cobertura das eleições pelo jornal “Folha de São Paulo”, por fim, a revista “Veja” é alvo de análise por parte de Luiz Ademir de Oliveira e Wanderson Antônio do Nascimento. Para fechar a coletânea, apresenta-se o resultado de um estudo coletivo sobre ethos, realizado pelos mestrandos Anderson Moreira, Claiton César Czizewski, Jocelaine Santos, Lucas Gandin, Raul Kleber Boeno e Taiana Bubniak sob a orientação e coordenação da pesquisadora Luciana Panke e desenvolvido no programa de PósGraduação em Comunicação da UFPR. O grupo desenvolveu uma análise da imagem dos presidenciáveis em 2010, e aqui apresenta a compilação dos dados. Boa leitura! Luciana Panke Marcelo Serpa Organizadores


COMUNICAÇÃO ELEITORAL: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais em 2010. Primeira Parte COMUNICAÇÃO POLÍTICA E ELEITORAL Capítulo I - ELEIÇÃO É ESPETÁCULO: como a política abriu espaço para o espetáculo no discurso eleitoral contemporâneo. Marcelo Serpa. Capítulo II - COMUNICAÇÃO ELEITORAL DA URNA ELETRÔNICA: tecnologia ao serviço da democracia brasileira. Roberto Gondo. Capítulo III - HUMOR E CONTRAPROPAGANDA POLÍTICA. Adolpho Queiroz Capítulo IV - O ENGAJAMENTO POLÍTICO-ELEITORAL DE JOVENS NO BRASIL: apontamentos sobre a crise desta representação. Mônica Machado. Capítulo V - AS PESQUISAS COMO INFORMAÇÃO CAMPANHAS ELEITORAIS. Geraldo Tadeu Moreira Monteiro.

ESTRATÉGICA

EM

Capítulo VI - PESQUISAS DE OPINIÃO PÚBLICA EM CAMPANHAS ELEITORAIS: começo do declínio? Daniel Gutiérrez. Capítulo VII - OS 4 CIDADÃOS, A MARCA DO CANDIDATO E A COMUNICAÇÃO POLÍTICA: conceito de apropriação cultural cidadã frente às decisões do pais, da cidade e eleições. Jorge Aguilera. Capítulo VIII – TELEJORNALISMO E INFLUÊNCIA DO VOTO. Alexandro Kurovski.


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ELEIÇÃO É ESPETÁCULO: como a política abriu espaço para o espetáculo no discurso eleitoral contemporâneo. ELECTIÓN ES ESPECTÁCULO: como la política abre espacio para el espectáculo en el discurso electoral contemporáneo. ELECTION IS SPECTACLE: how politics give space to the spectacle in contemporary election speech. Marcelo SERPA 1 RESUMO O presente ensaio investiga a importância da política no processo de sufrágio hoje, em função da sua eventual migração do campo político para o campo da comunicação, numa forma midiática, na qual publicidade e mídia buscam o eleitor pela sedução – a política-publicidade ou políticasedução. Examina como a política abriu espaço para o espetáculo no discurso eleitoral contemporâneo. PALAVRAS-CHAVE: comunicação política eleitoral; espetacularização. RESUMEN El presente estudio investiga la importancia de la política en el proceso de sufragio hoy, en función de su eventual migración del campo político para el campo de la comunicación, en una forma mediática, en la cual publicidad y media buscan el elector por la seducción – la política publicidad o política seducción. Examina como la política abre espacio para el espectáculo en el discurso electoral contemporáneo. PALABRAS-CLAVE: comunicación politica electoral; espetacularización. ABSTRACT The importance of politics in the process of contemporary suffrages, due to its eventual migration from the field of politics to the field of communication, in a media like form, in which advertising and media seek the elector by seduction – the politics-advertising or politics-seduction. Examines how the political space opened for the spectacle in contemporary election speech. KEY WORDS: electoral political communication; suffrage, spectacularization.

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É consultor em Comunicação, Opinião Pública, Pesquisa e Ciência Eleitoral (psephologia), no Rio de Janeiro. É diretor da ABCOP – Associação Brasileira dos Consultores Políticos e professor da ECO-UFRJ – Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de janeiro, onde coordena o NUMARK - Núcleo de Marketing e leciona diversas disciplinas, entre elas, Comunicação Política e Eleitoral – Técnicas, Expressões e Linguagens.


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1 INTRODUÇÃO Estaria o discurso político vivendo seus dias de desvalorização, deixando de ser a força mais relevante do processo eleitoral contemporâneo? Estaria se assistindo a uma eventual perda da importância do discurso politizado? 2 A hipótese básica é que sim: numa sociedade de massa com orientação democrática, que elege seus governantes através de voto universal, onde todo cidadão decide pelo seu voto, o processo eleitoral é marcadamente regido pelo discurso despolitizado e sedutor, com a possibilidade de se impor na ótica de espetáculo, ou de espetacularização 3. Verifica-se, não de hoje, que a política mudou de estratégia na busca do voto e da conquista eleitoral: a moda é a sedução, e a estratégia vigente é agregar simpatia calorosa e competente à imagem dos políticos: uma tentativa de atribuir atratividade emocional à imagem do candidato, tornando mais “festivo” o pleito eleitoral. Nesse processo, o sorriso sóbrio, a aparência descontraída, o discurso imaginativo, desentediado, elegante e humorado, ganham cada vez mais espaço: é o que se chama de “política-sedução”, “política-publicidade” ou “política-espetáculo”. O fenômeno não é exclusivamente latino americano ou brasileiro. A estratégia é relativamente universal e atual, com início nos anos 1950, nos EUA, quando e onde se passa a utilizar as técnicas da publicidade, do marketing, da pesquisa motivacional, da mídia, da Psicologia Social e várias outras disciplinas, na construção e administração do processo eleitoral, como forma de se dar certa cientificidade e caráter multidisciplinar à política e à eleição. Naquela mesma época surgiu na Europa a psefologia4, estudo estatístico-científico das eleições, ou simplesmente, a tecnologia

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Neste trabalho utilizam-se expressões como “despolitização” do discurso eleitoral ou discurso “despolitizado”, não com a intenção de indicar a possibilidade de um discurso não político, uma vez que parece certo que o discurso é sempre político e que as ideias nele contidas é que expressam maior ou menor consciência social coletiva. Sendo assim, a expressão eleitoral é politicamente direcionada de forma a, eventualmente, buscar menos a conscientização e mais a sedução do eleitor, por meio da empatia pelo candidato Este sempre se posiciona politicamente, mesmo que, vez por outra, de forma mascarada, pela estratégia publicitária adotada. Tais expressões, portanto, destacam uma prática de diluição do velho tradicional discurso político numa nova forma contemporânea de discurso, midiatizada e espetacularizada, que se observa nas eleições hoje. 3 (s.m..) Eti. : do lat. spetaculum, conjunto de coisas ou de fatos passíveis de provocar e de manter a atenção dos assistentes que são apresentados para o olhar do público, como festividades, cerimônias, jogos diversos. Já na década de 1920 o termo se apresenta no pensamento alemão. Na década de 1960, populariza-se por meio do pensamento do crítico marxista Guy Debord e da Internacional Situacionista. (MARCONDES FILHO, Ciro. Dicionário de comunicação. São Paulo: Paulus, 2009. p. 126.) 4 O termo psephology [do Grego psephos (seixos) + -logy (estudo) porque os gregos antigos usavam seixos para registrar votos em eleições - http://wordsmith.org/words/psephology.html consultado em 19/01/2011] Em português: psefologia, foi cunhado na Inglaterra em 1952 pelo historiador R. B. McCallum para descrever a análise cientifica de eleições passadas. Psefologia também tem várias aplicações especificas na análise de resultados eleitorais. Entre os mais notáveis psefologistas incluem-se os australianos Antony Green e Malcolm Mackerras (que desenvolveu o Mackerras Pendulum); os americanos Michael Barone (que publicou The Almanac of American Politics bienal desde


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eleitoral. Concebe-se como parte da ciência política que se dedica ao estudo e análise estatística das eleições, através da utilização de dados históricos eleitorais zonais, enquetes de opinião pública, informações financeiras de campanhas, dados contábeis - estatísticos e outras áreas similares. A partir de então, a prática se espalhou por quase todo o globo. Apenas para citar alguns exemplos: nos EUA, Nixon foi derrotado por Kennedy que já se beneficiara da nova estratégia (1960)5, não se assemelhando à tática de Nixon, que ganhou as eleições seguintes (1968 e 1972)6; na França, o Mitterand, repetidamente derrotado no segundo turno (1965 e 1972)7, distingue-se do Mitterand, que venceu em 19818; no Brasil o “Lulinha paz e amor” que assumiu a presidência por duas vezes consecutivas (2002 e 2006)9, e fez sua sucessora a primeira mulher presidente do Brasil (2010), nem mesmo lembra o “velho sapo barbudo”, das derrotas eleitorais anteriores (1989, 1994 e 1998)10. No Brasil, essa estratégia se aplicou pioneiramente, em 1954, ano do suicídio do presidente Getúlio Vargas, na disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte, entre Amintas de Barros e Celso Azevedo – o primeiro, do PSD (Partido Social Democrático), considerado imbatível, candidato apoiado por Vargas e Kubitscheck (na época Governador de Minas Gerais, em plena glória), e o segundo, um jovem engenheiro de 40 anos, desconhecido, que concorria pela UDN (União Democrática Nacional), com o apoio de um pequeno partido, o PDC (Partido Democrático Cristão). Venceu o novato Celso Azevedo, com João Moacyr de Medeiros, como organizador de campanha, titular da JMM Publicidade, a pedido de Magalhães Pinto, amigo do candidato vencedor – mas essa

1972, Nate Silver cujo website FiveThirtyEight.com afere tendências eleitorais americanas, David Butler e Robert McKenzie, que desenvolveram o swingometer. Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Psephology consultado em 19/01/2011. No Brasil, a ABCOP – Associação Brasileira dos Consultores Políticos, e o NUMARK – Núcleo de Marketing da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desde o início da década de 1990, adota o termo ‘Ciência Eleitoral’ numa alusão a um estágio mais desenvolvido que a simples aplicação das técnicas de marketing na eleição – o marketing eleitoral. 5 Em 1960, Kennedy venceu Nixon por uma diferença de menos de 80 mil votos e pequena margem, no Colégio Eleitoral. 6 Em 1968, Nixon venceu a eleição contra o democrata Hubert Humphrey e em 1972, foi reeleito com esmagadora maioria no Colégio Eleitoral (520 votos a 17), sobre o oponente George McGovern. 7 Em 1965, obteve 44,8% dos votos no segundo turno e perdeu para Charles de Gaulle. Em 1972, foi derrotado por Valéry Giscard d’Estaing. 8 Em 1981, venceu Valéry Giscard d''Estaing tornando-se o primeiro socialista a chegar à Presidência da França e em 1988, foi eleito para um segundo mandato. 9 Em 2002, venceu José Serra e em 2006, ganhou de Geraldo Alckmin. Consultar também PANKE, Luciana. As mudanças de argumentos nos discursos de Lula, sob o prisma da temática emprego. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2005. 345 p. 10 Em 1989, perdeu para Collor de Mello e em 1994 e 1998, para Fernando Henrique Cardoso.


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é outra história11. De lá para cá, vieram outras tantas, como as eleições de Arthur da Távola (Senado RJ), Moreira Franco (Governo RJ), César Maia (Prefeitura RJ), Anthony e Rosinha Garotinho (Governo RJ), só para ficar no âmbito de casos estudados pelo Núcleo de Marketing da Escola de Comunicação da UFRJ (NUMARK). Entretanto, os exemplos mais patentes dessa “política-espetáculo” e da influência da mídia, da “política-publicidade” e o impulso da “política-sedução” na eleição brasileira, estão nas eleições dos últimos presidentes eleitos do Brasil: Collor (1989); FHC (1994 e 1998); Lula (2002 e 2006), e Dilma (2010). Acrescente-se à lista, apenas para incluir-se a América do Norte, o caso recente da eleição de Barack Obama (2008)12: Em todos esses casos exemplificados parece que o discurso publicitário invadiu mesmo, de vez, a “praia” da política. E, na América Latina, no episódio específico da Venezuela, a adoção da estratégia é latente, observada por meio da análise das eleições, culminando nos referendos revogatório e constitucional, que buscaram a consolidação da popularidade do seu atual presidente, Hugo Rafael Chávez Frias (1998, 1999, 2000, 2004, 2006, 2007, 2009, 2010)13. Porém, essa invasão publicitária à “praia” da política gerou desconforto ou, pelo menos, dúvidas: essa opção resultaria em êxito ou riscos importantes à vida nacional daqueles países? Estaria a “política-espetáculo” mascarando problemas de fundo, substituindo a proposição de programas pelo charme da personalidade de personas políticas? Ou, entorpecendo a capacidade de raciocínio e de julgamento dos eleitores, em proveito de reações emocionais e sentimentos irracionais de atração e empatia? Estaria tal tendência de estilo transformando os próprios conteúdos da vida política para atingir novos eleitorados de massa com discursos políticos com tendência a apagar os aspectos mais controvertidos de seus programas e a procurar uma plataforma prazerosa, satisfatória para quase todos? Estar-se-ia testemunhando o curso de um processo de uniformização e de neutralização do discurso político, articulado para se matar a política e se

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PACHECO. 1954: o ano que o marketing eleitoral começou no Brasil. In: MANHANELLI, Carlos. Marketing eleitoral: aprendendo com campanhas municipais vitoriosas. São Paulo: ABCOP - Associação Brasileira dos Consultores Políticos, 2008. 109 p. 12 Barack Obama, com 51,8% dos votos contra 47,3% de McCain, foi eleito o primeiro presidente negro dos EUA. 13 Em 1998, Chávez foi eleito com 56% dos votos. Em 1999, uma nova Constituição foi aprovada em plebiscito por 71,21% dos eleitores. Em 2000, Chávez foi reeleito presidente da República, com 59,7% dos votos. Em 2004, em Referendo Revogatório, com 58,25% dos votos, o povo venezuelano decidiu pela permanência de Chávez no Governo, até o fim do mandato. Em 2006, Chávez se reelegeu com 62.9% dos votos. Em 2007, o povo venezuelano rejeitou as emendas à Constituição da Venezuela, propostas por Chávez, por pouco mais de 50% dos votos com abstenção de 44,9% do eleitorado.


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ressuscitar o despotismo? Estas são algumas das inquietações expressas de maneira mais ou menos marcante e frequente, por uma grande variedade de categorias sociais, a começar – é certo – por políticos e eleitores e passando por muitos outros setores interessados e envolvidos como comunicadores, jornalistas, artistas, juristas, sociólogos, antropólogos, ou seja, “todo mundo”, visto que a política e a eleição envolvem a sociedade por inteiro – ou quase. Daí, a intensa crise de essência político-eleitoral que mobiliza a atenção de vários setores da sociedade e se torna assunto preferencial da mídia brasileira e internacional. 2 ELEIÇÃO HOJE A eleição contemporânea é então, analisada e considerada sob a ótica da comunicação. Comunicadores querem atingir um público-alvo que apresenta uma encomenda social, em função dos objetivos do cliente, o candidato, com certos efeitos. Tudo deve ir ao encontro do núcleo de interesses e proposições pré-existentes no público-alvo. Mas, se as ações substantivas e de comunicação se destinam ao chamado público-alvo, quem ele é? E, o que demanda, em que momento e em que intensidade? As respostas a essas e outras questões cruciais, que norteiam a eleição moderna, são o objeto das pesquisas. Quem é o eleitor? O que pensa sobre o candidato e seus adversários? Há rejeição ou empatia? Em que grau? Que propostas e discursos quer ouvir? Quando e onde? Como evolui a intenção de voto? Nesse contexto, pesquisas podem indicar ajustes necessários a gestos, palavras e propostas de um candidato para que, aí sim, ele seja percebido pelo eleitor, exatamente, como convém à sua imagem e estratégia. É quando a investigação começa a ser imprescindível, como primeiríssimo passo de uma campanha competente que aperfeiçoa a percepção da imagem do candidato pelo público-alvo. Por isso, vários candidatos de destaque adotam pesquisas, atribuindo-lhes valor inestimável na orientação das suas campanhas vitoriosas.14 Contudo, não se trata de sair por aí fazendo perguntas. É preciso orientação técnica e segura para saber o que e como perguntar, para ler e interpretar corretamente as respostas e para não desperdiçar recursos com informações inúteis ou mal interpretadas. Na comunicação persuasiva pesa mais o receptor que o emissor. A expressão: “Importante não é o que você diz, mas o que o outro entende”, há anos ensina o Professor Cid 14

Há três fatores chaves que constituem uma das mais importantes ferramentas para conduzir uma campanha e entender o eleitor: (1) a pesquisa, para saber o que as pessoas estão pensando; (2) a pesquisa, sobre a qual se constrói toda a estratégia eleitoral; e (3) a pesquisa, fator instrumental por excelência que permite o desenvolvimento tático da operação eleitoral. Mais que aliada, a pesquisa é a própria atividade essencial na base do desenvolvimento da estratégia de uma eleição.


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Pacheco. De fato, importa menos quem o candidato é, do que como o eleitor o vê, julga e acha que ele é. Ou seja, o que importa é como o candidato é percebido pelo eleitor. O candidato é um núcleo de interesses e de proposições porque se propõe a fazer certas coisas, a partir de uma visão de mundo (weltanchauung). Sua razão de ser é que gera a candidatura, a partir de uma doutrina que estabelece objetivos: é fundamental entender que o objetivo da comunicação é o efeito. Então, há objetivos e políticas a atingir e quem os define, é o candidato. As políticas geram, necessariamente, a estratégia – o grande conceito geral. Então, fragmenta-se a estratégia em táticas para implementála, em etapas. Constituem-se ações substantivas e ações de comunicação. Mas, a comunicação não substitui a falta de ações substantivas e não pode fazê-lo. Se, na ação substantiva, falha a campanha eleitoral, é ilusão imaginar que por meio de comunicação se pode iludir, seja quem for, convencendo-o de que se fez o que não se fez. Mais ainda, se as ações substantivas são fracas ou inadequadas, a comunicação, frequentemente, gera efeitos fracos ou inadequados: não por causa de boa ou má comunicação, mas porque a própria ação substantiva básica, de alguma forma, resultou falha ou deficiente. 3 ELEIÇÃO NO PASSADO Mas nem sempre foi assim. Cinquenta anos de pesquisas e sondagens têm confirmado, constrangedoramente, as primeiras suspeitas de Bryce (1988) e Lippmann (1922) de que o grosso da população em geral, não se interessa e é desinformada sobre a maioria das matérias que poderiam considerar-se temas públicos15. Quase 10% não atenta, em absoluto, nem sequer às mais evidentes e visíveis campanhas presidenciais. É comum a ocorrência de votantes indiferentes a eleições presidenciais, número próximo a 50%16. Aproximadamente 66% da população americana tem pouco ou nenhum interesse por política17. Cerca de 33% das opiniões colhidas em sondagens de população, são simplesmente, respostas sem nenhuma reflexão ou discussão prévia18. Por outro lado, as sondagens permitem estimar quantas pessoas não têm nenhuma opinião sobre um tema, o que não é uma informação trivial. O mero fato de que as sondagens de opinião têm um papel institucionalizado na esfera política conferem à opinião das massas um impulso crescente na configuração da política19.

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Ver, por exemplo, ERKSINE, 1962 e 1963. KEY, 1961. 17 NEUMANN, 1986 ; KINDER & SEARS, 1985. 18 BISHOP; OLDENDICK; TUCHFARBER E BENNET, 1980; GRABER, 1982; NEUMANN, 1986. 19 SABATO, 1981. 16


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Uma parte substancial da cidadania... ‘pode preocupar-se’ com o como se desenvolvem as eleições, e pode ter um certo ‘interesse’ nas campanhas. Este envolvimento costuma ter implícito um certo sentido de compartir o processo político ... ainda que as atividades associadas com este sentido de envolvimento sejam de tipo diferente daqueles dos públicos altamente atentos, cujos membros estão especialmente bem informados e em contato bastante direto com os processos públicos (KEY, 1961) ‘ 20.

4 INDIFERENÇA No Brasil, essa marcante indiferença, reconhecida pelo mercado e pela ABCOP - Associação Brasileira dos Consultores Políticos, entidade que realiza diversos estudos no campo da ciência eleitoral e divulga as experiências de seus integrantes em congressos nacionais, de dois em dois anos (atualmente na nona edição), foi observada e estudada pioneiramente, pelo professor Cid Pacheco (NUMARK/ECO/UFRJ). Ele argumenta tratar-se de fenômeno universal, e o descreve ao enunciar as três Leis Fundamentais do processo eleitoral, quando dá à palavra “lei” um sentido relativo de “alta-frequência”, e não o sentido absoluto das leis da Física ou da Matemática. A primeira delas, é justamente a Lei da Indiferença, versando sobre a normalidade dos quadros eleitorais, marcados por pequenas minorias pró e contra, e grandes maiorias indiferentes que, com o avançar da eleição migram para uma das outras posições, diminuindo a indiferença, num processo escalonado que vai da indiferença à indefinição, depois à indecisão, e à simpatia, para finalmente chegar a algum tipo de adesão moderada - o que manda é o centro moderado e não os extremos estridentes. A maioria é silenciosa e somente acessada artificialmente, pelas pesquisas de opinião qualitativas e quantitativas, alerta o professor: “Muniz Sodré nos adverte que o cidadão comum percebe a política como uma esfera metafísica em relação aos seus interesses do cotidiano, tende a não acreditar que ela (a política) possa mudar sua vida. Para Mafesoli, a indiferença é a atitude que 20

BRYCE, J. The american commonwealth, v. 3. Londres: Macmillian, 1888. LIPPMANN, W. Nueva York: Harcourt Brace Javanovich, 1922. ERKSINE, H. G. The polls: The informed public, Public Opinion Quartely, 26, 668-677, 1962 _______________. The polls: textbook knowledge, Public Opinion Quartelly, 27, 133-141, 1963. KEY, V. O. Public opinion and American democracy. Nueva York: Knopf, 1961. NEUMAN, W. R. The paradox f mass politics: knowledge and opinions in the American electorate. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1986, p. 10. KINDER, D. R.; SEARS, D. O. Public opinion and political action. In: LINDZEY, G. ; ARONSON, E. (comps.) The handbook of social psychology, 3. ed., p. 659-741. Nueva York: Ramdom House, 1985. BISHOP, G. F.; OLDENDICK, R. W.; TUCHFABER, A. J. BENNETT, S. E. Pseudo-opinions on public affairs. Public Opinion Quartely, 44, 198-209, 1980, GRABER D. E. The impacto f media research on public opinion studies. In: WHITNEY, D. C.; WARTELLA E.; WINDAHL, S. (comps) Mass communications review yearbook ,v. 3, p. 555-564. Bervely Hills, CA: Sage, 1982. SABATO, L. J. The rise of political consultants. New York: Basic books, 1981. KEY, V. O. Jr. Public opinion and American democracy. Nueva York: Knopf, 1961, apud PRICE, 1994, p. 56.


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torna esse cidadão imune ao discurso persuasivo dos políticos”.21 Mas, se boa parte do eleitorado inicia-se na indiferença, então ela procrastina ao máximo sua decisão - a Lei da Procrastinação ou do Adiamento Máximo, segundo a qual, o interesse da massa pelo processo eleitoral só se intensifica no período final, próximo à data da eleição. Por fim, a Lei da Efemeridade indica que o eleitorado de massa se direciona à inconstância, à efemeridade e à infidelização. O grande vitorioso de hoje pode ser o fracassado de amanhã porque a preferência do eleitor médio transforma-se em uma efemeridade crescente: por isso, é preciso estar-se atento ao timing da eleição - é preciso crescer no tempo certo. 5 CARNAVALIZAÇÃO E ESPETACULARIZAÇÃO No entanto, se não é o discurso político racional que move o eleitor, então o que é? Há quem sugira que a importância do discurso político nos processos eleitorais atuais está relativizada, cedendo espaço para o campo comunicativo – fala-se em “política-sedução”, “política-publicidade” ou “política-espetáculo”, modelos de comportamento político-eleitoral, carnavalizados ou espetacularizados, e temas similares. A espetacularização democrática da eleição se explica quando se busca formas de relacionar conceitos sócio-antropológicos de fenômenos como o do carnaval e carnavalização de Bakhtin (1993); do grotesco de Da Matta (1983) e Sodré (1972); da espetacularização de Debord (1997), Schwartzenberg (1977) e Balandier (1982); da propaganda e do entretenimento de Lipovetsky (2004), Sartori (2001), Gabler (1999), Muccieli (1978), Spinalt (s/d); da política e da ciência eleitoral de Pacheco (1998), Bartlet (s/d.) e Domenach (1963), somente para explicitar as questões mais inquietantes. Como se relacionam carnavalização, propaganda, virtualidade e espetacularização, política e eleição contemporâneas? É possível ao conceito bakhtiniano resistir à ação do tempo e do espaço? Como fica a questão da contextualização, objeto de tantas preocupações de Bakhtin? Como se comporta a carnavalização e as espetacularização no contexto globalizante das sociedades contemporâneas? Os efeitos da demografia e da democracia sobre os conceitos de carnavalização e de grotesco nas novas sociedades de massa contemporâneas, já em globalização intensiva, suscitam nova visão sobre as questões levantadas por Bakhtin, despertando tanto interesse e provocando 21

PACHECO, 2004, p. 92.


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tanta discussão, prevalecendo e mantendo-se desde meados do século XX. Os seus conceitos específicos de carnavalização e de grotesco ocupam um lugar relevante no pensamento contemporâneo. Uma “nova perspectiva” que parte de um olhar, não sobre o passado das ideias daqueles autores clássicos, mas agora, sob o seu futuro. Para onde irão elas doravante? Que novos aspectos, mudanças, evoluções poderiam elas assumir – se é que ocorrerão? Ao se olhar para o ontem, percebe-se (como que “se descobre”) que o tempo apresenta, hoje, um quadro social tão profundamente diferente daquele que impõe a obrigação de repensar a própria essência daqueles conceitos para melhor atualizá-los. Em que consiste tal diferença? O que mudou? Ou quanto? A mudança principal diz respeito aos aspectos quantitativos: especificamente, a demografia. A carnavalização daquelas pequenas populações clássicas e medievais – quase insignificantes face às grandezas das massas contemporâneas – continua a ter o mesmo valor, significação e atuação? Contudo, ao lado da demografia, nota-se outra mudança, esta qualitativa: a democracia. Note-se que a carnavalização bakhtiniana “clássica”, refere-se a sociedades (notadamente a Medieval) de natureza Feudal, essência autoritária e formato aristocrático. Repita-se a pergunta num contexto político: a carnavalização, dentro das pequenas sociedades autoritárias que Bakhtin escolheu como cenário para suas reflexões, terá hoje o mesmo valor, significação, atuação e efeito para as macro-democracias massivas da atualidade? Obviamente, para Bakhtin, seus dois conceitos já se enquadravam numa percepção perpassada pela consciência de classes sociais e, mesmo, de luta de classes. Afinal, o pensamento de Bakhtin situa-se numa weltanchauung (visão de mundo) inevitavelmente marxista, inclusive, por imposição geográfica e temporal: de nacionalidade russa e contemporânea de sistema soviético ativo. Portanto, a carnavalização e o grotesco são conceitos extensivos à percepção política antropológica e sociológica de certo tempo histórico, datado. Ora, demograficamente, o mundo atual guarda pouca similitude significativa com as demografias clássicas, medievais – e até mesmo, com as do Século XIX. Da mesma forma, politicamente, as macro-democracias de massa contemporâneas guardam pouca similitude significativa com as democracias clássicas (especialmente as Gregas e a Romanas) e menos ainda, com o Feudalismo ou Absolutismo posteriores aos Séculos XIV e XV, e a exacerbação dos totalitarismos do Século XX, sem falar dos imperialismos dos Séculos XVI a XIX. Por esse motivo, essa percepção requer uma revisão dos conceitos para sua atualização à modernidade corrente e viva. E, aí, esse presente suscita um futuro – tão inevitável quanto o


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passado: o que vem pela frente? A título de exemplo, os “novos gigantes”: China, Índia e Brasil? Carnavalização e grotesco nessas novas sociedades de massa guardam ainda afinidades, semelhanças ou equivalências com as “do tempo passado”? E, ao se falar em futuro, aí não dá mais para parar... Pensa-se, nesse contexto, em perspectivas emergentes que já preocupam tantos pensadores, desenhando-se no horizonte dos novos “capitalismos autoritários” de que a China já é o paradigma reconhecido. Vale a pena mencionar Gat Azar22 em artigo notável: na revolução demográfica, já em plena explosão, surge a “revolução autoritária inesperadamente capitalista”. De fato, a massificação da cultura popular, por via da massificação da mídia, consagrou uma nova estética de massa, de resto, nada tão novo que já não fora percebido precocemente por Ortega e Gasset, e outros prenunciadores das “rebeliões das massas”. O cinema, logo depois, a televisão, consolidaram a difusão, a aceitação generalizadas – e mesmo a imposição midiática – dessas novas estéticas populares que tornaram a palavra “grotesco”, talvez agora imprópria ou injusta: a nova estética não deixava de ser estética, por ser popular, simplória e simplista, mas visceralmente democrática, porque autenticamente originária do “demos”, e não das elites. Quanto à carnavalização, tenta-se outro caminho. A carnavalização na Idade Média agia como uma válvula de escape que permitia uma distensão de pressões sociais, através de um processo de inversão de valores que anulava temporariamente, os mecanismos hierárquicos oficiais. O mecanismo mostrava-se eficiente e importante, a ponto de se registrar ritos e festejos populares europeus que se estendiam por até um quarto de ano. Essa carnavalização, embora forjada num regime social que desconhecia os conceitos de Classes e Estado, já assistia a sua oficialidade na prática de uma “teatrocracia” que regulava a atividade social – Shakespeare já enunciava metáfora para o fato: “o mundo inteiro é uma cena” – num jogo encenado para revelar os jogos sociais. Balandier corrobora a tese. Em o “O poder em cena”, como adverte o seu prefaciador, Professor Fernando Mourão, descreve os mecanismos em que “o político comanda o real através do imaginário, num espetáculo em que as cenas se sucedem, ora refletindo constrangimentos originados no passado ao nível da cultura, ora em decorrência de transformações sociais, cuja inteligibilidade Georges Balandier apreende ao surpreender o nível profundo das relações sociais que dão o sentido da ação, a par das estruturas oficiais, as aparências superficiais, controladas 22

AZAR, Gat. “The rise of authoritarian capitalism”, Foreign Affairs, n. 84, p. 59, jul/ago. 2007.


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diretamente pelo poder” 23 . Essa mesma tese é velha conhecida da Psicologia Social e da Propaganda, que reconhecem como objetivos, ora a atração do maior número possível de pessoas indiferentes que recaíram e recairão da sua indiferença, após um interesse efêmero, para o processo, dentro de um determinado contexto político-eleitoral, ora para obter não somente a participação nesse processo, como também para a transformação e, quiçá, a conversão, em maior ou menor prazo, das opiniões políticas. Muccielli (1978) aborda ‘”psicologia da propaganda política” e flagra inúmeras vezes a prática desta “teatrocracia”, citando Domenach que pregava que “o espetáculo é um elemento essencial da propaganda” – a descoberta do valor das manifestações de massa organizadas com grandiosa mise en scène – lição aprendida por Napoleão, Hitler e Goebbels, Mussolini e muitos outros24. Da “teatrocracia” ao espetáculo, Debord, em “A sociedade do espetáculo” afirma o reinado da aparência que define a contemporaneidade e se apresenta numa dimensão alienante que ele chamou de sociedade do espetáculo25. Esse espetáculo domina a vida em sociedade, sob “todas as suas formas particulares”: informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos. E, que tem na mídia, a sua vitrina26. Sobre a espetacularização da vida urbana, Freire Filho cita Schwartz para lembrar que nas últimas décadas do século XIX, a Cidade Luz festejou orgulhosamente sua modernidade: Sobretudo, a posição de liderança na seara dos espetáculos urbanos e o papel de introdutora de novas tecnologias e formas culturais de massa [...]. Tais modalidades de entretenimento massivo lançavam mão do sensacionalismo e da espetacularização como recursos por meio dos quais a ‘realidade’ era transformada em mercadoria. 27

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BALANDIER, 1982. MUCCIELLI, 1978. 25 Em “Sociedade Espetáculo” (1960) e, depois, nos comentários sobre a sociedade do espetáculo (1988), Debord apresenta em nove capítulos, 221 teses que sintetizam os traços gerais característicos das sociedades regidas pelo espetáculo. Para ele, o espetáculo seria o modo de representação no qual as imagens se autonomeiam e ganham vida própria, regendo a existência concreta das pessoas, que se tornam simples espectadores de um “pseudomundo” à parte, objeto de mera contemplação’ (§ 2). “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas, uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (§ 4) 26 DEBORD, 1967. 27 SCHWARTZ (1995) apud FREIRE FILHO, João. Uso [e abusos] do conceito de espetáculo na teoria social e na crítica cultural. In: FREIRE FILHO João; HERSCHMANN, Michael (orgs). Comunicação, cultura e consumo: a [des] construção do espetáculo contemporâneo. Rio de Janeiro: E-Papers, 2005. 276 ps. p. 17. 24


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Freire Filho afirma que o empenho para moldar e representar o banal e o cotidiano como espetáculo, era ilimitado, e exemplifica de que forma, espetacular. Autoridades

municipais

e

nacionais, em conjunto com a imprensa popular, transformaram a tarefa (presumidamente séria) de identificar cadáveres anônimos no necrotério parisiense em concorrido entretenimento – “um teatro gratuito para as massas”, listado em quase todos os guia turístico da cidade e frequentado por uma multidão socialmente diversificada de, às vezes, mais de quarenta mil pessoas num único dia. Outras cidades européias tinham seus necrotérios, mas somente em Paris os cadáveres eram exibidos atrás de uma enorme janela de vidro, sete dias por semana, do amanhecer ao anoitecer. Vendedores de frutas e do famoso patê de la morgue se aglomeravam do outro lado da calçada do tétrico ponto turístico; quando o local foi fechado ao público, em março de 1907, 40 mercadores do bairro Notre-Dame assinaram uma petição reclamando, ao conselho municipal, que a medida havia prejudicado seus negócios.28 Esse fato situa a emergência da sociedade do espetáculo coincidindo com:

Um momento preciso da história da cultura do consumo do século XIX, em que as novas formas e tecnologias de representação visual, constituídas de maneira espetacular, passam a mediar todas as relações sociais e a estender o caráter fetichista da mercadoria a todas as áreas da vida, por meio da disseminação da imagem.29

Ele aponta o ano de 1927, como data do nascimento da sociedade espetáculo, segundo Debord, que cita Crary (1998), para justificar tal escolha:

Três acontecimentos poderiam estar implícitos na escolha de Debord: no ano de 1927 ocorreu o aperfeiçoamento tecnológico da televisão [...] desde então, o espetáculo se tornaria inseparável deste novo tipo de imagem, caracterizado pela velocidade, ubiqüidade e simultaneidade. ... a chegada do cinema sonoro (mais especificamente, com som sincronizado)... um acontecimento que trazia consigo a integração vertical completa da produção, da distribuição e da exibição na industria 28

FREIRE FILHO, João. Uso [e abusos] do conceito de espetáculo na teoria social e na crítica cultural. In: FEIRE FILHO João; HERSCHMANN, Michael (orgs). Comunicação, cultura e consumo: a [des] construção do espetáculo contemporâneo. Rio de Janeiro: E-Papers, 2005. 276 p., p. 17. 29 Id., p. 26.


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cinematográfica e de sua fusão com as grandes empresas proprietárias de patentes do som. ... a emergência do fascismo e pouco depois do stalinismo, com os seus modelos próprios e conhecidos de espetáculo, muitas vezes amparados pelo uso e sinérgico de todos os meios de comunicação de massa disponíveis.30

Mais que sociedade, era o Estado espetáculo. Schwartzenberg abre sua obra, “O estado espetáculo”, dividindo-a em três partes: as personagens, o espetáculo, o público. Diz ele, ‘A política, outrora, eram as idéias. Hoje são as pessoas. Ou melhor, as personagens. Pois cada dirigente parece escolher um emprego e desempenhar um papel. Como num espetáculo’. A seguir explica: Hoje em dia, o espetáculo está no poder. Não mais apenas na sociedade, tão enorme foi o avanço desse mal. Hoje, nossas conjecturas já não têm como único objeto as relações do espetáculo e da sociedade em geral, como as que tecia Guy Debord em 1967. Agora é a superestrutura da sociedade, é o próprio Estado que se transforma em empresa teatral, em ‘Estado espetáculo’. De uma forma sistemática e organizada. Para melhor divertir e iludir o público de cidadãos. Para melhor distrair e desviar. E mais facilmente transformar a esfera política em cena lúdica, em teatro de ilusão. 31

Com a massificação dos mídia, a televisão se transformou no palco preferencial. Gabler, em “Vida, o filme” afirma que:

Se o principal efeito da mídia, no final do século XX, foi ter transformado quase tudo que era noticiado em entretenimento, o efeito secundário e basicamente mais significativo foi forçar quase tudo a se transformar em entretenimento para atrair a atenção da mídia. Em The Image, Daniel Boorsin cunhou o termo ‘pseudo-evento’ para descrever aquilo que os serviços de relações públicas criavam para conseguir espaço nos veículos de comunicação.32

Já no final do século XX a concepção do pseudo-evento parecia antiquada. Atualmente, no Rio de Janeiro, a imprensa atribui a César Maia (prefeito da Cidade) a habilidade de forjar “factóides”, uma variação dos pseudo-eventos, talvez, o pseudo-fato para conquistar espaços na mídia. 30

CRARY (1998) apud FREIRE FILHO, João. Uso [e abusos] do conceito de espetáculo na teoria social e na crítica cultural. In: FEIRE FILHO, João; HERSCHMANN, Michael (orgs). Comunicação, cultura e consumo: a [des] construção do espetáculo contemporâneo. Rio de Janeiro: E-Papers, 2005. 276 p., p. 26. 31 SCHWARTZENBERG, 1977. p. 9. 32

GABLER. 1999, p. 96.


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Em pouco tempo compreende-se que se um empreendimento depende de exposição, então, o melhor é transformá-lo em entretenimento. Daí, a política adotar rapidamente estratagemas do show business. Gabler mostra vários exemplos dessa compreensão por parte da política, passando por David Riesman, ao comentar a campanha presidencial de Eisenhower (”sempre que vemos o magnetismo no objeto das atenções, devemos suspeitar de uma apatia básica por parte do espectador”) e Richard Schickel, sobre Kennedy. Nessa situação, observa-se o reconhecimento do candidato e de seus agentes, de que os débitos e as alianças tradicionais dentro do Partido e entre os vários grupos externos de interesse, tinham, na era da televisão, um significado menor para vencer uma eleição, e até para governar, do que a criação de uma imagem com a ilusão de dinamismo masculino, sem com isso, sacrificar os afetos existentes. Raymond Price explicava para Nixon que “o eleitor é basicamente preguiçoso, basicamente não está interessado em fazer um esforço para entender o que estamos falando: impressões são mais fáceis”, e muitos outros assessores políticos se posicionam da mesma maneira, como Dick Morris e Ed Rollins.33 A vídeo-política é o reconhecimento definitivo da televisão: ela é ao mesmo tempo entretenimento, distração, informação e diversão. Sartori cunha a expressão vídeo-política em Homovidens34 e demoniza as pesquisas de opinião a serviço da vídeo - política. Por fim, a partir da década de 1950, a publicidade assumiu a eleição quando o marketing é reconhecido como ferramenta e instrumental básico, a serviço da política e dos políticos. Na última década que antecedeu a virada do século, a desmassificação, a globalização, a fragmentação ou granulação levaram o processo eleitoral à sua sofisticação maior, até então. Lipovetsky, em capítulo especial de “O império do efêmero – A publicidade mostra as suas garras” – descreve a inserção da publicidade na política.35 Lembra, logo na abertura do capítulo que desde 1980, na França, o Estado podia ser considerado como o primeiro anunciante com uma publicidade de serviço público e de interesse geral. Nessa concepção se assiste à espetacularização da propaganda porque se começa a compreender a posição e o efeito profundamente democrático do lance publicitário onde trabalham os próprios princípios da moda: a originalidade a qualquer preço, a mudança permanente, o efêmero. Inicia-se uma corrida interminável para o inédito, o efeito, o diferente para captar a atenção e a memória dos consumidores. Respeita, contudo, a regra 33 34 35

GABLER, 1999. SARTORI, 2001.

LIPOVETSKY, 1989.


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imprescindível da legibilidade imediata das mensagens, numa comunicação de excesso controlado onde o superlativo é sempre ponderado pela brincadeira e pelo humor. Presencia-se o objetivo de persuadir o consumidor com base na credibilidade das mensagens por meio de uma publicidade que se situa “para além do verdadeiro e do falso”, que seu registro era o da “verossimilhança”, não o da verdade

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; cada vez mais irrealista, fantástica, delirante, engraçada, extravagante. É a era da

publicidade criativa. É a evasão: apoteose da sedução que provém da suspensão das leis do real e do racional, da retirada da seriedade da vida, do festival dos artifícios. O autor prossegue explicando que a publicidade poetiza o produto e a marca, idealiza o trivial da mercadoria e descobre a linguagem da propaganda como uma forma da linguagem poética (antigo conceito de João Moacir de Medeiros, publicitário brasileiro pioneiro), que não seduz o Homo psychanalyticus mas o homo ludens – sua eficácia liga-se à sua superficialidade lúdica, nada precisa ser decifrado, tudo está ali imediatamente: supressão da profundidade, celebração das superfícies, a publicidade é luxo de brincadeiras, futilidade do sentido, é a inteligência criativa a serviço do superficial. Poucos percebem que na publicidade dá-se uma inversão que, quando não percebida, pode provocar um equívoco central: o lúdico passa a ser o profundo, e o racional, o superficial. Para Lipovetsky, a publicidade soube adaptar-se muito depressa a essas transformações culturais. Conseguiu construir uma comunicação afinada com os gostos de autonomia, de personalidade, de qualidade de vida, eliminando as formas pesadas, monótonas. Propaganda é prazer – o resto é tédio. O autor avança e aprofunda a questão. Sobre a propaganda política, ele identifica que a política mudou de registro, foi em grande parte anexada pela sedução porque tudo é feito para dar aos dirigentes, uma imagem de marca simpática, calorosa e competente. Um fenômeno de atração emocional... é a festa. Cartazes agressivos, solenes, pesadamente simbólicos, cederam lugar ao sorriso... gravatas ao vento. Já não basta dizer a verdade, é preciso dizê-la sem entediar, com imaginação, elegância e humor. A “política espetáculo” mascara os problemas de fundo, substitui os programas de charme da personalidade, entorpece a capacidade de raciocínio e de julgamento em proveito das reações emocionais e dos sentimentos irracionais de atração e empatia. Transforma até os próprios conteúdos da vida política porque é preciso visar o eleitorado mais amplo e os discursos políticos têm tendência a apagar os 36

BOORSTIN, Daniel. L’Image. Paris: UGE, 1971.


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aspectos mais controvertidos de seus programas, a procurar uma plataforma indolor, satisfatória para quase todos. Para ele, assiste-se a um processo de uniformização e de neutralização do discurso político... matar a política (porque o eleitor a odeia). Não se pode mais sustentar a tese célebre do two step flow of communication, a corrente dupla da comunicação, afirmando que a influência da mídia é fraca, que é menos importante que a comunicação interpessoal, que só os líderes de opinião são verdadeiramente expostos à mídia (teoria datada de 1940). Os cidadãos identificam-se de maneira cada vez menos fiel com um partido, o comportamento do eleitor e do consumidor, pragmático e indeciso, se aproximam. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Há muito tempo se sabe que a mídia dificilmente, consegue abalar os cidadãos convictos, antes reforça as opiniões do que as altera, tem um papel não negligenciável sobre essa categoria de eleitores que são hesitantes, os indivíduos pouco motivados pela vida política. É nessa vaga que se exerce plenamente, o processo de sedução. No decorrer de uma campanha eleitoral operam-se notáveis modificações de intenção de voto entre os indecisos, eleitores irresolutos, aqueles mesmos que determinam o resultado do escrutínio final37. O papel do marketing está destinado a ganhar importância. A sedução, para Lipovetsky, contribui ao mesmo tempo, para manter e para enraizar de maneira duradoura, as instituições democráticas. Adotando uma forma espetacular, o discurso político torna-se menos entediante, menos estranho; aqueles que não se interessam por ele podem encontrar aí certo interesse, ainda que seja não político. Ele só se interessa pelo não político. Contrariamente às teses dos acusadores do estado-espetáculo, não há que se traçar uma linha de demarcação rígida entre informação e divertimento. A sedução torna o debate que envolve o todo coletivo menos rebarbativo, mais normal e mais comum, permite aos cidadãos ao menos, escutar. É antes o instrumento de uma vida política democrática de massa do que um ópio do povo. Fazem da instância política uma pura instituição humana liberta de toda transcendência divina, de todo caráter sagrado. O Estado, tornando-se expressão da sociedade, deve cada vez mais parecer-se com ela, renunciar aos signos, rituais e aparatos de sua dessemelhança arcaica. Os representantes do poder dão um passo suplementar no caminho secular de supressão da alteridade do Estado. O poder é feito da mesma 37

CAYROL, Roland. La novelle communication politique. Paris: Larrousse, 1986, p. 10, 155-6


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carne que os homens38. A que transformações o espetáculo, a “política espetáculo”, ou a “eleição espetáculo” estão sujeitos nessa nova fase? Como demonstrado até aqui, muitos autores dialogam. A prioridade pelo prazer e consequente consagração do entretenimento como busca e preferência centrais do viver contemporâneo, são hoje, o eixo definidor das macro-culturas, populares deste século XXI que ora se inicia. Abre-se um leque de questões e provocações sobre o tema da ‘eleição-espetáculo” e a midiatização da política na eleição contemporânea, que ganha vida e força no estudo de casos concretos. Abre-se amplo caminho para a pesquisa empírica39. Mas um aspecto se confirma: o espetáculo entrou mesmo na cena eleitoral e veio para ficar. Assim parece. 7 REFERÊNCIAS ANDUÍZA, Eva. BOSCH, Agustí. Comportamiento político y electoral. Barcelona: Ariel, 2004. 282 p. ARISTÓTELES. Política. Tradução: Torrieri Guimarães.. São Paulo: Martin Claret, 2002. 272 p. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo – Brasília: EdUNB, 1993. BALANDIER, Georges. O poder em cena. Brasília: UNB, 1982. 78 p. BARTLET. La propaganda política. S.d. BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 2004. 86 p. BAVARESCO, Agemir. A fenomenologia da opinião pública: a teoria hegeliana. São Paulo: Loyola, 2003. 145 p. BOBBIO, Norberto; BOVERO, Miguelangelo (org.). Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Eselvier, 2000. 16ª Impr. 717 p. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 7ª ed. Distrito Federal: Ed. Universidade de Brasília, 1995. 1318 p. 38

SCHWARTZENBERG, 1977 Como, por exemplo, a pesquisa de doutorado do autor. Sufrágios epetacularizados: os referendos e eleições venezuelanos (1998-2010), com defesa apresentada em abril de 2011, na ECO/UFRJ. 39


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COMUNICAÇÃO ELEITORAL DA URNA ELETRÔNICA: tecnologia ao serviço da democracia brasileira COMUNICACIÓN ELECTORAL LA URNA ELETRÓNICA: la tecnología al servício de la democracia brasileña ELECTION COMMUNICATION OF THE ELETRONIC URN: technology at the service of brasilian democracy Roberto Gondo MACEDO1 RESUMO O artigo busca explanar o processo de comunicação eleitoral realizado nos últimos quinze anos, pela Justiça Eleitoral brasileira, com o objetivo de promover seu sistema de votação eletrônico, desenvolvido para gerenciar o processo eleitoral nos momentos de pleito e apuração de votos. Essa reestruturação comprova uma preocupação do Brasil em situar o processo eleitoral no cenário tecnológico, promovendo maior rapidez, credibilidade e eficácia nas suas ações eleitorais. Esses fatores são contributivos para o fomento democrático e participativo de uma sociedade amparada em uma estrutura presidencialista, de gestão pública. PALAVRAS-CHAVE: comunicação eleitoral; voto; urna eletrônica; democracia. RESUMEN El artículo trata de explicar el proceso de comunicación en las elecciones celebradas hace quince años por la Justicia Electoral brasileña, con el objetivo de promover su sistema de voto electrónico diseñado para administrar el proceso electoral en tiempos de elecciones y recuento de votos. Esta reestructuración de Brasil demuestra una preocupación por situar el proceso electoral en el panorama tecnológico, la promoción más rápida, la credibilidad y la eficacia en sus acciones las elecciones. Estos factores están contribuyendo a la promoción de una sociedad democrática y participativa atendidos en una estructura de la presidencia de la administración pública. PALABRAS-CLAVE: comunicación electoral; votos, urna eletrónica, democracia.

ABSTRACT The article seeks to explain the communication process in elections held last fifteen years by the Brazilian Electoral Justice, with the aim of promoting its electronic voting system designed to manage the election process in times of elections and counting votes. This restructuring proves a Brazil's preoccupation to situate the electoral process in the technological landscape, providing greater speed, credibility and effectiveness in 1

Doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, Mestre em Administração com ênfase em Regionalidade e Gestão Pública, MBA em Marketing e Especialista em Direito Educacional. Diretor de Estratégias e Marketing do IGC/Naster e Presidente da Rede POLITICOM (2011-2014). Atua na docência de Pós-Graduação Lato-Sensu na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Universidade Metodista de São Paulo e Faculdade de Mauá. É consultor nas áreas de comunicação e gestão estratégica. Email: roberto.macedo@mackenzie.br.


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their electoral activities. These factors are contributing to the promotion of a democratic and participative society cared for in a presidential structure of public administration. KEY WORDS: communication election; vote; electronic urn; democracy. 1 INTRODUÇÃO Com um planeta cada vez mais interdependente de novas tecnologias e processos

informacionais

em

alta

velocidade

de

processamento,

promovido

principalmente, pelo fomento mercadológico do segmento privado de consumo, o indivíduo naturalmente aumenta suas exigências envolvendo credibilidade, rapidez e interações tecnológicas também, em ações do poder público. Propiciar serviços à população com rapidez e segurança não pode ser considerado como um diferencial isolado de uma gestão em especial, mas sim, como uma condicionante nos planejamentos estratégicos de gerenciamento, presentes em todas as esferas do poder. O sistema eleitoral embasado na urna eletrônica, implantado no Brasil nos últimos anos, é concebido como um exemplo positivo no sentido de alinhar desenvolvimento tecnológico com ambiente democrático. Obviamente, existem correntes contrárias ao sistema no formato que está implantado, sobretudo, em relação ao comprovante impresso para os eleitores, inexistente na atual versão. Todavia, convém observar como a Justiça Eleitoral brasileira promove um processo bem sucedido de comunicação, com campanhas sazonais e institucionais que permitem a construção de uma identidade favorável com a sociedade, considerado um modelo de sucesso de serviço público do País. Um dos fatores mais importantes relacionados à urna eletrônica é a melhoria da dinâmica eleitoral, especialmente, pela intensa territorialidade brasileira, com muitas limitações logísticas e culturais. Elas influenciam negativamente, o desenvolvimento de métricas padronizadas de trabalho e gerenciamento de um pleito. 2 SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO O sistema eleitoral brasileiro é mantido e gerenciado pelo Tribunal Superior Eleitoral, com sede na capital brasileira, com braços operacionais, distribuídos pelas federações nacionais, com a nomenclatura de Tribunal Regional Eleitoral.


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Cabe a cada Estado promover a auditoria, o controle e a fiscalização em seu território zelando pelo bom andamento do sistema de votação, cadastramento e fomento às eleições realizadas bienalmente, com alternância de eleições para Prefeito e Vereadores, e em outro momento, para Deputados Estaduais, Federais, Senadores, Governadores e Presidente da República. Com relação ao papel da Justiça Eleitoral, vale ressaltar Jobim (2005, p.17)

É importante notar, em nossa trajetória, que começamos com a exigência de uma idade mínima de 25 anos e renda de 100 mil réis para chegar, hoje, ao voto obrigatório para maiores de 18 anos, facultativo para maiores de 16. A questão relativa à maioria, ou melhor, à cidadania eleitoral ativa é assunto praticamente resolvido. Marginalmente tenta-se pautar a discussão sobre a manutenção da obrigatoriedade do voto, assunto que considero inoportuno, pois claramente se percebe que a população quer votar. A população vota.

O sistema eleitoral brasileiro, de forma mais acentuada, no período posterior à redemocratização, ocorrida nos idos dos anos de 1980, promove como cerne de discussão e garantia de direitos, o conceito da cidadania eleitoral. Em diversos momentos da história eleitoral, a cidadania relacionada ao direito de escolha de seus representantes ficou ofuscada por atitudes centralizadoras de pequenos grupos de interesse político. Eles criaram mecanismos que propiciavam o condicionamento do voto, popularmente conhecido como “voto de cabresto”, pelo qual, por intermédio de ameaças e hostilidades, o eleitor era direcionado a determinado candidato, mesmo sem a sua real vontade. Apesar da fiscalização da Justiça Eleitoral para o completo extermínio dessa prática, a pressão e ameaças para direcionamento do voto ainda ocorrem na contemporaneidade, devido à população brasileira possuir grande representatividade de eleitores em más situações de trabalho, baixo grau de instrução e em muitos casos, desinteresse pela participação ativa na escolha de seus representantes. No sistema eleitoral, no período anterior ao Estado Novo e no contexto intermediário, com o fim do regime de Vargas até o início da Ditadura Militar de 1964, a forma de apuração de votos era susceptível a fraudes, devido à fragilidade logística e de controle cadastral dos eleitores. As cédulas eram de papel, com certa facilidade para manipulação de resultados.


46 O episódio eleitoral, em lapsos regulares, à base de um sufrágio universal, estruturado como competição entre diferentes programas institucionalmente representados e livres para apresentar-se publicamente, serve para garantir que o poder político não se torne um quinhão estável dos que o exercem. O poder político que se torna patrimônio de um grupo é expropriado da esfera civil, que sobre ele perde o controle que lhe é de direito num sistema democrático. As eleições têm o propósito de fazer com que o poder político retorne aos cidadãos para que, de tempos em tempos, possam, de novo, o atribuir a outros sujeitos e posições de disputa. (GOMES, 2008, p. 127).

Em momentos históricos do sistema eleitoral brasileiro o voto não era secreto, o que reportava a uma condicionante acentuada para manipulação de votos e resultados. Na estruturação da Justiça Eleitoral, por um longo período, o seu quadro funcional era deficitário. Entretanto, o sistema começou a se estruturar com eficácia na década de 1980, quando equipes de trabalho direcionadas às atividades eleitorais, eram selecionadas e capacitadas com o objetivo de inibir potenciais fraudes. Até aquele momento, as eleições dispunham de quadros de colaboradores designados pelos prefeitos dos municípios, o que dificultava os impedimentos de más intenções de grupos interessados em manipular resultados e influenciar o processo de cadastramento eleitoral. Foi só recentemente que a qualificação do eleitor passou a ser ato da Justiça Eleitoral [...] Atualmente, a qualificação eleitoral está mais aperfeiçoada, ainda que persista bastante reduzida, a possibilidade de fraude. O eleitor pode votar sem o título, basta que se identifique que seu nome seja conferido na listagem e que o número (em mãos da mesa) que lhe corresponda seja acionado para a abertura da urna. Se houver conivência da mesa, outra pessoa (ou até um mesário) pode votar em seu lugar. (JOBIM, 2005, p.19).

O conceito democrático requer estrutura necessária para o seu fortalecimento e fundamentação, pois, o papel da Justiça Eleitoral em qualquer país adotante do sufrágio do voto direto, deve observar e criar mecanismos para estimular a importância da participação popular no processo. No Brasil de hoje, a perda da memória institucional é fato muito grave, em todos os níveis de escolaridade, percebe-se uma descontinuidade, um hiato muito grande na memória institucional. De duas ou três décadas para cá, formou-se no Brasil uma visão muito negativa do passado histórico, como se nada jamais tivéssemos criado de útil, e, especialmente, nenhuma instituição importante. Há ceticismo a respeito de todas as instituições. É claro que há razões para isso, mas o prisma


47 histórico, recolocando as instituições e na formação das democracias na devida perspectiva evolutiva. (LAMOUNIER, 2005, p.37).

Ainda, em uma análise do impacto democrático societal Habermas (1994, p, 362) descreve com uma visão contemporânea “de acordo com a teoria do discurso, o sucesso da política deliberativa depende não de uma ação coletiva da cidadania, mas da institucionalização comunicação,

dos

assim

procedimentos como

da

e

das

interconexão

condições de

correspondentes

processos

de

da

deliberação

institucionalizados com opiniões públicas desenvolvidas informalmente”. Segundo essa lógica, esse processo reflexivo aplicado prejudicaria um ambiente democrático harmonioso, porque processos de decisão política destruiriam a base de seu funcionamento no caso de bloqueamento de fontes espontâneas das esferas públicas autônomas ou se desconectassem dos aportes provenientes da flutuação livre de questões. 3 TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E SOCIEDADE EM REDE Quando se reflete sobre a concepção do uso da tecnologia, automaticamente, surge a preocupação quanto ao grau de interatividade necessária para o fluxo harmonioso de informações e dados. Em pleno século XXI, os impactos tecnológicos ainda dificultam a assimilação de uma evolução comum, pela sociedade, devido à velocidade intensa de suas inovações e mudanças. Na visão de Castells (1999, p. 57), “as novas tecnologias da informação estão integrando o mundo em redes globais de instrumentalidade. A comunicação mediada por computadores gera uma gama enorme de comunidades virtuais”. No

cenário

característico

à

velocidade

de

informação,

tem-se

o

informacionalismo, diferente da era industrial, com outras exigências, e em muitos casos, limitadas. No ambiente atual, a necessidade de obter mais resultados em menos tempo pressiona, por consequência, o poder público na apresentação de solução que favoreçam um crescimento econômico e social. Nesse ambiente conflitante entre dado e informação, Machado (2000, p. 84), define que: [...] a distinção básica entre a definição de dado e informação está relacionada ao contexto a ao propósito. Dados brutos


48 podem ser até informação, mas não necessariamente. Apesar de representarem significados, não geram conhecimento com propósito orientado. Informações, ao contrário, é relevante para certas ações, pois além de levar a compreensão, é diretamente aplicável a um objetivo. Enquanto os dados são mensagens geradas, processadas e transmitidas por via eletrônica, o termo mensagem é usado para comunicações verbais ou escritas.

A produtividade, a competitividade e a velocidade das mudanças na era informacional se baseiam na geração de conhecimentos e no processamento de dados, independente do ambiente em que estão inseridos, sejam públicos ou privados. A geração de conhecimento e a capacidade tecnológica são as ferramentas fundamentais para o fomento da concorrência. A convergência da evolução social e das tecnologias da informação criou uma nova base material para o desempenho de atividades em toda a estrutura social. Essa base material construída em redes define os processos sociais predominantes, consequentemente, dá forma à própria estrutura social. (CASTELLS, 1999, p. 567). A

incorporação

de

novas

tecnologias

no

cenário

organizacional

é

tradicionalmente relacionada à busca de indicadores de produtividade dos recursos humanos e à otimização de custos operacionais, notadamente, na redução ou simplificação da mão-de-obra. Com o fenômeno de integração global dos mercados a o crescimento exponencial da concorrência, esses fatores não são suficientes para explicar a intensificação do uso de novos recursos tecnológicos de comunicação e informação, nas organizações públicas e privadas. À medida que se sedimenta uma informação, qualquer atividade pode ser elaborada com um custo menor, com menos recursos, em tempo reduzido e com melhores resultados. Atualmente, existem mais computadores, periféricos e tecnologias gerando informações úteis, precisas, oportunas, a um custo menor, em menos tempo, usando menos recursos e gerando riquezas. (REZENDE & ABREU, 2001, p. 76). Na sociedade da informação que se manifesta, sobretudo, pela conexão e difusão dos meios de comunicação de massa, a satisfação dos usuários torna-se fator decisivo para o sucesso do plano de tratamento de dados, implantado. Durante décadas, os sistemas de atendimento público, independente dos serviços prestados possuíam características de morosidade e tratamento de informações distintas, o que dificultava o nível de satisfação do público necessitado do serviço. No decorrer


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das dos últimos anos, alguns conceitos e correntes se difundiram como essenciais e prioritários para a boa relação cidadão e poder público: concepção de governo eletrônico e de governança corporativa aplicados às organizações, denominada ITIL. Antes de tudo, não há como negar que o advento do formato web na internet, no início dos aos 90, trouxe consigo enormes expectativas no que respeita à renovação das possibilidades de renovação democrática. Os exageros da retórica da revolução tecnológica são por demais conhecidos para que mereçam maiores comentários. De todo modo, havia, nos planos teórico e prático, a sincera esperança de renovação, induzida pela internet, da esfera pública e da democracia participativa. (GOMES; MAIA, 2008, 0. 303).

Os procedimentos em relação a um projeto tecnológico para o poder público muito se assemelham com as necessidades e exigências do segmento privado, principalmente, no grau de interação e avalição dos usuários. Eles se assemelham, diferenciando-se apenas no caráter situacional porque no poder público muitas das ações não são opcionais, gerando um clima natural de revelia e afrontamento aos recursos oferecidos. O comportamento tecnológico de um indivíduo frente às ações do cotidiano está diretamente relacionado a situações de velocidade nas respostas e baixo índice de espera nas suas escolhas, bem como de resultados. A morosidade na “era da informação e do conhecimento” promove uma imagem de descrédito e incompetência no processo, mesmo que funcione e atinja seus objetivos. A estratégia de TI é um aspecto fundamental para a aproximação do executivo com a população e sua implantação requer o domínio do alinhamento estratégico. Um grande desafio dos planejadores das estratégias de TI é de como administrar toda a demanda gerada pelas áreas antes atuantes de maneira distinta. Alinhamento estratégico é um conceito que vem sendo explorado por empresas da área de tecnologia desde a década de 80, como exemplo a IBM (MURAKAMI, 2003, p. 54).

O sistema de votação segue pelo mesmo cenário, nomeadamente, porque o voto no Brasil é obrigatório e historicamente, o tempo gasto para votar nas seções eleitorais era alto quando decorrente de métricas manuais, gerando descontentamento e desconfiança no processo como um todo.


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4 O VOTO ELETRÔNICO O sistema de votação eletrônico, apesar de aparentemente ser simples e implantado na maioria dos países democráticos, ainda gera controvérsias com relação a sua funcionalidade e veracidade nas transparências das informações. A primeira manifestação da Justiça Eleitoral relacionada à aplicação tecnológica no processo de eleitores não ocorreu apenas em 1996, quando ocorreu a implantação por amostragem da urna eletrônica. Em 1986, ainda no início da informática no mundo, o Brasil foi um dos países pioneiros a fomentar a informatização e integração de informações nos bancos de dados dos eleitores brasileiros. Obviamente que, concomitante com o processo de cadastramento e organização da estrutura eleitoral, o objetivo intrínseco do órgão federativo era de contribuir para o combate a fraudes relacionadas ao cadastramento de pessoas com documentos falsos, ou até mesmo, o uso de cédulas de votação e títulos de pessoas já falecidas. Com relação ao cadastramento eleitoral de 1986, Neves (2005, p. 149) relata que, A partir daquele momento passamos a ter um banco de dados seguro, um banco de dados confiável, cujos registros eram regularmente conferidos para evitar duplicações, respeitando e seguindo os procedimentos que impedem, por exemplo, que alguém se inscreva como eleitor na Bahia, no Amapá ou no Maranhão. Antes era bastante difícil descobrir essa fraude. Hoje, com o sistema todo integralizado, não há mais essa possibilidade. Claro que não excluo a possibilidade de ainda ser tentada a falsa inscrição. Mas a dupla inscrição, aquela que é feita apenas com a apresentação dos documentos verdadeiros em dois cartórios eleitorais ficou muito mais difícil.

Nos anos sequenciais ao mandato de José Sarney, o Brasil viveu em um período democrático no que se refere ao pleito de escolha de seus representantes. A década de 1990 trouxe uma grande novidade na história do voto no Brasil: as urnas eletrônicas. Em 1996, elas foram utilizadas pela primeira vez nas eleições municipais e, em 2000, introduzidas em todo o País. Michel et. al. (2004, p.147) “acredita que essa nova experiência trouxe mais confiabilidade ao processo eleitoral, agilizou a apuração, e o que é melhor: reduziu significativamente ou praticamente eliminou as fraudes”. Hoje, há um consenso entre os historiadores e as autoridades ligadas à questão eleitoral de que o sistema brasileiro é um dos mais avançados do mundo. Na visão de


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Silva (2002, p.32) “um exemplo disso é que observadores dos Estados Unidos vieram ao País para aprender sobre o voto eletrônico”. A parceria entre a Justiça Eleitoral e a Informática permitiu resultados quanto à otimização de tempo e eficácia de uma eleição. O Cadastro Único Computadorizado de Eleitores permitiu à consulta de informações sobre qualquer eleitor dentro do território nacional. Isso possibilitou à Justiça Eleitoral identificar inscrições duplas, triplas ou múltiplas de eleitores e eliminá-las, gradualmente. Em seguida, veio a totalização de resultados por meio do computador. A totalização é a soma dos números finais de cada urna para saber o eleito em cada Município, Estado ou no País. Antes, essa soma era efetuada a mão, e posteriormente, com o auxílio de máquinas de calcular. No entanto, esse tipo de manuseio resultava algumas vezes, em erros de soma (propositais ou não), que distorciam o resultado de toda uma eleição. Segundo Monteiro et. al. (2001, p.16) [...] em 1996, o processo de votação e de apuração torna-se 100% eletrônico, ou seja, com a menor interferência humana possível. Com a urna eletrônica, o eleitor digita diretamente o número do candidato escolhido no teclado próprio, semelhante ao de um telefone comum. O voto é armazenado em um disquete que fica no interior de cada urna, cujos dados só podem ser acessados através dos computadores do TRE.

A partir da informação de Monteiro, acrescenta-se que o disquete era elevado à central de totalização, de onde os dados eram transmitidos, obtendo-se assim, o resultado final da eleição. Com a urna eletrônica, a apuração manual que, em muitos momentos, colocava em risco a democracia, foi gradualmente extinta. Em 1998, em todos os municípios com mais de 40.500 eleitores ocorreu a votação eletrônica, representando cerca de 5,2 milhões de eleitores em Minas Gerais (distribuídos em 45 municípios) e 57 milhões de eleitores no Brasil (537 municípios). Já em 2000 houve a primeira eleição 100% informatizada em todo País. De um total de 5.561 municípios, as eleições aconteceram em 5.559 cidades brasileiras – com exceção de Brasília, onde não há eleições municipais, e do município de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, criado no dia 30 de março de 2000. Pela lei, só houve eleições naquele ano, em municípios instituídos até o dia 31 de dezembro de 1999. Isso corresponde a um total de 109.823.461 eleitores no Brasil.


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O desafio do eleitorado nas eleições de 2002 foi digitar na urna seis votos diferentes na seguinte ordem: Deputado Federal, Deputado Estadual, Senador 1, Senador 2, Governador e Presidente da República. Em 2004, 2006 e 2008 respectivamente, a Justiça Eleitoral realizou a aplicabilidade da votação nos moldes de 2000 e 2002. Com o fim de agregar novas informações e técnicas no sistema eleitoral eletrônico, nas eleições de 2008 e 2010, alguns municípios brasileiros foram escolhidos por metodologia de amostragem, para a implantação da urna eletrônica biométrica para garantir maior eficácia no momento de validação do eleitor, nas seções eleitorais. O sistema de identificação biométrica se realiza por intermédio de validação de usuário, no caso de eleitores. Para que o processo funcione corretamente, é necessário o armazenamento prévio do eleitor com suas impressões digitais e foto para que, posteriormente, haja a identificação no momento da eleição. Caso o projeto vingue, além de colocar o Brasil na dianteira dessa tecnologia, poderá tirar de campo mais de 1,5 milhão de mesários - os eleitores convocados para trabalharem em dias de eleição. Num cenário esperado pelo TSE, só fiscais do próprio tribunal seriam responsáveis pelas seções. A nova urna impedirá, por exemplo, que mesários corruptos assinem a lista de presença no lugar de pessoas que não compareceram no dia da eleição e, de posse dos dados, votem por elas. O Brasil possui hoje 432.630 urnas eletrônicas. Segundo o TSE, o custo de implantação do sistema não será bilionário como se espera em casos de nova tecnologia nesses processos. O software é desenvolvido pelos técnicos brasileiros, e a inserção do leitor digital no aparelho ficará a um custo de R$ 30 por urna. Dentro desses cálculos, um investimento esperado em torno de R$ 13 milhões só para a implantação. (MAZZINI, 2011, online).

Atualmente, o sistema de validação do eleitor é realizado por apresentação do Título de Eleitor ou qualquer outro documento de instância legal, com foto do eleitor. A identificação é de responsabilidade do mesário, para a qual acessa a lista prévia preparada pela Justiça Eleitoral visando à entrega do comprovante de votação e respectiva assinatura. 5 AS AÇÕES DO TSE PARA O FOMENTO DO SISTEMA INFORMATIZADO Com o intuito de promover uma construção de identidade do sistema eleitoral de votação eletrônico brasileiro, a Justiça Eleitoral desenvolve constantemente, campanhas


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publicitárias direcionadas à sociedade para o estímulo informacional, com o intento de disseminação e orientação do uso das ferramentas aderentes à urna eletrônica. A coleta de premissas para essa parte do artigo contou com a contribuição da Seção de Acervos Especiais, presente na estrutura do Tribunal Superior Eleitoral, mais precisamente, no Distrito Federal, capital brasileira. Disponibilizaram-se peças publicitárias e demais informações para desenvolver o panorama de ações comunicacionais eleitorais. A organização, com objetivo de preservação do acervo cultural para a comunidade acadêmica e para a população em geral, mantém com acesso público, o Museu do Voto e uma seção intitulada Acervos Especiais, responsável por armazenar e disponibilizar peças publicitárias utilizadas no país nas campanhas de orientação e de instituição do sistema eletrônico de votação. Por intermédio de vídeos institucionais, materiais impressos e peças de promoção em eventos promovidos pelo TSE, há um arcabouço rico em detalhes de como funcionou e funciona a distribuição e aplicação da comunicação direcionada à população.

É possível identificar dois braços de trabalho comunicacional nas ações e

planejamentos do TSE, de modo mais acentuado nas duas últimas décadas. O primeiro adotado é de caráter institucional, com a finalidade de orientar a população votante em relação à utilização do equipamento de votação eleitoral. No ano de 1996 e 1998, quando as duas primeiras eleições empregaram a escala de amostragem do equipamento da urna eleitoral, os municípios que seriam envolvidos com o novo sistema promoveram ações nas comunidades e centros comerciais, com espaços montados para simulação e interação dos eleitores com o novo equipamento, via Cartórios Eleitorais, A estrutura organizacional do TSE corrobora na distribuição de tarefas em âmbito federativo, visto que os procedimentos e políticas de implantação são encaminhados aos Tribunais Regionais Eleitorais, que possuem autonomia para adequar as normatizações, de acordo com as necessidades dos municípios envolvidos. Os Cartórios Eleitorais dos municípios, por sua vez, conduzem a campo as ações e operacionalizam equipes, equipamentos e fomentam a divulgação na comunidade local. Dentro desse contexto, apesar do Brasil possuir grande territorialidade e


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densidade populacional exacerbada, a estrutura de diretrizes no órgão de representação estudado obtém êxito na viabilização das ações de propaganda. Em um segundo momento, de forma mais relevante e agressiva, a partir das eleições de 2000, que integraram todas as Zonas Eleitorais do país, o planejamento estratégico comunicacional enfocou a promoção de construção da imagem e identidade do sistema eletrônico de votação criando um ambiente de credibilidade e idoneidade nos pleitos eletivos. Para a produção de campanhas publicitárias e de propaganda, o TRE convoca por intermédio de licitações públicas, agências de publicidade e comunicação de todo o País para produção de campanhas nacionais que contribuam com as diretrizes e as coordenadas regionais Tem como escopo a promoção institucional das ações durante todo o ano e na coordenação do processo eleitoral em momentos adicionais às eleições propriamente ditas. Segundo relatos de integrantes da equipe de Acervos Especiais do TSE, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste exigiram de seus Tribunais Regionais maior atenção quanto à fase de orientação de utilização da urna eletrônica, principalmente, pelas respectivas regiões apresentarem baixo grau de instrução e acentuada dificuldade de políticas para inclusão digital. As regiões Sudeste e Sul também foram responsáveis por políticas de conscientização através de campanhas de publicidade e propaganda da urna, como instrumento político do voto. Posterior a 2002, nas eleições presenciais, as ações de comunicação se direcionaram à

promoção do sistema eletrônico de votação brasileiro como um

instrumento colaborativo da transparência democrática. Em relação

à

interação

internacional, desde a primeira implantação das urnas eletrônicas, nos dias de eleição, várias delegações de especialistas em eleições e técnicos de outros países acompanharam a dinâmica do processo de eleição e apuração dos votos. Apesar do processo apresentado pelo TSE, a urna eletrônica gerou muitas manifestações contrárias ao seu funcionamento, notadamente, no que tange à ausência de comprovante impresso no momento de votação. Essa característica se incluía no projeto original, porém, foi retirado dos planos de implantação posteriores, decorrentes,


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segundo relatos de documentos oficiais, pelo alto número de quebras e problemas com as impressões, dificultando o processo logístico e de operacionalização da votação. Nesse sentido, de modo estratégico, as ações de comunicação para o fomento da credibilidade do sistema de votação criaram mecanismos de combate a essas correntes contrárias ao método. Buscaram constantemente, fortalecer a imagem do sistema de votação brasileiro, e consequentemente, o trabalho do Poder Judiciário, representado nessa instância pelo TSE e sua rede nacional. Para as regiões brasileiras com maior dificuldade de acesso às mídias eletrônicas, como a Internet, TV e, em muitos casos, o rádio, o material impresso é muito utilizado, visto que oferece maior facilidade de acesso e conscientização. Os responsáveis pelo acervo apresentaram um dos pontos facilitadores quanto ao escoamento do material institucional, que é a qualidade atual dos serviços de entrega dos correios, principalmente os de entrega rápida, como o SEDEX. Eles permitem maior dinâmica em regiões onde existe a dificuldade de impressão do material em gráficas regionais. Esse recurso de impressão regional permitiu uma maior dinâmica no processo operacional, mesmo porque, alguns Municípios em Estados com características periféricas e de baixa instrução de seus eleitores, notadamente, os situados em zonas rurais, o material de propaganda não poderia ser de alta qualidade, porque inibiria o eleitor local da real acessibilidade do novo modelo de voto. Em contrapartida, a qualidade do material e estratégias de abordagem nas equipes presenciais em centros urbanos são maiores, visto a necessidade de compreender o grau de exigência dos eleitores. Para os centros urbanos, as mídias eletrônicas funcionam com maior eficácia do que as ações impressas, devida à facilidade de acesso a recursos eletrônicos e interativos. Com a evolução dos recursos tecnológicos, o TSE mantém constantemente, a atualização de suas estratégias de comunicação e propaganda no cenário político devido à necessidade de manter sua imagem, construída nas últimas décadas, de modo mais explícito, desde a implantação do sistema eletrônico de votação. É perceptível o cuidado do órgão jurídico eleitoral em consolidar um claro posicionamento quanto à credibilidade e lisura do processo de eleições. Cuida de maneira especial para evitar a não compreensão do eleitor, de que esse instrumento é


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um mecanismo auxiliar dos Poderes Executivo e Legislativo, alvos de inúmeros escândalos nos últimos anos. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o aumento representativo do nível de exigência do indivíduo em uma sociedade embasada na velocidade das ações, sob os olhares tecnológicos e comunicacionais, são necessária estratégias de melhoria dos serviços oferecidos pelo poder público principalmente, quando estão em questão valores macros, como ambiente democrático e eleitoral. Atualmente, as métricas comparativas do cidadão com relação aos processos públicos são similares ao segmento privado. No mercado corporativo, a competitividade se condiciona ao melhor tratamento do cliente, com serviços de maior qualidade, rapidez e preços competitivos. Com o passar dos anos, o consumidor, também cidadão, torna-se mais exigente em relação ao tratamento dos serviços públicos. Essa atitude influencia a formação da imagem e identidade de órgãos públicos e atores políticos. Observando-se a questão por esse prisma, em uma visão estratégica da comunicação política, propiciar ao cidadão serviços eletrônicos de qualidade e de modo rápido e característico da velocidade do conhecimento, permite aderência à credibilidade do serviço e da gestão em vigor. Favorece ainda, as relações futuras eleitorais, voltadas à credibilidade de organismos públicos, como da Justiça Eleitoral brasileira. O sistema de votação eletrônico com a urna informatizada foi um processo de empenho, desenvolvido nos últimos quinze anos, com implantações técnicas e comunicacionais gradativas, em âmbito nacional. Permitiu maior rapidez no processo eleitoral de gerenciamento de pleitos e apuração de votos, conquistando aprovação dos eleitores. Como qualquer processo, convive com outros atores da sociedade que se mobilizam para exigir a inserção do comprovante impresso de votação, com o intento de garantir lisura no processo, caso haja necessidade de uma recontagem de votos física. Esse procedimento de validade, após dez anos de mobilizações foi aprovado no Congresso Nacional, com sua implantação programada a partir das eleições de 2014. As campanhas publicitárias institucionais e sazonais da Justiça Eleitoral mostraram-se eficazes no sentido de conscientização e adesão das novas métricas implantadas para o fortalecimento do sistema, como a validação biométrica do eleitor.


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Essa união harmoniosa e estratégica de tecnologia com democracia permite a promoção de um cenário bem aceito pela sociedade, com um ambiente que fortalece os alicerces republicanos na Federação Brasileira e permite um espaço para promoção de ações comunicacionais governamentais e eleitorais. 7 REFERÊNCIAS CASTELLS, M. Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. GOMES, Wilson; MAIA, Rousiley. Comunicação e democracia. São Paulo: Paulus, 2008. HABERMAS, J. Struggle for recognition in the democratic constitucional state. In: GUTMANN, A (Org.). Multiculturalism. Princeton: Princeton University, 1994. JOBIM, Nelson. Origem e atuação da Justiça Eleitoral. In: PASSARELLI, Eliana (org.). Justiça Eleitoral: uma retrospectiva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. LAMOUNIER, Bolívar. A Justiça Eleitoral e o desenvolvimento da democracia: uma perspectiva histórica. In: PASSARELLI, Eliana (org.). Justiça Eleitoral: uma retrospectiva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. MACHADO, R. T. M. Rastreabilidade, tecnologia da informação e coordenação de sistemas agroindustriais. Tese (Doutorado). São Paulo: FEA – USP, 2000. MAZZINI, Leandro. Eleições 2008: Brasil vai estrear urna biométrica. Disponível em <http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0OI1931775-EI306,00.html>. Acesso em 14 jul.2011. MICHEL et. al.; GABRIEL et. al. Eletronic voting for all: the experience of the brazilian computerized voting system. France: UPA, 2004. MONTEIRO, Américo; SOARES, Natércia; ANTUNES, Pedro. Sistemas eletrônicos de votação. Departamento de Informática. Lisboa: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2001. MURAKAMI, M. Decisão estratégica de TI: estudo de caso. Dissertação Mestrado. São Paulo: FEA – USP, 2003. NEVES, Fernando. O voto eletrônico. In: PASSARELLI, Eliana (org.). Justiça Eleitoral: uma retrospectiva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005. SILVA, Mônica Côrrea da. Voto eletrônico: É mais seguro votar assim? Florianópolis: Insular, 2002. REZENDE, D. A., ABREU, A.F. Tecnologia da informação: Aplicada a sistemas de informação empresariais. São Paulo: Atlas, 2001.


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HUMOR E CONTRAPROPAGANDA POLÍTICA HUMOR Y CONTRA-PROPAGANDA POLÍTICA HUMOR AND COUNTER-PROPAGANDA Adolpho QUEIROZ 1 RESUMO Este artigo pretende apresentar as contribuições e provocações realizadas a partir do Salão Internacional de Piracicaba, criado em 1974 e que funcionou como um dos grandes espaços de discussão contra a ditadura militar que se instalou no Brasil, em 1964. Nele, procura-se discutir alguns dos principais trabalhos premiados e de que forma suas versões foram apresentadas à sociedade local e à imprensa para atuarem como instrumentos de contrapropaganda do Regime Militar que governava o país naquele período. Naquele contexto, de intensa politização, o Salão atuou como um instrumento poderoso de desafio ao Regime e de contrapropaganda contra ele. PALAVRAS CHAVE: Humor; propaganda; censura; Piracicaba.

1 INTRODUÇÃO A cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, mantém um rico e amplo painel de atividades culturais que a identificam como uma das cidades mais pujantes neste setor, no Estado de São Paulo e no país. Além do “r” arrastado, herança dos colonizadores da região, a cidade conta com festas populares como a Festa do Divino (realizada no leito do Rio Piracicaba, há mais de 150 anos), Bienal Naif (mantida pelo SESC há décadas), três salões de Arte (Belas Artes, Contemporânea e Humor), uma Escola de Música, dirigida pelo maestro Ernst Mahle, formadora de gerações de músicos que atuam em orquestras do país e exterior, várias universidades que lhe dão visibilidade no campo científico e tecnológico; um Instituto Histórico e Geográfico que pesquisa e difunde temas ligados às raízes da cultura local, entre outras. Pouco depois do carnaval de 1974, um grupo de jornalistas da cidade, liderado pelo professor Alceu Marozzi Righeto e composto por jovens jornalistas como Carlos Colonese e pelo mim, como leitores assíduos do jornal “O Pasquim”, fizemos uma entrevista, no sábado de Carnaval, com jornalistas e convidados que participavam como 1

Adolpho Queiroz é pós doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense/RJ, doutor em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo,UMESP onde atua no programa de PósGraduação em Comunicação;professor do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP e um dos fundadores do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Adolpho.queiroz@metodista.br ou adolpho.queiroz@mackenzie.br


59 jurados, dos festejos de Carnaval naquele ano, na cidade. O contato com o jornalista José Maria do Prado, então do jornal “Última Hora”, de São Paulo, foi extremamente frutífero e naquela tarde, naquela conversa, ouvimos a intenção de Alceu.. Ele pediu ao jornalista da UH se poderia colocar o grupo em contato com o pessoal do “Pasquim”, no Rio de Janeiro, pois tinha a intenção de organizar um Salão de Humor, naquele ano, na cidade de Piracicaba. Anteriormente, no Salão de Arte Contemporânea da cidade, houve uma tentativa de realizar uma mostra paralela de cartuns “d`O Pasquim”. Os idealizadores, o jornalista Roberto Antonio Cera e o artista plástico, Ermelindo Nardin, presidente daquele Salão, até mantiveram contato com o irreverente Jaguar, que lhes autorizou retirar originais seus, da Editora Abril, onde mantinha publicação na revista “Veja”, que poderiam compor a referida mostra. Com a carta de autorização em mãos, não se sabe por qual razão, a história da mostra paralela não se concretizou. Enquanto isso, Alceu, Carlos e eu viajamos a São Paulo e num almoço organizado pelo jornalista José Maria do Prado, conhecemos o Zélio Alves Pinto, cujo irmão, Ziraldo pilotava o projeto político e administrativo “d´O Pasquim”. Depois do almoço, Zélio convidou para irmos à casa dele e enquanto conversávamos sobre a ideia do Salão, ele fixou a ponta de um compasso sobre o nome da cidade “Piracicaba”, num mapa e foi formando círculos concêntricos, mostrando de que forma o nosso salão cresceria. Naquele dia, chegou com o compasso até o Rio Amazonas e não conseguiu pular a água. Dois ou três anos depois, pelas próprias mãos do Zélio, o salão se tornou internacional, com a vinda de editores franceses ao evento. Claude Moliterni foi o primeiro visitante ilustre da Europa a prestigiar do Salão e sua editora, a Dargot, era na época, uma das editoras de ponta no mundo do humor gráfico e dos quadrinhos. Mas, depois daquele dia, Zélio nos apresentou ao irmão ilustre, Ziraldo que, prontamente, concordou com duas ideias: a de nos receber lá no “d´O Pasquim”, no Rio de Janeiro e de nos enviar, para o I Salão, uma mostra de cartuns proibidos pela “censura” da época. O I Salão de Humor de Piracicaba, em agosto de 1974, abriu suas portas de forma festiva e respeitosa. Ele representou um gesto de respeito de uma cidade cultural e politicamente ativa na época, às artes e ao humor gráfico, às figuras que lhe davam sentido– os pasquineiros Ziraldo, Jaguar, Fortuna e Millor Fernandes – e, mais especialmente, às novas gerações de artistas que com suas “penas e brilhos”, ajudaram a inquietar a Ditadura Militar, contando novas histórias, lançando dúvidas, contestando a


60 forma de governo e, especialmente, transformando a ironia fina em arma retórica de convencimento. Foi assim então, que tivemos o nosso primeiro premiado: o jovem e irreverente Laerte Coutinho, oriundo da revista “Balão”, editada pela Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo. 2 O REI ESTAVA VESTIDO, 1974.

O cartum vencedor do I Salão de Humor de Piracicaba foi assinado pelo artista Laerte Coutinho, que vinha das primeiras aventuras pelo campo através da revista “Balão”, publicada pelos estudantes do curso de Comunicação, da ECA/USP. Vivia-se um período difícil na política do Brasil, pois se estava naquela ocasião, no décimo ano de vigência da Revolução Militar que, em 31 de março de 1964, deu um golpe de Estado, retirando o presidente eleito, fechando o Congresso Nacional, impondo a censura à imprensa e iniciando um período de exceção na vida pública. O Salão de Humor de Piracicaba surgiu também como um instrumento de contestação política ao Regime Militar. A justificativa para a escolha desse prêmio pelos jurados era de que a obra tinha sido inspirada numa fábula escrita por Hans Christian Andersen. A original contava a história de um rei vaidoso que gostava de se vestir bem e criativamente e que, em determinada ocasião foi procurado por um costureiro aventureiro e criativo que lhe propôs construir a roupa mais original que já havia vestido. O costureiro pediu-lhe que se despisse e “inventou” que lhe colocava um pano aqui, outro ali, um sapato assim, outro assado, um colar exótico, enfim, foi ampliando a imaginação do rei. Assim, criou a indumentária apenas na imaginação real, que a tudo assistia embevecido. Com a roupa “pronta” o rei ordenou que se abrissem as portas do palácio para que ele pudesse mostrá-la aos nobres e aos plebeus do seu reino e começou a caminhar em torno do palácio e, entre sussuros, quase todos o aplaudiram pela “nova” e “criativa”


61 indumentária. Até que um menino exclamou à sua mãe em voz alta: “O rei está nu!” Irado o rei ordenou que o prendessem. Que ingênuo! Foi o único a declarar a verdade de que a roupa do rei não existia e ele estava caminhando completamente nu. Numa alegoria ao Regime Militar, os torturadores que aparecem no trabalho premiado representam os integrantes desse Regime, cujas práticas de prisão e tortura aos que discordassem dessa forma de governo, eram recorrentes e constantes. Na fábula de Andersen, o menino se retrata na prisão e berra, para acompanhar aos demais que assistiram ao desfile: “O rei estava vestido!”. Ao admitir também que o rei estava “nu”, na roupa criativa do seu costureiro, e desaparece a unanimidade exigida pelo soberano. Tal qual nas ditaduras – incluindo a Militar do Brasil – discordar ou emitir opinião contrária aos governantes, não é permitido. A fábula de Andersen e a sua nova contextualização, diante da revolução de 1964, foi o jeito de dizer, a partir do Salão de Humor de Piracicaba, que também a sociedade civil era contrária aos métodos utilizados pelo governo ditatorial daqueles dias. A unanimidade que as ditaduras gostam de representar começou a ser quebrada também depois do Salão de Humor de Piracicaba, pois, ao admitir de forma violenta que o “rei estava vestido!”, o artista e a sociedade queriam reafirmar o contrário, “o rei está nu!”, ou em outras palavras, não apoiavam as ações do governo militar. O eco daquele prêmio foi importante para as forças de oposição que começavam a se organizar para restabelecer a ordem democrática no país. O “não” de Laerte Coutinho foi uma das relevantes contribuições das artes e do humor gráfico contra a Ditadura Militar, no Brasil. 3 SORRISO INSINCERO, 1975 A mesma Ditadura Militar que inspirou a criação do Salão de Humor de Piracicaba recebeu outro “presente” com a escolha do cartum, de autoria do Arnaldo Angeli Filho, ou simplesmente Angeli, outro integrante da nova geração de cartunistas que emergiu com o salão de Piracicaba. Seu trabalho premiado com o 3º lugar, mostra um grupo de pessoas – como se fosse uma analogia à sociedade civil do período – preso num cercado rodeado de arame farpado, guardas armados e um espião mal disfarçado. No cercado havia um pouco de tudo o que representava a sociedade daqueles dias: médicos, hippies, palhaço, negros, velhos, crianças, cegos, mulheres, todos invariavelmente, com fisionomias tristes. E, um único sorriso no cercado: um homem


62 que segura um feixe de bexigas coloridas, o único feliz naquele emaranhado de tristezas. Há entre os personagens um amarrado e amordaçado. Enfim, a sociedade presa, calada, tristonha e sem grandes chances de se manifestar como a que foi submetida pelos militares durante quase 25 anos da Ditadura Militar, entre 1964 e 1985. Na cena seguinte, ao serem “libertados” do cercado, os integrantes da sociedade presa recebiam como brindes -- e eram obrigados a exibir! – uma pequena máscara com o formato de um sorriso. As máscaras eram distribuídas por duas mesas que controlavam o movimento. Na da esquerda está um personagem militar, com o mesmo sorriso do Dick Vigarista, personagem dos desenhos animados e, ao seu lado, sentado servilmente, o que poderia representar um político da época, que executava sem contestar, as determinações dos militares e distribuía o sorriso insincero às pessoas que iam saindo do cercado/prisão. A outra mesa também é emblemática: nela estão um padre e um monsenhor, com a mão direita erguida para o alto. Este símbolo é o contrário daquela mão esquerda erguida para o alto que foi criado pela Revolução Socialista Soviética, em 1918, para representar o posicionamento dos trabalhadores socialistas. A mão erguida à direita representa, no entanto, o conservadorismo. Ao levantar a mão direita, o representante da Igreja Católica mostra-se a favor da revolução conservadora e contra o comunismo, como queriam os militares, de 1964. No primeiro plano da obra premiada aparecem os seis primeiros personagens “felizes” com a soltura da prisão e aparente liberdade conquistada. Naquele período, o trabalho de Angeli teve um grande impacto. Era de novo, de uma ironia vigorosa contra o Regime que encarcerava, prendia, matava e torturava pessoas e ainda, obrigava-as a saír “felizes” e esperançosas num regime ditatorial. Não era isso o que pretendia a sociedade brasileira e, mais uma vez, o Salão de Humor de Piracicaba, ao premiar uma critica contundente, ajudou a dizer ao Regime Militar que gostaria de sorrisos sinceros. E, que só a volta da democracia poderia devolvê-los ao povo.


63 4 CENSURA À IMPRENSA, 1977

Das contribuições negativas que a Ditadura Militar trouxe ao país entre 1964/1985, uma das piores, foi a censura à imprensa. A partir de 1964, as redações dos grandes jornais e revistas impressos ganharam um ou vários funcionários a mais. Eram os censores nomeados pelo Serviço Nacional de Informação, SNI, para censurarem especialmente, os impressos, pois, eles tinham maior penetração na intelectualidade que se constituía num dos segmentos de resistência mais forte à Ditadura Militar implantada no país. Embora a censura existisse também nas emissoras de rádio e televisão, esses meios eram mais fáceis de controlar porque, como concessões públicas, tinham controles administrativos e financeiros sobre as suas atividades já estabelecidos legalmente, o que não ocorria com a imprensa escrita, cujas empresas eram mais independentes do governo. Os jornais, em especial “O Estado de São Paulo”, recorreram a expedientes mais criativos para driblar e denunciar a própria censura ao publicar, em suas páginas, poemas como “Os Lusíadas”, de Luis de Camões ou receitas de salgados e doces. As fotografias censuradas eram substituídas por flores, aves ou animais. Essa prática também se estendeu para o que se denominou “imprensa nanica”, por meio de jornais “Opinião”, “Movimento”, “O Pasquim”, entre outros, que surgiram para denunciar as arbitrariedades do Regime de exceção daqueles dias. No período em que conquistou esse prêmio no Salão de Humor de Piracicaba, com três tiras curtas, Glauco Vilas Boas mostrou de que forma reagiam os censores quando a Ditadura


64 Militar já perdia força e a luta pela redemocratização do país avançava. Irado contra a “manchete” que pedia “mais liberdade de imprensa” o censor – caricaturado por Glauco como um sujeito violento e mal educado, chuta de forma espetacular o pobre vendedor de jornais, que sarcástico, após o tombo, declara “outro censor desempregado!”. Vinham com os traços de Glauco, as impressões de que o Regime Militar estava nos seus últimos dias e que, finalmente, depois de 25 anos de opressão e aprofundamento de desigualdades sociais, a conquista da democracia estava mais próxima. 5 QUAL LIBERDADE? , 1979

O cartaz do VI Salão Internacional de Humor de Piracicaba, desenhado por Glauco Vilas Boas, mostra um passarinho tremendo de medo para sair da sua gaiola. Mesmo com a porta aberta, ele se mostra assustado, olhos esbugalhados, as asas transformadas em dedos, ainda presos na armação de arame da gaiola, pálpebras enrijecidas e o espanto com a liberdade conquistada. Eram os dias finais da Ditadura Militar, no Brasil, e a gaiola aberta poderia simbolizar tanto a abertura política, a ampla liberdade de expressão ou a reconquista da democracia. Mas o interessante é que o pássaro medroso, engaiolado durante uma vida toda (uma analogia a 25 anos, durante os quais toda uma geração se viu privada de exercer os direitos mais comezinhos de expressão, especialmente no campo político), talvez quisesse dizer: “para onde ir agora?” É que depois de tanto tempo “sem poder voar”, sem poder se expressar, votar livremente e expressar seus pensamentos sem medo de ir


65 preso ou ser torturado, como era comum naquele contexto, o

pássaro símbolo

mostrava-se reticente para a nova empreitada que a vida e a liberdade lhe apresentavam. Não, ele não estava fugindo. Ele estava finalmente livre. Livre para escrever o que bem entendesse, para conversar em voz alta nos bares, nas universidades, nas tribunas parlamentares, no judiciário, livre para amar sem ter que ver mulher e filhos vigiados pelo Regime Militar que, durante mais de duas décadas, impediu a sociedade de pensar e agir. Muitos resistiram. Muitos pagaram com a própria vida pelo direito de todos agirem em liberdade. Mas, naquele ano, a preocupação do pássaro era com as novidades que haveria de encontrar lá fora, na vida: a possibilidade de escrever artigos e debater ideias nos jornais alternativos e nos jornalões que circulavam; a possibilidade de fazer caricaturas, charges, cartuns e histórias em quadrinhos que não mais seriam censurados por militares – via de regra!! – despreparados para essa função; a possibilidade de ler poemas em voz alta; de debater ideais para a construção de um país mais justo. O pássaro medroso de Glauco é uma das imagens mais fortes e marcantes do Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Soube-se depois, muito depois, que o pequeno pássaro alçou as árvores, primeiro, com as asas meio enferrujadas, depois, com um vigor que o transformou num símbolo e com o trinado especial de um canto que sufocou a tristeza e anunciou que “amanhã, vai ser outro dia”, como sentenciou drasticamente o poeta Chico Buarque de Holanda, cantando, do seu jeito, a liberdade: Apesar de você, Amanhã há de ser Outro dia, Inda pago pra ver O jardim florescer, Qual você não queria,

O pássaro tomou gosto pela liberdade. O Brasil também. E, a florescente democracia brasileira, com seus avanços e tropeços, com certeza, são muito melhor do que aqueles dias amargos, trancados nas gaiolas da insensatez. 6 A DIMENSÃO TEÓRICA DA CONTRAPROPAGANDA O tema teórico da propaganda política e ideológica sempre permeou o Salão de Piracicaba. Na sua dimensão teórica, o francês Jean Marie Domenach (1945) a definiu como “a propaganda de combate às teses do adversário, pode ser caracterizada por


66 algumas regras secundárias que lhe são inerentes". (DOMENACH, 1945). Mais adiante, Domenach vai alinhavando os aspectos marcantes deste tipo de ação comunicacional. O autor destaca: Em primeiro lugar, preciso 'assinalar os temas do adversário', sugerindo que "propaganda adversa é 'desmontada' nos seus elementos constitutivos (30). Isolados, classificados em ordem de importância, os temas do adversário podem ser mais facilmente combatidos: com efeito, despojados do instrumento verbal e simbólico que os tornava impressionantes, são reduzidos a seu conteúdo lógico, geralmente pobre e, às vezes, até contraditório; pode-se, portanto, atacá-los um a um e, talvez, opô-los uns aos outros. (DOMENACH, 1945).

As propostas dos artistas gráficos que participaram das várias edições do salão, no seu período pioneiro, eram basicamente de ataques à Ditadura Militar, nos exageros das representações dos generais fardados, na intolerância com o voto popular ou no discurso único, entre outras características. Noutro momento, Domenach sugere que a contrapropaganda deva "atacar os pontos fracos". Nesse caso, se relaciona com os militares, os políticos do partido ARENA que apoiavam a situação. Ainda, segundo o teórico, a contrapropaganda constitui fundamental preceito de toda estratégia. Ele define: Contra uma coalizão de adversários, o esforço incide naturalmente no mais débil, no mais hesitante e é nele que se concentra a propaganda. Esse método foi sistematicamente usado pela propaganda de guerra: durante a Primeira Guerra Mundial, os alemães procuraram, sobretudo, desmoralizar os russos, ao passo que os aliados dirigiam o principal esforço contra a Áustria-Hungria. Entre as teses contrárias, igualmente, é a mais fraca que será combatida com maior violência. Encontrar o ponto fraco do adversário e explorá-lo é a regra fundamental de toda contrapropaganda. (DOMENACH, 1945).

Na situação brasileira, os ataques dos cartunistas centravam-se nos censores da imprensa, transformando-os em caricatos. Outras figuras caricaturadas eram os generais e seus asseclas, bem como, os políticos subservientes ao regime. Embora Domenach recomendasse “jamais atacar frontalmente a propaganda adversária quando for poderosa", (DOMENACH, 1945), especialmente no Governo


67 Médici quando os slogans "eu te amo meu Brasil", "pra frente Brasil", "este é um país que vai pra frente", entre outros, eram difundidos com vigor pela propaganda oficial do governo, ele sugeria que, Com justeza Pol Quentin observa Frequentemente, as propagandas contemporâneas, ao julgar necessário combater a opinião prevalente, visando retificá-la e ordená-la o mais rápido possível, atacam-na perpendicularmente. Resultam dessa falta 90% dos reveses sofridos por tais propagandas, excelentes para fortalecer a opinião de pessoas já convencidas, e em decorrência, para magistralmente arrombar portas abertas. 'Essas propagandas desconhecem este princípio inicial: a fim de combater uma opinião, é necessário partir dessa mesma opinião, procurando um terreno comum'. Eis um evidente corolário da 'lei de transfusão' (DOMENACH, 1945)

Mais adiante, Domenach sugere que, [...] em geral, interpreta-se como sinal de fraqueza a discussão racional dos temas do adversário. Essa só é possível quando nos colocamos imediatamente dentro da perspectiva e da linguagem do inimigo, o que é sempre perigoso. Tal método, entretanto, que começa por fazer concessões ao adversário para, pouco a pouco, conduzi-lo a conclusões contrárias às suas, é praticado geralmente pelos contraditores de reuniões públicas e pelos especialistas do “de porta em porta. (DOMENACH, 1945).

Outro jeito de atacar a propaganda governamental do período era “atacar e desconsiderar o adversário". Viu-se que o argumento pessoal leva mais longe, nessa matéria, do que o argumento racional. Amiúde, poupa-se o trabalho de debater uma tese ao desconsiderar-se aquele que a sustenta. A divisão pessoal constitui arma clássica na tribuna do Parlamento e nos comícios, bem como, nas colunas dos jornais: a vida privada, as mudanças de atitude política, as relações duvidosas, são as suas munições triviais. A história recente da França está juncada de homens de Estado e de políticos, os quais, mais ou menos efetivamente comprometidos em escândalos foram atacados e “executados” em ferozes campanhas de imprensa. Alguns, todavia — Clémenceau é o modelo — conseguiram refazer-se, jamais se confessando culpado, revidando golpe a golpe. Nas charges, os traços exagerados dos protagonistas do Governo ou os desafios semiológicos de fábulas - como a do cartum vencedor do I salão, de Laerte Coutinho era possível entender os recados das novas gerações de artistas gráficos, amparados pela história de vida, trabalho e lutas sarcásticas dos humorados e politizados Ziraldo, Jaguar, Millor, Fortuna, próceres "d´O Pasquim".


68 Domenach (1945) argumenta ainda sobre a contrapropaganda que, [...] se no passado de um partido ou de um político forem encontradas declarações ou atitudes que contradizem declarações ou atitudes o efeito, sem dúvida, é ainda maior: não somente o homem ou o partido serão desacreditados (ninguém é mais desprezado que os ventoinhas ou os vira-casacas) mas também colocados na necessidade de se explicarem e de se justificarem: posição de inferioridade. É o pão quotidiano da contrapropaganda. Isso nos lembra uma frase particularmente bem escolhida pela qual o porta-voz da França Livre, Maurice Schumann, deu início a uma das emissões radiofônicas dirigidas contra a propaganda de Philippe Henriot, comentarista da rádio de Vichy; esse, segundo parece, obtivera a reforma por ocasião da Primeira Guerra Mundial: Philippe Henriot, auxiliar do exército francês em 1915, auxiliar do exército alemão em 1944... Em poucas palavras o homem fora ridicularizado (DOMENACH, 1945),

A ridicularizarão dos personagens da República foi uma das frentes de batalha adotada pelos artistas que participaram do processo de desconstrução da "imagem pública" dos generais presidentes, seus ministros, assessores e políticos proeminentes da época. Outro participante estratégico e importante do salão de Piracicaba foi o cartunista Henfil. Com seus admiráveis "fradins" exerceu uma das leis mais interessantes da contrapropaganda, assim descrita por Domenach (1945) [...] colocar a propaganda do adversário em contradição com os fatos. — Não existe réplica mais desconcertante que a suscitada pelos fatos. Se for possível conseguir uma fotografia ou um testemunho, que, embora sobre um único ponto venha contradizer a argumentação adversa, essa em conjunto, acaba por desacreditar-se. De ordinário é difícil conseguir provas incontestáveis: as narrativas de viagens são contraditórias, pode haver truques fotográficos; apelar-se-á, então, tanto quanto possível, para inquiridores ou para testemunhas cujo passado e cujas ligações garantam sua imparcialidade. Em todo caso, nada vale tanto quanto um desmentido pelos fatos como arma de propaganda, desde que formulado em termos claros e precisos. Esse desmentido não encontra réplica quando os fatos alegados foram colhidos em fontes de informação controladas pelo próprio adversário. A esse propósito, citarei um exemplo: uma pequena notícia das Lettres Françaises clandestinas, a qual refutava uma afirmação da propaganda hitlerista, antepondo-lhe simplesmente, sem comentário, uma informação publicada na mesma ocasião pela imprensa da França ocupada: um cartaz divulgado em Paris demonstra que todos os libertadores e terroristas são judeus estrangeiros. A Corte de Apelação de Bourges condenou os autores e cúmplices do atentado contra Déat: Jacques Blin (de Ménétrol-sous-Sancerre), Marcel Delicié (de Vierzon), Emile Gouard (de Pouilly-surLoire), Jean Simon (de Nevers) e Louis Rannos (de Thouvensi).

Já o salão de Piracicaba foi pródigo em denúncias contra vários tipos de violência. A maior de todos, sem dúvida, foi o fato de os militares terem tirado da sociedade o direito básico do voto direto, um exercício democrático necessário e


69 reivindicado pelos autores do Salão de Piracicaba, àquela altura. Além disso, outra crítica recorrente era contra a censura à imprensa. Sem imprensa livre, nenhum país avança, discute, debate opiniões ou o seu próprio futuro. O Salão dispôs-se também a cumprir outra função estratégica que compõe o eixo teórico da contrapropaganda, que segundo Domenach é o de [...] ridicularizar o adversário, quer ao imitar seu estilo e sua argumentação, quer atribuindo-lhe zombarias pequenas histórias cômicas, esses “Witz”, que desempenharam tão grande papel na contrapropaganda oral difundida pelosalemães antinazistas. O escárnio constitui espontânea reação a uma propaganda que se faz totalitária mediante a supressão da dos adversários. Sem duvida nenhuma, é a arma dos fracos, mas a rapidez com que se disseminam as pilhérias que jogam no ridículo os poderosos, a espécie de condescendência que elas encontram por vezes entre os próprios adeptos fazem, do escárnio, um agente corrosivo cujos efeitos não são de desprezar. Em todos os tempos os cançonetistas têm tomado o partido da oposição. (DOMENACH, 1945),

As críticas expressas pelos artistas também defendiam novos olhares para a televisão, o jornalismo, o rádio, as revistas e mesmo o teatro, cuja contribuição à política de conscientização da sociedade foi decisiva. Ainda vem de Domenach a explicação de que, [...] não podemos enumerar os múltiplos meios de fazer o adversário cair no ridículo; muitas vezes grosseiros, não deixam, porém, de ser eficazes. Tomemos apenas um exemplo: na campanha anti-rexista, de que já falamos, respondiam os adversários de Degrelle aos seus gigantescos desfiles, fazendo circular nas ruas de Bruxelas asnos com um cartaz em que se lia: ‘Voto em Degrelle porque sou burro'. (DOMENACH, 1945).

É também do definidor dos conceitos sobre contrapropaganda, Domenach, a percepção de que, [...] aqui, tocamos em uma forma de gracejo muito diferente daquela já tratada rapidamente: não mais o riso desdenhoso que consegue soldar a multidão no sentimento de sua superioridade, e que Hitler sabia provocar na arena de Nuremberg e, sim, o riso solitário, explosão irreverente, vital protesto da liberdade contra o pensamento préfabricado, riso a cujo respeito Nietzsche dizia que seria um dos últimos refúgios do homem livre contra o mecanismo da tirania, e que, até nas épocas mais trágicas, é uma das mais temíveis armas que se possa empregar contra uma propaganda totalitária. Basta evocar esse admirável filme antifascista de Charles Chaplin, O Ditador, no qual Hitler e Mussolini aparecem burlescos. E nas horas difíceis da ocupação, a quantos franceses a paródia dos poderosos do dia não trazia esperanças? Em uma sociedade que ameaçadora e enfurecida propaganda começa a fascinar, o riso relaxa infalivelmente os homens contraídos, devolve-lhes o livre funcionamento de seus reflexos, cria imediato


70 efeito antiinibidor. (DOMENACH, 1945)

O último argumento teórico de Domenach sobre a contrapropaganda é de que ela tinha que [...] fazer predominar seu “clima de força”. — Por razões certamente materiais, e também psicológicas, é importante obstar que o adversário se mantenha na primeira linha, criando em proveito próprio a impressão de unanimidade. Mas, esse também procura impor a sua linguagem e os seus símbolos, que por si mesmos significam poderio. Freqüentemente, experimenta-se atingi-lo naquilo que mais preza: o nome, o primeiro entre os seus símbolos. Os degaulistas, por exemplo, chamavam os comunistas de “separatistas” e esses os apelidavam de gogo (pateta). O nome parece ter guardado o primitivo valor mágico e o fato de “denominar” é da mais alta importância. O nome é, ao mesmo tempo, uma bandeira e um programa. Vezes há, quando o adversário, não conseguindo suprimir o nome que lhe foi dado depreciativamente, o endossa, servindose dele como título de glória: assim procederam os wigs e os tories; em nosso tempo, os maquisards, acabaram por aceitar de bom grado o apelido de ‘terroristas’ por eles recebido; igualmente o epíteto de “stalinista”, injurioso a principio, foi retomado pelos comunistas como um título de glória. (DOMENACH, 1945),

E, por fim, argumenta: [...] semelhante esforço de informação deve exercer-se sobre os resultados das campanhas de propaganda. Quando as eleições não permitem apreciar o rendimento de uma propaganda, esse controle, apesar de muito útil, apresenta-se difícil. As “sondagens de opinião” tornaram-se de uso corrente e proporcionam preciosas informações, embora o seu manejamento e a sua interpretação permaneçam delicados. Na Inglaterra, as “cartas ao editor” permitem, em uma certa medida, desvendar a sensibilidade da opinião no tocante a este ou aquele tema. Enfim, os relatórios dos agentes da administração e da polícia proporcionam alguns indícios, mas comumente falseados. (DOMENACH, 1945),

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A divulgação dos cartuns, charges, caricaturas e histórias em quadrinhos que foram difundidas pela imprensa, na época, depois transformadas em catálogos, vídeos e, mais recentemente, voando pelo mundo através da internet, deram ao Salão de Humor de Piracicaba uma dimensão de compromisso com a Arte e com a democracia, com a pluralidade e diversidade e o transformou numa referência necessária em prol das lutas políticas do país. Se as peças expostas pelos salões de Piracicaba ajudaram a construir uma nova consciência no país, cabe à História responder. De qualquer forma, o pequeno Golias, com sua pedra/caneta irreverente, também foi decisivo para recuperar a credibilidade no


71 regime democrático, na valorização das lutas sociais e na necessidade do debate político no Brasil contemporâneo. O Davi/Militar açodado pelas críticas e ironias finas dos interlocutores, foi perdendo a força, desmanchou-se e submeteu-se finalmente, ao canto da maioria da sociedade, em favor da liberdade. 8 REFERÊNCIAS DOMENACH, Jean Marie. Propaganda política. São Paulo: Difel, 1945, 142 páginas. IMPRENSA OFICIAL. Piracicaba, 30 anos de humor. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 2003, 232 páginas.


72 O ENGAJAMENTO POLÍTICO-ELEITORAL DE JOVENS NO BRASIL: apontamentos sobre a crise desta representação. LA PARTICIPACIÓN POLITICA Y ELECTORAL DE LOS JOVENES EN BRASIL: notas sobre la crisis de esta representación. POLITICAL AND ELECTORAL ENGAGEMENT OF YOUNG PEOPLE IN BRAZIL: notes on the crisis of this representation. Mônica, MACHADO1 RESUMO As formas clássicas de representação política perdem progressivamente força para os segmentos juvenis. No entanto, novas formas de ativismo e participação se configuram na atualidade. O artigo investiga esta cena a partir de um estudo qualitativo de recepção de uma propaganda de estímulo à participação juvenil no sufrágio universal. O estudo aponta para a análise das relações entre os traços culturais emergentes na alta modernidade e suas influências no comportamento político das juventudes atuais. PALAVRAS-CHAVE: comunicação política eleitoral; engajamento; jovem. ABSTRACT The classic forms of political representation gradually lose strength for the youth culture. However, new forms of activism and participation are configured today. The article explores this scene from a qualitative research of reception of an advertisement encouraging youth participation in elections. The study points to the analysis of relations between the cultural traits emerging in high modernity and its influences on political behavior of youth today. KEY-WORDS: communication; politica; election; engagement; young. RESUMEN Las formas clásicas de representación política van perdiendo fuerza para el segmento joven. Sin embargo, las nuevas formas de activismo y participación se configuran en la actualidad. El artículo investiga esta escena a partir de un estudio cualitativo de recepción de una propaganda de estimulo a la participación juvenil en el sufragio universal. El estudio señala que el análisis de las relaciones entre los rasgos culturales emergentes en la alta modernidad y su influencia en el comportamiento político de los jóvenes actuales. PALABRAS-CLAVE: comunicación política electoral; participación; jóven.

1

Mestre em Multimeios pela UNICAMP; Doutora em Comunicação na Linha de Pesquisa Mídia e Mediações Socioculturais. ECO-UFRJ; Profa. Adjunta da ECO; UFRJ. e-mail: monica@insider.com.br


73 1 INTRODUÇÃO Muito se discute na contemporaneidade sobre o baixo interesse dos jovens por movimentos políticos clássicos. A crise da representatividade juvenil se reflete na redução da participação desse segmento etário em movimentos de associativismo como partidos políticos, sindicatos e até mesmo, em grêmios estudantis. O fenômeno também se revela quando se analisa o grau de interesse de jovens pelo sufrágio universal. Segundo os dados do Tribunal Superior Eleitoral2, a participação de voto facultativo de jovens de 16 a 17 anos na eleição presidencial em 2010 foi reduzida em 7%, passando para 2, 39 milhões de eleitores, no comparativo com a outra disputa de 2006, quando havia 2, 55 milhões de eleitores com a mesma idade. Pode-se então concluir que há uma evidente apatia ou um forte movimento de despolitização nas culturas juvenis contemporâneas? A hipótese defendida neste artigo é de que os velhos modelos de representação política já não dialogam com as novas gerações na mesma proporção do que no passado. As macronarrativas sociais, os discursos utópicos de transformação do mundo perdem força. Contudo, não se está diante do quadro de absoluto declínio da politização das juventudes. Nos dias de hoje, articulam-se novos vínculos de pertencimento e participação. O engajamento juvenil é mais fragmentado, voltado para micronarrativas, mais orientado para questões pragmáticas. Quando se reflete sobre os novos vínculos de pertencimentos das culturas jovens no processo democrático contemporâneo, nota-se convergência discursiva entre diversos atores sociais. O World Youth Movement aponta para a seguinte perspectiva: O lugar da juventude em políticas e a desilusão com a democracia como um regime político, mudaram significativamente nas últimas décadas. Nós deixamos de associar políticas e ideais democráticos à ideia de grande mudança social - atualmente a participação de pessoas jovens tende a ser visualizada em espaços locais e longe de partidos políticos, formando um perfil de pequena escala, de curta duração e com metas mais modestas para a mudança (Disponível em : http://www.ymd.youthlink.org/ymd/2007finalists/rojas.html. Acesso em: 10 mar. 2009. Tradução pessoal).

Em conformidade com esta leitura, ao teorizar sobre os vínculos dos jovens com o processo político contemporâneo, o cientista político Janine (2004, p. 45), argumenta: 2

Segundo matéria publicada no site JusBrasil, pela primeira vez em 12 anos , voto jovem “encolhe” no país. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2290906/pela-vez-primeira-em-12-anos-votojovem-encolhe-no-brasil. Acesso em: 10 jun 2011.


74 “a política está em baixa e a juventude em alta”. Alguns indicadores, a seguir, são reveladores deste enunciado. No Brasil, há dados apontando para a direção da desmobilização político-eleitoral dos segmentos mais jovens. A pesquisa ”Perfil da juventude brasileira”, realizada pelo Instituto Cidadania, em dezembro de 2003 3 relata que os públicos de 15/ 24 anos têm interesse secundário por discussões político eleitorais. O tema “política” aparece em décimo lugar, na pauta de interesse de brasileiros nesta faixa etária. Muito atrás de “educação,” “oportunidade de empregos;” “cultura e lazer;” “saúde/ corpo;” “família” e “relacionamentos amorosos.” Um retrato desse panorama está expresso na matéria de “O Globo”, do Rio de Janeiro, em 07/10/2009, ao enfocar a criação do movimento “Nove” (Nova Organização Voluntária Estudantil). De acordo com a reportagem, o “Nove” é uma proposta de jovens, moradores da zona sul do Rio de Janeiro, que decidiram criar uma ação de protesto contra o vazamento das provas do ENEM 2009. O espírito do grupo se revela no relato jornalístico: “os jovens rejeitam lideranças, fazem cara feia para políticos e são unânimes em desqualificar a UNE e a Ubes (entidades que existem para representar estudantes universitários e do ensino médio) como representantes de seus pleitos”. A leitura dominante do enunciado é a constatação da recusa dessa parcela da juventude carioca em legitimar as instituições clássicas de representação política. O texto aponta também para um movimento de engajamento que foi motivado por demandas individuais: doze jovens, indignados com o adiamento da prova, reuniram-se em um playground na Gávea - Zona Sul do Rio de Janeiro – para mobilizar outros “prejudicados”, através das redes sociais e ampliar os fóruns de crítica ao Ministério da Educação. No conteúdo programático do “Nove” está a proposta de investir em projetos para maximizar a qualidade do Ensino Fundamental e Médio. Como os próprios estudantes revelam, o movimento tem uma face “apartidária” e “pragmática”. A emergência do “Nove” é um indício desse novo cenário que se configura como: o exercício da política se faz partindo dos interesses privados dos indivíduos que se põem em interação, para resolução de seus dilemas pessoais. 3

Esta pesquisa objetivou investigar comportamentos dos jovens de 15/24 anos na sociedade brasileira. O método foi quantitativo, realizado em áreas urbanas e rurais de todo o território nacional, junto a jovens de 15/24 anos, de ambos os sexos e de todos os segmentos sociais. Os dados foram colhidos em novembro e dezembro de 2003 com um total de 3.501 entrevistas, distribuídas em 198 municípios, estratificados por localização geográfica (capital e interior, áreas urbanas e rurais), contemplando 25 estados da União.


75 Tais fenômenos levam a refletir sobre os valores que circulam na cultura contemporânea onde os jovens foram socializados. O predomínio da racionalidade instrumental é um forte traço estruturante da alta modernidade (TAYLOR, 1992). Os discursos sobre a eficiência como signo de sucesso ganham destaque. Nota-se um debate intenso a respeito da ausência de perspectivas utópicas nos referências ideológicos dos jovens urbanos e de valorização de premissas neoliberais: perseguição da liberdade individual, a busca pelo direito à privacidade, extrema competitividade, cálculo da relação custo-benefício dos investimentos pessoais e profissionais. Há diversos relatos de jovens que justificam a falta de interesse pelos processos clássicos da democracia representativa dizendo que “precisam investir em suas carreiras” ou “encontrar logo um emprego” ou “ser bem-sucedido no mercado”. Portanto, são argumentos que visibilizam os valores de competitividade estratégica, do pragmatismo exacerbado, diminuindo os espaços para os ideais de transformação do mundo. Nesta lógica, as preocupações com a formação e o emprego dominam as pautas dos interesses joviais. Em uma apressada leitura do resultado da pesquisa, tende-se a concluir que quando se refere à política, a juventude é a tradução do “novo indiferente4”: não está sensibilizada para o debate coletivo, vive o não pertencimento em comunidades presenciais, cultua as trajetórias individualistas e descarta a discussão política de suas pautas temáticas. Entretanto, há em todos os dados certos indícios que apontam para uma nova perspectiva. No projeto do Instituto Cidadania, apenas 15% dos respondentes afirmaram participar de associações, grêmios ou fóruns de representação jovem. Os demais 85% argumentaram que não participam, mas que gostariam de viver essa experiência. Disseram desconhecer os caminhos para uma ação efetiva, assim como afirmaram que, contemporaneamente, o desapego não se traduz na recusa à representatividade coletiva ou ao projeto de inserção na vida política, mas se trata da falta de sintonia com os atuais jogos de representação política convencional: os jovens não se identificam com os discursos e as práticas dos enunciadores em posições políticas centrais (candidatos e lideranças político-partidárias) e nem com outros espaços tradicionais de participação representativa (o engajamento, por exemplo, em partidos políticos). Percebem o “desencantamento” com o sufrágio universal como uma consequência da imagem de 4

Na proposição de Habermas (1984) o consumidor contemporâneo, destituído de sua vocação na esfera pública convencional, desenvolve suas redes de sociabilidade a partir de uma relação de indiferença.


76 corrupção e da impunidade atrelada à cultura política. Alguns representantes das novas gerações associam o conceito de conscientização política ao microcosmo de sua atuação: participação em instituições do terceiro setor ou movimentos sociais. Há, portanto, maior investimento do jovem nessa vertente do processo político. Na mesma linha de raciocínio caminha a pesquisa de Castro5, ao apontar para a fragilidade do interesse da juventude por enunciados do processo político-eleitoral convencional: De fato, alguns estudos internacionais – não apenas conduzidos nos países da Europa e América do Norte, como também na América Latina – demonstram que a participação política do jovem é baixa, pelo menos no seu sentido convencional, como envolvimento em atividades político-partidária e eleitoral. Significa que, comparando os jovens de hoje com os adultos ou com gerações anteriores, estes estariam mais distanciados da política, tendendo a ver com desconfiança e ceticismo a atividade política tradicional. (CASTRO, 2004, p. 216).

A autora também reflete sobre a necessidade de construção de territórios férteis para o diálogo e interação entre as novas gerações. Assim, afirma que os jovens gostariam idealmente de participar mais de ações coletivas, mas “se sentem impotentes por falta de suporte institucional” (Id.). Para Janine (2004), há uma nova perspectiva do fazer político, que não está mais associada aos modos clássicos de representação. Acredita que o jovem de hoje sai da “cena da totalização”, não dialoga mais com os projetos de sociedade em sua generalidade. Afirma que a ênfase está em sua “ação efêmera” de participação. Assim, o autor visualiza dois caminhos de mobilização da juventude para o exercício político: a participação em movimentos sociais e a indignação ética. Na sua perspectiva, a relação com a ética está marcada pelo engajamento em ações voluntárias para ONGs e na crescente participação de movimentos de conscientização ecológica. Kehl (2004), buscando entender diferenças geracionais, argumenta que a juventude da década de 1960 já protagonizava atenção no tecido social, mas era valorizada por seu potencial revolucionário, suas utopias, suas rebeldias contra o status quo. Alinhavando conceitos de base psicanalítica, a professora da PUC-SP afirma que, na contemporaneidade, esse potencial foi progressivamente absorvido pela economia de mercado e traduzido em “slogan publicitário”. Por isso, afirma: “não deixa de ser 5

Os resultados expostos no livro “A aventura urbana – crianças e jovens no Rio de Janeiro” são frutos de 04 projetos de pesquisa financiados pela FAPERJ, sob a coordenação da Prof. Lúcia Rabello de Castro , coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC) – UFRJ.


77 sintomático que hoje as pessoas de 40 e 50 anos continuem a se interessar apaixonadamente por política enquanto jovens e adolescentes parecem conformados em fazer da luta pela cidadania mera afirmação dos direitos do consumidor” (id.,ibid., p. 91). O enunciado pode ser relativizado, na medida em que se observa que também no mundo adulto, o desinteresse pela política convencional se intensifica nos últimos anos. Contudo, de fato, os jovens potencializam essa tendência. A partir de um estudo de caso qualitativo, avalia-se em seguida, a recepção de jovens do Rio de Janeiro a uma propaganda de estímulo ao engajamento político eleitoral. Para tratamento dos dados, seguiram-se as orientações dos estudos culturais em Hall (1997[1973]), em The television discourse - encoding and decoding. O autor, ao desenhar seu recorte metodológico, parte da premissa vigente nos estudos culturais: as produções dos textos midiáticos materializam as intenções do contexto em que estão inseridos e revelam sentidos plurais, quando postos em circulação. Para dar conta da abordagem, Hall categoriza o campo da recepção investigando as tendências de linhas interpretativas dos textos culturais. As “leituras dominantes,” segundo ele, “estão calcadas nos discursos hegemônicos produzidos nas dinâmicas culturais” (id.,ibid., p. 2). Vale como princípio norteador, seguir o pressuposto de que tais interpretações estão, também, marcadas nas intenções dos enunciadores. No segundo estágio, situam-se as “leituras negociadas” de onde se recolhem indícios das tendências centrais, mas se incorporam à cena, novas visões de mundo, ideias e interpretações para os textos culturais. A terceira hipótese é a das “leituras de oposição.” Neste caso, parte-se da premissa de que as intenções dos enunciadores não foram absorvidas e, portanto, o público caminha para outra matriz de raciocínio, reinventando o sentido do texto e o interpretando de modo distinto. 2 LEITURAS DE DISCURSOS DE ESTÍMULOS PARA A PARTICIPAÇÃO JUVENIL NO PROCESSO ELEITORAL. Para discutir o grau de motivação de jovens do Rio de Janeiro na participação do processo eleitoral, avalia-se a proposta de mobilização dos filmes “TSE: Título eleitoral”, produzidos pela Fundação Padre Anchieta e TV Cultura. A intenção central dos enunciadores é despertar o interesse da população jovem, com mais de 16 anos, para a participação político-eleitoral. A dinâmica de análise se norteia por três eixos: no primeiro momento, analisa-se o contexto de produção do filme; no segundo estágio,


78 apresentam-se as narrativas; no terceiro, recolhem-se as impressões dos públicos jovens acerca das mensagens postas em circulação. O estudo de recepção contempla dois públicos-alvos distintos: coletaram-se as impressões de trinta jovens, de 16-20 anos, alunos do Ensino Médio, de colégios da Zona Sul do Rio de Janeiro, classe sócioeconômica A-B, e de outros quarenta jovens, de 16 - 25 anos, alunos do curso Superando Desafios de pré-vestibular comunitário, da Zona Norte do Rio de Janeiro, em Pilares, classe sócio-econômica C. No total, portanto, entrevistaram-se setenta estudantes nessa fase qualitativa de investigação. Os grupos focais tiveram duas horas de duração cada, perfazendo um total de quatro horas de entrevistas nos dois grupos. Assim, o tempo para a realização das entrevistas foi de oito horas. Os filmes foram apresentados para os grupos e depois, recolhidos os seus depoimentos espontâneos sobre os seus conteúdos, em um debate ampliado. 2.1 O FILME “TSE: TÍTULO ELEITORAL”, EM BUSCA DA PARTICIPAÇÃO JUVENIL. Antes de discutir a estrutura dos textos e suas possíveis intenções, cabe entender o contexto sociopolítico para sua enunciação. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), preocupado com a baixa participação dos jovens nas eleições majoritárias do Brasil, contratou a Fundação Padre Anchieta para a preparação de dois spots de TV, de 30 segundos, para veiculação durante o segundo semestre de 2007. Em nota, o presidente do TSE, o ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, solicitou a colaboração de todos os meios de comunicação, às emissoras de rádio e televisão, para a distribuição do material produzido, com veiculação gratuita dos filmes. Declarou que a proposta visa “a conscientização sobre a importância da participação e do engajamento da juventude no processo eleitoral6”. Descreve-se agora, a proposta textual do primeiro filme que foi submetido à avaliação dos grupos focais para verificar qual o sentido atribuído pelos entrevistados de 16/24 anos, após posto em circulação. 2.1.1 Filme 01 –“TSE: Título Eleitoral” Para Jovens 6

Disponível em: http://www.agencia.tse.gov.br. Acesso em: 10 ago. 2008.


79

O filme de 30 segundos se inicia com três rapazes, aparentando em torno de 16 anos, conversando, uniformizados, na porta da escola. Entretanto, suas vozes não são ouvidas pelos telespectadores. Sobre a imagem, aparece em lettering o seguinte texto: “Se você tem 16 ou 17 anos, você pode dizer o que você pensa”. Uma menina se aproxima, vestida com uniforme, com mochila e uma pasta nas mãos e então, aumenta o som de uma trilha sonora instrumental. Ela passa pelos meninos e deixa cair algo no chão. O menino se abaixa, pega o documento caído e diz algo inaudível. O telespectador só vê seus lábios se mexendo. Nesse momento, aparece sobre a imagem o texto: “Mas se você não tem título de eleitor não será ouvido”. A menina retorna e diz para o rapaz: ”Ah... meu título. Obrigada!” Os três rapazes ficam olhando para a moça enquanto o locutor em off diz: “Seu título é a sua voz.” O mesmo texto aparece simultâneo, em uma tarja preta no canto inferior da tela. Na imagem do Título de Eleitor, aparece o texto: “Vá ao cartório eleitoral de sua cidade”. Na mesma cena, no canto inferior, na tarja preta, a chamada: “Faça seu título de eleitor.” Em outro take aparece o título com o verso e o texto: “Leve documento com foto e comprovante de endereço.” O locutor em off reforça: “Faça o seu título de eleitor. Seja ouvido”. Fecha com a logomarca da Justiça Eleitoral e a locução em off: “Decida o futuro de seu país.“ As diferenças de percepções entre os grupos, quando relevantes, serão sinalizadas ao longo da análise. É possível fixar uma intenção inicial para o filme: mobilizar a juventude para o processo eleitoral. Nesse sentido, a trilha escolhida para o posicionamento da campanha da Fundação Padre Anchieta, trabalha com a retórica da representação: a promessa do filme é dizer que os sujeitos sociais só têm voz ao participar do sufrágio universal. Tendem a associar a posse do Título Eleitoral como principal esfera de visibilidade na democracia representativa. Desse modo, pressupõe-se que as “leituras dominantes” a que Hall (1997[1973]) se refere, aparecem quando os jovens telespectadores apreendem os significados da mensagem, em conformidade com as intenções dos enunciadores. No segundo estágio, têm-se as “leituras negociadas” quando, nos discursos dos adolescentes, eles dizem que são mobilizados pela campanha e convocados a tirar seus Títulos de Eleitor, mas também, refletem sobre outros caminhos para participação na vida social. No terceiro momento, destacam-se as “leituras de oposição”, nas situações em que o filme é visto sem produzir impacto ou quando os vínculos representam pouco para os pertencimentos das novas gerações.


80 Utilizando a modelagem de leituras possíveis da tese de Hall, os dados revelam que nas interpretações para o filme “TSE: Título Eleitoral” há forte predomínio de “leituras de oposição”. Uma expressiva parcela de jovens participantes dos grupos focais não se sente atraída por discursos que colam “direto de ser ouvido” à “participação eleitoral”. Há quem diga que essa associação não é produtiva porque os jovens não se veem representados pela classe política brasileira, nos dias de hoje. Nesse caso, a rejeição é ao discurso que associa o direto à voz, ao exercício da cidadania, pela participação nos modos clássicos de representação. O registro mais expressivo de todos os depoimentos é a crítica à ideia de que há possibilidade de vocalizar as expressões de identidades juvenis através das mediações dos sistemas clássicos de representação política. Alguns depoimentos são bem reveladores dessa rejeição: O comercial “força a barra”. É bobo, hoje o jovem não acha que vai ter voz porque vai participar das eleições. Esse modelo está “ultrapassado”. (Moça, 17 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, RJ, Zona Sul). Bastante forçado. Não tenho nenhuma identificação. Os jovens de hoje não tem interesse pela política por que não acreditam nos políticos. E esse fato não é remediado pelo simples fato de ganhar “voz” com o título de eleitor. (Rapaz, 17 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, RJ, Zona Sul). Voto como “arma” pra juventude ser ouvida? Acho que isso está “adormecido faz um bom tempo” (Rapaz, 17 anos, classe C, estudante do curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte).

Importante destacar as percepções de alguns jovens, em ambos os grupos, que rejeitam a associação do direito à voz como tradução da participação política eleitoral. Consideram que o argumento reafirma o sentimento de impotência que as novas gerações sentem atualmente: como se não tivessem voz fora do processo político clássico. Quando, o que se observa é que cada vez mais, tendem a compreender a expressão de identidade, associada à política de estilo de vida. (HEBDIGE, 1979; CANCLINI, 1995; GIDDENS, 2002): Foi estranho... Quando escuto assim: “Seja ouvido” me veio a sensação de que os jovens não são ouvidos fora do período eleitoral. Acho que reforça aquela sensação que os jovens só pensam em banalidades – tanto que o grupo está em frente da escola “jogando conversa fora e param pra olhar pro corpo de uma menina bonita.” (Rapaz, 17 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, Zona Sul).


81 Eu achei que passou assim: que sem o título nós não somos ninguém. Sei lá.. Acho que os jovens se sentem mal com essa fala (Moça, 18 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte).

Outras interpretações são mais evidentes entre os jovens de classe C, do curso prévestibular comunitário, de Pilares. Alguns também não gostam do filme porque não revela quais seriam os efetivos benefícios dos jovens, ao participar da cena eleitoral. O argumento de que serão ouvidos não parece ser suficiente para seduzi-los. Dizem: Não é uma propaganda muito atraente. É bastante superficial quanto aos benefícios do voto do jovem que o comercial desejava mostrar. Só falar que o título de eleitor representa a voz do jovem é pouco (Moça, 18 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte). Achei fraco. Não dá foco na real importância do voto para os jovens (Rapaz, 22 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte). Achei pobre o argumento de que quem não tem título não tem voz. Hoje, mesmo com o voto nas mãos nós não achamos que podemos lutar por uma sociedade mais digna, os políticos não são confiáveis (Moça, 22 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte).

A segunda tendência observada é de “leituras negociadas.” Ocorre quando os (as) jovens entrevistados (as) salientam certos elementos da linguagem audiovisual que os mobilizaram, no entanto, fazem outras releituras da proposição dominante. Destacam os momentos que os seduziram: registros de cenário, personagens e tramas que chamaram sua atenção. Há relatos sobre a ambientação na escola, por exemplo, e o esforço de associar a proposta de politização ao ambiente escolar. Contudo, não percebem no conteúdo do filme, potencial para mobilização eleitoral dos jovens. A falta de crença na classe política é motivadora da posição. Contudo, destaca-se que as observações aqui, são de jovens de classes A/B, como ilustram os depoimentos: Gostei porque mostra o cotidiano do jovem, a escola, e neste espaço dá valor ao jovem como eleitor. O problema hoje é o grande desinteresse. Será que o jovem ainda dá valor pra política... acho que a gente não acredita nos políticos..são todos farinha do mesmo saco (Rapaz, 22 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, Zona Sul). É interessante mostrar a escola como ambiente onde se pode ser politizado. Não é por acaso que todos estão de uniforme. Eu gostei disso. Mas de qualquer forma não parece corresponder ao real, hoje


82 os jovens não estão nem aí pra política (Moça, 18 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, Zona Sul).

Outro recurso de linguagem que cria mobilização é a representação do feminino no filme. A ideia de evocar o signo da “menina engajada”, em oposição aos meninos, que não têm voz, é interpretada de modo ambíguo. Tal proposta, certamente, agrada à linha de pesquisa pós-feminista dos estudos culturais. Provavelmente McRobbie (2000) afirmaria que tal leitura tem valor por garantir uma representação contra-hegemônica da imagem da mulher jovem nos discursos midiáticos, onde é sempre retratada como menos atraída pelo universo político, do que os homens. A leitura do filme do TSE iria, portanto, na contramão dessa visão dominante. Alguns (as) jovens entrevistados (as) nos grupos focais elogiaram essa mesma tendência e afirmaram que há um discurso dominante revelando que a figura feminina tem menos engajamento político, do que os homens. Nesse sentido, o filme funcionaria como quebra de rótulo. Observa-se, portanto, maior motivação para o debate entre as moças entrevistadas. De qualquer forma, mesmo reconhecendo a relevância da representação da “menina engajada”, há indagações sobre a validade desse argumento: Achei interessante usar uma menina bonita que foi a única que tirou o seu título de eleitor. Eles querem dizer: que tá na moda é quem é engajado na política. Mas será? O jovem que tá na moda hoje é quem participa da política ou quem é mais popular na escola porque joga bola, tem uma banda ou é bonito? (Rapaz, 18 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, Zona Sul). Eu gostei de ser uma menina que pode ser ouvida. E os outros meninos não. Legal que ela foi a primeira a tirar o título de eleitor, mas será que isso garante que ela vai ser ouvida? (Moça, 16 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, Zona Sul). Acho que decidiram escolher uma menina porque as mulheres demoraram mais pra ter direito ao voto do que os homens. E até hoje elas são menos interessadas em política (Moça, 19 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte).

No entanto, outros (as) informantes não acreditam na proposição menina bonita = menina engajada e visualizam a cena como reforço da aura de impotência que circula nos discursos associados às novas gerações. É revelador quando desqualificam a vinculação do título eleitoral, ao direito de ser ouvido (a):


83 Não me tocou muito. A relação entre “menina bonita = menina engajada” não foi muito feliz em minha opinião. Acho que quiseram dizer assim: se você votar você é cool, mais inteligente e maduro. Mas pensa bem...qual é o jovem que vai achar seu amigo inteligente e maduro por que decidiu votar? Isso já era (Moça, 20 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, Zona Sul). Esse filme me passou uma sensação estranha, mas não relacionada à questão de não possuir título de eleitor e sim a impressão de que sendo mulher, mesmo com o título, eu não seria ouvida (Rapaz, 17 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, Zona Sul). Acho que esse filme diz assim: sem o título vocês não são ninguém. Então tentam convencer o jovem a votar assim. Mas acho que no fundo tá ferindo o sentimento dos jovens que já pensam que não tem valor na sociedade (Moça, 19 anos, classe C, estudante de curso prévestibular comunitário, Pilares, Zona Norte).

Em terceiro plano, aparecem as “leituras dominantes - hegemônicas”, em conformidade com as intenções dos produtores da mensagem. Pouquíssimos se sensibilizam com a expressão: “Seu Título deEeleitor é a sua voz”. Trata-se de um conceito que não está internalizado nos discursos dos (as) jovens participantes dos grupos focais. Ainda assim, é possível verificar espaços para conexão com as culturas juvenis quando se fala no “direito de ser ouvido”. Há quem ressalte, em ambos os grupos, que é o ponto mais alto do filme: Todo o jovem quer ser ouvido, né? Acho que falar nisso chama atenção da gente hoje em dia. (Moça, 19 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte). Achei o comercial leve e criativo. Foi colocada a importância que o voto pode ter na vida do jovem e não a importância do jovem na votação. Quando diz que o jovem quer ser ouvido, ele quer ser cobrado em suas responsabilidades, mas principalmente quer que respeitem sua opinião. (Rapaz, 20 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte). Quando fala em direito de ser ouvido é legal, mas isso não tem nada haver com tirar o título de eleitor (Rapaz, 18 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, RJ, Zona Sul). Passa a sensação que o título de eleitor é uma forma de sermos ouvidos, de expor nossas ideias e escolher o político que se identifica com nossas ideias e necessidades (Moça, 21 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte).

É interessante observar, nas falas dos (as) informantes, a confirmação de que as novas gerações reivindicam o direito de ter espaço de expressão de suas ideias, pensamentos e visões de mundo. Esse dado reforça o argumento de que estão em busca


84 de processos de abertura para suas expressões. O problema, que mais uma vez se coloca, é a ausência de identidade com as instituições clássicas de representação política. Suas marcas expressivas não estão nos movimentos de classe tradicionais (partidos, grêmios associativos, sindicatos). O conceito central do filme é comunicar ao jovem que “seu Título de Eleitor é a sua voz”. Tal premissa pode ser questionada ao se levar a sério as sondagens de opinião que apontam para as fragilidades dos modos clássicos de representação da política, na visão das culturas juvenis. Estas não se veem representadas no ambiente da política eleitoral contemporânea brasileira. Vocalizam seu poder de expressão através de outros modos de enunciação, experimentando comportamentos codificados nas políticas de identidade: através de suas mediações na cena do consumo (HEBDIGE, 1979). Ou ainda, participando de políticas de engajamento em fragmentos, em defesa de movimentos ecológicos ou sociais, como bem observou Janine (2004). Portanto, a associação entre ausência de voz, como consequência da negação da participação na cena política tradicional, não revela o ambiente sociocultural em que estão imersos os jovens de hoje em dia. Há, no entanto, demandas para que suas opiniões tenham visibilidade e possam se associar aos desejos de outros, garantindo um processo de socialização de vontades. Esse fato reforça o argumento de que as novas gerações entendem a politização a partir de outro lugar e por isso, elegem novas esferas para manifestação de seus sentidos de contestação ou adesão. A energia necessária para as políticas de engajamento existe, mas parece cada vez mais, deslocada dos espaços convencionais da política tradicional. É nesse momento que, nos dois grupos, os debates caminham para os discursos sobre outras formas de manifestação de sentido político que estão fora dessa tradição clássica. Voltam a questionar em quais lugares na sociedade contemporânea os jovens têm voz. Os depoimentos a seguir são reveladores da tendência: Acho que a gente marca o nosso lugar escolhendo os produtos que a gente usa: se eu quero protestar contra um desastre ecológico eu compro uma blusa do Greenpeace. (Rapaz, 20 anos, classes A/B, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte). Eu acho que cada vez mais nós deixamos nossas marcas no modo como a gente se veste, sei lá...as músicas que a gente ouve..são escolhas..né..de tipo de vida. Eu, por exemplo, sou fã do Hip Hop e me expresso assim. (Rapaz, 20 anos, classe C, estudante de curso prévestibular comunitário, Pilares, Zona Norte).


85 Gosto muito de vestir a minha camisa do Che Guevara. É o meu modo de protestar contra a classe política que ta aí. Sei que é uma atitude individual, mas é o meu modo de dizer o que penso. (Rapaz, 20 anos, classes A/B, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte). Po...se eu to indignado com alguma coisa eu escrevo no meu blog..posto umas imagens de revolta e sei que meus amigos vão ver. (Moça, 19 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte). Eu faço o seguinte se quero protestar... escrevo ao lado do meu nome no MSN uma mensagem..todos os meus amigos vão ler. (Moça, 17 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, Zona Sul). Toda a vez que eu compro um All Star eu penso: aqui vai ser um lugar em que eu e meus amigos podemos dizer o que a gente pensa. Então todos os meus tênis têm frases que são manifestos importantes que orientam a vida da galera que anda comigo. (Rapaz, 18 anos, classes A/B, estudante do ensino médio, Zona Sul). Andei um tempo praticando o grafitte. Acho que hoje é um modo do jovem mostrar sua voz. Os desenhos são irados. E tem sempre a ideia de uma vontade de falar das coisas que a gente sente. (Rapaz, 20 anos, classe C, estudante de curso pré-vestibular comunitário, Pilares, Zona Norte).

A leitura dos dados sugere que Canclini (1995) está certo ao afirmar que os novos sentidos de produção política passam pela mediação do consumo. Especialmente, ao se considerar as expressões juvenis. A questão é que tal projeto de participação se vincula fortemente à política de um projeto de autoidentidade dos sujeitos, conectados aos outros por um exercício de deliberação que parte do “eu”, enquanto centro. Assim, é possível se falar em reconfiguração do sentido de participação política que se afasta do modelo centrado em uma perspectiva discursiva, colocando o outro e a ordem social, em primeiro plano. A linha de comunicação, portanto, da Fundação Padre Anchieta não é muito instigante para a juventude. Não há como mobilizar os jovens na alta modernidade convocando-os para a ideia de que, sem participação política no processo eleitoral, o jovem não tem voz. O Título de Eleitor é pouco visto como o símbolo da mediação da identidade ou da garantia de cidadania. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS


86 As constatações da pesquisa são indícios reveladores dos valores estruturantes das culturas juvenis, na contemporaneidade. A emergência do culto ao individualismo incentivou o retraimento da participação na esfera pública convencional. As diversas ideologias de agenciamento do self, produzidas no século XX – desde a popularização da psicanálise, até as publicações editoriais de auto-ajuda ou programas de televisão destinados ao grande público que ancoram seus discursos nas narrativas biográficas, nos investimentos de aconselhamentos terapêuticos na mídia - estimulam a replicação dos discursos sobre as subjetividades e da interação social, sob o enfoque de expressão da autoidentidade. (SENNETT, 1988; TAYLOR, 1992). A centralidade nos valores individuais na alta modernidade tira do primeiro plano os laços dos jovens para vivências da solidariedade, do olhar para o outro e da valorização do bem comum, nas formas em que são entendidos na tradição clássica. Portanto, são tendências que explicam por que o campo da política “está em baixa” na hierarquia de valores das novas gerações. Contudo, novas redes de sociabilidades se configuram partindo do ponto de vista que sujeitos sociais se colocam em interação para exercer seus direitos de expressão de autoidentidade. O delineamento de uma nova paisagem de expressão política tem ressonância para expressão pessoal dos indivíduos. Essa tendência emergente do estímulo à participação no mundo público, em muitas circunstâncias, causa estranhamento por que se baseia em uma lógica da expressão dos desejos privados, que, postos em interação, sensibilizam para adesão coletiva. Giddens (2002, p. 197) afirma que o projeto político em curso é o de adoção de políticas-vida, conceito que pode ser assim interpretado: “a partir dos processos de autorrealização em contextos pós-tradicionais, as influências globalizantes penetram profundamente no projeto reflexivo do eu e, inversamente, onde os processos de autorrealização influenciam as estratégias globais”. Por isso, alinha-se à noção de que existe um senso de sociabilidade da juventude, mas que se organiza como um “coletivo de eus”. Ou seja, indivíduos que, partindo do desejo de expressão de suas subjetividades, engajam-se em cenários de sociabilidade para participação em causas pontuais, em micronarrativas de interesse público. Assim, tal cenário requer novos investimentos das instituições clássicas de representação política, que precisam reordenar seus discursos para gerar conexões fortes com as novas gerações. Trata-se, sem dúvida, de um desafio de suma importância para o fortalecimento da democracia representativa para a segunda década do novo milênio.


87 4 REFERÊNCIAS: ALBUQUERQUE, Afonso. A batalha pela presidência: o horário gratuito de propaganda eleitoral na campanha de 1989. Tese. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Comunicação. Ano 1996. ____. Advertising ou propaganda? O audiovisual político brasileiro numa perspectiva comparativa. Disponível em: http://publique.rdc.pucrio.br/revistaalceu/media/alceu_n10_albuquerque.pdf. Acesso em: 10 ago. 2008. ALDÉ, Alessandra. A construção da política - democracia, cidadania e meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: FGV, 2004. CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. CASTRO, Lucia Rabello. A aventura urbana. Crianças e jovens no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Viveiros de Castro, 2004. CORNER, John. “Mediated persona and political culture”. In: Media and the restyling of politics, p. 67-84. London: Sage, 2003. ____. Studying media: problems of theory and method. Edimburgo: Edinburgh University Press, 1998. FREIRE FILHO, João. Reinvenções da resistência juvenil. Os estudos culturais e as micropolíticas do cotidiano. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. GOMES, Itânia M.M. Efeito e recepção: a interpretação do processo receptivo em duas tradições de investigação sobre os media. Rio de Janeiro: E-Papers, 2004. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. HALL, Stuart. Da diáspora. Identidades e mediações culturais. (org. Liv SOVIK). Belo Horizonte UFMG/Brasília: UNESCO, 2003. ____. Encoding/decoding. In: DURING, Simon (ed.). The cultural studies reader. 4o ed., p. 90-103. London: Routledge, 1997 [1973]. ____.The television discourse - encoding and decoding. In: GRAY, Ann; McGUIGAN, Jim (org.) Studies in culture: An introductory reader, p. 28-34. Londres: Arnold, 1997. HEBDIGE, Dick. Subculture: the meaning of style. Londres: Methuen, 1979. INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ESTATÍSTICAS (IBASE); POLIS. Juventude brasileira e democracia: participação, esferas e políticas públicas. Rio de Janeiro: Ibase, 2005.


88 INSTITUTO CIDADANIA. Projeto juventude - documento de conclusão - Versão Final. Fundação Perseu Abramo. São Paulo, dezembro de 2004. Disponível em: http://www2.fpa.org.br/conteudo/conheca-o-projeto-juventude-criado-pelo-institutocidadania. Acesso em: 10 agosto de 2009. JANINE, Renato. Política e juventude: o que fica desta energia. In: NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo (org.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação, p. 19 -35. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. SENNETT, Richard. O declínio do homem público: tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. TAYLOR, Charles. Ethics of authenticity. Harvard: Harvard University Press, 1992. ____. As fontes do self. A construção da identidade moderna. 7º. ed. São Paulo: Loyola, 1994.


89 AS PESQUISAS ELEITORAIS COMO INFORMAÇÃO ESTRATÉGICA LAS ENCUESTAS ELECTORALES COMO INFORMACIÓN ESTRATÉGICA ELECTORAL POLLING AS STRATEGIC INFORMATION Geraldo Tadeu Moreira MONTEIRO1 RESUMO O artigo tem por objetivo demonstrar a importância do uso racional das pesquisas eleitorais como fontes privilegiadas de informação estratégica para o planejamento e o acompanhamento de uma campanha eleitoral. Após definir pesquisa eleitoral, seus principais métodos e técnicas, o artigo argumenta que a pesquisa fornece informação inédita, isenta, única e exclusiva que permite ao candidato um permanente processo de ajustes nos objetivos e nas ações eleitorais. Por fim, o autor apresenta uma proposta de utilização de um programa de pesquisas eleitorais ao longo da campanha eleitoral. PALAVRAS-CHAVE: pesquisa eleitoral; informação; campanha eleitoral. ABSTRACT The article aims at demonstrating the importance of a rational use of electoral polling as a privileged source of strategic information for planning and monitoring an electoral campaign. After defining electoral polling, its main methods and techniques, it argues that polls provide fresh, value free, unique and exclusive information that allows for a permanent process of adjustments in the electoral objectives and actions. By the end, the author presents a proposal of a program of electoral polling along the electoral campaign. KEYWORDS: Electoral polling; information; electoral campaign. RESUMEN El articulo tiene como objetivo demostrar la importancia de La utilización racional de las encuestas electorales como fuentes privilegiadas de información estratégica para la planificación así que el acompañamiento de una campaña electoral. Después de definir encuesta electoral, sus principales métodos y técnicas, el articulo argumenta que la encuesta proporciona información sin precedentes, libre, única y exclusiva, lo que permite un proceso permanente de ajustes en los objetivos y en las acciones electorales. Al fin, el autor presenta una propuesta de un programa de encuestas electorales a lo largo de la campaña electoral. PALABRAS- CLAVE: encuesta electoral; información; campaña electoral.

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Cientista Político, Mestre em Sociologia Política pela Universidade de Paris I, Doutor em Direito pela UERJ, Diretor-Presidente do IBPS (Instituto Brasileiro de Pesquisa Social), DiretorExecutivo e Professor Titular do Mestrado e Doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais do IUPERJ/UCAM (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).


90 1 INTRODUÇÃO Na cultura política brasileira, o público tem uma visão contraditória a respeito das pesquisas eleitorais. Por um lado, ele as espera com ansiedade pela transparência que introduzem, fornecendo ao eleitor, uma informação real sobre o estado da disputa eleitoral. Por outro lado, são vistas como um desserviço à Democracia ao apontar, desde o princípio, prováveis vencedores e vencidos, comprometendo assim, a livre-escolha do eleitor. Existem entre os políticos três atitudes muito comuns em relação às pesquisas: morna aprovação, indiferença ou franca oposição. Essas não são, porém, baseadas em convicções filosóficas, mas tão somente em considerações de conveniência eleitoral: quando o candidato está liderando as pesquisas, morna aprovação (discurso-tipo: “isso é um reconhecimento do nosso trabalho”); quando está estagnado nas pesquisas, indiferença (discurso-tipo: “não me guio por pesquisas”); finalmente, quando está caindo, franca oposição (discurso-tipo: “essas pesquisas são suspeitas”). Não é por outra razão que, tornando-se legisladores, muitos políticos ressentidos resolvam “ir à forra” apresentando Projetos de Lei para limitar ou proibir, a divulgação de pesquisas eleitorais2. Essa breve introdução ao tema mostra como a Pesquisa Eleitoral é alvo de polêmica, o que, por si só, já é indicativo de sua importância nas corridas eleitorais. No entanto, um indício não é suficiente para comprovar sua relevância. Este artigo tem por objetivo justamente, demonstrar que a Pesquisa Eleitoral é um instrumento muito valioso para o estabelecimento de uma estratégia eleitoral consistente e para o acompanhamento e gerenciamento de uma campanha.

2 A PESQUISA ELEITORAL

Importa esclarecer, desde o início, o que é Pesquisa Eleitoral, quais são seus alicerces teóricos e metodológicos e qual o seu alcance. Argumenta-se que ela é um 2

Em julho de 2010, havia mais de 70 Projetos de Lei na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para limitar, regular ou proibir a divulgação de pesquisas eleitorais. Entre as mais exóticas, encontra-se a PL 7383/2010, do Deputado Colbert Martins (PMDB-BA), que estabelece “margem de erro de 1%” como obrigatória.


91 instrumento bem rodado, com métodos e técnicas científicos de trabalho e que, se não pode tudo, pode alguma coisa. A Pesquisa Eleitoral se define como um trabalho de investigação social de opinião, realizado segundo métodos científicos, sobre conhecimento, motivações, atitudes, crenças, valores, opiniões ou intenções dos eleitores. Um trabalho de investigação social de opinião é uma busca por dados, contidos na cabeça dos eleitores, extraídos de acordo com métodos e técnicas racionais para que garantam a lisura das informações obtidas. A única maneira de se descobrir o que “pensam” os eleitores é perguntando-lhes, mas, de uma maneira que não distorçam sua resposta. Por isso, são usados os métodos científicos, com mecanismos de controle sobre a confiabilidade dos resultados da pesquisa. Os métodos de pesquisa dividem-se em quantitativos e qualitativos. Os métodos quantitativos privilegiam a generalidade da informação, estabelecem características comuns a várias informações e tentam desvendar a regularidade das ações humanas. A técnica de pesquisa por excelência, neste caso, é a pesquisa por amostragem. Os métodos qualitativos, por sua vez, são os que enfatizam a especificidade da informação e que apreendem o processo social de construção de significações pelos indivíduos, buscando entender como elas influem sobre suas ações. As técnicas de pesquisa, neste contexto, são variadas: grupos de discussão, entrevistas em profundidade, observação direta ou participante. Em suma, os métodos quantitativos estabelecem o “que são” as ações humanas, enquanto que os métodos qualitativos estabelecem “como elas se constroem”. A Pesquisa Eleitoral, como toda técnica de pesquisa, não produz certezas, apenas, apresenta indicações baseadas na mera probabilidade. Quando se analisam as “intenções” de voto dos indivíduos, deve-se lembrar que se configuram como intentos que podem ser revistos a qualquer momento. Embora se saiba por experiência, que os indivíduos tendem a fazer aquilo que dizem que vão fazer, sempre existe um conteúdo de incerteza nos prognósticos eleitorais, uma vez que é possível mudar o contexto da disputa ou a percepção sobre os candidatos. Qualquer previsão de resultados eleitorais deve ser feita no condicional: “mantidas as condições atuais, se as eleições fossem hoje, o candidato A venceria o candidato B por um valor próximo a X pontos percentuais, respeitada a margem de erro máxima de Y% para a pesquisa”.


92 A pesquisa não tem inclusive, o grau de influência que muitos costumam lhe atribuir. Na verdade, os que pensam que “o brasileiro gosta de votar em quem está na frente” e que, por isso, as pesquisas contribuiriam para falsificar a verdadeira expressão da vontade popular, falam sem qualquer base empírica. Pesquisa realizada pelo IBPS, em 2008, mostrou que somente 9,2% dos entrevistados tinham conhecimento das pesquisas e que só 6,8% sabiam do percentual de intenção de votos do seu candidato. A pesquisa revelou ainda que apenas 6,3% dos eleitores deixariam de votar em seu candidato, caso as pesquisas não mostrassem chances de vitória e que outros 4,3% admitiram não ter dúvidas em votar naquele que estivesse em primeiro lugar nas pesquisas. Portanto, até que provem o contrário, não é verdade que o brasileiro vota ou deixe de votar, em um candidato por seu desempenho nas pesquisas eleitorais. A Pesquisa Eleitoral é exclusivamente um instrumento, ainda que poderoso, de conhecimento da realidade social. Ela não tem o condão de predizer, com certeza, os resultados da eleição nem mesmo, o de determiná-lo. Ela fornece informação confiável e estratégica para a condução da campanha em um ambiente de grande incerteza, como é uma campanha eleitoral. Pesquisa é, em todos os sentidos, o melhor investimento que um candidato pode fazer para atingir seus objetivos.

3 O USO DAS PESQUISAS ELEITORAIS NA CAMPANHA

É importante que todo candidato procure, em algum momento pelo menos, do seu projeto eleitoral, realizar uma pesquisa para saber se (ou quanto) o seu potencial eleitorado o conhece, que imagem tem dele e de sua candidatura, se aprecia suas ações e seus discursos, por que as aprecia ou rejeita, entre outras avaliações de interesse. Podese afirmar que realizar um projeto eleitoral sem pesquisa, é como tentar pousar um avião em noite de chuva e vento, sem o auxílio de aparelhos: pode até dar certo. A importância da pesquisa para o planejamento e para o acompanhamento de um projeto eleitoral depende de alguns fatores, como de informação: 1) Inédita (nova). 2) Isenta, não comprometida por avaliações subjetivas.


93 3) Única e exclusiva, que naquele momento e naquele lugar só o candidato possui. 4) Profunda, isto é, que permite tirar várias conclusões. A Pesquisa Eleitoral tem muitas vantagens em relação a outras formas de informação disponíveis para favorecer o projeto eleitoral. Em primeiro lugar, a pesquisa gera informação de primeira mão, ou seja, não vem de outras fontes, diminuindo a possibilidade de erro ou má interpretação. Por exemplo, quando se lê em um jornal que os moradores de um bairro reclamam da falta de policiamento, “se aceita” o relato do jornalista e “se acredita” que aquela é uma importante reivindicação daquelas pessoas. Essa é uma informação de segunda mão. Ao se realizar uma pesquisa com os moradores daquele bairro, é possível descobrir que, antes do problema do policiamento, outros temas são mais urgentes para eles: falta de posto de saúde, de coleta de lixo, esgoto a céu aberto, entre outros. Também é muito comum em campanhas, que cabos eleitorais, responsáveis pelo trabalho de mobilização em determinadas áreas, tragam para a coordenação de campanha, relatórios bastante favoráveis da situação que, no mais das vezes, revelam-se simplesmente mentirosos, quando se abrem as urnas. Em pesquisa feita pelo IBPS, nas eleições 2010, para um importante candidato a Deputado Federal do Rio de Janeiro, descobriu-se que, dos dez candidatos a Deputado Estadual, coligados com o cliente, apenas um estava efetivamente pedindo votos para ele. Em segundo lugar, pesquisa é informação isenta. É preciso se lembrar que a decisão final sobre a eleição (ou não) do candidato é tomada pelo eleitor, na solidão da cabine eleitoral e que, embora muitos digam (por educação ou simplesmente para “se livrar” dele) que vão votar nele, isso poderá não acontecer. Já para um pesquisador desconhecido, que faz perguntas sem distorção e que garante sigilo, o entrevistado se sente mais à vontade para responder, de acordo com sua consciência. A experiência dos pesquisadores mostra que, se não houver nenhuma recompensa ou ameaça pesando para uma determinada resposta, o entrevistado sempre responde honestamente, isto é, de acordo com sua percepção e intenção naquele momento. A chamada Lei dos Grandes Números, por outro lado, também assegura que eventuais “mentiras” em relação a uma resposta são compensadas por mentiras relacionadas a outras respostas, já que a probabilidade dessas ações converge para a média. Assim, se o entrevistado A mentir dizendo que vai votar no candidato X (quando


94 sua real intenção é votar em Y), outro entrevistado (B), por seu lado, pode mentir em sentido contrário, afirmando que vai votar no candidato Y (mesmo que sua real intenção seja votar em X). Ou seja, uma mentira anula a outra. Em terceiro lugar, a informação é apenas de quem a solicitou, única e exclusiva. Os resultados de uma pesquisa são únicos, porque cada uma delas retrata um determinado momento da campanha eleitoral e são exclusivos, porque só a campanha do cliente tem acesso a eles. A enorme vantagem que reside em conhecer exatamente o que acontece com o eleitorado, naquele momento, resulta, provavelmente, em ações extremamente eficazes para uma campanha que sabe incorporar essa informação às suas ações eleitorais. Uma pesquisa não fornece resultados somente sobre a campanha de quem a encomendou, mas também sobre as campanhas dos outros, o que pode render dividendos políticos com aliados. Ainda que se tenha demonstrado que a Pesquisa Eleitoral não é capaz de mudar substancialmente, as intenções de voto dos eleitores em seus candidatos, a Lei Eleitoral e a Justiça Eleitoral (através de resoluções exaradas em vista do processo eleitoral) disciplinam rigidamente a “divulgação” de pesquisas. A divulgação de qualquer resultado de Pesquisa Eleitoral é precedida de seu devido registro junto ao órgão da Justiça Eleitoral competente (TSE para pesquisas nacionais, TREs para pesquisas estaduais e Juízes eleitorais das comarcas para pesquisas municipais), nos termos do Art. 33i3 da Lei nº 9.504/97, consideradas as Resoluções baixadas pelo TSE para

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Das Pesquisas e Testes Pré-Eleitorais

Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações: I - quem contratou a pesquisa; II - valor e origem dos recursos despendidos no trabalho; III - metodologia e período de realização da pesquisa; IV - plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho, intervalo de confiança e margem de erro; V - sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo; VI - questionário completo aplicado ou a ser aplicado; VII - o nome de quem pagou pela realização do trabalho. § 1º As informações relativas às pesquisas serão registradas nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais compete fazer o registro dos candidatos. § 2º A Justiça Eleitoral afixará no prazo de vinte e quatro horas, no local de costume, bem como divulgará em seu sítio na internet, aviso comunicando o registro das informações a que se refere este


95 regulamentar o processo de registro. Cumpre ressaltar que o que é exigido por Lei é apenas o registro “para fins de divulgação dos resultados”. Alguns juízes têm erroneamente, interpretado extensivamente esse dispositivo para exigir registro prévio para a mera realização de pesquisas. A realização de pesquisas é livre e somente a sua divulgação é objeto de tutela jurídica. Relacionam-se, a seguir, duas importantes sugestões para essa área: 1) Não contratar instituto ou profissional não habilitado a realizar pesquisas, pois, um resultado errado pode levar o candidato a tomar decisões irreversíveis em sua campanha. Já se presenciou ao menos, um bom candidato a prefeito ser derrotado porque, a despeito de pesquisas independentes mostrarem que ele estava perdendo, ele insistia em dizer que o “seu” instituto dizia o contrário. 2) Contratar pesquisa, nunca, o resultado. Além de desserviço à Democracia (pois aumenta a desconfiança do cidadão comum em relação ao processo eleitoral), a divulgação de pesquisa fraudulenta é crime (Lei nº 9.504/97, Art. 33, § 4º) e sujeita seus responsáveis à pena de seis meses a um ano de detenção. Finalmente, a pesquisa traz muita informação. Por mais simples que seja o questionário, a comparação dos seus resultados com as características do entrevistado, permite um grande número de combinações. A título de exemplo, ao se fazer um questionário com quatro perguntas (conhece o candidato? aprecia as propostas do artigo, colocando-as à disposição dos partidos ou coligações com candidatos ao pleito, os quais a elas terão livre acesso pelo prazo de 30 (trinta) dias. § 3º A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinqüenta mil a cem mil UFIR. § 4º A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de cinqüenta mil a cem mil UFIR. Art. 34. (VETADO) § 1º Mediante requerimento à Justiça Eleitoral, os partidos poderão ter acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da coleta de dados das entidades que divulgaram pesquisas de opinião relativas às eleições, incluídos os referentes à identificação dos entrevistadores e, por meio de escolha livre e aleatória de planilhas individuais, mapas ou equivalentes, confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade dos respondentes. § 2º O não-cumprimento do disposto neste artigo ou qualquer ato que vise a retardar, impedir ou dificultar a ação fiscalizadora dos partidos constitui crime, punível com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR. § 3º A comprovação de irregularidade nos dados publicados sujeita os responsáveis às penas mencionadas no parágrafo anterior, sem prejuízo da obrigatoriedade da veiculação dos dados corretos no mesmo espaço, local, horário, página, caracteres e outros elementos de destaque, de acordo com o veículo usado. Art. 35. Pelos crimes definidos nos arts. 33, §§ 4º e 34, §§ 2º e 3º, podem ser responsabilizados penalmente os representantes legais da empresa ou entidade de pesquisa e do órgão veiculador.


96 candidato? tem intenção de votar no candidato? em qual candidato jamais votaria?) com sete critérios de identificação do entrevistado (sexo, idade, renda, escolaridade, local de votação, ocupação e religião), já resultaria em até 210 tabelas de resultados possíveis. Recomenda-se, no entanto, que as pesquisas produzam apenas informações úteis à campanha. Não adianta perguntar aos eleitores de um vereador, por exemplo, se são favoráveis às sanções econômicas contra o Irã. É relevante focar a pesquisa naquilo que está diretamente ligado ao projeto eleitoral. É indispensável priorizar a identificação dos problemas e demandas dos eleitores, suas opiniões sobre temas de campanha e suas intenções de voto, sendo este o objetivo final de todo o projeto eleitoral. Na pré-campanha ou no início da campanha, convém investir em pesquisas qualitativas4, ou quantitativas5 exploratórias, porque elas captam informações mais subjetivas sobre o perfil do candidato ou mais gerais, sobre o posicionamento estratégico da campanha. As pesquisas qualitativas estimulam os eleitores a se expressarem mais livremente sobre a definição da situação política, a percepção, a imagem e sobre características pessoais (atitude, traços da personalidade, modos de falar, postura, entre outros) do (a) candidato (a). As pesquisas quantitativas exploratórias destinam-se a fazer “explorações” junto à opinião pública, testando temáticas, propostas e características do (a) candidato (a). Nesse caso, o pesquisador estará menos interessado na intenção de voto no (a) candidato (a) e mais atento, às suas possibilidades de crescimento. Numa pesquisa hipotética para um (a) candidato (a) negro (a) que defende um maior investimento na área da cultura, é mais importante, por um lado, avaliar o grau de importância que as pessoas dão à cultura; se aprovam um maior investimento nessa 4

As pesquisas qualitativas são variadas técnicas de investigação que exploram os significados que as pessoas dão a determinados objetos (pessoas, eventos, produtos, processos etc.). As “qualis”, como são comumente chamadas, servem à exploração do perfil de candidato ideal, da apreciação das características da candidatura, para identificação de traços da personalidade do candidato que mais impactam na mente do eleitor, entre outros temas. 5

As pesquisas quantitativas (ou simplesmente, “quantis”) são técnicas de investigação sociais, realizadas a partir da análise da amostra de uma população (conjunto de pessoas que compartilham, pelo menos, uma característica, p. ex.: eleitores). A amostra pode ser extraída mediante diferentes técnicas de amostragem, seja de tipo probabilístico ou não-­‐probabilístico. Toda tentativa de reproduzir uma população, por uma parte dela, comporta uma probabilidade de erro, evidência que se representa em estatística pela “margem de erro”, que é a variação máxima admitida pelo pesquisador, em relação ao resultado obtido.


97 área; se preferem cultura popular ou erudita e, por outro, se acreditam que o fator étnico é importante na hora de escolher um (a) candidato (a); se estão dispostos a votar em um (a) candidato (a) negro (a) e, finalmente, se votam em um (a) candidato (a) negro (a) que defende maior investimento em cultura. Com essas informações, é possível estabelecer o espaço de crescimento do (a) candidato (a) e encontrar as estratégias mais adequadas para alcançar esse patamar. Na fase intermediária da campanha, é relevante empregar pesquisas quantitativas e qualitativas para acompanhar a evolução do projeto eleitoral. Com base nas informações dadas pelos resultados dessas pesquisas, é viável avaliar se está atingindo os objetivos, cumprindo as etapas estabelecidas e que estimativa de intenção de voto se tem a cada momento. As pesquisas qualitativas podem ser usadas para testar a reação dos eleitores a determinadas ações ou propostas que o (a) candidato ( a) pretenda fazer ou, no caso das campanhas majoritárias, para avaliar o impacto do Horário Eleitoral na percepção e nas intenções de voto e para analisar o desempenho do (a) candidato (a) nos debates, pela televisão ou no rádio. O IBPS já disponibiliza, por exemplo, um painel online de eleitores que avaliam, minuto a minuto, o desempenho dos candidatos em debates eleitorais. É comum, nas grandes campanhas, a contratação de grupos de discussão com eleitores para se reunir no momento dos debates e fornecer um julgamento do desempenho dos candidatos em tempo real. Na fase final da campanha, nos últimos quinze dias, as pesquisas quantitativas são as mais eficazes. Esse momento é de ação e a pesquisa quanti fornece dados e números para balizar essas ações finais. São preferíveis pesquisas com a maior amostra e o menor questionário possíveis, pois o que importa, nesse estágio, é saber em quem o eleitor pretende votar e qual a estimativa de votos com a qual o (a) candidato (a) pode contar no dia da votação. A pesquisa, nesse caso, deve apontar claramente se o (a) candidato (a) tem intenção de voto suficiente para se eleger. Caso constate que a intenção de voto é mediana, isto é, que pode colocar o (a) candidato (a) no páreo, será necessário intensificar o trabalho, principalmente, nas regiões ou junto aos setores mais frágeis. Uma pesquisa pode indicar, por exemplo, que uma candidata, médica, saída dos movimentos pela saúde pública, não está conseguindo obter o voto dos profissionais de


98 saúde, o que mostraria que ela deveria focar seus esforços nessa população, ao invés de dispersar-se procurando outros grupos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, a Pesquisa Eleitoral é um instrumento importantíssimo, não somente na pré-campanha e no início da campanha, como ferramenta de estabelecimento de uma estratégia eleitoral e com planejamento racional das ações, mas, também, ao longo de todo o processo eleitoral, pois, ela permite o monitoramento das ações, ajustes permanentes e auxílio à estratégia de conquista de votos.

5 REFERÊNCIAS FIGUEIREDO, Rubens (org). Marketing político e persuasão eleitoral. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2004. MONTEIRO, Geraldo Tadeu Moreira. Manual do candidato às eleições. Rio de Janeiro: Gramma Editora, 2010. MONTEIRO, Geraldo Tadeu Moreira (org.). Manual prático de campanha eleitoral. Rio de Janeiro: Gramma, 2004. STONECASH, Jeffrey M. Political Polling. Strategic Information in Campaigns. New York: Rowman & Littlefield Publishers, 2003. THURBER, James A.; NELSON, Candice J. (Ed). Campaign Warriors. Political Consultants and Elections. Washington, D.C.: Brookings Institution Press, 2000.


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ENCUESTAS DE OPINIÓN PÚBLICA EN CAMPAÑAS ELECTORALES: ¿El comienzo del ocaso? PESQUISAS DE OPINIÃO PÚBLICA EM CAMPANHAS ELEITORAIS: começo do declínio? PUBLIC OPINION SURVEYS IN ELECTION CAMPAIGNS: the beginning of the decline? Daniel GUTIÉRREZ1 RESUMEN El presente trabajo aborda el análisis de uno de los principales insumos de una campaña electoral, las encuestas de opinión pública. Dentro del mismo, se hace un breve recorrido por la historia de los sondeos, posturas a favor y en contra respecto de la validez y el uso de las mismas desde la perspectiva de diversos autores como Mora y Araujo, Hentschel, Sartori, Habermas y Bourdieu, entre otros. Fundamentalmente se busca apreciar el aporte de las neurociencias, citando a Iacoboni y Braidot , y especialmente la neuropolítica, incorporando teóricos como Dan Schreiber introduciendo ésta como una herramienta fundamental al momento de evaluar la información política en épocas de elecciones. Este documento tiene por objeto central destacar las limitaciones que tienen hoy las encuestas y describir algunas prácticas cotidianas vinculadas a las encuestas que suelen no ser reflejadas por los textos. PALABRAS CLAVE: Opinión pública; encuestas; campañas electorales; neuropolítica; neurociencias. RESUMO O presente trabalho aborda a análise de um dos principais recursos de uma campanha eleitoral: as pesquisas de opinião pública. Assim, se faz um breve resgate histórico sobre as sondagens, posturas a favor e contra a validade do uso das mesmas na perspectiva de diversos autores como Mora e Araújo, Hentschel, Sartori, Habermas e Bourdieu, entre outros. Fundamentalmente, se busca apreciar o aporte da neurocência, citando Iacoboni e Braidot, e especialmente a neuropolítica, incorporando teóricos como Dan Schreiber introduzindo esta como uma ferramenta fundamental no momento de avaliar uma informação política no período eleitoral. Este artigo tem como objeto central destacar as limitações que tem hoje as pesquisas e descrever algumas prática cotidianas vinculadas às pesquisas que muitas vezes não estão inseridas nos textos. 1

Primer presidente del Consejo Profesional de Comunicación y Marketing Político la República Argentina - CON. Actualmente es el Director General de la Asociación Argentina de Marketing Político (AAMP), ha participado como consultor en diversas campañas electorales, institucionales y de difusión pública. Es Profesor Titular de las cátedras de “Análisis de la Opinión Pública” para las carreras de Periodismo, Publicidad y Relaciones Públicas de la Facultad de Ciencias de la Educación y de la Comunicación Social de la Universidad del Salvador y fue Profesor Adjunto de la cátedra de “Historia de las Campañas Políticas” en la Maestría de Marketing Político en la USAL. Es tutor de tesis de grado en la misma universidad.


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Palavras-chave: neurociencia.

opinião pública, pesquisas, campanhas eleitorais, neuropolítica,

1 INTRODUCCIÓN. Las campañas electorales modernas se actualizan permanentemente, conforme la competitividad cada vez más elevada de los contendientes y especialmente por la variabilidad de los electorados. Sin embargo, desde hace ya casi ochenta años, hay algo casi inalterable que tienen en común: más allá del dirigente que se postula y de los equipos de campaña que asesoran y orientan al candidato para que alcance su objetivo, las encuestas de opinión constituyen uno de los primeros pasos ineludibles al momento de comenzar a transitar esta misión. Tanto como sucede en el marketing comercial, es impensable abordar un mercado – sea comercial o electoral- sin contar con información previa y confiable, que nos permita identificar los actores además del “quien es quien” en cada escenario. El relevamiento del mismo brinda una que excede a las necesidades básicas de información de los candidatos, que parecieran sólo estar preocupados en la intención de voto y los niveles de conocimiento e imagen positiva que puedan tener los votantes. En general, se le asignan a la polls2 una variedad de funciones , que a lo largo de este capítulo serán desarrolladas con mayor profundidad. Nuestro objetivo será entonces, el de revisar algunos conceptos teóricos de los sondeos, su historia, su uso, su validez y sus críticas, incluyendo algunos factores que influyen en la efectividad de las mismas, a la hora de evaluar un mercado electoral real. 2 UN POCO DE HISTORIA. Las encuestas de opinión aparecen dentro de la tradición empírica del análisis de la opinión pública, considerando como punto de inflexión el nacimiento de las encuestas

2

Del inglés: encuestas.


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modernas. Según citan Rey Lennon y Piscitelli Murphy (2003)3, la idea de recurrir a informantes para que digan lo que le sucede a la población, puede encontrarse en el clásico “Las mil y una noches”, en donde el califa salía a recorrer las calles de Bagdad disfrazado de hombre común, para interiorizarse de las necesidades de su pueblo y conocer lo que opinaban de él. Por su parte Napoleón, agregan, recibía sistemáticamente y por escrito la opinión proveniente de doce personalidades con diferentes posturas políticas acerca de las acciones de su gobierno. En el siglo XVII aparece uno de los antecedentes de investigaciones sistemáticas más lejanos, en donde el comerciante en mercería John Graunt, realizaba los trabajos de “aritmética política” recopilando datos demográficos de nacimientos, casamientos y muertes en Londres. Ya a finales de ese siglo, Luis XIV ordena la gran encuesta, siendo que cada Intendente de Francia debía informar acerca de su región al monarca. Ya en el siglo XIX, aparecen también en ese país las “estadísticas morales”, que guardaban datos de crimen, suicidio, prostitución, ilegitimidad, entre otros datos. Es en el siglo XX en donde comienza a observarse un enfoque novedoso y diferente de la opinión pública. Ya escritores como Lowell en 1912 o Lippmann, en 1922, esbozaron algunas ideas que permitieran el estudio científico del problema, aunque fue en 1930 en donde se encaró finalmente este rumbo, según observan D’Adamo et al. (2007)4. Mientras la publicación norteamericana Literary Digest, allá por 1936 ya hacía dos décadas que acostumbraba a encuestar a sus electores antes de los comicios. En dicho año consultaron una vez más al público, según narran Rey Lennon y Piscitelli Murphy (2003) en su Pequeño Manual de Encuestas 5, siendo distribuidos diez millones de formularios y recolectándose alrededor de dos millones debidamente completados. Según la información obtenida por la revista, la victoria del candidato republicano iba a ser aplastante. Por otro lado, el presiente Franklin D. Roosevelt fue el primero en utilizar los servicios de un grupo de jóvenes investigadores, Gallup, Roper y Crossley, liderados por el profesor de la universidad de Iowa, George Gallup, quienes predijeron acertadamente el

3

REY LENNON, F.; PISCITELLI MURPHY, A. Pequeño manual de encuestas de opinión pública. Buenos Aires: La Crujía, 2003. 4 D’ADAMO, Orlando et al. Medios de comunicación y opinión pública. Madrid: McGraw/Hill, 2007. 5 REY LENNON, F.; PISCITELLI MURPHY, A. Op. cit.


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resultado final, es decir el triunfo de Roosevelt utilizando “nada más” que cuatro mil encuestas. A partir de ese momento, los investigadores comenzaron a registrar el estado de las opiniones de la población: Nielsen y el MIT6, experimentando en 1939 “la primera medición mecánica de audiencia radial” (D’ADAMO ET AL, 2000, p. 78)7. Sólo dos años antes se había creado la revista Public Opinion Quarterly, publicada por la prestigiosa School of Public Affairs de la Universidad de Princeton y por ese año, el matemático vienés luego devenido en sociólogo, Paul Lazarsfeld fue designado como Director General de la Office of Radio Research de dicha universidad, trasladándose ese proyecto en 1940 a la Universidad de Columbia, recuerdan D’Adamo et al. (2000). Fue en ese año en que Lazarsfeld realizó una investigación en Erie County, en la cual se incluía ya la metodología y características que esencialmente sostienen las encuestas aún hoy. Sobre una muestra de seiscientos casos repetida durante siete semanas, realiza una medición en Erie County, Ohio, un condado en que su media, representaba el voto de todo el país.8 En un trabajo publicado originariamente en 1953 denominado “The election is over”, Lazarsfeld (1953) detalla que obtuvo tres tipos de información: aquel que proviene de una encuesta corriente, la información obtenida en diferentes períodos de tiempo (que permitió analizar el paso del tiempo y la influencia de la propaganda) y por último las razones por la que aquellas personas habían cambiado su intención de voto. En esencia, fueron combinadas técnicas cuantitativas y cualitativas. Por otro lado, Lazarsfeld (1953) también determinó la existencia de tres factores sociales –filiación religiosa, categoría económica y residencia (urbana o rural)-, los que podían combinarse en un primer índice de predisposición política (IPP). Se observó también entonces la importante incidencia del grupo social en la intención del voto y los efectos de la comunicación política a lo largo de toda la campaña proselitista.

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MIT: Massachusetts Institute of Technologhy. D’ADAMO, Orlando et al. Medios de comunicación, efectos políticos y opinión pública. Una Imagen, ¿Vale más que mil palabras? Buenos Aires: Universidad de Begrano, 2000. 8 LAZARSFELD, Paul F. “La campaña electoral ha terminado”. En: MORAGAS, M. (editor). Sociología de la comunicación de masas. Tomo III, Propaganda política y opinión pública. Barcelona: Gustavo Gili. 2001 7


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Esta

nueva

perspectiva,

dicen

D’Adamo

et

al.

(2000),

renovó

viejas

conceptualizaciones, pasándose de lo colectivo a lo individual y, fundamentalmente, comprender que las preferencias de la gente, pueden cambiar de momento a momento. 3 PERSPECTIVAS CONTEMPORÁNEAS. Diversos autores han teorizado sobre la validez de las encuestas de opinión pública, desde representaciones diversas. Por ejemplo, para el prestigioso encuestador Manuel Mora y Araujo (2005)9, la opinión pública adquiere la dimensión de “quinto poder” -asumiendo que el cuarto es la prensa- y se genera básicamente cuando la gente habla entre sí, sea el contexto que fuere, basado en el intercambio, la pertenencia y la comunicación, imprescindibles para constituir en cualquier sociedad. Sostiene también que algunos miran a la opinión pública con desconfianza, en donde la agregación de las opiniones de millones de personas, una fuerza descontrolada, sin motor ni brújula, puede ser fácilmente manipulada por los poderosos. Por el contrario, hay otros que suponen un sentido y dirección en los movimientos de ésta, asegurando que existe una conexión entre el ejercicio del poder y la opinión pública. Alineado entre estos positivistas, arriesga que la opinión pública es más que la política, ya que esta carece precisamente de intercambio. Sosteniendo esa línea de pensamiento, le atribuye además a la opinión pública representada por las encuestas, el haber derrotado a Pinochet, derribado el muro de Berlín, unificado Alemania y volcar la tendencia electoral en España en el 2004, sin que obedeciera a los designios o propósitos de nadie, contribuyendo a los procesos sociales como un factor autónomo. Desde una visión más ligada al plano que estamos analizando, el electoral, recuerda que el gobierno de Bush pudo invadir Irak despreciando (o manipulando, para otros) a la opinión pública. Esto le permitió a George W. Bush ser reelecto, aún cuando los electores manifestaran abrumadoramente sus preferencias por Kerry. Lo que no manifiesta en este

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MORA Y ARAUJO, Manuel. El poder de la conversación. Elementos para una teoría de la opinión pública. Buenos Aires: La Crujía, 2005.


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punto es, si la gente puede ser manipulable, o las encuestas pueden “equivocarse”, algo que parece moneda corriente en nuestros días. Otro autor que aporta una visión positiva de las encuestas es Harmut Hentschel, director de Demoskopia, quien considera que el sondeo de opinión de la investigación por encuestas utilizando muestras se basa en los métodos estadísticos10. Es a partir de allí desde donde dice que el investigador puede relevar datos de la realidad y convertirlos en cifras. También le atribuye a las encuestas, diversas funciones que cumplen un rol fundamental en la democracia. Respecto a la confusión que generan las encuestas- aquellas referidas a estudios de características socio-políticas-, explica que es difícil de descifrar si es por falta de conocimientos o por manipulación intencional, en donde personajes influyentes pueden vender cierta información engañosamente a los medios de comunicación. Para evitar esta posibilidad, recomienda observar atentamente la ficha técnica de la encuesta, verificando que es ésta, y no la consultora, la que debe brindar información confiable. Es destacable observar que muchos medios en Latinoamérica, no incluyen la ficha técnica de las encuestas que publican. Hasta aquí, ya podemos señalar dos hechos de importancia en el uso de encuestas, que más allá de brindar información, por un lado se centran particularmente en el uso comunicacional de las mismas hacia los electores en la campaña proselitista, y su publicación por parte de los medios de comunicación, actores de ineludible responsabilidad en el proceso de formación de opinión. Estos hechos los analizaremos luego con mayor detenimiento. No podemos obviar algunas posturas negativas respecto del uso de las encuestas, como la de Pierre Bourdieu, quien afirmaba en 1973 que “La opinión pública no existe”11, partiendo de su rechazo a los tres supuestos que acarrea consigo toda encuesta: que todo el mundo puede producir una opinión, que todas las opiniones tienen el mismo peso y que la misma pregunta planteada a todos implica un consenso sobre la problemática.

10

HENTSCHEL, Harmut. Encuestas y opinión pública, aspectos metodológicos. Buenos Aires: Edivern, 2002. 11 BOURDIEU, Pierre. “La opinión pública no existe”. En: les temps modernes, n. 318, enero de 1973.


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Ya desde la misma confección del cuestionario, opina Bourdieu, se produce un sesgo tanto desde la forma de preguntar, como de las opciones de formulación de respuestas ofrecidas por los encuestadores, sesgando. Para él sería interesante observar las condiciones sociales que ofrecen estos sesgos. Para él, la encuesta busca crear la idea de que existe una opinión pública unánime, legitimando una política y reforzando aquellas relaciones de fuerza que la sostienen. La aparición de los “no contesta” es entonces ignorada para dar esa idea de consenso. Por otra parte, afirma que desde el análisis científico de los sondeos de opinión, no hay pregunta, ni problema que no sea reinterpretado en función de los intereses a aquellos que se plantea, especialmente cuando se conmina a los encuestados a responder preguntas que no se han hecho. Irónicamente afirma que “la probabilidad de tener una opinión sobre todas las cuestiones que suponen un saber político es comparable con la probabilidad de ir al museo” (BOURDIEU, 1973), considerando que se suma a personas que miden en centímetros con otras que miden en kilómetros. Concluyendo, Bourdieu afirma que en las interrogaciones políticas, y especialmente en la electoral, las preguntas que se hacen en una encuesta no son preguntas a planteárseles a todos los interrogados, así como las respuestas no son interpretadas en relación con la problemática por referencia a la cual respondieran las distintas categorías que involucran a los encuestados. También considera que transgrediendo a las reglas de objetividad, y en relación con las “tomas de posición”, existen posiciones que están previamente previstas y que son tomadas, captando las encuestas muy mal los estados de opinión virtuales, ya que la situación en donde se capturan las opiniones, es sin dudas artificial. Jürgen Habermas (1962) definía12, citando a L. W. Doob (1948), a “la opinión pública que refiere a las actitudes de la gente sobre un asunto mientras ellos son miembros de un mismo grupo social”13, representando con ello el resultado de las encuestas de opinión, en donde existe una relación directa entre opinión y grupo social de pertenencia, que describiéramos previamente con Lazarsfeld.

12

HABERMAS, Jürgen. Historia y crítica de la opinión pública. La transformación estructural de la vida pública. Barcelona: Gustavo Gili. 2002 13 DOOB, L.W. Public opinion and propaganda, Nueva York, 1948.


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Asimismo, afirma tajantemente que “el material de los sondeos de opinión – opiniones cualesquiera de grupos cualesquiera de la población- no se califica como opinión pública por el mero hecho de que se convierta en materia de reflexiones políticas” (HABERMAS, 1962). Para él, sólo en la medida que haya una publicidad interna en todos los niveles, “habrá una correspondencia recíproca entre las opiniones políticas de las personas privadas y aquella opinión cuasi pública”.14 Por su parte, Giovanni Sartori (1997) define a los sondeos de opinión a las respuestas dadas a las preguntas realizadas por el entrevistador, siendo que estas respuestas son débiles, volátiles, inventadas en el momento y reflejan lo que sostienen los medios de comunicación.15 Destaca como problema una fácil manipulación de los sondeos, a partir de un amplio arco en la variación de las preguntas, que agudiza la oscilación cuando los problemas son complicados. Incluso destaca una sondeo-dependencia observable tanto en los políticos de Estados Unidos como en Italia, por citar sólo algunos países. Para Sartori, los sondeos son instrumentos de demo-poder, una verdadera expresión del poder de los medios de comunicación, cuya influencia neutraliza con frecuencia las decisiones útiles y necesarias sustituyéndolas por opiniones ciegas: “simples rumores, opiniones débiles, deformadas, manipuladas e incluso deformadas”.16 4 EL PODER DE LOS MEDIOS Y LAS ENCUESTAS. Con la imagología, Milan Kundera (1990) define al poder imagológico como aquello que suplanta a las ideologías, siendo el imagólogo aquel que le suministra información al periodista. En la actualidad, para que el hombre común pueda representar al comunismo no es necesario leer el Manifiesto de Marx. Incluso es posible reducir el pensamiento a una

14

HABERMAS, Jürgen. Op. cit. SARTORI, Giovanni. Homo videns. La sociedad teledirigida. Madrid: Taurus, 1998. 16 SARTORI, Giovanni. Ibid. 15


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colección de seis o siete consignas, llegando a simplificar la idea solamente en una hoz y un martillo.17 Allí el poder imagológico. Hoy, la imagología es más fuerte que la realidad. Cuando encuesta de opinión, afirma Kundera, informa que su país es el más seguro, el ciudadano festejará sin saber que en su calle se cometieron tres robos y dos asesinatos. No es necesario conocer la realidad en su totalidad para formarse una opinión. Para él, “los sondeos de opinión pública son el instrumento decisivo del poder imagológico”, dado que el pueblo vive en armonía gracias a él, conforme el hombre visita a la realidad cada vez con menor frecuencia. Indudablemente, para el ciudadano, los asuntos públicos constituyen sólo una imagen mental de los mismos, dada la dificultad que tienen los individuos en percibir la totalidad de dichos asuntos, asegura Walter Lippmann (1962)18. Y es de esta manera como un ciudadano tiene una idea de la realidad, que luego refleja en la conformación de sus opiniones. Indudablemente, los medios de comunicación tienen una gran influencia en las personas, y en como ellos conforman su percepción de la realidad. Éstos tienen la capacidad de hacer visible aquellos que desean, y hacer insignificante aquello que no es de su interés. Basta con recordar cuantas listas hubo en las últimas elecciones de cualquier país latinoamericano: sólo recordamos aquellos candidatos que fueron incluidos en una pequeña “short list” guardada en nuestra memoria, de aquellos cuatro o cinco dirigentes que fueron mencionados en los medios masivos de comunicación, obviando al resto. Incluso las encuestas, reflejaron los primeros lugares relegando en un solo porcentaje en un “otros partidos” a aquellos que no merecían tener visibilidad. También es imposible sustraerse a la idea de las corporaciones en tiempos de la globalización que plantea la socióloga Susana Velleggia (1990), quien destaca una articulación entre las empresas, que tienen por objetivo su rentabilidad; los especialistas que explican todo desde un lenguaje economicista al que se suman los políticos, quienes producen una vulgata explicativa, justificando entre todos la necesidad de pedirles un sacrificio a los ciudadanos –y sólo a ellos- aún a costa de sus propias vivencias contrarias a

17 18

KUNDERA, Milan. La Imagología. En: La inmortalidad. Barcelona: Tusquets, 2000. LIPPMANN, Walter. La opinión pública. Buenos Aires: Compañía General Fabril Editora, 1964.


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esa realidad, para que dichas corporaciones no se vayan, sigan invirtiendo en el país y “derrochen sus manes salvíficos sobre la gente” (VELLEGGIA, 1990). Es en este contexto que la escasa creatividad de los investigadores de los institutos de encuesta toman los temas “importantes” para la sociedad de los medios de comunicación, los mide y se los entrega nuevamente a los medios de comunicación –también corporaciones que buscan su propia rentabilidad y se atribuyen en definitiva ser la voz de la opinión públicareflejando una aparente necesidad de los individuos de conocimiento sobre temas que en definitiva, jamás se planteó.

5 LA PALABRA, ¿UNA VERDAD ABSOLUTA? En la actualidad, las encuestas de opinión representan la “verdad absoluta” de la opinión verbalizada. Basan su poder en una realidad que contempla aquello que el individuo dice que es su realidad. Sin embargo, con los avances que propone la ciencia, ¿es posible utilizar como elemento central un estudio demográfico que proponga sólo esa visión de la realidad? Indudablemente no es suficiente. Todos aquellos que alguna participaron en una encuesta, fueron afectados por el “sponsorship effect”, intentando congraciar su respuesta en la creencia de responder al encuestador “aquello que él deseaba escuchar”. Un fenómeno observable en los focus groups, investigaciones cualitativas en donde participan generalmente entre ocho y quince individuos, es el de individuo alfa, siendo éste aquel que lidera la opinión mayoritaria, concretando muchas veces que el resto de suscriba a la teoría de la Espiral del Silencio –o de como se generan climas de opinión- que propiciara Elisabeth Noelle- Neumann (1984)19. En dicha situación, el individuo prefiere silenciar su opinión, si es minoritaria, por temor a ser aislado socialmente.

19

D’ADAMO, Orlando et al. Op. cit.


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Esta herramienta de diagnóstico que es el sondeo de opinión, es “imperfecta pero aún insustituible”, según afirma el sociólogo y encuestador Ricardo Rouvier20. Sin embargo es posible afirmar que los sondeos se mantienen sustancialmente igual que en sus orígenes, casi 80 años atrás, basando en el lenguaje verbalizado expresado como sustento a sus predicciones. Quizá sea este carácter predictivo, tan importante para los políticos contemporáneos, el que sostiene la vigencia de esta herramienta. Basta recordar las encuestas en Colombia en 2010, en donde las predicciones indicaban que el candidato del Partido Verde, Antanas Mockus, era el favorito frente a Juan Manuel Santos tanto en primera como segunda vuelta, siendo este último quien finalmente resultara ganador en segunda vuelta luego de una notoria diferencia en ambas instancias de los comicios colombianos.21 Los sondeos en Argentina no ofrecen mucha diferencia en sus visiones predictivas, siendo notables los resultados que arriesgan las distintas consultoras, como por ejemplo en las elecciones a Jefe de Gobierno en la Ciudad Autónoma de Buenos Aires tanto como en distintos escenarios mensurables en todo el país. Sin embargo, las diferencias con la realidad son rápidamente olvidadas, y el negocio sigue adelante. 6 LAS NEUROCIENCIAS. UN NUEVA PERSPECTIVA. Los paradigmas van evolucionando, conforme la evolución del mundo. También las ciencias proponiendo nuevas teorías o la actualización de las clásicas. Para comprender al otro, ya no basta con la mera interpretación de la opinión, siendo esta inalcanzable para conocer lo que verdaderamente le sucede. El principal desafío constituye en abordar el conocimiento del funcionamiento el cerebro humano. Así, la neurociencia: […] representa la fusión, bastante reciente, entre distintas disciplinas, la biológica molecular, la electrofisiología, la neurofisiología, la anatomía, 20

ROUVIER, Ricardo. Charlas y diálogos sobre marketing político. Presentación realizada en el Campus de la Universidad del Salvador, Pilar, provincia de Buenos Aires, Argentina. (2009, diciembre). 21 Consultado en http://www.europapress.es/internacional/noticia-encuestas-situan-mockus-ganadorpresidenciales-colombia-20100430075311.html, 20 de julio de 2011.


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la embriología y biología del desarrollo, la biología celular, la biología comportamental, la neurología, la neuropsicología cognitiva y las 22 ciencias cognitivas. (BRAIDOT, 2005) .

Hoy desde ellas, se observa la interacción de los procesos congnitivos conscientes e inconscientes, cuáles son sus intereses y de qué manera en que los individuos toman sus decisiones, buscando la comprensión de los recuerdos –o imágenes mentales- como eventos complejos alojados en el cerebro de cualquier persona. Es posible desde las neurociencias, observar el cerebro e inferir cuales son las zonas del cerebro que son activadas y como es su correlación con la función atribuida a aquellas que ya son conocidas por los investigadores, utilizando técnicas como el ƒMRI (resonancia magnética funcional por imágenes), perfiles genéticos, psicofisiología (EMG, ERP y EEG), y electrofisiología, entre otras. Es posible afirmar que ciencia política está construida en asumir como los individuos procesan su mundo y hacen sus elecciones en él. En la actualidad, hay numerosas aproximaciones a la neuropolítica, según Lieberman, Schreiber y Ochsner, (2003) que comienzan a fundamentar nuevas posiciones. El descubrimiento de las neuronas espejo demuestra que estas no se restringen sólo a los movimientos, sino que intervienen también en el habla y en la comunicación no verbal. En una comunicación cara a cara también se producen imitación y alineación realimentada. Según Iacoboni (2009) “los significados y turnos se negocian de manera automática; los gestos simultáneos, para donde miramos y las rotaciones corporales son muy importantes para que entendamos lo que se está diciendo en el diálogo”23. Es donde la comunicación no verbal arma fácilmente sus patrones. En otras palabras, la capacidad de reconocimiento de un elector ante un emisor político, se extiende mucho más allá de lo meramente discursivo.24 Estas características de las capacidades de atención al mensaje político, pueden ser observadas a la hora de hacer zapping frente a un televisor: sólo bastan unos pocos segundos

22

BRAIDOT, Néstor. Neuromarketing. Neuroeconomía y Negocios. Madrid: Puerto Norte Sur, 2005 Ibíd. 24 GUTIERREZ, Daniel. “Mira que te digo. Una introducción al neuromarketing político [para una imagen positiva]. “II Cumbre de Comunicación Política. Quito, Ecuador, 13, 14 y 15 de abril de 2011. 23


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para asimilar aquellos estímulos que nos indiquen que nos atrae, que no y tomar nuestras decisiones. 7 LA CARA OSCURA DE LA POLÍTICA. Este abordaje teórico, quedaría incompleto si no se complementara con la visión cotidiana de la campaña, de aquella que no es reflejable en un texto. Sin ingresar en otros aspectos, la “viveza” de la política lleva a utilizar a un sinnúmero de recursos que no son visibles desde lo académico. Son algunos artilugios que utilizan los dirigentes para influir en los resultados, que van más allá de la simple publicación tendenciosa de los resultados. No debemos olvidar que el “dueño” de la encuesta es aquel que la paga, no la consultora, ni el medio de comunicación. Hay alguien que habilita el permiso para que esta sea total o parcialmente difundida. Siempre detrás de la difusión de un sondeo, hay una intencionalidad que tiene la autorización de un actor. Y así, difícilmente aparezcan en los archivos algunos sucesos que ocurran en la investigaciones, tal como enviar gente a ser entrevistada desde un partido opositor a responder en un punto en donde se haga una medición coincidental y modificar la tendencia y la veracidad de los datos; el “influir” en los encuestadores –a veces bajo coerción- para que no sean relevados determinados puntos muestrales; sustraer los resultados parciales de la investigación, entre otros hábitos y prácticas comunes. También las “encuestas” son usadas como publicidad, tal como las “publi-encuestas” telefónicas, en donde el objetivo es destacar las bondades en particular de un solo candidato o las falsas encuestas realizadas por el adversario aparentemente en nombre de un candidato que son realizadas a las tres o cuatro de la mañana que al invadir el sueño generan un rechazo hacia ese dirigente, entre otras. Un caso significativo, es el que afecta actualmente a los principales candidatos a Jefe de Gobierno por la Ciudad de Buenos Aires que van a participar próximamente del balotaje. El candidato opositor perteneciente a la línea del gobierno nacional, Daniel Filmus, denunció al actual Jefe de Gobierno Mauricio Macri acusándolo de encabezar una campaña sucia.


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La misma consistió, según el denunciante, en realizar una encuesta telefónica desde un call center brindando una falsa información que relaciona al padre de Filmus, candidato por el Frente para la Victoria y que responde a la presidenta Cristina Fernández de Kirchner, con un hecho ilícito de amplia repercusión en los medios masivos.25 Por otro lado, los focus groups incluyen, más allá de lo señalado previamente, acarrea la elevada posibilidad de

que los reclutadores contraten “foqueros” 26 , que influyan

severamente en los resultados de la investigación o falseamiento en los informes, tendientes a “acomodar” un resultado más aceptable para el contratante. Seguramente, la lista es mucho más extensa, aunque no debemos olvidar que las mediciones demoscópicas recogen una gran porción del presupuesto de campaña y fundamentalmente que la mayoría de las decisiones de campaña, son tomadas basándose en esta información. 8

REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. “La opinión pública no existe”. En: Les temps modernes, n. 318, enero de 1973. BRAIDOT, Néstor. Neuromarketing. Neuroeconomía y Negocios. Madrid: Puerto Norte Sur, 2005. D’ADAMO, Orlando et al. Medios de comunicación, efectos políticos y opinión pública. Una Imagen, ¿Vale más que mil palabras? Buenos Aires: Universidad de Begrano, 2000. _______________medios de comunicación y opinión pública. Madrid: McGraw/Hill, 2007. DOOB, L.W. Public opinion and propaganda. Nueva York, 1948. GUTIERREZ, Daniel. “Mira que te digo”. Una introducción al neuromarketing político [para una imagen positiva]. IICumbre de Comunicación Política. Quito, Ecuador, 14 de abril de 2011.

25

Consultado en http://www.minutouno.com.ar/minutouno/nota/149942-pide-serquerellante-en-la-causa-porcampana-sucia/ el 24 de julio de 2011. 26 Foqueros: se denomina así a quienes participan regularmente de focus groups, y que concurren sólo por la paga.


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HABERMAS, Jürgen. Historia y crítica de la opinión pública. La transformación estructural de la vida pública. Barcelona: Gustavo Gili. 2002. HENTSCHEL, Harmut. Encuestas y opinión pública, Aspectos metodológicos. Buenos Aires: Edivern, 2002. KUNDERA, Milan. “La Imagología”. Em: La inmortalidad. Barcelona: Tusquets, 2000. LAZARSFELD, Paul F. “La campaña electoral ha terminado”. En: MORAGAS, M. (editor). Sociología de la comunicación de masas. Tomo III, Propaganda política y opinión pública. Barcelona: Gustavo Gili. 2001. LIPPMANN, Walter. La opinión pública. Buenos Aires: Compañía General Fabril Editora, 1964. MORA Y ARAUJO, Manuel. El poder de la conversación. Elementos para una teoría de la opinión pública. Buenos Aires: La Crujía, 2005. REY LENNON, F., PISCITELLI MURPHY, A. Pequeño Manual de Encuestas de Opinión Pública. Buenos Aires: La Crujía, 2003. ROUVIER, Ricardo. Charlas y diálogos sobre marketing político. Presentación realizada en el Campus de la Universidad del Salvador, Pilar, provincia de Buenos Aires, Argentina, diciembre 2009. SARTORI, Giovanni. Homo videns. La sociedad teledirigida. Madrid: Taurus, 1998. SCHREIBER, D. From SCAN to Neuropolitics. San Diego: University of California. 2008. SCHREIBER, D. Political cognition as social cognition: Are we all Political Sophisticates?, UCLA. 2005. 9 LINKS Consultado en http://www.europapress.es/internacional/noticia-encuestas-situanmockus-ganador-presidenciales-colombia-20100430075311.html , el 20 de julio de 2011. Consultado en http://www.minutouno.com.ar/minutouno/nota/149942-pideserquerellante-en-la-causa-por-campana-sucia/ el 24 de julio de 2011,


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LOS 4 CIUDADANOS. LA MARCA DEL CANDIDATO Y LA COMUNICACIÓN POLÍTICA: acercamiento al concepto de apropriación de la cultura ciudadana frente a decisiones de país, de ciudad y elecciones populares. OS QUATRO CIDADÃOS, A MARCA DO CANDIDATO E A COMUNICAÇÃO POLÍTICA: conceito de apropriação cultural cidadã frente às decisões do país, da cidade e eleições. THE FOUR CITIZENS, CANDIDATE BRAND AND THE POLITICAL COMMUNICATION: concept of cultural apropriation front to political decisions and elections. Jorge AGUILERA1

1 INTRODUCCIÓN En momentos de decisiones electorales estamos acostumbrados a analizar el elector desde su estrato y sus intereses particulares, este ensayo pretende dar otra mirada al comportamiento electoral desde la perspectiva de el voto de opinión y la cultura política. En este sentido he definido 4 posibilidades de interpretación para comprender las estrategias de acercamiento a este elector así como la estrategia de comunicaciones para vincularle. 2 EL CIUDADANO PROPIETARIO El Ciudadano propietario considera que el país es suyo, asume una vida política activa, discute se asocia fácilmente por cuanto tiene un sentido de país y de sociedad muy definido, es el caso de países como Estados Unidos, Japòn, Chile y algunos países europeos. Este tipo de ciudadano responde rápidamente frente a calamidades, frente a la imagen de su país que vincula como propia. A este ciudadano le “Duele” su sociedad, por ello construye soluciones prontamente y mantiene sociedades estables.

1 PhD (c).El autor es asesor en gestión de crisis y comunicación política y es autor de varios libros sobre comunicación y estrategia.


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Este es un elector inteligente, analítico y que actúa en bloque frente a un principio fundamental de país o sociedad.

2 EL CIUDADANO HIJO El ciudadano hijo considera que el país es suyo pero ve al estado como a un padre que administra. Cuando se presentan situaciones coyunturales este ciudadano no soluciona, espera que el “Papà” estado mejores las cosas. Es un ciudadano crítico pero no ejecuta, no se asocia, ve el país como un país cuyos requerimientos deben ser solucionados por otro (El Padre). Este es un ciudadano que cambia de opinión rápidamente, su cultura política es pobre y no asume la identidad de su país. Su escenario político mediático, altamente influenciable por escándalos y por campañas más fraternales y emocionales, Es el caso de Colombia en donde los mensajes electorales tienen que ver con rondas de promesas, de mesías cíclicos que solucionan y reducen al menor esfuerzo la iniciativa ciudadana. Allí la vida política del ciudadano se reduce a ser un ocasional elector. 3 EL CIUDADANO ARRENDATARIO Este tipo de ciudadano está desarraigado, el país no le pertenece, está allí por una condición del destino que él no puede controlar. Este ciudadano difícilmente participa en procesos políticos salvo que el candidato resuelva problemas muy particulares que él requiera resolver, no tiene de fondo un interés de país o de sociedad, eso no le interesa, no tiene visión a largo plazo, su visión es mediata y de su entorno más cercano. Considera que lo que suceda en el país lo afecta, pero no puede hacer nada frente a ello. 4 EL CIUDADANO INTRUSO


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Caracteriza las sociedades más pauperizadas, este tipo de ciudadano es un sobreviviente, desarticula las sociedades, tiene un alto sentido de protección individual y ninguno de asociación. Este tipo de ciudadano es fácilmente influenciable por compra de votos o recepción de prebendas a cambio su sufragio. Son comunes los casos citados para este tipo de elector donde las malas prácticas electorales abundan, intercambiar votos por comida, por dinero, por artículos de construcción, etc. Se siente protegido en su hogar o en su trabajo, pero actúa como un sobreviviente en los escenarios de convivencia, creen firmemente en la ley del más fuerte y desarticula cualquier iniciativa de respeto hacia sus congéneres. Estos 4 tipos de conducta se presentan independientemente al estrato socioeconómico o al nivel de escolaridad, son más bien una postura frente al acuerdo social, la convivencia o la construcción de sociedad. 5 LA RESPONSABILIDAD DEL CANDIDATO Si bien estos 4 ciudadanos existen en todas las sociedades el número de sus integrantes será determinante en la vida política de esa sociedad y acarreará responsabilidades del candidato y sus estrategias electorales donde el pináculo habrá de ser la construcción de país y sociedades donde los ciudadanos mejoren su calidad de vida dentro de la participación y la convivencia. Hay que decir entonces que en este sentido la cultura política habrá de construirse en torno a la relación del individuo con sus congéneres en el sentido de una construcción colectiva de país. Ser parte de una sociedad es un logro cultural, significa que se han construido unos escenarios comunes que permiten la colaboración, la convivencia y la construcción colectiva, cuando se destruyen estos elementos fundamentales las sociedades se pauperizan y la estructura política pierde su razón de ser. De allí el daño a los procesos electorales que genera la corrupción, la compra de votos, la alteración de los procesos de conteo y otro sinnúmero de desviaciones del


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proceso electoral que está viviendo América Latina por elementos de poder como el narcotráfico y la explotación de recursos naturales. Cuando en una sociedad el individuo pierde su sentido de valor frente al conjunto sociedad la sociedad se pauperiza y se destruye, se desarticula. El encuentro como sociedad es un progreso cultural fundamental del ser humano que como decía Aristóteles, nos hace verdaderamente humanos (Primer libro de La Política), entendiendo además que la cultura del ejercicio político del ciudadano es el conjunto de creencias, valores y percepciones que se ven reflejadas en conductas y actitudes de convivencia y en donde

influyen sobre el respeto común y el

reconocimiento de los derechos y deberes de sus congéneres. No podemos olvidar entonces como elemento de análisis de los electores no solo sus tópicos de interés y mediáticos sino su cultura política. Por ello hay que tener en cuenta los escenarios en donde la cultura política, podría comprenderse como un conjunto flexible de símbolos, valores y normas que constituyen el significado que une a las personas con las comunidades sociales en torno a un objetivo común, los que nos muestra una debilidad fundamental en las sociedades latinoamericanas, salvo algunos países, y es que el ciudadano se distancia de su acción política porque no identifica el objetivo que busca su sociedad, o no lo tiene claro o simplemente su sociedad o país no persigue ningún objetivo ni como país ni como sociedad y por ello el ciudadano no encuentra un objetivo que lo vincule, porque no existe. En este sentido entonces, parte de la campaña política de un candidato frente a un público es brindarles un objetivo a seguir como sociedad, más allá de sus intereses particulares o locales, un objetivo que los haga sentirse orgullosos como pueblo y les haga valorar hasta el más pequeño de sus logros comunes.

6 LA MARCA POLÍTICA


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6.1 LA IDENTIDAD, NUESTRO DIFERENCIAL POLÍTICO. Muchas veces el común de la gente confunde la identidad de del candidato con su Imagen, Pues bien, lo cierto es que le imagen viene configurada por aquella opinión elemental que cada persona se hace de la del candidato al entrar en contacto con él, ese concepto se eleva a la imaginación y es el que conocemos como imagen. La Identidad de un candidato cualquiera tiene que ver con los factores con los cuales el público lo identifica y lo diferencia de otros, es decir la identidad es un determinante que evoca vínculo o rechazo y que junto con la imagen del candidato constituye su marca política. A partir de los estudios de Joan Costa, uno de los expertos más modernos en este campo se puede vislumbrar los siguientes elementos que determinan la identidad: 1.

Identidad Verbal El Nombre.

2.

Identidad Simbólica: El Logo símbolo.

3.

Identidad Cromática: Los colores que lo representan o lo diferencian.

4.

Identidad Cultural: Los valores que transmite. Según los conceptos básicos para la determinación del nombre por el que será

recordado el candidato, se dice que el nombre debe tener sonoridad, que sea fácil de entender, que pueda quedar en la memoria de las personas. Debe ser un referente conceptual que diferencie y aporte a la construcción de la intención de voto. También existen unos parámetros para evaluar el nombre del candidato, entre ellos se destacan: la Brevedad para ser memorizado, que sea fácil de pronunciar y de


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asociar con mis valores y expectativas sociales, incluyendo claro, las emociones que despierta. Lo cromático y lo simbólico en la identidad del candidato deben aportar a su recordación y a su diferenciación frente a otros candidatos que al unirlo con su Identidad Cultural reflejarán los valores de la que transmite y que son percibidos por los potenciales electores. 7 ¿CÓMO SE CONSTRUYE LA IMAGEN POLÍTICA? La imagen se construye con los siguientes elementos: el “reconocimiento” que tiene que ver con la recordación que el público tenga del candidato y se crea con la frecuencia y la claridad de los mensajes de la campaña; el “Juicio de valor”, que está dado en el impacto que tiene el candidato sobre el elector y que lo diferencia, son los calificativos que usa el elector para asociar con el nombre del candidato ( y que con el tiempo llamaríamos “reputación”) y por último el “Juicio emocional”, que tiene relación con los sentimientos, es decir además del juicio que el elector tiene sobre el candidato también existe una conexión emocional con los valores del candidato y con lo que representa. Este último se construye a través de los programas de la cercanía del candidato al elector y cómo este último haya percibido beneficios reales o posibles por parte del candidato hacia la comunidad, la sociedad o el país. Con demasiada frecuencia el trabajo de forjar la imagen de un candidato se complica cuando él mismo carece de una clara comprensión de lo que es. En líneas generales, la imagen es un concepto ideal que el elector forja al entrar en contacto con el candidato o su propuesta electoral. El prestigio del candidato es transferido en sus relaciones sociales, en su comunidad, en los clubes a los que pertenezca y en constructores de opinión como los periodistas y los medios de información. 7.1 LOS JUICIOS DE VALOR Definitivamente una cosa es que al preguntarle a un elector sobre los candidatos a un proceso electoral los “reconozca” y otra diferente es que al preguntarle sobre cada uno de ellos este elector nos dé un juicio acerca de él, un calificativo o un adjetivo.


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El candidato debe hacerse dos preguntas sencillas en este punto, si al iniciar el proceso electoral el candidato sale a la calle y pregunta qué candidatos identifica el elector para las próximas elecciones, estará su nombre dentro de ellos? (reconocimiento) y si al salir a la calle el candidato le pregunta a los electores potenciales qué opinan del candidato X – dando el nombre de él mismo – Qué dirían los electores de él (Juicio de valor), de las respuestas que encuentre tendrá una buena parte de la solución en su campaña electoral. 7.2 SEIS FACTORES QUE CONTROLAN LA IMAGEN DEL CANDIDATO Si tomamos como referentes los planteamientos de Thomas Garbett2 sobre la construcción de imagen podríamos decir que todo candidato consciente o inconscientemente transmite su personalidad y proyecta algún tipo de imagen a partir de seis lineamientos básicos: Su realidad como líder: Su capacidad de convocatoria, sus logros, el servicio que ha prestado a su comunidad, son entre otras cosas la materia prima que contribuye a forjar la imagen personal del candidato. La cantidad de seguidores y el grado en que ellos interactúan con la sociedad configuran la naturaleza fundamental de la campaña y el alcance de sus actividades afecta directamente su intención de voto. La medida en que el candidato y sus actividades hagan noticia: Lo que haga el candidato debe ser interesante y afecta de manera importante la vida de las personas. Logros del candidato: Mientras más amplios, retadores y de efecto en su comunicad sean los logros del candidato, más interés despertarán en los electores potenciales. En resumen, para un líder de logros con reconocimiento público le será más difícil crearse una buena reputación que para un candidato discreto o común. Esfuerzo en comunicaciones: Indudablemente los candidatos que trabajaban pensando en la importancia de las comunicaciones e invierten dinero forjando su imagen, terminan siendo conocidos de manera más amplia y positiva. Tiempo: Una imagen, no surge de la noche a la mañana, el establecimiento de cualquier reputación, sea buena o mala, requiere de un proceso de edificación. Para bien

2

GARBETT, Thomas. Imagen Corporativa. Bogotá: Legis, 1991.


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o para mal, la imagen se va haciendo sólida con el tiempo y una vez posicionada requiere de un gran esfuerzo si se pretende cambiar. Desvanecimiento de la memoria: Sólo para permanecer, se requiere un esfuerzo constante de comunicaciones. El desvanecimiento de la memoria, o tendencia del público a olvidar, es mucho más rápido de lo que la gente se imagina. Por ello es necesario que la estrategia de comunicaciones sea continua y diversifique lo medios para cubrir los diferentes tipos de elector que busca la campaña. Como podrá haber visto, la buena imagen de una organización no es algo ni insignificante ni fácil de lograr, requiere tiempo, esfuerzo y por sobre todo visión estratégica de las actividades del candidato. 7.3 CÓMO SE CONSTRUYEN JUICIOS EMOCIONALES? Los juicios emocionales son definitivos, si una persona siente rencor o rechazo por un candidato no solo no votará por él, al contrario, procurará extender su resentimiento para que otras personas tampoco le den su voto. De la misma forma, si la persona le tiene algún aprecio particular al candidato, será un elector fiel que la promocionará e incluso llegará a defenderla en momentos difíciles. Los dos elementos claves para la construcción de los elementos emocionales en la intención de voto hacia el candidato se encuentran en experiencias personales (conocer al candidato, haberlo visto o saludado) y en el compromiso del candidato con la comunidad, el país o la sociedad. Es decir, que cumpla con los parámetros éticos y sociales que espera la sociedad así como con el apoyo a poblaciones vulnerables.


122

8 CÓMO SE ARTICULA LA ESTRATEGIA DE COMUNICACIÓN POLÍTICA?

8.1 ETAPAS DE LA ESTRATEGIA Objetivos. IDENTIFICACIÓN

Públicos. Situación. Público

SOLUCIÓN

Creación.

Recursos

Condicionantes.

Tiempo

Contingencias.

Terreno. Políticas.

Objetivos. PLAN

ESxC

Acciones. Colaboradores. Cronograma. Presupuesto.

EJECUCIÓN

Lanzamiento Seguimiento Cierre

EVALUACIÓN Eficacia. Eficiencia. Creatividad. Innovación.


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8.2 IDENTIFICACIÓN Esta es la etapa crucial de la estrategia, si quien la va a desarrollar comete errores aquí, el fracaso está prácticamente firmado. La estrategia es como una ecuación algebraica, una mala interpretación aquí y de nada valdrán los recursos o la creatividad o incluso el liderazgo de la ejecución. 8.2.1 Identificar el Objetivo Meta Cuántos electores se quiere cautivar con la estrategia? Es la pregunta a enfrentar aquí, tener claro el objetivo permite concentrar los recursos, los esfuerzos y direccionar la toma de decisiones de quienes van a hacer parte de la campaña electoral. 8.2.2 Identificar los Electores Potenciales Esta identificación incluirá elementos demográficos, de género, edad, comportamientos culturales, escolaridad, debe permitirnos establecer un perfil o varios de las personas a quienes nos vamos a dirigir. Esta permite saber en qué lenguaje me voy a dirigir, saber cuáles son las herramientas más viables para dirigirme a él, poder prever sus reacciones, sus temas de interés y conocer su ubicación. 8.2.3 Identificar la Situación Política: ¿Qué está pasando? , ¿Por qué está pasando lo que está pasando?, ¿cómo está el ambiente electoral? Responder estas preguntas nos llevará a cumplir con dos requerimientos, de un lado obtener información sobre la situación política que el candidato enfrentará, factores históricos, una descripción general. Y de otro lado su análisis. Es decir establecer las relaciones de los hechos de cómo se está presentando el ambiente electoral. Esta sería la fase en la cual obtenemos información a partir de las encuestas y los métodos de investigación y para analizarla recurrimos a la interpretación de las relaciones de las respuestas de dicha encuesta.


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Cuanto interpretamos esos datos, les “damos forma dentro de nuestra realidad” es decir les damos “forma” y construimos información que posteriormente analizada nos dará un mapa general de la situación. Bajo este pequeño marco de referencia diremos que el proceso de identificación tiene básicamente tres partes, la primera es la de información en donde se recogen datos sobre el candidato y su situación ¿Por qué está pasando lo que está pasando? Esta es pues la segunda pregunta que debemos plantearnos en un proceso de identificación y se refiere a la identificación de causas o a establecer cuáles fueron los orígenes que generaron la situación que enfrenta el candidato en el momento de plantear su propuesta de campaña. 9 SOLUCIÓN Una vez superada la identificación quienes están estructurando la campaña deben enfocarse en plantear soluciones que le permitan al candidato alcanzar los votos que están buscando. La fase de solución también está subdividida en tres momentos, uno en donde se conciben y se proponen ideas, otro en donde tales ideas se filtran a través de los condicionantes para darles foco y garantizar su efectividad y uno último donde se establecen las contingencias. 9.1 CONCEBIR IDEAS Esta es la parte más creativa de una estrategia, su corazón y la razón por la cual no hay fórmulas perfectas a nivel estratégico que solucionen todas las situaciones. La primera fuente de ideas es el conocimiento, la segunda es la pasión, un asesor de comunicaciones en esta parte de la estrategia hará gala de su talento, esa pasión que damos por nuestro trabajo y que nos invita frecuentemente a superarnos a nosotros mismos, a no conformarnos con la monotonía, esa es la atención que nos debe provocar nuestro trabajo. Las personas creativas difieren entre sí de diversas maneras, pero en un aspecto son unánimes: les encanta lo que hacen”3 señala Mihaly Csinkszentmihalyi En su 3

CSINKSZENTMIHALYI, Mihaly. Creatividad. Barcelona: Paidos,

1998, p.135.


125

estudio sobre creatividad, indica además que “parece extraño que bailarines, escaladores y compositores coincidan todos en que sus experiencias más agradables asemejan a un proceso de descubrimiento”4. 9.2 QUÉ VAMOS A HACER - TÁCTICA OPERATIVA Son acciones propiamente dichas con las que el candidato busca generar una imagen o establecer relaciones con algún tipo de público. Dentro de este tipo de actividades son fundamentales los eventos sociales y actividades de encuentro con los electores potenciales, foros, bazares, etc, son la base de las campañas 9.3 QUÉ VAMOS A DECIR - TÁCTICA ARGUMENTAL Están fundamentadas en argumentos y tienden a ser parte de estrategias persuasivas o de defensa, necesitan credibilidad. Son muy comunes en ellas los slogans y generalmente están planteadas sobre beneficios percibidos por el receptor del mensaje. Roser Reeves5 señala que el consumidor recuerda un solo argumento de lo que se le propone a ello lo denominó Unique Selling Proposition o proposición única de venta cuyas características son:  9.3.1 Concreta. Debe tener unicidad  9.3.2 Original. Debe ser algo diferente que el consumidor no reconozca como de otra empresa.  9.3.3 Fuerte. Que convoque e invite a seguirnos. De cometer errores en este punto, basta recordar la frase lapidaria de Bernard Demory6 “Si el mensaje no está bien construido, los esfuerzos para transmitirlo serán vanos” 9.4 A TRAVÉS DE QUÉ MEDIO – HERRAMIENTAS Las

herramientas

de

comunicación

también

han

recibido

múltiples

clasificaciones, algunos las clasifican como orales, escritas y audiovisuales, otros como individuales y masivas, en esta oportunidad partiremos de otro concepto difundido por 4

Op. Cit., p. 136. SOLER, Peter. Estrategias de comunicación en publicidad y relaciones públicas. Barcelona: Gestión, 2000. 5

6

DEMORY, Bernard. Convencer con la palabra. Barcelona: Granica, 1995.


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algunos autores como above the line y below de line. Es decir sobre o bajo la raya o lo que es para este caso, herramientas convencionales y no convencionales. Las herramientas convencionales son las que conocemos como tradicionales en la comunicación como lo son los boletines, las carteleras, las reuniones, etc. y a donde vemos entrar hoy con gran pompa y resultados a la internet. Las no convencionales dependen más de la creatividad y se refieren a concursos, o formas creativas de dar divulgación a las actividades a manera de elementos como el merchandising en donde el único límite es la imaginación. La inserción de la tecnología en nuestra vida del día a día y el cambio de la forma de pensar del público han replanteado la forma de desarrollar herramientas para las estrategias de comunicación. 10 COMUNICACIÓN SIMBÓLICA Las tácticas simbólicas acuden como su nombre lo indica a símbolos. Son muy similares a las conceptuales pero se diferencias de ellas por la capacidad que tienen para evocar sentimientos profundos de unión y aceptación de valores. 10.1 CONDICIONANTES: La aplicación de condicionantes cumple dos funciones específicas, de un lado contrastar que nuestras propuestas de solución sean las efectivas y de otro decidirnos por las que nos permitirán una mayor probabilidad de alcanzar los objetivos electorales de la campaña. El mayor problema no radica en que las opciones sean escasas, el problema radica en que son demasiadas y pueden dispersar nuestra fuerza de acción. El reto es concentrar los mejores recursos en las mejores oportunidades. Para lograrlo necesitamos aplicar el principio del 80/20 de Pareto donde el 80% de las acciones nos causarán el 20% de los resultados, o lo que realmente buscamos, que el 20% de las soluciones nos causen el 80% de los resultados. Es decir, debemos concentrar nuestros mejores recursos en las mejores oportunidades para alcanzar el objetivo. La concentración de la energía y la fuerza es uno de los principios más importantes en el éxito de una estrategia.


127

Los condicionantes no son más que una especie de colador para revisar que nuestras propuestas estratégicas sean viables y realmente procuren el cumplimiento del objetivo planteado. 10.2 EL PÚBLICO El condicionante “Público” se refiere a la audiencia específica a hacia la cual va dirigida la estrategia de comunicaciones. Es el condicionante más importante. Una falla en este primer condicionante y toda la estrategia será un desastre. Aquí la pregunta clave será: ¿Cuáles ideas se adaptan al tipo de público al que me dirijo? Las ideas o propuestas que no superen este condicionante deben ser rechazadas, Sin embargo no es de extrañar que si bien los condicionantes buscan eliminar ideas, también pueden generarnos unas nuevas. 10.3 RECURSOS Un segundo condicionante son los recursos con que cuenta la campaña, que se refiere al número de personas que se requerirán para implementar cada una de las ideas, así como las instalaciones, máquinas o el capital, generalmente escasos y por ello han de optimizarse al máximo. Sin embargo cabe recordar una frase celebre de Cornelius Kruiver7 en Pensamiento Estratégico: “Poseer un recurso estratégico es una cosa, ser capaz de explotarlo es otra”. Aquí las preguntas pertinentes son: ¿Qué se necesita para poder realizar la campaña que hemos planteado? ¿Cuénto con los recursos para desarrollarla idea o debo buscarlos?, ¿Cuénto con las personas necesarias para poder desarrollar mi estrategia?, ¿Cuénto con las instalaciones y elementos necesarios?, ¿Tengo capital suficiente para poder implementar la estrategia?, ¿Qué se necesita para poner a funcionar la campaña? ¿Cuento con ello?, ¿Debo buscarlo? ¿Es posible obtenerlo?. Elimine las acciones de la campaña que no se ajusten y plantee nuevas si es el caso.

7

KRUIVER, Cornelius. Pensamiento estratégico. New York: Pearson, 2001.


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10.4 TIEMPO Otro condicionante es el tiempo, es fundamental para implementar una estrategia, aunque este a veces juegue en contra nuestra. Toda acción de comunicaciones requiere para su realización de cierto tiempo. Contamos con él? Es viable la idea dentro del rango de tiempo con que contamos para implementar y poner en marcha la estrategia? ¿Es el momento oportuno para este mensaje? Y aquí entran dos aspectos más:  Nivel de premura.  Sentido de la oportunidad. Lo que los griegos llamaban el “Kayros” y hoy día los norteamericanos llaman “Timming” no es otra cosa que escoger el momento oportuno, la oportunidad y la concentración de fuerzas garantizarán en buena medida el logro de los objetivos. En este sentido la estrategia electoral debe avanzar en la semana previa al proceso electoral, ir avanzando poco a poco hasta ese momento, de lo contrario el candidato puede “quemarse” agotar al elector por sobre exposición y un candidato nuevo asumir el logro electoral que deseábamos. 10.5 TERRENO. Uno de los últimos condicionantes es el terreno, y este hace referencia a dos cosas. De un lado a la locación donde se va a desarrollar la campaña (Son elecciones, locales? Nacionales?) y de otro al cubrimiento en medios que tendrá para abarcar el público al que va dirigida. Cuáles son las zonas geográficas donde el candidato requiere tener mayor influencia? 11 POLÍTICAS Las políticas, es el siguiente factor para tener en cuenta, aquí van incluidas las reglamentaciones y normas bien sean sociales, del partido político o que se haya establecido la propia campaña. En el caso de Colombia por ejemplo hay campañas en donde por normatividad interna se revisa el origen del dinero de los aportantes para evitar influencias de las bandas de narcotráfico. Una vez tamizadas nuestras ideas por el filtro que nos permiten establecer los condicionantes podremos saber cuáles son las ideas más apropiadas para alcanzar la


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meta electoral. Es hora entonces de pensar en las posibles contingencias que puedan presentarse. 12 CONTINGENCIAS ¿Por qué pensar en contingencias? Es simple, un principio estratégico fundamental de la estrategia es sorprender y evitar ser sorprendido. De allí la necesidad responsable de prever. El estudio de las contingencias a la hora de plantear una campaña política o electoral debe cubrir dos frentes, en primer lugar las consecuencias que puedan tener las acciones que voy a realizar a mediano y largo plazo y en segundo, las situaciones externas a la campaña que la puedan afectar. En cuanto a las consecuencias basta pensar con que a corto plazo nuestras soluciones planteadas pueden resolver lo que necesita el candidato, pero a mediano o largo plazo generar problemas o incluso inconvenientes peores que el que originalmente se quería solucionar. En cuanto a los factores externos debemos tener en cuenta que estamos sujetos a la incertidumbre y la podemos catalogar en tres niveles8 : 12.1 SABEMOS QUÉ PUEDE SUCEDER PERO NO CUANDO: Hay ocasiones que podremos prever situaciones que puedan presentarse durante el desarrollo de una estrategia o actividad estratégica aunque no sepamos cuando se presente el momento específicamente. 12.2 NO SABEMOS QUÉ PUEDA SUCEDER PERO SÍ SABEMOS CUANDO: También pueden presentarse situaciones en donde no sepamos qué puede ocurrir específicamente pero si sabemos en qué momento pueda presentarse. 12.3 NO SABEMOS NI QUÉ PUEDE SUCEDER, NI CUANDO: Aquí es donde pueden presentarse sucesos imprevisibles de los cuales nadie está exento.

8

Estos niveles de incertidumbre fueron planteados por el autor durante el módulo de estrategias de comunicación en situaciones de crisis ofrecido para la Cámara de Comercio de Bogotá, 2003.


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Una vez concluimos la parte de contingencias pasamos al establecimiento del plan donde buscamos que las acciones queden estipuladas de forma ordenada con las tareas a realizar, objetivos, herramientas y presupuesto esperado. El plan incluye el establecimiento de las fases de ejecución y los tiempos esperados para el logro de los objetivos planteados que es la razón del próximo capítulo. 13 PLAN DE ACCIÓN

A veces confundimos estrategia con plan pero en el ejercicio son dos elementos diferentes, Dominic Swords9 plantea por ejemplo estos dos:  La estrategia es una intención, la planeación es una programación.  La estrategia define el rumbo, dice hacia dónde. La planeación implementa y monitorea, dice el cómo. Cómo el lector verá una cosa es la estrategia, que está asociada con la creatividad, y otra el plan, que está asociado con el orden. Por ello algunos críticos de la planeación estratégica señalan que esta solo sirve para hacer documentos interminables que casi nunca son llevados a la práctica. Al contrario, la estrategia al estar centrada en unos objetivos concretos siempre dirige su energía al logro de resultados. El plan solo existe cuando está por escrito, de no ser así, la estrategia se queda en la fase de ideas y solo es una visión. Un plan sencillo es más fácil de traducir en acciones concretas. En una campaña electoral la estrategia de comunicaciones es la propuesta de solución global que se plantea para solucionar bien sea una necesidad o un problema de la misma campaña en un momento dado. Está compuesta por tácticas que son las acciones operativas necesarias para apoyarla y a su vez requiere de herramientas de comunicación para ser llevada a cabo. 13.1 ¿CÓMO LO VAMOS A HACER?  Objetivo estratégico  Propuesta estratégica. 9

SWORDS, Dominic ; TURNER, Ian. Estrategia de adentro hacia afuera. Buenos Aires: Panorama, 1998.


131

 Tácticas y objetivos tácticos  Herramientas y objetivos operativos  Cronograma.  Presupuesto. 13.2 CUADRO TÁCTICO Es el cuadro que hace operativa la ejecución, incluye: herramientas, descripción de las acciones, objetivos operativos. Indicadores, colaboradores y responsables. Debe establecer quiénes van a intervenir en cada tarea así como metas e indicadores que deben cumplirse para cada una. 13.2.1 Acción 1 (Táctica 1) Objetivo: (Objetivo táctico) Descripción: HERRAMIENTAS

DESCRIPCIÓN

INDICADOR/META

EN

COSTO

COLABORACIÓN CON

Este es el típico cierre de un buen cuadro táctico, establecer las posibles contingencias que puedan aparecer en el desarrollo de las acciones de la estrategia, cabe recordar aquí que uno de los principios estratégicos claves se fundamenta en sorprender pero evitar ser sorprendido. Los planes tácticos también pueden describirse por fases, es decir se determina que acciones se desarrollarán en cada fase en el momento en que se ejecute el plan. Una herramienta básica que le ayudará a poner en acción su plan es el cronograma. Cruce de las acciones a seguir con un plan de tiempo determinado. Defina fases de ejecución y plazos para la acción.


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No todas las estrategias se aplican de un solo golpe. De hecho la mayoría se desarrolla por fases. Para actuar de un solo golpe se necesitaría una gran cantidad de recursos, ya sea en hombres que la ejecuten o a nivel monetario para movilizar todas las acciones al tiempo. Esto permitirá establecer costos puntuales por cada tarea a partir de los cuales no solo se podrá costear cada acción sino además los costos que se vayan desarrollando a través de las fases de ejecución. En resumen... ¿cuáles son las características de una buena estrategia de comunicaciones en un proceso electoral.Tiene clara una meta en cuanto a número de electores. (a) Atrapa por su creatividad. (b) De fácil implementación. Fácilmente comprensible, fácilmente adaptable. Con lo que garantiza su contundencia. (c) Es organizada. Con lo que garantiza su velocidad (d) Debe tener fuerza para alcanzar los objetivos deseados. (e) Utiliza la sorpresa como factor de avance. Prioriza el sentido de oportunidad (f) Con la estrategia sorprendo pero evito ser sorprendido. (g) Debe aportar radicalmente a la elección del candidato.

13.2.2 Ejecución Toda estrategia tiene en su ejecución tres grandes momentos, el lanzamiento, el seguimiento o mantenimiento y el cierre. Sin embargo para ellos se requieren de dos componentes claves, el liderazgo que suma la cabeza de la estrategia y el equipo que está operando dicha estrategia. En el lanzamiento usted requerirá de una gran fuerza de impulso y lograr generar consenso en quienes serán decisivos para la estrategia. Para el seguimiento usted requerirá de un buen manejo de su liderazgo, del compromiso y la efectividad del equipo y de los recursos, así como de cierta facilidad de adaptación que le permita ajustar la estrategia planeada si fuese necesario. El cierre de la estrategia ha de ser claro y lo suficientemente fuerte como para disminuir las dudas en el elector y se decida por el candidato.


133

13.2.3 Evaluación Las acciones de toda estrategia deben ser medibles, el resultado de la estrategia es producto de las actividades coordinadas y los equipos empelados. (a) ¿Para qué evaluar una estrategia?  Para continuar o abandonar acciones.  Mejorar prácticas o procedimientos.  Añadir o abandonar acciones específicas de la campaña.  Distribuir recursos.  Aceptar o rechazar un enfoque o una hipótesis. (b) ¿Qué medir?  El cumplimiento de los objetivos.  El cumplimiento de las tareas, acciones, herramientas que se plantearon.  El impacto de las acciones en la campaña. Asesorar la estrategia de comunicaciones durante una campaña política es como practicar surf, hay que saber manejar el equilibrio frente a la ola, saber leer su energía y sin embargo mantenerse diferenciado de ella.

14 REFERÊNCIAS AGUILERA, J. Gerencia integral de comunicaciones. Bogotá: Ecoe, 2007. ARISTÓTELES. (330 a C) La política. 330 a.C. CSINKSZENTMIHALYI, M. Creatividad. Barcelona: Paidos, 1998. DEMORY, Bernard. Convencer con la palabra. Barcelona: Granica, 1995. GARBETT, T. Imagen corporativa. Bogotá: Legis, 1991. KLUIVER, C. Pensamiento estratégico. NY: Pearson, 2001. LEÒN, J. Persuasión pública. Barcelona. Ediciones Universidad del País Vasco, 2001. SOLER, P. Estrategias de comunicación en publicidad y relaciones públicas. Barcelona: Gestión, 2000.


LÒPEZ, Daniel. (Compilador). Comunicación empresarial, comunicaciones como herramienta gerencial. Bogotá: Ecoe, 2007.

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el

plan

SWORDS, D.; TURNER, I. Estrategia de adentro hacia afuera. Buenos Aires: Panorama, 1998.

de


135 TELEJORNALISMO E INFLUÊNCIA DO VOTO PERIODISMO EN LA TELEVISIÓN Y INFLUENCIA EN LA VOTACIÓN TELEJOURNALISM AND VOTE INFLUENCE Alexandro KUROVSKI (1) RESUMO O texto apresenta e organiza de forma sistemática argumentos de algumas das principais pesquisas da comunicação política contemporânea no que tange à influência dos meios de comunicação na formação das preferências de voto. Destaca o telejornal como importante agente desse processo e proeminente instrumento de orientação política, notadamente, utilizado por eleitores no período eleitoral. PALAVRAS-CHAVE: mass media; eleições; telejornalismo; influência; comunicação política. ABSTRACT The text presents and organizes of systematic form arguments of some main research of communication politics contemporary in what it refers to the influence of the medias in the formation them vote preferences, detaching the TV news as important agent of this process and prominent instrument of orientation politics, used by voters in the electoral period. KEY-WORDS: mass media; elections; TV news; influence; political comunication. RESUMEN El texto presenta y organiza de forma sistemática argumentos de algumas de las principales pesquisas contemporáneas de la comunicación politica en lo que refiere a la influencia de los medios en la formación de las preferencias del voto, separando el telediario como importante agente deste proceso y prominente instrument de orientación política, usado por los votantes en el periodo electoral. PALABRAS-CLAVE: mass media; elecciones; telediario; influencia; comunicación politica.

1 INTRODUÇÃO A intrínseca relação entre eleições e mídia é um tema que desperta grande interesse na atualidade quando se busca compreender de forma mais aprofundada, as novas configurações assumidas pela política contemporânea. Nas sociedades modernas a capacidade de disseminação de representações da realidade social se concentra na


136 mídia (MIGUEL, 1999). Por isso, não se pode ignorar o impacto político dos conteúdos que ela difunde. Ao mesmo tempo em que os meios de comunicação ajudam a transformar os padrões do discurso político, também estabelecem uma relação entre representantes e representados e constituem uma ponte de acesso do cidadão comum aos campos de poder. No período eleitoral, em especial, os meios de comunicação surgem como instrumentos importantes, pois é através deles que uma grande parcela do eleitorado coletará dados sobre o comportamento anterior dos políticos, sobre suas plataformas ou mesmo, sobre a agenda pública. Nesse processo, o telejornal ocupa um papel de destaque porque nas últimas décadas, a televisão impôs-se como o meio predominante de comunicação de massa (WOLF, 1987) e, por consequência, o telejornal desponta como um dos maiores disseminadores dessa informação política. Daí o interesse em reunir e organizar de forma sistemática, argumentos de algumas das principais pesquisas da comunicação política contemporânea e fornecer subsídios que permitam pensar o papel do telejornalismo como agente de influência do voto, no período eleitoral. 2 AGENDAMENTO DA POLÍTICA A noção de agenda-setting, proposta pelos pesquisadores americanos McCombs e Shaw (1972), forma o núcleo conceitual de um novo modelo de pesquisa desenhado para testar empiricamente, os efeitos da comunicação de massa na preferência política e eleitoral do público. Até então, os estudos pós-teoria hipodérmica sugeriam que a mídia tinha um papel menos importante na conversão política do que lhe atribuíam as primeiras concepções sobre os efeitos da comunicação. No entanto, os dados que apoiaram essa perspectiva eram anteriores à época em que a televisão se tornou o principal meio de comunicação de massa e as campanhas eleitorais assumirem uma forma dominantemente midiática. A agenda-setting surgiu, portanto, da necessidade de se fazer uma nova avaliação da questão dos efeitos da mídia na audiência e no eleitor, levando-se em consideração a centralidade dos meios de comunicação e as formas inovadoras de comunicação política. Na visão de Fernando A. Azevedo (2004), o conceito e o modelo investigativo da agenda-setting ganha mais importância quando relacionado ao tema mais geral da formação da opinião pública em sociedades midiatizadas ou democracias de público.


137 Nessas democracias — entre as quais se enquadra o Brasil —, a relação entre meios de comunicação de massa e a opinião pública é crucial para se entender como são definidas as agendas temáticas e as questões públicas relevantes. Com o advento da mídia eletrônica, especialmente a televisão, houve um deslocamento parcial do debate público dos partidos e do parlamento para os meios de comunicação de massa e a presença, cada vez mais importante, de um eleitor sem vínculos ou fidelidade partidária, que incorre na volatilidade do voto. Sobre isso Azevedo coloca que, [...] o que ocorre, é que numa sociedade cada vez mais complexa e diferenciada socialmente e em que a mídia de massa e o jornalismo em particular desempenham um papel decisivo na estruturação do espaço público e do consenso social, os eleitores tendem a definir suas preferências eleitorais, levando em conta as questões colocadas em jogo, de modo eventual, a cada eleição (AZEVEDO, 2004, p. 46).

Esse aspecto se concretiza pela proeminência de determinados temas em detrimento de outros num período específico, como o eleitoral. Lang & Lang (1950) observam que toda notícia que reflete atividade política e crenças, não só discursos e propaganda de campanha, têm alguma relevância sobre o voto. Não somente durante a campanha, mas também entre os períodos, os mass media constroem perspectivas, firmam as imagens dos candidatos e dos partidos, ajudam a destacar os conceitos em torno dos quais se desenvolve uma campanha e defendem a atmosfera particular e as áreas sensíveis que marcam uma campanha específica. O procedimento metodológico padrão do modelo é o confronto entre agenda da mídia e a agenda do público, sendo que as duas agendas configuram a agenda-setting de um determinado período; e a comparação entre elas permite verificar as possíveis correlações entre ambas e qualificar os eventuais efeitos dos meios de comunicação sobre a audiência. Basicamente, a ideia presente nesse conceito de agendamento é que a mídia, ao selecionar determinados assuntos e ignorar outros, define quais são os temas, acontecimentos e atores (objetos) relevantes para a notícia e, ao fazer isso, estabelece uma escala de notoriedade e relevância entre esses objetos. Ao adotar enquadramentos positivos e negativos sobre temas, acontecimentos e atores, constrói atributos (positivos ou negativos) sobre esses elementos. Segundo Azevedo (2004), existe uma relação direta e causal entre as evidências dos tópicos da mídia e a percepção pública de quais são os temas importantes num determinado período de tempo. Dessa forma, o autor


138 identifica dois níveis na teoria: a mídia não apenas diz o que pensar (primeiro nível), mas também, diz como pensar sobre algo (segundo nível). A trajetória da agenda-setting, ao longo das últimas três décadas, gerou uma ampla e diversificada produção empírica, centrada nas relações entre os meios de comunicação de massa e a opinião pública, com ênfase especial nas campanhas políticas. Assim, ela constitui um subsídio sólido para compreensão da influência do telejornal na formação das preferências de voto. Paulo Liedtke (2007) utiliza esses conceitos para explicar o agendamento mútuo entre o Estado e os mass media na política nacional*. De acordo com o autor, um dos pressupostos das pesquisas sobre as rotinas jornalísticas e seus produtos é a constatação de que os acontecimentos tornam-se realidade para a população na medida em que ganham visibilidade pública através da mídia. Para as pessoas que não testemunham determinada ocorrência, esta somente integra seu repertório informativo quando a imprensa lhe dá alguma notoriedade. Assim, alguns temas tornam-se realidade objetiva na medida em que são divulgados. “É comum observamos situações em que a interferência da mídia alterou o rumo de acontecimentos, principalmente na política. É nesta potencialidade que se materializa a hipótese do agendamento” (LIEDTKE, 2007, p. 7). Um exemplo recente é o “caso Palocci”. As denúncias de enriquecimento ilícito contra o então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, amplamente divulgadas pela mídia, contribuíram sensivelmente para que o assunto ganhasse espaço e fosse tratado de fato como um problema urgente, transcendendo a agenda midiática e ocupando também, a agenda política. 3 ENQUADRAMENTOS DA MÍDIA E POLÍTICA

Um dos mais recentes enfoques sobre o papel dos meios de comunicação em processos políticos é o conceito de “enquadramento” ou framing. Ele surge como uma alternativa bastante interessante para suplantar as limitações das teorias tradicionais e, de certa forma, complementar a idéia da agenda-setting. Essa corrente teórica chama a atenção para o fato de que, ao tratar de temas políticos, a mídia incute valores e ideologias (principalmente dos próprios jornalistas) e *

(Trabalho apresentado ao GT Comunicação e Política do XVI Encontro da Compós, na UTP, Curitiba, PR, junho de 2007).


139 esse aspecto interfere no relato dos fatos. Dessa forma, o conteúdo da mídia desempenha uma função política e ideológica relevante, não apenas quando existe ou fala, como ainda, quando este conteúdo é produzido a partir de uma matriz ideológica limitada (PORTO, 2004). Por se tratar de um enfoque relativamente recente, ainda não existe uma definição consensual sobre o que são os enquadramentos da mídia. No texto “Enquadramentos da mídia e política”, publicado em 1994, Mauro Porto identifica alguns de seus principais aspectos através de estudos já realizados, os quais fornecem uma ideia bastante concreta a respeito desse conceito. A primeira definição a que o autor se remete é a elaborada por Goffman, que afirma: “tendemos a perceber os eventos e as situações de acordo com enquadramentos que nos permitem responder à pergunta: o que está ocorrendo aqui?” (GOFFMAN, citado por PORTO, 2004, p.78). Esse enfoque entende os enquadramentos como marcos interpessoais gerais, construídos socialmente, que permitem às pessoas atribuir sentido aos eventos e às situações sociais. Mas esse ponto de vista não surge apenas nos estudos sociológicos. Outra fonte de destaque para o conceito de enquadramento, segundo Porto, é o campo da Psicologia Cognitiva. Alguns estudos dessa área esclarecem que mudanças na formulação de problemas podem causar variações significativas nas preferências das pessoas. Uma ótima ilustração empregada pelo autor, é o experimento de Kahneman e Tversky (1984, p. 343; 1986, p. 124) no qual solicitam aos participantes imaginar que os Estados Unidos estejam se preparando para a eclosão de uma epidemia de uma doença estranha, que deveria matar 600 pessoas. Os autores pedem às pessoas para escolher entre dois programas propostos para combater a doença. Para um grupo, o primeiro programa é apresentado como o que salvaria 200 pessoas, enquanto que para o outro grupo, o mesmo programa se apresenta como responsável pela morte de 400 pessoas. Apesar do fato das alternativas serem idênticas (pois em um universo de 600 possíveis mortes, salvar 200 ou provocar a morte de 400, é a mesma coisa), os dados obtidos confirmaram que apesar de problemas iguais, as pessoas frequentemente, decidem de acordo com a forma como os temas são enquadrados. Assim, as escolhas envolvendo ganhos, “200 pessoas serão salvas”, tendem a rejeitar riscos, enquanto que as escolhas envolvendo perdas, “400 pessoas irão morrer” estimulam os indivíduos a assumir maior probabilidade de riscos.


140 A partir dessa experiência observa-se que o enquadramento dado à notícia, afeta as preferências e, não somente a manipulação da informação factual. O interessante nessa questão é que os efeitos de formulação podem ocorrer sem ninguém ter consciência do impacto do enquadramento adotado nas decisões e, é possível ainda ser explorado para tornar as opções mais e/ou menos atrativas ao público. Um dos primeiros autores a apresentar uma definição mais clara e sistemática do conceito de enquadramento foi Todd Gitlin (1980), segundo o qual: Os enquadramentos da mídia [...] organizam o mundo tanto para os jornalistas que escrevem relatos sobre ele, como também em um grau importante, para nós que recorremos às suas notícias. Enquadramentos da mídia são padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os manipuladores de símbolos organizam o discurso, seja verbal ou visual, de forma rotineira (GITLIN, 1980, p. 7, citado e traduzido por PORTO, 2004, p. 80).

Há outra definição, porém, que sintetiza de maneira adequada os aspectos centrais do conceito e de sua aplicação na análise de conteúdo da mídia. Ela está presente em uma revisão sistemática dos estudos sobre enquadramento, feita por Etman (1994). O enquadramento envolve essencialmente seleção e saliência. Enquadrar significa selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito (ETMAN, 1994, p. 294, citado e traduzido por PORTO, 2004, p. 82).

Outras pesquisas investigam o impacto dos enquadramentos da mídia nos entendimentos da audiência sobre temas políticos, a partir de grupos focais. Algumas apontam que a mídia é um dos recursos disponíveis mais importantes, mas que as pessoas negociam suas mensagens de forma complexa, dependendo do assunto. Um problema sério nos estudos sobre enquadramento, segundo Porto, é o forte “indeterminismo conceitual”: o conceito é usado de diversas formas, com sentidos distintos e designando objetos diferentes. Isso acontece porque esse conceito é bastante abrangente. Uma alternativa para essa questão é definir de forma clara, os diferentes tipos de enquadramento. Usualmente, autores dividem o enquadramento em dois tipos principais para distinguir os enquadramentos que a mídia simplesmente, “relata”, daqueles que ela “impõe”. Porto os classifica como “enquadramentos noticiosos” e “enquadramentos interpretativos” Os primeiros correspondem aos padrões de apresentação, seleção e


141 ênfase utilizados por jornalistas para organizar seus relatos. No jargão destes profissionais, é o “ângulo” ou “enfoque” da notícia, o ponto de vista adotado pelo texto noticioso que destaca certos elementos de uma realidade, em detrimento de outros. Uma característica relevante do enquadramento noticioso é o fato de que ele é resultado das escolhas dos jornalistas na elaboração das matérias e têm como consequência, a ênfase seletiva de uma realidade percebida. Já o enquadramento interpretativo se refere aos padrões de interpretação que promovem uma avaliação particular de temas e/ou eventos políticos, incluindo definições de problemas, avaliações sobre causas e responsabilidades, recomendações de tratamento, entre outras. Essas interpretações são relativamente independentes dos jornalistas e são promovidas por atores sociais diversos. Trata-se aqui de interpretações oriundas de um contexto mais amplo que podem ser incorporadas ou não, pela mídia. Dessa forma, O processo de enquadramento não é uma via de mão única através da qual as elites manipulam o público. Enquadramentos não se referem apenas a processos de manipulação, mas são parte de qualquer processo comunicativo, uma forma inevitável através da qual atores fazem sentido de suas experiências (PAN; KOSICKI, 2001, p.60, citados por PORTO, 2004).

A ausência de métodos sistemáticos para análise de conteúdo da mídia constitui um dos principais problemas do enquadramento. Diante da complexidade das mensagens dos meios de comunicação torna-se trabalhoso fazer uma análise e difícil de evitar alguns erros. Para suprir parcialmente essa debilidade o autor propõe uma classificação sobre a “forma” das mensagens televisivas. A presença ou ausência de mais de um enquadramento é um dos parâmetros para se fazer essa distinção. Assim, segmentos “restritos” são aqueles que incluem um único enquadramento interpretativo sobre um evento ou tema político, enquanto que segmentos “plurais”, por sua vez, podem ser subdivididos em “plurais-fechados”, onde um dos enquadramentos é privilegiado, e “plurais-abertos”, onde nenhum enquadramento é apresentado como mais válido ou verdadeiro. Finalmente, os segmentos com uma forma “episódica” não incluem enquadramentos interpretativos, adotando um estilo descritivo de reportagem (PORTO, 2001 e 2002, citado em PORTO, 2004).


142 Apesar dos diversos problemas que ainda caracterizam os estudos dessa tradição, o novo enfoque teórico oferece uma sólida alternativa para paradigmas em declínio ou contribui para superar algumas das lacunas mais importantes das teorias existentes. No estudo de Paulo Liedtke sobre o agendamento mútuo entre o Estado e os mass media na política nacional, já citado anteriormente, o conceito de enquadramento também é aplicado. O autor chama atenção para o fato de que “dependendo da forma como for realizada a cobertura jornalística (enquadramento), a repercussão na imprensa ajudará a dar um curso aos acontecimentos, interferindo na sua dinâmica social a partir da sua divulgação”. (LIEDTKE, 2007, p. 7) 4 ESTUDOS SOBRE A INFLUÊNCIA DA TELEVISÃO SOBRE A OPINIÃO DO ELEITOR Em geral, os analistas políticos desprezam os meios de comunicação, vistos como, no máximo, coadjuvantes de um jogo cujos protagonistas são partidos, candidatos e, às vezes, sindicalistas e militares. No entanto, como observou Luiz Felipe Miguel, ao citar Murray Edelman (1985, p. 10), o elemento crítico na disputa política é “a criação de sentido: a construção de crenças sobre o significado de eventos, de problemas, de crises, de mudanças políticas e de líderes”. Nas sociedades contemporâneas, a capacidade de disseminação de representações da realidade social se concentra na mídia. Fica clara, portanto, a importância política dos conteúdos que ela difunde. Entre os estudiosos da relação entre os meios de comunicação e a política, podese perceber que há uma grande preocupação em evitar as simplistas “teorias conspiratórias”, que explicam a influência da mídia sobre a arena política a partir de maquinações tramadas a portas fechadas pelos patrões das empresas de informação, em conluio com os donos do poder. De fato, o comportamento da mídia em geral, e do jornalismo em particular, sofre influências distintas, dentre elas, as pressões do mercado, a estrutura de propriedade das empresas e a forma de produção industrial da notícia, além da origem social e da socialização educacional e profissional, comuns dos jornalistas (MIGUEL, 1999). Nesse aspecto, classificam-se os estudos sobre influência da mídia na opinião do eleitor, em duas correntes distintas; uma vê ressalvas e até questiona a relevância da


143 televisão na formação da opinião do eleitorado e outra, reconhece sua importância e atesta sua existência. Neste texto, por questões práticas, analisar-se-á apenas a segunda.

5 A INFLUÊNCIA DA TELEVISÃO NA POLÍTICA A discussão sobre o papel da televisão no processo político, principalmente no que se refere ao comportamento eleitoral, não é muito frequente nos estudos da ciência política brasileira. Variáveis como os partidos políticos, a posição sócio-econômica dos eleitores e o populismo, destacam-se nos estudos do processo da decisão do voto. Tal descaso, segundo Mauro Porto (1993, p. 1-2) “torna-se injustificado principalmente devido à importancia da indústria cultural e da televisão na sociedade brasileira, diante da fragilidade histórica das nossas instituições políticas”. Só nas últimas duas décadas é que se observa uma crescente preocupação com o tema, cada vez mais explorado nas pesquisas acadêmicas. Entre os trabalhos de destaque do gênero, encontra-se a análise do papel da televisão na eleição de 1992, para prefeitura de São Paulo, elaborada pelo próprio Mauro Porto. O trabalho de Porto representa um esforço no sentido de ressaltar o papel da televisão no estabelecimento e manutenção da hegemonia de certos valores e ideias que têm uma função relevante no processo eleitoral e na política, como um todo. Nessa perspectiva, a influência da televisão na política não se resume à divulgação de notícias sobre as campanhas ou aos programas dos candidatos e partidos, mas abrange o processo de construção de representações sobre a vida social e política que se estabelece durante toda a programação da TV. Porto analisou o “Jornal Nacional” e a novela “Pedra sobre Pedra”* (ambos programas da Rede Globo de Televisão) e o jornal “Aqui Agora” (do SBT). Através de entrevistas em forma de painel, feitas com 90 eleitores, no período eleitoral, o autor observou que a televisão foi um instrumento importante na construção de um cenário marcado pela desqualificação da política e dos políticos. Para Porto, um dos fatores que indicam a importância da televisão no processo eleitoral, é a sua credibilidade como fonte de informação. O telespectador acredita ver natelevisão a própria realidade, e não uma mensagem parcial e fragmentada dessa realidade. A televisão se consolida como instituição política *

A novela em questão foi ao ar entre 6 de janeiro e 31 de julho de 1992.


144 não só por constituir, hoje, a principal fonte de informação para grande parte dos eleitores, mas também porque suas mensagens são recebidas com grande credibilidade por esses eleitores (PORTO, 1993, p. 22).

Para que se entenda de maneira aprofundada de que forma a televisão exerce influência sobre a formação da opinião das pessoas e de onde vem essa credibilidade conferida ao meio audiovisual, recorre-se à pesquisa de Alessandra Aldé (2004), que analisa o papel da televisão na construção da política. A autora parte da concepção de que a televisão é usada recorrentemente como repertório de exemplos para explicar a política e, isso ocorre por meio de mecanismos de incorporação de explicações, oferecidos especificamente, por esse meio audiovisual: a essência dos fatos, o estatuto visual da verdade e a personalização da política. Na visão de Aldé, a televisão entra em consonância com os instrumentos cognitivos usados por todas as pessoas em suas relações de comunicação. É recorrendo a esses prismas, em sua exposição do mundo em geral e da esfera pública em particular, que a televisão influi na estruturação e manutenção das atitudes políticas do cidadão comum. São mecanismos cognitivos que, simplificando os fatos e eventos em modelos e histórias exemplares, aproximam-nos dos esquemas associativos mais corriqueiros, estimulando sua incorporação ao discurso e ao repertório de exemplos da cada cidadão (ALDÉ, 2004, p.175).

Assim, quanto mais os meios se apropriam de mecanismos cognitivos de fácil assimilação pelos cidadãos para enquadrar as notícias, maior a probabilidade de influência, na hora da escolha da explicação mais plausível para determinado cenário político. Para as pessoas entrevistadas por Aldé, o noticiário em geral, é uma fonte fundamental para o repertório de exemplos recorrentes, vistos como autorizados, com que legitimam suas explicações estruturais sobre o mundo político. Muitas notícias são então, usadas pelos indivíduos como chaves explicativas, com as quais ilustram suas ideias sobre as instituições, o comportamento dos políticos, grupos organizados ou jornalistas. Inúmeros exemplos provêm dos telejornais, especialmente, dos espectadores assíduos. A televisão colabora ativamente na constatação da perspectiva a partir da qual cada pessoa confere significado ao mundo, define a agenda pública e fornece explicações que fundamentam a ação. Aldé identifica alguns mecanismos cognitivos


145 que, facilitando o acesso dos indivíduos a determinadas explicações, transformam a mídia, e principalmente, a televisão, num quadro de referências especialmente relevante. O primeiro mecanismo cognitivo apontado por ela, diz respeito à predileção dos individuos para avaliar situações através de esquemas explicativos normativos, conclusivos e moralizantes, definidos e simplificados, que podem servir de guia para ação. Assim, discursos que, em vez de fatos e estatísticas maçantes, apresentam uma posição, encontram maior aceitação entre grande parcela dos telespectadores. A tendência é de que o telespectador privilegie as interpretações pré-processadas, que não demandem muita reflexão para estabelecer um parâmmetro próprio. O segundo mecanismo remete ao caráter documental atribuido pelos telespectadores ao que podem ver, à força das imagens propriamente ditas. É o que a autora chama de “estatuto visual da verdade”, que confere à televisão um instrumento a mais para fornecer pistas aceitáveis sobre o funcionamento e orientação do mundo exterior, permitindo-lhe naturalizar a narrativa telejornalística. O terceiro mecanismo identificado é a personalização dos fatos e eventos políticos, enquadramento tanto mais presente na televisão na medida em que responde à tendência dos receptores à organização do mundo público, mais em termos de seus personagens do que em termos institucionais ou históricos. Todos estes recursos cognitivos do cidadão comum para se orientar no mundo da política indicam a importância central da questão da audiência e credibilidade dos telejornais e dos jornalistas em geral. É por esses caminhos que o cidadão comum, muito geralmente, dá sentido ao mundo, e constrói justificativas para suas ações (ALDÉ, 2004, p. 178).

Por isso, o papel dos apresentadores de telejornal e dos jornalistas é, muitas vezes, o de fornecer a avaliação da notícia, conferindo-lhe positividade ou negatividade, respondendo à demanda das opiniões prontas, explicações assimiláveis, de preferência julgamentos, sem que seja necessário pesar todos os fatos. Outro ponto interessante levantado por Aldé, refere-se ao grau de personalização das notícas existente na televisão. A informação política, em particular, envolve experiências complexas, que chegam indiretamente ao espectador, através de um meio impessoal. Trata-se de temas, frequentemente abstratos, difíceis de traduzir em imagens. Os emissores, assim, costumam recorrer aos indivíduos por trás das leis, políticas públicas e negociações que preenchem o cotidiano da política.


146 A personalização da política [...] obedece a uma lógica afetiva, o que as pessoas passam, ao vivo ou na TV, não é construido pela coleta e análise de informações sobre administração, leis e medidas provisórias, e sim baseado na empatia da figura pública em seu relacionamento — muitas vezes via mídia — com o telespectador individual (ALDÉ, 2004, p. 192).

O mesmo acontece no período eleitoral, quando as escolhas são, seguidamente, orientadas por critérios personalistas e intuitivos que reconhecem nos meios, especialmente na televisão, as construções de imagens correspondentes. Outra faceta dessa personalização da comunicação política é a possibilidade de se identificar pessoalmente com o noticiário; sentir que a situação retratada poderia acontecer com qualquer um. Assim, o tratamento humano dado pela televisão, coerente com seus atributos discursivos, facilita a identificação dos sujeitos com situações que acontecem no cotidiano, validando as explicações oferecidas pelo meio. As pessoas na televisão não são, no caso, os profissionais da emissora, mas o “povo fala” tão comum nos telejornais. A política torna-se com o uso desse mecanismo, um ambiente mais inteligível para o cidadão comum. A personalização dos problemas da esfera pública, dá aos indivíduos a oportunidade de se identificar com um mundo, geralmente visto, como distante e complexo. Esses são alguns elementos que possibilitam a compreeensão de como o telespectador se encontra à mercê da influência da televisão na formação de seu repertório político, talvez até em maior grau do que em outros campos informacionais. 6 A INFLUÊNCIA DA TELEVISÃO NA FORMAÇÃO DAS PREFERÊNCIAS DE VOTO Um dos trabalhos mais consistentes no campo da influência da televisão na formação das preferências de voto é a análise de Luiz Felipe Miguel (1999) sobre a campanha eleitoral que levou à recondução de Fernando Henrique Cardoso ao cargo de Presidente da República, em 1998, sob um ângulo específico: o do comportamento da mídia e, mais precisamente, do principal telejornal do país, o “Jornal Nacional”, assistido diariamente, por dezenas de milhões de pessoas. O comportamento da mídia em geral, e do jornalismo em particular, sofre influências distintas, dentre elas, as pressões do mercado, a estrutura de propriedade das empresas e a forma de produção industrial da notícia, além da origem social e da


147 socialização educacional e profissional, comuns dos jornalistas. O caso brasileiro, porém, possui particularidades. Se for verdade que todos os fatores citados acima possuem relevância para a compreensão do comportamento da mídia no processo eleitoral, também é certo que a Rede Globo é um quase-monopólio de televisão, consciente de seu poder e disposta a exercê-lo (MIGUEL, 1999). Dessa forma, segundo o autor, o telejornalismo da Globo não se exime de usar o poder que possui. Em diversos episódios da história recente do país, a Emissora revelou sua disposição para, se necessário, manipular informações e, assim, conduzir processos políticos importantes. Embora nem sempre a Rede Globo alcance êxito absoluto em suas iniciativas, fica claro que seu noticiário é, ao menos em momentos cruciais, guiado por decisões políticas conscientes, como um instrumento de intervenção para afastar cenários adversos àquilo que a Empresa define como de seus interesses. O poder que a Emissora tem e não deixa de usar é, precisamente, o poder próprio da mídia, de contribuir para a construção das representações do mundo social através de sua programação e, em especial, de seus noticiários. Para Luiz Felipe Miguel, o dado que mais se destaca, quando se analisa o conteúdo do “Jornal Nacional” no período imediatamente anterior às eleições de 1998, é a ausência quase completa no noticiário, da campanha política. Segundo ele, trata-se de uma decisão pensada da Empresa, transmitida também às emissoras afiliadas, que receberam a recomendação de ignorar as eleições nos telejornais locais. A justificativa era que, dado o desgaste da Rede Globo por seu envolvimento em pleitos passados, tornava-se necessário resguardar a credibilidade da Emissora, assumindo uma postura completamente imparcial. A ausência de cobertura garantiria a igualdade entre os candidatos. Miguel analisou 72 edições do “Jornal Nacional” nas semanas que antecederam o pleito de 1998 e constatou que, nesse período, em quase 28 horas de noticiário, o “Jornal Nacional” dedicou pouco mais de 1 hora e 15 minutos (ou 4,6% do total) às eleições. Os números da pesquisa indicaram um equilíbrio bastante razoável no tempo destinado a cada um dos principais candidatos. Mas, de acordo com o autor, ocorre que — coincidência ou não — o esvaziamento da cobertura eleitoral pela Rede Globo era congruente com a estratégia traçada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso para sua reeleição. Para um governante que já exercia a Presidência e se mantinha com


148 índices razoáveis de aprovação popular, não era interessante ampliar a discussão sobre as alternativas à sua gestão ou sobre prioridades políticas divergentes. Miguel constata ainda que, em 1998, o “Jornal Nacional” recusou-se a incorporar em sua pauta os temas apresentados na propaganda eleitoral. Os principais candidatos da oposição, Lula e Ciro Gomes, enfatizaram em seus programas de televisão o desemprego, o apresentado como principal problema social do país; Lula insistiu também na seca que assolava a região Nordeste, causando fome de milhares de sertanejos. O aumento do desemprego e a seca, tanto quanto outros problemas enfrentados pelo governo (em especial, um grande incêndio que devastava parte da Amazônia), ocupou razoável espaço na imprensa antes da Copa do Mundo, e a postura do “Jornal Nacional”, não foi diferente. Depois do campeonato mundial, porém, a agenda mudou. O incêndio em Roraima já fora contornado, mas o desemprego crescente e a estiagem que prosseguia no Nordeste tinham simplesmente sumido dos noticiários — da grande imprensa em geral, e da Rede Globo, em particular. O que chama atenção nessa pesquisa é o fato do “Jornal Nacional”, além de preterir temas relevantes (como a seca e o desemprego), privilegiar o noticiário leve e o fait divers (curiosidades em geral). Dessa forma, o “Jornal Nacional” contribuiu para suprimir a campanha eleitoral e outras questões potencialmente relevantes da agenda pública — uma postura que era, em última análise, congruente com a estratégia da candidatura de Fernando Henrique Cardoso à reeleição. O próprio enquadramento do noticiário também beneficiou o Presidente da República. O candidato Luiz Inácio Lula da Silva reclamou do viés da cobertura de imprensa. Segundo a nota lida pelo apresentador do “Jornal Nacional,” “o candidato acusou o governo de pedir e conseguir dos meios de comunicação que suprimissem do noticiário informações sobre a seca e o desemprego”. Seguiram-se um curto sound bite de Lula e a resposta da Globo, afiançando sua total objetividade. A presença da acusação no noticiário serviu como o melhor desmentido ao acusador: passava como evidência da imparcialidade da emissora. Ao mesmo tempo, uma reportagem exibida momentos antes mostrava tanto, que a Globo falava, sim, da seca no Nordeste, quanto, o fato de que ela não era tão grave quanto Lula fazia crer, já que havia fartura na colheita. Fato semelhante ocorreu em relação à cobertura da crise econômica, atribuída a fatores externos, eximindo-se, por assim dizer, a responsabilidade do então Presidente e candidato à reeleição, Fernando Henrique Cardoso.


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Como candidato, Fernando Henrique Cardoso soube eficazmente construir um enquadramento da crise econômica que o beneficiava. Por um lado, eximia-se de responsabilidade pela crise; por outro, apresentava-se como o único capaz de resolvê-la (MIGUEL, 1999, p. 12).

Nesse aspecto, a pesquisa demonstra que o enquadramento predominante no “Jornal Nacional” foi congruente com o do governo — e o noticiário reservou pouquíssimo espaço para análise da situação econômica, mais próxima à dos candidatos da oposição. Na concepção de Miguel, eliminando de sua pauta questões como o desemprego ou a seca, o “Jornal Nacional” transmitiu uma visão distorcida da realidade brasileira e sonegou de seus espectadores dados importantes para que eles fizessem suas escolhas políticas. Negando espaço para enquadramentos divergentes das questões públicas, em especial da crise econômica, contribuiu para esvaziar o debate e, portanto, para degradar o exercício da democracia no Brasil. E, o comportamento do restante da grande mídia brasileira foi semelhante. Exemplos similares são as recentes eleições em Portugal e no Peru, quando a mídia teve um papel relevante ao dar visibilidade aos problemas sociais e econômicos, criando um aparente clima de insatisfação, o que culminou com a eleição de representantes de partidos oposicionistas — um conservador, em Portugal e um nacionalista, no Peru —, em detrimento dos grupos que mantinham a hegemonia de poder nesses países. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora a influência política do telejornalismo ainda seja ignorada por alguns teóricos, as pesquisas analisadas permitem constatar a pertinência do tema. Mesmo que o poder de influência da televisão apresente limitações, é evidente sua parcela de contribuição na formação e manutenção da consciência política de uma grande parcela dos cidadãos. Para muitos, inclusive, ela constitui o único meio de contato com a política. Constata-se que, quanto maior o conhecimento do telespectador a respeito dos temas expostos na televisão, e nos telejornais em especial, menor será o efeito de sua influência. Isso porque, quanto mais conhecimento e maior proximidade tiver com a


150 questão, maior será seu aparato lógico disponível para analisar, processar e questionar a informação. No entanto, quando o assunto não faz parte do repertório cotidiano do cidadão, cria-se uma pré-disposição à recepção e aceitação das opiniões prontas e de susceptibilidade aos enquadramentos da mídia. No caso da política em particular, principalmente no âmbito nacional, o telejornal constitui um canal ímpar de informação. Grande parte das questões políticas discutidas no Congresso chega até a população apenas através dos telejornais, com poucas exceções. Por isso, arrisca-se a dizer que, em poucos campos de interesse, a influência da televisão é tão relevante quanto no político. É através da televisão, irrefutavelmente, que a cidadão comum tem “contato” com os principais personagens da política nacional. É por meio da imagem na tela que se estabelece uma “relação” de simpatia ou aversão, dependendo do enquadramento adotado. O próprio aspecto visual do telejornal auxilia a conferir credibilidade à informação, é como se o espectador estivesse presenciando o fato. Variáveis, como o processo de confecção da notícia e as peculiaridades do enquadramento, não chegam a abalar sua confiança. Portanto, pode-se sustentar que o telejornal influi, sim, na formação das preferências de voto e cumpre um papel importante na definição da cultura política e dos valores compartilhados pelos cidadãos. Resta saber até que ponto essa influência se reflete no processo democrático brasileiro. 8 REFERÊNCIAS ALDÉ, Alessandra. A construção da política. Rio de Janeiro: FGV, 2004. AZEVEDO, Fernando Antônio. “Agendamento da política”. In: RUBIM, Antônio A. C. (org.). Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: Edufba, 2004. FIGUEIREDO, Rubens; COUTINHO, Ciro. “A eleição de 2002.” Opinião Pública, Campinas, v. 9, n. 2, 2003. LIEDTKE, Paulo. Governando com a mídia: o agendamento mútuo entre o Estado e os mass media na política nacional. Curitiba: XVI COMPÓS, 2007. MIGUEL, Luiz Felipe. “Um ponto cego nas teorias da democracia: os meios de comunicação”. BIB — Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, nº 49, p. 51–78, 2000.


151 ________________. “Mídia e eleições: a campanha de 1998 na Rede Globo”. Dados, Rio de Janeiro, v. 42, n. 2, 1999. _________________. “Discursos cruzados: tele noticiários, HPEG e a construção da agenda eleitoral.” Sociologias, Porto Alegre, n. 11, 2004. __________________. “Mídia e vínculo eleitoral: a literatura internacional e o caso brasileiro”. Opinião Pública, Campinas, v. 10, n. 1, 2004. PORTO, Mauro Pereira. “O papel da televisão na eleição de 1992 para prefeito de São Paulo”. Cadernos de mídia e política, Fundação Universidade de Brasília, 1993. PORTO, Mauro Pereira. “Enquadramentos da mídia e política”. In Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: Edufba, 2004. _________________. “Enquadramentos da mídia e política”. In: RUBIM, Antônio A. C. (org.), Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: Edufba, 2004. RUBIM, Antonio Albino Canelas. “Novas configurações das eleições na idade mídia”. Opinião Pública, Campinas, CESOP/UNICAMP, v. VII, nº2, p. 172-185, 2004. WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1995.


COMUNICAÇÃO ELEITORAL: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais em 2010. Segunda Parte ELEIÇÕES 2010 Capítulo IX - RUPTURAS, RETROCESSOS E REPETIÇÕES NA PROPAGANDA ELEITORAL . Luciana Panke. Capítulo X - A CAMPANHA DE 2010 NO CONTEXTO DA PERSONALIZAÇÃO DA POLÍTICA. Paulo Roberto Figueira Leal e Mário Braga Magalhães Hubner Vieira. Capítulo XI - O DISCURSO E A IMAGEM DO PT E DO PSDB NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002 E 2010 NO BRASIL. Nelson Rosário de Souza e Sandra Avi dos Santos. Capítulo XII - TWITTER: BUZZ MARKETING NA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2010. Mauricio Romanini. Capítulo XIII - COMO A FOLHA DE SÃO PAULO COBRIU AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS: um estudo comparativo entre as disputas de 2006 e 2010. Emerson Urizzi Cervi, Nelson Rosário de Souza e Leonardo Medeiros Barretta. Capítulo XIV - A COBERTURA DA REVISTA “VEJA” SOBRE A DISPUTA PRESIDENCIAL DE 2010. Luiz Ademir de Oliveira e Wanderson Antônio do Nascimento.


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RUPTURAS, RETROCESSOS E REPETIÇÕES NA PROPAGANDA ELEITORAL RUPTURAS, RETROCESOS Y REPETICIONES EN LA PUBLICIDAD ELECTORAL BREAKS, SETBACKS AND REPETITIONS IN ELECTORAL PROPAGANDA Por Luciana PANKE1 RESUMO A propaganda eleitoral é um foco de estudo na área de comunicação política que abarca questões sobre os aspectos instrumentais, conceituais e éticos. Aqui, apresentam-se algumas reflexões sobre os processos de ruptura, retrocessos e repetições presentes no cenário da disputa eleitoral à Presidência da República, no Brasil, em 2010. Para isso, retomam-se conceitos na área de discurso, oriundos de Foucault (1996), Courtine (1999) e Charaudeuau (2008). Já no campo da comunicação política, os trabalhos de Figueiredo (1998), Iten e Kobayashi (2002) e Gomes (2004). PALAVRAS-CHAVE: comunicação política; propaganda eleitoral; marketing eleitoral; HGPE; eleições 2010. RESUMEN La propaganda electoral es un de estúdios en comunicación política. Presentamos algunas reflexiones a respecto de los processos de ruptura, retrocessos y repeticiones e La disputa electoral a la Presidência de la República de Brasil, en 2010. Para eso, usamos los conceptos de discurso de Foucault (1996), Courtine (1999) e Charaudeuau (2008). En el campo de la comunicación política, los trabajos de Figueiredo (1998), Iten e Kobayashi (2002) e Gomes (2004). PALABRAS-CLAVE: comunicación política; propaganda electoral; marketing electoral; elecciones 2010. ABSTRACT The electoral propaganda is a focus of study in political communication studies. Here, we have some reflections on the breakup process, setbacks and repeats present on 1

Coordenadora e Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná, na linha Comunicação, Política e Atores Coletivos. Doutora em Ciências da Comunicação (ECA-USP), Vice-Presidente da Politicom gestão 2011-2014 (Sociedade Brasileira de Profissionais e Pesquisadores de Comunicação e Marketing Político) e autora do livro “Lula do sindicalismo à reeleição: um caso de comunicação, política e discurso”. São Paulo: Horizonte, 2010.


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the stage of the electoral contest for the presidency in Brazil in 2010. To do so, returning to concepts from Foucault's (1996), Courtine (1999) and Charaudeuau (2008) about discourse and about political communication, the work of Figueiredo (1998), Iten and Kobayashi (2002) and Gomes (2004). WORD-KEYS: political communication; political advertising; electoral marketing; elections 2010.

1 INTRODUÇÃO A primeira disputa, desde 1989, sem a participação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como candidato à Presidência foi marcada por uma série de características peculiares. Pode-se destacar, de início, o fato do Partido dos Trabalhadores inovar, novamente, a história da política brasileira. Há 8 anos, elegeu o primeiro presidente operário e agora, a primeira mulher presidente da República: Dilma Rousseff. Apesar de não se apresentar enquanto candidato, Lula teve papel determinante nesse processo. A popularidade conquistada em seu governo foi disputada até entre adversários que não souberam construir um posicionamento forte o suficiente para se apresentar enquanto oposição. A articulação política do Presidente contou ainda com uma reformulação em seus discursos sobre a mulher, tendo em vista a candidatura da sua ex-ministra da Casa Civil. Conforme se defendeu em outra pesquisa2, a presença da mulher nas falas do Presidente esteve tradicionalmente relacionada ao papel clássico da mulher enquanto mãe, esposa e provedora. Principalmente, a partir de 2009, essa fala foi alterada, para oportunamente, enaltecer as qualidades profissionais da futura candidata do Partido.

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O Dia Internacional da Mulher na perspectiva discursiva do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Revista Cuestiones de género: de la igualdad y la diferencia. Espanha: Universidade de León, 2009.


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2 SOBRE O CONTEXTO Nove candidatos disputaram o cargo: Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB), Marina Silva (PV), Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), José Maria Eymael (PSDC), Zé Maria (PSTU), Levy Fidelix (PRTB), Rui Costa Pimenta (PCO) e Ivan Martins Pinheiro (PCB). Repetindo o cenário presente no Brasil há 16 anos, a eleição permaneceu polarizada entre PT e PSDB. Apesar das diferenças partidárias, os dois principais candidatos possuíam uma característica em comum: ambos foram ex-líderes estudantis que lutaram por liberdade durante o Regime Militar. A geração “1968” se consolida no poder. A primeira mulher presidente também foi a primeira a sair candidata pelo partido dos Trabalhadores. Entretanto, Dilma Rousseff não foi a única a se destacar no cenário político eleitoral. Marina Silva, do Partido Verde, apareceu como uma das revelações em 2010, conquistando uma fatia do eleitorado, insatisfeita com as principais candidaturas. Isso rendeu, de acordo com o TSE, quase 20 milhões de votos e a ascensão do Partido Verde. Por outro lado, o candidato Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), aos 80 anos, atraiu o eleitorado mais jovem com a estratégia de criticar abertamente as principais lideranças. Deve-se a essa tática, também, à visibilidade que o candidato conseguiu junto aos principais grupos de comunicação ao pleitear espaço para participação em debates e coberturas jornalísticas. Isso leva a ponderar, agora, algumas questões referentes à imprensa. Desta vez, além de vários periódicos nacionais enfocarem seus conteúdos a favor ou contra determinados candidatos, alguns grupos se declararam favoráveis à eleição de José Serra, contrariando a prerrogativa de que o jornalismo deve ser imparcial. Em vários momentos, conteúdo jornalístico e propaganda eleitoral se misturaram, em especial, a contrapropaganda a qual construiu uma imagem negativa da candidata petista reforçando-a constantemente. Nesse esforço de construir uma imagem que associasse Dilma Rousseff a uma ameaça, vários veículos nacionais retomaram os mesmos discursos usados contra Lula, em suas campanhas iniciais. Desde o medo instaurado de se mexer na economia estabilizada até a possível dissolução da Igreja, foram temáticas agendadas. “A constituição de um espaço do repetível toma a forma de uma retomada palavra por


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palavra, de discurso em discurso, de numerosas formulações” (COURTINE, 1999, p. 19). O autor defende a presença de rituais discursivos da continuidade que “produzem um corte temporal ligando o presente da enunciação ao passado – e também ao futuro – discursivo, em uma anulação imaginária dos processos históricos” (COURTINE, 1999, p. 20) A constatação de Courtine reforça o que se viu quando a lacuna temporal, entre 1989 e 2010, deixou de existir. É imprescindível citar a força da campanha pela Internet, em especial a realizada no microblog twitter e a veiculação de conteúdos virais. A comunicação via rede serviu tanto para difundir propostas legítimas de cada candidatura, quanto para gerar boatos e propagar difamações. No twitter, candidatos e partidos encontraram uma alternativa para divulgar suas agendas e algumas ideias, e também, para se aproximar de eleitores. Um dos principais candidatos a usar a ferramenta na comunicação eleitoral foi a representante do PV, Marina Silva, conforme se verá adiante. Os virais, por sua vez, são passados de um usuário a outro, o que configura uma conotação diferente de um e-mail que chega por outra fonte, como pela assessoria de candidatos, por exemplo. Esses conteúdos se apropriam de dois recursos principais: denuncismo e humor. A primeira categoria se configura por um tom sério e aparece, usualmente, assinada por “fontes inquestionáveis”, como líderes de opinião ou imprensa. São mensagens de alerta e prometem revelar fatos que não se conseguiria por outro meio, senão àquele que seria o mais democrático na veiculação de informações proibidas, a Internet. Os conteúdos mesclam, então, um pouco de denuncismo, com teoria da conspiração. Esse fato não significa, contudo, que todos os e-mails que circulam pela Internet com supostas denúncias sejam falsos, mas significa que o usuário deve deixar a ingenuidade de lado e verificar as fontes, antes de propagar inverdades. A outra categoria dos virais é caracterizada pelo uso do humor para expor situações e pessoas ao ridículo. Aqui, o esdrúxulo prevalece e os candidatos são estigmatizados e transformados em personagens centrais de piadas e de caricaturas. O humor provocativo de ataque, alicerçado numa ‘retórica agressiva’, pela qual a persuasão se alicerça no medo do ridículo, apresenta sempre um valor dialógico, intertextual (no sentido de remeter para discursos anteriores ou ainda por proferir) e uma marca divergente (relativa ao facto de serem considerados insultuosos) (CAMILO, 2008, p. 02).


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Importante frisar que essa estratégia agressiva, mascarada pelo riso, não é necessariamente produzida por eleitores. Pelo contrário, uma contrapropaganda se encarrega de produzir conteúdos aparentemente “caseiros” e os dissemina entre eleitores que repassam aos amigos e assim por diante. A característica de qualquer comunicação viral é justamente, isentar-se de vínculos institucionais e parecer uma mensagem trocada entre amigos ou conhecidos. 3 SOBRE OS VALORES Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) defendem na Nova Retórica, que usar argumentos não comprováveis é uma opção disponível ao orador, e não provoca um discurso vazio. Quando se trata de discurso político eleitoral, o uso de valores e paixões ampara boa parte das falas, pois, se delibera muitas vezes, sobre o suposto caráter do candidato e não apenas, sobre sua capacidade para exercer o cargo que pleiteia. O que se viu, em 2010, foi uma profusão de valores moralistas e religiosos que sobrepujaram questões administrativas. A campanha pareceu pautada pelas dualidades: verdade/mentira; bem/mal. Nesse sentido, observa-se a apropriação desses termos como mote de discurso, sobretudo na campanha de José Serra (PSDB). O principal jingle3 do candidato, por exemplo, tinha como refrão “Serra é do bem”, o que deixa implícito, baseado em um mundo de dualidades, que outro (s) candidato (s) pertenceria (m) a outra classificação que não a do “bem”. Ainda sobre a presença de valores na campanha, destaca-se o cruzamento entre família e Estado. Os papéis de ambos ficaram confusos, em especial pela argumentação de que o Governo Federal teria o dever de garantir o bem estar das famílias. Além desse enfoque paternalista, de um Estado provedor, questões tradicionalistas vieram à tona com o agendamento temático sobre aborto e casamento entre homossexuais. “Não há sociedade onde não existam narrativas maiores que se contam, se repetem e se fazem variar” (FOUCAULT, 1996, p. 22) Dessa forma, as temáticas foram apresentadas como uma “afronta” à família brasileira, despertando ou estimulando medos infundados. Compactuando com isso, notou-se a difusão da intromissão da Igreja no processo eleitoral brasileiro a partir de várias instituições cristãs. Diversos segmentos, 3

Vale destacar que a canção foi usada em outras campanhas do candidato.


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desde o catolicismo às igrejas evangélicas, se manifestaram contra a candidatura de Dilma Rousseff (PT) alegando que a candidata seria a favor do aborto e, como consequência, contra o maior bem sagrado: a vida. Essas manifestações circularam intensamente pela Internet no formato viral ou por manifestações formais gravadas por pastores, veiculadas no Youtube4. Gomes ressalta com clareza que “grande parte das energias dos agentes da política contemporânea se destina a fazer com que uma grandeza demograficamente relevante de pessoas pense e sinta determinadas coisas a respeito de determinados sujeitos” (GOMES, 2004, p. 358) Até mesmo o maior líder da igreja católica, o Papa Bento XVI, teria orientado os bispos brasileiros a se posicionarem contra candidatos que defendessem o aborto. A proliferação dessas mensagens gerou o que se denomina de efeito “telefone sem fio”, no qual uma mensagem é emitida, repetida e alterada no decorrer de sua propagação. “Uma repetição que é ao mesmo tempo ausente e presente na série de formulações: ausente porque ela funciona aí sob o modo do desconhecimento, e presente em seu efeito, uma repetição na ordem de uma memória lacunar ou com falhas” (COURTINE, 1999, p. 21) Por todos os fatores contextuais citados anteriormente, infere-se que o pleito de 2010 sofreu um retrocesso em suas raízes democráticas. As questões emocionais afloraram de tal forma que os projetos de governo ficaram em segundo plano. Nesse caso, contata-se que prevaleceu a dimensão retórica, quando a força argumentativa é mais evidente que o caráter informacional da comunicação. “Informação, para que se possa aderir a uma determinada posição é preciso conhecê-la: dimensão normativa. Eficiência argumentativa, quando a meta de um grupo ou sujeito de interesse tanto na propaganda quanto na discussão pública é a imposição de uma causa pela mediação da argumentação: dimensão retórica”. (GOMES, 2004, p. 201). Diante de todos esses atores que compuseram a disputa pelo poder no cenário de 2010, é pertinente lembrar a fala de Van Dick (2008, p. 84) de que “crucial no exercício do poder, então, é o controle da formação das cognições sociais por meio da manipulação sutil do conhecimento e das crenças, a pré-formulação das crenças ou a censura das contra-ideologias”. As configurações que tomaram forma e dominaram o 4

Entre as mais diversas manifestações da Igreja, vale ressaltar o vídeo produzido pelo pastor Paschoal Piragine Jr pelo conteúdo e pela repercussão gerada. O material está disponível em http://www.youtube.com/verify_age?next_url=http://www.youtube.com/watch%3Fv%3D_UJELZCYVK k


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momento eleitoral se refletiram em diversos segmentos e, conforme o enfoque deste capítulo, na propaganda eleitoral dos candidatos ao cargo de Presidente da República. A seguir, apresentam-se algumas considerações sobre o aspecto instrumental de cada campanha para delinear os destaques na divulgação de cada candidatura. 4 SOBRE OS CONCEITOS DOS PRINCIPAIS CANDIDATOS É de praxe, a comunicação eleitoral buscar o diferencial do candidato para realizar o posicionamento na campanha. Entretanto, sabe-se também, que as chamadas “temáticas universais” estão presentes na maioria das campanhas, como saúde, emprego, educação, segurança, programas sociais e infraestrutura. A abordagem varia conforme a linha ideológica partidária, plataforma de governo e estratégia argumentativa. “Visando convencer os eleitores, todos constroem um mundo atual possível, igual ou um pouco diferente do mundo atual real, e com base nele projetam um novo e bom mundo futuro possível”. (FIGUEIREDO, et. a.l, 1998, p. 152) E, conforme destacam Iten e Kobayashi (2002, p.18), “é necessária a busca por um conceito, um norte, uma linha – as suas propostas, as suas bandeiras, as suas principais marcas enquanto representante popular”. Adiante, se abordarão brevemente os conceitos específicos dos candidatos, entretanto, aqui se busca apontar alguns eixos comuns entre eles. Além dos temas citados acima, observam-se características similares nas campanhas dos principais candidatos: o apagamento da classe média nos discursos, o reforço na origem familiar humilde ou nas dificuldades vividas no passado e a religiosidade. Destaca-se, inicialmente, o apagamento discursivo da classe média. Tanto nos debates promovidos pelos veículos de comunicação, quanto nos programas veiculados no HGPE, o público em destaque foi classe econômica menos favorecida, que teria saído da linha de pobreza. Em estudo preliminar, constatou-se que a classe média5 5 Nesse sentido, reproduz-se a definição proposta por Passos e Moreira (2010, p.116) “Os órgãos oficiais, como o IBGE, consideram a classe C, cujo perfil de renda familiar mensal varia de R$ 1.064 a R$ 4.591,00 como a classe média brasileira. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, essa faixa de renda teria crescido no Brasil nos últimos anos, passando de 42,49% da população brasileira em abril de 2003 para 51,89% em abril de 2008. No entanto, tanto depoimentos de famílias nesta faixa que se consideram de fato pobres, como a comparação com a imensa disparidade em relação ao padrão de vida das faixas de renda logo acima aconselham maior cautela na hora de realizar o “fatiamento” das camadas sociais. Uma família de cinco ou seis pessoas com renda mensal de R$ 1.500,00 não pode – nessa linha de raciocínio –, ser considerada de fato como “classe média”. Assim, para os fins deste artigo, estamos


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raramente foi citada. Nem mesmo o candidato aparentemente, representante desta classe, José Serra (PSDB) preocupou-se em expor propostas para este segmento da população. Os discursos dos candidatos estavam focados em numerar quantos serviços seriam gerados à população mais carente, como creches, escolas e saúde pública. Por outro lado, o tema da reforma tributária, por exemplo, evidentemente, de interesse da classe média, não recebeu destaque. A segunda temática, ainda vinculada à questão econômica, evidencia as origens dos candidatos. Entre os recursos para sensibilização, estava a tentativa de promover elementos de identificação com o público. Como se mostrou anteriormente, o foco das candidaturas eram as classes com menor poder aquisitivo, em especial, os principais candidatos enfatizavam ou, a origem familiar humilde ou, dificuldades que passaram na vida para chegar à situação do momento. Conforme Courtine (1999, p. 22) “Memória e esquecimento são, assim, indissociáveis na enunciação do político”. O mote “ser pobre está na moda” se relaciona, inclusive, com o sucesso da publicização da história do presidente Lula, cuja narrativa de superação se apresentou durante toda sua trajetória política. Conforme se observa no trecho a seguir, exibido no primeiro programa do candidato do PSDB, veiculado durante o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), há uma explícita necessidade de caracterizar o candidato como um homem do povo que venceu na vida. “O Serra nasceu nessa casinha, num bairro operário de São Paulo. A mãe, dona de casa. O pai, vendedor de frutas. Vindo de família pobre, estudou em escola pública”. Por último, salienta-se o vínculo religioso que os candidatos destacaram, principalmente, no segundo turno. Desde expressões populares como: “em nome de Deus” ou “se Deus quiser”, até a presença em templos ou com líderes religiosos. A necessidade de se mostrar tradicional e atrelado a valores religiosos emergiu no decorrer da campanha, respondendo à interferência da Igreja, mencionada anteriormente.

considerando como “classe média brasileira” a “classe média tradicional”, aquela faixa da população que dispõe de casa própria (mesmo financiada), pode pagar educação em escola privada, tem em casa a grande maioria dos eletrodomésticos, computador e internet, possui carro de ano recente, consegue frequentar clubes ou lazer de fim de semana e realizar férias familiares.”


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5 CONCEITO E ESTRATÉGIAS DE DILMA ROUSSEFF (PT) Uma campanha eleitoral se estrutura de acordo com fatores políticos, sociais e econômicos, os quais, sem dúvida, influenciam os aspectos comunicacionais. Não há como determinar as estratégias de construção, lapidação e divulgação da imagem pública sem a relacionar com o contexto em que está inserida. Quando o PT decidiu que o nome para a sucessão de Lula, em 2010, seria Dilma Rousseff houve, com certeza, toda uma análise da conjuntura relacionada ao perfil da candidata. Mesmo antes da oficialização da candidatura, já se observava a mudança gradual nos discursos em relação, especialmente, aos temas tratados. Conforme pesquisa anterior6, desde que Dilma entrou no Governo Federal, em 2003, o discurso era caracterizado pelo tecnicismo. No início de 2009, a então Ministra mostrou uma evidente mudança no visual aparentando mais modernidade, com alteração no estilo das roupas e na postura. Ainda em janeiro daquele ano, a Capital Federal sediou o Encontro de Prefeitos no qual, a participação da então Ministra gerou discussão sobre um discurso que indicava sua futura candidatura. A oposição acusava o governo Lula de transformar aquele espaço em encontro de campanha eleitoral. Na ocasião, Dilma tratou de assuntos mais abrangentes do que nos discursos anteriores. Os programas sociais, como Bolsa Família e o PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - foram citados como iniciativas pensadas para a mulher. Ações como essas, comumente não relacionadas às questões de gênero, ficaram alinhadas. Em vários momentos, enalteceu-se o papel da mulher na sociedade brasileira e a oradora visava elementos de identificação com o público feminino presente e como teria acesso às informações por outros meios. Por exemplo, a frase “nós, juntas, vamos conseguir” apresenta, explicitamente, um esforço para gerar um grupo, com interesses afins e mostrar unidade entre as integrantes. Tal recurso recebeu novamente ênfase no discurso de lançamento oficial da candidatura7, o que indicava a tendência de alavancar a campanha a partir do perfil de 6

Conferência apresentada durante a IX Cumbre Iberoamericana de Comunicadores, Buenos Aires, maio de 2010. 7

A oficialização da candidatura ocorreu durante o 4.º Congresso do Partido dos Trabalhadores, realizado em 20 de fevereiro de 2010.


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candidata mulher, conceito apresentado por Iten e Kobayashi (2002). "A agregada representatividade que uma candidatura feminina pode simbolizar - para com as próprias mulheres, o espírito de iniciativa, a independência, a defesa de minorias ou das causas humanitárias". (ITEN; KOBAYASHI, 2002. p.126). Além disso, os autores ressaltam que uma candidatura feminina, por si só, é uma “(quase) novidade” e justo nesse fato reside um instrumento de diferenciação devido a pouca quantidade de mulheres que entram na carreira política. Naquele momento, ficou evidente a mudança em relação a falas anteriores, com a exibição de uma pessoa mais eloquente e acessível. As técnicas citadas acima permaneceram e foram enaltecidas durante toda a campanha, reforçando a evidente tentativa de “humanizar” a candidata. Entre os recursos empregados, observou-se uma aproximação dos termos e técnicas também usados pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. “Para quem teve a vida sempre marcada pelo sonho e pela esperança de mudar o Brasil, este é para mim um dia extraordinário”. Nota-se na introdução do discurso o uso de uma expressão tipicamente “lulista”: extraordinário. Além das alterações na construção linguística, observam-se expressões eloquentes e apelos emocionais focados na técnica argumentativa “pessoa e seus atos” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996). Essa constatação significa focalizar o discurso na figura do orador, ressaltando conquistas, parcerias e feitos do passado. Nesse sentido, realça-se a contação de histórias relacionadas à vida particular, fato antes não observado nos pronunciamentos da então candidata. Entre outros recursos adotados para a humanização de Dilma citam-se: a musicalização constante nos programas, presença em eventos populares, proximidade com eleitores de diversos locais e atividades, depoimentos de lideranças e populares, e realce no aspecto estético imagético. Imagens belas do Brasil, desde fatos culturais, natureza, desenvolvimento econômico, tecnológico e situações cotidianas, estiveram nas narrativas do HGPE. Exemplificando, no primeiro programa veiculado8, ela aparece andando em um parque, com seu cachorro e ao contar sua biografia, relata situações de infância relacionadas aos valores ensinados pelos pais. Quanto aos recursos linguísticos, relacionam-se a demonstração de emoções, o que se contrapõe à imagem tecnicista até então projetada. Ao se inserir em uma nova situação, como a exposição provocada por uma candidatura à Presidência da República, 8

Primeiro programa de Dilma Rousseff (PT) disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=AY-u54xka24


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não basta o conhecimento técnico. “O político que quer parecer solidário terá interesse em mostrar-se consciente das responsabilidades que cabem a ele próprio e a seu governo, caso contrário, sua imagem como indivíduo poderá ser abalada” (CHARAUDEUAU, 2008, p.164). Assim, a amostragem pesquisada indicou o uso de estratégias argumentativas que visavam a aproximação com o público, seja pelo método da identificação (mãe, avó, mulher ou crenças em causas semelhantes), seja pela ênfase na continuidade do atual governo, com aprovação de grande parte da população. Enfatiza-se a ancoragem na figura de Lula e a tentativa de construir um governo conjunto como estratégias centrais, durante o primeiro turno. 6 CONCEITO E ESTRATÉGIAS DE JOSÉ SERRA (PSDB) Durante a candidatura ficou evidente o esforço para a lapidação da imagem pública, em especial, pelo posicionamento do candidato Serra. Logo no início oficial da campanha, observou-se que a estratégia a ser adotada seria a de aproximação da camada mais beneficiada até então pelo governo Lula. Para isso, já no primeiro programa do HGPE9 a expressão “povo” se relacionou à figura do candidato. O uso de uma linguagem estereotipada tentava construir o “Zé Serra”. Entretanto, sabe-se que a imagem de um candidato não pode estar distante do que ele de fato é, sob o risco de demonstrar incoerências entre imagem, discurso e ação, provocando, consequentemente, a rejeição do eleitorado. A tentativa de se apresentar como continuidade do governo Lula pode ser considerada um dos principais erros da campanha, afinal Serra deveria se posicionar enquanto oposição. Entre os elementos que mostram a falta de um conceito claro do candidato, está em um jingle veiculado durante o primeiro programa, no qual a mensagem canta: “Sai o Silva e entra o Zé”, em um esforço evidente de popularizar o candidato e aproximá-lo da imagem de Lula. O mesmo se viu quando mostrou quadros de ex-presidentes e argumentou que os programas sociais foram implantaodos por Fernando Henrique Cardoso (PSDB – 1994-2002) e Lula deu-lhes “continuidade”. Após 9

Primeiro programa de José Serra (PSDB) disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=jaFp3BuywsI


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essas afirmações, insere um quadro com a própria imagem afirmando que para seguir no rumo certo, seria o melhor candidato. Ainda nesse sentido, a biografia apresentada tinha o objetivo de enfatizar um passado de origem humilde, um líder estudantil e um exilado. Três características passíveis de configurar a figura do herói, pois, segundo Campbell e Moyers (1993), o herói é quem consegue superar as próprias limitações e ultrapassar os limites possíveis das condições históricas. A imagem projetada foi de competência e preparo administrativos, mas o discurso personalista que focava, inclusive, em frases construídas continuamente em primeira pessoa do singular, indicava atos centralizadores, contrários a um espaço de discussão e deliberação. Como amparo argumentativo, ações realizadas em São Paulo e no Ministério da Saúde receberam destaque. Ao apresentar histórias de pessoas que se beneficiaram dessas ações implantadas durante sua gestão no Ministério da Saúde, o programa do HGPE investia em apelos emocionais como o uso de trilha sonora e de vários populares demonstrando carinho pelo candidato. Outra

estratégia

utilizada

frequentemente,

consistiu

em

colocar

em

questionamento o caráter e as conquistas atribuídas a Dilma, pelo discurso de situação. O discurso político, que procura obter adesão do público a um projeto ou a uma ação, ou a dissuadi-lo de seguir o projeto adverso, insiste mais particularmente na desordem social da qual o cidadão é vítima, na origem do mal que se encarna em um adversário ou um inimigo, e na solução salvadora encarnada pelo político que sustenta o discurso. (CHARAUDEUAU, 2008. p. 91).

Além de rebater os destaques da opositora, o candidato do PSDB afirmava que o bom mundo atual apresentado pelo governo Lula, era uma falácia. Neste sentido, oferecia a garantia de melhoras para o mundo futuro possível.

7 CONCEITO E ESTRATÉGIAS DE MARINA SILVA (PV) Como já se citou antes, um dos grandes destaques do pleito 2010, foi a candidatura de Marina Silva, pelo Partido Verde. O discurso oposicionista apontava incoerências nos dois principais candidatos. Conforme ressalta Figueiredo (1998), o


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discurso típico de oposição visa desqualificar a posição da situação e mostrar que outro mundo é possível. Desde o início da campanha, seu foco esteve vinculado ao mote ambientalista defendido pelo Partido10, alinhando-se, inclusive, com a estética com que se apresentava publicamente. Roupas claras, de tecidos naturais e acessórios oriundos da região norte (colares com sementes, por exemplo) compunham o visual coerente com a ideologia partidária que defendia. “Essa imagem de candidato defensor de tema restrito é vulnerável pela crítica de sua incapacidade para a defesa de um mandato generalista ou para a representação política de toda uma comunidade” (ITEN; KOBAYASHI, 2002, p.119). Contudo, ao posicionar-se enquanto oposição mostrou-se como uma opção viável auxiliando na projeção do PV nacionalmente, abarcando, no decorrer da campanha, outras questões de relevância. A autonomia e a validade de um mandato temático estarão sempre condicionadas às demandas e às condições exteriores ao candidato, ou seja, mais ligadas às ansiedades e reconhecimento, por parte da comunidade, da necessidade dessa representação política e a identificação de que sua presença no processo e sua ação como líder e pessoa habilitada à função tenham a representatividade necessária para a manutenção de um mandato popular. (ITEN; KOBAYASHI, 2002, p. 120).

Conforme explicam Iten e Kobayashi, a demanda social justifica, em parte, como um Partido pequeno, com pouco mais de um minuto de campanha no HGPE conseguiu tamanha projeção a ponto de somar quase 20 milhões de votos. A estratégia argumentativa usada nos programas de televisão investiu no uso constante do argumento de autoridade. Isso significa a presença de outras vozes no discurso de Marina Silva, principalmente, com populares11 e com lideranças artísticas. Além de sustentar os programas demonstrando apoios, a campanha da candidata destacou-se pelo uso da Internet, em especial do twitter, onde os usuários divulgavam, 10

Primeiro programa exibido durante o Horário Eleitoral Gratuito, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=M1N0gtjE3NA 11

O segundo programa traz esta estratégia apresentando a candidata em forma de jogral, realizado por eleitores. O vídeo está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=HM9-alKV6VE


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entre outros, o movimento intitulado “Onda Verde”. O objetivo era promover o segundo turno eleitoral com a participação de Marina Silva. É fundamental enfatizar, também, a força das bases em campanhas eleitorais, que é a militância. Com a criação das “Casas de Marina” a articulação dos simpatizantes e filiados ganhou apoio e se propagou entre outros segmentos de eleitores. As “casas”12 eram as próprias residências ou locais de trabalho dos militantes da causa para ser o ponto de divulgação de ideias e de materiais de campanha. A articulação foi denominada como “Movimento Marina Silva”. 8 CONCEITO E ESTRATÉGIAS DE PLÍNIO ARRUDA (PSOL) A campanha do candidato Plínio Arruda foi uma das veiculadas que demonstrou mais personalidade porque se destacou como oposição apelando para estratégias discursivas que variavam entre a crítica dura e a ironia. Nesse sentido, destacou-se o recurso do primeiro programa do candidato13 no qual se encenou uma luta de boxe com personagens caracterizados de José Serra e de Dilma Rousseff para insinuar o vínculo de ambos com financiadores (no caso banqueiros) que interfeririam na gestão pública. Essa busca pelo humor irônico, por sua vez, possui riscos. No caso desse material, especificamente, constata-se uma analogia com o mote publicitário de uma rede de cartões de crédito, que procura fatos ou situações que “não tem preço”. Em 20 segundos do vídeo de Plínio, o texto diz “candidatura feita pelo povo não tem preço”. Por outro lado, esse discurso irônico auxiliou o PSOL a aumentar a visibilidade na cena pública e garantiu ao candidato, a participação em debates, promovidos pela imprensa. A criticidade gerou o efeito “metralhadora” quando o candidato colocava em questionamento todas as outras versões das demais candidaturas. As críticas eram focadas nos dois principais candidatos, mas nem por isso, Marina Silva (PV) escapou dos comentários. O posicionamento adotado por Plínio conquistou o público jovem, pois as suas falas se caracterizaram pela rebeldia. A estratégia rendeu 886.816 votos

12

Ver mais em http://www.movmarina.com.br/page/casa-de-marina

13

Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=z1gPcd4OF94


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9 DEMAIS CANDIDATOS – CONCEITOS E ESTRATÉGIAS Em relação aos outros cinco candidatos, inicia-se a reflexão com os de esquerda que reascenderam discursos veiculados há décadas no Brasil. Enfoca-se, primeiramente, o candidato Rui Costa Pimenta (PCO) que conquistou 12.206 votos. O discurso14 em nome de uma causa operária apresentou as palavras-chave “salário, trabalho e terra”, remetendo a uma posição do Partido dos Trabalhadores veiculado na década de 80, cujo mote era “terra, trabalho e liberdade”. Por sua vez, Ivan Martins Pinheiro (PCB - 39.136 votos) reforçou discursos que também se repetem no decorrer da história15: “vamos propor mudanças radicais, na luta pelo socialismo. O Brasil só muda com revolução”. Neste caso, destaca-se a fala de Foucault (1996, p. 26): “o novo não está no que é dito, mas no acontecimento à sua volta”. O autor, ao comentar o princípio de rarefação dos discursos, observa que o retorno das falas se altera mediante o contexto e ao mesmo tempo, reforça-se pela repetição ao longo do tempo. Zé Maria16 (PSTU - 84.609 votos) retomou o mesmo discurso de Lula, quando candidato ao governo de São Paulo, em 1982, conforme se constatou em pesquisa anterior: Ao lado de outros candidatos, em um programa chamado ‘O Debate Completo’, um Lula barbudo e de camiseta, aproveitava para deixar sua mensagem final: ‘Eu gostaria de aproveitar aqui esses cinco segundos antes da Lei Falcão para dizer uma coisa que já tomou conta do PT. O nosso número é 3 então, companheiro trabalhador, vote no 3 que o resto é burguês (Lula, 1982)’. (PANKE, 2010, p. 78).

Já em 2010, a vinheta do programa veiculado pelo PSTU no HGPE, afirmava “contra burguês, vote 16. Operário e socialista desta vez”. O candidato José Maria Eymael (PSDC) obteve 89.350 votos, seguindo uma linha diferente dos concorrentes esquerdistas. Defendendo valores conservadores e 14

Primeiro programa de Rui Costa Pimenta (PCO) disponível em http://www.youtube.com/watch?v=3agach2EscE&feature=related 15

Primeiro programa de Ivan Pinheiro (PCB) disponível em http://www.youtube.com/watch?v=MlnUqP4Vh_s&feature=related 16

Primeiro programa de Zé Maria (PSTU) disponível em http://www.youtube.com/watch?v=TKO2Y9kVGaE&feature=channel


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vinculação entre família e Estado17, repetiu o jingle empregado em outros pleitos, cuja letra expunha os valores centrais da campanha “democrata cristão pela família e pela nação”. Talvez, por falta de tempo para expor qualquer ação propositiva, usou o espaço da televisão para chamar eleitores para um debate em seu canal na internet. A campanha de Levy Fidelis (PRTB - 57.960 votos), em 2010, causou estranhamento, pois, ao mesmo tempo, que realizava críticas ao sistema capitalista e à gestão pública, exibia marcas de diversos produtos e serviços em seus programas18. “Quero ser o presidente que vai acabar com todos os impostos que encarecem sua cesta básica” afirmava o candidato. Porém, esta afirmação contradiz outro trecho do mesmo programa, no qual promete desenvolver o país. Acabar ou reduzir a arrecadação federal e, ao mesmo tempo, gerar mais obras traz consigo uma lacuna presente em discursos generalistas ou falaciosos. 10 SOBRE O 2o. TURNO. A disputa eleitoral em 2010, levou Dilma Rousseff (47.651.434 de votos) e José Serra (33.132.283 de votos) ao segundo turno. Como é de costume nessas situações, a campanha tornou-se mais agressiva e o discurso do medo voltou à tona com a troca de acusações sobre corrupção. Nas duas campanhas, valores tradicionais se evidenciaram, especialmente, família e religiosidade. Conforme se enfocou anteriormente, a influência desses aspectos provocou uma perda no debate democrático sobre as propostas administrativas, uma vez que as temáticas se engrandeceram em detrimento de uma discussão sobre planos de governo. Apesar de no primeiro programa19 do PT no segundo turno, a estratégia adotada se focou na argumentação de autoridade, com a divulgação de diversos depoimentos de políticos e de populares, os programas se configuraram dentro de um diálogo com o candidato oposicionista. Quando fala em “campanha em defesa da vida”, em nome de 17

Primeiro programa de José Maria Eymael (PSDC) disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=gLxzfBzkXnU&feature=related 18

Programa de Levy Fidelix (PRTB) disponível em: http://www.youtube.com/user/newsimprensa#p/search/5/pJlTZr__DvQ 19

Primeiro programa de Dilma Rousseff (PT) no 2º. Turno disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ubU8jalaPRM&feature=related


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valores sagrados, a candidata responde às insinuações e aos ataques diretos do oponente. Dilma reformula conceito para além da continuidade do governo Lula: agora é religiosa. No final do programa, posicionou-se: “estou sofrendo na pele uma das campanhas mais caluniosas que o Brasil já assistiu. Mas igual ao Presidente Lula, que também foi vítima de calúnias, não me afastarei do rumo certo”. Investiu em comparações com o período FHC, da mesma forma que as campanhas precedentes de Lula o fizeram. Serra20, por sua vez, dedicou-se à estratégia do ataque, usando comparativos entre as biografias e o questionamento sobre a moral e competência da candidata petista. Os depoimentos de políticos, eleitos em outros estados estão presentes, mas com menos força neste primeiro momento. Até o clip do jingle “serra é do bem” faz comparativos e traz a força popular, com as pessoas cantando. Como argumento na estratégia ofensiva, o candidato tucano questionava, em todos os programas, a idoneidade da oponente. Neste sentido, insistia em demonstrar que seu discurso é “verdadeiro”. Aqui, retoma-se Foucault (1996) quando teoriza sobre os sistemas externos de exclusão nos discursos. “A verdade a mais elevada já não residia mais no que era o discurso, ou no que ele fazia, mas residia no que ele dizia: chegou um dia que a verdade se deslocou para o ato ritualizado, eficaz e justo, de enunciação, para o próprio enunciado: para seu sentido, sua forma, seu objeto, sua relação a sua referência”. (FOUCAULT, 1996, p. 15) O candidato conduziu o debate para as questões genéricas e moralistas quando destacou periodicamente, o que demonstrou no início do segundo turno. “Mas eu quero ser um presidente com postura, equilíbrio e que defenda os valores da família brasileira: os valores cristãos, a democracia, o respeito à vida e ao meio-ambiente.” Então, Dilma reestruturou as estratégias de campanha para responder às acusações. Destaca-se um dos instrumentos usados por ambas as campanhas: os jingles. Tradicionalmente adotados para enaltecer qualidades dos candidatos e auxiliar na fixação do número de legendas, em 2010, as peças musicadas ganharam uma roupagem de humor e ironia ao promover uma espécie de “trova” entre os oponentes. Um dos exemplos significativos é a paródia produzida pela campanha petista sobre o jingle “serra é do bem”21. 20

Primeiro programa de José Serra (PSDB) no 2º. Turno. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=aGaGsSOeGBc&feature=related 21

Versão disponível em http://www.youtube.com/watch?v=pfzUfGS-OMM


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A configuração discursiva e o embate gerado nas últimas semanas de campanha provocaram uma discussão sobre ética nos dois lados da disputa. “Enquanto condição ético-pragmática, a ética da disputa argumentativa pública inclui a exigência da verdade: exige-se de quem argumenta uma espécie de vontade de verdade, ou a vontade de alcançar um acordo argumentativo sobre a verdade através do debate argumentativo” (GOMES, 2004, p. 223) 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao se desenvolver este estudo inicial22 sobre o processo eleitoral para a Presidência da República em 2010, traçou-se este cenário que apresentou rupturas, repetições e retrocessos. Rupturas, pois: foi eleita a primeira mulher presidente23, oriunda de um movimento de esquerda que se rebelou contra o Regime Militar; o segundo principal candidato também tinha origem no movimento estudantil; a terceira candidata mais votada, além de mulher, era filiada a um partido sem tradição nas urnas. As repetições centraram-se nos discursos retomados de tempos em tempos, desde os velhos jargões de esquerda até os supostos valores predominantes da sociedade brasileira. Quando se trata de comunicação eleitoral, os discursos recorrem a emoções implícitas e a demandas explícitas da população. Como pondera Foucault (1996): Pode-se supor que há, muito regularmente nas sociedades, uma espécie de desnivelamento entre os discursos: os discursos que “se dizem” no correr dos dias e das trocas, e que passam com o ato mesmo que os pronunciou; e os discursos que estão na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam, os transformam ou falam deles, ou seja, os discursos que, indefinidamente, para além de sua formulação, são ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer. (FOUCAULT, 1996, p.22).

22

No projeto que coordeno, intitulado “Gramática do discurso político e eleitoral”, (Meduc – Grupo de Pesquisa Mídia, Linguagem e Educação), está-se desenvolvendo um levantamento detalhado a respeito das temáticas tratadas pelos candidatos, bem como a respectiva análise do discurso. 23

Dilma Rousseff foi eleita com 55.752.529 de votos e José Serra conquistou 43.711.388.


171 Nesse viés, chega-se aos retrocessos, quando se percebe que os sistemas de

exclusão à ação política de várias lideranças (igreja, por exemplo) focalizaram a discussão em torno de um agendamento moral e não administrativo. Após o processo eleitoral pelo qual a sociedade brasileira escolheu a nova governante, espera-se que a ação política dos grupos situacionistas e opositores retomem o foco para a administração pública e minimizem a política das aparências. 12 REFERÊNCIAS CAMILO, Eduardo. Vendendo às gargalhadas. Apontamentos sobre o estatuto do humor na comunicação publicitária. In: CD das Atas das III Jornadas de Publicidade e Comunicação: Porto, Universidade Fernando Pessoa, 2008. Versão em inglês: Selling by laughs. The place of comedy on the advertising discourse. Vendendo às gargalhadas. In Ensaios de Comunicação Estratégica. LabcomBooks, 2010. Disponível em http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20101104camilo_ensaios_2010.pdf CAMPBELL, Joseph; MOYERS, Bill. O poder do mito. São Paulo: Palas Athenas, 1993. CHARAUDEUAU, Patrick. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2008. COURTINE, Jean-Jacques. O chapéu de Clémentis. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina. (org.) Os múltiplos territórios da Análise do Discurso. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999, p. 15-22. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 2.a. ed. São Paulo: Loyola, 1996. GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004. ITEN, Marco; KOBAYASHI, Sergio. Eleição: vença a sua! As boas técnicas de marketing político. São Paulo: ITEN, Marco; KOBAYASHI, Sergio, 2002. PANKE, Luciana. Lula do sindicalismo à reeleição. Um caso de comunicação, política e discurso. Guarapuava: Unicentro. São Paulo: Horizonte, 2010. ____________. O Dia Internacional da Mulher na perspectiva discursiva do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Revista Cuestionés de género: de la igualdad y la diferencia, v. 04, p. 383-412. Espanha: Universidade de Léon, 2009.


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A CAMPANHA DE 2010 NO CONTEXTO DA PERSONALIZAÇÃO DA POLÍTICA LA CAMPAÑA DE 2010 EN EL CONTEXTO DE LA PERSONALIZACIÓN DE LA POLÍTICA THE 2010 CAMPAIGN IN THE CONTEXT OF POLITICAL PERSONALIZATION Paulo Roberto Figueira LEAL1 Mário Braga Magalhães Hubner VIEIRA2 RESUMO As eleições vêm sendo disputadas sob uma crescente ênfase nos candidatos, e não nos partidos ou programas, como estratégia preferencial de comunicação política, apontam autores como Martin Wattenberg (1991) e Samuel Popkin (1991). O presente artigo tem por objetivo avaliar quais enquadramentos discursivos centrais foram construídos em 2010, pelos principais candidatos à Presidência na semana inicial dos programas televisivos do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e cotejá-los ao debate sobre personalização. PALAVRAS-CHAVE: comunicação política; personalização; HGPE; campanha presidencial RESUMEN Las elecciones han sido disputadas bajo un creciente énfasis en los candidatos (y no en los partidos o programas) como estrategia preferencial de la comunicación política, indican autores como Martin Wattenberg y Samuel Popkin. Este capítulo tiene como objetivo evaluar los marcos discursivos que se construyeron en 2010 por los principales candidatos presidenciales en la semana inicial de los programas de televisión del Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) y compararlos con el debate sobre personalización. PALABRAS-CLAVE: comunicación política; personalización; HGPE; campaña presidencial ABSTRACT Elections have been disputed under a growing emphasis on the candidates (not on the parties or the programs) as a preferred strategy of political communication, authors such as Martin Wattenberg and Samuel Popkin point out. The present chapter aims to evaluate the frame-building process developed by the main presidential candidates in 1

Doutor e mestre em Ciência Política (Iuperj). Professor do mestrado e da graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), email: pabeto.figueira@uol.com.br 2

Graduando de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFJF, email: mario_bmhv@hotmail.com


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the 2010 Brazilian elections on the fist week of Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) and bring them do the personalization debates. KEY-WORDS: campaign

political

communication;

personalization;

HGPE;

presidential

1 INTRODUÇÃO A comunicação política está no centro das discussões sobre as disputas eleitorais contemporâneas. Estudos que desejam conhecer melhor os partidos políticos, os cenários eleitorais e o funcionamento das instituições da democracia representativa necessitam, inexoravelmente, compreender como os eleitores apreendem as mensagens políticas, como eles as processam e de que modo as campanhas eleitorais operam ao subsidiar o debate público com informações sobre as propostas em disputa. A discussão sobre a eficácia da comunicação política, ou, mais precisamente nesse caso, da comunicação eleitoral, só pode ser plenamente efetivada ao se levar em consideração o conjunto de mudanças que estão associadas à americanização das disputas eleitorais ao redor do planeta – processo no qual ocupa papel fundamental, a cada vez mais capilarizada presença de tecnologias e meios de comunicação na vida cotidiana de bilhões de cidadãos mundo afora. Certamente, um dos fenômenos mais sintomáticos desse cenário contemporâneo é a crescente valorização da figura do candidato, em detrimento do partido político. A questão, que já levou alguns autores a aventarem inclusive, a possibilidade de morte das estruturas partidárias (ROSE; MACKIE, 1991, p. 533), transformou-se em preocupação praticamente global. É nesse sentido que o presente estudo, à luz de autores como Martin Wattenberg e Samuel Popkin, entre outros, retoma o debate da literatura sobre personalização da política e o coloca em diálogo com evidências discursivas extraídas, por meio de análise de conteúdo, dos três primeiros programas televisivos noturnos (de maior audiência) do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), das candidaturas de Dilma Rousseff (PT), e de José Serra (PSDB), nas eleições presidenciais de 2010.


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2 O PROCESSO DE PERSONALIZAÇÃO DA POLÍTICA Em praticamente todo o mundo, a importância crescente do voto personalizado, associada ao declínio da identificação partidária e ao processo de desalinhamento do eleitorado, demarcam, na análise política atual, a prevalência dos fatores de curto prazo como determinantes do voto. É neste contexto que autores como Martin Wattenberg (1991, p. 3) descrevem a ascensão da política, centrada nos candidatos. Explicando as trajetórias que percorreram as teorias sobre o voto, desde a aproximação sociológica, passando pelo cálculo do comportamento individual (teorias psicológicas), até chegar à perspectiva econômica, Wattenberg ressalta que a era da política, centrada nos candidatos, situa-se na direção da prevalência das considerações de curto prazo – sobretudo econômicas. Para o autor, o eleitor contemporâneo, não predeterminado por variáveis sóciodemográficas, nem por predisposições partidárias, é um ator individual capaz de julgar quais são seus interesses no momento da decisão. Some-se a isso a diminuição do controle partidário sobre as candidaturas, o crescimento das taxas de volatilidade e o decisivo papel da mídia, e então se tem um quadro que favorece o personalismo na política. Wattenberg observa que, no caso específico dos EUA, a habilidade dos partidos em polarizar a opinião pública em dois campos rivais diminuiu ao longo das décadas, incentivando a volatilidade. Com o declínio dos partidos e a baixa participação do eleitorado, o vácuo foi ocupado pelos candidatos. A eleição de Reagan em 1980 foi o marco da emergência dessa nova era. Dois fenômenos cruciais para compreender a ascensão da figura do candidato – a desagregação eleitoral e a decomposição partidária – espelham o declínio da fidelidade do eleitor ao partido, da identificação partidária e da imagem dos partidos. Quando a opinião pública tende à neutralidade sobre os partidos, é o candidato quem polariza o debate. No caso norte-americano, o crescimento da disputa interna nos partidos e a falta de unidade partidária também ajudou a deslocar o eixo da discussão para as qualidades dos candidatos e para fatores de curto prazo. Competência, integridade, capacidade de decisão, carisma e atributos pessoais (aparência, idade, religião e saúde, entre outros


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fatores) preencheram o espaço deixado vago pela discussão política, sobretudo, em disputas pouco ideologizadas. Da mesma forma que Wattenberg traçou o perfil do padrão emergente de disputa eleitoral, outro autor americano, Samuel Popkin (1991, p. 7), desenhou o modelo de eleitor típico dessa ambiência. Ao estudar a racionalidade do eleitor, Popkin deu continuidade a uma tradição acadêmica iniciada pela Psicologia Cognitiva e por Anthony Downs (1957, p. 5), sempre partindo do pressuposto de que as decisões tomadas pelos eleitores têm por base cálculos racionais. Popkin sustenta que, assim como preconizava Downs, os eleitores não têm estímulos para buscar informações, pois esse processo apresenta custos. Na realidade, não existe o cidadão cívico, cônscio de suas responsabilidades frente ao bem comum, para o qual ele contribui desinteressadamente. Como o eleitor não tem incentivos em buscar informações políticas, os dados com os quais ele trabalha são subprodutos de informações advindas de outras atividades – pessoais ou econômicas, por exemplo. As informações que usa para o cálculo político são indiretas e decorrem de impressões geradas em outros campos da vida cotidiana. Em virtude dessas características, o eleitor busca atalhos para eliminar custos de acesso à informação sobre questões políticas. Um dos objetivos mais relevantes das campanhas eleitorais, para Popkin, é exatamente esse: alinhavar retalhos de informações que se encontram dispersas. A campanha (assim como o aumento do nível educacional) ajuda a conectar todas essas informações para facilitar a decisão. O autor sustenta que os indivíduos conectam os fragmentos de informações novas à informação de que já dispõe. O personalismo na política (ou, para Wattenberg, a ascensão da política centrada no candidato) decorre dessa lógica: a ênfase na escolha de pessoas, no lugar de partidos ou de programas políticos, explica-se pelo fato de o personalismo ser um critério mais econômico, pois, aproxima informações novas aos estereótipos já existentes. Focando personalidades, e não ideias ou ideologias, as comparações para o eleitor mediado, são mais óbvias e fáceis. Na tipificação de Popkin, o critério do eleitor é o do processamento de informações de forma clínica, e não de forma estatística. Ele observa que o personalismo é mais típico nas eleições dos EUA do que nos países com sistemas


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parlamentaristas; contudo, a globalização das características do modelo de campanha norte-americano (com a universalização, por exemplo, da centralidade da televisão na propaganda política) torna as diferenças cada vez menores, ao longo do tempo. O fato é que o cidadão médio descrito por Popkin parece ser cada vez mais, um cidadão do mundo e não apenas um típico eleitor norte-americano: um indivíduo que combina conhecimento de experiências passadas com informações da vida cotidiana, dos meios de comunicação e de dados oferecidos pela campanha. É óbvio que não se tem aqui a pretensão de apresentar esse modelo como um padrão linear e uniforme de disputa política em todo o mundo, até porque cada um desses fenômenos apresenta-se em intensidades muito distintas em díspares contextos nacionais (e até locais) e há variações também ao longo do tempo. Contudo, muitos estudos demonstram que a americanização da disputa eleitoral é uma tendência em quase todo o globo. Franklyn S. Haiman (1991, p. 37), por exemplo, demonstra que apesar de mantidos certos diferenciais, já em 1988, as eleições francesas e norteamericanas apresentavam padrões similares. Para Alessandra Aldé (2001, p. 6) “o cenário em que encontramos os cidadãos da democracia contemporânea caracteriza-se por uma esfera pública cada vez mais dependente dos meios de comunicação de massa”. Segundo ela, os partidos “parecem ter perdido o monopólio do espaço público da política para os meios de comunicação, que crescem em importância, tornando-se os canais de informação política mais importantes e universalmente acessíveis” (ALDÉ, 2001, p. 6). Com um universo de eleitores cada vez maior, as possibilidades de haver interação direta entre candidato e eleitorado, tornam-se mais restritas. A comunicação com o eleitor acontece, sobretudo, pelos meios de comunicação de massa tradicionais ou pelas novas tecnologias de comunicação, destacando-se, no caso brasileiro, a televisão – é ela que alcança o maior número de domicílios em todas as regiões do país. Wilson Gomes (2004, p. 204) destaca a existência da cultura da telecomunicação: as primeiras gerações que cresceram tendo a televisão como principal fonte de informação e entretenimento, aparecem agora, na condição de cidadãos plenos. Para atingir essa nova geração de eleitores, a esfera política reformula a lógica de produção de seus discursos e imagens. É necessário que os atores políticos se adaptem à realidade midiática – seja nas suas relações com a imprensa, seja no desenvolvimento de suas estratégias de propaganda eleitoral direta. “Assim sendo, a


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política se transforma (...). No que tange a esfera pública a sua adaptação à contemporaneidade a transformou em esfera pública espetacular e midiática”. (GOMES, 2004. p. 204). No contexto brasileiro, a legislação oferece aos partidos políticos um instrumento de comunicação que tem se revelado de suma importância nas disputas eleitorais: o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral Gratuita (HGPE) de rádio e televisão. Muitos apontam o início dos programas (sobretudo os televisivos) como o início da campanha em sua fase mais aguda. Diante da tendência cada vez mais intensa à personalização das campanhas, e tendo em vista a importância do HGPE, pergunta-se: quais qualidades os candidatos costumam ressaltar quando detêm o controle absoluto de seus discursos nos programas de seus partidos? Suas características pessoais? Suas habilidades administrativas? Sua formação acadêmica? Seu trato com outras pessoas? O ponto de vista sobre questões que envolvem a administração pública? A trajetória política ou a vida particular? Essa decisão estratégica é decisiva para o bom posicionamento de uma candidatura. Portanto, para cumprir seu objetivo, a propaganda política costuma excluir as características do candidato passíveis de ser percebidas como negativas pelo público; enfatizar aquelas que, por outro lado, tem aceitação ante o eleitorado; e associá-lo a pessoas, fatos ou processos tidos como relevantes. Nesse esforço, a propaganda política nutre-se de estéticas e narrativas típicas da publicidade comercial (LEAL; VIEIRA, 2009). Esse fato implica em constatar a centralidade do processo de enquadramento, ou seja, a definição de ênfases e exclusões, para facilitar a compreensão do consumidor da informação. Para Wilson Gomes, [...] a propaganda política midiática não “vende” um candidato pelo que ele realmente é ou, pelo menos, isso não é absolutamente o mais importante no planejamento estratégico da propaganda política. Uma proposta, posição ou candidato [...] são “vendidos” em suas propriedades e qualidades conotadas, pela sua imagem. (GOMES, 2004. p. 231).

Se a imagem pública do candidato é tão crucial, mais uma vez se destaca a importância da mídia (e, no caso brasileiro em especial, a importância do HGPE). É com base nesses pressupostos que se contextualiza a campanha presidencial de 2010, para, após, efetivar-se uma análise de conteúdo dos primeiros programas televisivos de Dilma e Serra.


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3 CONTEXTUALIZAÇÃO E ESPECIFICIDADES DA CAMPANHA DE 2010 O primeiro mandato de Lula, de 2003 a 2006, foi marcado pela superação de uma instabilidade econômica inicial e pelo início da implementação de programas sociais de distribuição de renda. Entre as consequências, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)3, ao final de quatro anos, podem-se citar: a diminuição da taxa de desemprego de 11,2% para 7,4%; a de pessoas extremamente pobres, de 26,07% para 17,13%; e o aumento do salário mínimo de R$ 200 para R$ 350. No campo político, escândalos envolvendo nomes do primeiro escalão abalaram o governo, a partir de junho de 2005. Um suposto esquema de pagamento sistemático de propina a parlamentares em troca de apoio político ficou conhecido como “Mensalão”. O escândalo derrubou José Dirceu, Ministro-Chefe da Casa Civil e braço direito do presidente Lula, substituído então, por Dilma Rousseff. Por vias transversas, a eleição de 2010 começou a se desenhar nesse processo. O bom desempenho da economia e os escândalos de corrupção foram os principais argumentos do governo e oposição, respectivamente, nas eleições de 2006. Lula se candidatou à reeleição. Pelo PSDB, o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, disputou a presidência. No segundo turno, Lula obteve 60,83% dos votos válidos e Alckmin, 39,17%. Reeleito, Lula pôde dar continuidade à política econômica, ampliar os projetos sociais e intensificar a distribuição de renda no país. Um dos maiores desafios do governo foi superar a crise econômica mundial que se iniciou em setembro de 2008. O Brasil saiu mais cedo da crise do que a maioria dos países desenvolvidos, principalmente, em função do aquecimento do mercado interno (devido à isenção de impostos sobre alguns setores, em especial do automobilístico, e ao crescimento do consumo das famílias). Com a economia equilibrada, a popularidade do presidente Lula bateu recorde. Em março de 2010, o Datafolha divulgou resultado de pesquisa em que o Presidente Lula obteve a melhor avaliação desde que o Instituto iniciou pesquisas desse tipo

3

http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx.


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(naquele momento, 76% consideraram o governo “ótimo” ou “bom”, e 4%, “ruim” ou “péssimo”).4 A Ministra - Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, condutora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e responsável por grandes obras em todo o país, já ungida como virtual candidata oficial à Presidência, consolidava seu processo de crescimento. Segundo pesquisa do Datafolha de 25 e 26 de março de 2010, o percentual de intenção de voto para Dilma já alcançava 29% (contra apenas 3%, em 25 de março de 2008, um crescimento de 26 pontos percentuais em dois anos). As pesquisas apontaram que, em dois anos, um quarto do eleitorado passou a declarar voto para a petista, que disputava ali sua primeira eleição, o que explica por que ainda era menos conhecida pelo eleitorado do que seus principais concorrentes. A visibilidade midiática como Ministra, o sempre estridente apoio de Lula e a ampla aliança partidária viabilizaram eleitoralmente, a candidatura mesmo antes de sua oficialização, em junho de 2010. A situação de Serra era diferente. Em março de 2008 ele já contava com 38% das intenções de voto. No mesmo mês de 2010, 39%. A estabilidade se explica pelo recall dos eleitores, ex-candidato à Presidência, ex-ministro, ex-prefeito e então, governador de São Paulo. Mas, a convergência das curvas de intenção de voto das duas candidaturas sugeria que o início efetivo da campanha, com entrada do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, no mês de agosto, poderia ser decisivo. Com a oficialização das nove candidaturas, definiu-se a distribuição de tempo dos dois blocos diários de 25 minutos do HGPE na TV (exibidos às 13h e às 20h30min.): Dilma Rousseff (PT), 10 minutos, 38 segundos e 55 centésimos; José Serra (PSDB), 7 minutos, 18 segundos e 54 centésimos; Marina Silva (PV), 1 minuto, 23 segundos e 22 centésimos; Plínio Arruda Sampaio (PSTU), 1 minuto, 1 segundo e 94 centésimos; os demais candidatos, Ivan Pinheiro (PCB), José Maria Eymael (PSDC), Levy Fidelix (PRTB), Rui Costa Pimenta (PCO), Zé Maria (PSTU), tiveram cada um 55 segundos e 56 centésimos no HGPE televisivo. Questiona-se: como se portaram os dois principais candidatos no início das transmissões do HGPE?

Como se apresentaram ao eleitorado e em que medida

adotaram estratégias assentadas na discussão, já efetivada, da tendência à 4

http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1547929-5601,00LULA+TEM+MELHOR+AVALIACAO+DESDE+QUE+ASSUMIU+GOVERNO+DIZ+DATAFOLHA .html.


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personalização das campanhas? Para discutir essas questões, apresenta-se, a seguir, a análise de conteúdo dos três primeiros programas televisivos dos presidenciáveis, veiculados em 17 de agosto (terça-feira), 19 de agosto (quinta-feira) e 21 de agosto (sábado). 4 AS ÊNFASES DISCURSIVAS DE DILMA E DE SERRA O programa eleitoral petista, em 17 de agosto, começou com a palavra “mudança”. Na verdade, a intenção era reforçar a mensagem de continuidade das mudanças iniciadas durante o governo Lula. No início, Dilma e Lula dialogavam sobre o que era definido por eles como “vontade do povo de seguir mudando e construindo esse Brasil novo”. Dilma apareceu no arroio Chuí, extremo sul do país, e Lula, estava às margens do Rio Oiapoque, o ponto mais ao norte do Brasil. Os grafismos e as soluções narrativas utilizadas reforçavam o vínculo entre ambos, dois personagens tratados simbioticamente. Vozes de populares apareciam no programa em depoimentos curtos e relatavam as impressões dessas pessoas sobre o impacto do governo Lula em suas vidas e sobre suas aspirações. O áudio era sobreposto a imagens genéricas de paisagens, indústrias e pessoas que simbolizavam a brasilidade ou que ilustravam o processo pelo qual, segundo a propaganda, o país passava – desenvolvimento econômico e ascensão social. Saindo do Rio Grande do Sul, a candidata petista reafirmou, falando a partir do Vale do Jequitinhonha-MG, seu compromisso de acabar com a miséria extrema do país. Em Ipojuca-PE, a petista prometeu investir em educação da creche à universidade. No Rio, falava em levar o exemplo de segurança pública para todo o país. Em Goiás, sugeria investimentos nas ferrovias, agricultura, pecuária e indústria. O tom do programa reforçava o compromisso pessoal de Dilma com a nacionalização dessas experiências. Outro mote da propaganda petista foi a descoberta do pré-sal. Segundo se informava no programa, as verbas obtidas na exploração seriam convertidas em investimentos na educação, cultura, saúde, combate à pobreza, meio ambiente e ciência e tecnologia. A propaganda da candidata situacionista passava então, a elencar conquistas do governo nos últimos anos. A arte gráfica auxiliava a transmissão da mensagem. De acordo com a campanha, nos últimos oito anos “24 milhões saíram da pobreza absoluta,


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31 milhões entraram na classe média, e 14 milhões conquistaram um emprego com carteira assinada”. Para falar da biografia de Dilma fizeram uma comparação com a história de Lula. Mostraram aspectos similares das trajetórias dos petistas. Vale destacar a citação de que ambos lutaram e foram presos pela Ditadura Militar. As realizações de Dilma se evidenciaram pelos cargos que a candidata ocupara. Conforme se divulgou, ela foi a primeira mulher a se tornar Secretária de Finanças de Porto Alegre, Secretária Estadual de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, Ministra de Minas e Energia e MinistraChefe da Casa Civil. A sugestão era clara: ela poderia se tornar a primeira mulher Presidente do Brasil e, tal como Lula, teria em sua trajetória a marca do ineditismo. Para tanto, em um cenário que simulava um gabinete, Dilma afirmava seu preparo para dar continuidade ao governo. Lula arrematava pedindo votos para sua candidata e afirmava que ela seria a pessoa mais preparada para ser Presidente do Brasil. O jingle que finalizava o programa da coligação oferecia um tom absolutamente personalizado das relações entre Lula e Dilma: “deixo em tuas mãos o meu povo”. Não se tratava apenas da candidata de continuidade de um governo bem avaliado: tratava-se de uma extensão da “família” Lula, agora a ser conduzido por outro nome (de outro gênero), mas igual em essência. Depois de abordar algumas bandeiras políticas no primeiro programa e reforçar a ligação entre Lula e Dilma, o segundo programa, em 19 de agosto, teve o objetivo central de apresentar com mais detalhes a trajetória da candidata. Essa constituía tarefa importante, já que as eleições de 2010 eram a primeira disputa eleitoral de Dilma. Para muitos eleitores, ela ainda era desconhecida. Esse programa destacou o período em que Dilma ficou presa durante a Ditadura Militar e colegas de cela deram depoimentos. Depois, mostrou como ela se radicou no Rio Grande do Sul. Nesse momento, os focos foram o aspecto familiar e as conquistas profissionais da candidata – numa estratégia fortemente evidenciadora daquilo que Martin Wattenberg (1991) chama de ascensão da política centrada no candidato. Além disso, também foram usadas falas de Lula creditando a Dilma grande parte do sucesso de seu governo. Esse artifício visava à contraposição do argumento da campanha tucana, de que a falta de experiência em cargos eletivos tornaria a petista inapta como responsável pela condução executiva do governo. A resposta do PT se deu (tanto no início quanto no final do segundo programa) pela sugestão de que, para se governar, não seria preciso apenas racionalidade e


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conhecimento técnico. Para tanto, Dilma falava sobre crença e paixão para realizar os compromissos. Afirmava enfaticamente que “para mudar o seu país você tem que ter uma relação afetiva”. Os problemas devem “incomodar afetivamente e não só racionalmente”: mais uma vez, uma qualidade pessoal (afetividade, para contrapor a imagem de gerente “durona”) era usada como argumento político central. O terceiro programa, em 21 de agosto, focou principalmente, os aspectos da economia e as consequências sociais das medidas do governo nos últimos anos. Vale mencionar que a todo o momento, apresentadores e locuções reforçavam que as conquistas do governo nos últimos oito anos eram mérito de Lula e Dilma. A candidata apresentava suas propostas como continuidade direta de medidas do governo Lula. Dilma fazia uso, inclusive, da primeira pessoa do plural para falar das realizações do governo Lula: “articulamos vários programas e reduzimos a pobreza, garantimos mais saúde e educação para as famílias, aumentamos a produção e o consumo e geramos milhões de empregos”; falava também em “nossa forma de governar”. Apropriando-se como estrela (e não como coadjuvante), das realizações do mandato do presidente, a candidata não apenas enfatizava sua suposta capacidade de realização, sobretudo, repetia o mantra subtextual: Lula é Dilma, Dilma é Lula. Os primeiros três programas do PT, portanto, constituíram-se sob a égide de uma discussão política profundamente personalizada e concretizada nos discursos sobre as qualidades da candidata e de seu antecessor. Já o primeiro programa de José Serra (PSDB), em 17 de agosto, tinha como temática principal a saúde pública. A campanha se utilizava dos feitos do tucano à frente do Ministério da Saúde, no governo FHC, para abordar as propostas de governo. A propaganda descrevia que havia 700 mil pacientes esperando por cirurgia de catarata no Brasil e que Serra, quando ministro, tinha acabado com a fila de espera. O programa de combate à AIDS também foi citado. Neste caso, destacava a repercussão mundial do modelo brasileiro: exibia trechos de um discurso de Serra na sede das Nações Unidades, seguido de aplausos. De modo a apresentar dados concretos, o programa afirmava que, na gestão de Serra como ministro, trezentos hospitais foram construídos ou reformados e que o Programa Saúde da Família cresceu nove vezes. O incentivo à produção de medicamentos genéricos também foi lembrado.


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O tom humano do programa tucano se materializou nas falas curtas de pessoas que, de alguma forma, foram beneficiadas pelos projetos e ações de Serra à frente de cargos públicos: a mãe atendida pelo programa para gestante falava ao lado do seu bebê; o esposo de outra, dava o depoimento em um leito hospitalar; um paciente que ressaltava a boa qualidade do atendimento de saúde contava sua história do corredor de um hospital. A outra parte dos depoimentos populares acontecia na presença de Serra. Uma arte gráfica em formato de moldura envolvia vídeos com a visita do candidato às casas das pessoas. Nesse primeiro programa, em especial, uma senhora de Goiás agradeceu ao candidato pelos benefícios que ela obtivera a partir dos medicamentos genéricos. Entende-se que o principal objetivo de ressaltar realizações e, principalmente, de quantificar hospitais construídos, pacientes atendidos e expansões de programas de saúde familiar, foi realçar a mensagem de que Serra tinha larga experiência administrativa em cargos públicos, inclusive os de natureza eletiva (em contraposição à candidata petista, neófita em disputas eleitorais). Os programas conformam-se à estratégia que Serra anunciara em muitas entrevistas: a comparação de biografias. Contra um governo muito popular, o tucano apostava em sua vivência em cargos públicos como seu grande diferencial em relação à Dilma. Mais do que grandes variações de propostas partidárias ou programas, a ênfase se dava nas supostas diferenças qualitativas entre os candidatos. Esse objetivo se tornava mais claro na medida em que Serra propunha, para o Brasil, a continuidade de diversos programas implantados por ele na cidade e no Estado de São Paulo. O primeiro programa do HGPE tucano destacou a rede Zilda Arns, de clínicas para tratamento de dependentes químicos. Na porta de uma das clínicas, Serra anunciava a construção de tantas outras se fosse eleito e era taxativo: “vai ser exatamente como as que eu fiz como governador”. Em outro momento, o tucano propunha um projeto voltado para gestantes. Mais uma vez, possivelmente, com o objetivo de demonstrar a viabilidade da ideia em escala nacional, ele afirmava que “o ‘Mãe Brasileira’ ” iria ser igualzinho ao “Mãe Paulistana”. A dimensão personalista das estratégias dos primeiros programas do PSDB evidencia-se em toda a plenitude no segundo dia de exibição, em 19 de agosto: o segundo programa tucano começava com uma breve comparação entre Serra e Lula. O texto curto tentava mostrar ao telespectador como os dois políticos seriam parecidos:


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“Serra e Lula. Dois homens de história. Dois líderes experientes”. À falta de menções explícitas a seu Partido, acrescentava-se um discurso ainda mais personalizado: o que importa é a trajetória das lideranças (nesse caso, segundo o argumento apresentado, parecidas), e não as dissonâncias ideológicas, programáticas ou partidárias. A partir daí, o segundo programa retomava o mesmo rumo do primeiro, destacando Serra como ministro, prefeito e governador. A locução apontava que o paulista já implantara diversos projetos e que poderia espalhá-los pelo Brasil. Ao final, o objetivo da mensagem era evidenciado pela voz do locutor: “Serra tem a vivência que Dilma não tem”. Depois, apresentava um novo subtema: drogas. O foco do programa deslocou-se para a demonstração de que este seria um problema de saúde pública e, novamente, com base na experiência de Serra como ministro, os casos dos genéricos e do combate à AIDS forneceram argumentação no sentido de que Serra seria capaz de encarar o desafio de combater as drogas. Antes de apresentar as propostas como candidato, o programa recorreu a especialistas e usuários para contextualizar o problema. Assim como em outros casos, a solução para o problema do crack, segundo Serra, seria levar para nível nacional um modelo de clínicas para dependentes químicos, já existentes em São Paulo. Visando à demonstração da eficácia do tratamento, veiculou o depoimento de uma mulher que se dizia livre das drogas há mais de um ano. Conclusão: mesmo num programa majoritariamente temático (saúde), o foco se centrou nas qualidades gerenciais do candidato. Apenas no terceiro programa, em 21 de agosto, a história de vida de Serra foi levada ao telespectador de forma mais detalhada. Com o recurso visual de fotos da época, o programa contava que Serra “ajudava o pai em uma barraca de frutas no mercado municipal”, que estudou em escola pública e se formou na USP. Ressaltava traços de liderança já na juventude do candidato, ao assumir a presidência da União Nacional dos Estudantes aos 21 anos. Relatava que, devido à sua luta contra a Ditadura, ele teve que deixar o país. Nesse momento, o fato de Serra ter se formado em Economia no exterior era utilizado como gancho para tratar de educação. Assim como nas propostas para saúde, os planos para educação também eram mostrados a partir de projetos implantados no Estado de São Paulo, com destaque para a criação de instituições de Ensino Técnico, em nível médio e superior.


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No entanto, esse programa demarcou o momento em que se intensificaram as críticas diretas a Dilma e ao governo, o que ocorreu em dois momentos distintos. No primeiro, logo no princípio do programa, a fala de um servidor público de Pernambuco foi a seguinte: “O Serra fala, a gente entende. A Dilma fala, enrola, enrola, enrola e a gente não sabe o que ela quer dizer”. A outra menção, dessa vez ao governo, ocorreu depois de supostamente encerrada a participação do candidato no HGPE, naquele dia. Após aparecer a vinheta “Serra presidente” – a mesma que surgia na tela no início e no final dos programas tucanos –, dava a entender que estava encerrado ali o programa de responsabilidade da coligação encabeçada pelo PSDB. Entretanto, o que seguia não era o programa de outro candidato. Ainda no espaço cedido à coligação tucana, um homem fazia um alerta. Nesse momento, a identidade visual e gráfica não remetia à campanha de Serra. A mensagem afirmava que o telespectador veria a propaganda de Dilma em seguida. Ele, então, pedia para que se distinguisse “filme”, referindo-se à propaganda petista, de “realidade”: “Você que precisou de hospital público e não foi atendido, mora em favela e não vê nem sinal de governo, você que tem medo de sair de casa porque a segurança está péssima. Esta é a realidade dos fatos. Veja o filme e pense nisso”. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os três primeiros programas televisivos do HGPE, de 2010, no horário nobre noturno, evidenciaram que tanto Dilma quanto Serra escolheram ênfases discursivas fortemente personalizadas como estratégia preferencial. Se Serra insistiu em sua experiência (em oposição à suposta falta dela em Dilma), a ponto de se apresentar como melhor continuador do governo petista do que a própria candidata do PT, Dilma colou sua imagem à de Lula, de maneira simbiótica. O paradoxo da eleição de 2010 talvez seja exatamente esse: na primeira eleição democrática desde 1989, em que Lula não foi candidato, coube ao então Presidente ainda um papel central. Em tempos de personalização da política, a cena eleitoral brasileira, em seu palco maior (os programas de TV), não poderia deixar de dar centralidade a sua principal personagem nas últimas décadas.


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6 REFERÊNCIAS ALDÉ, Alessandra. A construção da política. Cidadão comum, mídia e atitude política. Tese de doutorado em Ciência Política. Rio de Janeiro: Iuperj, 2001. DOWNS, Anthony. An economic theory of democracy. New York: Harper & Row, 1957. GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004. HAIMAN, Franklyn S. “A tale of two countries: media and messages of the 1988 French and American presidencial campaigns”. In: KAID, Lynda; GERSTLÉ , Jacques; SANDERS, Keith (orgs). Mediated campaigning in the United States and France. New York: Praeger, 1988. HOLBROOK, Thomas. Do campaigns matter? Thousand Oaks: Sage, 1996. LEAL, Paulo Roberto Figueira. O PT e o dilema da representação política: os deputados federais são representantes de quem? Rio de Janeiro: FGV, 2005. ______; VIEIRA, Mário Braga M. H. Propaganda política na sociedade de consumidores: o “mercado eleitoral” na disputa pela prefeitura de Juiz de Fora em 2008. In: XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2009, Curitiba, PR. Anais Intercom Nacional 2009 – Publicidade e Propaganda, 2009. POPKIN, Samuel. The reasoning voter. Chicago: The University of Chicago Press, 1991. ROSE, Richard; MACKIE, Thomas T. (1991), “Do parties persist or fail? the big tradeoff facing organizations”. In: LAWSON, Kay; MERKL, Peter (orgs). When parties fail – emerging alternative organizations. Princeton: Princeton University Press, 1991. WATTENBERG, Martin. The rise of candidate-centered politics – presidential elections of the 1980s. Cambridge: Harvard University Press, 1991.


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O DISCURSO E A IMAGEM DO PT E DO PSDB NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2002 E 2010 NO BRASIL DISCURSO Y LA IMAGEN DE PT Y DE PSDB EN LAS ELECCIONES PRESIDENCIALES DE 2002 Y 2010 NO BRASIL DISCOURSE AND THE IMAGE OF PT AND THE PSDB IN 2002 AND 2010 PRESIDENTIAL ELECTIONS IN BRAZIL Nelson Rosário de SOUZA1 Sandra Avi dos SANTOS 2 RESUMO Este estudo compara as estratégias discursivas mobilizadas no “Horário Eleitoral” pelos dois principais candidatos às eleições presidenciais, em 2002 e 2010. O embate midiático mobilizou os mesmos partidos, mas, em situações opostas em cada pleito. As questões da pesquisa são: Quais estratégias discursivas foram mobilizadas? Existiu um padrão de comportamento? Os contextos eleitorais e os posicionamentos políticos influenciaram as estratégias? A análise dialoga com a literatura sobre comunicação política com o objetivo de analisar o uso político eleitoral dos recursos midiáticos. PALAVRAS-CHAVE: Horário Eleitoral; mídia e eleições; comunicação política; estratégias discursivas. RESUMEN El estudio compara las estrategias discursivas utilizadas en la "propaganda electoral de televisión" por los dos principales candidatos presidenciales en 2002 y 2010. El choque entre las mismas partes movilizado los medios de comunicación, pero en situaciones opuestas en cada elección. Las preguntas de investigación son: ¿qué estrategias discursivas se movilizaron? Hubo un patrón? Los contextos electorales y las posiciones políticas influido en las estrategias? El análisis se dirige a la literatura sobre la comunicación política con el fin de analizar el uso político de los medios de comunicación elección recursos. PALABRAS-CLAVE: Propaganda electoral; los medios de comunicación y las elecciones; comunicación política; estrategias discursivas. ABSTRACT The study compares the discursive strategies used in 'electoral propaganda' by the two main presidential candidates in 2002 and 2010. The media conflict mobilized the same parties, but in opposite situations in each election. The research questions are: What discursive strategies were mobilized? Was there a pattern? The electoral contexts and policy positions influenced the strategies? The analysis speaks to the literature on political communication in order to analyze the political use of media resources election.

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Nelson Rosário de Souza é doutor em Sociologia (USP), trabalha como professor na Universidade Federal do Paraná onde coordena o Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública. 2 Sandra Avi dos Santos é Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública - UFPR.


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KEY WORDS: Electoral propaganda; media and elections; political communication; discursive strategies.

1 INTRODUÇÃO A literatura mais recente sobre a relação entre comunicação e política considera que a influência da mídia sobre a audiência ocorre, fundamentalmente, em longo prazo. Trata-se, nesses termos, de um poder relativo que opera não diretamente sobre os comportamentos e atitudes, mas indiretamente, ao apresentar, com sucesso, temas e enquadramentos para serem debatidos pelo público (AZEVEDO, 2000). Um ponto importante da discussão diz respeito à influência que a mídia exerce sobre o campo político, especialmente em períodos eleitorais, ao agendar temas, imprimir saliência a determinados conteúdos, enfim, induzir ao debate e, até mesmo, à retórica política. Para alguns (TRAQUINA, 1995), o papel relevante da mídia na luta simbólica em torno do estabelecimento da hierarquia de temas e questões políticas, pode rivalizar com procedimentos e instrumentos que marcaram a política antes da consolidação de uma sociedade centrada nos meios de comunicação de massa. Partidos, ideologias, programas perdem força e importância diante de aspectos valorizados pela comunicação política, tais como: a personalidade dos candidatos, a confiança que transmitem aos eleitores, sua capacidade comunicativa e seu poder de emocionar o público. Também é significativa, nesse novo cenário, a importância das pesquisas de opinião e dos agentes ligados ao marketing político. Alguns autores associam esse conjunto de elementos inovadores ao conceito de espetáculo político (ALBUQUERQUE, 1994). A perspectiva que aponta os prejuízos que a mídia tende a impor à política, mais precisamente, ao jogo democrático, não é hegemônica. Está presente no debate, o ponto de vista, segundo o qual, a emergência da mídia como novo agente nas disputas políticas não indica uma crise da democracia, muito ao contrário, apenas representa uma nova etapa no percurso moderno desse regime político. Depois de se experimentar o “modelo parlamentar” e a “democracia de partido”, está-se vivendo agora a “democracia de público”, onde: a confiança, a imagem dos líderes, a comunicação, as pesquisas de opinião, a não coincidência entre opinião pública e posição eleitoral, enfim, a centralidade da mídia, são elementos fundamentais e não comprometem o exercício da democracia representativa (MANIN, 1995). A expectativa otimista quanto ao papel da mídia não vê despolitização, espetacularização, ou mesmo, a transformação da política em mito, mas, a maior presença dos meios de comunicação de massa na política, favorece a participação dos eleitores e incrementa o acesso às informações (COLLING, 2007).


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O avanço das pesquisas empíricas, provavelmente contribui para a compreensão adequada dos efeitos políticos do crescimento da comunicação de massa. Parece prudente relativizar o papel da mídia e evitar o saudosismo que mitifica o passado, desenhando relações políticas puras antes do advento da comunicação de massa (MIGUEL, 2002), e da espetacularização (RUBIM, 2004). Independente da perspectiva adotada, mais, ou menos, otimista quanto à aproximação entre os campos da mídia e da política, os autores concordam que a mídia desempenha um papel significativo nos embates pelo poder. A política não foi reduzida ao jogo de imagens e comunicação e convém valorizar a autonomia relativa desses dois campos (MIGUEL, 2002). Entretanto, cada vez mais, os embates políticos envolvem a mídia de massa. Instituições e atores políticos precisam, ao traçarem suas estratégias, ponderar sobre a relação com a mídia. Ainda que ela não paute a política o tempo todo, é comum encontrar os atores políticos na luta pela hegemonia em torno de temas e agendas, difundidos na sociedade pela grande mídia, ou, ao utilizarem a mídia, como no caso do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), tentam adaptar o conteúdo e o formato do discurso aos parâmetros midiáticos, como por exemplo, aos padrões de objetividade dos telejornais (ALBUQUERQUE, 1999) ou aos critérios midiáticos da boa “imagem pública”. Os agentes ligados ao poder, os governantes, enfim, o grupo da situação, procura vantagens para acessar à mídia, construir a imagem ou agendar temas; a oposição, por sua vez, também busca enquadrar seu comportamento aos princípios midiáticos (ALBUQUERQUE, 1994) e, raramente, desafia as representações hegemônicas dos meios de comunicação de massa. O momento eleitoral oferece a oportunidade para observar a relação entre mídia e política. É cada vez mais significativa a participação da televisão nas campanhas eleitorais, especialmente, as majoritárias. Ao se afastar a visão simplista de que a mídia é inimiga da política (RUBIM, 2004) é possível analisar, nas situações concretas de embate, qual papel os recursos, as ferramentas e as armas midiáticas desempenham no jogo estratégico. É interessante observar o desempenho dos agentes de marketing na construção das imagens públicas dos candidatos e suas estratégias. O acúmulo de dados empíricos sobre a mediação televisiva em momentos eleitorais possivelmente, contribui para a compreensão do significado da complexa relação entre comunicação de massa e política. Este trabalho, ao analisar duas eleições majoritárias3, tem como objetivo geral apresentar os recursos midiáticos mobilizados nesses eventos e refletir sobre seus significados políticos. No âmbito mais específico se busca compreender as estratégias discursivas e de construção de imagem, mobilizadas em contextos eleitorais distintos, mas, que colocaram em confronto as duas principais forças políticas brasileiras nas duas últimas décadas. 3

Analisam-se as eleições presidenciais de 2002 e 2010 tendo como foco os dois principais candidatos em cada pleito: em 2002, Serra (PSDB - situação) x Lula (PT - oposição); em 2010, Serra (PSDB – oposição) x Dilma (PT – situação).


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Para o cumprimento dos objetivos adota-se uma combinação de metodologias qualitativa e quantitativa. Primeiro, apresentam-se os contextos eleitorais de 2002 e 2010 analisando as estratégias adotadas. Num segundo momento, procede-se à análise de dados quantitativos retirados do HGPE, dos dois principais candidatos, em cada eleição. A metodologia utilizada se inspira na técnica de análise dos spots de propaganda eleitoral, desenvolvida pelo grupo coordenado por Marcus Figueiredo (FIGUEIREDO, 2000). 2 AS ELEIÇÕES DE 2002

Denominações como “Lula light”, “Lulinha, paz e amor”, “Lula, negociador”, entre outras, foram destaques na mídia escrita e televisiva durante a campanha eleitoral de 2002. Tais designações não foram sem propósito, uma vez que, depois de três derrotas consecutivas em eleições presidenciais, a campanha do PT, em 2002, preocupou-se em apresentar aos milhões de brasileiros uma imagem pública de Lula, diferente daquela que os eleitores conheciam. Para Gabriel Mendes (2004), a imagem de Lula, “foi de uma pessoa capaz de agregar, somar, multiplicar, com o poder de unir trabalhadores, empresários, a classe média e todos os seguimentos organizados da sociedade num grande pacto social para mudar o Brasil” (MENDES, 2004, p. 82). Para tanto, estrategicamente, o PT contratou Duda Mendonça, conhecido profissional de marketing eleitoral. Salienta-se que não é possível entender as mudanças de Lula e do PT em 2002, sem mencionar as estratégias da campanha. É evidente que o marketing eleitoral não foi o único responsável pela chegada petista ao poder. A literatura que aborda as eleições de 2002 considera o sucesso do PT, resultado de um conjunto de fatores. No que se refere à utilização das estratégias de marketing, uma parte dos autores atribui um peso maior, outra, um peso menor, contudo, são unânimes em reconhecer a importância do marketing político, naquele momento. Duda Mendonça, mesmo antes de ser contratado para campanha de 2002, já advertia em seu livro “Duda Mendonça casos & coisas” (MENDONÇA, 2001), que a mudança programática que o PT se impunha no decorrer dos últimos anos, não seria suficiente para vencer uma eleição presidencial, e para tanto, sugeria que o Partido dos Trabalhadores mudasse a forma de se comunicar com o eleitor. A percepção era a de que o PT ainda causava medo no eleitorado e, sendo assim, o partido teria que deixar no passado a retórica dura de críticas, bem como as palavras de ordem tão recorrentes nas greves que originaram o partido. Para conquistar o eleitor o PT teria que se apresentar menos “ameaçador e radical” e “mais pacífico”, “mais emocional”, “mais humano”, “mais light”, “mais preparado”, além de apresentar propostas concretas e objetivas, capazes de


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realizar os sonhos dos brasileiros, de viver em um país melhor. Em suma, o PT teria que se mostrar capaz de fazer a “esperança vencer o medo”. Em entrevista à revista Época4, em maio de 2008, Duda Mendonça relata que assim que assumiu a campanha presidencial do Partido dos Trabalhadores em 2002, imediatamente, começou a pôr em prática as suas estratégias: primeiramente, detectou que, além do eleitorado cativo que sempre votou em Lula, e da outra parte de eleitores que não tinha nenhuma intenção em votar num candidato do PT, havia uma nova parcela de eleitores, aqueles que queriam a mudança, porém ainda tinham medo do radicalismo do PT, da pouca formação escolar de Lula, do fato de ele não falar inglês, da inexperiência administrativa, entre outros. Então, o publicitário utilizou recursos de marketing para aproximar Lula e o PT dessa fatia do eleitorado. Para tanto, como já havia postulado antes mesmo da sua contratação, trabalhou não apenas com o discurso pragmático da competência, do poder conciliador de Lula, da experiência política do PT em diversas cidades, mas também, com o discurso da “esperança contra o medo”. Uma importante peça de propaganda eleitoral (Figura 1) mostra a emoção de uma moça de classe média ao ver uma mulher pobre com uma criança de colo, então afirma: “se fatos como este chocam você, você pode até não saber, mas no fundo, no fundo, você também é um pouco PT”, como próprio publicitário admitiu, criou-se a categoria “um pouco PT”. Figura 1 - Sequência de imagens de spot comercial do PT5

Fonte:<http://www.blogdoduda.com.br>

Montagem: Sandra Avi dos Santos

Mais do que referendar a criatividade do publicitário é interessante perceber que a referida propaganda, carregada de apelo emocional, está intimamente associada à estratégia de redefinição da imagem pública de Lula e do PT. Reconhecer-se “um pouco PT “é aceitar que o partido e seu candidato não são radicais, como se imaginava, mas, sensíveis aos problemas sociais. A campanha do PSDB, por sua vez, adotou a estratégia de amedrontar o eleitorado em relação a Lula e, por consequência, elaborou uma imagem pública de Serra associada à segurança e competência. Albuquerque e Gomes (2004) partem do pressuposto de que as estratégias discursivas do “do medo” e “da esperança” estiveram no centro do embate do segundo turno de 2002, uma vez

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Revista Época, 05/05/2008, ed. nº 520. Vídeo disponível em: <http://www.blogdoduda.com.br/duda_mendonca/blogdoduda.com.br/blog_com entarios.php?id=VFdwUlBRPT0=>. 5


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que o candidato peessedebista, José Serra, saiu enfraquecido do primeiro turno e os primeiros resultados das pesquisas, do turno subsequente, indicavam que sua derrota era evidente. Como também queria se aproximar estrategicamente daquela parcela do eleitorado que ainda temia o PT, a campanha de Serra empregou o “discurso do medo” e, já no dia 14 de outubro de 2002, primeiro dia da veiculação do HGPE, no segundo turno, levou ao ar um depoimento permeado de medo da atriz global Regina Duarte, Estou com medo, faz tempo que eu não tinha este sentimento. Porque sinto que o Brasil, nesta eleição, corre o risco de perder toda a estabilidade que já foi conquistada. Eu sei que tem muita coisa que ainda precisa ser feita, mas também tem muita coisa boa que já foi realizada. Não dá para ir tudo para a lata do lixo. Nós temos dois candidatos à presidência. Um eu conheço, é o Serra. É o homem dos genéricos, do combate à Aids. O outro, eu achava que conhecia, mas hoje eu não reconheço mais. Tudo que ele dizia mudou muito, isso dá medo na gente. Outra coisa que dá medo é a volta da inflação desenfreada, lembra? 80% ao mês. O futuro presidente vai ter que enfrentar a pressão da política nacional e internacional. E vem muita pressão por ai. É por isso que eu vou votar no Serra. Ele me dá segurança, porque dele, eu sei o que esperar. Por isso eu voto 45, voto Serra, e voto sem medo. (HGPE 14/10/2002)

Figura 2- Sequência de imagens do HGPE, de 14/10/20026

Fonte: Acervo de imagens Grupo Comunicação e Política UFPR Montagem: Sandra Avi dos Santos

É visível o apelo emocional e a retórica, mesclados de ameaça à perda da estabilidade econômica, conquistada pelo Brasil. O discurso da atriz critica o “outro candidato” que devido às suas mudanças, causavam-lhe medo, pois não sabia o que esperar. Como se vê na sequência de imagens acima (figura 2), além da retórica, a atriz apresenta uma expressão de temor, com medo no olhar e essas expressões só se amenizam quando se refere ao candidato competente, em que confia e que lhe dá segurança, José Serra - PSDB. O depoimento da atriz Regina Duarte causou grande repercussão na mídia, nos dias seguintes à sua divulgação7. Parecia que tal episódio seria o estopim que iniciaria a onda de medo que já afligira eleitores simpáticos ao PT, em 1989. Taticamente, a campanha do PT veiculou uma declaração da jovem atriz Paloma Duarte, 6

Vídeo também, disponível em <http://br.youtube.com/watch?v=DEeNSkXn5mY>, acesso em 20/8/08. “Depoimento de Regina Duarte cria polêmica no meio artístico” (O Estado do Paraná - 15/10/2002). “Depoimento de Regina Duarte agita a campanha eleitoral” (O Estado do Paraná - 16/10/2002). “PT critica atriz e PSDB defende o depoimento” (Jornal Folha de São Paulo, 17/10/2002). “O efeito Regina Duarte” (Correio Brasiliense, quinta-feira, 17 /10/2002). “Toquei num nervo exposto, diz Regina Duarte” (Jornal Folha de São Paulo, 19/10/2002). 7


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Estou chocada com o uso do terrorismo, com o uso do medo numa eleição para Presidente da República do meu país. A eleição vai passar. O Brasil continua. E quero dizer que ver um candidato que precisa aterrorizar a população brasileira em vez de se calcar em suas próprias virtudes para tentar se eleger não merece o meu respeito, não merece a minha confiança. E, no meu entender, não mereceria jamais ser Presidente da República. (16/10/2002)

Tal declaração, contudo, foi veiculada apenas uma vez. A coordenação da campanha petista preferiu retomar a tática, já mencionada, de explorar o apelo emocional e a retórica de sedução, enfatizando a necessidade da vitória da esperança sobre o medo. Para tanto, no decorrer do segundo turno, assim como no primeiro, o marketing petista usou peças emocionalmente sedutoras. Também investiu na imagem “humana” do candidato retirante, de infância difícil e trajetória espetacular. Dois comerciais merecem destaque, pois, destacam a imagem da esperança e da oportunidade social para os excluídos. O primeiro ficou conhecido como “Meu nome é João”. João, um recém universitário, que se apresenta para uma plateia e narra emocionado, a dificuldade de um estudante pobre para conquistar uma vaga na universidade. O texto, narrado pelo jovem, fala de oportunidade e de esperança. Oportunidade, a que os cidadãos têm direito, independente da origem social, e esperança, de mudar o país tornando-o mais igualitário, menos concentrador e excludente e para ele, João, essa mudança tinha nome: Luiz Inácio Lula da Silva. Eu acabei de entrar pra faculdade, não foi fácil, mas eu consegui. Nada nunca foi fácil pra mim. Estudei em escola pública, fui criado pela minha mãe, nunca tive pai, nunca tive nada. Minha mãe nem sabe ler, mas confio em Deus e em mim, que vou realizar os seus sonhos, custe o que custar, mas quantos iguais a mim, melhores do que eu, mais inteligente do que eu, nunca tiveram uma oportunidade na vida, estão nas ruas, nas drogas, nos crimes. Ninguém nasce mal, ninguém nasce bandido. É tudo uma questão de oportunidade, oportunidade. Os jovens na favela também querem um tênis novo, uma camisa nova e o direito de sonhar como todo mundo. Esse é o país de todos, de todos.Meu nome é João, eu sou brasileiro, amo o meu país. Viva o Brasil, viva a São Paulo, viva o Cristo Redentor, viva a Amazônia, viva a Luiz Inácio Lula da Silva (Transcrição feita a partir do HGPE 15/10/2002, acervo GPCPOP/ UFPR).

Figura 3- Sequência de imagens do HGPE, de 15/10/20028

Fonte: Acervo de imagens Grupo Comunicação e Política UFPR Montagem: Sandra Avi dos Santos

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Vídeo, também, disponível em: <http://www.blogdoduda.com.br/duda_mendonca/blogdoduda.com.br /blog_cmentarios.php?id=VFhwQlBRPT0=>.


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Outra peça de campanha9 que foi ao ar na mesma semana, também enfoca esperança e mudança. Sob a trilha musical de o “Bolero”, do francês Maurice Ravel (1875-1937), várias grávidas caminham sorridentes num campo de trigo, todas de branco, exibindo suas barrigas; em off, o cantor Chico Buarque declama que “Você não pode escolher se seu filho será menino ou menina. Não pode escolher a sua altura e nem a cor dos seus olhos, muito menos o ele vai ser quando crescer. Mas uma coisa você pode escolher, que tipo de país você quer para ele”. Nesse momento, um menino, no colo de uma das mães, levanta o símbolo maior do PT, a estrela vermelha e em seguida, a imagem do cantor aparece em estúdio e termina a cena com a seguinte frase: “Se você não muda, o Brasil também não muda”. Figura 4- Sequência de imagens do HGPE, de 24/10/200210

Fonte: Acervo de imagens Grupo Comunicação e Política UFPR Montagem: Sandra Avi dos Santos

Porém, as estratégias de campanha do PT não focaram apenas o HGPE, mas também, os debates televisivos. Em 25 de outubro de 2002, Serra e Lula enfrentaram-se no único debate televisivo do segundo turno, transmitido pela Rede Globo de Televisão11. A Rede Globo de Televisão, naquela ocasião, exibiu um novo modelo de debate, com detalhes mais adequados ao espetáculo televisivo. Nomeado pela imprensa em geral como “debateshow”, os debatedores entram sob canhões de luzes coloridas e aplausos dos presentes, num cenário que lembra uma arena, e se posicionam ao centro, com os eleitores em volta. Os candidatos não ficam atrelados a um púlpito, e por isso, têm maior mobilidade física para expor as suas ideias. Outra novidade nesse novo formato é a substituição dos jornalistas, que antes faziam as questões para os candidatos, por eleitores indecisos de várias regiões do Brasil, que formulam questões simples e diretas. Segundo Marcelo Baquero (2007, p. 233) e como já foi dito anteriormente, as estratégias publicitárias não foram as únicas responsáveis pelo resultado final daquela eleição, mas, um conjunto de variáveis influenciou diretamente, a campanha vitoriosa de Lula. Segundo Carreirão (2004, p. 191) o desgaste do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), que após oito anos de 9

Comercial intitulado “As grávidas”. Vídeo, também, disponível em: <http://www.blogdoduda.com.br/duda_mendonca/blogdoduda.com.br /blog_comentarios.php?id=VFhwQlBRPT0=>. 11 José Serra e Luiz Inácio Lula da Silva participaram, com os outros candidatos, dos debates promovidos no primeiro turno de 2002. 10


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mandato terminou seu ciclo com índice de rejeição na casa dos 42 % (Ibope), no auge da campanha em outubro, foi um fator que não pode ser ignorado. Tanto para Carreirão, quanto para outros estudiosos, o baixo nível de aprovação do Governo FHC foi motivado pela falta de crescimento econômico, altas taxas de desemprego e desigualdade social. Tais variáveis contribuíram para fortalecer a percepção de que aquele governo e quem ele indicasse não fariam o suficiente para a camada da população mais necessitada. Ou seja, ficou difícil para o marketing de Serra emplacar a imagem pública de segurança e competência. O eleitor mostrou-se mais afeito à ideia de mudança e seduzido pela esperança em um futuro melhor. Em suma, o candidato situacionista José Serra, que era considerado por parte relevante dos eleitores como um político sério, honesto e competente, devido ao seu desempenho como Ministro no governo FHC, primeiro do Planejamento e depois da Saúde, enfrentou o grande problema que qualquer candidato que representasse um governo com baixo índice de aprovação enfrentaria: o descrédito. Além da avaliação negativa do governo FHC, outras questões como a mudança programática do PT e as teses antineoliberais, as alianças com outros partidos, a aproximação com os setores conservadores, o pacto social apresentado na "Carta aos Brasileiros" – onde Lula assumiu o compromisso de honrar os contratos, foram decisivos para que o Partido dos Trabalhadores chegasse ao poder, em 2002. Ao longo dos anos, o PT sofreu um deslocamento retórico no espectro ideológico. Rubim (2003), por exemplo, apresenta a tese, segundo a qual, a mudança do PT já vinha acontecendo há bastante tempo e não foi unicamente, uma fórmula milagrosa de marketing que o fez vencer. O autor afirma que: A construção dessa imagem (“Lulinha paz e amor”) não foi um mero produto de marketing. O próprio Duda Mendonça, em entrevista, reconheceu: “Na verdade, o Lula mudou porque o PT mudou”. A conversão da política do Partido dos Trabalhadores e da imagem de Lula foi, em verdade, um processo longamente vivenciado, formulado e construído, em termos políticos e de mídia, nos últimos anos pelas experiências políticas e administrativas do partido e pela liderança do grupo hegemônico no PT. Não foi algo meramente eleitoral ou mesmo alguma invenção genial de marketing de Duda Mendonça. A política petista governou claramente esta reconversão eleitoral midiática (RUBIM, 2003, 10).


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Figura 5 – Sequência de imagens Lula12

Fonte: Revista “Veja”, ed. n. 1775, 30 de out./ 2002.

É possível afirmar, portanto, que as condições políticas favoráveis à mudança da imagem midiática de Lula e do PT estavam dadas, o sucesso deste investimento de marketing, por sua vez, favoreceu o resultado de vitória13. 3 AS ELEIÇÕES DE 2010 A campanha de 2010, do PT, foi marcada pela presença e endosso do seu patrono. O Presidente reeleito em 2006, Luiz Inácio Lula da Silva, junto com seu partido, apresentou aos eleitores brasileiros uma candidata mulher como herdeira de um governo que tinha, segundo pesquisa Datafolha14, uma aprovação recorde de 79%. Dilma Rousseff, ainda pouco conhecida do grande eleitorado, em sua campanha, teve a participação ativa de Lula. Logo nos primeiros programas do HGPE, de 2010, ele a apresentou como a única opção de continuidade de um governo que estava dando certo. Na primeira veiculação da campanha do PT (figura 6), em 17 de agosto de 2010, Lula e Dilma Rousseff conversavam de pontos extremos do Brasil, com cenas aéreas de uma aeronave que cruzava todo o país. A imagem da candidata apareceu no extremo sul (Chuí–RS), enquanto que a do Presidente, em Porto Velho – RO. Dilma: É muito bom começar esta campanha aqui nas margens do Chuí, onde acaba e ao mesmo tempo começa o Brasil. Lula: É muito bom, Dilma, responder da nossa região Norte, onde o Brasil também começa e termina. Eu aqui no calor que faz a beira do rio Madeira e, você aí, no frio que faz no arroio do Chuí. Deste jeito a gente pode dar um abração no nosso povo. Um abração do tamanho do Brasil e anunciar o início de um novo tempo. 12

Imagens extraídas da revista “Veja”, ed. n. 1775, 30 de out./2002, disponível em: < h t t p : / / v e ja.abril.com.br/301002/p_036.htm l >, acessado em 10/09/2008. 13 Segundo o TSE (disponível em http://www.tse.gov.br/internet/eleicoes/resultado_2002.htm>) Lula obteve no segundo turno 61,27% de votos válidos e José Serra ficou com 38,73%. No primeiro turno, os números foram: Lula – PT (46,44%) e Serra (23,20%). 14 A pesquisa realizada entre os dias 23 e 24 de agosto, com 10.948 entrevistados, em 385 municípios, foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número 25.473/2010.


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Dilma: É Presidente, e o futuro começa sem que se interrompa o presente. Porque o Brasil não quer e não pode parar. [...] O nosso povo sabe que agora tem um projeto com a força e o tamanho do Brasil. Lula: Um projeto, Dilma, que esta só começando. Muita coisa já foi feita, mas tenho certeza que saltos ainda maiores vão acontecer no seu governo. No governo da primeira mulher presidente do Brasil.

Figura 6- Sequência de imagens do HGPE, de 17/08/2010

Fonte: Acervo de imagens Grupo Comunicação e Política UFPR Montagem: Sandra Avi dos Santos

“Para o Brasil seguir mudando”, esse foi o tom do período inicial da campanha, em 2010, pelo publicitário João Santana, responsável pela equipe de marketing petista.

As peças

publicitárias, ao mesmo tempo em que apresentavam os feitos do governo Lula nos últimos oito anos, mostravam que muito ainda era preciso fazer para melhorar ainda mais a vida de todos os brasileiros. Figura 7- Sequência de imagens do HGPE, de 19/08/2010

Fonte: Acervo de imagens Grupo Comunicação e Política UFPR Montagem: Sandra Avi dos Santos

Ao apresentar a trajetória de Dilma, os publicitários estrategicamente, a comparam com a caminhada do menino pobre que saiu do sertão pernambucano e em São Paulo se tornou operário, líder sindical, foi preso durante a Ditadura, fundou o PT, governou o Brasil por oito anos e termina sua gestão com alto índice de popularidade. Lula ao apresentar sua candidata à sucessão, afirma ter plena confiança na mulher nascida numa família classe média mineira, mãe, avó, ex-ministra de Minas Energia e da Casa Civil.

Que, assim como ele, havia lutado pela democracia, fora

perseguida, presa e torturada durante a Ditadura. Que o caminho do primeiro operário Presidente se cruzou com o de Dilma, em 2003, e que ambos trabalharam para mudar o Brasil. Enfim, o desafio


199

do marketing eleitoral petista foi construir a imagem pública de Dilma como reflexo da imagem do seu criador: Lula. A campanha de José Serra e do PSDB, em 2010, teve como maior obstáculo a popularidade do Presidente Lula, e este foi um dos principais fenômenos que contribuiu para que a curva de intenção de voto na sua candidata ficasse cada vez mais ascendente. Em março de 2010, a pesquisa Datafolha indicava que Serra tinha 38% das preferências enquanto que Dilma acumulava 27%. Já em maio, o mesmo Instituto, mostrou que ambos estavam tecnicamente empatados na casa dos 37 pontos percentuais. Na semana anterior ao início do HGPE (entre os dias 9 e 12), o Datafolha apontava pela primeira vez, a inversão das posições, Dilma (41%), superava Serra (33%). Nesse caso, a estratégia adotada pelo marketing peessedebista, ao menos nos primeiros programas, foi a do “não ataque” ao adversário e foco na experiência de Serra. A trajetória do exprefeito da capital paulista e ex-governador do Estado de São Paulo, mostrava que era o candidato mais bem preparado e administrador experiente, além de ter sido “o melhor Ministro da Saúde que o Brasil já teve”. A estratégia do “não ataque” chegou ao ponto de incorporar a imagem do Presidente Lula a de Serra, na campanha televisiva da noite de 19 de agosto, quando se fez a seguinte afirmação: Locutor em off: Serra e Lula. Dois homens de história. Dois líderes experientes. Serra foi Ministro, Prefeito e Governador. Fez a maior expansão do metrô [...] Fez o Rodoanel, maior obra viária do Brasil [...] Foi o melhor Ministro de Saúde do Brasil [...] Serra o homem mais bem preparado para comandar o Brasil.

Figura 8- Sequência de imagens do HGPE, de 17/08/2010

Fonte: Acervo de imagens Grupo Comunicação e Política UFPR Montagem: Sandra Avi dos Santos

A vantagem da candidata petista foi ampliada até chegar a 22% (50 a 28), na rodada de entrevistas feita pelo Datafolha, dias 2 e 3 de setembro. Foi justamente nesse período que eclodiu o escândalo da Casa Civil. Nele, a ministra Erenice Guerra, que substituiu Dilma no governo Lula, foi acusada de favorecer o esquema de lobby praticado pelo filho, na mediação entre empresas privadas e o Estado. Dilma, cujos índices de preferência nas pesquisas tinham resistido às denúncias de elaboração de um dossiê contra Serra, por parte do PT e de quebra do sigilo fiscal da filha do


200

candidato do PSDB, não logrou a mesma sorte dessa vez. Os efeitos do escândalo da Casa Civil apareceram no levantamento Datafolha, divulgado no dia 23 de setembro quando os números indicaram uma queda de 5 pontos na distância entre Dilma e a soma dos demais concorrentes, situação que apontava a possibilidade de realização do segundo turno. A hipótese se confirmou quando o resultado do primeiro turno não decidiu a eleição. A candidata Dilma venceu, mas, com 46,9% dos votos válidos e Serra, por sua vez, auferiu 32,6% dos votos. Figura 9- Sequência de imagens do HGPE, de 27/10/2010

Fonte: Acervo de imagens Grupo Comunicação e Política UFPR Montagem: Sandra Avi dos Santos

Alguns governos veem o mundo só pelos olhos da economia, aí tudo vira número. Outros governos veem o mundo só pelos olhos da obra, aí tudo vira pedra, tijolo, prédio. E há um tipo raro de governo, que vê o mundo pelos olhos das pessoas, ai o número vira gente, prédio vira gente e gente vira muito mais gente. É este governo de olhar social, onde as pessoas são o centro de tudo que Lula vem fazendo e Dilma vai continuar e ampliar (HGPE 27/10/2010).

A campanha no segundo turno se caracterizou pela recuperação de Dilma que recebeu apoio ainda maior de Lula (figura 9). Nem mesmo o episódio de agressão a Serra por militantes do PT, em 20 de outubro, prejudicou a ascensão da candidata. No início do segundo turno, o instituto Datafolha apontava uma vantagem para Dilma na ordem de 48% contra 41% de Serra. Ao final, a petista sagrou-se vencedora obtendo 55,9% dos votos válidos. A partir dos contextos de 2002 e 2010, a seguir se analisam as estratégias discursivas mobilizadas pelas candidaturas. 4 PT VERSUS PSDB - 2002 E 2010

Em 2002, a retórica de “apelo à mudança” (tabela 1), ao contrário do que deveria ser, foi mais utilizada pelo candidato situacionista Serra (24,4%), do que pelo seu adversário/desafiante petista, (22,3%). A estratégia indica o quanto os responsáveis pela campanha de Serra queriam afastá-lo das consequências que poderiam significar os baixos índices de aprovação do governo que ele representava. Serra teve dificuldade em defender o governo FHC e não investiu de modo incisivo na imagem de agente perpetuador da sua obra. Lula, por sua vez, aplicado na difusão da


201

nova imagem de político moderado, fez pouco uso do apelo à mudança, apesar de ocupar o lugar de desafiante.

TABELA 1 – “Apelo à mudança”. Eleição 2002

Candidato Lula (PT)

José Serra (PSDB)

2010

Dilma Rousseff (PT)

José Serra (PSDB)

ausência presença Total ausência presença Total ausência presença Total ausência presença Total

Frequência 157 45 202 232 75 307 662 45 707 333 131 464

Percentual 77,7 22,3 100,0 75,6 24,4 100,0 93,6 6,4 100,0 71,8 28,2 100,0

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR

Já em 2010, as estratégias de “apelo à mudança” deixam as posições de desafiante, de Serra, e de mandatária, de Dilma, mais claras e definidas. A candidata apoiada por Lula e preocupada em construir uma imagem de alguém capaz de dar continuidade ao governo do petista, quase não apelou às mudanças (6,4% dos casos). Serra, por sua vez, principal candidato da oposição, usou mais esse recurso (28,2%), ainda que numa proporção apenas um pouco maior do que em 2002. Quando se analisa a variável “ataque à administração em curso” (tabela 2) observa-se que, em ambos os pleitos, o Partido dos Trabalhadores escolheu a estratégia do “não ataque”. Mesmo em 2002, durante todo o período eleitoral, quando era desafiante, atacou apenas 7,9% a administração do Presidente FHC. Esse fato corrobora a tese de que sua estratégia de campanha estava mais voltada para construção de uma imagem pacificadora, cujo alvo não era o típico eleitor petista. Ao comparar o desempenho de Serra/desafiante em 2010, nesse quesito, constata-se que ele acionou o recurso de ataque à Administração, mais que o dobro de vezes que Lula, em 2002. TABELA 2 – “Ataque à administração em curso” Eleição 2002

Candidato Lula (PT)

José Serra (PSDB)

2010

Dilma Rousseff (PT)

José Serra (PSDB)

ausência presença Total ausência presença Total ausência presença Total ausência presença Total

Frequência 186 16 202 302 5 307 706 0 706 374 90 464

Percentual 92,1 7,9 100,0 98,4 1,6 100,0 99,9 0,0 100,0 80,6 19,4 100,0

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR


202

Se a comparação é entre os candidatos mandatários nas duas eleições, merece realce o comportamento de Serra em 2002, pois, ainda que em poucas oportunidades, ele chegou a atacar a administração FHC. Atitude não totalmente estranha, pois, Serra não se empenhou em construir uma imagem fortemente associada ao Presidente, como seu aliado. Ao contrário de Dilma, cuja imagem estava atrelada a de Lula e por isso, não usou o recurso de ataque à Administração. É possível afirmar que o esforço da campanha de Lula em construir uma imagem pacificadora se confirma nos dados referentes ao “ataque a adversário” (tabela 3). Lula, na condição de candidato desafiante, atacou muito pouco o candidato mandatário, apenas em 6,4% dos casos. Serra, tanto na condição de mandatário, quanto na de desafiante, utilizou este recurso discursivo mais que o dobro de vezes comparativamente a Lula, quando se encontrava na condição de desafiante.

TABELA 3 – “Ataque a adversário” Eleição 2002

Candidato Lula (PT)

José Serra (PSDB)

2010

Dilma Rousseff (PT)

José Serra (PSDB)

ausência presença Total ausência presença Total ausência presença Total ausência presença Total

Frequência

Percentual

189 13 202 245 62 307 668 39 707 382 82 464

93,6 6,4 100,0 79,8 20,2 100,0 94,5 5,5 100,0 82,3 17,7 100,0

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública - UFPR

Quando se analisam os temas mais frequentes no discurso televisivo dos candidatos (tabela 4) nota-se que a campanha de Lula em 2002, enfocou duas políticas públicas relevantes para os cidadãos, “saúde” (9,4%) e “emprego” (14,4%) e ainda tranquilizou o mercado e os investidores, ao tratar do tema “economia” (10,9%). Já em 2010, ao optar por uma candidata não conhecida por grande parte do eleitorado, a campanha petista dedicou mais tempo à construção da imagem de Dilma (26,0%). A questão “educação” recebeu especial atenção da campanha do PT, em 2010, pois apareceu em 21,2% dos segmentos do HGPE. A imagem de um Brasil que tinha dado certo com Lula e iria continuar com Dilma esteve presente, por sua vez, em 14,3% dos segmentos. Serra usou 14,7% dos segmentos, em 2002, para fortalecer a sua imagem diante do eleitorado, estratégia que quase dobrou em 2010 (31%). É importante ressaltar que Serra, em 2002,


203

não fez maiores investimentos retóricos na desconstrução da imagem de Lula, ao passo que em 2010, essa foi uma preocupação recorrente. Serra se referiu à imagem de Dilma em 9,7% dos segmentos, mas, não se esqueceu da construção da sua própria imagem pública. TABELA 4 – Três temas mais citados Eleição 2002

Candidato Lula (PT)

José Serra (PSDB) 2010

Dilma Rousseff (PT)

José Serra (PSDB)

Saúde Economia Emprego Cardápio - variedade de políticas públicas Imagem do candidato Emprego Imagem do país Educação Imagem do candidato Cardápio - variedade de políticas públicas Imagem do adversário Imagem do candidato

Frequência 19 22 29 31

Percentual 9,4 10,9 14,4 10,1

45 48 101 150 184 41

14,7 15,6 14,3 21,2 26,0 8,8

45 144

9,7 31,0

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR

A literatura sobre comunicação política aponta o apelo emocional como um recurso retórico que ganha relevância nas atuais campanhas, pautadas pela espetacularização e pela tentativa de elevar a confiança e a proximidade do eleitor em relação ao candidato. A tabela 5 indica qual foi o comportamento estratégico das campanhas, considerando os apelos. O primeiro dado que chama a atenção remonta ao crescimento significativo do uso do “apelo emocional”, nas eleições de 2010 comparando-as com as de 2002. Na primeira eleição houve praticamente um empate em termos proporcionais, quando Lula e Serra apelaram para o “apelo emocional”, nas proporções de (24,3%) e (23,1%), respectivamente. Em 2010, esse percentual quase dobrou no caso do PT, atingindo o patamar de (40,2%) e mais que dobraram quando se reflete sobre o comportamento da campanha de Serra (55%), tornando-se o apelo hegemônico. Ao se considerar a variável “apelo” é viável afirmar que a campanha de 2010 deixou a desejar politicamente em relação a de 2002, pois, o “apelo político’” sofreu um decréscimo significativo de aparições nas campanhas de ambos os candidatos, saiu do patamar de 20%, na primeira campanha e atingiu o desempenho de 2%, no segundo pleito. A pesquisa registrou a baixa proporção do “apelo ideológico”, nas campanhas analisadas. Ele não ultrapassou os 3% dos segmentos e isso, deve-se sublinhar. Não é oportuno fazer uma relação direta desse desempenho com o crescimento da mídia de massa nas campanhas, mas, no mínimo, é aceitável que os casos estudados indicam a possibilidade de o formato midiático dos pleitos reproduzirem o declínio do debate ideológico nas sociedades contemporâneas.


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TABELA 5 – “Apelo” Eleição 2002

Candidato Lula (PT)

José Serra (PSDB)

2010

Dilma Rousseff (PT)

José Serra (PSDB)

Pragmático Ideológico Político Emocional Documental ou Credibilidade da fonte Total Pragmático Ideológico Político Emocional Documental ou Credibilidade da fonte Total Pragmático Ideológico Político Emocional Documental ou Credibilidade da fonte Total Pragmático Ideológico Político Emocional Documental ou Credibilidade da fonte Total

Frequência 82 6 59 49 6

Percentual 40,6 3,0 29,2 24,3 3,0

202 157 5 62 71 12

100,0 51,1 1,6 20,2 23,1 3,9

307 383 12 7 284 21

100,0 54,2 1,7 1,0 40,2 3,0

707 157 11 10 255 31

100,0 33,8 2,4 2,2 55,0 6,7

464

100,0

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR

O debate sobre as estratégias retóricas de campanha confere importância à “dimensão temporal” do discurso. A tendência é o candidato desafiante desqualificar o passado e o presente e enfatizar o futuro, enquanto o candidato mandatário tende a defender o passado e o presente e prometer um mundo ainda melhor no futuro. TABELA 6 – “Dimensão temporal” Eleição 2002

Candidato Lula (PT)

José Serra (PSDB)

2010

Dilma Rousseff (PT)

José Serra (PSDB)

Passado/presente Futuro Indefinido Total Passado/presente Futuro Indefinido Total Passado/presente Futuro Indefinido Total Passado/presente Futuro Indefinido Total

Frequência 124 40 38 202 165 75 67 307 589 117 1 707 380 82 2 464

Percentual 61,4 19,8 18,8 100,0 53,7 24,4 21,8 100,0 83,3 16,5 ,1 100,0 81,9 17,7 ,4 100,0

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública - UFPR


205

Na tabela 6 (anterior) percebe-se um predomínio da “dimensão temporal passado/presente” nos discursos das campanhas, contudo, com um exponencial salto em 2010, quando essa dimensão atingiu a significativa frequência de 83,3%, no programa de Dilma e 81,9% ,no de Serra. Dados qualitativos indicam que Lula fez pouca referência negativa ao passado/presente, postura coerente com a estratégia de construção de uma imagem pública ligada à ponderação, equilíbrio e espírito pacificador. Serra, em 2002, como teve uma postura coerente com a posição de candidato mandatário nesse quesito, referiu-se ao passado/presente de maneira predominantemente positiva, 64,5% dos casos. Tal coerência não se repetiu em 2010, quando como desafiante, aumentou a frequência de citações positivas à dimensão passado/presente (79,1%). O comportamento de Serra, em 2010, indica a dificuldade que a oposição enfrentou para encontrar seu discurso diante da alta aprovação do governo Lula, nas pesquisas de opinião. Quanto à “retórica geral” (tabela 7) destaca-se que, embora a “sedução” tenha sido um recurso bastante utilizado pelos candidatos em 2010, predominou, naquela ocasião, a retórica da proposição. Mesmo a ameaça, quantitativamente falando, não foi significativa. Não se deve desprezar, é claro, o impacto qualitativo que uma só ameaça pode causar no eleitor. De todo modo, não se observou em 2002, uma postura sistemática dos candidatos contrária às proposições políticas e orientada, prioritariamente, pelo discurso da sedução, muito valorizado pela mídia. TABELA 7 – “Retórica Geral” Eleição 2002

Candidato Lula (PT)

José Serra PSDB

2010

Dilma Rousseff (PT)

José Serra (PSDB)

Sedução Proposição Crítica Valores Total Sedução Proposição Crítica Valores Ameaça Total Sedução Proposição Crítica Valores Total Sedução Proposição Crítica Valores Ameaça Total

Frequência 57 93 34 18 202 82 156 35 29 5 307 387 303 12 5 707 260 159 30 12 3 464

Percentual 28,2 46,0 16,8 8,9 100,0 26,7 50,8 11,4 9,4 1,6 100,0 54,7 42,9 1,7 ,7 100,0 56,0 34,3 6,5 2,6 ,6 100,0

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR

Em 2010, contudo, a situação foi inversa. Os candidatos priorizaram a “retórica da sedução”


206

predominando sobre a “proposição” que sofreu recuo na estratégia de ambos os candidatos, entretanto, com maior destaque na campanha televisiva de Serra. Esse dado também confirma o declínio no uso de recursos tipicamente políticos na campanha de 2010, em relação a 2002. Usa-se a expressão “tipicamente político” em oposição aos recursos mais apropriados ao campo midiático. TABELA 8 – “Retórica X Ataque ao Adversário” Eleição

Candidato

2002

Lula (PT)

Retórica

José Serra PSDB

Total Retórica

Dilma Rousseff (PT)

Total Retórica

José Serra (PSDB)

Total Retórica

2010

Total

Sedução Proposição Crítica

Sedução Proposição Crítica Valores Ameaça Sedução Proposição Crítica

Sedução Proposição Crítica Valores Ameaça

Ataque ao adversário ausência presença 29,1% 15,4% 46,0% 46,2% 15,3% 38,5% 100,0% 29,0% 57,1% 3,3% 10,6%

100,0% 17,7% 25,8% 43,5% 4,8% 8,1%

100,0% 56,7% 42,4% ,1%

100,0% 20,5% 51,3% 28,2%

100,0% 57,9% 39,3% 1,8% 1,0%

100,0% 47,6% 11,0% 28,0% 9,8% 3,7%

100,0%

100,0%

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR

Quando se observa o tipo de retórica utilizada ao atacar o adversário, fica clara a superioridade política do debate em 2002, ao menos no que se refere ao uso de ferramentas tipicamente políticas. Naquele ano, ao atacar o adversário, os candidatos se apropriaram de uma retórica predominantemente pautada na proposição e na crítica. Ao passo que, em 2010, essa estratégia se restringiu à candidata mandatária, pois, Serra optou por atacar valendo-se, principalmente, do discurso da sedução. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O foco da pesquisa foi o estudo comparativo das estratégias discursivas e de imagem, mobilizadas no HGPE pelos dois principais candidatos às eleições presidenciais, em 2002 e 2010. As questões que orientaram a análise foram as seguintes: quais estratégias discursivas foram mobilizadas? Existiu um padrão de comportamento? Os contextos eleitorais e os posicionamentos distintos no jogo eleitoral refletiram as estratégias?


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Quanto a 2002, foi bastante elucidativo relacionar as mudanças de Lula e do PT com as estratégias de campanha. É evidente que o marketing eleitoral não foi o único responsável pela chegada petista ao poder. Como indica Rubim (2003), a mudança da imagem de Lula, não foi apenas resultado de marketing, mas de uma mudança programática do próprio PT “na verdade, o Lula mudou porque o PT mudou”. Contudo, tanto este autor quanto outros que discutem as eleições de 2002, consideram que um conjunto de fatores contribuiu para o sucesso do PT. E, em relação às estratégias de marketing empregadas, uma parte dos autores atribui um peso maior, outra, um peso menor, contudo, são unânimes em reconhecer a importância do marketing político naquele momento. A análise do pleito de 2002 indicou que a retórica de “apelo à mudança”, não seguiu os padrões convencionais e ela foi mais utilizada pelo candidato situacionista Serra (24,4%), do que pelo seu adversário/desafiante petista, (22,3%). Naquela eleição, José Serra não ocupou a sua posição de mandatário como naturalmente deveria ser. A estratégia indicou que a campanha de Serra teve dificuldade em defender o governo FHC e evitou passar a imagem de herdeiro de um governo mal avaliado. Lula, por sua vez, fez pouco uso do “apelo à mudança”, apesar de ocupar o lugar de desafiante, e evitou o ataque ao adversário, estratégia que corrobora a tese de que sua campanha enfatizava a construção de uma imagem pacificadora. Esta postura da campanha de Lula explica também o pouco uso das estratégias de “ataque à administração em curso” e “ataque ao adversário”. Serra, tanto na condição de mandatário (2002), quanto na de desafiante (2010), atacou mais seus adversários. A dificuldade deste candidato em ocupar a posição típica em cada eleição se refletiu, também, no fato de ele, mesmo como desafiante (2010) se referir muito mais ao passado/presente do que ao futuro, seguindo a postura mais favorável à candidata Dilma, mandatária. Quanto aos temas, a campanha de Lula em 2002, priorizou políticas públicas como “saúde” (9,4%) e “emprego” (14,4%). Ao abordar o tema “economia” (10,9%), Lula tranquilizou o mercado e os investidores.

Serra, por sua vez, em 2002, não fez maiores investimentos retóricos na

desconstrução da imagem de Lula, ao passo que em 2010, essa foi uma preocupação recorrente, lado a lado, com a construção de sua própria imagem. A campanha de 2010, do PT, se caracterizou pela presença do Presidente Lula que apresentou aos brasileiros a candidata Dilma Rousseff, como herdeira de um governo que tinha aprovação recorde de quase 80%. A campanha petista taticamente dedicou mais tempo enfocando a imagem de Dilma (26,0%), uma vez que ela ainda era pouco conhecida do grande eleitorado. A questão “educação” recebeu especial atenção da campanha do PT, em 2010, e apareceu em 21,2% dos segmentos do HGPE. A imagem de um Brasil que vinha dando certo com Lula e iria continuar


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com Dilma, esteve presente em 14,3% dos segmentos. No que se refere à estratégia de “apelo à mudança” é possível afirmar que este recurso deixou as posições de desafiante, de Serra, e de mandatária, de Dilma, mais claras e definidas. A candidata apoiada por Lula, preocupada em construir a imagem de alguém capaz de dar continuidade ao governo do petista, quase não “apelou às mudanças” (6,4% dos casos). Serra, por sua vez, principal candidato da oposição, usou mais este recurso (28,2%). O “apelo emocional”, contudo, foi uma ferramenta mais mobilizada em 2010, do que em 2002, também em 2010, ocorreu um declínio dos apelos “político” e “ideológico”. Considerando apenas o “apelo”, é possível afirmar que a campanha de 2010 deixou a desejar politicamente e cedeu aos princípios midiáticos ao se dirigir aos eleitores. Em relação à “retórica geral”, em 2002, os eleitores assistiram mais vezes discursos com proposições do que marcados pela sedução, justamente o oposto do que aconteceu em 2010, quando ocorreu um declínio no uso de recursos tipicamente políticos. Em suma, Dilma, como não poderia deixar de ser, cumpriu seu papel de candidata mandatária, em 2010, com imagem fortemente associada ao governo bem avaliado de Lula. Enquanto que Serra, ao priorizar, em 2002, o uso dos segmentos para fortalecer a sua imagem diante do eleitorado, estratégia que quase dobrou em 2010 (31%), não obteve sucesso em nenhuma das eleições. De todo modo, em 2010, os recursos midiáticos de: investimento na imagem, personificação da campanha e apelo emocional estiveram mais presentes, especialmente, na campanha de Serra. No que se refere a padrões estratégicos e discursivos é admissível afirmar que a candidatura de Lula mobilizou recursos adequados ao objetivo de consolidar uma imagem de paz e conciliação. Sobre Serra cabe a especulação de que a dificuldade em se situar na condição ora de mandatário, ora de desafiante, refletiu negativamente na sua campanha. 6 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, A. de; GOMES, I. de A. O discurso do medo versus o discurso da esperança: A disputa de sentidos decisiva das eleições. São Bernardo do campo/SP: Trabalho apresentado no XIII Encontro da COMPÓS, 25 de junho, 2004. ALBUQUERQUE, A. de. Aqui você vê a verdade na tevê: a propaganda política na televisão. Dissertação. Mestrado em Comunicação, Imagem e Informação. Niterói: Universidade federal Fluminense, 1999. ____________. “O conceito de espetáculo político”. In: ECO. Publicação da pós-graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, i (5): 11-27, 1994. _____________. “Política versus televisão, o horário gratuito na campanha presidencial de 1994”. Comunicação & Política, v. 01, n. 03, abr./jul. p. 49-54, 1995.


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Revista


210 TWITTER: BUZZ MARKETING NA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL DE 2010 TWITTER: BUZZ MARKETING EN LA ELECCIÓN PRESIDENCIAL DE 2010 TWITTER: BUZZ MARKETING EN LA ELECCIÓN PRESIDENCIAL DE 2010

Mauricio Guindani, ROMANINI, 1 RESUMO O objetivo deste artigo é discutir o papel do twitter na eleição de 2010, particularmente, dos três principais candidatos presidenciais. Também, apontar algumas características que norteiam o pensamento em torno desta temática. Justifica-se este estudo porque a sociedade observa a transformação da comunicação midiática de massa para a comunicação em rede, que se torna não-linear. Neste contexto, a tônica da campanha eleitoral tende a ser de mão-dupla, com menos importância para um pólo fixo, que é o candidato, para mais fontes de interação, que são os eleitores, através das redes sociais. PALAVRAS-CHAVE: Política, Twitter e eleição 2010

RESUMEN: el objetivo de este artículo es discutir el marketing político online. Apuntar algunas características que orientan el pensamiento en torno de esa temática. La sociedad observa la transformación de la comunicación mediática de masa hacia la comunicación en red, que se torna no linear, o sea, la tónica de la campaña electoral tiende a ser de doble sentido, con menos importancia para un polo fijo, que es el candidato y demás fuentes de interacción, que son los electores, a través de las redes sociales PALABRAS-CLAVE: Politica, twitter e elecciones 2010

ABSTRACT: The aim of this paper is to discuss the role of twitter in the election of 2010, particularly the three main presidential candidates. Also, point out some features that guide the thinking around this subject. This study is justified because society says the transformation of mass media communication network for communication, which becomes non-linear. In this context, the tone of the campaign tends to be two-way, with less importance to a fixed pole, which is the candidate for more sources of interaction, which are the voters, through social networks. KEY WORDS: Politics, 2010 Election and Twitter

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Jornalista, Mestre em Comunicação Social, professor universitário, pesquisador e consultor em marketing político.


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1 INTRODUÇÃO A novidade nas eleições de 2010 foi a presença do twitter como ferramenta de marketing político. No entanto, algumas perguntas ainda carecem de esclarecimento: o uso das redes sociais é um modismo? Qual é o potencial dessas redes sociais? Os políticos sabem otimizar as redes sociais? O estudo do marketing político online é muito recente e ainda não se conhece muito a respeito. Por ser uma novidade na área política, sobretudo no Brasil, especula-se exageradamente e conclui-se apressadamente a respeito de seu papel. Na eleição americana de 2008, as ações de Barak Obama mudaram o ritmo da campanha nos EUA, pois estimularam a ampliação do debate público, mobilizaram milhares de pessoas, entidades civis e a imprensa e, acima de tudo, transformaram a aparência do marketing político online. Para Boyd e Ellison (2007), as redes sociais são sistemas que permitem a construção de uma persona através de um perfil ou página pessoal, com interação através de comentários e da exposição pública na rede social de cada um. Efetivamente, a eleição sempre começa muito antes dos prazos estabelecidos pela legislação. Na internet não é diferente porque os principais nomes cotados para disputar os cargos eletivos começam a mobilizar os simpatizantes com antecedência. A virtualização é amplamente discutida por Deleuze (1994), Baudrillard (1997) e Lévy (1996). Afirmam que o virtual não se opõe ao real, pois ele também é real, presente na era acelerada da velocidade, que (re) configura o duo: comunicação e política. O meio digital permite a acumulação de conteúdo, rompe com os paradigmas organizacionais que o marketing político cria e proporciona alto grau de interatividade. Ajuda a tirar o cidadão/eleitor da zona de conforto e faz com que ele se torne mais ativo, pois, requer interação e, dessa maneira, contrasta com a relativa passividade dos cidadãos/eleitores com os meios tradicionais. Tanto nos EUA, como no Brasil, o popular serviço de microblog, o gratuito twitter, conquista, cada vez mais, a classe política. De maneira geral, os políticos utilizam a


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ferramenta – que lhes permite mandar mensagens curtas, de até 140 caracteres, para divulgar ações do mandato ou fazer comentários pessoais. A comunicação no twitter é o resumo de um determinado assunto. Por isso, os políticos não detalham com profundidade o tema abordado, mas, muitas vezes, pautam a grande mídia ou mesmo, despertam a atenção do eleitor para a questão comentada. Mesmo que de forma fracionada, a interatividade é tônica dessa rede social, onde as pessoas podem postar sua mensagem (pública ou privada), retwittar o mesmo assunto, colocar links em suas postagens ou usar o recurso do twitpic – espaço para fotos. Enfim, desse modo, começam a formar os seguidores. Efetivamente, a eleição de 2010 não teve contornos práticos no twitter, principalmente, dentro das características impostas por Barak Obama, que utilizou de forma agregadora o microblog muito antes de se lançar candidato a presidente. Independente dos políticos e de suas equipes conhecerem muito bem essa rede e de contarem com ajuda de consultores externos – alguns elevados à categoria de celebridades, a grande tarefa para os envolvidos nas campanhas foi e será encontrar maneiras de se diferenciar em um jogo de iguais. Os eleitores comentam sobre política com naturalidade, no seu cotidiano e principalmente, no período eleitoral. Manifestam suas preferências, insatisfações e perspectivas e, acima de tudo, procuram impor uma visão positiva de seu candidato e desqualificar os adversários. Esse boca-a-boca/toque-a-toque permanente pode influenciar na escolha do candidato dos eleitores ou na sua recusa. Agora, com a comunicação mediada por uma tecnologia, vide twitter, o alcance é muito maior, mas com um detalhe em comum: a mesma determinação em prol de uma causa. Para Chetochine (2006), os cidadãos evangelizadores só agem assim quando encontram uma causa e na política não é diferente, são alguns evangelizadores de uma cidade que conseguem eleger um prefeito, um deputado e até o presidente de uma nação.


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2 A REDE SOCIAL COMO FATOR AGREGANTE As tecnologias móveis de comunicação começam a fomentar o marketing político online colaborativo, em tempo real. Esses atores – políticos e eleitores compartilham informações no momento em que acontecem, por exemplo, via twitter. Para Recuero (2009), nas redes sociais destacam-se como elementos constitutivos, os atores–integrantes da rede que moldam as estruturas sociais, através da interação e da constituição de laços. Os dispositivos móveis permitem a veiculação de mensagens multimídia curtas que são aproveitadas em várias frentes de trabalho, inclusive na política. As campanhas eleitorais são muito dinâmicas, com fatos que podem impactar instantaneamente o jogo político, tanto no aspecto positivo quanto no negativo. No marketing político online existe a exigência do imediatismo e da atualização contínua, pois, os muitos eventos que acontecem ao mesmo tempo, demandam informações novas e em tempo real. Durante o período eleitoral ocorre uma saturação de propaganda política porque é grande o número de candidatos disputando a atenção dos eleitores. Como então, diferenciar-se num segmento de iguais? Para os autores Chetochine (2006) e Rosen (2001) pode ser com o buzz marketing; já Godin (2000) enfatiza o marketing de permissão. Ambas são ações pontuais e ajudam a encontrar, apontar e direcionar uma saída para fazer a comunicação direta com as pessoas. A ideia central é utilizar a internet e suas plataformas de redes sociais para impactar, sensibilizar e mobilizar os cidadãos com mensagens em prol de uma causa. É necessário que elas sejam intrigantes e, se possível, personalizadas. A cada eleição ganha importância a troca de informações e a colaboração entre internautas, através das comunidades de relacionamento. São informações colocadas e editadas pelos próprios internautas. É necessário entender que os cidadãos tornaram-se fonte e mídia e que as comunidades disseminam informações, opiniões e ideias a respeito de políticos e partidos em diferentes canais, por meio de redes sociais. A crescente influência e penetrabilidade dos novos meios digitais de comunicação no cotidiano das pessoas fazem com que a comunicação e o marketing político mudem


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suas estratégias. Nesse viés, as redes sociais são cada vez mais relevantes e modificam o controle sobre o processo da comunicação. No entanto, o twitter é mal aproveitado no ambiente político onde muitos insistem em fazer propaganda política e divulgar suas agendas, situação que costuma não ter força e impacto. Dificilmente, os usuários/eleitores mudam seus hábitos durante o período eleitoral, mesmo porque a política não faz parte do cotidiano dos brasileiros. Segundo dados da empresa E.Life2, 60% dos usuários buscam informação referentes ao seu cotidiano, aos assuntos relacionados à comunidade em que estão inseridos, enfim, são informações sobre seu microcosmo. Para Lemos (2002), as comunidades virtuais eletrônicas são agregações de interesses comuns, independente de fronteiras ou demarcações territoriais fixas, muito além dos interesses pessoais. É uma ferramenta-meio que conecta, imediatamente, as pessoas interessadas num mesmo assunto, com os mesmos valores, isto é, vale para os iguais. Existe um senso de comunidade com as pessoas interligadas numa mesma rede, pois sabem que vão encontrar informações atualizadas sobre interesses comuns. Dessa forma, o que mais movimenta o twitter não é um único tipo de postagem ou um tema específico, mas, o conjunto de muitas postagens sobre diversas temáticas. Atualmente, a realidade e a prática mostram que as redes sociais são criadas apenas para funcionar durante o período de campanha eleitoral e, que muitas vezes, não surtem o efeito esperado. Na verdade, essa foi a tônica presente nas últimas eleições, quando as redes sociais foram usadas para invadir a vida das pessoas, ou seja, foi uma intromissão no seu dia a dia. Nesse contexto pergunta-se: como foi a relação com os blogs nas eleições passadas? Provavelmente, um corpo estranho no cotidiano dos cidadãos, pois todos os políticos tinham seu diário, mas eram muito pesados, institucionalizados e frios. Sem fazer comparações, mas projeções, por exemplo, Barak Obama teve mais buzz durante todo o ano em blogs do que John McCain. A diferença acumulada foi aproximadamente de 2,4 milhões de posts para o candidato eleito. Dessa forma, o buzz marketing como estratégia 2

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de boca-a-boca/toque-a-toque tem reflexos na intenção de votos. No entanto, não pode ser encarado como uma ferramenta-meio de alcance curto – em período eleitoral, mas como uma mídia com potencial maior do que uma simples conversa de antigamente. Para Chetochine (2006), o fato é que o boca-a-boca sempre existiu. Mesmo que nunca tenha sido tão intenso quanto hoje – pelo simples motivo de se estar cada vez mais interligado por computadores e telefones celulares no toque- a- toque. A potencialidade do twitter é justamente tentar acabar com a imagem de que os políticos são caçadores de votos e não pertencentes ao convívio das pessoas. Trazer, agregar e compartilhar conteúdo para as pessoas, é a chave para o sucesso. Pelo fato da política ser personalista, os partidos não terem representatividade e os políticos serem pessimamente avaliados, a utilidade do microblog como estratégia eleitoral, nesse momento, não surte o efeito esperado. Os políticos ainda não conseguiram transformar o potencial das ferramentas de comunicação mediada pelo computador, em diferencial na campanha. Diferentemente, do que vem sendo falado e escrito na grande mídia, o twitter não assumiu papel de protagonista nas eleições e nem o terá num futuro próximo, salvo algumas exceções. Os candidatos e suas equipes imaginavam atingir os jovens, aproveitar um canal de comunicação que falasse diretamente com eles, entretanto, essa ferramenta-meio enveredou por outro lado. Nessa situação, o microblog transformou-se em espaço para intrigas políticas, comentários pessoais, provocações, acusações de toda ordem e, além disso, campo para ridicularizar os candidatos. Só não conseguiu ser e ter relevância para ampliar os debates democráticos e agregar valor à imagem e aos votos. Na visão de Primo (2003), existem duas formas de relações mediadas por computador: interação mútua e reativa. A interação mútua é aquela em que há interdependência e processos de negociação, em que cada interagente participa do processo de construção interativa e cooperada, afetando-se mutuamente; já a reação reativa é determinada por relações determinísticas de estímulos e respostas. A política cotidiana, praticada pelos políticos e espraiada pela mídia tradicional, é distante, pouco efetiva e afetiva e não está presente no dia a dia das pessoas e não sedimenta laços sociais. Para Wellman (2001), esses laços consistem em uma ou mais


216

relações específicas, tais como proximidade, contato frequente, fluxo de informação, conflito ou suporte emocional. Por outro lado, apostar somente nos laços de relacionamento para surtir efeitos positivos no campo do marketing político online é esperar e torcer por uma eleição perdida, principalmente, nesse estágio da democracia brasileira. Para Brieger (1974), laços associativos comuns não conectam as pessoas ou grupos, através de relações sociais, ou seja, laços sociais não dependem só de interação, pois são necessários, além de interação, sentimentos de pertencimento a um grupo ou a uma causa. Nessa lógica, a interação e pertencimento podem ser avaliados pelos cidadãos como fortes ou fracos e, ainda, constitutivos ou oportunistas. Para a maioria esmagadora dos políticos, a classificação é sedimentada em pontos fracos e oportunistas. Assim, como cativar os eleitores se o propósito é efêmero, isto é, o voto? Pela imagem desacreditada da classe política, a regra que vale para outros tipos de relacionamentos, não se aplica à esfera política, pois a percepção de intencionalidade é clara nesse tipo de relação, que se define por projetos pessoais. Nesse viés, a comunicação política online objetiva agregar conhecimento e fortalecer as discussões em torno de uma temática, de um objetivo ou propósito comum. Quando acontece em âmbito local e regional, é mais bem aceito pelas pessoas. Para os autores Ogburn e Nimkoff (1975), a interação social apresenta três características: cooperação, conflito e competição. Quando os homens trabalham juntos e com os mesmos objetivos tem-se a cooperação; em disputa de um contra o outro se verifica a oposição; a competição, por sua vez, compreende luta, mas não hostilidade. Por exemplo, nas propagandas eleitorais online, é necessário se posicionar, compartilhar ideias e argumentar por ser a dinâmica do jogo democrático que garante maior ou menor amplitude. Na visão de Recuero (2009), a cooperação, conflito e competição não são, necessariamente, processos distintos e não relacionados. São, sim, fenômenos naturais emergentes das redes sociais. No conflito surge a cooperação, pois há antagonistas. No interior de grupos a adversidade pode unir ou separar, ou como colocam Ogburn e Nimkoff (1975), os indivíduos ou grupos, podem competir para melhor cooperar.


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Outro ponto importante, ainda, é mapear os perfis não-oficiais. São duas as possibilidades: os favoráveis e os contrários. Nesse caso, perfis e seguidores semioficiais favoráveis a determinado candidato devem ser monitoradas e supridos de todas as informações necessárias. Por outro lado, os perfis e seguidores semi-oficiais contrários, precisam ser vigiados para que não deturpem ou criem notícias falsas e espalhem boatos mentirosos, que claramente, prejudicam a imagem do candidato.

3 DESEMPENHO DOS CANDIDATOS NO TWITTER A empresa iGroup3, em sua metodologia, considera a importância dos diferentes meios de acordo com o potencial de evangelização e mobilização de cada um. Por isso, nessa escala, o twitter aparece com peso de 40% graças à sua agilidade de propagação de informações e força de influência. Também, a pesquisa da E.Life do mês de maio, fez um levantamento sobre os números das redes sociais dos principais pré-candidatos a presidente da República, que apontou 5 milhões de seguidores, no total. Os posts sobre Dilma Rousseff atingiram quase 1.747.000, já em relação a José Serra foram 1.580.000 e sobre Marina Silva chegaram a 1.630.000. A aferição não excluiu usuários que postaram mais de uma vez sobre o assunto ou seguiram mais de um candidato, pois o total contabilizou essas repetições. Os internautas brasilienses lideraram a participação, seguidos por paulistas, goianos e cariocas. A página da petista no twitter tinha 73.397 seguidores; a de Serra, 244.091; e a de Marina, 55.290. Observa-se que os candidatos procuraram usar essa ferramenta para conversar e responder aos eleitores de maneira individual. Essa atitude ajudou na repercussão de temas positivos, a tirar dúvidas e combater as teses dos adversários. O primeiro levantamento realizado pela iGroup, entre 24 de junho e 1º de julho de 2010, mostrou que a internet, em especial as redes sociais, especificamente, o

3

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twitter refletiu o que aconteceu nas pesquisas de intenção de voto. Dilma Rousseff teve 49%, José Serra ficava com 40% e Marina Silva com 11%. No entanto, quando a análise enfocou o volume e o share positivo ou share negativo, os números mudaram. Desse modo, Marina Silva apareceu como a candidata, proporcionalmente, mais bem falada, com 35% de share positivo; o tucano, José Serra, com 26% de saldo positivo; e a petista Dilma Rousseff ficou com 39% de imagem positiva. A segunda amostragem do iGroup compreendeu o período entre 2 e 8 de julho de 2010, quando foram mapeadas 24.625 ocorrências: Marina (32%); José Serra (33%); e Dilma Rousseff (35%), do conteúdo postado nas redes sociais, blogs e sites de notícias. No mês de julho, Marina Silva foi a candidata que mais aproveitou a exposição positiva nas redes sociais e, dessa forma, conseguiu ficar mais em evidência como mostra a tabela 1. TABELA 1 Candidatos

Período: Julho (%) 2 a 8*

Share

9 a 15

Positivo

Share

16 a 22

Positivo

Share

23 a 29

Positivo

Share Positivo

35

36

35

33

34

44

38

44

José Serra

33

23

31

23

31

27

32

27

Marina Silva

32

41

34

44

35

39

30

39

Dilma Rousseff

* Total de comentários: 2 a 8: 24.625; 9 a 15: 61.221; 16 a 22: 73.000; 23 a 29: 87.000

No mês de agosto, o candidato José Serra teve o número de comentários negativos reduzido em 20%. Sendo assim, o tucano somou 39% do total de menções negativas; Dilma ficou com 42% e Marina contabilizou 19%, como mostra a tabela 2.


219

TABELA 2 Candidatos

Período: agosto (%) 6a12*

Share

9 a 15

Positivo

Share

16 a 22

Positivo

Share

23 a 29

Positivo

Share Positivo

42

33

50

58

43

57

51

54

José Serra

39

24

27

60

32

51

27

54

Marina Silva

19

43

11

81

8

81

9

92

Dilma Rousseff

* Total de comentários: 6 a 12: 116.140; 9 a 15: 117.0000; 16 a 22: 117.000; 23 a 29: 117.000

Uma curiosidade foi a entrada na lista dos mais comentados, de um político que não estava participando do debate. Depois do primeiro debate com os presidenciáveis, realizado pela TV Bandeirantes, no dia 5 de agosto de 2010, o candidato Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, conseguiu grande projeção no twitter. Um dia antes do embate televiso, o socialista tinha aproximadamente 9 mil seguidores, no dia seguinte, já passava de 15 mil. No entanto, não recebeu só elogios, houve também críticas. Além disso, José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), outros dois candidatos, apareceram com mais comentários, também na rede social. Dados da empresa E.Life4 sobre a repercussão do debate mostrou ampla vantagem para a petista e para o peessedebista, ainda, que a curva ascendente de Plínio deu-se mais pelo “calor do debate” e de forma negativa. O monitoramento dos twtees analisou, em tempo real, o volume de mensagens publicadas para cada candidato. Além do volume, acompanhou as principais hashtags – organizadores e sinalizadores de informação por cada candidato. Assim, a medição ocorreu conforme o desenrolar do debate, o que possibilitou saber o desempenho dos políticos. 4

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No dia do debate (5/8/2010), das 10h00 às 12h00 até o dia seguinte (6/8/2010), os números apontaram uma ampla vantagem de Dilma Roussef, que atingiu a marca de 107.554 tweets; José Serra ficou com 67.184; Marina Silva, com 51.263; e Plínio Sampaio, com 35.627 mensagens, conforme tabela 3: TABELA 3:

No dia 18/8/2010 ocorreu o debate promovido pelo jornal “Folha de S. Paulo” e pelo portal UOL, que mostrou resultado semelhante ao anterior, com ampla vantagem para a candidata Marina Silva, do Partido Verde (PV). Esse fato repercutiu amplamente nas redes sociais e colocou os presidenciáveis em destaque entre os assuntos mais comentados no twitter, ao longo de pouco mais de duas horas de debate. O evento foi monitorado em tempo real pelo iGroup, com impacto semelhante ao debate anterior. Foram auferidos 29.692 comentários durante o encontro. Novamente, Marina Silva houve-se melhor ou causou mais buzz na internet quando seu share positivo alcançou 58%. Já, o de Dilma Rousseff foi de 27% e José Serra ficou com 13%. Enfim, a plataforma twitter é uma conversa, troca de ideias e de pensamentos, não é marketing político, nem propaganda eleitoral. Nesse contexto, trabalha-se a imagem pessoal, não a imagem política.


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Paulatinamente, observa-se no Brasil, que os internautas começam a se tornar mais ativos e pautados pelo candidato ou pela grande mídia. Os sistemáticos levantamentos mostram uma tendência em ligar os assuntos com as mensagens postadas no twitter. Constitui-se em reflexo claro da repercussão da campanha e do tom adotado nos discursos pelos políticos. Para Chetochine (2006), o cidadão denominado evangelista precisa se sentir apoiado e motivado, porque ele fica feliz quando vê seu candidato na mídia e percebe que o público está falando dele. Ele terá tanto mais energia quanto maior a visibilidade da causa do candidato na mídia. Mas, seu dinamismo será ainda maior se o contexto eleitoral do momento for forte. Com o início da propaganda política na televisão não houve alteração no crescimento dos perfis dos candidatos. O tucano José Serra continuou crescendo mais rápido, talvez com a ajuda de vídeos virais. Certamente, a rede social, apesar do otimismo de alguns defensores, não teve uma influência real nas intenções de voto para presidente.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS De fato, as redes sociais, incluindo o twitter, são ainda, uma grande interrogação do ponto de vista estratégico, no entanto, sua importância já é conhecida. Por enquanto, a dúvida está em acertar e ajustar o discurso, ou seja, como chamar a atenção do eleitor. Dentro do planejamento da campanha as redes sociais estarão presentes, mas como despertar o eleitor médio, que muito pouco se interessa pela política? Quando se deve começar a mobilizar os evangelizadores? Sabe-se que muito antes da eleição ninguém presta atenção ao discurso dos defensores de cada candidato. Contudo, deixar para fazê-lo durante a campanha, pode parecer oportunismo. Entretanto, para Chetochine (2006), na época eleitoral as pessoas estão mais pré-dispostas a ouvir. Hoje, a conclusão é de que o twitter não agrega e nem tira votos significativos dos candidatos,

não tem a capacidade de mobilizar as pessoas, não é ferramenta

estratégica de campanha e serve apenas como um canal para piadas e boatos de todos os tipos.


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225 COMO A FOLHA DE SÃO PAULO COBRIU AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS: um estudo comparativo entre as disputas de 2006 e 2010. ¿CÓMO EL PERIÓDICO FOLHA DE SÃO PAULO NOTOCIÓ LAS ELECCIONES PRESIDENCIALES? Un estudio comparativo entre lãs disputas de 2006 y 2010. HOW THE NEWSPAPER FOLHA DE SÃO PAULO COVERED THE PRESIDENTIAL ELECTION: a comparative study between 2006 and 2010 contests. Emerson Urizzi CERVI1 Nelson Rosário de SOUZA2 Leonardo Medeiros BARRETTA3 RESUMO O presente estudo aborda a relação entre mídia e política, partindo do princípio de que o campo midiático se relaciona com outros, como o político e o econômico, e a cobertura jornalística de eventos (como as eleições) não passa incólume a estes fatores. Esse fato se reflete nas rotinas produtivas dos jornais e em seu produto: as notícias. Este artigo objetiva analisar, a partir do levantamento estatístico de dados e da metodologia de análise de conteúdo, o tipo de cobertura feita pelo jornal Folha de São Paulo nas eleições presidenciais de 2006 e 2010, observando se foi mantido o princípio da imparcialidade, explícito em sua postura editorial. Como resultado, pode-se dizer que em alguns aspectos é possível perceber uma tentativa de imparcialidade, enquanto em outros, é grande a distância entre o discurso e a prática. PALAVRAS-CHAVE: Mídia e Política; Folha de São Paulo; Eleições 2006; Eleições 2010; Imparcialidade. RESUMEN El presente estudio aborda la relación entre medios y política, asumiendo que el campo del periodismo se refiere a otros como la política y la economía, y la cobertura de eventos (como las elecciones) no es afectada por estos factores, que pueden reflejarse rutinas de producción en los periódicos y sus productos: las noticias. Este estudio pretende analizar, a partir de los datos estadísticos y de la metodología de análisis de contenido, la cobertura del periódico Folha de São Paulo en las elecciones presidenciales en 2006 y 2010, señalando que se confirmó el principio de imparcialidad, explícita en su postura editorial. Como resultado, podemos decir que en algunos aspectos se puede ver un intento de la imparcialidad, mientras que en otros la brecha entre la retórica y la práctica es muy grande.

1

Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: ecervi7@gmail.com 2 Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: nrdesouza@uol.com.br 3 Pesquisador de iniciação científica e graduando em jornalismo do Curso de Comunicação Social – jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: leobarretta@gmail.com


226

PALABRAS-CLAVE: Médios de comunicación y Política; Folha de São Paulo; Elecciones 2006; Elecciones 2010; Imaprcialidad. ABSTRACT The present study addresses the relationship between media and politics, assuming that the field relates to others such as politics and economics, and coverage of events (like elections) is not untouched by these factors, which may be reflected production routines in the newspapers and their product: the news. This chapter analyze, from the statistical data and methodology of content analysis, the type of coverage made by the newspaper Folha de Sao Paulo in the presidential elections of 2006 and 2010, noting it was maintained the principle of impartiality, explicit their editorial stance. As a result, we can say that in some respects you can see an attempt at fairness, while in others the gap between rhetoric and practice is great. KEY WORDS: Media and Politic; Folha de São Paulo; 2006 election; 2010 election; Impartiality.

1 INTRODUÇÃO: A REPRESENTAÇÃO JORNALÍSTICA DOS FENÔMENOS POLÍTICOS O debate atual sobre mídia e política apresenta uma pluralidade de formas quanto à sua abordagem. Uma dimensão interessante deste tema diz respeito ao papel desempenhado pela mídia na cobertura de eventos políticos, principalmente, as eleições. A percepção dominante, segundo a qual a mídia não exerce uma influência direta e plenamente eficaz sobre o comportamento dos eleitores, não elimina o conflito de interpretações sobre o evento em foco. Há muito se faz presente o entendimento de que diversos fatores dificultam a manipulação da notícia com vistas a influenciar as escolhas dos cidadãos. O avanço da competição econômica entre as empresas de informação, com a quebra dos monopólios da comunicação, privados ou estatais, oferece graves riscos aos veículos que buscam, intencionalmente, moldar as notícias de acordo com seus interesses particulares. Eles perdem, por isso, a credibilidade e, por consequência, provocam o distanciamento dos consumidores. A disputa pelas verbas de publicidade exige da mídia a elaboração de um produto atrativo para um amplo grupo de ‘clientes’. No que diz respeito à produção da notícia, essa situação exige uma postura em busca da objetividade (AZEVEDO, 2001). O crescimento da escolarização, o amadurecimento das instituições democráticas, a ampliação dos espaços de debate e


227 informação, também são fatores que dificultam as manobras subjetivas quando da elaboração

da

notícia.

As

transformações

experimentadas

pela

sociedade

contemporânea aumentam a resistência dos indivíduos diante dos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação de massa. As características apresentadas acima não garantem, entretanto, a ‘neutralidade’ na produção da notícia. A representação jornalística da realidade pode lograr êxito satisfatório para escapar da ingerência subjetiva dos proprietários dos meios de comunicação ou outros agentes individuais pertencentes ao mundo da mídia. Todavia, a elaboração da notícia sofre outros tantos constrangimentos advindos do nível estrutural do campo da comunicação. Fatores, como a cultura profissional própria dos jornalistas, moldam olhares e procedimentos que afetam a construção da noticiabilidade. Os valores, normas e regras que balizam a formação dos ‘critérios de noticiabilidade’ são construídos no processo de institucionalização e desenvolvimento desse campo. Nas escolas de formação, nas redações de jornais, nos estúdios de rádio e TV, enfim, em diferentes espaços profissionais, os agentes produtores da notícia internalizam e reproduzem, não sem resistência, os procedimentos típicos do mundo jornalístico, e é isso que permite um ‘padrão’ compartilhado entre profissionais e público típico do ‘jornalismo’. O campo da mídia, por sua vez, se relaciona com outros campos (MIGUEL, 2002) como o político e o econômico. Trata-se de uma troca onde a esfera da comunicação influencia e sofre a influência das várias dimensões da sociedade. Daí a importância de estudos que analisem o comportamento da mídia na sua tarefa de representar jornalisticamente, os fatos da realidade. Particularmente, o desenvolvimento das pesquisas sobre mídia e política pode contribuir para formulação de respostas mais consistentes sobre os problemas propostos pela literatura da área: como os agentes da mídia compreendem o seu papel? Quais critérios são mobilizados pelos meios de comunicação na construção das noticiais? Em que medida é possível perceber manifestações de poder na cobertura midiática de eventos políticos? Em geral, os meios de comunicação que se ocupam da produção da notícia fazem uma escolha entre duas opções: assumir uma ideologia política ou proclamar o objetivo da imparcialidade. Seguindo a tradição norte-americana, normalmente,, os órgãos de imprensa no Brasil e, particularmente, o jornal Folha de São Paulo (FSP) seguem o segundo caminho, qual seja, declaram aos cidadãos a intenção de cobrir os fatos com isenção, empregando os meios técnicos necessários para retratar com


228 fidelidade, os eventos e alimentar a opinião pública com informações de forma pretensamente neutra. Ao assumir a postura favorável à imparcialidade, os meios de comunicação correm o risco de perder de vista a percepção da sua condição de produtores de notícias. Nesta situação deixam de reconhecer o seu papel de construtores de representações sociais e descuidam dos critérios que mobilizam para produção da notícia. Caso exemplar é o da FSP que, ao assumir uma postura pretensamente ‘imparcial’, transfere para o seu leitor a responsabilidade sobre a legitimidade das notícias produzidas, ou seja, à medida que seus clientes continuam a comprar o jornal todos os dias, referendam este órgão de imprensa e a sua maneira de produção da ‘verdade’ jornalística (ABRAMO, 1991). Enfim, quando um órgão de imprensa declara abertamente uma opção ideológica ou, até mesmo, política, não se coloca numa posição de impedimento quanto à produção de notícias válidas, segundo os critérios do campo jornalístico. Assim como, a manifestação da intenção de imparcialidade não garante a uma instituição midiática a neutralidade diante das pressões econômicas ou políticas. Ao que tudo indica, é a clareza sobre as regras de produção de notícia e o esforço de controle sobre seus usos que geram as condições de validade, dentro do campo jornalístico e fora dele, aos agentes da mídia. Para os pesquisadores da mídia é fundamental analisar os processos, geralmente, não transparentes, que envolvem a produção da notícia. Mais especificamente, trata-se de encontrar os padrões de construção jornalística da informação e analisar em que medida eles sofrem constrangimentos internos ou externos, ao campo da mídia. Os limites internos são dados por fatores como a cultura jornalística, a hierarquia de prioridades da empresa, portanto, as ‘rotinas produtivas’ que podem gerar distorções involuntárias (WOLF, 1987). As pressões externas advêm dos campos político ou econômico. Este estudo, especificamente, visa contribuir para o acúmulo de dados e análises sobre o comportamento jornalístico em eleições majoritárias. O objetivo é avaliar o comportamento de um dos principais jornais brasileiros no que diz respeito à cobertura das eleições presidenciais de 2006 e 2010. A postura ‘imparcial’ assumida pelo jornal FSP apresenta-se como um ingrediente interessante, pois, trata-se de investigar se a cobertura feita por este periódico deu-se de forma equilibrada ou, apesar da opção


229 ‘apolítica’, seguiu uma tendência preferencial entre os dois partidos e os candidatos envolvidos nas disputas, em dois contextos diferentes. A escolha das eleições presidenciais de 2006 e 2010, como universo da pesquisa, justifica-se não só por constituírem fenômeno político recente e pouco estudado, mas também, por envolverem os dois partidos que têm polarizado as disputas nacionais nos últimos 20 anos: o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). É importante acrescentar que no primeiro pleito analisado estava na disputa Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como candidato à reeleição e gozando de altos índices de aprovação nos pesquisas de opinião. Na ocasião, ele teve como principal opositor o candidato Geraldo Alckmin (PSDB). Na segunda disputa eleitoral Dilma Rousseff foi apresentada como candidata do PT e de Lula, enquanto José Serra apareceu como principal nome da oposição. Será que o jornal FSP comportou-se de modo semelhante nas duas coberturas fazendo jus à sua auto-imagem de ‘parcialidade’? Quais critérios foram mobilizados para produção das notícias a respeito dos principais candidatos? É possível identificar algum tipo de interferência nas coberturas eleitorais da FSP? De que tipo: interna ou externa ao campo midiático? É plausível falar em um padrão de cobertura da FSP para os dois eventos em foco? 2 O CENÁRIO ELEITORAL DE 2006 O ano eleitoral de 2006 se iniciou sob a sombra do ‘Escândalo do Mensalão’ que eclodiu no início de 2005 quando um deputado da base aliada do governo foi à mídia denunciar um ‘esquema’ de pagamento mensal aos congressistas para apoio aos interesses do governo. O governo Lula sentiu os efeitos mais contundentes da crise do Mensalão, segundo as pesquisas de opinião, em meados de 2005. A pesquisa Datafolha de agosto de 2005 apontou, pela primeira vez, a derrota de Lula numa simulação de segundo turno. Confrontado com Lula, nessa pesquisa, Serra apareceu com 48% das preferências, enquanto o Presidente figurou com 39%. Os efeitos da crise também transpareceram na pesquisa Ibope, do mesmo mês, sobre a popularidade do governo Lula. Nesse levantamento, a aprovação do governo (45%) ficou abaixo da desaprovação (47%), apenas 29% dos pesquisados apontaram o governo Lula como ótimo e bom. Em maio de 2006, entretanto, as pesquisas assinalaram a recuperação de Lula tanto como Presidente quanto como candidato. Na ocasião, a pesquisa CNT/Census apurou o índice de 38% de avaliação como ótimo e bom para o governo. O mesmo


230 levantamento indicava a vitória de Lula no primeiro turno, em diferentes cenários de simulação. Este candidato apareceu na pesquisa com 42,7% das intenções de voto frente a Alckmin, que obteve apenas 20,3%. No início de setembro de 2006, o Instituto Datafolha mostrou um alto índice de aprovação do governo Lula e, segundo os dados coletados, 64% dos entrevistados consideravam o governo ótimo ou bom. A campanha que parecia tranquila para Lula, apresentou surpresas e momentos de apreensão. Nas últimas semanas do primeiro turno de 2006, mais precisamente, no dia 15 de setembro, a Polícia Federal apreendeu num hotel de São Paulo, cerca de R$ 1,7 milhões, com dois homens que tentavam comprar um dossiê contra o candidato ao governo do Estado de São Paulo, José Serra (PSDB). A ocorrência virou um imbróglio que envolveu o Partido dos Trabalhadores e comprometeu a campanha de Lula. O Presidente Nacional do Partido foi afastado da coordenação da campanha de reeleição, sob suspeita de conhecer a articulação para a compra do dossiê. Parecia o início de uma onda anti-Lula. As acusações sobre o dossiê resgataram as denúncias do escândalo do Mensalão, presentes nas manchetes até pouco tempo antes do início da campanha. Elas se configuraram como um tom de reincidência e havia uma cobrança da imprensa em relação a uma tomada de posição do presidente/candidato. Diante da situação, criou-se a expectativa de que o Presidente se posicionaria em relação às novas denúncias, no debate do dia 28 de setembro. A indecisão do Planalto alimentava tal leitura. Notícias veiculadas pela mídia no dia do debate indicaram que Lula estaria propenso a ir ao encontro promovido pela TV Globo, ao final do primeiro turno. No entanto, o candidato não apareceu no debate. Para alguns jornalistas e formadores de opinião, a onda anti-Lula teria sido impulsionada com a sua ausência ao debate da Rede Globo. Naquele momento havia um consenso de que a eleição de Lula ainda no primeiro turno estaria comprometida. O escândalo atingiu a popularidade do candidato à reeleição. Conforme os dados do Vox Populi, divulgados no dia 30 de setembro de 2006, Lula aparecia com 46% da intenção de voto; Alckmin, 33%, ou seja, o quadro era de indefinição. A curva de intenção de voto em Lula estava decrescendo, pois, na pesquisa divulgada no dia 19/9 pelo mesmo instituto, Lula tinha 51% de pretensão de voto contra 27%, de Alckmin. A eleição não foi definida no primeiro turno por uma


231 pequena margem de aproximadamente, de 1,5% do total de votos4. Porém, no decorrer do segundo turno, o candidato do PT liderou com certa folga a disputa eleitoral e chegou à vitória. 3 O CONTEXTO DAS ELEIÇÕES EM 2010 O segundo mandato do governo Lula se caracterizou como uma tendência crescente de aprovação pela população, conforme demonstraram as pesquisas de opinião. Em janeiro de 2009, o levantamento do instituto Datafolha apontou um índice de aprovação do governo na faixa de 70% e, de acordo com o mesmo instituto, essa cifra chegou a 73%, em dezembro do mesmo ano. Ao longo de 2009, a popularidade de Lula também esteve elevada, os índices apurados nas pesquisas de opinião giraram em torno de 80%. As expectativas para as eleições de 2010 se concentraram na capacidade de Lula transferir, ou não, sua popularidade para a candidata Dilma Rousseff, por ele indicada para sua sucessão. Ao longo de 2009, os institutos de pesquisa fizeram simulações de cenários da disputa eleitoral de 2010. Nestes levantamentos Serra sempre apareceu na frente, oscilando entre 35% e 47%, conforme o momento e o cenário, enquanto Dilma variou seus índices entre 11 e 16%. Na pesquisa de março de 2010, o Datafolha indicou os seguintes números: Serra 38% das preferências e Dilma 27%. A candidata do presidente Lula tinha assumido uma trajetória de ascensão nas pesquisas, em maio. De acordo com o mesmo instituto, ela já empatava com Serra, no patamar dos 37%. O cenário pouco mudou até agosto, quando os números do Datafolha, colhidos entre os dias 9 e 12 , apontaram pela primeira vez, Dilma à frente de Serra num placar de 41% a 33%. A vantagem da candidata petista se ampliou até chegar a 22% (50 a 28) na rodada de entrevistas feita pelo Datafolha em 2 e 3 de setembro. Foi justamente nesse período que eclodiu o escândalo da Casa Civil, quando a ministra Erenice Guerra, que substituiu Dilma no governo Lula, foi acusada de favorecer o esquema de lobby praticado pelo filho na mediação entre empresas privadas e o Estado. Dilma, cujos índices de preferência nas pesquisas tinham resistido às denúncias de elaboração de um dossiê contra Serra por parte do PT e de quebra do sigilo fiscal da filha do candidato do

4

Resultado do primeiro turno: Lula, 48,61 % dos votos e Alckmin, 41,64% de votos válidos. Fonte TSE.


232 PSDB, não logrou a mesma sorte dessa vez. Os efeitos do escândalo da Casa Civil apareceram no levantamento Datafolha, divulgado dia 23 de setembro quando os números indicaram uma queda de 5 pontos na distância entre Dilma e a soma dos demais concorrentes, situação que apontava a possibilidade de realização do segundo turno. A hipótese se confirmou, pois, o resultado do primeiro turno não decidiu a eleição. A candidata Dilma venceu, mas, com 46,9% dos votos válidos e Serra, por sua vez, auferiu 32,6% dos votos. A campanha no segundo turno foi marcada pela recuperação de Dilma que contou com apoio ainda maior de Lula. Nem mesmo o episódio de agressão a Serra por militantes do PT, em 20 de outubro, prejudicou a ascensão de Dilma. No início do segundo turno, o instituto Datafolha abalizou uma vantagem para Dilma na ordem de 48%, contra 41% de Serra. Ao final, Dilma sagrou-se vencedora obtendo 55,9% dos votos válidos. 4 METODOLOGIA E ANÁLISE DOS DADOS Para a elaboração deste estudo utilizou-se, predominantemente, a metodologia quantitativa de análise de conteúdo da mídia. A coleta quantitativa de dados parte de códigos numéricos e possibilita a análise da quantidade, do tipo e da qualidade da cobertura jornalística. O método da análise de conteúdo permite o relacionamento entre estatística e análise qualitativa dos textos de modo complementar (BAUER e GASKELL, 2002). Isto é, trata-se de uma técnica híbrida muito utilizada em pesquisas de comunicação política. No que tange às eleições de 2006, coletaram-se informações de todos os jornais Folha de São Paulo, de 1° de fevereiro a 31 de outubro, período no qual se desenvolveu a campanha eleitoral para Presidente. No pleito daquele ano, o período pré-eleitoral se estendeu até 1° de julho, iniciando-se, então, a disputa do primeiro turno, cujo término ocorreu em 1° de outubro, data da votação. Como as eleições ficaram indefinidas, deuse início ao segundo turno, que se desenvolveu até 30 de outubro. A análise das eleições de 2010 também compreendeu o período entre 1° de fevereiro e 31 de outubro. Nesta eleição, o período pré-eleitoral foi até 3 de julho, quando se deu o início ao primeiro turno. Este, por sua vez, se prolongou até 3 de outubro, quando aconteceu o primeiro dia de eleição. Assim como em 2006, as eleições presidenciais não se definiram no primeiro turno e o segundo turno, estendeu-se até dia 31 do mesmo mês.


233 Coletaram-se informações de todos os textos jornalísticos publicados pelo Jornal no período em que apresentaram, ao menos, uma citação ou referência (como foto) a um dos dois principais candidatos à presidência em cada pleito. Incluíram-se na pesquisa, fotos, charges, reportagens, artigos, textos de colunistas, articulistas ou editoriais. A variável ‘valência’ tem por objetivo identificar a representação positiva ou negativa dos candidatos e/ou suas campanhas. A valência positiva se atribui a textos sobre ou com o candidato que abordam favoravelmente, ações de sua iniciativa, podendo ser também autodeclarações ou manifestações, feitas por terceiros, tipo: avaliações de ordem moral, política ou pessoal, ao candidato ou suas propostas de governo. Também se consideram textos a respeito dos resultados das pesquisas de opinião ou estudos favoráveis aos candidatos/campanhas. A valência negativa, por sua vez, confere-se a textos que reproduzem ressalvas, críticas ou ataques (contendo avaliação de ordem moral, política ou pessoal) do autor ou de terceiros a respeito da atuação do candidato, de suas propostas, campanha, ou com a divulgação de resultados de pesquisas e estudos desfavoráveis. As valências foram identificadas na cobertura de 2006 e 2010. Nas eleições de 2006, o candidato e então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), foi coletado como candidato e chefe do Executivo. O mesmo se aplica a Geraldo Alckmin, na ocasião, governador de São Paulo, e ao seu sucessor, José Serra – nas eleições de 2010 – quando era governador do mesmo Estado e candidato à presidência. Por sua vez, a candidata do PT, em 2010, Dilma Rousseff, aparece como presidenciável e exministra da Casa Civil, durante o governo Lula. 4.1 A COBERTURA DOS CANDIDATOS, EM 2006 Nas eleições presidenciais de 2006, os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT) e Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) se destacaram nas intenções de votos dos eleitores. A observação da cobertura eleitoral, realizada pelo jornal Folha de São Paulo, indica primeiramente, um aumento no número de citações para os dois principais candidatos ao passo que a campanha eleitoral evoluiu. Assim, infere-se que, com o avanço das eleições, o Jornal atribuiu destaque à cobertura do evento, passando a reportá-lo com mais frequência. Esse fato se confirma no gráfico 1, a seguir. Nele se encontra o número de matérias


234 mencionando, ao menos uma vez, algum dos dois principais presidenciáveis, ao longo da campanha Quanto à quantidade de matérias, percebe-se um crescimento no transcorrer do tempo. Enquanto no período pré-eleitoral, entre 1° de fevereiro e 1° de julho, o número oscilou entre 20 e 40 textos com citações de um dos dois principais candidatos, com pouca variabilidade, a partir do primeiro turno, verifica-se uma tendência contínua de crescimento e com variação maior, indo de 10 entradas até mais de 100, num curto intervalo de tempo. No segundo turno, a partir de 1° de outubro, houve uma relativa queda, com variação entre 30 e 60 entradas, até o final do mês. GRÁFICO 1 – NÚMERO DE MATÉRIAS NAS QUAIS FOI CITADO LULA OU ALCKMIN, NA FSP, EM 2006.

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais – UEPG.

A partir do tratamento que o Jornal dispensou aos candidatos, individualmente, nas eleições de 2006, nota-se que a cobertura sobre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva evoluiu de acordo com o desenvolvimento da campanha eleitoral, aumentando o número de textos com referência ao petista. Um dia antes do primeiro turno, o candidato apresentou um pico. Com o início do segundo turno, as citações a seu respeito apresentaram uma queda, só voltando ao topo com a eminência do dia em que se decidiriam as eleições presidenciais daquele ano.


235 O candidato do PSDB, Geral Alckmin, apresentou comportamento semelhante ao de seu adversário. As aparições apresentaram variações menores entre os períodos: de menos de 10 a cerca de 70, no período pré-eleitoral, com um pico em meados de março, quando sua candidatura foi oficializada. No primeiro turno, variou de 20 a 70 aparições diárias. Já no segundo turno, subiu para algo em torno de 40 a 150 citações por dia, com tendência de queda, ou seja, no início do segundo turno, o número de aparições foi maior e caiu ao se aproximar o dia da votação. GRÁFICO 2 – CITAÇÕES DE LULA E ALCKMIN, NA FSP, EM 2006

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais – UEPG

No entanto, apareceram diferenças no tratamento que o jornal Folha de São Paulo dispensou aos dois principais presidenciáveis quando se apropriou de uma ferramenta estatística mais refinada. Essa situação se observa nos dados fornecidos pelos testes de Regressão Temporal (ver tabela 1). Os dois primeiros índices indicam a relação entre o número de citações dos candidatos e a variação do tempo, pois, informa se ao longo do tempo houve ou não, variação significativa das aparições dos candidatos. Os níveis de significância estatística (Sig.) dos modelos de Lula e Alckmin estão abaixo do limite crítico (de 0, 050),


236 permitindo inferir que, nos dois casos, houve mudança significativa no número de citações ao longo do tempo (ver gráfico 4)5. Além disso, as estatísticas F são positivas, isto é, a mudança foi de crescimento e não de redução nos dois candidatos. Entretanto, há duas diferenças que se destacam nos índices: a primeira é na magnitude do índice F: em Lula ele é de 294, contra 109, em Alckmin, o que indica que a mudança ao longo do tempo, foi maior no candidato do PT do que em seu concorrente. A segunda é consequência da primeira e diz respeito ao Rquadrado. O modelo da mudança de aparições de Lula ao longo do tempo explica 52,8% do total, contra apenas 29,3%, em Alckmin. TABELA 1 – ESTATÍSTICAS PARA VALÊNCIAS DE LULA E ALCKMIN, EM 2006. LULA

ALCKMIN

Sig

R2

F

Sig

R2

F

Aparições

0,000

0,528

296,404

0,000

0,293

109,646

Valência Positiva

0,000

0,141

43,652

0,000

0,187

60,864

Valência Negativa

0,000

0,332

131,468

0,000

0,281

103,662

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais – UEPG.

Desta forma, infere-se que a Folha de São Paulo deu visibilidade crescente ao candidato do Partido dos Trabalhadores, Lula, em maior proporção do que a Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileiro, no período analisado. As diferenças continuam a aparecer quando se avalia a valência das matérias, ou seja, seu viés positivo ou negativo em relação aos dois principais candidatos à Presidência da República. Para ambos os presidenciáveis, há mudanças significativas durante o tempo de campanha (o que se demonstra no Sig, abaixo do limite crítico de 5%). Observando o valor de F (positivo) deduz-se que ocorre um aumento no número de citações positivas dos dois candidatos, durante a campanha (tabela 1). Todavia, para as valências positivas os valores individuais de F são próximos, ficando em 43, para Lula e 60, para Alckmin. É importante atentar para o fato de que os valores aparecem de forma invertida, isto é, o crescimento da valência positiva, ao longo do tempo, é maior para Alckmin (Rquadrado de Alckmin equivale a 18,7% contra 14,1%, de Lula). 5

Índice de Significância (Sig). Para esta pesquisa admite-se como limite crítico do Intervalo de Confiança de 95% (0,050).


237 Avaliando o gráfico 3 abaixo, nota-se que há um predomínio das valências positivas para o candidato Lula, frente ao seu concorrente, Geraldo Alckmin. É possível observar, entretanto, no caso do candidato da oposição, o pico das citações de valência positiva em meados de março, quando da oficialização da sua candidatura. Naquele momento ele recebeu aproximadamente 20 valências positivas. Vê-se ainda, outro pico de valências positivas para o candidato da oposição, no dia do primeiro turno, 1° de outubro. Ao longo do segundo turno, a disparidade entra as valências positivas de Lula e Alckmin se acentuaram, nesse momento, o presidenciável do PT apresentou seu máximo de citações positivas, mais de 20 no dia. GRÁFICO 3 – CITAÇÕES COM VALÊNCIA POSITIVA PARA LULA E ALCKMIN, NA FSP, EM 2006

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais – UEPG.

Analisando-se as valências negativas, observam-se algumas singularidades no comportamento individual dos principais presidenciáveis. Para ambos, os modelos são significativos - abaixo do limite crítico. A estatística F, de 131 para Lula e 103 para Alckmin, indica pequena diferença entre eles, estando um pouco acima para Lula, ou seja, a relação estatística entre valência negativa e tempo de campanha é mais forte para o último, do que para o primeiro. Disso resulta um R-quadrado de 33% de explicação para o crescimento da valência negativa do candidato do PT ao longo do tempo, contra


238 28% para o peessedebista. Significa que o número de textos negativos para Lula cresceu mais que o de Alckmin durante o período, embora ambos tenham apresentado aumento. Ressalta-se, no gráfico 4, que as valências negativas para Lula predominaram ao longo de toda a campanha sobre a de Alckmin, assim como as valências positivas, excetuando-se raros momentos. Está visível uma intensificação dessa valência para o candidato Lula ao se aproximar o primeiro turno e que, com o início do segundo – período em que há maior discrepância entre as valências dos candidatos –, houve uma queda desse presidenciável ao passo que aumentaram as valências negativas para Geraldo Alckmin. GRÁFICO 4 – CITAÇÕES COM VALÊNCIA NEGATIVA PARA LULA E ALCKMIN, NA FSP, EM 2006.

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais – UEPG.

Refletindo-se sobre as valências positivas e negativas dos dois candidatos, durante a campanha eleitoral, entende-se que o jornal Folha de São Paulo, ao passo que acentuou sua cobertura eleitoral (elevando o número de citações e das valências dos presidenciáveis) também elevou a cobertura destinada aos principais presidenciáveis, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin. No entanto, as divergências aparecem comparando as evoluções das valências, individualmente. Lula sempre apresentou um maior número de textos (portanto, mais valências). Todavia, suas valências negativas cresceram mais ao longo da campanha do que as de seu concorrente, Geraldo Alckmin.


239 Este, por sua vez, apresentou um crescimento mais acentuado das valências positivas, com a evolução da campanha eleitoral. Esse dado só se alterou no segundo turno, ao se aproximar a data da decisão das eleições. 4.2 A COBERTURA DOS CANDIDATOS, EM 2010 Nas eleições presidenciais de 2010, também foi possível observar uma polarização entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Nessa ocasião, os candidatos que ocuparam a ponta da campanha foram: Dilma Rousseff, pelo PT e José Serra, pelo PSDB. Alguns aspectos do pleito de 2010 se assemelham à disputa presidencial anterior, no que se refere à cobertura feita pelo jornal Folha de São Paulo (FSP). Iniciando a análise considerando as citações dos dois principais presidenciáveis, pelo jornal, nota-se que há uma semelhança na representação individual de ambos, ao longo da campanha. Há um aumento no número de textos, com ao menos uma citação de algum desses candidatos, à medida que a campanha política evolui. A FSP ampliou a cobertura destinada aos presidenciáveis, no transcorrer do processo eleitoral (ver gráfico 6). Contudo, a cobertura eleitoral de 2006 contou com mais textos com a citação de algum dos principais presidenciáveis, do que nas eleições de 2010, em especial, nos períodos que antecederam às votações de primeiro e segundo turnos.


240 GRÁFICO 6 – NÚMERO DE TEXTOS COM CITAÇÕES DE DILMA OU SERRA, NA FSP, EM 2010.

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais – UEPG.

Verifica-se que o período em que há mais textos, com citações de algum dos candidatos é o dia da eleição, 3 de outubro, e o dia do segundo turno, 31 do mesmo mês. Por meio da análise do gráfico abaixo, é possível deduzir se a FSP deu a cobertura das eleições individualmente, considerando os dois principais candidatos ao Planalto: Serra e Dilma. Complementando o gráfico, realizaram-se testes de regressão temporal para três variáveis: número de citações (para os dois candidatos),

valência

positiva

e

negativa,

também

para

ambos

os

presidenciáveis. Os testes foram divididos nas três fases das eleições: período pré-eleitoral (até 3° de julho); primeiro turno (do dia 3 de julho ao primeiro dia de votação, 3 de outubro) e segundo turno (de 3 de outubro a 31 do mesmo mês)6.

6

b1 = é o coeficiente da regressão da série temporal. A equação da regressão temporal é: Y = Constant + (b1*t), onde Y é a mudança na variável dependente; constant é o ponto de partida para a análise e t, é o tempo.


241 GRÁFICO 7 – NÚMERO DE CITAÇÕES DE SERRA E DILMA, NA FSP, EM 2010.

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais - UEPG

Os dados mostram que o comportamento atribuído pela FSP, tanto para o candidato tucano, Serra, quanto para a candidata petista, Dilma, foi muito parecido com o número de citações, nas edições do Jornal. Ambos cresceram um pouco no período pré-eleitoral e no primeiro turno (b1 de 0,14 e 0,16 para Serra e 0,04 e 0,36, respectivamente). Entretanto, no segundo turno, os coeficientes dos dois candidatos foram negativos, isto é, apresentaram queda no período. Serra apresentou índice de queda maior (-1,29), do que Dilma (-1,02) (ver tabela abaixo). TABELA 2 – COEFICIENTE DE REGRESSÃO (B1), PARA JOSÉ SERRA E DILMA ROUSSEFF José Serra Período

Citações

Dilma Rousseff

V.Positiva V.Negativa Citações

V.Positiva V Negativa

Pré-eleitoral

0,149

0,002

0,007

0,041

0,008

-0,004

Primeiro Turno

0,166

0,003

0,024

0,362

0,024

0,030

Segundo Turno

-1,297

-0,138

-0,026

-1,026

-0,094

0,028

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais – UEPG.

.


242 Analisando o comportamento das citações de valência positiva, verifica-se que o comportamento é semelhante ao das citações, ao longo do período. Na pré-eleição e no primeiro turno, houve um crescimento para os dois candidatos. Já no segundo turno, as valências positivas diminuíram para ambos. Serra, novamente, apresentou a maior queda (-0,138), em relação à sua adversária (-0,094). Esse fato se constata no gráfico 8. GRÁFICO 8 – NÚMERO DE CITAÇÕES POSITIVAS PARA SERRA E DILMA, NA FSP, EM 2010.

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais – UEPG.

No que diz respeito às valências negativas, observa-se uma diferença no comportamento do jornal FSP diante dos dois principais presidenciáveis. Serra apresenta um crescimento desta valência no período pré-eleitoral e também durante o primeiro turno. Todavia, no segundo turno, o candidato apresenta uma queda (b1 de 0,026). Já para Dilma, o comportamento é diferente do candidato tucano. Ela apresenta uma queda no período pré-eleitoral (-0,0047), e possui um aumento no primeiro e segundo turno do pleito (0,030 e 0,028, respectivamente). As informações podem ser observadas no gráfico abaixo:


243 GRÁFICO 9 – NÚMERO DE CITAÇÕES NEGATIVAS PARA SERRA E DILMA, NA FSP, EM 2010

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública – UFPR e Núcleo de Pesquisa em Mídia, Política e Atores Sociais – UEPG.

Desta forma, infere-se que a FSP aumentou o número de citações negativas, tanto para Dilma, quanto para Serra, durante o período pré-eleitoral e no primeiro turno. Contudo, no segundo turno, o número de citações para ambos os presidenciáveis, caiu. Para as citações de valência positiva, o comportamento foi semelhante: cresceram as citações positivas para Dilma e Serra na pré-eleição e primeiro turno, e no segundo turno, tornam a cair. Para as citações negativas, Dilma apresentou crescimento durante o primeiro e o segundo turno, enquanto para o candidato tucano, ocorreu o inverso: o número citações negativas caiu no segundo turno. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos dados apresentados pode-se afirmar que durante as eleições de 2006, o jornal FSP ofereceu uma cobertura semelhante a Lula e Alckmin no que se refere à evolução do número de matérias. Alckmin experimentou uma elevação das matérias em março, motivada pelo lançamento oficial de sua candidatura. Lula, por sua vez, teve uma elevação no número de matérias ao se aproximar a eleição do primeiro turno, período marcado pelo escândalo do dossiê contra Serra (candidato ao governo de


244 São Paulo), e também no dia da eleição do segundo turno. É possível afirmar, entretanto, que o ritmo de crescimento nas aparições no Jornal foi maior para Lula do que para Alckmin e, apesar disso, foi o candidato do PSDB que obteve um crescimento maior das matérias, com valência positiva. É sempre possível alegar que Lula, como candidato à reeleição, ocupou o cargo mais importante da nação por quatro anos, portanto, ficou mais exposto ao desgaste e às críticas. Todavia, Alckmin também ocupou um cargo importante no período anterior quando foi governador do Estado de São Paulo o que igualmente, gerou críticas e denúncias à sua administração durante o período eleitoral. Ou seja, fica evidenciado estatisticamente, um tratamento diferenciado na cobertura da FSP, em 2006, ao promover um crescimento das matérias sobre Lula ao longo da campanha, porém, reservando a Alckmin uma evolução maior na valência positiva das matérias. Ainda assim, no conjunto, houve um predomínio da valência positiva para Lula em relação ao candidato de oposição e, no final da eleição, a tendência se inverteu. Não é de pouca importância o fato de que as matérias com valência positiva para Alckmin tiveram um pico no dia da eleição, no primeiro turno. Significativo, também, é o dado que indica um crescimento maior para Lula no número de textos com valência negativa ao longo da campanha, em relação ao seu adversário, com um aumento significativo de matérias com viés negativo para Lula, ao se aproximar o dia da eleição do primeiro turno. É possível especular que o jornal FSP atenuou sua opção pela imparcialidade e, ao que tudo indica, ao final do primeiro turno guiou sua cobertura com o objetivo de que a campanha fosse para os segundo turno. Percepção que pode ser atenuada pelo fato de que naquele momento, o candidato do PT vivia a crise associada ao escândalo do dossiê contra Serra. A cobertura das eleições em 2010 recebeu uma atenção menor da FSP, do que em 2006. Em geral, o tratamento dispensado aos candidatos Dilma e Serra foi semelhante. A evolução no número das citações não apresentou discrepância entre os presidenciáveis, tampouco, o desempenho quanto à valência positiva das matérias: os dois candidatos experimentaram um crescimento no período pré-eleitoral e no primeiro turno, e uma queda no segundo. No entanto, para Serra, a queda nas matérias de valência positiva no segundo turno, foi um pouco maior. No que se refere às matérias com valência negativa, a cobertura da FSP, assim como nas eleições de 2006, ofereceu um tratamento diferenciado aos candidatos. Enquanto Serra experimentou um crescimento no número deste tipo de matéria no período pré-eleitoral e no primeiro


245 turno, com queda no segundo; Dilma, por sua vez, teve um aumento nas matérias com conteúdo negativo tanto no primeiro, quanto no segundo turno. É possível afirmar, diante dos dados, que a FSP adotou um padrão de cobertura no que diz respeito ao número de matérias que citaram os dois principais candidatos, assim como no que se refere à evolução da cobertura ao longo da campanha, com o crescimento de citações para ambos os candidatos que pontearam a disputa, tanto em 2006, quanto em 2010. Neste sentido, é viável observar o respeito ao princípio da imparcialidade propalado por esse órgão da imprensa ao se entender imparcialidade apenas pelo mesmo volume de cobertura. Entretanto, quando empregou recursos estatísticos mais refinados fica patente um tratamento diferenciado, em 2006, e em 2010, ou seja, um padrão que opera na contramão do princípio da imparcialidade. Nas duas eleições, os candidatos do PT receberam tratamento desigual quanto ao número e evolução das matérias com valência negativa ficando neste quesito, em desvantagem perante os candidatos do PSDB. Argumenta-se que, fatores externos ao campo jornalístico interferiram em algum grau, na cobertura. Preferências políticas caminharam junto com critérios jornalísticos na elaboração e divulgação das matérias da FSP, nas coberturas das eleições de 2006 e 2010. 6 REFERÊNCIAS BAUER, M.W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002. AZEVEDO, Fernando A. Imprensa e cobertura eleitoral no pleito municipal de 2000, em São Paulo. Paper, ANPOCS / Caxambu MG, 2001. MIGUEL, Luis F. (2002). “Os meios de comunicação e a prática política”. Lua Nova, nº 55-56, p. 155-184. ABRAMO, Cláudio. W. “O Império dos Sentidos”. Novos Estudos CEBRAP, nº 31, out. p. 41-67, 1991.


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A COBERTURA DA REVISTA “VEJA” SOBRE A DISPUTA PRESIDENCIAL DE 2010 LA COBERTURA DE LA REVISTA “VEJA” EN LA DISPUTA PRESIDENCIAL DE 2010 THE COVERAGE OF MAGAZINE “VEJA” IN THE PRESIDENCIAL ELECTION IN THE 2010 Luiz Ademir de OLIVEIRA 1 Wanderson Antônio do NASCIMENTO 2 RESUMO O artigo discute a interface mídia e política e o papel da imprensa na construção da realidade. Tem como objeto a cobertura da revista “Veja”, na eleição de 2010. Parte de uma perspectiva construtivista e investiga a centralidade da mídia no tecido social (RODRIGUES, 1997). Discute a relação tensa entre esfera midiática e política (LIMA, 2006; GOMES, 2004). Evidencia o papel do jornalismo como ator político nas eleições (TRAQUINA, 2001; TUCHMANN, 1993), explícito na análise de conteúdo da “Veja”. PALAVRAS-CHAVE: Mídia e política; eleição presidencial; revista “Veja”. RESUMEN El artículo trata de la interfaz entre los medios de comunicación y la politica y del papel de la prensa en la construcción de la realidad. Tiene como objeto de pesquisa la cobertura de la revista “Veja” de las elecciones de 2010. Parte de una perspectiva constructivista e investiga la centralidad de los medios de comunicación en el tejido social (RODRIGUES, 1997). Se analiza la tensa relación entre los medios de comunicación y la esfera politica (LIMA, 2006; GOMES, 2004). Se destaca el papel del periodismo como un actor político en las elecciones (MORBO, 2001; TUCHMANN, 1993), explícito en el análisis de contenido de “Veja”. PALABRAS-CLAVE: Medios de comunicación y politica; Elección presidencial; revista “Veja”. ABSTRACT The article discusses the interface between politics media and the role of press in the

reality construction. Its subject is the “Veja’s” coverage in the 2010 election. Part of a constructivist perspective and investigates the centrality of the media in the social tissue (RODRIGUES, 1997). It discusses the tense relationship between media and political sphere (LIMA, 2006; GOMES, 2004). It highlights the role of journalism as a political 1

Luiz Ademir de Oliveira é professor e pesquisador do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ); mestre e doutor em Ciência Política pelo IUPERJ. E-mail: luizoli@ufsj.edu.br. 2 Wanderson Antônio do Nascimento é graduado em Letras, graduando e bolsista de iniciação científica (PIBIC/CNPQ/UFSJ) do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ). E-mail: wandersonbsb@hotmail.com.


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actor in the elections (NAUGHTY, 2001; TUCHMANN, 1993), explicit in the content analysis of “Veja”. KEY WORDS: Media and politics; Presidential election; magazine “Veja”.

1 INTRODUÇÃO “O Monstro do Radicalismo: A fera petista que Lula domou agora desafia a candidata Dilma” foi a reportagem de capa da revista “Veja”, de 14 de julho de 2010, um pouco mais de uma semana após a homologação das candidaturas à Presidência da República. Numa postura editorial crítica à candidata Dilma Rousseff (PT) e ao seu partido, a revista coloca-se na condição de ator político ao criar a imagem de que uma eventual vitória da petista poderia significar a ação de radicais no governo. Nesta mesma linha de análise, no dia 29 de setembro de 2010, a “Veja” deu como destaque na capa “A liberdade sob ataque: a revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”. A reportagem traz um tom tendencioso ao ligar a imagem de Lula e do PT à censura. Estes dois exemplos ilustram bem como há uma relação tensa entre mídia e política. Hoje, o campo da comunicação avoca a tarefa de servir de esfera de mediação social (RODRIGUES, 1997), em que os demais campos buscam visibilidade e formas de legitimar suas ações. Ao mesmo tempo, a mídia não se configura apenas como um novo palco para as disputas políticas. Os meios de comunicação, e em especial a imprensa, são responsáveis pela construção social da realidade. Ao contrário da concepção de neutralidade do jornalismo, os órgãos de imprensa são atores sociais e políticos. Alguns, como é o caso da revista “Veja”, recebem críticas por assumirem posições políticas e ideológicas bem explícitas. Tomando como base estas questões, o presente artigo parte de uma perspectiva construcionista com fundamento nos sociólogos Berger e Luckmann (1985). Eles afirmam que a realidade é construída socialmente via linguagem, ou seja, o homem é produto e produtor do meio social. Como a instância comunicativa midiática assume uma posição estratégica na era contemporânea, os campos sociais e, principalmente, o campo da política, precisa recorrer à mídia para sobreviver. No entanto, como se reflete aqui, trata-se de uma relação tensa: mídia e política estão cada vez mais ligadas, mas possuem naturezas bem distintas (GOMES, 2004). Por fim, o trabalho discute a imprensa como ator político que interfere nas disputas eleitorais ao construir cenários


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políticos, agendar temas e investir na construção ou (des) construção da imagem dos líderes políticos. A partir de tais questões teóricas e conceituais, o artigo analisa o conteúdo preliminar da cobertura da revista “Veja” sobre a disputa presidencial de 2010. O trabalho integra uma pesquisa financiada pelo CNPq que tem por objetivo investigar o cenário político construído pela “Veja” na eleição, com base nas 16 edições publicadas de julho a outubro de 2010. 2 A PERSPECTIVA CONSTRUCIONISTA E A CENTRALIDADE DA MÍDIA NA CONTEMPORANEIDADE A perspectiva construcionista concebe a realidade como construída socialmente, com contribuições importantes dos sociólogos Peter Berger e Thomas Luckmann (1985). De acordo com os autores, o conhecimento que conduz a realidade da vida cotidiana baseia-se na opinião e no modo de percepção dos intelectuais, ou seja, o senso comum é influenciado pela maneira como os intelectuais observam o cotidiano. Um exemplo é a disposição dos acontecimentos, a forma como são estruturados e mostrados pelos veículos de comunicação. Para Berger e Luckmann (1985), a linguagem fornece as informações e objetivações e determina a ordem a seguir. É através dela que os fatos e situações são interpretados, que se absorve o conhecimento, e se interage. Ao construir discussão sobre as características que marcam a condição humana, deve-se considerar o papel primordial da linguagem como constituinte das relações sociais e como elemento diferenciador do ser humano em relação aos demais animais. A linguagem tem papel fundamental como configuradora da vida social. Se para Berger e Luckmann a linguagem é constituinte da vida social, na era contemporânea os meios de comunicação de massa assumem um papel de centralidade ao se tornarem a instância em que os discursos ganham materialidade. As ideias de Berger e Luckmann são importantes porque os teóricos da comunicação as absorveram e a partir dos anos 70 do século XX, discutem a perspectiva de um novo paradigma da comunicação. Afirmam que o processo comunicativo é circular com o emissor e receptor em permanente interação. Por isso, há uma construção coletiva de sentidos e de versões do real. Cabe aos processos de comunicação midiáticos a composição de uma esfera pública. Ela é responsável pela criação e manutenção de regularidades que determinam as normas da conformidade e da conveniência da linguagem. A esfera pública é o


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espaço no qual as interações sociais e o movimento dos atores ganham visibilidade social. Assim, a comunicação não é somente um meio dos indivíduos e grupos conhecerem os fatos e acontecimentos. Rodrigues (1997) argumenta que a comunicação é o processo instituíste do espaço público em que se desenvolvem as suas ações e discursos. “Daí a natureza paradoxal da comunicação, ao mesmo tempo instituíste e instituída, processo de elaboração de um espaço público e agenciamento das regras impostas pela conformidade social, pluralidade feita de múltiplas singularidades” (RODRIGUES, 1997, p.141). Assim como Rodrigues aponta a centralidade do campo da comunicação, Thompson (1998) explica como a mídia é responsável por criar novas maneiras de interação, via utilização de meios técnicos. Ele cita o poder cultural ou simbólico que nasce nas atividades de produção, transmissão e recepção do significado de formas simbólicas. Está também presente em instituições culturais, como escolas, universidades, igrejas, indústrias da mídia, entre outros. 3 A INTERFACE MÍDIA E POLÍTICA Em função da centralidade da mídia, o campo da política é uma das esferas que mais se aproxima da instância comunicativa para garantir visibilidade. Trata-se, no entanto, de uma relação tensa, em que os dois campos – tanto a política quanto a mídia – mantêm a sua autonomia e se influenciam mutuamente. Venício de Lima (2006) cria sete teses para explicar a centralidade da mídia para a vida política. Segundo o autor, a proximidade entre os dois campos se compreende a partir dos seguintes fatores: (1ª) a mídia ocupa uma posição de centralidade nas sociedades contemporâneas; (2ª) não existe política nacional sem a mídia; (3ª) mass media exercem hoje funções tradicionais dos partidos políticos; (4ª) a mídia alterou radicalmente as campanhas eleitorais em função da crescente profissionalização; (5ª) as empresas de mídia são hoje, atores econômicos fundamentais e integram grandes conglomerados empresariais articulados em nível global; (6ª) as condições sociais nas quais os mass media foram implantados no Brasil no período da Ditadura Militar, com índices de exclusão social e analfabetismo muito elevados; (7ª) as condições políticas e históricas do surgimento da mídia no período de regimes autoritários. Manin (1995), por sua vez, apresenta as mudanças no modo de representação política. Segundo o autor, até a década de 80 do século XX, prevalecia a democracia de partido que se encontrava em crise de representatividade. Os partidos perdiam


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importância e emergiam as chamadas lideranças personalistas. Hoje, as pessoas optam pelos líderes e não mais pelos partidos. Cresce a volatilidade de uma eleição para outra e as disputas são mais plebiscitárias. Além disso, há um papel fundamental da mídia nos processos eleitorais, como já destacou Lima (2006). Por isso, Manin afirma que emerge uma nova forma de democracia – a “democracia de público”, pois, as disputas eleitorais não ocorrem mais em função dos partidos políticos de massa. Há um foco nas lideranças personalistas, que agregam identidades coletivas. Thompson (1998) analisa tal fenômeno a partir da discussão dos paradoxos da visibilidade. O autor afirma que o desenvolvimento da mídia gerou uma disseminação das formas simbólicas, entretanto, levou os líderes a se preocupar com a visibilidade pública. Como consequência, a maior parte das lideranças contrata especialistas na área de comunicação para administrar a sua visibilidade. São monitorados, contudo existem, paradoxalmente, os riscos da visibilidade: escândalos políticos, gafes, acessos explosivos e vazamento de informações. Gomes (2004) aponta a relação tensa entre o campo da política e a esfera da mídia. Trabalhando conceitos como o de representação e encenação, Gomes (2004) considera que, desde a “Era Collor”, o caráter de espetáculo na política está, cada vez mais, acentuado no país. Para o autor, as mudanças nas sociedades de massa tornam o ideal de democracia dependente dos mass media. Gomes lembra que o espetáculo é essencial para garantir a busca pela representação do poder, via meios de comunicação de massa, no mundo atual. O autor aponta a natureza distintiva dos dois campos como uma primeira fonte de tensão. Ainda argumenta que o campo político, entendido na sua concepção tradicional, é o espaço da disputa argumentativa e racional. Por isso, como destaca Gomes, é um campo incompatível com a esfera midiática, que trabalha com o imaginário, o emocional e o lúdico. Também assevera que o campo da mídia é regido pela lógica da publicidade. A cultura midiática foi gerada a partir de determinadas condições sociais do sistema produtivo capitalista e através dos meios de comunicação. Surgiu, portanto, como mais uma forma de racionalização do sistema produtivo. Os meios de comunicação e mais especificamente, a publicidade, atendem às exigências do sistema produtivo. Dessa forma, a lógica da mídia se destina a manter a atenção do espectador. Para isso, tudo se torna entretenimento. Apesar dessa natureza distintiva, política e comunicação estão cada vez mais próximas. Há uma série de fatores que obrigam a política a buscar esta aproximação


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com o campo midiático. Em primeiro lugar, o próprio surgimento da democracia de massas implica na criação de maneiras diferenciadas de relação dos atores políticos com o eleitorado. O contato com a massa tende a se efetuar via mídia. Para o campo da política, com a emergência dessa democracia de massas, tornase crucial uma aproximação com o campo midiático, pois a política tem uma demanda cognitiva que lhe é essencial numa sociedade em que se verifica uma crescente dependência dos indivíduos em face da mídia. Essa aproximação entre política e mídia, conforme analisa Gomes, é tensa. Esta última impõe ao campo da política uma série de regras. Para se acomodar à lógica midiática, os atores políticos precisam trabalhar de acordo com os mecanismos operatórios dos meios de comunicação de massa. É por isso que a política, para atender a essa nova exigência, se vê obrigada a recorrer não só à retórica, mas também à poética, que é a Arte de produzir boas representações para provocar um efeito emocional no público. Ao fazer uma discussão sobre a lógica de funcionamento da mídia, Wilson Gomes (2004) aponta três subsistemas acionados pelos meios de comunicação com o intuito de entreter e prender a atenção do indivíduo: (1) a ruptura das regularidades - é veiculado preferencialmente, na mídia aquilo que traz aparentemente, algo de novo, de surpreendente, que foge à rotina; (2) a diversão - há uma grande preocupação com o trabalho técnico a fim de garantir belas imagens. O visual prevalece sobre o verbal e o registro lúdico-estético também é uma maneira eficiente de seduzir o espectador, de entretê-lo; (3) a dramaticidade - tem a função de provocar um efeito emocional no espectador (o trágico causa temor e piedade; e o cômico, riso). Portanto, a mídia produz uma mistura de gêneros, onde realidade e ficção já não possuem fronteiras nítidas. 4 A IMPRENSA COMO ATOR POLÍTICO E A QUEBRA DO MITO DA OBJETIVIDADE JORNALÍSTICA Ao se discutir o jornalismo, uma das questões primordiais é destacar o papel que a imprensa assume na era Moderna. Rodrigues (1990) explica que, em função das grandes transformações na vida social com a modernidade, os mitos e a religião que serviam de referencial de mundo, perderam o seu poder explicativo. Com isso, segundo o autor, na era Moderna, o discurso dos media é referência para os indivíduos, assumindo a tarefa de organizar o mundo aleatório, cheio de fragmentos, dentro de uma lógica. Por isso, é possível entender a centralidade da mídia.


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No entanto, o papel que o jornalismo e a mídia assumem remete, necessariamente, à discussão sobre a suposta objetividade jornalística. Ao contrário do que prega o mito construído sobre a objetividade jornalística, os autores contemporâneos mostram que a construção da notícia é um processo complexo que envolve muitos fatores, desde a linha editorial do veículo até as rotinas de produção. Parte-se, aqui, do paradigma apresentado anteriormente de que a realidade é construída socialmente. Nesse sentido, a imprensa não é um agente que reproduz fielmente o real, mas faz recortes e reconstitui o mundo social, isto é, cria versões da realidade. Mayra Gomes (2000) elucida que o jornalismo é ele próprio um fato de língua. Assim, é preciso considerar seu papel e sua função na instituição social, que é o de organizar discursivamente. “[...] pelo próprio exercício da língua-mãe dirigido aos leitores/cidadãos, o jornalismo se coloca como confirmação do pacto primeiro fundado na comunidade estabelecida pelo compartilhamento de uma língua.” (GOMES, 2000, p.20). Além da confirmação da língua, o jornalismo concentra temas e também se caracteriza pela periodicidade. Questionando essa neutralidade da imprensa, Rodrigues (1990) esclarece que a notícia se relaciona ao seu grau de imprevisibilidade: quanto menos previsível for um fato, maior a probabilidade de se tornar notícia. O autor aponta como critérios de noticiabilidade: (1) a falha; (2) a inversão; (3) o excesso. Tal afirmativa revela que há um critério de seleção dos fatos que têm maiores possibilidades de se transformar em notícia, refutando, assim, a ideia de neutralidade. Wolf (1999) também compreende o jornalismo como um processo complexo de produção de notícias que envolve vários fatores, entre os quais, os critérios de noticiabilidade. Entre eles, o autor destaca o que chama de “substantivos” – que remetem ao conteúdo da notícia – definidos por quatro fatores: o nível hierárquico dos envolvidos no fato; o impacto sobre as pessoas; a quantidade de pessoas envolvidas no fato e o interesse humano. Nessa mesma perspectiva, Traquina (2001) concebe o jornalismo como processo de produção da notícia e questiona o modelo norte-americano, em que a imprensa se pauta pela neutralidade. No entanto, os jornalistas não são observadores neutros da realidade, mas, atuam na construção da realidade dos fatos. O processo de produção de notícias envolve uma complexidade de causas, como a linha editorial do veículo, o caráter mercadológico, a dependência das fontes, as rotinas de produção, entre outros.


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Tuchmann (1993) esclarece que o jornalismo tenta se legitimar a partir de rituais que induzem à noção de uma suposta neutralidade. Ela afirma que os jornalistas criam o argumento de que são objetivos para amenizar as pressões do fator tempo e seus respectivos prazos de fechamento diário dos jornais (o dead line), possíveis processos judiciais de difamação, calúnias e repressões antecipadas dos superiores. Disso decorre a ideia da objetividade como um ritual estratégico que, segundo a autora, possui quatro procedimentos: (1) a apresentação de possibilidades conflituais: o chamado “ouvir os dois lados”; (2) apresentação de provas auxiliares: acesso a documentos que reforçam a notícia; (3) o uso judicioso das aspas (o chamado jornalismo declaratório); (4) a estruturação da informação numa sequência apropriada, o que remete à ideia de que a narrativa segue uma lógica objetiva ao relatar os fatos. 5 O CENÁRIO POLÍTICO CONSTRUÍDO PELA “VEJA” 5.1 METODOLOGIA DE ANÁLISE A pesquisa tem como objetivo desenvolver um estudo da cobertura política sobre a disputa Presidencial em 2010, feita pela revista semanal “Veja”, do grupo Abril, a partir de uma análise de conteúdo. Nesse viés, investiga como foi construído o cenário político, o tratamento dado aos candidatos, o enquadramento e a narrativa utilizados pelo meio de comunicação. Analisa os formatos jornalísticos textuais e a forma como o veículo recorreu às imagens na construção ou desconstrução da imagem dos candidatos. Como procedimentos metodológicos, definiram-se: (1) pesquisa bibliográfica; (2) pesquisa documental – coleta das revistas; (3) análise de conteúdo; (4) produção científica. Como a pesquisa se encontra na fase inicial, realizou-se uma investigação bibliográfica consistente e se analisou preliminarmente as revistas coletadas – um total de 16 edições - de julho a outubro de 2010, demarcando-se o período para estudo, entre a homologação das candidaturas e o final do segundo turno. Para o presente artigo, escolheram-se (5) cinco edições da Revista com a finalidade de uma análise de conteúdo qualitativa, apresentando-se dados preliminares sobre o posicionamento editorial da “Veja” em relação à disputa presidencial de 2010. Optou-se pelas edições de 14 de julho de 2010 (uma semana após a homologação das candidaturas); 18 de agosto de 2010 (quando teve início o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE); 29 de setembro de 2010 (a última edição antes do primeiro turno da eleição); 13 de outubro de 2010 (uma semana após o resultado do


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primeiro turno) e 27 de outubro de 2010 (a última edição antes do segundo turno). As edições são bem ilustrativas porque trazem como reportagem de capa a temática “Eleição presidencial de 2010”. No artigo, não houve ainda a preocupação de enquadrar em categorias de análise, em função de se estar no início da pesquisa. 5.2 CONJUNTURA POLÍTICA Em julho de 2010, foram homologadas as candidaturas à Presidência da República, totalizando nove candidatos. A disputa se polarizou entre a candidata do PT, Dilma Rousseff, apoiada pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e o candidato da oposição e ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que disputaram o segundo turno. A petista venceu o segundo turno, com 56% dos votos válidos. Em agosto do mesmo ano, com o início do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), a candidata do PT emplacou o seu nome e liderou a corrida presidencial, chegando a superar os 50% das intenções de votos nas pesquisas, o que lhe garantia a vitória no primeiro turno. A campanha de Serra estava em crise. Mas, com a divulgação dos escândalos da quebra de sigilo fiscal de integrantes do PSDB e, posteriormente, do escândalo envolvendo a então ministra da Casa Civil, Erenice Guerra, Dilma perdeu espaço. Às vésperas do pleito, em 03 de outubro, Marina Silva (PV) cresceu nos grandes centros urbanos e teve uma votação surpreendente – 19.636.539 votos, ficando em terceiro lugar. Tais fatores levaram o pleito para o segundo turno entre Dilma e Serra, tornando a disputa acirrada. Neste turno, temas religiosos e valores morais pautaram boa parte das discussões. No segundo turno se destacaram as trocas de acusações. Dilma Rousseff participou dos debates na televisão e assumiu uma postura agressiva, rebatendo os ataques do adversário. A petista enfatizou o tema das privatizações e fez críticas aos governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, aliado de Serra. Procurou comparar a gestão tucana com o governo Lula. Nos programas eleitorais, o tom também foi acirrado. Serra manteve as críticas aos casos de corrupção nas gestões petistas e questionou a falta de experiência política e administrativa de sua adversária. Entretanto, no segundo turno, a candidatura Dilma ganhou fôlego, principalmente pela presença constante de Lula nos programas eleitorais. Dilma venceu o pleito em 31 de outubro de 2010. Na campanha presidencial, a imprensa brasileira foi criticada por tomar um posicionamento explícito na disputa. O presidente Lula e seus aliados questionaram o


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engajamento de veículos como a “Veja”, a “Globo” e a “Folha de São Paulo”. Acusaram a imprensa de fazer uma campanha ostensiva contra a candidata do PT e, por outro lado, ser tendenciosa a favor do concorrente tucano. Já os aliados de Serra acusaram o posicionamento da revista “Carta Capital” e de jornalistas renomados como Paulo Henrique Amorim e Luís Nassif, que assumiram a candidatura da petista em seus blogs. 5.3 A REVISTA “VEJA” A revista “Veja”, de periodicidade semanal, foi fundada em 1968, pelos jornalistas Victor Civita e Mino Carta. O periódico teve um papel importante na luta contra a Ditadura Militar, tornando-se uma das referências no jornalismo brasileiro. Porém, nos anos 90, a “Veja” mudou a sua linha editorial. Tornou-se um dos veículos mais polêmicos da imprensa brasileira. Durante o governo Lula, foi processada pelo PT por publicar notícias que vinculavam o Partido a atos de corrupção, também foi criticada por adotar uma linha conservadora, principalmente, na cobertura política. Quanto à tiragem da Revista, aproxima-se de 800 mil exemplares, de acordo com informações do site da “Veja”. 5.4 ANÁLISE DO CENÁRIO POLÍTICO CONSTRUÍDO PELA “VEJA” 5.4.1 Edição de 14 de Julho de 2010 A edição da revista “Veja”, de 14 de julho de 2010, pouco mais de uma semana após a homologação das candidaturas, traz como chamada da matéria de capa “O monstro do radicalismo – a fera petista que Lula domou agora desafia a candidata Dilma”. Com a capa toda em vermelho, cor do Partido dos Trabalhadores, com a estrela do PT ao fundo e em primeiro plano, uma hidra monstruosa (animal fantástico da mitologia grega) de cinco cabeças, a edição refletiu a divulgação do plano de governo da candidata petista, Dilma Rousseff. A reportagem intitulada “A criatura contra-ataca” analise o programa de governo de Dilma, com foco nas propostas relacionadas à liberdade de expressão e de imprensa. O subtítulo da reportagem é tendencioso: “O programa de governo do PT traz de volta a ameaça de censura à imprensa e reacende um debate: Dilma Rousseff conseguirá controlar os radicais de seu partido e domar o monstro do autoritarismo?”. O documento avaliado pela Revista não se referia ao programa de governo, que deveria ter sido


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encaminhado à Justiça para o registro da candidatura, mas sim, ao programa do PT. O documento, que, segundo a revista “Veja”, continha propostas como tentativa de cercear a liberdade de imprensa, descriminalizar o aborto e incentivar a invasão de propriedades rurais pelos sem-terra, foi substituído pelo verdadeiro plano de governo. Percebe-se uma postura tendenciosa do periódico em calcar sua reportagem de capa em um fato equivocado, a partir do qual elaborou questionamentos sobre o possível governo Dilma, tais como “Afinal, Dilma Rousseff, se eleita, conseguirá repetir o feito de Lula e impedir que os radicais do PT transformem o Brasil em uma república socialista, de economia planejada e centralizada e sem garantias à liberdade de expressão?”. O enquadramento que “Veja” deu à matéria mostra claramente sua postura política, com fontes que legitimam a visão do veículo e com uma ordem de apresentação dos fatos que colocam em primeiro plano, a suposta intenção de Dilma em “insistir na implementação de teses radicais e autoritárias”. 5.4.2 Edição de 18 de Agosto de 2010 Na primeira edição após o início do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, no dia 18 de agosto de 2010, a Revista mostra na capa a chamada “A pesca dos indecisos no horário político na TV – as estratégias dos marqueteiros para fisgar os eleitores que ainda podem mudar o voto”. Como ilustração, aparecem as figuras caricatas dos três principais candidatos - Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), sentados em anzóis de pesca. A matéria intitulada “Hora de fisgar os indecisos” foi estruturada pela apresentação de quatro perfis, relacionados às seguintes características: sexo, idade, escolaridade, local de residência e renda familiar. A matéria foi produzida com base na pesquisa Datafolha, divulgada na sexta-feira anterior, mostrando Dilma com 41% das intenções de votos, contra 33% de Serra, além dos 9% de indecisos e dos candidatos “volúveis”, passíveis de mudar de opinião. O primeiro perfil é do eleitor indeciso; o segundo, do eleitor de Serra; o terceiro, do eleitor de Dilma e o quarto, do eleitor de Marina Silva. Percebe-se na ordem de exibição dos perfis dos eleitores que, apesar de Dilma liderar as pesquisas, o primeiro perfil mostrado, depois do eleitor indeciso, é o do eleitor do candidato José Serra. No espaço dedicado aos candidatos também há uma falta de equilíbrio, uma vez que a Serra e Dilma couberam duas páginas, enquanto à Marina, foi dedicada apenas uma. Além dos perfis dos eleitores, a matéria expõe, também, as estratégias dos candidatos para o


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programa eleitoral e os dados da pesquisa referentes à porcentagem de eleitores volúveis de cada candidato. Em cada perfil, há um exemplo de um eleitor padrão de cada candidato. 5.4.3 Edição de 29 de Setembro de 2010 Na última edição antes do primeiro turno, no dia 29 de setembro de 2010, a revista “Veja” ofereceu como capa a chamada “A liberdade sob ataque – a revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”. A ilustração da capa evidencia o capítulo V da Constituição de 1988, referente à Comunicação Social, no tocante à liberdade de expressão e de imprensa e à proibição da censura. O desenho mostra a página da Constituição sendo perfurada pela estrela vermelha do Partido dos Trabalhadores, como se ele atacasse a Carta Magna. A matéria de capa, intitulada “A imprensa ideal dos petistas”, critica duramente Lula e o PT, por acusarem a imprensa de golpista e de inventar histórias. O texto ressalta a queda de Dilma nas pesquisas após os escândalos da Casa Civil. Realça, também o discurso de Lula, repetido nos comícios da candidata Dilma Rousseff, quando o presidente “afirmou que os veículos de comunicação 'inventam' coisas e torcem 'para o Lula fracassar'” e prometeu “'derrotar' aqueles que 'se comportam como se fossem um partido político'”. A matéria mostra em seguida uma entrevista com Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia Política da USP. Na entrevista, o filósofo defende a liberdade de imprensa e atribui os ataques de Lula ao fato de ele ter se acostumado a não ser fiscalizado. Na última página da reportagem, a Revista apresenta uma espécie de dossiê com ações do governo com demonstração da intenção de cercear a liberdade de imprensa, como a expulsão do jornalista Larry Rohter e a criação do Conselho Federal de Jornalismo, ambos em 2004, o “Projeto Mordaça”, em 2008, o Programa Nacional de Direitos Humanos-3, em 2009, o programa de governo do PT, em 2010 e os então, atuais ataques de Lula.

5.4.4. Edição de 13 de Outubro de 2010 Na edição de 13 de outubro, já na campanha eleitoral para o segundo turno, a revista “Veja” oferece uma capa dividida ao meio, com duas faces de Dilma e suas


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opiniões divergentes sobre o aborto. Na metade de cima, em vermelho, a face de Dilma e uma citação sua de 4 de outubro de 2007: “Acho que tem de haver a descriminalização do aborto. Acho um absurdo que não haja”. Na metade de baixo, em preto e branco, o rosto de Dilma e a seguinte citação: “Eu, pessoalmente, sou contra. Não acredito que haja uma mulher que não considere o aborto uma violência”. A reportagem de capa, intitulada “Antes, Depois”, constrói uma imagem de Dilma Rousseff como ambígua e volúvel, mostrando as mudanças de opinião da petista após se tornar candidata, referentes não apenas ao aborto, mas também a outras questões. A Revista apresenta uma tabela com os “ditos e desditos de Dilma” em relação à Erenice Guerra, ao MST, à liberdade de imprensa, ao meio ambiente e à política monetária. Nas duas páginas seguintes, um infográfico mostra “como o aborto entrou na campanha eleitoral”, desde o debate da Folha/UOL, quando Dilma declarou que “O Brasil precisa de uma política de saúde pública sobre o tema (aborto)”, passando pela postagem de vídeos no Youtube, “nos quais Dilma afirma que o aborto deve ser tratado como questão de saúde pública” até as declarações de líderes religiosos católicos e evangélicos criticando a candidata e o PT. A edição 2186 também introduz a opinião de outras lideranças religiosas, como o presidente do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política, Wilson Acosta; do bispo de Guarulhos, Dom Luiz Gonzaga Bergonzini e do diretor executivo da Federação Espírita Brasileira, Geraldo Campetti, todos repudiando a prática do aborto e rechaçando o discurso de Dilma Rousseff. 5.4.5 Edição de 27 de Outubro de 2010 Na última edição antes do segundo turno da Eleição Presidencial, no dia 27 de outubro de 2010, a chamada de capa “A verdade sobre os dossiês” enfoca o Congresso e um balão com a fala de Pedro Abramovay, então Secretário Nacional de Justiça: “Não aguento mais receber pedidos de Dilma e do Gilberto Carvalho para fazer dossiês (…) Eu quase fui preso como um dos aloprados”. Na reportagem de capa, com o nome de “Intrigas de Estado” e com subtítulo “Diálogos entre autoridades revelam que o Ministério da Justiça, o mais antigo e tradicional da República, recebeu e rechaçou pedidos de produção de dossiês contra adversários”, a revista “Veja” evidencia um trabalho investigativo de diálogos entre altos funcionários do Ministério da Justiça e do Planalto que, supostamente, revelam ações do governo em torno da produção de dossiês “contra quem atravessasse o


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caminho do governo”. A Revista vale-se de gravações periciadas e de autenticidade comprovada para legitimar suas acusações e vincula a candidata Dilma Rousseff à produção desses dossiês. Apesar de declarar que as gravações são autênticas, a Revista não explica como teve acesso às fontes. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao articular as discussões teóricas e conceituais com as evidências empíricas extraídas da cobertura política da revista “Veja” sobre a disputa presidencial de 2010, é possível tecer algumas considerações. Em primeiro lugar, evidencia-se o papel da linguagem na construção social da realidade. No entanto, em função da centralidade do campo da comunicação, percebe-se que o discurso construído pela mídia assume uma função estratégica na era contemporânea. Outra questão relevante é apontar a crescente interface entre o campo da política e a instância comunicativa midiática. Percebe-se pela análise teórica e pelas reportagens da “Veja” que se trata de uma relação tensa e de mútua dependência, conforme afirma Gomes (2004). A mídia tenta impor o seu posicionamento político e ideológico e busca criar um agendamento de temáticas e muitas vezes, cria factóides. No caso das edições da “Veja” que foram analisadas, a Revista faz um alerta sobre o risco de radicais atuarem num possível governo Dilma Rousseff (PT), além de relacionar os petistas à tentativa de controle da imprensa. Por outro lado, nota-se que o mundo da política não é refém dos meios de comunicação. Em outros espaços, os atores políticos têm suas astúcias e conseguem também impor temáticas e influenciar a cobertura da mídia. Em relação à campanha de Dilma Rousseff, apesar da postura crítica de boa parte da imprensa, a candidata foi eleita e a popularidade do então presidente Luís Inácio Lula da Silva, manteve-se altíssima. As visões contemporâneas sobre o jornalismo rompem com a concepção da objetividade e mostram que a imprensa é um ator social e político. Esse fato fica claro na cobertura da revista “Veja” quando ela faz uma opção política e a revela em suas reportagens, seja na escolha dos temas e, principalmente, no enquadramento dos fatos e no tratamento dos candidatos em relação à disputa eleitoral. Apesar de o trabalho estar em sua fase inicial, já aponta claramente a postura tendenciosa da revista “Veja” no que diz respeito à corrida presidencial de 2010. Aí despontam alguns questionamentos. Os veículos da imprensa têm, obviamente, uma


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linha editorial, o que reflete um contrato de leitura com o seu público. No entanto, há princípios básicos do exercício do bom jornalismo que devem ser preservados. Há espaços em que a opinião pode ser explicitada, mas o equívoco da “Veja” é utilizar nos gêneros informativos e interpretativos um discurso panfletário que compromete o seu compromisso com a ética e o interesse público. 7 REFERÊNCIAS BERGER, Peter; THOMAS Luckmann. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1985. GOMES, Mayra Rodrigues. Jornalismo e ciências da linguagem. São Paulo: Hacker Editores/Edusp, 2000. GOMES, Wilson. As transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004. LIMA, Venício de. Mídia. Crise política e poder no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2006. MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais (RBCS), São Paulo, ano 10, n. 29, p.6-33, out. 1995. REVISTA VEJA. São Paulo: Abril, edições 2173 (14 de julho de 2010), 2178 (18 de agosto de 2010), 2184 (29 de setembro de 2010), 2186 (13 de outubro de 2010) e 2188 (27 de outubro de 2010). RODRIGUES, Adriano Duarte. Estratégias da comunicação. Questão comunicacional e formas de sociabilidade. Lisboa: Editorial Presença, 1997. THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998. TRAQUINA, Nelson. Estudos do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001. TUCHMANN, Gaye. “A objetividade como ritual estratégico”. In: TRAQUINA, Nelson. Jornalismo. Questões, teorias e ‘estórias’. Lisboa: Editora Vega, p.74-90, 1993. WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1999.


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Comunicação eleitoral: conceitos e estudos sobre as eleições presidenciais em 2010. Terceira Parte ETHOS E ELEIÇÃO Capítulo XV - ETHOS E DISCURSO ELEITORAL. Luciana Panke, Lucas Gandin, Claiton César Czizewski e Taiana Bubniak. Capítulo XVI - O RAIAR DE UMA NOVA ESTRELA: uma análise do Ethos de Dilma Rousseff na campanha eleitoral de 2010. Lucas Gandin. Capítulo XVII - SIMPLESMENTE “ZÉ”: os Ethé da campanha de José Serra. Jocelaine Santos. Capítulo XVIII - MARINA, A TUA PROPAGANDA QUE ETHOS PINTOU? Claiton César Czizewski. Capítulo XIX - OS ETHÉ DO CANDIDATO PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO. Anderson Moreira. Capítulo XX - O QUE DIZEM OS QUE NÃO TÊM ESPAÇO? Taiana Bubniak e Raul Kleber Boeno.


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RELAÇÕES ENTRE ETHOS E DISCURSO ELEITORAL RELACIONES ENTRE ETHOS Y DISCURSO ELECTORAL RELATIONS BETWEEN ETHOS AND ELECTORAL DISCOURSE Luciana PANKE1 Lucas GANDIN2 Claiton César CZIZEWSKI3 Taiana BUBNIAK4 RESUMO A terceira parte do livro traz o resultado de uma pesquisa desenvolvida no Programa de PósGraduação em Comunicação, da Universidade Federal do Paraná, relativa à disciplina Política e Discurso, sob a orientação da autora. A partir de conceitos sobre retórica clássica, discurso e ethos (ARISTÓTELES; MAINGUENAU, 2001; 2008; CHARADEUAU, 2008) busca-se verificar quais as tipologias predominantes nos candidatos à Presidência da República do Brasil, em 2010. O corpus contempla os programas veiculados nos dias 17 de agosto, 7 de setembro e 30 de setembro de 2010, durante o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), exibido em cadeia nacional de televisão. PALAVRAS-CHAVE: comunicação política; propaganda eleitoral; HGPE; ethos; Eleições 2010. RESUMEN La cuarta parte del libro reúne los resultados de una investigación realizada en el Programa de Posgrado en Comunicación, Universidad Federal de Paraná. Desde los conceptos de la retórica clásica, el discurso y el ethos (Aristóteles Mainguenau, 2001, 2008, Charadeuau, 2008) vamos determinar qué tipos de ethos estaban presentes em las campañas de los candidatos a la Presidencia de Brasil en 2010. El corpus incluye programas emitidos el 17 de agosto, 07 de septiembre y 30 de septiembre de 2010, durante o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) en la televisión nacional. PALABRAS-CLAVE: comunicación política, propaganda electoral; ethos, elecciones 2010. ABSTRACT The fourth part of the book brings the results of a survey conducted in the Post Graduate Program in Communication, at Federal University of Paraná. From concepts of classical rhetoric, discourse and ethos (Aristoteles, Mainguenau, 2001, 2008,Charadeuau, 2008) sought to determine which types of ethos prevalent in candidates for the presidency of Brazil in 2010. KEY WORDS: political communication; electoral propaganda; ethos. 1 Doutora em Ciências da Comunicação (ECA-USP), Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná, Vice-Presidente da Politicom gestão 2011-2014 (Sociedade Brasileira de Profissionais e Pesquisadores de Comunicação e Marketing Político) e autora do livro “Lula do sindicalismo à reeleição: um caso de comunicação, política e discurso”. São Paulo: Horizonte, 2010. 2 Jornalista, Relações Públicas, Mestrando do Programa de Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Bolsista Reuni. E-mail: lucasgandin@yahoo.com.br 3 Jornalista, mestrando do Programa de Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná, na linha de pesquisa em Comunicação, Educação e Formações Socioculturais do PPGCOM – UFPR. 4 Jornalista e mestranda Programa de Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Bolsista Reuni. taianabub@gmail.com


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1 INTRODUÇÃO

O ser humano é persuasivo por natureza. É através da linguagem, capacidade que o diferencia dos outros animais, que o homem exercita o poder de persuasão. Esta característica humana é objeto de estudo dos filósofos desde a Antiguidade, sendo batizada de “Retórica”, que é a capacidade de levar o outro à ação, através da linguagem. Na Antiguidade, a retórica era classificada como arte de falar em público, privilegiando a oratória. Por isso, os recursos utilizados pelo orador concentravam-se nas figuras de linguagem e expressões rebuscadas. Naquela época, falar “bonito” significava, de certa forma, dificultar o entendimento. Criavase um debate entre oradores que exibiam seu poder de contagiar o auditório com gestos, entonações e um pouco, de representação teatral. Os conteúdos dessas mensagens ficavam em segundo plano, devido ao caráter de entretenimento de que o discurso se apossava. A retórica, no sentido formal, é uma invenção grega com origem judiciária. Na Sicília Grega, por volta de 465 a.C., após a expulsão dos tiranos, os cidadãos precisavam reaver seus bens. Como não havia advogados, os leigos faziam reclamações para defenderem causas próprias. Córax, discípulo do filósofo Empédocles, publicou uma arte oratória (tekhné rhetoriké), com orientações práticas para as pessoas recorrerem à justiça. Naquela época, a retórica não argumentava a partir do verdadeiro, mas do verossímil. Os sofistas contribuíram com os estudos sobre a retórica ao defender que a verdade nunca passa de um acordo entre os interlocutores. “A finalidade dessa retórica não é encontrar o verdadeiro, mas dominar através da palavra; ela já não está devotada ao saber, mas sim ao poder” (REBOUL, 2000, p.10). O entendimento do sofismo acarretou à retórica uma visão pejorativa e, Isócrates, ao ensinar que a retórica deve ter um objetivo para depois procurar todos os meios de atingi-lo, procurou reverter esse parecer. A retórica pode também ser considerada a união entre estilo e argumentação, conhecida como retórica clássica, que começou com Aristóteles. Ao contrário de Górgias que a celebrava pelo poder de dominação, Aristóteles a apresentou como forma de defesa, dandolhe legitimidade. Por esse caráter de defesa, ele acreditava no valor positivo da retórica, embora também refletisse sobre a relatividade desse valor. Reboul (2000, p. 30) pondera que “a retórica só é exercida em situações de incerteza e conflito, em que a verdade não é dada e talvez jamais seja alcançada senão sob forma de verossimilhança”. Pensadores latinos, como Cícero e Quintiliano, também contribuíram no desenvolvimento dos estudos em relação à retórica, afirmando que ela é funcional. Ambos foram grandes advogados (50 d.C) e publicaram em suas obras, conhecimentos teóricos e práticos. Para os romanos, retórica era sinônimo de cultura quando os oradores passavam por


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sólida formação e a arte oratória estimulava o uso de expressões adequadas para não incorrer no uso do belo, mas falso. Esse povo considerava a retórica indispensável para o exercício da democracia, mediada por debates. O uso da retórica, também servia como um diferenciador cultural. Havia uma visível separação entre quem deveria falar, quem poderia ouvir e quem conseguiria compreender. Com o status adquirido dessa forma, a retórica foi aplicada em outros setores, como na política e se tornou matéria curricular nas escolas. Aristóteles (s/d) integrou a retórica numa visão sistemática do mundo. O sistema criado pelo filósofo grego sobreviveu séculos sem modificações; foi apenas complementado por outros estudiosos. O sistema é composto por quatro partes: invenção (heurésis, em grego), disposição (táxis), elocução (lexis) e ação (hypocrisis). Ele também esquematizou o princípio de uma discussão sobre o processo da comunicação afirmando que para ocorrer qualquer ato retórico é necessário possuir: orador - discurso - auditório. Essa organização se emprega até hoje, ampliando-se, o espectro de aplicação e os elementos contidos nessa tríade inicial. Na Grécia antiga, acreditava-se em três gêneros discursivos: o judiciário, que versava sobre o passado; o deliberativo ou político, que tratava de questões futuras e o epidíctico, relativo a questões presentes.

Aristóteles dizia que os gêneros dependiam dos tipos de

auditório, já que cada discurso se voltava para seu público. Ele afirmava que havia três tipos de auditório – tribunal, assembléia e espectadores – portanto, três gêneros. Os atos dos três discursos não eram os mesmos já que o judiciário acusava ou defendia, o deliberativo aconselhava ou desaconselhava e o epidíctico censurava ou louvava as ações de um homem ou categoria de homens. Da mesma forma, a argumentação utilizada pelos três não era a mesma. O judiciário se utilizava, principalmente, de deduções, o deliberativo preferia argumentar pelo exemplo e o epidíctico recorria à amplificação, na maioria das vezes. Para a aplicação nos gêneros, Aristóteles propôs ainda três tipos de argumentos: ethos e pathos, que eram afetivos, e logos, que representava o aspecto racional. O ethos compreendia o caráter que o orador deveria assumir para inspirar confiança no auditório. Já o pathos apresentava o conjunto de emoções que o orador devia despertar no auditório quando utilizava os sentimentos e as paixões para envolver o espectador. Por último, logos dizia respeito à argumentação do discurso, propriamente dita. Aristóteles (s/d) defendia que o uso racional (logos) explicitaria a explanação do discurso em si e o aspecto emocional, (ethos e pathos), serviria para criar uma atmosfera propícia para a ação do orador.

Aristóteles (publicado em 1967) distinguiu, também, outras duas classificações: o entinema, baseado em premissas (dedutivo) e o exemplo, que a partir de fatos passados conclui os futuros (indutivo). No esquema retórico, esse filósofo se referia ainda à


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organização interna do discurso denominada de “disposição”. A retórica clássica propunha vários modelos, compostos de duas a sete partes. O mais tradicional apresentava quatro partes: exórdio, narração, confirmação e peroração. O exórdio era o início do discurso, quando o orador se familiarizava com o auditório. Sua função era essencialmente fática com o objetivo de tornar o auditório dócil, atento e benevolente. Isso significava expor a questão que seria tratada e promover o interesse do auditório, fazendo com que se sentisse incluído no fato. Para o pensador grego, o termo constituiria a base de um discurso que seria capaz de persuadir, visto que a identificação entre o caráter do orador e da platéia está entre os elementos necessários para a persuasão. Mais do que conhecer o tema tratado, o orador precisa integrar aspectos de convencimento e emoção ao discurso. O ethos, ou seja, a capacidade de engendrar o âmbito emotivo no discurso é tão influente que “persuade-se pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão de o orador ser digno de fé” (ARISTÓTELES, 1998, p. 96). O ethos fica evidente por causa da forma como o orador se posiciona e projeta sua imagem perante a audiência. Entre os diversos personagens que na sociedade adquirem o poder de falar, estão aqueles que ocupam ou pleiteiam ocupar os cargos públicos. Em época de disputa eleitoral, reforça-se o interesse pelo que argumentam e defendem os candidatos. Apropriar-se da conceituação de ethos parece ser uma estratégia interessante para analisar as falas dos políticos, para tentar entender de que forma eles deixam transparecer características e quais delas podem ou não, gerar empatia com o público receptor. 2 ETHOS: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS O discurso é capaz de indicar os elementos que compõe a personalidade de quem fala. Proferir um discurso supera emitir palavras. Ao escolher expressões e encaixar frases, todo aquele que fala deixa suas marcas ideológicas e expressa a bagagem cultural e de experiências que originam um determinado discurso. Foucault explica que nenhuma fala é inédita ou original. Há elementos internos e externos que a delimitam. “A produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos” (FOUCAULT, 2009, p. 8). Para Foucault, esse fato significa que aquilo que se diz se enquadra em uma série de fatores que, por vezes, limitam o que se quer dizer, mas, ao mesmo tempo, indicam características marcantes dos oradores. Levando em conta essas premissas, torna-se possível


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indicar que o discurso se transforma, portanto, no lugar onde aquele que fala demonstra quem é, mesmo que o conteúdo do discurso sofra interferências externas e internas. Cada indivíduo tem o poder de expressar-se de forma diversificada. No entanto, em cada discurso que profere, o autor evidencia uma marca de si mesmo, seja em uma conversa informal, entrevista de emprego ou discurso engajado. A imagem do locutor está inscrita no discurso, conforme explica Amossy (2005), recorrendo aos trabalhos de Benveniste (1974), para quem o locutor é aquele capaz de efetivar a utilização da língua através da impressão das informações e das suas próprias características no discurso. As pesquisas de KerbratOrecchioni (1980), continuadora de Benveniste, identificaram a relação de dependência entre as figuras que dialogam: claramente uma aproximação com a premissa de Pêcheux sobre o “jogo de espelhos”, inevitável onde um discurso está inscrito. As duas partes estão envolvidas em um processo de comunicação no qual está em jogo “a imagem que eles fazem de si mesmos, do outro e que imaginam que o outro faz deles” (KERBRAT-ORECCHIONI, 1980, p. 20 apud AMOSSY, 2005, p. 11)5. Ou seja, há “personagens” diferentes que o locutor pode adotar no discurso, dependendo da forma como se percebe a situação. Para evidenciar ou perceber a personalidade do orador por meio dos discursos, utilizase para este trabalho, a conceituação de ethos. Considerado parte integrante do discurso desde a Retórica de Aristóteles, o ethos é a construção da própria imagem, da personalidade, pautada através daquilo que é dito. Tomado em sua unicidade, o vocábulo grego ethos se traduz como “caráter”. Contudo, quando associada à determinada corrente conceitual, a palavra adquire significações distintas. No caso da apropriação do ethos pela Retórica, de Aristóteles, o conceito se relaciona à capacidade de um locutor fazer com que os ouvintes adiram à sua causa, principalmente, por meio da boa impressão gerada por sua maneira de falar, de sua habilidade retórica. Diz respeito, portanto, à dimensão estilística e pode ser denominado ethos retórico. A maneira de dizer autoriza a construção de uma verdadeira imagem de si e, na medida que o locutário se vê obrigado a depreendê-la a partir de diversos índices discursivos, ela contribui para o estabelecimento de uma interrelação entre o locutor e seu parceiro. Participando da eficácia da palavra, a imagem quer causar impacto e suscitar adesão. Ao mesmo tempo, o ethos está ligado ao estatuto do locutor e à questão de sua legitimidade, ou melhor, ao processo de sua legitimação pela fala (AMOSSY, 2005, p. 17).

Maingueneau (2008) traz ainda conceitos e ideias de outros filósofos e linguistas na tentativa de delinear um conceito que reúna as principais noções de ethos. Para Cícero, o 5

KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. “L’Énonciation de La subjective dans le language”. Paris: Colin, 1980. In: AMOSSY, Ruth. Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005.


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ethos retórico deveria ser uma construção do enunciador e da pessoa fora do discurso e que as qualidades do orador também são construídas por qualidades como o timbre de voz, a animosidade e o humor. Para Declercq os signos da elocução e da oratória, indumentários ou símbolos, são igualmente elementos de construção de ethos. O ethos retórico se mostra no ato da enunciação, mas não necessariamente é dito no enunciado e se constitui por traços de caráter do locutor que devem causar boa impressão para os ouvintes. “Instrui-se pelos argumentos; comove-se pelas paixões; insinua-se pelas condutas: os ‘argumentos’ correspondem ao logos, as ‘paixões’ ao pathos, as ‘condutas’ ao ethos”. (MAINGUENEAU, 2008, p. 14). Ainda de acordo com o autor, “o ethos está crucialmente ligado à enunciação, mas há de considerar que o público constrói representações do ethos antes mesmo que ele fale” (MAINGUENEAU, 2008, p. 15). Diante disso, ele estabelece distinções entre o ethos prédiscursivo e o discursivo. O primeiro é um ethos construído pelo público por meio de representações do enunciador, antes mesmo que ele fale. Ele se completa e coincide com o ethos discursivo, ou seja, aquele revelado no momento da enunciação. Este, por sua vez, é uma relação entre o ethos dito – através do qual o enunciador mostra diretamente suas características, dizendo ser essa ou aquela pessoa. É criado através das referências diretas ao enunciador – e o ethos mostrado – que não é dito diretamente pelo enunciador, mas reconstituído através de pistas fornecidas no seu discurso. Está no domínio do não explícito. Assim, o ethos efetivo resulta da interação do ethos pré-discursivo (imagem que auditório faz do enunciador, antes mesmo que este último tome a palavra para si) e do ethos discursivo (que relaciona o ethos discursivo, por sua vez, engloba as noções de ethos dito e ethos mostrado) (MAINGUENEAU, 2008). Distinguindo a noção de ethos pré-discursivo e discursivo, Maingueneau (2008) aponta três prerrogativas que fazem com que a noção de ethos adotada por ele esteja inscrita na Análise do Discurso: - O ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso, não é uma ‘imagem’ do locutor exterior à sua fala; - ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro; - é uma noção fundamentalmente híbrida (sócio-discursiva), um comportamento socialmente avaliado, que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio-histórica (MAINGUENEAU, 2008, p. 18).

A mesma visão se encontra em Charaudeau (2008), que considera o ethos uma relação entre aquilo que é enunciado e aquilo que existe previamente à enunciação, sendo resultado de


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uma identidade dupla que se funde numa só: “o sujeito aparece, portanto, ao olhar do outro, com uma identidade psicológica e social que lhe é atribuída e, ao mesmo tempo, mostra-se mediante uma identidade discursiva que ele constrói para si” (CHARAUDEAU, 2008, p.115). Ainda de acordo com Charaudeau (2008), o ethos perpassa uma construção social. Inicialmente, funda-se na identidade social do locutor, ser legitimado e que tem direito à palavra. Por outro lado, essa identidade do sujeito passa por construções sociais que circulam em um dado grupo social e são configuradas como “imaginários sociodiscursivos”. Ou seja, o ethos está relacionado à percepção das representações sociais do enunciador. De fato, o ethos, enquanto imagem que se liga àquele que fala, não é uma propriedade exclusiva dele; ele é antes de tudo a imagem de que se transveste o interlocutor a partir daquilo que diz. O ethos relacionase ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro o vê. Ora, para construir a imagem do sujeito que fala, esse outro se apóia ao mesmo tempo nos dados preexistentes no discurso – o que ele sabe a priori do locutor – e nos dados trazidos pelo próprio ato de linguagem (CHARAUDEAU, 2006, p. 116).

Conforme explica Charaudeau (2008), a ação política age em prol do bem comum. Para chegar à ação, os agentes políticos ultrapassam diversas instâncias nas quais é necessária que aconteça a utilização da palavra, instaurando, inclusive, uma “luta discursiva na qual muitos golpes são permitidos [...], estando em jogo a conquista de uma legitimidade por meio da construção de opiniões” (CHARAUDEAU, 2008, p. 23). A linguagem e ação, no campo político, estão intimamente ligadas. Esse duplo poder obriga a instância política a encontrar uma maneira de dizer que não revele todos os projetos e objetivos da ação, mas que, em igual medida, não perde de vista que esse jogo de máscaras da ação pelo discurso é limitado por uma ética da responsabilidade. A palavra política deve se debater entre uma verdade do dizer e uma verdade do fazer (CHARAUDEAU, 2008, p. 23, grifos do autor).

Tem-se, portanto, a prerrogativa de que o discurso político – e aqui se comunga com as colocações do autor, para pensar estritamente no discurso eleitoral – costuma ser uma fala carregada de significado e intenções, pois a intenção é convencer os eleitores para torná-los aptos a destinar seu voto àquele candidato ou grupo político. No momento que os candidatos têm um espaço midiático reconhecido, com ampla divulgação e possibilidade de audiência, as falas devem ser eficientes para o fim a que se destinam: que é a tentativa de fazer o eleitorado aderir ao discurso e às propostas apresentadas, retribuindo esta escolha com o voto.


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Entre outros fatores, o conjunto de falas proferidas durante uma campanha aponta o sucesso ou insucesso do discurso e das possíveis futuras ações políticas, caso o objetivo seja alcançado. A ampla gama de discursos, presente em uma campanha eleitoral, refere-se a uma parcela do jogo político e de troca de poder na qual se baseia a democracia. Através da legitimação do voto, pessoas e/ou grupos de representação são escolhidos para fazer as escolhas pela maioria. A fala política exige, pois, que o locutor ultrapasse o nível da convicção e seja persuasivo. Isso significa que o discurso se dedica, também, a investir no aspecto emocional com o objetivo de gerar uma resposta rápida do público. É preciso agir de forma tão efetiva que ele se sinta disposto a dispor o voto ao enunciador. Entre as estratégias da enunciação utilizadas para alcançar estes objetivos, é que se encontra, de acordo com o autor, a utilização e a variação do ethos, como estratégia do discurso político. Charaudeau (2008) recupera a lógica proposta no jogo de espelhos, de Pêcheux, e na diferenciação entre ethos pré-construído e construído (discursivo e pré-discursivo) para mostrar como a identidade do orador está presente no discurso e que não parece ser possível separar o discurso da personalidade ou das ideias de quem fala. O ethos é bem o resultado de uma encenação sociolinguageira que depende dos julgamentos cruzados que os indivíduos de um grupo social fazem uns dos outros ao agirem e falarem [...]. É preciso acrescentar a recíproca, que diz que as maneiras de ser comandam as maneiras de dizer, portanto, as ideias (CHARAUDEAU, 2008, p. 118).

Essa conceituação permite, pelo menos, três inferências. A referência à imagem do orador denota, primeiramente, que o ethos relaciona-se muito mais com a ideia de visão, impressão, construção, do que com a de verdade. Nesses termos, entende-se que a noção de ethos pode prescindir da verdade do enunciado, mas não da capacidade de fazer a credibilidade de uma ideia por meio da enunciação (MAINGUENEAU, 2008). Em um segundo momento, a remissão ao auditório faz lembrar que o ethos discursivo inscreve-se sempre em um contexto de interação com finalidade essencialmente, persuasiva. Portanto, é sempre em função do ouvinte que o falante se expressa. No entanto, mesmo tendo uma intenção clara e podendo controlar o que e como é dito, não é possível assegurar a significação produzida pelo dizível. Em outras palavras, deve-se ter em mente que o ethos que se pretende mostrar não necessariamente, corresponde àquele que é apreendido pela plateia (MAINGUENAU, 2008). Além disso, é impossível separar o discurso daquilo em que se acredita, porque as falas possibilitam a construção de imagens sobre determinado locutor, o que configura a


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apreensão sobre o que representa o ethos. Também, há marcas específicas do ethos, e a construção da conceituação com base no que diz, como diz e como se apresenta o ator político “porque não há político sem que se possa crer em seu poder de fazer; suporte de identificação porque para aderir às suas ideias é preciso aderir à sua pessoa” (CHARAUDEAU, 2008, p.118). Charaudeau (2008) estabelece figuras identitárias do discurso político que se reagrupam nos ethé de credibilidade e identificação. 2.1 OS ETHÉ DE CREDIBILIDADE Segundo Charaudeau (2008, p.119), o ethé de credibilidade “é resultado da construção de uma identidade discursiva pelo sujeito falante, realizada de tal modo que os outros sejam conduzidos a julgá-lo digno de crédito”. Isso ocorre quando há condições de verificar se o que o enunciador diz corresponde ao que ele pensa e é aplicável, seguido de efeito. A credibilidade, portanto, é um poder fazer do enunciador, que deve se mostrar crível ou apresentar prova de que ele tem esse poder. A credibilidade exige as condições de sinceridade, performance e eficácia. Dentre os ethé de credibilidade, verificam-se: • O ethos de seriedade: são representações que cada grupo social faz sobre quem é sério e de quem não é. Envolve a capacidade de autocontrole, sangue-frio, tom firme de voz, elocução serena, entre outros. Esse ethos se constrói com a ajuda de declarações a respeito de si mesmo. Em sua face negativa, tem-se a representação da austeridade, do distanciamento, da altivez e da frieza e pretensão. • O ethos de virtude: construído ao longo do tempo, esse ethos insinua ao destinatário atributos que demonstram sinceridade, fidelidade, lealdade e honestidade. É uma resposta às expectativas fantasiosas dos cidadãos que, ao delegar poder a alguém, procura se representar por um modelo de retidão e honradez. • O ethos de competência: compreende qualidades de saber e habilidade; o locutor deve ter conhecimento profundo da atividade que o enunciador exerce. Esse ethos utiliza recursos invocados por herança, estudo, funções exercidas e experiência adquirida (CHARAUDEAU, 2008). 2.2 OS ETHÉ DE IDENTIFICAÇÃO


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Os ethé de identificação são os atributos que o enunciador comunica e provocam no receptor, um processo de identificação. Charaudeau (2008) alerta que essas imagens do político jogam com o lado emocional do cidadão. Além disso,

[...] essas imagens são destinadas a tocar o maior número de indivíduos, e viu-se que esse maior número é heterogêneo e vago, do ponto de vista dos imaginários. É a razão pela qual os políticos, conscientes disso, jogam com valores opostos, até mesmo contraditórios. (...) outras vezes, os políticos jogam com imagens deles mesmo que remetem tanto à vida política, ao definirem-se como personagem, como à vida privada, ao definirem-se como pessoa, com as duas imagens reforçando-se mutuamente (CHARAUDEAU, 2008, p. 137-8).

Os ethé de identificação são formados pelos: • Ethos de potência: remete a uma “força da natureza” e se verifica na energia física, na virilidade e na determinação da pessoa para agir. • Ethos de caráter: centrado nas forças do espírito; expressa-se pela vituperação (capacidade de bradar e vociferar), provocação (declarações que pressupõe uma explicações a posteriori), polêmica (pressupõe uma resposta na hora), advertência, força tranquila, controle de si, coragem, orgulho, firmeza e moderação. As figuras da coragem e do orgulho devem se direcionar para o bem comum e, para criar no destinatário que o bem o comum será conquistado pelo locutor; • Ethos de inteligência: se percebe pela maneira como o locutor fala e age e também, pelo que se apreende de seu comportamento. Procura provocar admiração e respeito dos indivíduos. Envolve as figuras de astúcia, malícia (jogo de insinuações que denotam sutileza de pensamento, sagacidade e perspicácia) e cultura • Ethos de humanidade: capacidade de demonstrar sentimentos, compaixão e emoções. Envolve figuras do sentimento, da confissão, do gosto e da intimidade. • Ethos de chefe: busca criar noções de sentir-se representado. Centra-se nas figuras do chefe-pastor (que agrega e conduz o povo); chefe-profeta (que garante aos seus seguidores a certeza de um futuro bom); chefe-soberano (fundado na legitimidade e nos valores para auferir ao locutor a posição de fiador dos valores); na figura do comandante (senhor da guerra, aquele que distingue o bem do mal), culminando no ethos de soberania sagrada (ele é capaz de perdoar)6 e o de autoridade humana (mesmo que venha a se arrepender depois, ele lutou pelo que considerava legítimo). 6

Em casos extremos, o soberano opta, também publicamente, pela recusa do perdão.


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• Ethos de solidariedade: demonstra a responsabilidade do enunciador pelas necessidades e bem-estar dos outros, de estar junto e não se distinguir dos demais membros do grupo e de se unir a eles, diante de um momento de adversidade.

3 ANÁLISE DO CORPUS Para indicar os prováveis ethé predominantes nos discursos dos candidatos à Presidência da República, em 2010, realizou-se uma análise por amostragem dos programas veiculados no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral,(HGPE) em televisão. O corpus se compõe pelos programas dos dias 17 de agosto (primeiro), 7 de setembro (central) e 30 de setembro de 2010 (último). Analisou-se o primeiro programa por ser a apresentação oficial do candidato na campanha eleitoral. É a impressão inicial provocada pelos elementos de linguagem que interagem e se complementam para auxiliar na construção publicizado do conceito do candidato. Depois, analisou-se outro programa, na metade do período destinado à propaganda eleitoral. No decorrer da campanha, o contexto se modifica em função dos fatos e do embate entre os candidatos, podendo gerar alguma alteração também, na imagem projetada. Encerrou-se a amostragem com a leitura do último programa, verificando como estava o posicionamento do candidato no final da etapa, do primeiro turno eleitoral. Para a realização das análises, todos os programas foram transcritos integralmente, citando quem efetuava a fala, por quanto tempo e ainda, com descrição das imagens e trilhas sonoras correspondentes. Com posse desse material, os analistas procederam ao estudo destacando quais os trechos dos programas indicavam o ethos, com sua respectiva classificação. Assim, passamos agora à análise empírica nos próximos capítulos. 4 REFERÊNCIAS AMOSSY, R. Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. ARISTÓTELES. A arte retórica e a arte poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. ARISTÓTELES. Topiques, livro I a IV. Trad. Fr. J. Brunschwig. Paris: Lês Belles-Lettres, 1967.


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ARISTÓTELES. Coleção os pensadores – I. 2a. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. AUTHIER-REVUZ, J. Heterogeneidade(s) Linguísticos, Campinas, n. 19, p. 25-42, 1990.

Enunciatiava(s).

Caderno

de

Estudos

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 2004. CHARAUDEAU, P. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2006. ________________. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2008. FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 2006. FOUCAULT, M.. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2009. GADET, F.; HAK, T. (org.) Por uma análise automática do discurso – uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 2ª. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1993. KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. “L’Énonciation de La subjective dans le language”. Paris: Colin, 1980. In: AMOSSY, Ruth. Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. MAINGUENEAU, D. A propósito do ethos. A propósito do ethos. In: MOTA, A.; SALGADO, L. (org.). Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. ORLANDI, E. P. Análise do discurso. Campinas: Pontes, 2000. REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. 2ª.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.


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O RAIAR DE UMA NOVA ESTRELA: uma análise do Ethos de Dilma Rousseff na campanha eleitoral de 2010 EL AMANECER DE UNA NUEVA ESTRELLA: una revisión del Ethé de Dilma Rousseff en la campaña electoral de 2010 THE DAWNING OF A NEW STAR: a review of the Dilma Rousseff Ethé election in the 2010 campaign

Lucas GANDIN1 1 INTRODUÇÃO Dilma Rousseff nasceu em Belo Horizonte, em 1947. É filha da professora Dilma Jane da Silva e do imigrante búlgaro, Pedro Rousseff. Frequentou o Ensino Fundamental do colégio Nossa Senhora de Sion, o Ensino Médio do Colégio Estadual Central de Belo Horizonte e cursou a Faculdade de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais. Aos 16 anos, começou sua militância política, ao fazer parte da “A Política Operária “(Polop), organização que teve origem no Partido Socialista Brasileiro, em 1961. Depois, integrou a “Colina e a VARPalmares”, organizações clandestinas, que lutaram contra a repressão do regime militar2. Em 1970, Dilma foi presa, torturada e condenada a dois anos e um mês de prisão, cumpriu, contudo, quase três anos de detenção. Em 1973, mudou-se para Porto Alegre onde reconstruiu a vida ao lado do marido Carlos Araújo, que também foi preso durante o governo militar. Três anos depois, nasceu sua única filha, Paula Rousseff Araújo e em 2010, o primeiro neto3. De 1985 a 1988 exerceu o cargo de Secretária Municipal da Fazenda de Porto Alegre. Também foi Secretária Estadual de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, entre os anos 1999 e 2002. Nesse mesmo ano assumiu o Ministério de Minas e Energia, onde permaneceu até 2005, quando foi nomeada Ministra-Chefe da Casa Civil, cargo que ocupou até 2010. Dilma ainda presidiu o Conselho de Administração da Petrobrás, entre 2003 e 20104. No Ministério de Minas e Energia ela implantou no Brasil, o programa “Luz Para Todos”, que levou energia elétrica para a população carente e para as áreas rurais do país. Já no

1

Jornalista, Relações Públicas e mestrando do Curso de Comunicação e Sociedade da UFPR. Integrante da Pesquisa “Gramática do Discurso Político e Eleitoral”, coordenador pela Dra. Luciana Panke. email: lucasgandin@yahoo.com.br 2 Informações retiradas da página oficial da candidatura de Dilma Rousseff. Disponível em: <www.dilma.com.br>. Acesso em: 26 nov. 2010. 3 Id. 4 Id.


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cargo de Ministra-Chefe da Casa Civil, coordenou o Programa de Aceleração do Crescimento 1 e 2 e o programa “Minha Casa, Minha Vida”5. Os três programas de Dilma Rousseff, escolhidos para a análise, veiculados pelo Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE),

foram produzidos com a participação de

determinadas personagens: locutores (pessoa que fala algum texto, no entanto, não aparece nas imagens), apresentadores, autoridades, populares, o Presidente Lula e a própria candidata. Todas esses personagens se configuram como locutores, no sentido conceituado por Ducrot (em BRANDÃO, 2004). Para essa análise, as falas desses personagens são consideradas enunciados de Dilma Rousseff e ela, a enunciadora do discurso. 2 O ETHOS PRÉ-DISCURSIVO DE DILMA ROUSSEFF Dilma Rousseff aparece ao público com alguns atributos. Sua carreira política como secretária de Finanças de Porto Alegre, secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, ministra de Minas e Energia e ministra-chefe da Casa Civil rendeu-lhe a imagem de uma pessoa técnica, apta para resolver problemas, mas, com pouco carisma perante os eleitores. Essa imagem lhe atribui um ethos de seriedade e competência, no entanto, a deixa aquém do ethos de humanidade, que lhe confeririam a representação de uma pessoa sensível. Além disso, os cargos políticos que ocupou foram em sua maioria, em âmbito regional, o que a define como alguém desconhecido ou pouco conhecido da população brasileira. Por isso, seu discurso político enfatiza sua biografia e carreira política, conforme se vê adiante. Diante dessa constatação, Dilma Rousseff sempre aparece acompanhada do presidente Lula, que atua apresentando-a a seu eleitorado e tentando transferir-lhe um pouco de seu carisma e popularidade, assim, obter para ela os votos de seus eleitores, conferindo-lhe um ethos de credibilidade. Dilma Rousseff também carrega a imagem de mulher, representante de uma parcela da população, muitas vezes, longe do centro de atuação política. Essa característica causa-lhe um descompasso: se por um lado, Dilma Rousseff é mulher e mãe, por outro lado, sua personalidade técnica lhe retira os atributos clássicos aplicados ao sexo feminino: fragilidade e maternidade, por exemplo. As imagens de ex-militante política, ex-guerrilheira lhe conferem um ethos negativo, usado pela oposição e adversários para apresentá-la como comunista e contrária aos valores e o moral cristãos da família e sociedade. 5

Id.


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Nos programas analisados, Dilma aparece sempre vestida com sobriedade e seriedade. As vestes são continuamente roupas sociais: ternos femininos, tailleurs, principalmente. Somente no último programa (30 set.) Dilma usa roupas mais casuais: calça jeans ou social, camisa e casaco. No primeiro programa (17 ago), a candidata aparece no extremo sul do país e, nessa ocasião, traja sobretudo e cachecol, ambos sóbrios. Nenhuma de suas vestes é de cores fortes ou brilhantes, pelo contrário, são todas opacas, de matizes diversos, desde o branco até o preto, que não ofuscam a imagem da candidata. De adereços, Dilma usa poucas joias, geralmente, brincos, colar de pérola e um relógio discreto. Sua maquiagem também é leve e discreta. Ao enunciar seu discurso, quer em cenas de estúdio ou externas, Dilma entoa uma voz firme, limpa e clara, cujo sotaque lembra uma mistura do dialeto mineiro e gaúcho, refletindo os lugares do Brasil onde morou. O enquadramento do vídeo em plano próximo na maioria das vezes, e em raros momentos, também se dá em close. Quando gesticula, os gestos são contidos e rápidos. 2.1 O ETHOS DISCURSIVO DE DILMA ROUSSEFF 2.1.1 Os imaginários Sociodiscursivos O discurso eleitoral de Dilma Rousseff trabalha com o imaginário sociopolítico brasileiro. Em toda sua história, o Brasil só teve duas mulheres no cargo máximo do executivo, Dona Leopoldina, enquanto princesa regente, na ausência do príncipe regente Dom Pedro, futuro Imperador do Brasil, e a Princesa Isabel, também como princesa regente, na ausência de seu pai, o Imperador Pedro II, ambas no período do Regime Monárquico e por curtos períodos (CASA IMPERIAL DO BRASIL, 2010). No Período Republicano foram 39 presidentes homens, incluindo os eleitos, os vices e os presidentes da Câmara dos Deputados que assumiram na ausência do Presidente, as Juntas Militares, as Juntas Governativas, excluindo-se os que foram eleitos e não tomaram posse (BRASIL, 2010). Assim, no imaginário sociopolítico do País, o Brasil é um lugar onde os postos máximos do Poder Executivo sempre estiveram a cargo dos homens. No primeiro programa da campanha, o discurso enuncia: “Lula está encerrando o mandato como o melhor presidente da nossa história. Inovou, rompeu barreiras, mudou o país. Não por acaso quer passar a faixa à primeira mulher presidente do Brasil” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10). Esse discurso é reforçado no segundo programa analisado, com a seguinte enunciação:


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[...] primeiros anos de 1500, uma índia se casa com o português Diogo Caramuru e inicia a formação de um povo novo e mestiço: o povo brasileiro – Catarina Paraguaçu. 1835: indignada com a escravidão, ela se engaja na luta dos malês pela liberdade – Luiza Mahin. 1877: ao romper barreiras ela partiu para reinventar a música brasileira – Chiquinha Gonzaga. 1888: uma mulher sanciona a lei que a abole a escravidão – princesa Isabel. Anos 30 e 40: uma mulher projeta a cultura e a alegria em todo mundo – Carmem Miranda. As mulheres ajudaram a mudar o Brasil. Com Dilma, o Brasil vai seguir mudando e sendo cada vez mais a nossa amada pátria mãe (ROUSSEFF, HGPE, 07/09/10).

Neste trecho, novamente o imaginário sociopolítico é trabalhado pelo discurso eleitoral de Dilma Rousseff; o enunciado demonstra que as mulheres estiveram presentes em momentos decisivos da história brasileira, mesmo que esses momentos estejam esquecidos na memória da população. Nessa fala, Dilma se projeta como uma mulher que também vai mudar a história brasileira. No último programa, a questão da mulher na política retorna no refrão da música que o encerra: “agora é Dilma / é a vez da mulher” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10). No final dessa apresentação, um clip com imagens evidenciando a diversidade cultural, social e regional do Brasil veicula trechos da primeira parte do Hino Nacional Brasileiro, ao ritmo de samba. Mediante a apropriação de um discurso pré-existente, Dilma atinge a identidade da população, fazendo todos os espectadores sentirem-se brasileiros e pertencentes a uma Nação e por isso, iguais a ela. A mudança de ritmo musical para o samba, estilo característico e que identifica o Brasil, é estratégica para fundar essa identidade nacional. Outra figura de imaginário sociopolítico presente no discurso de Dilma Rousseff é a maternidade. No programa do dia 17 de agosto ela fala: “esta é a grande lição de Lula, governar para as pessoas, com amor, coragem e competência. Foi assim que o Brasil mudou e vai seguir mudando. Quero fazer com cuidado de mãe o que ainda precisa ser feito” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10). Nos segundos finais dessa exposição, um clip musical corrobora essa figura: [...] deixo em tuas mãos, o meu povo e tudo o que mais amei, mas só deixo porque sei que vais continuar o que fiz. E meu país sair será melhor e o meu povo mais feliz do jeito que sonhei e sempre quis. Agora as mãos de uma mulher vão nos conduzir eu sigo com saudade, mas feliz a sorrir. Pois sei o meu povo ganhou uma mãe que tem um coração que vai do Oiapoque ao Chuí. Deixei em tuas mãos o meu povo (id.).

A questão da maternidade volta no último programa, em um depoimento popular feito por uma mulher branca e nordestina: “pai do povo é ele, eu espero que Dilma seja a mãe do povo” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10).


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Esses exemplos corroboram as ideias de Charaudeau (2008), ao lembrar que a questão da identidade do sujeito passa por representações sociais, que circulam em um dado grupo social e por isso, não pode ser separada das ideias, pois, nas palavras de Maingueneau, “as ideias são construídas por maneiras de dizer que passam por maneiras de ser” (CHARAUDEAU, 2008, p. 118). Ainda sobre os efeitos discursivos no imaginário social, Figueiredo et. al. (2000) expõe que, para convencer o eleitor, os candidatos constroem um mundo presente possível, parecido com o real, no qual projetam um mundo futuro possível. Nessa lógica, a estrutura discursiva descreve um mundo atual que melhor representa as condições sociais em que as pessoas vivem; descreve um mundo futuro, desejável para a maioria dos eleitores e aponta que a concretização desse mundo futuro, ocorre pela atuação do candidato enunciador do discurso. De uma forma simples, o jogo de persuasão se configura da seguinte maneira: para o candidato da situação, o mundo atual é bom e o mundo futuro será melhor; para o da oposição, o mundo real é ruim e o mundo futuro será bom. No discurso eleitoral, Dilma define o mundo atual como “estável, sem sustos e sem conflitos” e que está “no rumo certo” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10 e 30/09/10). Nesse mundo atual, “o Brasil mudou, tá bem melhor” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10), “o Brasil é respeitado” (id.), tornou-se um “país mais forte, justo e feliz” (ROUSSEFF, HGPE 30 set.) e que “está indo para frente” (id.). O Brasil atual “nunca cresceu do jeito que está crescendo agora”, “24 milhões de brasileiros já saíram da pobreza” e “31 milhões entraram para a classe média” (ROUSSEFF, HGPE, 07/09/10). O mundo futuro, projeto do discurso de Dilma, é aquele que vai continuar mudando, ideologia contida no lema de sua coligação. É um Brasil que “não quer e não pode parar”, que “vai seguir construindo esse Brasil novo, onde cabe, sem exceção, cada brasileira e brasileiro” e onde “saltos ainda maiores vão acontecer” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10). Será no mundo futuro que se partirá para “consolidar de uma vez por todas esse novo Brasil” (ROUSSEFF, HGPE, 07/09/10), que vai se tornar cada vez mais independente (id.). O Brasil será um país que “vai dar os passos que faltam” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10) para se tornar capaz de “acabar com a miséria e oferecer emprego, saúde e educação de qualidade para a atual e as futuras gerações” e “entrar no grupo das nações mais desenvolvidas do mundo” (id.). Para chegar a esse mundo futuro, é preciso “erradicar a miséria”, “investir cada vez mais na educação”, “investir corretamente em segurança”, “aperfeiçoar a saúde em todas as áreas”, “investir em infraestrutura com novas ferrovias, estradas, portos e aeroportos” e “apoiar fortemente o setor produtivo: indústria, agricultura e pecuária” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10),


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“fazer da Copa e das Olimpíadas um instrumento para transformar o Brasil numa grande potência esportiva e num país campeão de oportunidade para seus jovens” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10). Dilma Rousseff, por sua vez, é a garantia da concretização desse mundo futuro, pois ela é uma pessoa “a quem a gente dá uma missão e elas superam” e a “mais preparada para ser presidente do Brasil” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10). Dilma também é “a continuação do que Lula fez”, “ficará na história como a melhor presidenta do nosso país”, pois “a Dilma é a mais experiente hoje” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10). 2.1.2 Os ethé de credibilidade Dos ethé de credibilidade conceituados por Charaudeau (2008), o mais presente no discurso dos três programas analisados é o ethos de competência. A credibilidade da candidata se constrói por meio de atributos que demonstram lealdade e fidelidade, com a continuação da mudança iniciada no governo de Lula: “eu me orgulho tanto de ter participado de seu governo e quero continuar e fazer avançar sua obra” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10), “caso seja eleita não vou me afastar desse caminho” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10), todos produzindo o ethos de virtude. No ethos de competência, destacam-se suas experiências em cargos públicos, ou seja, dentro dos conceitos de Charaudeau (2008), um ethos que não lhe é inato, mas adquirido pela experiência: [...] tornou-se a primeira mulher a ser secretária de Finanças da prefeitura de Porto Alegre e depois secretária estadual de Minas e Energia. (...) a primeira mulher a ser ministra de Minas e Energia, presidente do conselho de administração da Petrobrás e ministra-chefe da Casa Civil. (...) Dilma coordenou todo o ministério e programas como o PAC, Minha Casa, Minha vida e Luz Para Todos (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10).

Os programas seguintes reforçam as competências de Dilma: “eu estou preparada para dar continuidade a eles [os projetos do governo Lula] e principalmente para fazer as coisas que precisam ser feitas” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10), “reafirmo meus compromissos com o povo brasileiro. Compromissos que só quem trabalhou lado a lado com o presidente Lula tem condições de cumprir”, “ela está pronta para manter o Brasil no rumo certo” (ROUSSEFF, HGPE, 07/09/10), “a Dilma é a mais experiente hoje, ela é a mais indicada e o Lula acertou” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10).


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Lula também reforça o ethos de competência de Dilma: “Dilma é assim. Ela foi a grande responsável pelas maiores conquista deste governo. (...) Ela é a pessoa mais preparada para ser presidente do Brasil” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10). Já o ethos de seriedade e o de virtude (CHARAUDEAU, 2008), pouco aparecem nesses três programas.

2.1.3 Os ethé de identificação Nos três programas analisados, Dilma sempre reforça seu compromisso de manter as conquistas do governo de Lula e de continuar mudando o país. O primeiro ethos de identificação aparece na tentativa de igualar Dilma a Lula: “votar na Dilma é votar em mim com a certeza de um governo melhor” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10) e na comparação de Dilma com as mulheres que mudaram a história do país: Catarina Paraguaçu, Luiza Mahin, Chiquinha Gonzaga, princesa Isabel e Carmem Miranda (ROUSSEFF, HGPE, 07/09/10). O ethos da candidata também se estabelece pela sua capacidade e determinação de agir: “renovo meu compromisso de lutar sem trégua para acabar com a pobreza extrema no Brasil”, “nossa meta é continuar a construir um país mais forte e mais justo. (...) Este é o meu sonho e com seu apoio eu seu que vou realizá-lo” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10), “[em um diálogo com Lula] você sabe melhor que ninguém como é preciso lutar para mudar o Brasil e como vai ser preciso lutar ainda mais para que nosso país siga mudando” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10). Nos três programas, o discurso de Dilma afirma e reafirma seu ethos de potência, em frases que se iniciam com “vamos seguir investindo...”, “vamos fazer...”, “vamos seguir em frente...”, “vamos criar...”, “vamos construir...”. Por fim, esse ethos se sintetiza assim: Dilma é a garantia de que o Brasil vai dar os passos que ainda faltam para se tornar um país sem miséria, um país pleno de emprego, um país capaz de oferecer saúde e educação de mais qualidade, um país que amplia cada vez mais o poder aquisitivo de sua população, um país que finalmente vai entrar num grupo de nações mais desenvolvidas do mundo. (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10).

Outro ethos visualizado no discurso de Dilma é o de humanidade: “Dilma nasceu numa família de classe média de Minas e bem jovem enfrentou e foi presa pela ditadura. Recomeçou a vida no Rio Grande do Sul, casou, tornou-se mãe” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10), “tentar


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atingir com mentiras e calúnias, uma mulher da qualidade de Dilma Rousseff é praticar um crime contra o Brasil e em especial contra a mulher brasileira” (ROUSSEFF, HGPE, 07/09/10), “igual a mim, a Dilma gosta dos pobres, respeita a vida, a paz, a liberdade e as religiões”, (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10). É interessante notar que a maioria dos enunciados que constroem o ethos de humanidade não advém da própria candidata, mas de um discurso apropriado de outrem, configurando a figura do locutor, proposta por Ducrot (BRANDÃO, 2004) e os conceitos de heterogeneidade de Authier-Revuzde (1990). A única enunciação de Dilma Rousseff ocorre em um trecho em que ela compartilha suas convicções, com a audiência: [...] renovo meu compromisso de, se eleita, governar com paz, amor e serenidade, de defender a democracia e a liberdade, de respeitar a fé, as religiões e as convicções das pessoas, de respeitar a vida na sua dimensão plena, de lutar para que o Brasil se torne um país de classe média com oportunidades para todos (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10).

Menos presentes, contudo, o discurso de Dilma constrói os ethos de caráter e de solidariedade. Em relação ao primeiro, verifica-se a autoatribuição do orgulho em enunciados como: “por isso eu me orgulho de ter participado do seu governo [de Lula]”, “eu acompanhei todos os projetos e estou preparada para dar continuidade a eles” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10); e a apropriação de elogios enunciados por outrem, como Lula, por exemplo: “tive uma chefe de governo maravilhosa, a Dilma”, “ela é grande responsável pelas maiores conquistas do governo” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10), “Dilma tem feito uma campanha elevada, discutindo propostas e ideias” (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10, 7 set.). No que tange ao ethos de solidariedade, Dilma mostra-se engajada para tornar o Brasil um país mais justo, livre da miséria e pobreza, onde todos os cidadãos têm oportunidades para se desenvolver: “podemos erradicar a pobreza muito antes do que se imagina”, “hoje crescemos e distribuímos renda ao mesmo tempo” (ROUSSEFF, HGPE, 07/09/10). A candidata atrai para si o compromisso de melhorar a vida dos brasileiros: “nossa meta é continuar construindo um país cada vez mais forte e mais justo. Um país onde todos possam se realizar e viver em paz, com sua família, a sua casa, a sua escola e seu trabalho” (ROUSSEFF, HGPE, 17/08/10) e de concretizar os sonhos desse povo: Este é um sonho [de ver o Brasil entre os países mais desenvolvidos] de várias gerações de brasileiros e brasileiras. Foi o sonho que me mobilizou desde sempre aqui em Belo Horizonte onde nasci, cresci e desenvolvi a convicção que o Brasil tinha tudo para ser um país mais justo, democrático e solidário. (ROUSSEFF, HGPE, 30/09/10,).


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Charaudeau (2008) lembra que na constituição do ethos de solidariedade, o político é conduzido a dizer o que ouve do povo. No trecho acima, não há marcas evidentes de que Dilma ouviu seus eleitores. Ao afirmar que ver o Brasil entre os países mais desenvolvidos é o sonho de várias gerações, a candidata demonstra uma sensibilidade maior em apreender um anseio ou uma vontade dos brasileiros, que não foi colocado sob a forma de um discurso mostrado. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio da análise desses três programas, pode-se inferir que o ethos de Dilma Rousseff se mantém constante. Numa construção contínua, no segundo e terceiro programa (07 e 30 de setembro, respectivamente), o discurso eleitoral da candidata reforça o ethos discursivo e pré-discursivo, enunciados no programa de 17 de agosto de 2010. É também interessante notar que esse ethos é enunciado e construído por diversas vozes dentro dos programas eleitoral de Dilma: pelo locutor, pela candidata, pelo presidente Lula e por depoimentos populares. Também se percebe a ausência do ethos de chefe e dos jogos de astúcia e malícia, ambas, figuras do ethos de inteligência. Possíveis explicações para isso podem estar no fato de que o ethos de chefe se relaciona mais com políticos exercendo cargos de liderança do que com candidatos, posto que é necessário que o político lidere um povo para realmente, emitir essa imagem. Com relação à ausência de astúcia e malícia, pode-se especular que a mensagem enunciada no discurso eleitoral de Dilma não objetiva esses jogos. Talvez, o único momento em que se percebe esse jogo de astúcia é o enunciado de Lula defendendo Dilma dos ataques da oposição, no programa do dia 7 de setembro. Nesse dia, Lula contra-ataca a oposição, enunciando um ethos de protetor de Dilma, que no mesmo discurso, ganha as características de frágil e injustiçada. No entanto, nos aproximadamente trinta minutos de programa (cada programa tem em média dez minutos), não se verificam outros jogos de astúcia. Talvez o grande objetivo do discurso eleitoral seja convencer e persuadir o eleitor a escolher o candidato que melhor represente seus ideais político-sociais e ofereça garantias de capacidade para tornar o mundo futuro, melhor do que o mundo atual. Por isso, é um discurso direcionado a toda a sociedade, o que justifica a possibilidade de encontrar a maioria dos ethos descritos por Charaudeau (2008), no discurso de um só candidato. Convencer ou persuadir o eleitor é criar nele simpatia e identificação e cada pessoa se relaciona com o político candidato de maneira única, própria e específica, ou seja, em sua subjetividade. Daí a necessidade de ele provocar nos eleitores, o maior número de imagens possíveis. Logo, o candidato sempre


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enuncia diferentes tipos de ethos, na tentativa de conquistar a maioria dos eleitores e garantir o sucesso de sua campanha. O caso que se analisou, comprova isso. 4 REFERÊNCIAS AUTHIER-REVUZ, J. “Heterogeneidade(s) Linguísticos, Campinas, n. 19, p. 25-42, 1990.

enunciatiava(s)”.

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SIMPLESMENTE “ZÉ” – OS ETHÉ DA CAMPANHA DE JOSÉ SERRA SIMPLEMENTE “ZÉ” – EL ETHÉ DE LA CAMPAÑA DE JOSÉ SERRA SIMPLY “ZÉ” – THE ETHÉ OF JOSÉ SERRA CAMPAIGN Jocelaine Josmeri dos SANTOS1 1 INTRODUÇÃO Candidato pelo PSDB ao cargo de Presidente da República, José Serra tem ampla atuação política, tendo sido Deputado Federal Constituinte (1987-1991), Deputado Federal (1991-1995), Senador (1995-2003), Secretário de Planejamento de São Paulo (1983-1986), Ministro do Planejamento e Orçamento (1995-1996), Ministro da Saúde (1998-2002), Prefeito de São Paulo (2005-2006) e Governador do mesmo Estado (2007-2010). Antes de 2010, Serra disputou a Presidência em 2002, quando perdeu no segundo turno, para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Enquanto ocupava o cargo de Governador de São Paulo, José Serra sempre adotou uma postura ambígua em relação à candidatura à Presidência. Ao mesmo tempo em que evitou evidenciar seu interesse pela presidência, Serra e seus aliados mais próximos continuaram trabalhando para viabilização de sua candidatura. Como consequência, foi anunciado como pré-candidato oficial do PSDB em dezembro de 2009, logo após a desistência de Aécio Neves, que também demonstrava interesse em disputar esse cargo. A candidatura oficial aconteceu em 12 de junho de 2010. Já o seu candidato a vice, o Deputado Federal Índio da Costa (DEM-RJ), só foi confirmado em 30 de junho, durante a Convenção Nacional do DEM. Antes dele, cogitou-se o nome do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), para completar a chapa encabeçada por Serra. 2 PROGRAMAS No primeiro programa analisado, exibido na noite do dia 17 de agosto de 2010, no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), Serra usou seu tempo basicamente para se apresentar aos eleitores, ressaltando sua carreira política e destacando suas ações na área de saúde. O programa começa com um clipe musical com 1

Jornalista e mestranda em Comunicação na Universidade Federal do Paraná.


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imagens de paisagens e rostos sorridentes. Em seguida, o candidato é apresentado destacando as suas ações na área da saúde. Mais de dois minutos são gastos para mostrar imagens antigas de Serra, sua formação e suas ações neste campo. A narração é em off, com eventuais imagens de Serra em contato com eleitores e também, com inserções de falas de simpatizantes. Em seguida, como se respondesse à indagação de uma eleitora, Serra aparece e fala pela primeira vez no programa. Seu discurso ressalta suas ações na área de saúde e o programa “Mãe Brasileira”, inspirado no “Mãe Paulistana”, realizado em São Paulo. Após a fala do candidato, usa-se novamente a inserção de um narrador em off para explicar esse e outros projetos na mesma área, implantados por Serra no governo de São Paulo. O tom é essencialmente pedagógico com abundância de números (para comprovar a eficácia do que já foi feito) e inserções do “fala cidadão”, com trechos de depoimentos de usuários, satisfeitos com as ações desse candidato como Governador de São Paulo. A frase inicial do clipe musical sugere o tom da campanha de Serra: ao som de um samba/pagode, o cantor em off entoa “Quando o Lula da Silva sair, é o Zé que eu quero lá” (SERRA, HGPE, 17/08/10). Essa letra sugere uma continuidade, como se fosse uma consequência lógica a transposição do governo de Lula para o de José Serra e também uma tentativa de apresentar um Serra simples, homem do povo, um “Zé”, tão próximo de seus eleitores quanto Lula. Essa estratégia de evitar o confronto direto com a situação pode causar confusão nos eleitores. Cria-se uma condição parecida com a de Serra nas eleições de 2002. Como aponta Fausto Neto (2003), naquela eleição esse candidato teve dificuldade em assumir seu papel de candidato da situação, o que de fato era, já que fazia parte da administração de Fernando Henrique, devido à baixa avaliação do governo junto ao eleitorado. Se assumisse categoricamente ser da situação, perderia a oportunidade de conquistar os votos de boa parcela da população que naquele momento, estava descontente com as políticas de FHC e que por isso, queria mudanças. Em 2010, a situação se repetiu. Mais uma vez Serra teve problemas em assumir seu lugar. Candidato da oposição, ele evitou se colocar, pelo menos nos primeiros programas, como candidato da oposição. Esse posicionamento se torna compreensível ao se recordar que a avaliação positiva do governo Lula, durante o período eleitoral, sempre se manteve acima dos 60% e a economia apresentava bons resultados. Essas


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constatações dificultaram a validação do discurso oposicionista de Serra e o levou ao perigoso caminho de se colocar praticamente, como um defensor e continuador da política adotada por Lula. Dessa forma, a campanha preferiu apresentar Serra como o melhor candidato para continuar os projetos e políticas públicas de Lula e não como o candidato com novas propostas e projetos. Essa postura explica em parte, a insistência de se fortalecer a imagem da competência de Serra. Charaudeuau (2008) lembra que para demonstrar essa competência normalmente, se enfatizam os aspectos como herança (política), estudos, funções exercidas e experiência adquirida. Esse fato aparece com frequência no primeiro programa de Serra. Um dos trechos, por exemplo, traz o seguinte texto em off: “Sabe esse garotinho aí?, Quem diria hein? Virou ministro da saúde. E lá em Brasília, vixe, esse menino trabalhou que só ele. O melhor da saúde foi no tempo do Serra” (SERRA, HGPE, 17/08/10). Na citação acima, além da valorização da competência de Serra, aparece outro elemento constante da campanha do candidato: a tentativa de humanização. Sobre esse tipo de ethos, Charaudeau enfatiza que demonstrar compaixão e interesse pelo sofrimento dos outros, é importante para os políticos. Mas tal sensibilidade não pode ser sinônimo de fraqueza e, portanto, deve aparecer em momentos específicos, como em visitas ou encontros com quem sofre, situações de dramáticas, entre outros. No programa de Serra, a própria preocupação enfática pela saúde, demonstrada pelo candidato, é viável de ser interpretada como uma tentativa de fortalecer esse ethos. O segundo programa analisado, exibido em 07 de setembro de 2010, também começa com um clipe musical mas sem nenhuma menção à Lula e já com um tom um pouco mais crítico. A letra da canção de abertura fala em “um povo que merece mais respeito, uma chance para crescer. Que merece mais cuidado, um futuro verdadeiro. Liberdade e independência para esse povo brasileiro” (SERRA, HGPE, 07/09/10). Deve-se ressaltar que esse programa foi exibido no dia da comemoração da Independência do Brasil, o que serviu como pano de fundo para boa parte do programa. Após o clipe, Serra aparece falando sobre a Independência. E, num trecho diz: O sonho da independência está na cabeça e no sonho de todos os brasileiros. É o sonho de um país melhor, mas também é um sonho pessoal, de construir a própria vida, progredir pelo mérito, subir passo


288 a passo e pelo próprio esforço, sem se aproveitar de ninguém. Para construir um Brasil assim, ainda temos muita luta, e muito trabalho pela frente. Tem muita coisa para resolver. Oportunidades de bons empregos, educação de qualidade, moradia decente. Saúde funcionando. Essa é a função do presidente e vai ser a minha (SERRA, HGPE, 07/09/10).

Em seguida, listam-se inúmeras obras e ações realizadas pelo candidato em mandatos anteriores, usando imagens de arquivo e texto em off. Em dado momento, o narrador resume a atuação de Serra no Ministério da Saúde como “O melhor ministro da Saúde que o Brasil já teve” (SERRA, HGPE, 07/09/10). Mais uma vez se enfatiza o ethos da competência de Serra. Ao final da listagem de suas ações, o narrador sintetiza as qualidades de Serra: “Este é José Serra. Preparo. Honestidade. Competência. Um governante testado nas urnas e aprovado pelo povo” (SERRA, HGPE, 07/09/10). Além dos ethos já vistos, nesse ponto vislumbra-se a tentativa de relacionar o candidato com a honestidade. Segundo Charaudeau (2008, p.122), trata-se do ethos de virtude “que exige do político demonstre sinceridade e fidelidade, a que se deve acrescentar uma imagem de honestidade pessoal”. Pode-se afirmar assim, que ao se autodefinir como honesto, Serra pretende passar a imagem de virtuoso. Essa busca por enfatizar a virtude compactua com o momento vivido pela campanha presidencial de Serra, quando intensifica o investimento em um discurso mais crítico. Se no primeiro programa a crítica ao atual governo era inexistente, na metade da campanha do segundo turno, adota outro tom, bem mais ofensivo. A parte final do programa do candidato é reservada para ataques diretos à principal adversária de Serra, Dilma Rouseff. O tempo exato de 1 minuto e 20 segundos, aparece de forma bem diferenciada em relação ao restante do programa. O cenário torna-se mais escuro, com cores e apresentador distintos. Uma fala de uma suposta eleitora criticando Dilma é colocada com recursos de proteção de identidade. A mulher aparece de boné, com o rosto nas sombras e voz alterada digitalmente, como se temesse sofrer represálias por sua alocução. Durante toda a inserção, Serra ou sua coligação não são mencionados em nenhum momento. Tem-se a impressão inicial de que esse trecho nem pertence ao programa de José Serra. Contudo, trata-se de uma estratégia que fortalece o ethos de virtude do candidato através da honestidade. Embora seja um ataque direto da campanha do candidato à


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Dilma, a estratégia adotada afasta Serra do ataque. É como se ele não fosse responsável pela crítica. Isso o exime de ser taxado de “desleal”, ao menos aparentemente. O último programa do primeiro turno, veiculado em 30 de setembro, mantém a fórmula de abrir o programa com um clipe musical. Dessa vez, a canção enfatiza “quando se conhece bem uma pessoa, logo se sabe se é gente boa. Com Serra essa certeza a gente tem, Serra é do bem, Serra é do bem” (SERRA, HGPE, 30/09/10). Nesse caso, a preocupação é trabalhar o jogo de oposição entre o dito e o não dito. Ao se colocar como “do bem”, Serra necessariamente aponta a existência de alguém “do mal”. Assim, ao mesmo tempo em que atua para fortalecer sua imagem, ele sutilmente, ataca seus adversários, desqualificando-os. Também é evidente a preocupação de Serra em enfatizar o ethos de humanidade. Ele aparece com a família, com depoimentos de sua esposa e filhos. Cenas de descontração e intimidade familiar mostram que Serra é como qualquer outro brasileiro que valoriza o ambiente familiar. Em dado momento, o candidato chega a ensaiar uma canção. Após esse período familiar, o narrador em off destaca quem é José Serra: “Esse é José Serra. Homem de mãos limpas. O irmão de fé com que compartilhamos nossas orações e nossas crenças” (SERRA, HGPE, 30/09/10). Propostas e histórico político são relembrados, sempre entremeadas por depoimentos de eleitores de diversas regiões do país. Depois é o próprio Serra que aparece e declara estar preparado para ser Presidente. “Você sabe o que eu penso e sabe que eu tenho capacidade de realizar e tirar as coisas do papel e transformá-las em benefícios” (SERRA, HGPE, 30/09/10). Resume, assim, a imagem a campanha tenta passar de Serra: um candidato preparado, competente, honesto e próximo da população. É interessante notar que mesmo uma análise breve da campanha de Serra permite visualizar as transformações durante o processo eleitoral. No início, poucas críticas e a ideia de continuidade estavam presentes. Já no meio da disputa, o tom mais combativo, verdadeiramente de oposição, mas, ainda assim, desvinculado da figura de Serra. Percebe-se que se destacam elementos que remetem aos ethos de competência, virtude e humanidade, embora outros ethos também apareçam. Em geral, apresenta-se Serra como um homem competente, honesto, com larga experiência política e que por isso, é a melhor opção para os eleitores.


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3 REFERÊNCIAS CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. Traduzido por Fabiana Komesu e Dilson Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2008. GOMES, Wilson. Transformação da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus. 2004. HORÁRIO GRATUITO DE PROPAGANDA ELEITORAL. “Serra Presidente”. Brasil: Comitê Eleitoral de José Serra, 17/8/2010. Disponível em: < http://www.youtube.com/user/JSerra2010>. Acesso em 20 de setembro de 2010. ___________.”Serra Presidente”. Brasil: Comitê Eleitoral de José Serra, 7/9/2010. Disponível em: < http://www.youtube.com/user/JSerra2010>. Acesso em 20 de setembro de 2010. ____________.” Serra Presidente”. Brasil: Comitê Eleitoral de José Serra, 30/9/2010. Disponível em: < http://www.youtube.com/user/JSerra2010>. Acesso em 20 de setembro de 2010. FAUSTO NETO, Antônio. “Entre os cruzamentos de sentido”. In: FAUSTO NETO; RUBIM (orgs). Lula Presidente: Televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo: Hacker. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2003.


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MARINA, A TUA PROPAGANDA QUE ETHOS PINTOU? ¿MARINA? ¿QUE ETHOS PINTÓ TU PUBLICIDAD? MARINA, WHAT ETHOS APPEARES IN YOUR ADVERTISING? Claiton César CZIZEWSKI1 1. INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é detectar qual ethos discursivo prevalece na propaganda política da candidata à presidência da República do Brasil, Marina Silva, veiculada durante o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE). A análise contempla três peças publicitárias, de um minuto e 28 segundos cada, exibidas em rede nacional de televisão nos dias 17 de agosto, 7 de setembro e 30 de setembro de 2010, respectivamente, a partir das 20 horas e 30 minutos. O problema a ser investigado se impõe a partir da concepção de que o ethos discursivo resulta de uma construção, ao mesmo tempo, linguística e psicossocial dinâmica, que não cessa, posto que é sempre atrelada às circunstâncias de produção de enunciados e da consequente enunciação dos mesmos. Da mesma forma, entende-se que vários ethé coexistem no mesmo discurso de um mesmo falante, mas que a imagem que se cristaliza por meio desse ato comunicativo guarda marca profundas de uma tipologia específica. Ao definir “candidatura” como um “desvio para que as pessoas se livrem do pior”, (KATTAH, 2010, p.18) Marina Silva é peça fundamental nas eleições majoritárias brasileiras, de 2010. Representando o Partido Verde (PV) pelo Estado do Acre (AC), a senadora tem como adversários diretos a petista Dilma Roussef – sucessora natural do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, cujo índice de aprovação popular supera 80% - e o candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), José Serra. De início, parece que o cenário é, de fato, desfavorável à Marina Silva. Afora, o favoritismo de Dilma e a tradição política de Serra, pesam contra a candidata do PV sua relativa curta trajetória parlamentar – elegeu-se, pela primeira vez, em 1988, como vereadora da capital acreana, Rio Branco; a inexpressividade de seu candidato a vice – o executivo Guilherme Leal – e uma plataforma basicamente restrita às questões ambientais (MINHA MARINA, 2010). Mas os dois principais candidatos também apresentam elementos desabonadores. Dilma é alvo de críticas por nunca ter tido cargos eletivos, apenas de nomeação, e por não 1

Jornalista e mestrando em Comunicação na UFPR, na linha de pesquisa em Comunicação, Educação e Formações Socioculturais.


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desvincular sua imagem à de Lula.

Serra lança-se candidato depois de um período de

indefinição partidária sendo, muitas vezes, ofuscado pela possível candidatura de Aécio Neves. Nesse contexto, Marina deixa clara sua objeção às ideias defendidas pelo Partido dos Trabalhadores – ao qual já fora filiada -, mas também ressalta que não se aproxima da plataforma tucana. Fugindo ao jogo maniqueísta entre situação e oposição, declara-se como a candidata da sucessão, aquela que irá promover uma nova forma de governar o Brasil (MINHA MARINA, 2010). O argumento parece gerar um saldo positivo: começa uma campanha via internet, feita por “ativistas independentes” (RIOS, 2010), que fazem com que a popularidade de Marina suba. O crescimento é atestado pelos institutos de pesquisa (SOUZA, 2010).

Nem a

controvérsia que se instaura quando temas como a legalização do aborto e a união civil entre homossexuais dominam o debate entre os presidenciáveis - exigindo de Marina, evangélica, uma articulação delicada – a situação é suficientemente forte para abalar a “onda verde” que se derrama sobre uma fatia – ainda numericamente indefinida – de brasileiros. Em 3 de outubro, dia da votação, uma surpresa: a candidata do PV, que durante a campanha oscilou entre 7% e 13% das intenções de voto, conquista quase 20% do eleitorado (TSE, 2010). Assim, mesmo ficando na terceira colocação, leva o pleito ao segundo turno. Quem vai conquistar os votos destinados à Marina Silva é a indagação que dá a tônica ao momento seguinte da disputa. Estrategicamente, Marina não declara apoio nem a Serra nem a Dilma, com quem se desentendeu quando Ministra do Meio Ambiente, ainda sob a sigla petista, entre 2002 e 2005 (MINHA MARINA, 2010)2. 2 PROGRAMA 1: “MARINA ALERTA PARA AQUECIMENTO GLOBAL” O exame do material empírico pretende identificar qual ethos discursivo prevalece durante o tempo de exposição da candidata ao eleitorado brasileiro que a ela assiste pela televisão. Uma vez que se trata de ethos discursivo, a enunciação tem um papel fundamental na investigação. Contudo, conforme exposto na seção anterior, o ato enunciativo não se limita ao enunciado. Ele contempla, dentre outros, postura corporal, gestualidade, tom e modulação de fala e vestimenta (DECLERCQ, apud MAINGUENAU, 2008).

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Na ocasião, ela demitiu-se do cargo e filiou-se ao Partido Verde (PV). Antes, contudo, quando um caso de corrupção envolveu membros do seu partido de então, o famoso “Mensalão”, permaneceu no PT. O fato foi usado como indicativo de contradição por seus adversários, durante a campanha.


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Partindo do princípio de que todas as formas de linguagem originam-se de uma matriz verbal, visual e/ou sonora (SANTAELLA, 2001) e considerando que as mensagens analisadas são de natureza audiovisual, categorias como figurino, maquiagem, cores e trilha sonora também devem ser contempladas. Propondo “um novo jeito de fazer política” (PROGRAMA NACIONAL DO PARTIDO VERDE)3, a candidata à presidência Marina Silva (PV – AC) inova já no programa inaugural do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE). Na contramão da tradição, que reserva à estreia uma mensagem biográfica, a propaganda do dia 17 de agosto de 2010, intitulada “Marina alerta para o aquecimento global”, privilegia a principal meta do Partido Verde: o desenvolvimento sustentável. A peça estrutura-se a partir de um texto lido em off4 por Marina Silva e ilustrado por um clipe com imagens do planeta Terra, de mares e de biodiversidade contrastando com cenas de poluição, inundações e solo árido. Só nos últimos cinco segundos, Marina aparece no vídeo dizendo: “eu sou Marina Silva, candidata à presidência do Brasil” (MARINA, HGPE, 17/08/2010). Tal fato permite inferir um atributo estratégico que, por meio da proximidade, parece ligar o nome “Marina Silva” à característica de “ser sustentável”. O predomínio da impessoalidade, que põe o projeto de sustentabilidade à frente de sua proponente, pode ser entendido como indicativo do ethos de seriedade. Afinal, assim, a candidatura de Marina Silva parece justificar-se por uma preocupação com o futuro da nação e não por mera ambição pessoal. A linguagem documental da composição; o tom brando e constante da narração de Marina; a sobriedade com que ela se expressa e se veste - sorridente, usa uma blusa preta de mangas longas, com cabelos presos em forma de coque e uma maquiagem leve - corroboram a imagem de candidata séria. No entanto, ao lançar mão de inúmeros dados para a construção do texto, ela traz um conjunto de argumentos contundentes, os quais evidenciam que ela tem domínio e conhecimento sobre questões ambientais. Como exemplo, tem-se o trecho abaixo, [...] nos últimos 50 anos, a Terra mudou mais do que em todas as gerações anteriores da humanidade. O uso de combustíveis fósseis para gerar energia bombeia nossas esperanças e ilusões. Com o carbono liberado, o planeta está aquecendo. Os olhos da ciência estão voltados para os pólos que estão degelando (MARINA, HGPE, 17/08/2010).

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Disponível em: <www.minhamarina.org.br> Sem aparecer no vídeo, apenas se fazendo audível.


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Ao se mostrar detentora de inúmeras informações a respeito da biodiversidade mundial, Marina passa a ideia de competência. Mas, se ela demonstra saber o que diz, não se mostra igualmente propositiva quanto ao que fazer concretamente, para mudar o cenário ambiental atual. Já quando conclama o eleitorado brasileiro para a ação, a candidata denota disposição para o trabalho – o que reforça o ethos de seriedade -, conforme pode ser observado em: [...] nós precisamos parar o ciclo de destruição que já está acontecendo. Um rio em cada dez já seca em algum período do ano. A falta de água deve afetar dois bilhões de pessoas no mundo. Mas nós não estamos mudando nossos hábitos. E nós precisamos mudar agora. O Brasil tem um papel fundamental nesse processo de reequilíbrio do planeta. É possível desenvolver sem destruir, isso é ser sustentável (MARINA, HGPE, 17/08/2010).

Nota-se que a fala é feita na primeira pessoa do plural. A candidata apela para uma mudança de comportamento coletiva, que também tributa ao Brasil, afastando com isso, mais uma vez, a tendência ao personalismo. Diante do propósito deste trabalho e do exposto até aqui, entende-se que a primeira propaganda de Marina Silva no HGPE, apresenta prevalência do ethos de seriedade. Se os ethé de credibilidade não se concretizam plenamente é porque a falta de clareza sobre o como fazer, prejudica a noção de competência no sentido aqui utilizado. Da mesma forma, ainda que a preocupação com os recursos naturais seja um atributo louvável, não se observa, no material analisado, marcas consistentes de virtude, tal como ela é considerada nesta pesquisa. Finalmente, vale observar duas outras preocupações constantes no programa inaugural da candidata do Partido Verde: a primeira é a de aproximar as informações da realidade do espectador, como em: “se nada for feito imediatamente, os oceanos vão subir sete metros, ameaçando cidades como Rio de Janeiro, Recife e Florianópolis” (MARINA, HGPE, 17/08/2010). Já a segunda diz respeito ao uso de um tom poético, que se interpreta como uma estratégia para amenizar o realismo perturbador da linguagem do texto. O início da mensagem lida por Marina, por exemplo, aparece revestido de uma aura mágica, mística: “nosso planeta Terra é um milagre. Aqui, a natureza demorou quatro bilhões de anos para criar a incrível diversidade e o equilíbrio da vida, mas esse equilíbrio é muito frágil, fácil de ser quebrado. E é isso que estamos fazendo” (MARINA, HGPE, 17/08/2010). O período indica que a mensagem é de apelo ao pathos, impressão confirmada tanto pela já citada oração “o uso de combustíveis fósseis para gerar energia bombeia nossas


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esperanças e ilusões”, quanto pela trilha sonora que acompanha toda a elocução do texto, uma vez que ambas sugerem suspense, apreensão e medo. Contudo, não se pode esquecer que os argumentos expostos pela candidata- os quais, reitera-se, ajudam a configurar a ideia de competência – têm uma natureza predominantemente racional. Dessa forma, com base no aporte teórico de Charaudeau (2008) e Mainguenau (2008), infere-se que a enunciação de Marina e o tom documental da mensagem giram em torno do logos e do pathos, paralelamente. 3. PROGRAMA 8: “CORRUPÇÃO É O MAIOR DOS DESPERDÍCIOS” O oitavo programa de propaganda eleitoral de Marina Silva exibe um maior investimento na humanização da candidata que, na edição analisada anteriormente, mostra-se mais próxima do perfil de uma técnica especializada em questões ambientais do que de uma gestora pública. Logo de início, o telespectador é interpelado por um texto, narrado por um locutor em off: “você sabia que Marina Silva foi a senadora mais jovem da história do Brasil”? (LOCUTOR PV. In: MARINA, HGPE, 07/09/2010). A informação além de dizer respeito estritamente à vida pública da candidata, que, até então, optara pela impessoalidade5, endossa as características de seriedade e competência, representadas na precocidade do fato. Em seguida, aparece o ator Marcos Palmeira6, que diz: “nós precisamos de uma pessoa como a Marina Silva pra governar o país. Ela sabe como fazer para o Brasil continuar crescendo, mas sem destruir as nossas riquezas naturais. Vamos levar a Marina para o segundo turno” (PALMEIRA, In: MARINA, HGPE, 07/09/2010). Ao enfatizar que “[...]Ela sabe como fazer para o Brasil continuar crescendo, mas sem destruir as nossas riquezas naturais”, o ator serve de fiador7 da competência da candidata. Um selo do partido, todo verde, cobre a tela como efeito de transição. Na sequência, aparece Marina Silva. Mais uma vez fugindo ao óbvio, a candidata não faz nenhuma referência direta à Independência do Brasil, celebrada naquele dia. Ela inicia falando sobre desperdício. O Brasil está entre os dez países que mais desperdiçam comida no mundo. São dez milhões de toneladas de alimentos perdidos que poderiam alimentar mais de 35 milhões de pessoas. Somos o país do desperdício. É água tratada 5

Pode-se entender o uso da voz do locutor, em vez da locução da própria candidata, como mais uma maneira de fugir ao personalismo 6 Também cineasta e engajado nas causas ecológicas e indígenas. 7 Espécie de corpo físico e psicológico que encarna as ideias e valores que propaga.


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que se perde antes de chegar na sua torneira. Produtos que gastam energia à toa. Lixo que poderia ser reciclado. Tempo perdido no trânsito... (MARINA, HGPE, 07/09/2010).

A fala de Marina, articulada em torno de dados estatísticos e empíricos (logos), reafirma seu profundo conhecimento a respeito do uso dos recursos naturais, ratificando as características que ela mais explora em seu programa de estreia: a seriedade – expressa no comedimento e na serenidade com que se apresenta – e a competência – no sentido da capacidade intelectual e técnica. A propaganda segue com a seguinte declaração: “mas o pior de todos os desperdícios é a corrupção” (MARINA, HGPE, 07/09/2010). Nesse momento, a candidata sai de cena, e animações computadorizadas tomam a tela. A narração, na voz de Marina, prossegue em off: “É um absurdo pagar por uma ambulância o valor de três. Construir pontes onde não tem estrada ou pagar por exames de saúde que não foram feitos” (MARINA, HGPE, 07/09/2010). Ao considerar a situação “um absurdo”, ela denota indignação, prerrogativa do ethos de caráter e um dos ethé de identificação. Quando reaparece, no centro do vídeo, a então postulante ao cargo de Presidente da República diz: [...] ainda temos o desperdício dos governos ineficientes e inchados. Nós não vamos criar mais ministérios nem órgãos federais desnecessários. Vamos dar transparência a todos os gastos públicos, para que a população possa acompanhar para onde vai cada centavo. Esse é o Brasil que queremos. Eficiente e sem desperdício (MARINA, HGPE, 07/09/2010).

Essa fala, uma promessa de campanha no sentido estrito, sinaliza uma aproximação ainda maior com os ethé de credibilidade - a começar pela manifestação do desejo de eficiência, ligada à noção de competência; passando pela menção à transparência no que se refere aos gastos públicos, a qual indica honestidade, componente do ethos de virtude. Entretanto, começam a se esboçar traços dos ethé de identificação. A enunciação se dá em um tom de voz de contundência média. Marina, que não sorri, usa as mãos e expressões faciais que acompanham a entonação e a pontuação do texto e demonstra indignação, mas de forma moderada. Aqui, pode-se localizar a “força tranquila”, englobada pelo ethos de caráter. Mais uma vez, a candidata pronuncia-se na primeira pessoa do plural, afastando qualquer marca de personalismo. Também permanece a simultaneidade entre logus e pathos. Ao associar o tema do desperdício - concernente à temática da sustentabilidade - à corrupção, Marina Silva parece referir-se, então, ao Brasil independente, denunciando uma de suas mais


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graves mazelas. O expediente indica a malícia no jogo entre ser e parecer, que caracteriza o ethos de inteligência. Em termos de ethos, enfim, entende-se que, na segunda propaganda analisada, os ethé de credibilidade são tanto mantidos quanto reiterados, principalmente, pelos indícios de sinceridade, do ethos de seriedade (sobretudo no que tange à postura comedida, ao autocontrole, à disposição para o trabalho e à discrição) e do ethos de competência (embora, os fins pareçam mais fáceis de serem apreendidos do que os meios). Ao prometer transparência, conforme já dito, Marina Silva traz à tona um ethos até então difuso: o de virtude. Afinal, o apelo à lisura quanto aos gastos públicos significa honestidade. Aqui, aparecem elementos dos ethé de identificação, essencialmente ancorados no ethos de caráter e no de inteligência. Um exame mais acurado de dados sonoros, visuais e de indumentária auxilia a melhor compreender essa asserção. No que concerne à visualialidade, destaca-se o uso das cores. A entusiasmada colaboração de Marcos Palmeira, que veste branco, é feita sob um fundo virtual da mesma cor, que lembra paz e amenidade. Na tela, o ator divide espaço com o que texto que ele próprio diz. Grafada em preto, a composição visual destaca o nome e as qualidades de Marina Silva fazendo uso da cor do partido da candidata: verde. Durante o pronunciamento de Marina, o fundo virtual exibe, alternadamente, as cores branca e preta. No início, o fundo é branco, e os traços dos desenhos virtuais projetados atrás da candidata, pretos. Depois, a combinação é invertida, gerando um efeito semelhante ao do giz sobre o quadro negro. Além de maior dinamismo, essa alternância de coloração oferece alguns elementos significativos: quando problemas são apontados, o preto prevalece sobre o branco, sugerindo negatividade. Quando se promete transparência, o branco sobrepuja o preto, indicando limpeza. O mesmo efeito de sentido se encontra na roupa usada por Marina nesse dia. Ela veste blazer cinza, coloração resultante da combinação entre branco e preto. Vale ressaltar que, embora o cabelo continue preso em forma de coque, a maquiagem é mais acentuada, evidenciando uma maior preocupação com a estética pessoal da candidata, diferentemente do visto no primeiro programa.

A permanência de roupas de cor escura, por sua vez,

provavelmente, remete à gravidade do enunciado. Ainda no que se refere às cores, o efeito do giz sobre o quadro negro insinua uma conexão com a educação ou a reeducação (mudança de hábitos), duas bandeiras da campanha de Marina Silva. No conjunto, esse leque de estratégias aponta para a malícia, característica do ethos de inteligência.


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Na mesma linha de raciocínio, a já referida saída da candidata do vídeo, em determinado momento, se interpreta como indicativo de que ela não faz e não quer fazer parte do cenário de corrupção que denuncia. Tanto que, quando retorna, é para defender a eficiência e a exploração consciente dos recursos. Ao contrapor obscuridade e transparência, em uma atitude que aponta para a cidadania, Marina Silva denota um ethos de virtude e de caráter, a partir, principalmente, de indicativos de honestidade, como a não criação de órgãos públicos desnecessários e a lisura do orçamento público. Finalmente, destaca-se que, nessa segunda peça, Marina inicia uma discreta aproximação com o ethos de solidariedade. O colar de pequenas contas artesanais, usado tanto por ela, quanto por Marcos Palmeira e a trilha sonora contagiante, à base de batuques, que acompanha o depoimento do ator, remetem à cultura indígena da região amazônica, terra da candidata, indicando pertencimento e comunhão com o povo daquele local. 4. PROGRAMA 18: “ A PORTADORA DE UM SONHO” A última propaganda eleitoral analisada é, justamente, a exibida no último dia da campanha eleitoral do primeiro turno – 30 de setembro de 2010. Trata-se da peça publicitária que mais utiliza elementos de apelo emocional ou pathos - a começar pelo título “a portadora de um sonho” -, e da única que mostra a prevalência do uso da primeira pessoa do singular. Na tentativa de ostentar, de fato, um ethos de solidariedade, Marina Silva recorre a diferentes públicos. Primeiro, refere-se à sua origem de mulher seringueira. Depois, ressalva que também representa o jovem; e, na tentativa abarcar todas as faixas etárias, declara que quer unir tradição e modernidade, coadunando ainda um discurso de continuidade com o outro, de desafios, conforme o seguinte trecho: [...] eu venho do Brasil profundo, do povo trabalhador, dos bairros e das comunidades, das mulheres que sustentam a casa e mantêm a família unida, do agricultor, do seringueiro. Mas eu represento também o Brasil jovem, que sonha com as oportunidades do século XXI, que navega na tecnologia e que vence no mundo com ciência e cultura. Eu quero unir a tradição com a modernidade, o idoso e o jovem, as conquistas do passado e os desafios do futuro (MARINA, HGPE, 30/09/2010).

Novamente, falando sobre sonhos, confirma sua visão otimista quanto ao futuro, reiterando a necessidade do uso inteligente das riquezas naturais:


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[...] eu vejo uma nação de economia forte, que usa as riquezas naturais com inteligência. Eu vejo uma revolução na educação, com novas oportunidades para a juventude. Eu vejo um país livre, onde a lei é para todos e a política é limpa, porque o povo tem poder e cuida do país. Eu sei que esse sonho é possível, porque ele está no coração de todos (MARINA, HGPE, 30/09/2010).

Apesar da referência anterior à continuidade e ao idoso, a candidata vislumbra uma revolução, cuja maior beneficiária será a juventude e insiste na necessidade de uma política limpa. Suas expectativas quanto ao futuro parecem enquadrá-la, finalmente, na categoria de guia-profeta. No entanto, uma vez que sua imagem aparece bastante arraigada à causa ambiental – índice de soberania -, não se pode precisar qual ethos de chefe se sobressai nesse discurso. Tal impossibilidade se torna ainda maior ao se considerar que, mais que neutralizador do personalismo, o uso recorrente da primeira pessoal do plural – encontrado principalmente, nas peças anteriores - denota uma atitude de agregação, indicativa do guiapastor. A fala final de Marina Silva gira em torno do pathos. Ela retoma o sonho, o coração e o “amor ao Brasil”; evoca Deus, agradece a seus eleitores e, mais uma vez, acena em direção ao futuro. Enfim, pede votos, como uma verdadeira candidata a cargo eletivo: [...] daqui a três dias, cada um de nós vai ficar sozinho diante da urna com seu sonho e sua consciência. Eu peço o voto do seu coração. Agradeço a Deus por viver esse momento. Agradeço a todos vocês por ter chegado até aqui. E quero convocar todo mundo para seguir adiante e decidir o futuro por amor ao Brasil (MARINA, HGPE, 30/09/2010).

Cabe salientar que, nesse dia, Marina veste blazer branco – cor amena, conforme o tom da propaganda8 -, usa o já característico colar de contas na mesma cor e o cabelo preso em forma de coque. A maquiagem é mais acentuada, assim como a preocupação com a estética pessoal da candidata, tal qual na peça exibida em 7 de setembro. Marina fala em tom de voz cordial e sorri. Ao fundo, um cenário virtual repleto de paisagens naturais – remontando à temática ambiental - e uma trilha sonora que sugere ternura, sentimento que transparece em seu pedido.

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Trabalha-se com o pressuposto de que a cor do figurino da candidata está sempre em consonância com o conteúdo da mensagem que ela passa. Caso o raciocínio proceda, há contradição na propaganda de estreia. Afinal, se Marina Silva “veste a camisa” da sustentabilidade - conceito tido como positivo - não deveria estar usando, em seu primeiro programa do HGPE, uma blusa de cor preta, que denota negatividade.


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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Comparando as três peças analisadas percebe-se, com alguma nitidez, que a primeira está mais voltada à afirmação da seriedade e da competência de Marina Silva. Enquanto isso, a segunda acrescenta-lhes, o ethos de virtude -, uma vez que a candidata condena o desperdício e prega a transparência no uso dos recursos públicos -, e de inteligência -, expresso pelos efeitos de sentido gerados a partir da manipulação de elementos visuais, tais como as animações computadorizadas e o jogo entre cores. A terceira e última peça, mostra uma Marina mais humanizada, solidária, cujas aspirações e predicados permitem ver, em sua figura franzina, ainda que de maneira menos nítida, traços distintivos que oscilam entre o profeta, o pastor e o soberano. De acordo com as contribuições de Charaudeau (2008) e Mainguenau (2001; 2008), considera-se que prevalece o ethos de seriedade, pois essa candidata apresenta, ao longo dos três programas, todas as prerrogativas concernentes a essa construção; entre as quais, citam-se a postura corporal comedida, o autocontrole emocional e a disposição para o trabalho. Se os ethé de credibilidade, do qual tal ethos faz parte, não se concretizam plenamente é porque falta à candidata uma posição mais propositiva quanto aos meios que pretende empregar na realização dos fins que persegue. Quanto aos ethé de identificação, avalia-se que embora ela tenha demonstrado certa malícia, isso se deu de forma pontual – somente na edição do dia 7 de setembro. A mesma percepção de insuficiência se dá quanto ao ethos de chefe – apesar de sua relação quase profética em relação ao futuro da nação - e ao de solidariedade, que aparecem de forma esporádica ou subliminar. Em suma, no corpus examinado, a candidata Marina Silva revelou-se mais uma especialista bem disposta e bem intencionada do que uma governante em sentido estrito. Daí, a percepção da prevalência do ethos de seriedade. 5 REFERÊNCIAS: CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. São Paulo: Contexto, 2008. HORÁRIO GRATUITO DE PROPAGANDA ELEITORAL. “A portadora de um sonho.” Brasil: Comitê Eleitoral de Marina Silva, 30/09/2010. Disponível em: <www.minhamarina.org.br >. Acesso em: 02 dez. 2010. ________. ”Corrupção é o maior dos desperdícios”. Brasil: Comitê Eleitoral de Marina Silva, 07/09/2010. Disponível em: <www.minhamarina.org.br >. Acesso em: 02 dez. 2010.


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__________. “Marina alerta para o aquecimento global.” Brasil: Comitê Eleitoral de Marina Silva, 17/08/2010. Disponível em: <www.minhamarina.org.br >. Acesso em: 02 dez. 2010. KATTAH. ” Marina deseja ser ‘desvio para que as pessoas se livrem do pior’”. O Estado de S. Paulo, 24/06/2010. Disponível em: www.minhamarina.org.br. Acesso em: 30. nov. 2010. MAINGUENAU, Dominique. A propósito do ethos. In: MOTTA, Ana Raquel; SALGADO, Luciana (org.): Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. __________. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2001. MINHA MARINA www.minhamarina.org.br. Acesso em 30. nov. 2010. PROGRAMA Nacional do Partido Verde. “Marina Silva.” Brasil: Comitê Eleitoral de Marina Silva, 17/08/2010. Disponível em: <www.minhamarina.org.br >. Acesso em: 02 dez. 2010. RIOS, Nanni. “Ativistas independentes se espalham nas redes para fazer campanha.” Terra, 01/07/2010. Disponível em: http://eleicoesnarede.blog.terra.com.br/2010/07/01/ativistasindependentes-se-espalham-nas-redes-para-fazer-campanha>. Acesso em: 02. dez.2010. SANTAELLA, Maria Lucia. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal: aplicações na hipermídia. 3.ed. São Paulo: Iluminuras, 2001. SOUZA, André de. “Marina é a única a crescer no Ibope e atinge 13%.” O Globo, 29/09/2010. Disponível em: <www.minhamarina.org.br>. Acesso em: 30. nov. 2010. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL <www.tse.gov.br>. Acesso em: 30. nov. 2010.


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OS ETHÉ DO CANDIDATO PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO LOS ETHÉ DE CANDIDATO PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO THE ETHÉ OF PLINIO ARRUDA SAMPAIO CANDIDATE Anderson Luiz MOREIRA1

Há apenas 21 anos que o Brasil voltou a escolher, pelo voto direto, seus presidentes da República. De 1989 a 2010 o país realizou dez eleições para presidente (incluindo segundos turnos), com um total de 65 candidatos.2 Em 2006, o Partido Socialismo e Liberdade (PSol), fundado em 2005, lançou a candidatura da senadora alagoana Heloisa Helena, à presidência da República. Ela se desligou do Partido dos Trabalhadores (PT) e ajudou a fundar o PSol. A candidata obteve mais de 6,5 milhões de votos, no primeiro turno, perdendo apenas para Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin. Em 2010, Heloisa Helena defendeu o apoio do PSol à candidata Marina Silva, do Partido Verde (PV), mas, a maioria do Partido rejeitou a proposta. Assim, durante a 3ª Conferência Eleitoral Nacional, realizada em abril, no Rio de Janeiro, 89 delegados do Partido escolheram Plínio de Arruda Sampaio como pré-candidato à presidência.3 Plínio, que também se desfiliou do PT, teve sua candidatura referendada pelo PSol, no dia 30 de junho de 2010, durante a Convenção Nacional Eleitoral. Em 2006, ele já havia sido candidato ao governo do Estado de São Paulo e em 2009, durante o II Congresso do PSol, seu nome despontava como possível candidato à presidência da República. Plínio de Arruda Sampaio nasceu em 26 de julho de 1930, na cidade de São Paulo. Formou-se pela Faculdade de Direito, da USP e é mestre em Desenvolvimento Econômico Internacional, pela Universidade de Cornell, dos Estados Unidos. Após o golpe de 1964 teve seus direitos políticos cassados e exilou-se no Chile. Durante o exílio, Plínio trabalhou na FAO, organização da ONU que atua nas questões relacionadas à agricultura e alimentação. Fez parte do Partido Democrata Cristão (PDC), do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), do Partido dos Trabalhadores (do qual foi um dos fundadores) e em 2005, filiou-se ao PSol. Em sua vida pública foi coordenador do Plano de Ação do governo de São Paulo (1959 1

Relações Públicas, jornalista e mestrando em Comunicação, pela Universidade Federal do Paraná. Dados extraídos do site www.tse.jus.br. 3 Reportagem do jornal “Folha de São Paulo” do dia 10 de abril de 2010: FOLHA DE SÃO PAULO. Grupo de Heloisa Helena contesta escolha de Plínio como candidato do PSOL. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u719079.shtml>. Acesso em: 7 dez. 2010. 2


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1962), Secretário de Negócios Jurídicos do Governo de São Paulo (1961), Secretário do Interior e Justiça da prefeitura de São Paulo (1961-1962), Deputado Federal de 1962 a 1964, pelo PDC e de 1986 a 1989, pelo PT. Atualmente, preside a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA). 4 No caso do candidato Plínio, estudar literalmente o “minuto de atenção”5 que ele teve do eleitorado brasileiro em suas aparições no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), é importante para compreender a relação que o candidato tentou estabelecer com os eleitores. Selecionaram-se três programas do HGPE na televisão, para compor o corpus da pesquisa: o primeiro, exibido no dia 17 de agosto, apresenta a biografia do candidato; o intermediário, com exibição em 7 de setembro, faz referência àquilo que o candidato entende como sendo a “verdadeira independência” do país; e o último, apresentado no dia 30 de setembro, traz a despedida do candidato e seu pedido de apoio aos eleitores. 1 ETHÉ DE “CREDIBILIDADE”: ETHOS DE “SÉRIO” O programa do HGPE exibido em 31 de agosto apresenta uma narração em off6 na qual a narradora apresenta Plínio como alguém com “olhar seguro, voz calma e gestos firmes”. A afirmativa sugere o ethos de “sério”, categoria que se integra aos ethé de “credibilidade”, construída com a ajuda de diversos índices, entre eles, os “índices verbais: um tom firme e comedido, sem muitos efeitos oratórios” (CHARAUDEAU, 2008, p. 120). No mesmo programa a narração fala de um homem casado desde 1954, o que aparentemente sugere que em sua vida privada não deixa “que existam suspeitas de infidelidade conjugal ou de indiferença em relação à sua família.” (CHARAUDEAU, 2008, p. 120). A análise do programa exibido no dia 7 de setembro, também permite observar outros índices relacionados ao ethos de “sério”: Corporais e mímicos: certa rigidez na postura do corpo, uma expressão raramente sorridente na face. [...] onipresença em todas as linhas de frente da 4

Biografia do candidato Plínio disponível no Portal Terra e no programa eleitoral que conta sua história pessoal e política, exibido no dia 17 de agosto. 5 Os programas do candidato Plínio, no HGPE da televisão tiveram duração de pouco mais de um minuto, que foi o tempo cedido pelo Tribunal Superior Eleitoral ao Partido Socialismo e Liberdade, em cumprimento à Lei Eleitoral. 6 Na narração em off o locutor não aparece. São exibidas outras imagens e no caso específico, o programa mostra fotos de Plínio Sampaio, ao longo de sua vida pessoal e pública.


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vida política e social, particularmente junto àqueles que sofrem (CHARAUDEAU, 2008, p. 120).

No referido programa um jovem negro, com “expressão séria”, inicia dizendo: “Hoje queremos falar com você sobre o Brasil real. Esse que os outros não mostram na TV, mas que você vive todos os dias. O Brasil da desigualdade, que separa o povo das suas riquezas, da sua verdadeira independência.” (PLÍNIO, HGPE, 7/09/2010). Ao contrário do jovem, que aparece nos primeiros segundos do programa, com um sorriso no rosto e depois, muda sua expressão, Plínio de Arruda se apresenta de camisa e gravata, o tempo todo com um olhar “sisudo”, tendo ao fundo do cenário, uma imagem de pessoas segurando uma grande bandeira do Brasil. Faz gestos comedidos, mas nos momentos em que fala sobre a tomada de poder pelo povo para que ocorra a “verdadeira independência” Plínio cerra os punhos, sem no entanto, aparentar

agressividade,

demonstrando

“uma

elocução

continuamente

serena”

(CHARAUDEAU, 2008, p. 121). 2 ETHÉ DE “CREDIBILIDADE”: ETHOS DE “COMPETÊNCIA” O primeiro programa do HGPE, ao apresentar a biografia de Plínio, revela a experiência do candidato, permitindo relacioná-lo ao ethos de “competência”, que [...] exige de seu possuidor, ao mesmo tempo, saber e habilidade: ele deve ter conhecimento profundo do domínio particular no qual exerce sua atividade, mas deve igualmente provar que tem os meios, o poder e a experiência necessários para realizar completamente seus objetivos, obtendo resultados positivos. [...] É pela visão do conjunto do percurso de um político que se pode julgar seu grau de competência (CHARAUDEAU, 2008, p. 125).

Nesse sentido, o programa se refere a uma “longa trajetória” do candidato, reforçando sua experiência pessoal e política, principalmente, no que diz respeito à questão agrária. A narradora afirma que Plínio, após ter sido “eleito deputado federal em 62, logo se tornaria relator do plano de reforma agrária do governo João Goulart” e que o candidato, quando foi Deputado Constituinte, “defendeu um projeto de reforma agrária que erradicasse o latifúndio” (PLÍNIO, HGPE, 31/08/2010). Destaca ainda, que Plínio de Arruda foi dirigente do Partido dos Trabalhadores e o principal formulador da política agrária do Partido por muitos anos, além de enfatizar que hoje, o candidato é presidente da Associação Brasileira pela Reforma


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Agrária. O narrado também enfatiza que “é por essa experiência de luta contra a desigualdade que o PSol apresenta Plínio de Arruda Sampaio como candidato à presidência”. Durante a narração são exibidas fotografias que confirmam a biografia do candidato. 3 ETHÉ DE “IDENTIFICAÇÃO”: ETHOS DE “CHEFE” Charaudeau afirma que o ethos “de chefe” se manifesta por meio das figuras de “guia”, de “soberano” e de “comandante”. É possível identificar no candidato Plínio de Arruda a figura do “guia-profeta”, “aquele que, ao mesmo tempo, é fiador do passado e se volta para o futuro, para o destino dos homens.” (CHARAUDEAU, 2008, p. 155). O programa do dia 7 de setembro revela esse perfil em Plínio, o qual afirma que “há 500 anos uma elite domina esse país e impede o povo de tomar na mão o seu destino. O povo só toma na mão o seu destino quando luta.” (PLÍNIO, HGPE, 30/09/2010). No programa exibido em 31 de setembro, Plínio diz: “Nosso último encontro. Nesta campanha. Quero o voto de você hoje. Quero o apoio seu amanhã. Para construirmos um país justo, igualitário. Um país em que não haja a injustiça social que nós vemos hoje.” (PLÍNIO, HGPE, 30/09/2010). As expressões e gestos do candidato auxiliam na composição de um cenário para confirmar um compromisso que não duraria apenas no presente, no período eleitoral, mas continuaria no futuro. 4 ETHÉ DE “ IDENTIFICAÇÃO”: ETHOS DE “SOLIDARIEDADE” O ethos de “solidariedade”, [...] faz do político um ser que não somente está atento às necessidades dos outros, mas que as partilha e se torna responsável por elas. A solidariedade caracteriza-se pela vontade de estar junto, de não se distinguir dos outros membros do grupo e, sobretudo, de unir-se a eles a partir do momento em que se encontrarem ameaçados. [...] A solidariedade não é compaixão. A primeira quer ser igualitária e recíproca; a segunda caracteriza-se por um movimento assimétrico entre um indivíduo que sofre e outro que, apesar de não sofrer, está, no entanto, emocionado pelo sofrimento alheio.” (CHARAUDEAU, 2008, p. 163)

Este ethos aparece na fala de Plínio, no programa do dia 7 de setembro:


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Olha, hoje eu quero soltar um grito: independência. Mas que independência? Independência é quando o povo manda. Há 500 anos uma elite domina esse país e impede o povo de tomar na mão o seu destino. O povo só toma na mão o seu destino quando luta. Quando luta. Venha conosco lutar para tomar o seu destino na sua mão (PLÍNIO, HGPE, 7/09/2010).

É importante dizer que parte dessa afirmação esteve presente no discurso proferido por Plínio, na Convenção do Partido que oficializou sua candidatura. Em notícia publicada no site do PSol sobre a Convenção7 o texto afirma que “o candidato destacou a resistência dos brasileiros, afirmando que ela já dura mais de 500 anos” e em seguida, transcreve trecho do discurso de Plínio: “Nosso povo é oprimido, mas nunca aceitou a opressão, sempre houve resistência”. No último programa do horário eleitoral o candidato argumenta: Nosso último encontro... Nesta campanha. Quero o voto de você hoje. Quero o apoio seu amanhã. Para construirmos um país justo, igualitário. Um país em que não haja a injustiça social que nós vemos hoje. Por isso, meu amigo, neste dia final, quer seu voto. Quero seu voto, quero seu apoio, quero, sobretudo, a alegria de construir um grande país. Vote 50, vote PSOL, vote Plínio (PLÍNIO, HGPE, 30/09/2010).

A narração final do mesmo programa, feita pelo jovem negro, reforça o discurso do candidato: “É por esse Brasil que lutamos, um país com independência e igualdade para todos nós.” Essa situação reforça a idéia de “unir-se” ao eleitor: Na narração do moço, o “todos nós” e o “vem com a gente”, são um convite para que o eleitor se some solidariamente à proposta, feita pelo candidato, de construção de justiça social e igualdade. O discurso evidencia seu objetivo de criar uma identificação com sua audiência, para que ela também se proponha a construir coletivamente, um país diferente. A biografia de Plínio indica que, de fato, o candidato tem uma atuação junto a grupos que defendem a igualdade de direitos e questões sociais, tais como a Reforma Agrária. Essa característica aparece também no primeiro programa eleitoral, no qual o candidato sempre pretende estar “ao lado das Comunidades Eclesiais de Base, do MST e das pastorais sociais”. (PLÍNIO, HGPE, 17/09/2010). 7

PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE. Plínio é oficializado o candidato do PSOL à presidência. Disponível em <http://psol50.org.br/blog/2010/06/30/plinio-e-oficializado-o-candidato-do-psol-a-presidencia/> Acesso em: 7 dez. 2010.


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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Como foi dito no início deste artigo, Eleições Diretas para Presidente da República voltaram ao cenário nacional há apenas 21 anos e ocorreram após mais de vinte anos de Regime Militar. Desde então, já passaram pela presidência, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco (que assumiu após o impeachment de Collor), Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Cada um deles apresentou durante as eleições, um discurso que possibilitou sua ascensão ao posto de líder maior do país. As eleições de 2010 marcaram a história do Brasil pela escolha da primeira mulher presidente do país. Igualmente marcante é o fato de um político aceitar o desafio de candidatar-se à presidência com quase 80 anos de idade, tendo percorrido o país em campanha e participado de inúmeros debates e entrevistas em rádio e TV. Plínio de Arruda também chamou a atenção por ter aderido às redes sociais, especialmente, ao Twitter. Em cada uma dessas ações Plínio imprimiu suas características por meio de seu discurso, o que ficou evidenciado na análise do ethos do candidato. As noções de ethos apresentadas por Dominique Mainguenau e Patrick Charaudeau e as características apontadas por este último, que serviram para analisar o discurso de Plínio nesta pesquisa, contribuíram sobremaneira, para desvendar peculiaridades que circundam o candidato. A apresentação da candidatura de Plínio no primeiro programa do HGPE, bem como sua maneira de falar, sua expressão facial e alguns outros detalhes apontados na análise feita anteriormente revelam um candidato que, ao menos na TV, e particularmente, nos programas analisados, não demonstra excentricidades, não se utiliza de “efeitos oratórios”, aparece vestido de traje social, o que o coloca na classificação do ethos de “sério”. Confirmando a definição de que “é pela visão do conjunto do percurso de um político que se pode julgar seu grau de competência” (CHARAUDEAU, 2008, p. 125), o programa que resume em um minuto a biografia do candidato, deixa clara a presença do ethos de “competência”. Procura apresentar Plínio como alguém que tem experiência pessoal e política e que, por isso, está habilitado para o cargo em disputa.


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O discurso de Plínio coincidiu com o ethos de “chefe”, na figura do “guia-profeta”, na medida em que o candidato empregou a palavra “destino”, também utilizada por Charaudeau em sua conceituação do “guia-profeta”. Ressalte-se que nos três programas analisados predominou o ethos de “solidariedade”, aparente em expressões como “luta contra a desigualdade”, no primeiro programa, “desigualdade” e “tomar na mão o destino”, no segundo, e “país justo e igualitário” e sem “injustiça social”, no terceiro. O primeiro, já induziu a uma biografia de um candidato apresentado como alguém que “lutou” contra a desigualdade e a injustiça, sendo inclusive, um exilado político pelo seu trabalho na área de Reforma Agrária, durante o governo João Goulart. No programa do dia 7 de setembro, um Plínio “indignado” com a desigualdade afirma querer “soltar um grito” de independência; da “verdadeira independência”. E, no programa final, o candidato, sorridente, reforça seu desejo de “construir um país justo, igualitário”, onde “não haja a injustiça social que nós vemos hoje”. A noção de ethos obriga a relevar análises estritamente ideológicas e/ou puramente pessoais para efetuar uma análise metodológica do discurso, especialmente do discurso eleitoral. Assim, deixam-se de lado as avaliações pessoais baseadas apenas nas preferências ou não, pelos partidos, pelos quais o candidato Plínio de Arruda Sampaio passou, pelo Partido pelo qual se lançou candidato e pelos movimentos sociais que o apóiam e por ele são apoiados Nessa situação, passa-se a avaliar um conjunto de características discursivas que o candidato selecionou na tentativa de persuadir o eleitorado. 6 REFERÊNCIAS PORTAL TERRA. Plínio de Arruda Sampaio: quem é o candidato do PSol à Presidência. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/eleicoes/2010/noticias/0,,OI4550427EI15315,00plinio+de+Arruda+Sampaio+quem+e+o+candidato+do+Psol+a+Presidencia.html>. Acesso em: 29 nov. 2010. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2008. MAINGUENAU, Dominique. “O propósito do ethos”. In: MOTTA, Ana Raquel; SALGADO, Luciana (Orgs.). Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. HORÁRIO GRATUITO DE PROPAGANDA ELEITORAL. Plínio do PSOL na TV: 7 de setembro Grito de Independência, 07/09/2010. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=DWGkLNgpv3A>. Acesso em: 30 nov. 2010.


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_______________________. Plínio do PSOL na TV: Programa Biografia. Brasil: Projeto Socialista, 31/8/2010. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=DWGkLNgpv3A>. Acesso em: 30 nov. 2010. _____________________. Plínio do PSOL na TV: Programa de encerramento. Brasil: Projeto Socialista, 30/9/2010. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=p8GimSIaV6A>. Acesso em: 30 nov. 2010. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE. Plínio é oficializado o candidato do PSOL à presidência. Disponível em <http://psol50.org.br/blog/2010/06/30/plinio-e-oficializado-ocandidato-do-psol-a-presidencia/> Acesso em: 7 dez. 2010. FOLHA DE SÃO PAULO. Grupo de Heloisa Helena contesta escolha de Plínio como candidato do PSOL. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u719079.shtml>. Acesso em: 7 dez. 2010.


310 O QUE DIZEM OS QUE NÃO TÊM ESPAÇO? LO QUE DICEM LOS QUE NO TIENEN ESPACIO? WHAT SAY WHO DONT HAVE SPACE? Taiana L. BUBNIAK1 Raul K.S.BOENO2 1 INTRODUÇÃO Na disputa presidencial de 2010, o eleitor brasileiro pôde votar em cinco pessoas, consideradas aptas a ocupar cargos nos poderes Executivo e Legislativo: Presidente, Senadores, Governadores, Deputados Federais e Estaduais. Para a eleição do Presidente da República é necessária a votação em todo território nacional e normalmente, é a disputa que mais recebe atenção dos meios de comunicação. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral3, em 2010, foram 135,8 milhões de eleitores aptos a votar. Para o pleito presidencial, concorreram nove candidatos: Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB), Marina Silva (PV), Plínio de Arruda Sampaio (PSol), Levy Fidélix (PRTB), José Maria Eymael (PSDC), Rui Costa Pimenta (PCO), José Maria de Almeida (PSTU) e Ivan Pinheiro (PCB). Mesmo que vários candidatos concorram, representando partidos e posições políticas diferenciadas, a disputa se concentra naqueles que têm uma representação consistente no Congresso Nacional e, dessa forma, mais tempo no horário político. Os candidatos com pouca representatividade, e, como consequência, menor tempo de Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), entram na disputa com poucos recursos e financiadores. No entanto, seja para mostrar a plataforma do partido ou para se lançar em uma futura candidatura, todos utilizam na íntegra o HGPE, tanto no rádio como na televisão. O contato com o público propiciado pelos segundos de exibição, durante mais de 40 dias, é um espaço para criar adesão e apresentar projetos e características que podem agradar a quem assiste e, através da mensagem, converter um telespectador ou ouvinte, em eleitor. Portanto, entende-se que é interessante observar de que forma esses candidatos, que possuem um tempo curto no horário eleitoral, utilizam o discurso e o formato para apresentar sua proposta. Além disso, com a análise do HGPE, é possível notar a formação de seu ethos e apontar quais características do discurso político estão mais evidentes ou menos contempladas na fala dos concorrentes. 1

Jornalista e mestranda em Comunicação. Integrante da pesquisa Gramática do Discurso Político e Eleitoral, coordenado pela Dra Luciana Panke. E-mail: taianabub@gmail.com 2 Gestor educacional e mestrando em Comunicação. Integrante do Grupo de Estudos Professor, Escola e Tecnologias Educacionais/GEPETE, coordenado pela Dra. Glaucia Silva Brito E-mail: r.k@uol.com.br 3 Disponível em <http://www.tse.gov.br/internet/eleicoes/estatistica2010/est_eleitorado.html>


311 Para fins de análise, escolheu-se: José Maria Eymael (PSDC), Rui Costa Pimenta (PCO), Ivan Pinheiro (PCB), Levy Fidélix (PRTB) e José Maria de Almeida (PSTU). Por se originar de agremiações partidárias com inclinações políticas diversas, considera-se necessário relacionar o histórico conhecido (o pré-construído ou pré-discursivo) de cada um, com as mensagens emitidas no HGPE, e o que é possível depreender exclusivamente do discurso. 2 OS CONCORRENTES E SEUS DISCURSOS 2.1 ZÉ MARIA Nascido no dia 2 de outubro de 1957, natural de Santa Albertina/SP, o metalúrgico José, “Zé” Maria de Almeida foi candidato, nas eleições de 1998 e 2002. Em 2010, Zé Maria novamente representou o PSTU como candidato ao mesmo cargo das eleições anteriores – Presidente da República. A base de sua campanha eleitoral foi uma luta contra os interesses das grandes empresas e bancos, defendendo uma política de apoio incondicional aos trabalhadores. Para isso, sugeriu um programa baseado em princípios socialistas com severas críticas a Lula, José Serra, Marina Silva e aos outros candidatos ligados à burguesia. No corpus inicial4, o enunciador mantém a eloquência ao afirmar que a situação da sociedade brasileira poderia estar melhor. Ao concatenar cenas dramáticas (imagens relacionadas a inundações de casas, situação caótica da saúde pública, baixos salários e vítimas da violência), com uma oralidade e música selecionadas, percebe-se que o candidato busca criar traços de humanidade e solidariedade com a parcela da população naquelas situações. Esse ethé de “solidariedade”, segundo Charaudeau (2008, p. 163), se evidencia no momento em que o discurso político tem como finalidade atingir a todos, pela vontade do político de se incluir no grupo. Do mesmo modo, Charaudeau (2008, p.148) sugere que o ethos de “humanidade” se identifica pela capacidade do enunciador demonstrar sentimentos e compaixão com aqueles que sofrem, mostrando ser um homem comum. Além disso, a compleição física e a maneira de se vestir do candidato Zé Maria se associam ao que Maingueneau (2008, p. 18) chama de “corporalidade”. Ao manter um “tom” de fala, que libera indícios na enunciação, nesse caso oral5, o presidenciável busca no imaginário do destinatário, um fiador construído pelo receptor.

4

HGPE do dia 17 de agosto de 2010. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=TKO2Y9kVGaE> Acesso em 20 nov.2010 5 Podendo ser escrito também – observa-se que na parte inferior dos vídeos estudados existe a grafia dos discursos.


312 Devido ao reduzido tempo de horário eleitoral dos chamados “nanicos” (menos de um minuto por programa), o destinatário não recebe as informações suficientes e necessárias para perceber e verificar se o candidato pode cumprir ou praticar seu discurso – o fim da dominação burguesa. Isso inviabiliza as condições indispensáveis para uma construção do ethos de “competência.” Em relação à construção do ethos de “credibilidade” nos corpora, percebem-se na enunciação de Zé Maria alguns indícios tais como: cenário, vestes e gesticulação que podem conduzir o destinatário a criar o imaginário de ethos de “sério” em relação ao enunciador. Em todos os programas do corte mencionado, o candidato do PSTU encontra-se num cenário estático com fundo escuro, onde aparecem legendas e os números do candidato. Considerando os componentes mencionados por Charaudeau (2008, p. 120) sobre o ethos de “sério”, que englobam indícios corporais, comportamentais e verbais, verifica-se que o candidato pouco gesticula com as mãos, evitando ser excessivo nesses movimentos. Essa conduta expõe uma “sensação” de confiança e lucidez, fortalecendo a imagem de “sério.” No tocante às suas vestes, identifica-se nas duas primeiras apresentações, o uso de um traje esportivo – camisa polo de cor vermelha, na primeira.6 No segundo programa veste também uma camisa polo, na cor cinza. Assim, seus trajes muito simples e discretos, demonstram uma seriedade reduzida no modo como se apresenta ao destinatário. A simplicidade e discrição encontram pontos de aderência nas proposições de Charaudeau (2008, p. 120) e nas considerações de Auchlin (apud MAINGUENEAU, 2008, p. 18), particularmente sobre um conjunto de representações coletivas estereotipadas, que podem atribuir ao enunciador um caráter e uma corporalidade. O caráter é composto por um feixe de traços psicológicos, e a corporalidade, associada à compleição física e à maneira de se vestir. Nos recortes analisados, Zé Maria evita falar o nome de seus concorrentes políticos, limitando-se a indicar seus partidos. Contudo, mesmo “satanizando” seus oponentes políticos, mantém o mesmo tom de voz e o fluxo das palavras. Não comete excessos nem utiliza vocabulário inadequado, demonstra, assim, ao destinatário, uma sobriedade e controle emocional em relação à situação existente - dominação burguesa e corrupção. Ele afirma, Os candidatos do PT, PSDB e PV vão gastar juntos quase 500 milhões. Empreiteiras e bancos financiam os partidos e depois cobram a fatura. Nasce aí a corrupção. A televisão só mostra esses três candidatos, temos pouco tempo de TV e as emissoras impedem nossa presença nos debates. Querem impedir qualquer mudança no país. Veja nosso programa no site, ajude a 6

A cor vermelha, tradicionalmente, se associa aos movimentos revolucionários, desde 1917. Atualmente, os personagens políticos ligados aos movimentos de classes, utilizam a cor vermelha.


313 furar esse bloqueio. Contra burguês, Vote 16. – Operário e socialista desta vez!(ZÉ MARIA, HGPE/17/08/2010).

O esforço para construir o ethos de “identificação” também se percebe quando, ao enunciar, Zé Maria fala na primeira pessoa do plural – utiliza o “nós” ao invés do “eu” – esse procedimento traduz uma ideia de coletividade. Durante o programa veiculado no dia da Independência do Brasil, Zé Maria aproveita a data para evidenciar que o Brasil ainda não é independente, pois a economia brasileira é controlada por multinacionais. Nesse cenário, o enunciador reforça a necessidade de lutar contra os burgueses, cria então, uma sensação de "coletividade" conectada ao ethos de “solidariedade”, mencionado anteriormente. Nos programas desse candidato valoriza-se o partido e não o candidato. No transcorrer de todos os programas do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, que integram os corpora, o slogan “Contra burguês, vote 16 - Operário e socialista desta vez!” se evidenciou várias vezes. Induz-se que esse fato se alinha à proposta dos partidos, como o PSTU, que idealizam a organização de massas e não o processo eleitoral em si. Nesse sentido, para fortalecer esse ethos de “identificação”, o enunciador esclarece ao eleitor que o PSTU não possui nenhuma ligação com os bancos e grandes empresários. Além do já mencionado, os programas de Zé Maria franquearam um canal de comunicação para pessoas portadoras de necessidades auditivas. Na parte inferior dos vídeos disponibilizaram os textos falados, permitindo que o enunciado oralmente, fosse também lido pelo destinatário. Essa atitude resultou em condições favoráveis para a construção do ethos de “identificação”, com alguns receptores. 2.2 LEVY FIDÉLIX Mineiro de Mutun, onde nasceu em 2 de outubro de 1957, José Levy Fidélix da Cruz possui trajetória profissional na área de comunicação. Fundador do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Fidélix disputou em 2010, pela primeira vez, o cargo de Presidente da República. Suas campanhas eleitorais sempre propuseram reformas constitucionais, redução de impostos, crescimento econômico e distribuição de rendas. Contudo, a proposta que mais ficou conhecida foi a construção do “aerotrem”7, que seria a transformação do transporte de massa para o Brasil.

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Tipo de trem, construído na Europa, que desliza em alta velocidade sobre trilhos magnetizados.


314 Dando continuidade ao trabalho proposto, analisa-se o programa do dia 17 de agosto de 20108, de Levy Fidélix. Inicialmente, o candidato se apresenta ao eleitor e procura estabelecer uma aproximação, oferecendo-se para ser a "voz" daqueles que buscam determinados valores. Essa tentativa de sensibilizar o maior número de indivíduos está inserida nas assertivas de Charaudeau (2008, p. 137), sobre o ethos de “identificação”, pois o enunciador esclarece que ele deseja o mesmo que o eleitor: Levy Fidélix é meu nome. Quero ser o seu Presidente e ser a sua voz. A voz daquelas pessoas e empresas que pagam cada vez mais impostos e tributos neste país. A voz dos que clamam justiça e direitos e não tem a quem apelar. A voz dos que pagam os mais altos juros bancários do mundo e perdem sempre para os poderosos. Quero ser a voz daqueles que o leite das suas crianças e o arroz e o feijão que consome todos os dias lhes sejam acessíveis (LEVY FIDÉLIX, HGPE/17/08/2010).

No tocante à construção do ethos de “credibilidade”, durante a campanha desse candidato, identificam-se indícios que possibilitam ao destinatário, criar o imaginário de ethos de “sério”, em relação ao enunciador. Nos programas estudados, o candidato do PRTB encontra-se num cenário estático, com fundo verde, onde aparecem imagens que, de forma coordenada, reforçam as palavras do enunciador conforme transcorre seu discurso. A técnica de utilizar imagens e cenas, com uma oralidade e música selecionadas, também foi a opção escolhida pelo PRTB. Com essa ação, o enunciador objetiva criar traços de humanidade e solidariedade com a parcela da população nessas situações. Charaudeau (2008, p. 163) sugere que esse ethé de “solidariedade” aparece quando o discurso político tem como finalidade atingir a todos, pela vontade do político de compartilhamento. Do mesmo modo, no momento que o candidato demonstra sentimentos de compaixão com aqueles que sofrem, mostra ser um homem comum, identificando-se, então, o ethos de “humanidade”. Esse cenário foi comum aos três programas do corpus analisado. A esse respeito infere-se que a opção de cores mais presente foi uma combinação verde-amarelo que, tradicionalmente, representa o Brasil. Nessas cores, sob a forma de um "aerotrem" estilizado, o nome e o número do candidato aparecem em constante movimento, sinalizando para uma pessoa com um tradicional sentimento de nacionalismo e, ao mesmo tempo, voltado para o futuro. Esse nacionalismo também se manifesta no programa do dia 7 de setembro9, principalmente, nos segundos finais de seu discurso, quando Levy Fidélix beija a Bandeira Nacional. Essas escolhas e ações demonstram sinais e vestígios do ethos de “identificação”, pois, segundo Charaudeau (2008, p. 137), essas imagens se

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Disponível em <http://www.youtube.com/user/newsimprensa#p/u/207/Vh_bseO8Mcs> Acesso em 20 nov.2010. Disponível em: <http://www.youtube.com/user/newsimprensa#p/search/6/9NA1NEqDWyc> Acesso em 20 nov. 2010


315 destinam a tocar o maior número de indivíduos, acoplando valores opostos, como o tradicional e o moderno. Charaudeau (2008, p. 120) menciona os componentes do ethos de “sério”, que englobam indícios comportamentais, corporais e verbais. Apreende-se, nessa situação específica, que o enunciador gesticula com as mãos, com movimentos excessivos, em determinados momentos. Essa conduta manifesta uma "sensação" de que o enunciador está insatisfeito pessoalmente e indignado com a situação política do País e, ao mesmo tempo, demonstra confiança e lucidez, transparecendo uma imagem de “sério.” A respeito do excesso de gestos do enunciador, destaca-se o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, do dia 30 de setembro de 201010, no qual Fidélix, após afirmar que os candidatos indicados "como eleitos", pelas pesquisas "fajutas", divulgadas pela imprensa, não farão coisa alguma pelos eleitores, rasga um conhecido jornal brasileiro e o joga no chão, mantendo suas mãos em constante movimento. Naquele momento, do mesma maneira que outros candidatos "nanicos", Levy Fidélix intenciona "desqualificar" seus oponentes políticos, entretanto, sem citar seus nomes ou partidos. No tocante às vestes de Fidélix, identifica-se em todos os recortes analisados, o uso de trajes contidos e discretos (terno de cor escura com gravata), traduzindo seriedade na forma como se apresenta ao destinatário. Assim, se a composição do caráter é integrada por um feixe de traços psicológicos, e a corporalidade é associada à compleição física e à maneira de vestir, é viável afirmar que a postura desse candidato, particularmente, sobre a maneira de se vestir e de se portar, encontra pontos de contato com as assertivas de Charaudeau (2008, p. 120). Também as considerações de Auchlin (apud MAINGUENEAU, 2008, p. 18), confirmam que um conjunto de representações coletivas estereotipadas atribui ao enunciador, um caráter e uma corporalidade.

2.3 JOSÉ MARIA EYMAEL O candidato, conhecido por um jingle de campanha que tem mais de 25 anos e é lembrado com facilidade, nasceu em Porto Alegre, em dois de novembro de 1939. Ele é empresário de marketing, comunicação e informática, e tem uma história antiga na política. É o fundador do Partido que representa até hoje, o Social Democrata Cristão (PSDC), organizado em 1955. Atuou no movimento estudantil, sempre em prol das causas relacionadas à religião. Participou ativamente do extinto Partido Democrata Cristão (PDC) e foi candidato a prefeito de São 10

Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=9m22FK74IEQ&feature=grec_index> Acesso em 20 nov.2010


316 Paulo, em 1985, ano de lançamento do jingle de campanha que utiliza até hoje. A melodia e letra foram criadas pelo então correligionário, José Raimundo de Castro. No vácuo do sucesso da música, foi eleito Deputado Constituinte em 1986, pelo Estado de São Paulo. Em 1993, o partido optou por uma fusão com o também extinto PDS para formação do PPR, estratégia com a qual Eymael não concordou. Ele se afastou da sigla e dois anos depois fundou o PSDC, cujos compromissos maiores são o “compromisso com a família, com a defesa de seus valores e o atendimento pleno de suas necessidades”11. De acordo com dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP)12, Eymael está entre os 15 parlamentares com mais propostas aprovadas para a composição da Constituição: foram 145 itens incluídos na Carta Magna. José Maria Eymael já concorreu ao cargo da Presidência da República em duas outras oportunidades, 1998 e 2006. Ele é o presidente do Partido e atua politicamente para fortalecer a sigla. Nas eleições de 2010, Eymael obteve 89.350 votos, o que significa uma votação expressiva: ele alcançou a quinta colocação na disputa, ficando atrás dos quatro principais concorrentes. Saber um pouco da história do candidato já indica que ele mantém uma postura séria e, de certa forma, conservadora. Sempre atentando para a presença da religião, Eymael, durante a campanha na televisão, manteve esse posicionamento. As imagens estáticas do candidato, que aparecem pelo menos uma vez em cada programa analisado, demonstram atitude firme e “de vencedor”. No primeiro programa, caracterizado pela “apresentação” do concorrente, há imagens relacionadas ao Rio Grande do Sul, seu Estado de origem. Ele aparece segurando uma cuia de chimarrão, símbolo da cultura do Estado. Ele sempre veste camisa, terno e gravata e a apresentadora usa camisa branca clássica. Imagens ligadas à agricultura, Forças Armadas e à Bandeira do Brasil também são elementos constantes durante os segundos disponíveis para a propaganda. Esse fato indica a presença de forte apelo ao nacionalismo. Essas informações denotam que no personagem Eymael, se vislumbra o ethos de “seriedade”, pois mantém uma postura firme, não sorri exageradamente nem possui expressão triste. Transmite um ar de austeridade, mantendo o tom de voz grave e empostado, endossado pelo discurso em si, como é possível observar no trecho abaixo: Dignidade não é só uma palavra, para mim é um mandamento. É uma missão que trago do berço, do exemplo dos meus pais. Esse mandamento, essa missão, tem marcado todos os dias da minha vida, como pai, empresário, como político. Como

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Informações disponíveis no site pessoal do candidato e do partido: <http://www.psdcbrasil.org.br> e <http://eymael27.com.br> 12 Disponível em <http://www.diap.org.br/>


317 presidente da República, obedecerei o mesmo mandamento, a mesma missão: Dignidade! (EYMAEL, HGPE, 30/09/201013)

Eymael argumenta, no espaço da televisão, que tem experiência e é capaz de administrar o país. No corpus analisado, em duas ocasiões, o candidato faz questão de relembrar a sua atuação como Deputado Constituinte, ressaltando suas proposições. Conforme as premissas de Charaudeau, a marca do ethos de “competência”, se evidencia nos trechos aseguir: Como deputado federal duas vezes servi ao meu país, inclusive como constituinte, eleito por São Paulo, terra que me acolheu como a tantos brasileiros. Mas quero servir mais, muito mais, como Presidente do Brasil (EYMAEL, HGPE, 17/08/201014). Que orgulho do Brasil, das nossas Forças Armadas, dos pracinhas que defenderam a liberdade nos montes da Europa e nos mares do sul. Heróis que, na Constituinte, defendi com aposentadoria mais justa. Bastaram poucas palavras. Disse aos constituintes: Se hoje nós estamos aqui é porque um dia eles estiveram lá! (EYMAEL, HGPE, 07/09/201015).

A partir dessa observação é possível indicar que, no discurso do candidato democratacristão, prevalecem os ethé de “credibilidade”. Ou seja, ao observar apenas a campanha eleitoral veiculada pela televisão, pode-se dizer que Eymael é digno de crédito e que tem poder para ocupar o cargo que pleiteia. Entende-se que ele evoca o “tripé da credibilidade”, proposto por Charaudeau: sinceridade, virtude e competência (CHARAUDEAU, 2008, p. 120), o que demonstra ser capaz de cumprir o que promete. Embora prevaleçam os ethé que dizem respeito à “credibilidade”, que denotam certo conservadorismo, há uma característica diferenciada nos programas do candidato Eymael. Nas três ocasiões analisadas, o presidenciável evidencia familiaridade com a internet, considerada inovadora. Desde o primeiro programa, há uma chamada para a “TV Eymael”, link do site oficial do candidato, onde ele “estende” seus segundos disponíveis na televisão aberta e responde às perguntas enviadas pelos eleitores. Essa marca se configura como um traço dos ethés de “identificação”, pois é uma tentativa de aproximação com o público e se mostrar disponível, além daquele espaço pré-determinado. Mais pontualmente, o atributo aponta para o ethos de “humanidade”, porque o candidato demonstra, através desse convite, suas escolhas pessoais e se expõe por mais tempo, embora seja uma exposição controlada.

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Disponível em <http://eymael27.com.br> Acesso em 20 nov. 2010. Idem. 15 Idem. 14


318

2.4 IVAN PINHEIRO O representante do Partido Comunista Brasileiro na disputa presidencial nasceu no Rio de Janeiro, em dezoito de março, de 1946. Atualmente, ocupa a Secretaria Geral do Partido, mas sua atuação política iniciou na adolescência, no movimento estudantil. Formado em Direito, filiou-se ao Partido Comunista ainda na década de 70, quando também começou a militância no movimento sindical. Ele intencionou concorrer ao governo do Estado do Rio de Janeiro, em 1986, mas sua candidatura foi retirada. Então, ele e outros partidários lançaram uma chapa própria para concorrer como Deputado Federal Constituinte, no entanto, sem êxito. Em 1992, o Partido sofreu uma grande cisão, com o fim do regime socialista, no Leste Europeu. Uma parte dos correligionários se separou para formar o Partido Popular Socialista (PPS), mas Ivan manteve-se no grupo, adepto dos ideais comunistas, propostos pela sigla desde a sua formação, em 1922. Em 1996, ele foi candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, consolidando a reconstrução do partido. Em 2000, concorreu a vereador na mesma cidade, mas a coligação à qual pertencia teve fraco desempenho. Em 2004, o cenário se repetiu. Desde 2005, Pinheiro ocupa o cargo de Secretário-Geral do Partido, na mesma época em que o partido rompeu as conversações com o governo Lula. Em 2006, o PCB aliou-se ao PSol e Ivan candidatou-se a uma vaga como Deputado Federal, porém, sem alcançar os votos necessários. O desempenho de Ivan Pinheiro nas eleições de 2010 também não rendeu votos suficientes para figurar entre os candidatos com possibilidades de concorrer ao cargo. Foram 39.134 votos recebidos que, de acordo com comunicado oficial do Partido, publicado no site do grupo, significam vitória. A nota ainda indica que o PCB utiliza as eleições para fortalecer a sigla e tornar a ideologia do Partido, presente em todo o mundo, mais conhecida no Brasil. Explica também, o sistema de ideias do grupo16. O candidato, um dos representantes da ideologia comunista na disputa, demonstra um perfil diferenciado, fato dedutível devido à sua trajetória de vida. Filiado a um Partido Comunista Brasileiro (PCB), que ficou à margem da política brasileira, por causa dos anos de Ditadura Militar e sem liberdade de expressão, Ivan Pinheiro e a sigla ainda mantêm características de um partido que está construindo sua força e representatividade.

16

Informações disponíveis no site do partido < http://pcb.org.br>. Acesso em 20 nov. 2010.


319 Na estética dos programas predomina a cor vermelha e também apresenta imagens que simbolizam a sigla: passeatas, mobilizações, sempre na rua ou em praças, com bandeiras e camisetas do partido. No corpus analisado, é apenas o candidato que fala, sempre vestindo camisa clara ou camisa e paletó, sem gravatas, enquadrado em plano médio. A edição das imagens é bastante rudimentar e muita informação é deixada na tela. Enquanto o candidato fala, surgem letreiros com frases do comando do partido, como: “Pelo poder popular – rumo ao socialismo” (HGPE, 17/08/201017). Entende-se, com base nos programas analisados, que o candidato do Partido Comunista demonstra de forma enfática algumas nuances dos ethé de “identificação”. O projeto do Partido como um todo parece ser mais evidente e mais importante do que a figura do candidato, o que conota o ethos de “solidariedade”, uma vez que a ideologia do Partido tem como base fundamental o máximo bem comum, defendida por Ivan Pinheiro. Ele abdica de ser marcado como personalidade e dá vazão aos ideais do Partido como peças-chave na campanha, logo no primeiro programa. De acordo com Charaudeau (2008), o ethé de “solidariedade” é quando o político discurso e mostra uma vontade de estar junto e não se distinguir dos demais que formam o grupo (CHARAUDEAU, 2008, p.163). O trecho abaixo aponta para a atenção às necessidades do outro, da maioria, independente do resultado das eleições. A manifestação dessas premissas ideológicas remete à noção de coesão do grupo, que não pretende “enganar” o telespectador. Sou Ivan Pinheiro, candidato a Presidente pelo PCB, o que me honra. Queremos votos conscientes, como o seu, para mostrar que nosso povo quer alternativa. Serão votos de protesto. Vamos pedir sua reflexão e denunciar as mentiras que você vê aqui nesta telinha. Não vamos fazer promessas demagógicas, nem propor reformas para humanizar o capitalismo ou torná-lo ético. Ele é desumano e corrupto por sua própria natureza (...). Vamos propor mudanças radicais, na luta pelo socialismo. O Brasil só muda com revolução (PINHEIRO, HGPE, 17/08/2010).

Reforçando a condição de grupo, no último programa, Pinheiro retoma a questão de consciência política e indica que a ideologia defendida pelo PCB não se encerra com o fim da campanha eleitoral: “Hoje nos despedimos nessa campanha, mas a luta continua. Não vamos esperar outra eleição para nos encontrar. O PCB estará com você nas ruas, nos sindicatos, nas manifestações, nos movimentos populares” (PINHEIRO, HGPE, 30/09/2010). A frase denota o grau de identificação e vontade de “estar junto” com o corpo social, “unindo-se a eles a partir do momento em que se encontrarem ameaçados” (CHARAUDEAU, 2008, p.163). 17

Disponível em <http://pcb.org.br> Acesso em 20 nov. 2010.


320 Além disso, Ivan Pinheiro esclarece que o grupo tem possibilidade de gestão, utilizando como exemplo, o governo cubano. No dia 07 de setembro, dia da Proclamação da Independência do País, o programa de Ivan Pinheiro inicia com a descrição de um país ideal: sem fome, sem discriminação, com saúde e educação de qualidade. A descrição, que parece utópica, finaliza com a informação: “Cuba tem os melhores índices de qualidade de vida da América Latina, reconhecidos pela ONU. Cuba mudou com a revolução socialista” (PINHEIRO, HGPE, 07/09/2010). Nesse trecho, é possível identifica vestígios do ethos de “inteligência”, pois a construção da frase torna-a interessante, é uma formação discursiva astuta, escolhendo um jogo de palavras que ressalta as intenções do grupo. De acordo com Charaudeau (2008), essa característica do discurso é capaz de causar admiração no público. 2.5 RUI COSTA PIMENTA Jornalista, formado pela Caspér Líbero, Rui Costa Pimenta nasceu em São Paulo, em 29 de junho de 1957. Iniciou a vida política atuante no movimento estudantil e sindical. Participou do Partido dos Trabalhadores, mas foi expulso por causa de divergências políticas. Ele colaborou então, para a criação do Partido da Causa Operária, que ocorreu em 1995. Pimenta atua como assessor do Partido e fomenta a edição do periódico “Causa Operária”, além de ser professor de inglês e fluente em diversas línguas estrangeiras. Endossando o discurso do Partido, a campanha de Rui Costa Pimenta ratifica as bases do Partido, que procura formas de unir trabalhadores da cidade e do campo para se livrarem de qualquer tipo de exploração. De acordo com o programa do grupo, o Capitalismo não foi capaz de agregar a sociedade e sim, produzir mais diferenças entre as diversas classes, o que resulta em convivência impossível. A candidatura de 2010 foi a terceira disputada pelo político, que em 2002 e 2006 também concorreu ao pleito. Em 2006, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indeferiu o pedido do registro da candidatura, por causa da falta de prestação de contas da eleição anterior. A agremiação utilizou o HGPE para protestar contra o TSE e, por isso, foi retirado do ar18. Além de tentar o cargo máximo do Poder Executivo, ocupou outras funções, listadas em sua biografia oficial: diretor da Central Única dos Trabalhadores, regional Grande S. Paulo; presidente do Partido da Causa Operária; editor do jornal "Causa Operária” e membro do Comitê de Coordenação do Movimento pela Reconstrução da IV Internacional19.

18

Informações disponíveis em <http://www.pco.org.br/conoticias/eleicoes_2006/17set_programa.htm> Acesso em 14 mar. 2011. 19 Informações disponíveis em <http://www.pco.org.br/pagina_inicial.php> Acesso em 14 mar.2011.


321 Em 2010, Rui Costa Pimenta recebeu o menor percentual de votos dos eleitores, entre os candidatos ao cargo. Foram apenas 12.206 votos (0,01%) recebidos, conferindo-lhe a última posição no ranking dos presidenciáveis. Ele mantém durante os programas, um postura de oposição aos candidatos mais populares. No corpus à disposição, o próprio candidato é quem apresenta todos os programas, sempre enquadrado em plano médio, usando roupas formais, como terno, camisa e gravata, num cenário que indica um escritório ou biblioteca, já que, ao fundo, se visualiza uma estante de livros. Com expressão e tom de voz sério, Rui Costa Pimenta, no primeiro programa, não é apresentado oficialmente. Apenas um letreiro, em vermelho, indica o nome do candidato, número e filiação partidária. Antes da fala, a abertura do programa mostra o nome do Partido e figuras que remetem ao ambiente de fábricas, reforçando o conceito e a imagem do Partido. Levando em conta os programas observados, o que fica evidente é que Pimenta confirma vieses dos ethé de “identificação’. As propostas do Partido parecem ser mais importantes do que o histórico ou trajetória do concorrente, como pode ser visto no trecho abaixo O PCO não quer pequenas mudanças no que aí está. Queremos uma reformulação de todo regime político de alto a baixo. Uma revolução do povo e no interesse do povo para colocar o governo sob o mais completo controle da população (...) O objetivo desta revolução é estabelecer um governo dos trabalhadores, sem banqueiros, sem capitalistas, sem latifundiários. Um governo controlado diretamente pela população trabalhadora (...) A meta deste governo é acabar com a exploração do homem pelo homem, eliminando a propriedade privada das indústrias, dos bancos e da terra e estabelecer a propriedade coletiva da produção da riqueza. A isso chamamos Socialismo (PIMENTA, HGPE, 30/09/2010).

Outro traço do ethos de “identificação”, relacionado à questão e às características do ethos de “potência”, salienta-se quando o candidato explicita as questões relevantes para o grupo, com imagens relacionadas aos temas salário, trabalho e terra e, implicitamente, propõe modificações. Também se identifica no discurso do concorrente, a defesa da causa operária, assinalando para o ethos de “solidariedade”, já que situações do cotidiano dos brasileiros são tratadas como primordiais no programa. Conforme Charaudeau (2008), o ethé de “solidariedade” aparece quando o discurso político demonstra a vontade de ser igual a todos, sem distinção. Percebe-se essa inclinação logo no primeiro programa, quando Pimenta expõe a situação das eleições, que o grupo considera injusta para toda a sociedade. Os debates são para quatro candidatos. Os outros sequer são conhecidos do eleitorado e com enormes restrições legais para fazer campanha. É uma eleição para que os mesmos continuem mandando e lucrando, enquanto a maioria do povo passa fome. Por isso, o caminho para mudar o país é a união, a consciência e a luta


322 do povo trabalhador. Não ao jogo de cartas marcadas nas eleições (PIMENTA, HGPE, 17/08/2010).

As características do discurso de Pimenta indicam a predominância do ethos de “identificação”, propondo uma aproximação com o público. As estratégias de credibilidade parecem ficar menos evidentes, com base no corpus que foi analisado. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A elaboração do ethos, por meio de uma percepção complexa, mobilizadora da afetividade do intérprete, que tira suas informações do material linguístico e do ambiente, encontra relações que tornam difícil dizer se fazem ou não, parte do discurso, mas que influenciam a construção do ethos, pelo destinatário. Ao finalizar estas considerações, coloca-se como reflexão o papel do destinatário das propagandas eleitorais – no caso do recorte apresentado - o eleitor. Para este, propõe-se um contrato pelo qual, ao invés de vender um determinado produto, busca-se o voto para o candidato. Contudo, esse fato somente acontece se o ethos construído for arquitetado de forma satisfatória para causar uma boa impressão no eleitor. Outra reflexão que ficou latente, nos corpora analisados, está ligada à perda da oportunidade de construção do ethos de “credibilidade”. Isso ocorreu, provavelmente pelo tempo reduzido de HGPE, notadamente dos candidatos denominados "nanicos", porque os enunciadores não evidenciaram condições de performance e eficácia. Finalmente, pode-se afirmar que, nos atos de comunicação ratificados pelos candidatos que integram os corpora, identificaram-se em maior, ou menor grau, os elementos e as condições necessários para viabilizar a construção do ethos de “sério” e os ethé de “identificação”, em seus eleitores. Assim, considerando que todo discurso pressupõe a construção de uma imagem daqueles que estão envolvidos no processo interativo, o ethos é o ponto fundamental para o exercício de persuasão, principalmente, em campanhas políticas. 4 REFERÊNCIAS AMOSSY, Ruth. Imagens de si no discurso: A construção do ethos. São Paulo: Contexto, 2005. ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1998.


323

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. São Paulo: Editora da Unicamp, 2009. BRASIL. Ministério da Justiça. Lei Nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece as Normas para as Eleições. Diário Oficial da União, Brasília, 1ºout. 1997. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm>. Acesso em: 26 nov. 2010. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. São Paulo: Contexto, 2008. ____________________. Dicionário de análise do discurso. Coordenação da tradução Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2009. MAINGUENEAU, Dominique. “A propósito do ethos”. In: MOTTA, A. (org.); SALGADO, L. (org.). Ethos discursivo. São Paulo: Contexto, 2008, p. 11-29. _________________. Ethos discursivo. Organizadoras Ana Raquel Motta e Luciana Salgado. São Paulo: Contexto, 2008. ________________. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Editora Unicamp, 1997. PANKE, Luciana. Disciplina HT 809 - política e discurso. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, anotações de aula, ministrada em 15 de setembro de 2010. SILVA, Alexandre M. A constituição do ethos nos discursos de Getúlio Vargas. In: Encontro de Pós-Graduandos da FFLCH-USP, 2009. Disponível em <http://www.fflch.usp.br/eventos/epog/textos/Alexandre%20Marques%20Silva.pdf> Acesso em 06 set. 2010 THAMER, Elisabete, Tradução de problema XXX de Aristóteles - a dor de existir. In: ALMEIDA, C. P.; MOURA, J. M. (orgs.) Rio de Janeiro: Contre Capa Livraria, 1997, Disponível em <http://www.ifcs.ufrj.br/~fsantoro/ousia/traducao_problema30.htm>. Acesso em: 26 nov. 2010.


324 Coleção

Voto Hoje

Homenagem a

CID PACHECO ( * 1922 + 2008)


325

Coleção

Voto Hoje Homenagem a

Cid Pacheco (*1922 +2008)

C

id Peres Pacheco compunha o corpo docente da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de janeiro (ECO), desde 1969. Reconhecidamente um dos maiores publicitários do país, planejou mais de duas mil campanhas,

sobre os mais diversos produtos, serviços e instituições, ao longo de seus 63 anos de carreira em comunicação e marketing. Cedo associou-se a João Moacir de Medeiros (JMM Propaganda), responsável pela primeira experiência eleitoral “marketizada” ocorrida no Brasil, em 1954, a campanha de Celso Azevedo (o candidato vencedor) para a prefeitura de Belo Horizonte, inaugurando o marketing eleitoral brasileiro. Na década de 1980 cria a disciplina Comunicação Política Eleitoral na ECO (esteve à frente da disciplina até 2008). Organiza e preside vários seminários, palestras e congressos, como as duas edições de “Voto é Marketing?”, que aconteceram em 1993 e 1994. Além disso, orienta a edição do livro "Voto é Marketing - o resto é Política" (18 co-autores), “Voto é Marketing?” I e II. Foi sócio, fundador e dirigente de diversas associações profissionais, entre elas a ABCOP – Associação Brasileira dos Consultores Políticos. No novo século, em 2000, lança o site Voto Hoje, que inspira a nossa Coleção. Em 2002, é criado o Prêmio Interseção Cid Pacheco, proposto pelos alunos do Curso de Publicidade e Propaganda da UFRJ, com o objetivo de aprimorar talentos e desenvolver a criatividade dos estudantes de Propaganda e Marketing, além de prestar uma homenagem (em vida) ao professor. A premiação, que também dá destaque às peças mais originais, promove uma sinergia entre o mercado de trabalho e a universidade, levando sempre em conta a preocupação social. A iniciativa faz parte da Semana de Propaganda e Marketing da ECO, chamada “Interseção”, criada e produzida pelos alunos da Escola, este ano na sua 12a Edição. A criação da Coleção Voto Hoje é nossa singela homenagem a Cid Pacheco.


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