Arquitetura das aldeias guarani-mbyá da cidade de São Paulo

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arquitetura das aldeias guarani-mbyĂĄ da cidade de sĂŁo paulo


trabalho final de graduação faculdade de arquitetura e urbanismo universidade de são paulo

arquitetura das aldeias guarani-mbyá da cidade de são paulo

luciana romão da silva prof. orientador reginaldo ronconi

são paulo nov. 2010


aos meus pais, aos amigos que me acompanham hĂĄ quase seis anos e aos guarani, que com muita paciĂŞncia permitiram que esse trabalho fosse realizado.


SumĂĄrio

1.Introdução 1.1.Ponto de partida

08

1.3.Objetivos

14

2.Cultura, tradição e metrópole 22

3.Aldeias na metrĂłpole ! " # # $ 30 % & % '( ) # " # ( * 39 % & + % & (- ) # " / " 5 66


Sumรกrio

4.Arquitetura e espaรงo guarani tradicionais 6 7 " 52 6 % & ; < 56 6 ! ; < 58 6 6 ! 5 ; < 61 6 > ! - ; ? < 62 6 @ ! 65

5.Arquitetura guarani atual > % & % '( 70 > 7 " 70 > B 76 > 7 / " 5 112


Sumรกrio

5.2.1.Tekoa Ytu

112

> 7 " 112 > B 120 5.2.2.Tekoa Pyau

146

> 7 " 146 > B 156

6.Conclusรฃo

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Capítulo 1: introdução gaiola de pau-a-pique nos arredores de Brasília, à Êpoca de inauguração da cidade (imagem retirada de WEIMER, Gßnter. Arquitetura popular brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005). p.08. G H IJIG ( 7 " ;imagem retirada de WEIMER, Gßnter. Arquitetura popular brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005). p.08. # " K L G # G * ;imagem retirada de WEIMER, Gßnter. Arquitetura popular brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005). p.08. ? # * " # K ( ;montagem da autora sobre foto aÊrea do Google Earth). p.13. tekoå (- ;M # N<G / " 5 ;foto da autora). p.13. tekoå % H ( G # ( * ;foto da autora). p.13.

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cap 1 introdução


1.1.Ponto de partida

Inserida no campo amplo da cultura popular – ou antes das culturas populares – a arquitetura vernĂĄcula remete a um conjunto # Z " € # Q " " 5 # – como o clima e a disponibilidade de materiais empregados – mas tambĂŠm em função das particularidades sociais, econĂ´micas e culturais de uma determinada população. É o caso, por exemplo, da arquitetura de pau-a-pique difundida em diversas comunidades por todo o paĂ­s – os quilombos no Vale do Ribeira, as aldeias guarani na Serra do Mar, as “gaiolasâ€? no interior do centro-oeste, as comunidades rurais do nordeste – e que # H#G # H G G * G # No entanto, quando focamos a anĂĄlise no meio urbano, notamos que a arquitetura popular se introduz inevitavelmente na lĂłgica capitalista de produção do espaço; o objeto arquitetĂ´nico – que no meio rural poderia ser visto intrinsecamente como utensĂ­lio e, portanto, valor de uso – torna-se nas cidades, ainda que Ă s margens do sistema, valor de troca. 7 R " * # # " G R # # ‰ # # R

gaiola de pau-a-pique nos arredores de Brasília, à Êpoca de inauguração da cidade (imagem retirada de WEIMER, Gßnter. Arquitetura Popular Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005). G H XIX, arredores de Porto Alegre (imagem retirada de WEIMER, Gßnter. Arquitetura Popular Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005).

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introdução

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casa de buriti das margens do K L G # G * (imagem retirada de WEIMER, GĂźnter. Arquitetura Popular Brasileira. SĂŁo Paulo: Martins Fontes, 2005).

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# # ^ G " # # * # " ? G de condicionantes econĂ´micos e sociais. BZ # # * G H V\[ÂŒ 7 casas populares seguem um modelo de produção a baixĂ­ssimo custo: sĂŁo implantadas geralmente em terrenos irregulares (muitas vezes propriedades estatais em ĂĄreas de risco ou de pouca valorização imobiliĂĄria) e sĂŁo levantadas por seus moradores no tempo R * # G # R R # R # R * # x # Â? R # G 5 G " ' mĂŁo. ‘ # 5 H R

! * G levado pelas circustâncias econĂ´micas e muitas vezes inconscientemente, rebaixa o valor relativo de seus meios de sobrevivĂŞncia G R # G * 7 # # # ' G R # involuntĂĄria, para que a lĂłgica de acumulação do capital siga seu curso (FERRO, 2006). ÂŒVale citar o estudo “Habitação popular paulista auto-construĂ­daâ€? ; V\\< ? U * Sampaio e Carlos Lemos e as discussĂľes apresentadas por SĂŠrgio Ferro em “A produção da casa no Brasilâ€? (1969) e “O canteiro e o * N ; V\@< B# textos tratem diretamente dos problemas enfrentados pela classe operĂĄria no contexto polĂ­tico da H V\[G # #' bastante atuais.

²LBUUBJU7G / K –* & “Globalização e urbanização subdesenvolvidaâ€?. In: Revista SP Perspectiva, Revista da Fundação SEADE, janeiro de 2001, SĂŁo Paulo, Vol.14, nÂş4, out/dez 2000.

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Com isso não queremos dizer que inexiste uma arquitetura de caråter tradicional nas grandes metrópoles; pelo contrårio, a H # � # # # # � R R # # # G " # # " " # * # ‰ x ‘ _ G ? #

? G Z # # # G M Z * NG R ‰ Z da imediaticidade e do dinamismo que marcam o fazer popular, ainda que a esse carĂĄter estejam ligadas variantes sĂłcio-econĂ´micas importantes. O solo urbano, uma das principais mercadorias do capital especulativo, insere-se de maneira central na reprodução do capitalismo # G # R # G H V@[G # Z • Z “economia-mundoâ€? ². As metrĂłpoles em constante crescimento reproduzem uma sĂŠrie de contradiçþes e desigualdades necessĂĄrias Ă manutenção da * " # # B " Q G # G " " # 5 G no surgimento de novos pĂłlos tecnolĂłgicos, centralizadores de infraestruturas, do capital e da “alta culturaâ€?. As culturas populares, concentrando-se espacialmente em alguns bairros centrais – desvalorizados e abandonados pela elite – e, introdução


em grande parte, nas imensas periferias carentes de infraestrutura e de sistemas de acesso, são entendidas aqui como parte de um sistema social, o qual por sua vez Ê contido na esfera mais ampla do capitalismo internacional. Dessa forma, pressupþem em # � _ # G * G " G G # # ; G R < � R # * # resistência x continuidade, uma vez que se inserem inevitavelmente nas relaçþes capitalistas de produção e, portanto, são pråticas exercidas dentro de uma esfera de dominação (CHAU�, 1986). A partir desse pressuposto inicial pretendemos apresentar, discutir e compreender alguns elementos de arquitetura popular ainda presentes na metrópole de São Paulo. Tendo em vista que esses elementos são parte constitutiva da tradição e da cultura popular, serão analisados por meio de diversas aproximaçþes: na pequena escala do objeto arquitetônico, na escala um pouco maior de sua ?

G #G * # R # # # # # # G cidade e arquitetura.

introdução

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% #& $

A arquitetura e as tĂŠcnicas construtivas vernĂĄculas formam um conjunto bastante amplo e controverso. Geralmente ligadas ao modo G R Z # # # * # " ? G _5 # 7 assim, elas estĂŁo presentes em uma imensa gama de casos, que devem ser analisados em todas as suas particularidades para serem compreendidos. K # # * K ( G Z # X# ' R ? # # Q G # G R # # # * entendimento das manifestaçþes culturais nelas presentes. Ainda assim muita cautela ĂŠ necessĂĄria, uma vez que as tĂŠcnicas construtivas empregadas por essas populaçþes em seus locais de origem passam a ser raramente ou nunca utilizadas no espaço metropolitano. Isso ocorre em função da incompatibilidade de # G # # G ~# G #G # _ R # # " * # H ! # # ? #' # # algumas vezes mais, outras menos adequadas aos costumes dessas populaçþes. Quando nĂŁo sĂŁo esquecidos ou simplesmente ignorados, esses elementos passam entĂŁo a mesclar-se com novas tĂŠcnicas, novos # R # G " # Â? # # 5 Â? * # R R # G # * R R Z # # # # R R " cada uma dessas particularidades, presentes no conjunto vasto das populaçþes migrantes. 7 H# ' G # # Z # R # ) * * # Z # G x # " " S " G *5 Q ? " de toda borda perifĂŠrica das zonas norte, leste e sul, as Comunas da Terra – assentamentos bastante interessantes realizados pelo # % * U K # % ; K%< Â? Q" " 'mbyĂĄG " R * # ser praticamente ignorado pela população de SĂŁo Paulo. " G * G # # G " Q R ' #

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introdução


5 # ? # % * L S R # referentes a cada um desses grupos. Assim, optamos por um recorte mais preciso, que trouxesse em si a problemĂĄtica das tradiçþes, # # G H# R # # X Estudar as tribos guarani presentes na cidade se mostrou uma opção bastante instigante por seu carĂĄter de exceção: nĂŁo se trata de uma exclusĂŁo social, nos padrĂľes sofridos pelos demais grupos populares, mas acima de tudo da exclusĂŁo de uma comunidade cuja # ? G * # # G • NĂŁo somente, estudar a arquitetura tradicional guarani-mbyĂĄ se mostrou uma opção muito interessante por se tratar de uma # R * # ; # G G # • # " < # # G R ‰ # R G # R 5 religioso. Existem dentro da regiĂŁo metropolitana de SĂŁo Paulo quatro aldeias guarani, Ă s quais ligam-se ainda uma sĂŠrie de outras localizadas " K / G # # # X _ # # # G R R estudos sobre os guarani devem levar em consideração essa relação ampla entre as terras demarcadas e o territĂłrio indĂ­gena de fato, R Z # B Uma vez que nosso interesse, entretanto, ĂŠ entender as relaçþes existentes entre a arquitetura guarani atual e a metrĂłpole, optamos por um recorte que abarcasse de forma precisa as duas realidades enfrentadas pelos guarani-mbyĂĄ na metrĂłpole: a pequena comunidade ? / " 5G " G % '( G # G # ( * G Z # sul. As tekoĂĄ / " 5G * # H# # aldeia de cima e aldeia de baixoG # # X _ G # Q # * # # # # # ( ? # # % J Q" # G # 6G\ * G # # ' # ! # produtivo guarani, baseado na agricultura, coleta e pesca, ĂŠ completamente impossibilitado. Obrigados a sobreviver precariamente G Q " G # # # " # ( * A despeito do Parque EcolĂłgico e da proximidade da Serra da Mantiqueira, o JaraguĂĄ ĂŠ um bairro de urbanização consolidada. As

introdução

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imediaçþes da aldeia sofrem constantes alteraçþes, fruto da atividade imobiliĂĄria intensa ligada tanto ao eixo industrial e logĂ­stico da 7 * " R # # # * #H Z B# # *5 G # ?H G # "Q G _ * Â? # 5 parque – as tekoĂĄ guarani sofrem nĂŁo com a aproximação da cidade, mas com sua presença concreta e imediata. A tekoĂĄ % ( G G ? # % J Q" # # G @ * G x # " " ? # * urbana da regiĂŁo metropolitana de SĂŁo Paulo. vista da rua da tekoĂĄ Pyau (“aldeia de cimaâ€?), no JaraguĂĄ. vista interna da tekoĂĄ TenondĂŠ

# ( * * # X # [ # # Z H metrĂłpole, principalmente com os assentamentos informais ao longo da represa, as aldeias ainda encontram-se relativamente apartadas do modo de vida urbano. Com uma maior possibilidade de sobreviver da agricultura e da coleta – atividades econĂ´micas complementadas pelo turismo e pela venda de artesanato – Tenonde PorĂŁ apresenta uma conformação espacial e arquitetĂ´nica mais prĂłxima Ă tradicionalmente empregada entre outros grupos guaraniÂł.

( G # ( *

ÂłAlĂŠm dessas duas comunidades, existe ainda na regiĂŁo metropolitana da cidade – tambĂŠm no distrito de ( * Z # % PorĂŁ – outra aldeia guarani, a tekoĂĄ W & ! # G G # * dessa aldeia. Faz parte de uma mesma realidade urbana e ĂŠ bastante # * x % ( de vista das tipologias arquitetĂ´nicas, de forma que acrescentaria pouco Ă s propostas gerais do presente estudo. Limitamo-nos, portanto, a apresentĂĄla como parte do conjunto maior de aldeias guarani do estado de SĂŁo Paulo, cujas relaçþes com as comunidades estudadas serĂĄ exposta mais adiante.

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introdução


'() *

Pretendemos realizar um estudo de caso que introduza, para alĂŠm da documentação arquitetĂ´nica, uma breve discussĂŁo sobre o # G # " H " A arquitetura, entendida aqui como produção material, ĂŠ uma das facetas por meio das quais uma determinada cultura se perpetua no tempo e no espaço. Ela muda quando mudam tambĂŠm os modos de vida, se ajusta a novas realidades e exprime, no espaço, a visĂŁo particular de uma sociedade em uma determinada ĂŠpoca, sob determinadas condiçþes polĂ­ticas, econĂ´micas e sociais. Em se # R 5 # " G # Obviamente, esgotar a discussĂŁo a respeito da arquitetura e de suas relaçþes com a tradição guarani-mbyĂĄ # # * # " Q " G R # M N ^ G # ? R " 5 # # # # G R # * R R (sociais, polĂ­ticas, econĂ´micas) que atingem diretamente o espaço-tempo diferenciado das aldeias. Por esse motivo, sentimos a necessidade de dividir o presente estudo em dois momentos. Primeiramente, introduziremos uma discussĂŁo # # G # #G R H " ] # # # G # " # # G # * # R # ( # # R " # $ # ' G ' # sĂłcio-cultural das tribos guarani inseridas na periferia de uma das maiores metrĂłpoles mundiais. De um ponto de vista prĂĄtico-imediato, poderia alegar-se que o levantamento e a anĂĄlise das construçþes indĂ­genas atuais seja de G # ? R * # H R 5 # # _ meio urbano da cidade de SĂŁo Paulo. No entanto, o estudo traz em si outras questĂľes de bastante relevância. Ver nessa arquitetura um estĂ­mulo Ă pesquisa de tĂŠcnicas construtivas econĂ´micas – de fĂĄcil realização e menor impacto construtivo – bem como entender as maneiras pelas quais o espaço R ~ ? G # ‰ R #G " # R

introdução

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cap 2 cultura, tradição e metrópole


2.1.Breves pontuaçþes sobre cultura e tradição

“Por estas razĂľes preferimos restringir o uso do termo cultura para produção de fenĂ´menos que contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbĂłlica das estruturas materiais, para a compreensĂŁo, reprodução ou transformação do sistema social, ou seja, a cultura diz respeito a todas as prĂĄticas e instituiçþes dedicadas Ă administração, renovação e reestruturação do sentidoâ€? (CANCLINI, 1983)

A arquitetura vernĂĄcula ĂŠ um dos elementos que compĂľem a produção material das culturas populares. A partir de um levantamento das construçþes guarani, trataremos de entender, portanto, algumas das maneiras por meio das quais este grupo ĂŠtnico se mantĂŞm como tal, Ă s margens de nosso sistema social. Cabe entender primeiramente de que forma os indĂ­genas se inserem em categorias como cultura popular, cultura de classe, cultura nacional e cultura ĂŠtnica. Mais do que isso, de que forma a tradição – conceito que tambĂŠm serĂĄ discutido – permite a continuidade dos guarani enquanto comunidade e de que maneira a arquitetura ĂŠ mantida pela – e ajuda a manter – a tradição. % # R ? # " G H R # # # " # # R ‰ ; H # # # < Â? # G G institucional – de um grupo. Da mesma forma, a cultura popular serĂĄ trabalhada aqui como produção material e imaterial do grupo extenso a que costumamos chamar de povo. Alerta Canclini, ao tratar de cultura popular na AmĂŠrica Latina, que muito embora o estruturalismo de Levi-Strauss e as teorias * # # * # # # Z • inferiores, ainda sĂŁo incapazes de pensar as diferentes culturas enquanto conjuntos que coexistem e se inter-relacionam. As diferentes culturas, dessa forma, nĂŁo constituem sistemas autĂ´nomos e independentes. E mais, se relacionam de maneiras diferentes, seja num mesmo paĂ­s, num mesmo continente ou mesmo em escala mundial.

cultura, tradição e metrópole

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As relaçþes polĂ­ticas, sociais e econĂ´micas entre paĂ­ses, em um sistema capitalista globalizado, nĂŁo podem ser ignoradas. Todos os G _ G Q # R Q # # " 5 ^ R G sistemas culturais seguramente nĂŁo sĂŁo uma exceção. Se as culturas coexistem e dependem umas das outras, nĂŁo se pode por outro lado negar as relaçþes de dominação e hierarquia que permeiam essa interdependĂŞncia. E, nas trocas culturais, a diferença tende a transformar-se em desigualdade, a desigualdade em hierarquia e esta em dominação. Quando se trata de uma “ocidentalização do mundoâ€? – tendĂŞncia apontada por diversos sociĂłlogos e acentuada pelas dinâmicas resultantes do capitalismo global – a dominação, por sua vez, tende a produzir uma homogeneização da produção cultural sem eliminar, no entanto, as distâncias entre elite e povo. 7 G Z G # " 7 # em espetĂĄculo, os objetos de valor de uso se transformam em valor de troca (o artesanato ĂŠ um exemplo claro) e toda a produção se valoriza enquanto interesse turĂ­stico, porĂŠm sem que seus produtores sejam vistos como agentes sociais. E dessa forma cria-se uma “cultura nacionalâ€?, ou antes, uma ideologia nacional que tende a minimizar as diferenças no campo das culturas, porĂŠm nĂŁo no campo social, polĂ­tico e econĂ´mico. Nesse sentido, a cultura popular contĂŠm e ĂŠ contida pela cultura dominante. DaĂ­ as incoerĂŞncias que permeiam a cultura popular: ĂŠ ambĂ­gua pois funciona, ao mesmo tempo, como instrumento de reprodução social – ĂŠ uma faceta da hegemonia de classes – e como resistĂŞncia, pois ĂŠ tambĂŠm processo social que questiona, transforma e inverte os valores impostos pelas classes dominantes (CHAUĂ?, 1986). Qualquer estudo sobre a produção cultural de grupos indĂ­genas deve ter em mente esse movimento duplo que permeia as relaçþes entre cultura popular e cultura dominante, uma vez que ĂŠ por meio da descaracterização do sentido original das danças, das festas, do artesanato e da prĂłpria arquitetura que esses povos se inserem em nossa sociedade. 1

MACHADO, Lia Zanotta. “Mulheres na polĂ­tica: o lugar da tradição na modernidade latinoamericanaâ€?. In: SĂŠrie AntropolĂłgica, 1990, BrasĂ­lia, nÂş 105.

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No entanto, tratar as culturas indĂ­genas simplesmente como um subgrupo das culturas populares seria incorrer em uma redução grave. Embora estejam presentes na cidade e dela participem como sujeitos ativos, “os modelos e cĂłdigos culturais que informam a identidade, o ethos e a visĂŁo de mundo destes grupos indĂ­genas sĂŁo outrosâ€?1. Assim, se procurarĂĄ analisar os guarani e suas relaçþes com a metrĂłpole enquanto cultura ĂŠtnica diferente da nossa, porĂŠm que cultura, tradiçao e metrĂłpole


contĂŠm em si uma caracterĂ­stica fundamental das culturas populares: a indagação e a contraposição a uma estrutura dominante, ao mesmo tempo em que ĂŠ por ela abarcada, ainda que Ă força e como matĂŠria exĂłgena. É sempre difĂ­cil para o “olhar de foraâ€?, compreender toda a base em que se funda e sobrevive uma cultura ĂŠtnica distinta. O que muitas vezes julgamos como aculturamento (em geral a incorporação de elementos estranhos) pode ser uma estratĂŠgia de sobrevivĂŞncia, uma “concessĂŁo inevitĂĄvelâ€?, ou ainda uma forma de reciclar valores impostos de fora, adaptando-os Ă sua visĂŁo de mundo particular . A tradição ĂŠ muitas vezes ligada erroneamente a uma ideia de conservadorismo, de anti-modernidade ou de cultura cristalizada. Esquecem os crĂ­ticos da tradição, no entanto, que ela remete nĂŁo apenas a um produto da atividade humana, material ou nĂŁo, mas Ă forma como esse produto se reproduz e ĂŠ transmitido por uma dada população ao longo do tempo. Ignorar a dimensĂŁo criadora presente na tradição ĂŠ ignorar a cultura no sentido de processo em constante reprodução e transformação do sistema social, dimensĂŁo esta que trabalharemos aqui. O “patrimĂ´nioâ€? transmitido por meio da tradição ĂŠ realização de sujeitos de uma sociedade, ou seja, ĂŠ atividade e objetivação humana. Quando a serviço de uma ideologia, a tradição pode vir, sem dĂşvida, a representar uma prĂĄtica conservadora que visa a manutenção do status quo do grupo dominante. PorĂŠm, neste caso, a tradição costuma transformar-se em um simples acervo, um “braçoâ€? do passado que avança sobre o presente. Essa noção conservadora de tradição estĂĄ ligada a uma ideia de autenticidade segundo a qual mudanças nĂŁo sĂŁo permitidas. Essa visĂŁo nega o processo social que constitui a tradição viva, em favor da preservação de formas fechadas que tendem a perder o seu # # w ? ' # # # # • G e dessa forma, como uma anomalia que deve desaparecer porque inautĂŞntica. / #' # # Q M " N Q" x ‘ Z Q R vistos usando roupas ocidentais e jogando futebol. Ignora-se, no entanto, que todos da comunidade guarani falam o idioma nativo desde crianças, frequentam os rituais tradicionais da opy (casa de rezas) e possuem, cada um, seu nome indĂ­gena, guardado por eles como expressĂŁo divina de suas almas. Em relação Ă arquitetura propriamente, Hassan Fathy pontua muito claramente o papel da tradição viva:

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“quando um operĂĄrio se defronta com um novo problema e decide como ultrapassĂĄ-lo, ĂŠ dado o primeiro passo para o estabelecimento de uma tradição. Quando um outro operĂĄrio tiver decidido adotar a mesma solução, a tradição estarĂĄ avançando e, no momento em que um terceiro homem tenha seguido os dois # G 5 # N2 As tradiçþes construtivas aĂ­ expressas referem-se Ă resolução de um problema a partir de um conhecimento prĂŠvio. E este conhecimento nĂŁo ĂŠ cĂłpia; ĂŠ antes um exercĂ­cio racional que objetiva uma nova solução a partir do momento dado, nas condiçþes dadas, com os materiais e mĂŠtodos disponĂ­veis. É sob essa Ăłtica, portanto, que procuraremos analisar aqui as tradiçþes arquitetĂ´nicas e construtivas guarani-mbyĂĄ.

2

FATHY, Hassan. Construindo com o povo: arquitetura para os pobres. Rio de Janeiro: Salamandra, 1980.

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cultura, tradição e metrópole


2.2.MetrĂłpole e periferia

A urbanização contemporânea pode ser considerada, sob muitos aspectos, como a concreção por excelĂŞncia do capitalismo # K " ` -G M G * " # " " 5 - producto excedente. La urbanizaciĂłn siempre ha sido, por lo tanto, un fenĂłmeno de clase, ya que los excedentes son extraĂ­dos de algĂşn sitio y de alguien, mientras que el control sobre su utilizaciĂłn habitualmente radica en pocas manos. Esta situaciĂłn general persiste bajo el capitalismo, por supuesto; pero dado que la urbanizaciĂłn depende de la movilizaciĂłn del producto excedente, surge una conexiĂłn Ă­ntima entre el desarrollo del capitalismo y la urbanizaciĂłn. Los capitalistas tienen que producir un Z } H ? " #5 El resultado de la reinversiĂłn continuada es la expansiĂłn de la producciĂłn de excedente a un tipo de interĂŠs compuesto, y de ahĂ­ proceden las curvas logĂ­sticas (dinero, producciĂłn y poblaciĂłn) vinculadas a la historia de la acumulaciĂłn de capital, que es replicada por la senda de crecimiento de la urbanizaciĂłn en el capitalismoâ€?5. 7

G # # G # • planejamento. Se o primeiro momento de “explosĂŁoâ€? das cidades – atrelado Ă Revolução Industrial na Inglaterra do sĂŠculo XIX – caracterizou-se pelo crescimento caĂłtico e desordenado, tratava-se antes de uma consequĂŞncia do prĂłprio processo de acumulação do capital em seu estĂĄgio extensivo (DEĂ K, 1985) do que de uma falha nas polĂ­ticas pĂşblicas. NĂŁo por acaso tambĂŠm, ainda no sĂŠculo XIX esse modelo foi substituĂ­do pela intervenção direta do Estado, no mesmo momento em que se consolidaram os grandes # " # # A conformação espacial das cidades contemporâneas originou-se assim com o desenvolvimento industrial e teve sua expansĂŁo # # # # ( G ?

" # mercado.

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5

HARVEY, David. “El derecho a la ciudadâ€?. In: New Left Review, outubro de 2008, Londres, nÂş53, set/out 2008.

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NĂŁo que a “vontadeâ€? do mercado atue por si sĂł na conformação urbana: a produção do espaço depende de mais que a inversĂŁo direta de capitais particulares. É antes a intervenção do Estado que garante o contĂ­nuo crescimento do ambiente urbano, mesmo nos casos em que o planejamento parece simplesmente nĂŁo existir – impressĂŁo que temos ao estudar SĂŁo Paulo, por exemplo. A expansĂŁo urbana de SĂŁo Paulo estĂĄ ligada Ă industrialização do paĂ­s a partir da dĂŠcada de 1930. Durante cerca de ao menos quarenta anos, atĂŠ meados da dĂŠcada de 1970, a cidade apresentou um ritmo acelerado de crescimento pautado no setor industrial, que direcionou os principais investimentos em infra-estrutura naquele momento e consolidou importantes bairros, tanto da elite quanto da classe operĂĄria. O setor automobilĂ­stico permitiu que um mercado-chave para a acumulação de capital extensiva, baseada ao mesmo tempo na # # Z G # 7 # em eixos viĂĄrios radiais atendeu Ă uma demanda clara desse setor industrial e serviu ainda aos propĂłsitos de segregação espacial, concentrando para alĂŠm do rio TamanduateĂ­ expressivos bairros operĂĄrios - BrĂĄs, MoĂłca e BelĂŠm - alĂŠm de importantes municĂ­pios fabris da Grande SĂŁo Paulo - SĂŁo Bernando do Campo, Santo AndrĂŠ e SĂŁo Caetano do Sul. JĂĄ no inĂ­cio da dĂŠcada de 1980 a mancha urbana de SĂŁo Paulo era considerada uma das maiores do mundo. O Brasil havia se tornado # # G R " # H# # $ * ] R # G # produtividade da força de trabalho era necessĂĄrio para que a produção continuasse expandindo-se. 7 #G # # x # x # G # um novo processo: a perda de empregos no setor secundĂĄrio, fruto nĂŁo apenas da descentralização industrial – que passa a procurar municĂ­pios vizinhos e outros estados – mas tambĂŠm do processo de terceirização da economia. Esse ĂŠ um momento crucial para entendermos a conformação espacial da metrĂłpole de SĂŁo Paulo atualmente. Por um lado, a crise G # " " ~# Q H V [ # # " da população urbana. NĂŁo sendo o campo mais uma alternativa para grande parte das classes baixas que formavam o exĂŠrcito de reserva dos setores manufatureiro e industrial, as periferias semi-urbanas passaram a sofrer um processo de adensamento sem precedentes. As principais favelas de SĂŁo Paulo tem justamente na dĂŠcada de 1980 sua origem ou momento de maior expansĂŁo. ( G # * #

# Z " a reorganização espacial da metrópole. Na medida em que o mercado imobiliårio passou a desempenhar um papel central na

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cultura, tradição e metrópole


acumulação e inversĂŁo de capitais, a mercadorização da localidade e a produção de novos espaços se tornaram fundamentais na ? # $ 7 # # # ' # R nas metrĂłpoles - os antigos programas arquitetĂ´nicos começaram a se mostrar obsoletos Ă s novas demandas do terciĂĄrio. Tanto as antigas fĂĄbricas do eixo formado pelo rio Tamanduatei e pela Estrada de Ferro Sorocabana quanto os edifĂ­cios de escritĂłrio que marcam a paisagem do centro da cidade tornaram-se obsoletos. Se desde a dĂŠcada de 1960 as classes dominantes vinham se deslocando dos bairros centrais para os assentamentos tradicionais da elite cafeeira a sudoeste (em torno do espigĂŁo da avenida Paulista), nos anos 80 e 90 essa tendĂŞncia foi fortemente endossada pelas novas demandas de mercado. Grandes edifĂ­cios corporativos começaram a erguer-se em bairros de classe alta, como Bela Vista, Pinheiros, Jardins, Moema e Itaim Bibi, ao longo de importantes eixos viĂĄrios – Paulista, Berrini, Faria Lima, marginal do rio Pinheiros, determinando assim os principais locais da especulação imobiliĂĄria paulistana hoje. Dessa forma, o que observamos nas metrĂłpoles brasileiras nĂŁo ĂŠ, de fato, a ausĂŞncia de polĂ­ticas urbanas estatais, mas antes o atrelamento das polĂ­ticas pĂşblicas com os interesses privados, que acabam por determinar os usos do espaço e geram com isso o processo de urbanização excludente que conhecemos bem. O abandono sofrido pelos centros histĂłricos – espaços tradicionais do encontro e da urbanidade – ĂŠ ainda hoje uma das expressĂľes mais claras desse processo: o enfraquecimento das velhas centralidades serve bem Ă necessidade de criação de novas localidades pelo mercado, ou seja, de inversĂŁo de capital em novos espaços. Quando a elite paulista migrou do centro para novos bairros, levou consigo os principais investimentos pĂşblicos em infra-estrutura e, consequentemente, passou a determinar quais ĂĄreas urbanas deveriam ser “valorizadasâ€? e quais poderiam ser “desvalorizadasâ€?. É dessa forma que os interesses de mercado – ou seja, os interesses dos detentores do capital – transformam-se (ao menos no campo polĂ­tico-ideolĂłgico) em interesses comuns. Assim, ĂŠ como forma de garantir a constante inversĂŁo do capital que surgem os novos pĂłlos econĂ´micos e polĂ­ticos da cidade – os “centros de decisĂŁoâ€? – em detrimento das velhas centralidades. Estas por sua vez perderam parte de seu uso tradicional6, mantendose no entanto, como centralidades fundamentais para o restante da população, ao concentrar uma grande fatia de empregos formais e informais, alĂŠm do comĂŠrcio e das principais redes de transporte da metrĂłpole.

6

Na medida em que as classes altas detÊm não apenas o capital, mas direcionam a própria política urbana, tornam-se tambÊm as Z • x G ? ` | H @[ # #

Dança, Programa Nova Luz - deixou de ser, ao menos para a elite, o lugar da

O centro de São Paulo, a despeito dos esforços da gestão atual em fomentar os grandes programas culturais - Sala São Paulo, Praça das Artes, Teatro da

“alta culturaâ€?, do lazer e da vivĂŞncia.

cultura, tradição e metrópole

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pelo geĂłgrafo David Harvey: “El derecho a la ciudad es mucho mĂĄs que la libertad individual de acceder a los recursos urbanos: se trata del derecho a cambiarnos a nosotros mismos cambiando la ciudad. Es, ademĂĄs, un derecho comĂşn antes que individual, ya que esta transformaciĂłn depende inevitablemente del ejercicio de un poder colectivo para remodelar los procesos de urbanizaciĂłn.â€?7 O que estĂĄ em jogo nas cidades contemporâneas ĂŠ, portanto, antes de tudo o domĂ­nio do binĂ´mio produção-urbanização. Ter isso em mente ĂŠ fundamental para compreender, ainda que minimamente, a origem tanto dos guetos das classes dominantes (os superempreendimentos imobiliĂĄrios, os condomĂ­nios fechados, os edifĂ­cios-parque, os novos shopping centers da marginal Pinheiros, entre outros) quanto os guetos das classes baixas (as favelas, os loteamentos irregulares ao longo das represas, os cortiços e os imensos conjuntos habitacionais, cujo Ă­cone mĂĄximo ĂŠ o bairro de Cidade Tiradentes, na periferia leste da cidade). ^ x # # x H V [ R # # # informais nas bordas perifĂŠricas de SĂŁo Paulo, a exemplo do que acontecia tambĂŠm em outras metrĂłpoles latino-americanas. A adoção pelo governo brasileiro das diretrizes neoliberais importadas da Europa e Estados Unidos nesse perĂ­odo marca atĂŠ hoje o planejamento de nossas cidades. Objetivando o incremento da competitividade urbana, de modo a atrair vultuosos investimentos do # # G _ # # # Â? R K ( H # * Z # – em mercadorias de fato. 7 # # # Q # ? H # # R #' # pĂłlos de prestação de serviço. Atrair constantes investimentos e gerar lucros sĂŁo requisitos bĂĄsicos para a competitividade em escala G G " & " M " N JĂĄ mencionamos, entretanto, que o espaço urbano nĂŁo pode ser produzido por capitais privados. Cabe, portanto, ao poder pĂşblico M" N ; # _ # G # " ? # < Q #) G # * ' G # ? # 5 # G etc. 7

HARVEY, David. “El derecho a la ciudadâ€?. In: New Left Review, outubro de 2008, Londres, nÂş53, set/out 2008.

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Nesse processo, as terras rurais das periferias – principalmente chĂĄcaras e sĂ­tios – passaram a atrair a atenção tanto dos especuladores formais quanto dos informais. Com o aumento da demanda por terra barata, muitas glebas foram – e ainda vem sendo – cultura, tradição e metrĂłpole


# # # G ? H # _ estudo deste trabalho: as comunidades indĂ­genas da metrĂłpole. AtĂŠ a dĂŠcada de 1980, as aldeias guarani conseguiam manter seu espaço de subsistĂŞncia relativamente bem resguardado por meio de acordos informais esporĂĄdicos com os falsos proprietĂĄrios das terras que ocupavam. Quando porĂŠm essas terras passaram a apresentar potencial de compra e venda, principalmente na dĂŠcada de 1990, as disputas com " #' # R ( ‰ # H G # Q" # entĂŁo o respaldo estatal necessĂĄrio para regularização das terras por elas tradicionalmente ocupadas, um direito – sabiam – garantido pela recĂŠm-redigida Constituição Federal. NĂŁo por acaso, a dĂŠcada de 1990 foi marcada pela legalização de grande parte das aldeias guarani do estado, tanto na capital quanto no interior e litoral, que passaram a constituir entĂŁo as denominadas Terras IndĂ­genas de SĂŁo Paulo. As periferias constituem a imagem invertida do processo de valorização imobiliĂĄria impulsionado pelos novos pĂłlos polĂ­ticos e econĂ´micos. Se a terra desempenha um papel central na reprodução continuada do capital, para os indĂ­genas sua função ĂŠ ainda mais essencial: dela dependem inteiramente a subsistĂŞncia e cultura. Na medida em que fazem parte do anel perifĂŠrico de uma das maiores metrĂłpoles mundiais, as comunidades indĂ­genas sĂŁo atingidas inevitavelmente pela lĂłgica do mercado de terras. NĂŁo se trata, portanto, simplesmente de manter tradiçþes seculares. A grande R H # # # # _ # ‰ # # ~# Q R elas se inserem.

cultura, tradição e metrópole

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cap 3 aldeias na metr贸pole


3.1.O território tradicional guarani e sua inserção na metrópole contemporânea

“pois a questĂŁo nĂŁo ĂŠ viver como guarani em um universo guarani, mas viver como guarani em um contexto em que os juruĂĄ (brancos) se impĂľe.â€? (ANDRADE apud. LADEIRA, 2008)

Os guarani sĂŁo habitantes histĂłricos da regiĂŁo sul do continente sul-americano. Ocupam grande parte do territĂłrio paraguaio e porçþes menores do Uruguai, Argentina e BolĂ­via. No caso brasileiro, localizam-se nos estados do sul e sudeste. 7 " # " G R # " # X# W ¢5G ÂŁ 5 I 5G -5 ; • # <G S G % 7 * B especialmente a diferenças dialetais na lĂ­ngua guarani, porĂŠm sĂŁo distinguĂ­veis tambĂŠm aspectos da vida econĂ´mica, da organização social, de fundamentos religiosos e de vestimentas tradicionais.

mapa das aldeias guarani na AmÊrica do Sul (imagem retirada de LADEIRA, Maria Inês. O espaço !" # $ %$ & ' # ())*).

1

aldeias na metrĂłpole

2

% J Q" do Brasil, maior parte das quais com população guarani (fonte: FUNAI).

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R ~ #' # H# " # # G # W ¢5 mais tradicionais das chamadas casas-grande, unidades habitacionais onde vive toda uma famĂ­lia extensa, e a adoção de unidades habitacionais pequenas no que diz respeito aos demais subgrupos presentes no Brasil. ] # Z W ¢5G R # # # G ÂŁ 5¤I 5 -5 # # # como guarani, ou simplesmente como ĂąandevĂĄ, que quer dizer “os que somos nĂłsâ€?. As outras denominaçþes sĂŁo apenas formas de distinguirem-se dos membros de outros subgrupos e podem ser consideradas mais como apelidos referentes a alguma caracterĂ­stica peculiar, como o tipo de roupagem tradicional, do que propriamente uma identidade pessoal. ! " # H W ¢5G # >[[[ ? ' # S K ! ÂŁ 5¤I 5 ? # # " # # [[[ ? #' # " * Q G U S K G K ] G ( 5 K ( ! -5G subgrupo de aproximadamente 12000 pessoas, habitam tambĂŠm a faixa litorânea do sul e sudeste do paĂ­s, espalhando-se pelos U S K G K ] G ( 5G K ( G U / B Q K

casa-grande kaiowĂĄ na aldeia ( # G S ;imagem %+- / 1 ' %$ & ' # 1 $ 3 467(_ casa ĂąandevĂĄ # / G S ; %+- / 1 ' %$ & ' # 1 $ 3 467(_ casa !" em comunidade de QG 7 " U G U / G 1988 (1 # ' L 1 # % ! ').

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3

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! -5G * G # " ( " 7 " 7 H V@[ # # H# " # B K ( G # " K As tribos !" # # G R R # # K ( G _

" # * 5 # " R G ( " *5 # • H Z #' ( 5 G 5G # " #G # # H IIG Os deslocamentos ao longo do territĂłrio sĂŁo caracterĂ­sticos do subgrupo e normalmente sĂŁo realizados por iniciativas individuais, quando uma famĂ­lia-extensa ou apenas algumas pessoas decidem migrar de uma aldeia para outra. Esses casos bastante comuns # ~# 5 G # * # # # sociais guarani. ( H# # " 5 # # 5 G Z # # " # " R 5 # # * " 5 " G # " * # ? # * " # 5 % ' M # # NG ? # * " 1, tendo sido extensamente estudado por diversos pesquisadores. Segundo Carlos Zibel da Costa, “seria um local, para alguns autores, situado a oeste, mais precisamente para alĂŠm dos Andes, e, para outros, situado a leste, mais precisamente alĂŠm do “grande rioâ€? (Oceano Atlântico); este local, onde os guarani poderiam cantar e dançar eternamente, e onde a terra produziria sem qualquer trabalho, pode ser # # M Q NG " # " _ ' B# Q G que para os guarani nĂŁo se necessitava passar pela prova da morte para alcançar, tais grupos indĂ­genas

" ? #G # G " # # " G R * #G G # 5 H bastante claro.â€?2 O mito da “terra sem malâ€? diz respeito a um local onde estariam asseguradas as condiçþes de vida naturalmente (sem necessidade

* # < ‰ # $ R ‰ # * " ? " As matas correspondem ao mundo ideal, onde estĂŁo asseguradas as condiçþes de vida: a coleta, a caça, a pesca, a roça em terrenos H " ^ G Z • ĂąanderekĂł, o “modo de serâ€? guarani.

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1

( # # * # cosmogonia e da religiosidade guarani, ler “Lendas da criação e da destruição do mundo como fundamento da " 7 X 'S N W ^ # _ w & G M% K # N `H ÂĽ ] M% ' % ) G terra e do homem segundo a tradição

" N W & – 5 / H

2

]!K%7G ] U { ` " ) # " K ( ) L7w'wK(G V V ; <

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( ? G ? #' # # # * G 5 # 5 G Z # G R escolhiam para assentamento terrenos altos e descampados. BZ # • # * Q # K ( B # " # # " Q H II M # # N ÂŚ * " # 7 $ G G # # G # Â? # _ # # _ x # Q # Â? # # ? # G K # # J | 3G Z # # K ( > Q" com população guarani- !" G ? " # Q 5 x K § Z H # / " 5 R G # # G # # ' $ G # # Z # " " 5 H I€J B # K ( G Z # R " ' !" : tekoĂĄ Ytu e tekoĂĄ (- G / " 5G tekoĂĄ % ( tekoĂĄ W & G ( *

# Q K ( # presença guarani !" e ùandevå. Em vermelho, bairros da cidade de São ( # # !"

3

|7 BJU7G J • !

" " 5 " '# - ) " G K ( ) B G 2008.

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% _ G # | # M N " Q G ~# si, conformando um mesmo territĂłrio guarani. 7 * R G Z # " " 5 " G #

Q

G Q ~# # # " •# # G a manutenção do territĂłrio se mostra essencial para a continuidade dos guarani enquanto grupo distinto da nossa sociedade juruĂĄ (nĂŁo-Ă­ndia). 7

R

' Q G H# G # ? # G _5 # G R " # • # de relaçþes que ultrapassam diversas vezes os prĂłprios limites nacionais. É o caso, por exemplo, das reuniĂľes frequentes entre as tribos do sul e sudeste do Brasil e as tribos paraguaias. Embora as tekoĂĄ # G # G

• # M# N #Q ' Z G locomoção entre aldeias ĂŠ histĂłrica e de extrema importância, pois permite o fortalecimento dos laços polĂ­ticos, sociais e econĂ´micos dentro do mesmo subgrupo. A aparente instabilidade das aldeias pode ser atribuĂ­da a essa relação territorial mais ampla, que permite grandes mobilidades internas. ^ # X # 5 G # # # * _5 # % J Q" B G Q H IIG % H ( G # ( * G " ¨ - #G * _ ! " # # G ?G # # " _5 # G como tambĂŠm pela busca de terras fĂŠrteis para o plantio do milho awetiG # 5 " ^ G " # G R # # R # " Q # Q 7 " H 5 " ) G # # 5 " Q G H # perĂ­odos. O primeiro, " (“tempo novoâ€?) abrange os meses da primavera e do verĂŁo. É o tempo da cultura da terra e da colheita, abrangendo ainda as principais atividades religiosas guarani: o batismo do milho aweti, o batismo da erva-mate e as cerimĂ´nias de nominação das crianças. O segundo, " $ (“tempo velhoâ€?) corresponde aos meses do outono e inverno. É, por sua vez, o tempo do descanço da terra e da aldeias na metrĂłpole

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# G R # # ? " # " Q ( # G H considerado o tempo da caça, da pesca, da coleta de sementes e frutos silvestres e tambĂŠm da construção civil. O " $ ĂŠ o tempo da estiagem, sendo o mais indicado para o corte da madeira e barreamento do pau-a-pique, de modo que ĂŠ o perĂ­odo preferido para ? * ‘ # G G R # # # " Q # % ' # # # tradicional que somente pode ser viabilizado diante das terras amplas que caracterizam o territĂłrio guarani original. w# ? R # # " R ' x 5 G

" # 5 B R # ? R R # e sĂŁo extremamente importantes para o sistema de cooperação social e econĂ´mica entre as comunidades, as grandes migraçþes de populaçþes inteiras, por outro lado, perderam seu sentido. 7 " ? 5 Z # # # " Q G # R " • tradicional sofreu impactos diretos. Os guarani estĂŁo acostumados com o mĂŠtodo agrĂ­cola da coivara4, que necessita de grandes Z # # ( H#G # # B " R " • Z " # G # alteração dos limites territorias e a migração em massa sĂŁo tĂŁo simples de serem realizados, uma vez que a aquisição de novas terras G H # # H G ? ! -5 * # # $ % J Q" # # " R Z R # ( H#G % J Q" 5 # 5 # " G x medida em que determinou limites rigorosos para as aldeias acabou tambĂŠm por inviabilizar parte importante da dinâmica social " G _ # # # " 4

A agricultura guarani ĂŠ feita por meio da retirada da mata nativa e queima da 5 x

7 queimada (tambĂŠm conhecida como coivara) se segue entĂŁo o plantio, a colheita e um perĂ­odo de repouso da terra, para que esta recupere os nutrientes perdidos.

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7 # # ~ # G # ? R Z • # Q # # R # # # _ BZ # 5 J • Ladeira: M! # _5 # # " G x ? H R #G # # # # $#

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H " # # # R # # 5 w# ? R 5 # Q G # # # 5 " H # # G # tambĂŠm para o sentido de unidade.â€?> ( # G G R * _ # " ? # # G # ? R tekoĂĄ ? * # ? " # • # ' Z ! M# N " " ‰ # X tekoĂĄ, mas pela produção de todo o grupo que conforma um mesmo territĂłrio. 7 G G H # # 5 # ‰ | ? # w G # # # 5 G # # # G R " H # Q S # # 5' G # R # tempo os guarani tiveram que recorrer a negociaçþes. Com a explosĂŁo perifĂŠrica da dĂŠcada de 1980 e o aumento das disputas, os prĂłprios indĂ­genas decidiram recorrer ao recurso da " R #G # % J Q" ^ G # tekoĂĄG " % J Q" # #

? # # G # Â? # / " 5 H # Z # Â? * _ # #

5 # A relação de imediaticidade que os indĂ­genas mantinham tradicionalmente com a mata cumpria um papel essencial na manutenção de M# N ( H#G # # # R #' G ' # 5 Q Â? # " # G # Â? # # 5 Isso pode ser percebido na necessidade cada vez maior de membros das comunidades procurarem trabalhos fora da aldeia para " • X # G R #Q " #G * #Q G R # # Â? " # Â? 5 " # G # >

7 Q" 5G # G # ‰ G R • ? # " G e o mundo das massas precariamente integradas ao mundo urbano. Diante da situação de misĂŠria vivida por muitas comunidades # # " • G Q # " 5' # # Q ) H aldeias na metrĂłpole

|7 BJU7G J • !

" " 5 " '# - ) " G K ( ) B G 2008.

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monetarização. 7 # ? • # G G # # G # # H# ?

R • # ? # " G #

# G # bem observa Camila Salles de Oliveira: M ? G R # # ( R B G Z diretas e imediatas da comunidade, ganha status de recurso natural, destinado ao consumo, tanto do # G # # ( R ? R R G / " 5G # ? # Q" G R busca simplesmente o uso dos equipamentos do parque, e sim outras atividades, como por exemplo, a coleta na mata.�@ A natureza transformada em parque atende primeiramente a interesses de mercado. É um recurso estratÊgico importante para ? ? # 5 # 5 G X # G ( # 5 # G G " # # 5 G # # ^ Q { { G # # # Q " U S K ) M! Q ? # #G # ? ! R # R Q G R # R # # R G N7 @

FARIA, Camila Salles de. A integração 5 • Q" # K ( ) LL|]`'wK(G [[ ; mestrado).

7

ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na ? ) -5'" G sustentabilidade e intervençþes Z ( 7 " ) B de Engenharia da Universidade L U S K G [[@

7 Q" # ( R B / " 5 G # G ( * # 7(7'] ' ] # [[ # Q # # x # G # x " G # # ? # 5 # ( H#G # # # G ? # " G # R _5 # # 7(7G alguns bem prĂłximos das aldeias. ^ # G ? # Q" #G Z # / " 5G # # # ^ Q R G H H * # " G # G " # % H (

(dissertação de mestrado).

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O prĂłprio Estado acaba por criar instrumentos que auxiliam no processo de desintegração cultural. E, diante da necessidade de " x #Q # • G # H# # ? " 5 x ) # ;]B]J< G X ;R # " # 5 Q" <G " # * ;( " # J Q" < H# " # 5 G # 5 ' G ' #Q U Q # B # # G H G # ? R # # H 5 G X # # " " # # ( H#G # # # # G " # ? # # G ? # ? " ? * • ~# G social e, consequentemente, cultural. ‘ # # # * G R " # R " G # " * R # # # R G # ( H#G #) M " G # G # R G # R # G G Q Q N

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+ - / + 0 7 & $ 7 8

( * H # " * # x 5 ‰ • ~# K 7# G # R # # # * _ # H K K U G S _ X G # * " Q # * _ # # " X# R " #Q #Q _ # G R # " # " Q H IJI 7 # 5 " " Z 7 $ } # R • G ' # ? # ;7(7' H'] ~ 7(7'] ' G H# | ( < # _ ? Z G R G # # G R agrĂ­colas, essa regiĂŁo vem sofrendo a progressiva ocupação por outras atividades, como o lazer e o turismo ecolĂłgico. Estes novos G " Z 5 Â? # 7 * 'J# " U ] Â? •# " # # # 5 " G 5 G " # represa, a exemplo dos municĂ­pios de SĂŁo Bernardo e Diadema. A tekoĂĄ % ( G " K G ? '

# " G >[ &# K ( B# Z # G # > &#G ? ) G W & G G * de ColĂ´nia e, a norte, a vila de pescadores da Ilha do BororĂŠ, alĂŠm de uma sĂŠrie de outras pequenas vilas e propriedades rurais. B# Z G #' X# # " G # G # Z # K ( # 7 K ' / Q # Z # G 7 * J# " G Z 5 # K B# # # G #

/ " 5G # # # # Z X # "Q 5 # urbanização na porção sul da metrópole.

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aldeias na metrĂłpole


BZ # " " # ( * Q H IIG # * R # K ( # H # % ( # # • guarani (e nĂŁo simples ponto de parada), coincidindo com o perĂ­odo em que tambĂŠm aumentou a presença guarani- !" em toda a costa do estado. A tekoĂĄ % ( # # _ ) # x w G B x " 5 %€ % G # # @ * ‘ # G # V[[ # #Q " G R # # x H" R G # K ( # ( 5 ` _ # # 7 " Q G G # " # • X # G R # * _ # " # B # # % # H# # Q # G # O crescimento vegetativo dos grupos indĂ­genas deveria ser comemorado, entretanto acabou por se tornar um motivo de preocupação X # H ^ # # G R " # # [[ G #Q ' Z #' se quase naturalmente em tekoĂĄ # 7 R Â? R " _ X # FUNAI – chega a demorar dĂŠcadas e constitui um fator de desequilĂ­brio das relaçþes sociais.

7 W & G # ( * G #

Q X Q # X * espalhados na mata, em pequenas 7 # W & H de aproximadamente 200 pessoas (40 #Q <G # 5 >G *

7

aldeias na metrĂłpole

8

7 % H ( G # ( * G # X # muito prĂłximos. A comunidade de % H ( H Z # # V[[ ; #Q <G # 5 @G *

40


w# % H ( # G Z # G R # # G # _ # W & U G Z K G # Q • # # X % J Q" G # # # ( H#G _5 # # ? G Q # # R aldeia praticamente duplicou, sem que medidas efetivas tenham sido tomadas.

J# " H # 5 e principais usos no entorno da aldeia % H (

41

aldeias na metrĂłpole



+ - / 9 + - / 7; $ < /

“NĂŁo foi a gente que escolheu viver na cidade. Foi a cidade que chegou atĂŠ a gente.â€? (morador da tekoĂĄ Ytu)

7 " / " 5 * # # ? K ( /5 H I€JG Z ' se ouro de aluviĂŁo no ribeirĂŁo das Lavras e a regiĂŁo constituĂ­a um caminho bandeirante para o norte do estado. 7 H # H V>[G G " # ? # Q G # # fazendas ligadas aos produtores de cafĂŠ. w# # # x ? " # # H IJI H / QG ‰ • G # ' H V [G R ~# # # 5 # B # ? G G " ' # x R * _ ( * " 5 * _ ? R " 7 / " 5 # " ' G #G # ( K ? # X R # ' Z 7 * " G " # V6 G " * @[G # # H # R R M Z NG tekoĂĄ Ytu. Na dĂŠcada de 1980, com o movimento de expansĂŁo perifĂŠrica, a regiĂŁo passou pelo processo de adensamento que marca sua paisagem contemporânea. Com a inauguração da rodovia dos Bandeirantes e o incremento do parque industrial na rodovia Anhanguera, tanto

# # 5 # R # # # G # H# " R devolutas da União em todo o entorno do parque ecológico. ‘ # " 7%K%K( ;7 % * K # % K ( <G

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44


# " # " 5 " " _ * 5 G # ] _ ` % Q G ] _ U K ^ G ] _ ` ( / " 5 # G " ainda em processo de construção. ! # " / " 5 ? G G 5 G Z # • $ 5 ; G 7 * " ] <G * # ](% G *5 # &# G B % Q / " 5G * _ R e logĂ­stico da Anhanguera. ! " ? ' G ? ) R *5 G * H # R } " " Z # B % Q / " 5 } #H ' Z " G #G # # # 5 G # _ * _5 ^ H # G # G R " / " 5 # # M N

# do ambiente urbano que as circundam. 7 * / " 5 " ' x " R " # V@ G ? Q # # J€ 5 B# # x Z R ? H G 5 R " * X _ # " # " G # # R pertencido ao bandeirante Afonso Sardinha. ^ Z G #Q ] " *

Q" H#' " ( R / " 5 R #Q R / # " G ? tekoĂĄ Ytu. Essa escolha nĂŁo foi por acaso, uma vez R / # / R # * # # R H * # # #

8

K G KJ|€7G L5 de Oliveira Nogueira da. Elementos " !" : lideranças e grupos

# & (- K ( ) LL|]`'wK(G [[ ; de mestrado).

6>

Após uma sÊrie de incidentes e discordâncias8 R ? # # R #Q % H ( G #G # " # # ] G # H# # _ ! " #

# G # X # M N K ( por meio da exaltação do passado bandeirante, nada melhor que fundar ao lado do recÊm-inaugurado parque uma aldeia guarani.

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/ R # * R # #Q Q G # * * # guarani, possuĂ­a muita familiaridade com a lĂ­ngua e costumes juruĂĄ ^ / " 5 * # " #G facilitou o contato com a vizinhança e garantiu uma pequena renda advinda do comĂŠrcio e pequenos serviços pelo bairro. Inicialmente, os moradores sobreviviam tambĂŠm de roças feitas em terrenos baldios da regiĂŁo – dentre os quais aquele onde * _ 5 tekoĂĄ (- Â? H # | G # R R #H ( H# • # # 5" O progressivo crescimento urbano do bairro levou a disputas com grileiros pela posse dos terrenos onde mantinham suas roças, sem resultados positivos para a aldeia. Com o crescimento dos loteamentos irregulares, o ribeirĂŁo das Lavras passou a receber o " " ? * G # # ? R # # # ] * H V [G ? # # 5 7 #Q # R # Q G ' # * R " H atuais. A tekoĂĄ (- ? # # # # H VV[G R R _H % H ( G / H L G # / G tekoĂĄ + # # G # ? R / # R H * _ Z G # # #Q ? * G _5 H # grileiros9. 7 / H L " # _ # M litoralâ€?. Sua opiniĂŁo em assuntos polĂ­ticos gerais e sua extrema respeitabilidade como lĂ­der espiritual estimulou o deslocamento de # # K # # ( * / " 5 ] # R • G / " 5 # # * _ # # R # # # " G " # que ocupam.

9

7 5 R pensar, a divisĂŁo em dois espaços principais, conhecidos como “aldeia de cimaâ€? e “aldeia de baixoâ€?, com lĂ­deres diferentes, nĂŁo constitui de modo algum uma fragmentação da unidade guarani dessa comunidade, que ĂŠ conhecida por todos como M / " 5NG # Essa subdivisĂŁo ĂŠ um traço cultural bastante comum e relaciona-se com # " G _5 ! # R • R famĂ­lias-extensas tornavam-se muito grandes e passavam a obedecer, # G # Q G fragmentando-se em espaços diferentes.

!. Imagens aĂŠreas do sistema 5 + (-

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6@



cap 4 arquitetura e espaรงo guarani tradicionais


4.1.Aspectos gerais

“os detalhes construtivos da casa principal sĂŁo inĂşmeros e todos apresentam a particularidade de serem extremamente simples, compreensĂ­veis ao leigo, de fĂĄcil execução e, principalmente, funcionaisâ€? (COSTA, 1989)

Dentre os grupos guarani, os MbyĂĄ sĂŁo os mais ortodoxos quanto ao resguardo das prĂĄticas religiosas e de sua cosmogonia. Por um lado, isso tem grande importância no estudo proposto, pois veremos que a arquitetura e os espaços que melhor mantĂŠm os elementos tradicionais sĂŁo aqueles que possuem um sentido mĂ­tico-religioso forte: as opy (casas de reza). ( G R * G # ? R ~ " #' R # " G # " ? ' ^ G # G " " " " G # X# # G R 7 • R # # R ~ mbyĂĄ do JaraguĂĄ e Parelheiros foram desenvolvidas principalmente por Maria InĂŞs Ladeira e Carlos Zibel da Costa. TambĂŠm foram importantes as leituras de NauĂ­ra Zanardo Zanin e LetĂ­cia Thurmann Prudente, sobre aldeias no sul do paĂ­s. # " R " ?

Q 7 # # X G Q # R # 5 # 7 #G # #

� # # # # � " # 5 G ? # # ‰ # # # ! # # G G # ' ? G # escolas públicas. B# $ # # G " # # # G # # J ‰

Q G # # * R ? G R #

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# # " Â? R G * G * # Â? # G " # Z # construtivo. ‘ 5 R G * # G " # * # x '" G x Z # R # algumas aldeias KaiowĂĄ. Essas casas-grande tupi nĂŁo apresentavam, como notamos entre os mbyĂĄ, separação fĂ­sica e funcional entre G # # " # # R ~# " Existem, no entanto, muitas dĂşvidas sobre como seriam as casas tradicionais guarani: se elas guardariam de fato essa relação com as '" G # # * x " * _ # " G # #G # sugere Egon Schaden, uma contribuição da cultura cabocla. Segundo Carlos Zibel da Costa, cronistas do perĂ­odo colonial relatam a utilização de paredes feitas de paliçadas grossas de madeira e rebocadas com terra nas aldeias guarani na bacia do rio da Prata. No interior do Brasil, no sĂŠculo XVIII, outros descreveram ainda casas de planta retangular fundadas sobre esteios de madeira e paredes de taipa de mĂŁo, com cobertura vegetal. É difĂ­cil precisar a origem de muitos elementos da arquitetura guarani, uma vez que nem os relatos de cronistas sĂŁo muito precisos, # G G " # " " ( # G G " * " ? G # ‰ • 7 R H R " # $ Â? # " G ' ' R # 5" Â? Q arquitetura mbyĂĄ, formam parte de seu conhecimento tĂŠcnico, sĂŁo aplicadas em meios diversos e portanto, sĂŁo elementos da tradição viva desse grupo. Com isso em mente, apresentaremos aqui alguns elementos caracterĂ­sticos dessa arquitetura. ] # # G " # " G Z 7 * ' para o leste e ĂŠ um dos lados menores do retângulo. A fachada oeste algumas vezes ĂŠ semi-circular e as demais faces, maiores, podem # G # # G _ Por sua vez, a adoção do semicĂ­rculo na face oeste, mais recorrente nas opy (casas de reza), permite a otimização do espaço ao # # # # R # * R ? ^ #~ " G _H ' _ G sagrada, e comanda as rezas e cantos, enquanto os demais permanecem em bancos nas faces laterais e ao fundo, onde costumam manter uma fogueira acesa dia e noite. As coberturas sĂŁo quase sempre em duas ĂĄguas, variando somente nos casos de planta com face oeste em semi-cĂ­rculo. Estruturam53

arquitetura e espaço guarani tradicionais


# # _ * # } H " # # _ * R # #G # # " R # G uma estrutura conhecida como curuzuG x Q " " M ?N ( #G _ ' Z # em beiral. 7 ' ' R # H R # ; # H " * # # * ? # < #H # " G # # # H# _ ( #G # # # * # revestimento. A estrutura construtiva costuma ser feita por meio de troncos grossos de madeira, com o esquema de esteios central e laterais nas * # G # _5 curuzu, e vigamento longitudinal nas faces maiores. O comprimento das paredes laterais # # # ? # * G * G # Z # 6m. O piso costuma ser de terra batida e mantÊm em relação ao exterior um degrau com cerca de 5cm ou 10cm, de forma a impedir a entrada de ågua no interior.

. esquema estrutural de casa guarani.

1

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2

. detalhe de piso com desnível em relação ao exterior (imagem retirada de COSTA, Carlos Roberto Zibel. Habitacao guarani : tradição construtiva e mitologia. São Paulo: FAU-USP, 1989).

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! # # # " ÂŒ ) G * # G H # ' H} G # G } G # # R '# R R # } # G } #G # G imbĂŠ. ^ G # # # H R ' ? HG * _ ? Q por materiais juruĂĄ Â? * G G 5 # € R casas de reza os guarani # " # # # G R * * J ?# G Z # R # G # # G # # ? _5 # " # # G # 5 R G # x " ' governamentais. Atualmente, somente os altares das casas de reza ainda sĂŁo feitos inteiramente com madeira nobre, normalmente o cedro. šListamos

aqui os materiais comumente empregados pelos guarani no estado de São Paulo, Z Q # _ # Atlântica. Existem entretanto outras espÊcies, mais utilizadas pelos guarani Q ( # # G sugerimos a leitura de PRUDENTE, Letícia Thurmann. Arquitetura Mbyå-Guarani na Mata Atlântica do Rio Grande do Sul: estudo de caso do tekoa Nhßu Porã. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007 (dissertação de mestrado).

²LADEIRA,

Maria InĂŞs. “Necessidade de Novas PolĂ­ticas U * # % S N 7 " K # ( Q (X % ‘ do 49Âş Congresso Internacional de

A escolha dos materiais Ê muito importante para os guarani, não apenas pela qualidade maior ou menor de algumas espÊcies vegetais, mas pelo caråter sagrado que podem ou não conter: Ê o caso das palmeiras. Essas årvores, para alÊm de suas boas qualidades construtivas, representam o eixo de contato da terra com o cÊu e desempenham um papel fundamental na cosmogonia guarani: uma palmeira marca o centro da terra e Ê a responsåvel pelo equilíbrio do mundo, segundo muitas das lendas registradas " K " J • | G

“Pindo etei ;_ 5<G ? - # Š # ¨G #G # G Q # # 5 x B # Š ¨G # S ; G G * <G # " 7 H# x • G # G _ H H # " S G # # $ # H# " Š# - ¨ 7 # - # _5 ] " ; V>V< Z #Q S - ( " B H # H# * - G H # criação do mundo.â€?²

Americanistas, Quito, 1997.

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+ - / = >

As tekoĂĄ formam o espaço da vivĂŞncia, onde se localizam os assentamentos familiares e onde os guarani tem condição de exercer o ĂąanderekĂłG M# N 7 # G # # Z Q G _ G Q G G ~# " " Para tanto, sua constituição tradicional ĂŠ baseada em cinco elementos essenciais: a mata, a ĂĄgua, a roça, os nĂşcleos familiares e a distância dos demais assentamentos humanos. Idealmente, as aldeias caracterizam-se ainda por trĂŞs paisagens diferentes: as * X #Q ' Z G R # * # Z • }

G _ # G # # H

} ‰ G #5Z # # " natureza.

3

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. esquema de uma aldeia tradicional, com espaços de mata, roça e núcleos de habitação.

56


A população das tekoĂĄ tradicionais varia normalmente de 20 a 300 pessoas, de modo a garantir a subsistĂŞncia de todo o grupo. NĂŁo se tratam, portanto, de conglomerados compactos. As casas costumam espalhar-se em ĂĄreas de mata cerrada e formam espĂŠcies de ‰ G R # # x # # * " É muito difĂ­cil determinar uma geometria predominante nas aldeias, uma vez que nĂŁo possuem simetria ou centralidades bem # ! Q ? G # # Q _ X #Q ' Z _H G " # ? G 5 # ' X #Q ' Z R ! X * G * " G # # " G de modo que unidades de uma mesma famĂ­lia-extensa tendem a concentrar-se, mantendo entre si algumas roças e pĂĄtios de uso comum, nos quais realizam as atividades diĂĄrias. ` _ G # * # # H#

# G # " * 7 ' # # #G H ~# 5 # G H# # # R Z G # x 5 # 7

" # # " " * #Q ? " G # # # G # G # G # #G _ S * R ainda a cultura do milho aweti, base da alimentação guarani e primordial tanto nas roças comunitårias quanto nas individuais. ( #G # # # # tekoå se fragmentar em unidades menores quando atingia uma população excessiva. As famíliasextensa passavam então a obedecer a lideranças políticas diferentes e fundavam novas aldeias, não muito distantes do núcleo original. ! " G # G # tekoå dispostas radialmente: os núcleos mais antigos conformavam " _ # * #' # R

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' =$ >

M H R * $# " ) R # G G # G #G R R ? # R _ # * # # $# _ # # H } #G H # Q R _ # # abrigo temporårio� (COSTA, 1989)

Se a tekoĂĄ H

Z • • " G " ' G G # M N 7 * # R 5 K # " G R # # # " # H R #

B# # " _ # # # * x ? G nĂŁo possuem nem de longe o mesmo cuidado tĂŠcnico. 7 " H # ? # # " # G #

? G # # Q B# _ # # G G # # ? com as necessidades e exigĂŞncias dos moradores (ZANIN, 2008). 7 # # G Z # G H $ # " G # tekoĂĄ. Para os guarani, o que conta, de fato, ĂŠ o momento presente: uma Q " # R # #

* ;|7 BJU7 7{B€B !G [[[< B * G G # # H# ) " # _ X familiar ou mudam-se para outras aldeias. Œ x Q " G " ? G " # " _5 # 7 *

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principal costuma orientar-se para leste e tradicionalmente possui a Ăşnica abertura da casa: uma pequena porta, normalmente mais baixa do que a altura do corpo e deslocada do centro devido ao esteio central. / G # R ? # ? ' ' R G R nĂŁo ĂŠ barreado, ou pela cobertura. Esta, forrada tradicionalmente com folhagem de palmeira, podia ser facilmente afastada em alguns pontos pelos moradores, de modo a permitir principalmente a vazĂŁo da fumaça das fogueiras, mantidas acesas o tempo todo * As casas costumam ser pequenas e feitas com materiais de qualidade inferior aos empregados nas opy (casas de reza). A estrutura ĂŠ bastante simples: nas fachadas menores observa-se o esquema da curuzu e nas laterais hĂĄ somente as vigas longitudinais (frechais), sendo raros pilares intermediĂĄrios. Dessa maneira, as casas costumam ter como medida-padrĂŁo retângulos de 3x4m, 4x5m ou 4x6m. ! H' # Z G # ># # # G # # G R • # # x G # G # # Z G # # ( #G # [ > # ' ' R G " * Internamente, ĂŠ importante citar a presença das fogueiras, em torno das quais a famĂ­lia se reune e dorme. O fogo, assim como todos

# " G 5 # H# # ) G # G ? # G " G # ªG R # G #G " G R # H# � � H # Q # # O fogo ainda desempenha um papel fundamental na cultura guarani. Mesmo no Jaraguå, onde a familiaridade com equipamentos juruå #H H # G # * # R # # ? * # " G # # # # * Não somente, se visitarmos a aldeia durante o inverno, perceberemos que as fogueiras ainda são essenciais para o aquecimento, principalmente dos idosos e das crianças. Nauíra Zanardo Zanin relata um caso interessante, numa aldeia do Rio Grande do Sul:

ªPara a conservação das sementes do milho aweti, penduram-se as espigas em pequenas redes na cumeeira, normalmente acima das fogueiras.

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M! -5 •# " * * # G R # ~ conviver com os brancos. Por este motivo, certa vez pediram uma casa onde nĂŁo fariam fogo. PorĂŠm acabaram percebendo que nĂŁo conseguiam viver assim, e arrancaram o assoalho de madeira, para poder ? " ] ' R # " # arquitetura e espaço guarani tradicionais


da relação entre o fogo e a cultura, podendo auxiliar no diĂĄlogo com os juruĂĄ R # • x comunidades. TambĂŠm podem esclarecer a necessidade deste elemento no convĂ­vio diĂĄrio, representada G # " N4 ( #G R 5 ? " G # R num mesmo nĂşcleo familiar: uma casa para as pessoas dormirem, outra para usarem como galinheiro, outra para guardarem as sementes etc.

4

ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na natureza: construção Mbyå-guarani, externas. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006 (dissertação de mestrado).

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'$/ = / >

As ocå, em um sentido restrito, são os espaços descampados ao redor das opyG # � G G � # " L # # # " ? conformam, portanto, o espaço público por excelência das aldeias. As ocåG G " # # x ? BZ # # ocå 5 G " # G " edifícios importantes da aldeia (veremos, por exemplo, que nas aldeias estudadas as escolas municipais agregam em si importantes ocå). Hå ainda ocå # " " # ^ G " # 5 # ' X G R atividades cotidianas e em torno dos quais se localizam todas as pequenas unidades habitacionais de uma mesma família-extensa. % # G 5 H # G # x * ( H# R " #G Ê interessante observar que essas ocå # # # " # 5 ) " # " 5 * ^ # G G R # * ' x * G G # H# ? ] { ] # H# # Z # # " )

MÂŁ " G # G Š # ¨ % " #G # G " ? # " # } 5 G Š ¨ # # G Z # # G H # # para o leste.â€? (UNKEL apud. COSTA, 1989)

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' ; =$ ? >

“A sĂ­laba y tem, segundo Cadogan, o sentido de mastro, e entĂŁo, nĂŁo somente a opy seria uma casa com as caracterĂ­sticas de suprema interioridade, como tambĂŠm, no sentido de py, com a ideia de verticalidade. Assim, temos a opy orientada com seu fundo para oeste, TupĂŁ, com sua frente, face leste, para Karai, e com seu centro para o zĂŞnite, para o ÂŁ # N ;]!K%7G V V<

A opy ĂŠ a centralidade de maior importância da aldeia, denotando a organização social em torno da liderança espiritual. Espacialmente, ‰ # ? Â? * # _H Â? # # H G # # # # R # " 7 * # # # # Z # # _HG # # H# condicionantes importantes: procuram-se lugares reservados aos olhares “de foraâ€? (normalmente longe das entradas principais da < " # ^ G # G # R ? # * x uma grande ocĂĄ R #

( #G • " R * # # Z # x G # # 5 "

A opy " # � " � " ? G # R # # # R # # " Por essa razão, exige tambÊm um maior cuidado estrutural. AlÊm da curuzu nas fachadas leste e oeste, costuma apresentar de um a três pilares intermediårios nas fachadas norte e sul, sustentando os frechais. Internamente, ao longo do eixo longitudinal da planta, Ê comum existir ainda uma outra estrutura do tipo curuzu, com um pilar bem marcado e denominado ywyra’i. Segundo Carlos Zibel

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da Costa: M] # # H # # " ; < ? # H G " # Q" } # G G R ywyra’i não somente representa a ideia de verticalidade como ela Ê, propriamente, a verticalidade realizada na estrutura física da casa de rezas.�5 O ywyra’i ' " #H # x * J G # # # _H " #' Q G

# ‘ _5 G #G R 5 ? _ • Q ( esse motivo, como forma de vencer a largura do edifĂ­cio e diminuir os esforços da cobertura, normalmente hĂĄ, na porção mais a leste da casa de reza, estruturas do tipo “tesouraâ€?. 7 # # * G _ opy ÂŚ x G # # *5 # X G # Z # " # G # Z # ? # * G • _H ] # “o opyguĂĄ ; < ? # * G R W _ R estĂĄ por virâ€?6, " # ? H # # * G Z # R * G _H 5

COSTA, Carlos Roberto Zibel. Habitacao guarani : tradição construtiva e mitologia. São Paulo: FAU-USP, 1989 (tese de doutorado).

6

ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na natureza: construção Mbyå-guarani, externas. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006 (dissertação de mestrado).

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Simbolicamente, as casas de reza carregam em si um sentido de interioridade: sĂŁo os lugares da intermediação entre o mundo terreno e o divino. Remontam, portanto, a arquĂŠtipos e podem ser consideradas uma representação do universo guarani (COSTA, 1989). Isso pode ser notado na analogia que os guarani fazem, por exemplo, entre a curuzu e o ywyra’i e os eixos de estruturação do mundo, # H# B# # Mcuruzuâ€? # # # ' * # " Â? ? Â? H # R " " Q" # H#G # G com a simbologia geral do edifĂ­cio. ‘ R # #

Q 7 # "

arquitetura e espaço guarani tradicionais


5 Q # G # " G # # # Z " G # R H 5 G Z G # " " 7 " Â? G Z Q " Â? # _ # Z • G _ # " ! rituais religiosos dependem de uma concepção comunitĂĄria da vida, de forma que todos tĂŞm um papel importante a desempenhar (SCHADEN, 1962). Assim sendo, a coesĂŁo social e os laços familiares, elementos fundamentais do ĂąanderekĂł guarani, garantem a sobrevivĂŞncia dessas pessoas enquanto grupo ĂŠtnico e cultural distinto.

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' $ $ * $

“uma das maiores vantagens das tipologias MbyĂĄ, quando construĂ­das com os materiais H _ # G G x ? # sutil e rĂĄpidaâ€? (ZANIN, 2006)

/5 # # # # # # ? " # B# ? mobilidade guarani, a construção em pau-a-pique da forma como ĂŠ realizada tem uma durabilidade mĂĄxima de cerca de 10 anos para a estrutura e 3 anos para os vedos. Depois desse perĂ­odo de tempo, permanecendo os moradores na mesma tekoĂĄ, costumam entĂŁo reconstruir suas casas, utilizando a madeira antiga como lenha ou simplesmente deixando-a apodrecer e retornar para a terra. 7 # # Q " araymĂŁ (“tempo velhoâ€?, que corresponde ao perĂ­odo de estiagem) e constituem um evento social importante. Realizadas segundo o sistema de mutirĂŁo, costumam envolver todos os membros de uma #Q ' Z G R # * G " # # tekoĂĄ, quando se trata da casa de reza. ^ # G R _ # G # _ # " Z # ‘ # # R ? G H# prover os participantes do mutirĂŁo com alimento e bebida. No segundo caso, o processo construtivo costuma envolver nĂŁo apenas os homens adultos, mas tambĂŠm as mulheres e crianças. ^ G H # G " ' x Q # " G a satisfação de todos.

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! * # ? # " * G # * _ # G ? # # # 7 # " _ # # R G # de materiais e no preparo do barro. Aprendem, no entanto, desde cedo a tÊcnica do pau-a-pique por meio da observação e, pouco a G " * # # # # # G R ~ " H # novos graças ao sistema de mutirão, garantindo-se por meio dele a continuidade do saber tÊcnico tradicional. 7 * 5 5 Z G # # # # # # 7 ? G G # # # # # ) # G # G preenchimento dos vedos e o revestimento, leva-se em torno de quinze a trinta dias, dependendo muito da quantidade de envolvidos, #5 # " # 5 Nauíra Zanardo Zanin descreveu em sua dissertação de mestrado a construção de uma habitação de pau-a-pique na tekoå W _ G # K " ;UK<G [[> % ~ G G # ) Na primeira etapaG # ? ( # # #' $ G R # H# # x # ( # # # " G ? # pedaços de corda ou taquara como unidade de medição. A fundação foi então cavada manualmente, determinando furos com cerca de 15cm de diâmetro e não mais que um braço de profundidade. Na G ? ' # ? # Z G # # " Q G # tambÊm possíveis raízes mais profundas. Somente numa terceira etapa foram então coletados os materiais para a estrutura. Os homens adentraram a mata para cortar as årvores que seriam utilizadas. Estas årvores podem ou não ser escolhidas previamente escolhidas pelo dono da casa. Os troncos #

H Foram coletados seis troncos com cerca de 13cm de diâmetro para os esteios. Normalmente, os construtores dão preferência para R _5 # # # Z # # R * ] _ # G " ' madeira, que Ê alisada e enforquilhada em uma de suas extremidades. Para a cumeeira e frechais foram coletados mais três troncos com cerca de 13cm de diâmetro e, para as vigas transversais da curuzu, mais dois troncos de secção menor. 7 H # # # � # R * " � H # " arquitetura e espaço guarani tradicionais

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^ # # H# H # G # Z G R " # R # R mais propensa a criar cupins e outros insetos. Seguiu-se então uma " G # " # ! # " _5 G R # * # # " G # " " ? 7 # * # mantidos simplesmente apoiados no caso descrito, sem nenhum tipo de amarração. Pode acontecer, entretanto, de serem amarrados # � # R # R * 7 " curuzu costumam tambÊm ser amarradas. Numa " foi coletado material para a cobertura. Foram escolhidas madeiras mais delgadas, com cerca de 5cm de $# G ? # ^ G Z #' # X# H # # sua utilização, uma tÊcnica bastante comum para manter sua maleabilidade. Na sexta etapa a cobertura foi montada. Os caibros foram talhados no ponto em que encostam nos frechais e, então, foram # x # # 7 # # " # ( #G # ' # taquara. Esta foi talhada no sentido longitudinal e batida, de forma a resultar em uma folha, que foi posta logo em seguida para secar. Depois de seca, as folhas de taquara foram dobradas no sentido transversal e encaixadas na forma de um envelope sobre as ripas. B M * N R #G #G Z # # # " ^ # * R # # # # # x Na sÊtima etapa * # % R # Z # # * ? G # # # Q # # #H ( #G # * ? # Z # 7 # G * ? # # # x Z B# " G ' # # H taipa de sopapo. Todos esses procedimentos construtivos foram realizados em um ambiente propício. Muito embora os limites das Terras Indígenas Q # H# _ # # R H# _ G # tekoå se aproximam muito mais do ideal necessårio ao ùanderekó do que as observadas nas aldeias da região metropolitana de São Paulo. Veremos agora R K ( G # # # # H# # # # Z # # M# N ? " 67

arquitetura e espaço guarani tradicionais


cap 5 arquitetura guarani atual


5.1.TekoĂĄ TenondĂŠ PorĂŁ

5.1.1.Aspectos gerais Um primeiro olhar sobre a aldeia revela um espaço amplo, cercado por vegetação nativa. Entre as habitaçþes existem muitas hortas e bananeiras, Ă s quais intercalam-se ocĂĄ familiares e pequenas porçþes de mata conservada . As ĂĄreas de uso comum sĂŁo diversas e se estendem ao longo da aldeia; alĂŠm dos campos de futebol, cada edifĂ­cio de carĂĄter pĂşblico – a casa de reza, as escolas, o complexo administrativo, o posto de saĂşde – agrega a si uma ocĂĄ. O acesso Ă aldeia ĂŠ feito por meio de dois caminhos principais: a Estrada da Barragem Ă Varginha, que a delimita a sul e a oeste, e a rua JoĂŁo Lang, que a corta quase ao meio, no sentido norte-sul. O terreno onde a aldeia estĂĄ implantada ĂŠ pouco acidentado. As ĂĄreas mais altas estĂŁo a oeste, junto ao limite da Estrada da Barragem Ă Varginha e em sua porção mais a centro e norte, onde estĂĄ a entrada principal. As ĂĄreas mais baixas, naturalmente, estĂŁo # G R H " As terras prĂłximas a represa concentram boa parte do roçado comunitĂĄrio, onde cultivam-se muitos vegetais bĂĄsicos da alimentação guarani como a mandioca, o feijĂŁo, o milho aweti, a batata-doce, alĂŠm de diversas frutas. Caminhando pela aldeia a partir de sua entrada principal, a norte, a primeira construção a se destacar na paisagem ĂŠ o CECI (Centro de Educação e Cultura IndĂ­gena). EstĂĄ implantado em um dos pontos mais altos do terreno e ĂŠ um edifĂ­cio grande, se comparado com as construçþes guarani tradicionais. Do outro lado da rua JoĂŁo Lang surge Ă vista uma tipologia habitacional da CDHU, utilizada pelo cacique como administração, alĂŠm de outros equipamentos pĂşblicos nĂŁo-tradicionais da aldeia, como o posto de saĂşde e o complexo da escola estadual. Do pĂĄtio central do CECI ĂŠ possĂ­vel observar tanto o caminho em declive que conduz atĂŠ a margem da represa, a oriente, quanto a depressĂŁo a ocidente, onde estĂĄ implantada a casa de reza. Para alĂŠm dessa depressĂŁo, ergue-se o morro que marca o limite oeste

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da aldeia, junto Ă Estrada da Barragem Ă Varginha, onde estĂŁo hoje implantadas diversas casas do programa habitacional da CDHU. Ao descer pela rua JoĂŁo Lang, perde-se de vista os edifĂ­cios pĂşblicos. Trata-se de uma ĂĄrea essencialmente habitacional, na qual mesclam-se algumas casas auto-construĂ­das de madeira e pau-a-pique com um grande nĂşmero de casas do programa habitacional B G *5 # 5 # G # R * # ÂŚ # # " ' # G x " U5 %€ TupĂŁ. A aldeia conta ainda com banheiros pĂşblicos, luz elĂŠtrica fornecida pela eletropaulo e rede de ĂĄgua e esgoto construĂ­das pela FUNASA. A alta densidade construtiva e populacional ĂŠ bastante visĂ­vel em TenondĂŠ PorĂŁ, principalmente na organização espacial dos nĂşcleos familiares. Normalmente, as casas de uma mesma famĂ­lia-extensa formam um Ăşnico conjunto de habitaçþes no entorno da ocĂĄ familiar. Os nĂşcleos familiares distintos se mantĂŠm afastados por amplas ĂĄreas de mata e se conectam uns aos outros apenas por caminhos de terra. Dessa forma, na organização espacial tradicional, a mata constituĂ­a o espaço comum por excelĂŞncia, as ocĂĄ (pĂĄtios) familiares, o espaço semi-privado das famĂ­lias e as oĂł ; < " ( #G #Q # tekoĂĄ # ? # " # G ocĂĄ da famĂ­lia-extensa do cacique. A incorporação de diversos equipamentos pĂşblicos nĂŁo-tradicionais Ă s aldeias guarani nos Ăşltimos 50 anos – escolas, postos de saĂşde, centros culturais – implicaram, entretanto, em alteraçþes nessa forma de organização. Existe uma tendĂŞncia em manter os novos equipamentos concentrados, seja linearmente – em que cada edifĂ­cio agrega a si uma ocĂĄ – seja em disposição “circularâ€? – em torno de uma ocĂĄ comum. Tanto num esquema como em outro, entretanto, a lĂłgica de organização familiar tende a permanecer a mesma: cada famĂ­lia construindo para si um nĂşcleo de moradias, semelhante a uma clareira na mata.

Vista ĂĄerea da aldeia, com topo" ; <G de acesso (canto superior direito) e ; R < Fotos gerais da aldeia TenondĂŠ PorĂŁ

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! # # % H ( R " " # R # G # R # X ' tradicionais concentrados de forma mais ou menos linear. Nos núcleos de habitação, no entanto, por mais que a lógica ainda seja a de organização por familia-extensa, esta não Ê percebida claramente. A alta densidade populacional vem tornando os espaços de mata entre cada grupo familiar cada vez mais rarefeitos. Embora ainda exista uma relação espacial tradicional entre as åreas de mata, de roça e de construçþes, ela estå cada vez mais frågil. arquitetura guarani atual



descida para a represa

hortas comunitĂĄrias

margens da represa Billings

escola municipal do CECI

casa de reza

habitaçþes da CDHU a oeste da aldeia

açude

campo de futebol

" U %€ %


@ $ #D $ @ $ #& E = @ E> Trata-se de um complexo educativo construĂ­do pela prefeitura entre 2004 e 2005, voltado para o ensino diferenciado das crianças indĂ­genas de dois a seis anos. As aulas sĂŁo ministradas em guarani por professores da prĂłpria aldeia, formados pelo Curso de Formação dos Professores IndĂ­genas, em convĂŞnio com a Universidade de SĂŁo Pauloš. O projeto arquitetĂ´nico dos CECI foi realizado com a participação das trĂŞs comunidades guarani da cidade – TenondĂŠ PorĂŁ, Krukutu e JaraguĂĄ – e foi bem aceito pelos moradores². Isso pode ser percebido pela centralidade espacial que esses edifĂ­cios passaram a desempenhar, agregando a si, inclusive, importantes ocĂĄ. O complexo ĂŠ constituĂ­do por dois edifĂ­cios distintos: a escola municipal e o “bloco culturalâ€?, como ĂŠ conhecido. Nas trĂŞs aldeias foram realizadas tipologias semelhantes para a escola municipal, com mesmo programa arquitetĂ´nico e apenas algumas variaçþes de fachada. O projeto do “bloco culturalâ€? se manteve o mesmo nas trĂŞs situaçþes. O edifĂ­cio da escola ĂŠ formado por trĂŞs peças principais, assimĂŠtricas, em dois pavimentos. Uma das peças laterais, mais longa, concentra os serviços – secretaria e administração, depĂłsito, biblioteca, sala de computador, cozinha e sanitĂĄrios – enquanto na outra peça lateral, menor, estĂŁo as salas de aula. O volume central, de pĂŠ-direito mais alto, ĂŠ o espaço destinado ao refeitĂłrio. Um mezanino realiza o acesso aos pavimentos superiores das peças laterais.

. Fachada principal da escola municipal do CECI. . Fachada principal da escola municipal do CECI. . RefeitĂłrio da escola.

š Para mais informaçþes referentes ao projeto político-pedagógico do CECI, vale acessar o portal da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo na internet: http://portalsme.prefeitura. sp.gov.br/default.aspx

² Não se tratou, no entanto, de um projeto participativo efetivo, em que a comunidade estivesse ativamente

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envolvida. Foram realizadas diversas consultas entre as lideranças, para #

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Neste pavimento superior originalmente existiam salas de aula tambÊm. No entanto, grande parte do conhecimento passado aos estudantes se då no påtio do refeitório ou na ocå ao lado da escola, de forma que esse espaços se transformaram em salas de exposição dos trabalhos desenvolvidos pelas crianças (artesanato, desenhos, instrumentos musicais, indumentåria etc). Por ser bastante aberto, o volume central garante a multiplicidade de usos tradicional dos espaços guarani. Não por acaso, aí se concentram quase todas as atividades escolares do CECI. Não somente, foi bem incorporado ao cotidiano das aldeias, sendo intensamente utilizado por crianças e adultos; hoje, Ê um dos espaços principais da brincadeira, das atividades manuais e do encontro, durante o período letivo. ! _ # #

Q ? tradicionais. É uma construção simples, de planta circular, com trĂŞs entradas e arquibancadas internas, mantendo todo o centro livre. Embora as construçþes circulares nĂŁo sĂŁo caracterĂ­sticas dos guarani-mbyĂĄ, essa conformação foi um pedido das comunidades, uma vez que o estilo “arenaâ€? facilita os ensaios e mostra-se perfeitamente adequado Ă movimentação tradicional das danças guarani. A estrutura tanto da escola quanto do bloco cultural ĂŠ em troncos descascados de eucalipto. Os revestimentos de parede sĂŁo mistos de alvenaria e madeira e as coberturas feitas em sapĂŠ.

. Treliça espacial em madeira sobre o refeitório. . Bloco Cultural do CECI. . A estruturação da cobertura do Bloco Cultural permite que o interior Q R

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@ $ @ A escola estadual Ê composta por quatro edifícios. As duas unidades mais antigas são relativas ao ensino fundamental e mÊdio e foram construídas segundo a tipologia padrão das escolas públicas convencionais. Os outros dois edifícios são a escola de nível båsico (inutilizada devido à criação do CECI ) e uma ampliação do ensino fundamental. L # # !^S # # " # Z # # 5 guarani, porÊm sem quaisquer cuidados construtivos e arquitetônicos.

. Edifício da escola estadual de ensino fundamental. !. Ampliação da escola estadual de ensino fundamental. 9

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. Ampliação da escola estadual de ensino båsico.

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Casa de Partos A casa de partos localiza-se há poucos metros do posto de saúde e foi construída pela própria comunidade devido à preferência de muitas mulheres em realizar os partos dentro da aldeia, com as parteiras locais. Trata-se de um edifício de planta retangular e cobertura em duas águas ao qual foi acrescentada, posteriormente, uma nova frente, semicircular, a qual acabou por tornar-se uma espécie de antecâmara do edifício. De maneira geral, o edifício segue a estrutura da casa guarani. Não possui divisões internas (salvo a parede que separa a parte mais antiga da ampliação) e estrutura-se por meio de pilares e vigas de madeira. Nas fachadas menores nota-se o esquema estrutural em curuzu. A cobertura segue o padrão de cumeeira, frechais, caibros e ripas, revestidas com telha cerâmica na antiga cobertura em duas águas e com sapé na mais recente, em meio-cone. A vedação das paredes é mista. Na parte antiga do edifício toda a metade inferior foi feita em blocos de concreto e somente à altura da janela realizou-se o pau-a-pique por quadros de madeira. Já na ampliação o fechamento é todo em pau-a-pique, parcialmente barreado.

. Casa de partos. . Detalhe da fachada, com parte antiga em vedação mista de pau-apique e bloco de concreto e ampliação em pau-a-pique. . Paredes não-barreadas de paua-pique, nas quais nota-se o tramado por quadros de madeira.

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Casa de Artesanato Bem prĂłxima Ă casa de partos estĂĄ essa construção recente, utilizada principalmente pelas mulheres para exposição e venda de artesanato. Segue em dimensĂľes e estrutura o padrĂŁo da casa guarani. Em planta, no entanto, apresenta uma particularidade: a face oeste, normalmente semi-circular, ĂŠ aqui apresentada sob a forma de um triângulo. As demais fachadas seguem o esquema retangular tradicional. Apresenta duas grandes entradas. Uma delas, a leste, desloca-se do centro em função do esteio central da curuzu. A outra, principal, localiza-se na fachada oeste. J # G " R # G # # X " Z " G ‰ • partes da cobertura, formando o ywyra’i. Ainda segundo o esquema estrutural clĂĄssico das casas guarani, hĂĄ uma tesoura simples, mais ou menos no eixo transversal da planta. A cobertura ĂŠ estruturada por meio de cumeeira e freichas, sobre os quais segue a trama de caibros e ripas. A cobertura ĂŠ inteiramente recoberta por sapĂŠ. O pau-a-pique, feito pelo mĂŠtodo de estaqueamento, foi mantido sem revestimento # ‘ Z # G H# # ^ H Z " ( # H# # # # G # R * ? # Tradicionalmente, essa estrutura ĂŠ amarrada Ă s estacas do pau-a-pique com cipĂł. Neste caso, entretanto, estĂĄ pregada nos esteios laterais.

. Casa de artesanato. . Entrada na fachada oeste da casa de artesanato. Nota-se internamente a estrutura da curuzu tanto na fachada leste quanto na junção das coberturas a oeste, onde hĂĄ o pilar central ywyra’i. Externamente, pau-a-pique nĂŁobarreado por estaqueamento, com travamento inferior e meridional. 15

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. Interior do edifĂ­cio.

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F ( #D Existem dois tipos de habitação em TenondÊ Porã: as casas auto-construídas e aquelas fornecidas pelo Programa de Moradias Indígena da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). F ( #D 7 G E 7 # " # * Q Q" # # H de 1980 e se relaciona com a regularização e demarcação das Terras Indígenas no estado de São Paulo. Datam dessa Êpoca os primeiros estudos tipológicos e algumas intervençþes pontuais do governo em aldeias do interior. PorÊm, Ê somente em 1998 que a moradia indígena ganha uma dimensão política e passa a fazer parte de um programa estadual de habitação. Curiosamente, foi por meio do decreto estadual que instituiu o Programa de Atuação em Cortiços (PAC) que a CDHU passou a desenvolver os primeiros estudos para as aldeias guarani³. ( #G # [[ ? # " # * Q Q" G " CDHU de sua implementação.4

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O decreto estadual nº 43.132 de junho de 1998 criou o PAC sob coordenadoria da CDHU. Dentre as atribuiçþes da companhia estava o recolhimento de informaçþes junto aos núcleos indígenas do Estado de São Paulo e consequente formulação de propostas de projeto em conjunto com a Secretaria da Habitação.

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A Lei 11.025/01 criou o Programa de Moradias IndĂ­genas (PMI) sob responsabilidade da CDHU.

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Função que pode tambÊm ser exercida pelas prefeituras municipais.

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O PMI ĂŠ realizado por meio da ação conjunta da CDHU, FUNAI, FUNASA e em alguns casos, da Prefeitura Municipal. A demanda H # Lw^7JG R # H# ? # # # 7 ] `w 5 * " G H# # " Z _ 5 ( #G Lw^7K7 ? ? G implementação e manutenção dos sistemas de ĂĄgua e esgoto. Diferente de outros programas habitacionais sob responsabilidade da companhia, o PMI concede 100% de subsĂ­dio Ă s aldeias e, por essa razĂŁo, sĂł ĂŠ realizado em Terras IndĂ­genas jĂĄ homologadas. Em TenondĂŠ PorĂŁ foram construĂ­das 110 unidades habitacionais, entre 2006 e 2007. A implantação das casas foi escolhida pelos moradores, de forma que seguem mais ou menos a organização espacial original dos nĂşcleos familiares. A tipologia escolhida para a aldeia ĂŠ uma adaptação da construĂ­da no mesmo perĂ­odo na aldeia de Boa Vista, em Ubatuba. É um edifĂ­cio de planta retangular, com uma das fachadas menores em semi-cĂ­rculo. Uma cobertura de telha cerâmica projeta-se em quatro ĂĄguas sobre o edifĂ­cio construĂ­do em alvenaria estrutural, que foi mantida aparente do lado de fora.

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Chama atenção na fachada em semi-cĂ­rculo uma pequena varanda sustentada por dois grossos pilares de eucalipto, servindo de cobertura para um tanque externo e tambĂŠm de acesso ao banheiro e Ă cozinha. Internamente, segue uma solução comum de casas populares, com sala, trĂŞs dormitĂłrios, banheiro, cozinha e – um diferencial – um grande fogĂŁo a lenha. Este, talvez, seja o elemento mais curioso dessas habitaçþes. Para as famĂ­lias guarani a fogueira desempenha um papel essencial. EstĂŁo acostumados a dormir com uma fogueira acesa no interior das habitaçþes e tambĂŠm a cozinhar seus alimentos em panelas colocadas diretamente sobre os tocos em brasa. Em muitos casos, principalmente entre as famĂ­lias mais antigas, a fogueira ĂŠ mantida acesa ao longo de todo o dia, desempenhando nĂŁo apenas um papel prĂĄtico, mas simbĂłlico. O projeto da CDHU procura resolver uma demanda cultural. PressupĂľe, no entanto, que a solução tradicional – a fogueira sobre terra batida – ĂŠ tecnicamente “atrasadaâ€? e, portanto, perfeitamente substituĂ­vel por um elemento tecnicamente mais “avançadoâ€?. Como consequĂŞncia, nĂŁo ĂŠ raro que esses novos elementos se tornem subutilizados ou entĂŁo “readaptadosâ€? Ă s necessidades reais das famĂ­lias. É o caso, por exemplo, de muitas famĂ­lias que continuam fazendo suas fogueiras tradicionais dentro de casa ou na varanda, transformando o fogĂŁo a lenha em simples depĂłsito de panelas e madeira. As varandas remetem a uma situação parecida. Todos os projetos apresentados pela CDHU – num total de 9 tipologias – apresentam varanda. Embora elas sejam utilizadas pelos moradores, principalmente para o preparo de fogueiras e reuniĂľes da famĂ­lia em dias de chuva, sĂŁo um elemento ligado Ă cultura cabocla e raramente aparecem nas casas auto-construĂ­das. NĂŁo sĂŁo, dessa maneira, um elemento valorizado pela cultura guarani. Ignora-se, portanto, que as demandas culturais mbyĂĄ diferem nĂŁo apenas das de outros grupos guarani, mas tambĂŠm da cultura caipira, G R # J # Z Q R # " ' # # # " * # _ para diferentes grupos ĂŠtnicos e culturais. Por exemplo, a repetição da unidade presente na aldeia do JaraguĂĄ em comunidades R # € U 6. Muito embora a companhia alegue que as moradias dos programas habitacionais indĂ­gena e quilombola extrapolem o padrĂŁo executado em outros programas – como os de Habitação de Interesse Social (HIS)7 – trata-se de uma mesma lĂłgica construtiva e espacial. Nesse sentido a polĂ­tica habitacional segue de perto as demais polĂ­ticas indigenistas realizadas pelo Estado: nĂŁo hĂĄ interesse em arquitetura guarani atual

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As comunidades quilombolas de São Paulo tambÊm contam com um programa estatal próprio de habitação subsidiada, o Programa de Moradia Œ # ;( Œ<

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As moradias indígenas tem entre 55m² e 60m² e atÊ 3 dormitórios, enquanto as habitaçþes de interesse social possuem aproximadamente 50m² e 2 dormitórios.

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compreender as demandas culturais, mas em resolver os problemas econĂ´micos imediatos. Embora tenham sua importância enquanto medidas emergenciais – uma vez que nĂŁo se pode ignorar a situação de misĂŠria de muitas comunidades – tais polĂ­ticas nĂŁo garantem a autonomia e subsistĂŞncia desses grupos, implicando em graves mudanças no modo de vida tradicional. Assegura-se com isso a sobrevivĂŞncia das comunidades, porĂŠm com uma integração absolutamente precĂĄria Ă sociedade juruĂĄ (nĂŁo-indĂ­gena). No caso dos programas habitacionais, esse posicionamento do Estado transparece em diversos nĂ­veis. Ainda na etapa de elaboração do desenho, a CDHU trabalha com as seguintes premissas de projeto: estabilidade estrutural, durabilidade mĂ­nima de 25 anos, estanqueidade e habitabilidade, todas com qualidade maior ou igual a dos processos construtivos tradicionais. 7 " #5Z # H # Q R ? # # Z x Â? # % J Q" Â? # # 5 ( H#G ĂŠ perfeitamente possĂ­vel elaborar soluçþes que respeitem os saberes construtivos tradicionais e sua morfologia. O estĂ­mulo ao ‰ # H ? Q" # tekoĂĄ – que deveriam, aliĂĄs, ser ampliados com urgĂŞncia – bem como as novas pesquisas sobre desempenho estrutural das tĂŠcnicas construtivas em terra sĂŁo algumas alternativas que podem ser apontadas. Da mesma forma, como medir a “habitabilidadeâ€? de uma construção, quando os parâmetros culturais sĂŁo outros? Como ter certeza que uma casa com sala, cozinha, banheiro e 3 quartos ĂŠ uma solução com “qualidade maior ou igual a dos processos construtivos tradicionaisâ€?? A falta de um diĂĄlogo que perpasse as diferenças sĂłcio-culturais transparece de forma ainda mais evidente no processo de consulta Ă s comunidades. Como jĂĄ foi mencionado, a FUNAI realiza a mediação com as aldeias, passando Ă CDHU o nĂşmero de habitaçþes necessĂĄria e sua localização aproximada dentro da aldeia. ^ x # G # * # H' # ? # # " Com as lideranças e interessados reunidos em uma sala, os tĂŠcnicos da CDHU apresentam as tipologias – jĂĄ feitas – em banners. SĂŁo apresentadas segundo a representação tradicional do desenho tĂŠcnico – plantas, cortes e elevaçþes – e complementadas por textos descritivos. Como esperar de uma cultural oral a compreensĂŁo da linguagem tĂŠcnica, se esta ĂŠ dominada apenas por engenheiros e arquitetos, 83

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permanecendo obscura inclusive para a população juruĂĄ? Mais ainda, quando a ideia de “casaâ€? ĂŠ diferente para as duas culturas, como esperar que mesmo uma descrição oral detalhada possa ser inteiramente compreensĂ­vel? Depois que os moradores escolhem uma das tipologias apresentadas, os tĂŠcnicos realizam um exercĂ­cio interessante. Desenham em " #

*5 G # ) G R # # * _ ^ *5 portanto alteração da linguagem, apenas se transfere a abstração – agora em “tamanho realâ€? – para outra superfĂ­cie. ^ H R # " " #' # G # quando, porventura, visitam uma aldeia em que a mesma tipologia foi construĂ­da, arrependendo-se da escolha que, materializada, lhes desagrada. O problema da linguagem pode ser resumido claramente em um relato fornecido por uma das arquitetas responsĂĄveis pelo Programa de Moradia IndĂ­gena. Depois de realizado todo o processo de consulta Ă população, quando solicitado ao cacique de uma das aldeias que assinasse os documentos com a tipologia escolhida, este assinou na linha pontilhada de projeção da cobertura da casa, em planta. “Eles nĂŁo entenderam nadaâ€?, resumiu a arquiteta. NĂŁo existe exemplo que ilustre melhor a incompreensĂŁo mĂştua do que este.

. TÊcnico da CDHU apresentando as tipologias habitacionais na aldeia U G # J * H# Foto cedida pela CDHU. . TÊcnicos da CDHU desenhando a planta da tipologia escolhida em escala 1:1, na aldeia de TenondÊ Porã. Foto cedida pela CDHU. ! ] R U 7? (Itariri) que, segundo arquiteta da CDHU, assinou os documentos sobre a linha de projeção da cobertura. Foto cedida pela CDHU.

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. Tipologia Habitacional da CDHU construĂ­da na aldeia TenondĂŠ PorĂŁ.

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+ 8 ( $ %FH $ + 0 7 & 1) planta da unidade (imagem cedida pela CDHU); 2) corte AA longitudinal da unidade (imagem cedida pela CDHU); 3) corte BB transversal da unidade (imagem cedida pela CDHU); 4) fachada principal com acesso para sala de estar; 5) fachada semi-circular e fachada lateral, onde observase as portas de acesso ao banheiro e à cozinha, alÊm do tanque externo; 6) fachada semi-circular com varanda; 7) fachada lateral; 8) varanda com pilares de eucalipto queimados em razão das fogueiras armadas durante a noite; 9) implantação de algumas unidades, seguindo a organização espacial das famílias-extensa.


F ( #D J$ K ' Q " # # ] `w ‰ # $# #Q Q" ] # * # # # R atingem a idade adulta (mesmo quando solteiros), constroem para si novas casas, ligadas ao pĂĄtio (ocĂĄ) de sua famĂ­lia. HĂĄ tambĂŠm casos de pessoas mais velhas que construĂ­ram para si casas de madeira ao lado das fornecidas pela CDHU, por nĂŁo se acostumarem x * 7 " # R # # " * G ocĂĄ familiares. Em geral, mantĂŞm o esquema construtivo guarani usual. A estrutura ĂŠ bem simples, formada por cumeeira e frechais em peças Ăşnicas de madeira, apoiados sobre a estrutura em trĂŞs esteios nas faces menores. Estes esteios, por sua vez, sĂŁo travados pelas vigas R # curuzu # • # # # 5 * G # R # # " entre 4m e 5m de comprimento e 3m de largura. Possuem pĂŠ-direito pouco elevado, raramente ultrapassando 2.5m de altura. Normalmente hĂĄ uma Ăşnica entrada, que varia de posição. Algumas vezes, encontra-se deslocada do centro na fachada menor, outras vezes centralizada nas fachadas maiores, sem que um padrĂŁo possa ser determinado. Demais aberturas sĂŁo raras. As maiores variaçþes se relacionam aos fechamentos. A maioria possui vedação com placas de madeira, compensados e lonas, em encaixes diversos. As coberturas costumam ser em telha cerâmica ou tambĂŠm em placas de madeira. Internamente, as casas sĂŁo bastante simples. NĂŁo possuem cĂ´modos separados e os mĂłveis sĂŁo poucos – banquinhos de madeira

. Ao lado de muitas habitaçþes da CDHU jå se podem notar novas casas auto-construídas. . Casa com alpendre lateral. A vedação Ê de tåbuas e a cobertura em telha cerâmica

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. Habitação semi-acabada. As fachadas frontais foram recobertas com pau-a-pique por estaqueamento, sem revestimento de barro. As fachadas laterais ainda não foram ? 7 # 5" # * ' cimento.

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ou plåstico, guarda-roupa, eventualmente uma mesa e colchþes concentrados em uma das laterais. Os utensílios domÊsticos são mantidos dependurados no vigamento, em pregos e arames. Nenhuma das habitaçþes observadas possuía iluminação elÊtrica. São minoria as habitaçþes em pau-a-pique. Um dos conjuntos que mais chama atenção Ê o de uma família-extensa bastante antiga de TenondÊ Porã. São cerca de três casas de pau-a-pique, sendo que uma delas, grande para os padrþes habitacionais guarani, foi uma " ? Œ # Q # # * $#

. Casa de pau-a-pique barreado Ă frente de casa da CDHU. . Casa de pau-a-pique por estaqueamento e sem revestimento de barro, ao lado de casa da CDHU. . Conjunto de casas de pau-apique de uma mesma famĂ­lia extensa; casa maior, ao centro, era uma antiga casa de reza da aldeia.

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? =opy> K $ ? #& 7 ? % H ( 5 ? G Z # # / | " estrada da Barragem à Varginha. Trata-se de uma årea em suave depressão, compreendida entre as duas elevaçþes mais altas da aldeia. Nessa årea, o terreno Ê # # BZ # 5 ? * # H# # x ? # $ mínima de cerca de 10m, delineando ao redor dela uma praça (ocå) ampla e lhe garantindo boa visibilidade dentro do espaço da aldeia. Para quem visita a aldeia pela primeira vez, caminhando a partir da entrada principal pela rua João Lang, a casa de reza não Ê avistada de imediato, pois permanece oculta pela depressão do terreno e pelas årvores que se espalham ao longo das estradas de acesso. No entanto, para alguÊm que caminhe pelo interior da aldeia, partindo, por exemplo, da represa e seguindo para norte por meio das habitaçþes, a casa de reza ganha maior destaque. MantÊm-se dessa maneira reservada aos olhares de fora, porÊm não aos dos moradores.

Casa de reza vista a partir do caminho de terra que a liga Ă escola municipal do CECI. Vista da casa de reza (face leste) e entorno. A opy encontra-se na depressĂŁo formada entre os dois

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morros de cota mais alta da aldeia. Podemos divisar, de um lado, a escola municipal (CECI) e do outro lado, parte das habitaçþes construídas pela CDHU.

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$ $ O edifĂ­cio chama atenção por suas dimensĂľes e tambĂŠm pelo revestimento bastante cuidadoso das fachadas. É a maior das casas de reza estudadas e, certamente, uma das maiores do complexo de aldeias guarani de SĂŁo Paulo. A planta ĂŠ retangular, sendo a face oeste em semicĂ­rculo. As faces menores – leste e oeste – possuem uma largura de cerca de 9.5m, enquanto as faces maiores – norte e sul – tem aproximadamente 17m de comprimento. Em seu ponto mais alto, a viga longitudinal da cumeeira, atinge quase 6.5m de altura, tornando-se um edifĂ­cio realmente grandioso para os padrĂľes guarani. 7 " # # # # R @# 7 # G # _5 # G mais uma espĂŠcie de abrigo do que um local de permanĂŞncia e, em geral, sĂŁo bastante estreitas. As casas de reza, embora maiores e # # # G # Z # # ' G # R • e vigas, bastante simples, da tĂŠcnica guarani. Uma antiga opy de TenondĂŠ PorĂŁ, descrita por CarlosZibel da Costa na dĂŠcada de 1980, tinha 5.85m de largura e 8.10 de comprimento, dimensĂľes mais prĂłximas do observado atualmente em outras casas de reza, como as das aldeias do JaraguĂĄ. B# # G # " # ‰ 5 # % H ( Ăşltimas dĂŠcadas. A casa de reza atual foi construĂ­da hĂĄ cerca de 6 anos, quando a aldeia jĂĄ contava com cerca de 700 moradores, um nĂşmero bastante alto para os nĂşcleos tradicionais.

. Volumetria da casa de reza atual de TenondÊ Porã, com medidas externas gerais. !. Croqui de casa de reza estudada por Carlos Zibel da Costa na dÊcada de 1980 (imagens retiradas de COSTA, Carlos Roberto Zibel. Habitacao guarani : tradição construtiva e mitologia. São Paulo: FAU-USP, 1989).

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Em situaçþes desse tipo, uma aldeia normalmente jĂĄ teria se subdividido em unidades menores, sem que isso acarretasse na fragmentação social do grupo8 7 " R G G # # " # novas aldeias e, consequentemente, ocasionando o adensamento fora do comum dos nĂşcleos existentes. Isso ĂŠ visĂ­vel na maior concentração espacial das moradias, na redução das roças familiares e tambĂŠm na espacialidade tradicional das casas de reza. A arquitetura guarani busca sempre resolver os problemas imediatos do presente, de forma que, mesmo em suas # # G # 5 # # #5 ÂŚ " # as dimensĂľes fora do comum da opy, a resposta – bastante Ăłbvia – foi que era o tamanho necessĂĄrio para que todas as pessoas da aldeia pudessem rezar. O edifĂ­cio ĂŠ simĂŠtrico e seu eixo longitudinal estĂĄ orientado na direção Leste-Oeste, de forma que a face menor do retângulo volta-se para o sol nascente e determina a face sagrada, onde internamente estĂĄ posicionado o altar. A fachada leste caracteriza-se por um oitĂŁo de cerca de 6.5m de altura. Possuia, originalmente, uma porta deslocada levemente para a direita, em direção Ă fachada norte, devido ao esteio central que estrutura a cumeeira. Essa porta encontra-se atualmente preenchida com pau-a-pique barreado. Aberturas desse tipo na fachada leste nĂŁo sĂŁo incomuns, embora a solução mais aplicada seja posicionar a entrada da opy para oeste ou norte. No entanto, como as moradias tradicionais procuram manter a porta de entrada voltada sempre para leste, em alguns casos os pajĂŠs optam por manter essa solução tambĂŠm na casa de reza.

. Fachada leste com porta preenchida com pau-a-pique da casa de reza atual de TenondÊ Porã . Antiga casa de reza de TenondÊ Porã, com solução de porta nas fachadas leste e oeste (imagem retirada de COSTA, Carlos Roberto Zibel. Habitacao guarani : tradição construtiva e mitologia. São Paulo: FAU-USP, 1989).

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U # R H " de territĂłrio nĂŁo coincide com os limites das Terras IndĂ­genas e chega a ultrapassar atĂŠ mesmo os limites do territĂłrio nacional.

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As fachadas maiores, norte e sul, sĂŁo iguais. Cada uma possui uma porta de entrada ao edifĂ­cio, deslocada para oeste, e uma pequena janela, deslocada para leste. A fachada oeste, em semi-cĂ­rculo, ĂŠ bastante simples e sem aberturas. Distando cerca de 10m desta, hĂĄ uma cobertura muito simples de madeira, estruturada por troncos grossos de eucalipto e com cobertura em sapĂŠ. Utiliza-se essa cobertura para o preparo de alimentos em rituais religiosos e festividades. Nas cerimĂ´nias de batismo da erva-mate, por exemplo, o mate colhido no dia anterior ĂŠ separado enquanto as mulheres armam uma fogueira sob a cobertura. O mate entĂŁo ĂŠ colocado numa espĂŠcie de rede dependurada nas prĂłprias vigas da estrutura, sobre o fogo, para a secagem das folhas. Em seguida, a erva seca ĂŠ apiloada e levada para o interior da opy, onde a cerimĂ´nia de batismo tem prosseguimento. A cobertura da opy ĂŠ bastante inclinada e atinge em sua menor altura pouco mais de 2.0m, considerado bastante alto para os padrĂľes guarani. Projeta-se em duas ĂĄguas sobre a parte retangular da planta e no formato de meio-cone sobre a parte semicircular, a oeste. Internamente o edifĂ­cio ĂŠ bastante escuro, embora mantenha uma iluminação mais homogĂŞnea se comparado Ă s demais casas de reza visitadas, devido Ă distribuição de luz proporcionada pelas janelas e portas nas fachadas norte e sul e tambĂŠm pelo revestimento # * ^ # Junto ao semi-cĂ­rculo na face oeste notam-se os vestĂ­gios da fogueira, quase sempre acesa. Ao redor do fogo, sempre hĂĄ algum apikĂĄ 9, bancos ou baldes virados, formando um cĂ­rculo onde as pessoas se reunem cotidianamente. A opy se mantĂŠm sempre aberta. Mesmo quando nĂŁo estĂŁo acontecendo rituais religiosos, ĂŠ comum ver pessoas reunidas em volta do fogo, contando histĂłrias, cantando e tocando ou simplesmente discutindo assuntos internos. A planta ĂŠ livre e – com exceção do esteio posicionado no centro do semi-cĂ­rculo da face oeste – nĂŁo existem interferĂŞncias ao longo de seu eixo longitudinal. Dessa forma, a estrutura concentra-se ao longo das faces norte e sul, onde tambĂŠm se posicionam tradicionalmente os bancos de madeira, bastante longos, que sĂŁo utilizados durante as cerimĂ´nias religiosas.

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tambĂŠm conhecido como tendĂĄ, tratase de um pequeno banco unitĂĄrio de madeira, algumas vezes com formas ?

# G ? guarani.

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A leste, distando aproximadamente 2m da parede estå o altar. Com aproximadamente 1.5m de altura e posicionado sobre o eixo " G " " B H X R " # ? G * _ G segundo todos os ditames da tradição. Mesmo em situaçþes precårias, o altar Ê fabricado pelo pajÊ com cedro e canela, madeiras consideradas bastante nobres e raras.

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TambĂŠm na face leste, como de costume, encontram-se pendurados os instrumentos musicais utilizados pelos guarani durante os rituais religiosos, como as tradicionais maracĂĄ, alĂŠm de rabecas e violas.

. Vista geral da casa de reza (fachadas leste e sul)

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. Cobertura utilizada para preparo de alimentos e bebidas de uso ritual, em frente Ă fachada oeste da casa de reza. . Janela na fachada sul da casa de reza. . Entrada na fachada norte da casa de reza. . Bancos improvisados ao redor de pequena fogueira, junto Ă face oeste semi-circular.

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. Vista interna da fachada oeste em semi-cĂ­rculo.

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G L * Todas as peças estruturais da casa de reza são de madeira industrial, fornecida à aldeia por uma ONG do bairro de Colônia Paulista, em Parelheiros, que tambÊm forneceu a estrutura de pau-a-pique, feita por meio de quadros prÊ-moldados de madeira. Foi informado que essa ONG, com a qual os guarani mantÊm frequente contato, participou ativamente da construção da casa de reza, imprimindo-lhe inúmeras particularidades, notadamente na estrutura. Os revestimentos, no entanto, foram todos executados pelos moradores, com os materiais determinados pelo pajÊ, como Ê costume. Em toda a årea externa as paredes de pau-a-pique estão barreadas e revestidas com grandes e espessas cascas de årvore. Uma única peça, que possui em mÊdia 20cm de largura e 200cm de altura, cobre verticalmente toda a altura das paredes, com exceção da base, # ; * G < ; * < AlÊm de garantir uma proteção extra ao pau-a-pique, essa solução de revestimento auxilia no isolamento tÊrmico do interior da casa de reza. Embora seja mais comum encontrar o pau-a-pique apenas barreado, essa solução Ê frequente entre os guarani do sul do país, onde existem diversos registros do uso de tronco de Xaxim como fechamento do pau-a-pique10. Entretanto, o que mais chamou nossa atenção foi o tratamento bastante cuidadoso dado à fachada leste, sagrada. Nessa fachada, o revestimento Ê dividido em três extratos. Todo o embasamento atÊ a altura dos esteios laterais Ê de pau-a-pique recoberto com cascas de madeira, seguindo o padrão das demais fachadas. Um segundo extrato acima deste Ê de pau-a-pique barreado, porÊm #

# G Z ( #G Z H ' ' R % ' antes de uma estrutura bastante delicada de caniços de madeira, Ă qual se entrelaça um tramado de folhas secas de palmeira – vale lembrar, ĂĄrvore sagrada para os guarani. Essa fachada ganha assim um forte carĂĄter simbĂłlico e traz questĂľes relevantes Ă cultura guarani. Uma delas ĂŠ a importância dada 10

ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na natureza: construção Mbyå-guarani, sustentabilidade e intervençþes externas. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade L U S K G [[@ (dissertação de mestrado).

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aos materias, sejam eles construtivos, artesanais ou de uso cotidiano. A folha de palmeira, considerada årvore nobre e cerne dos mitos de criação e destruição do mundo guarani, não por acaso foi escolhida para preencher o extrato superior do oitão. AlÊm dessa simbologia religiosa imediata, o fato de ter sido realizado um simples tramado de folhas, sem demais revestimentos, permite que a luz do sol nascente atravesse a fachada e ilumine o interior da opy todas as manhãs, momento em que o pajÊ tradicionalmente abençoa os moradores, invocando-os para o início das atividades cotidianas.

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A cobertura Ê inteiramente coberta por sapÊ, ainda em bom estado. O piso Ê em terra batida e se eleva cerca de 10cm do exterior, mantendo externamente uma faixa de aproximadamente 1m de largura levemente inclinada, uma solução bastante usual para impedir a umidade e o acúmulo de ågua no espaço interno. . Extrato inferior da fachada leste, com revestimento de cascas de madeira. !. Extrato intermediårio da fachada leste, com revestimento de taquara. . Extrato superior da fachada leste, com revestimento de folha de palmeira.

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U # Z ' a-pique. U # Z Z Z # # " U S do Sul (imagem retirada de ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na natureza: construção Mbyå-guarani, sustentabilidade e intervençþes externas. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006).

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. Piso de terra batida, com pequeno desnível em relação ao exterior. . Vista externa da cobertura de sapÊ. . Vista interna do tramado de sapÊ da cobertura. . Vista interna do pau-a-pique em peças prÊ-moldadas.

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. Desenhos de fachada da casa de reza de TenondĂŠ PorĂŁ

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% 8 N $8 $ ? + 0 7 & 1) fachada leste, sagrada, na qual se vê a divisão em três extratos de revestimento e a porta obstruída com pau-a-pique; 2) fachada norte, com entrada e janela; 3) fachada sul, simétrica à norte, com entrada e janela; 4) fachada oeste em semi-círculo.


@ O espaço interior ĂŠ bastante amplo, em planta livre. Os pilares concentram-se ao longo das paredes laterais e, no eixo longitudinal da planta, hĂĄ um Ăşnico esteio - o ywyra’i ' " # G ‰ • # 5" em meio-cone, na face oeste. Na fachada leste, a viga da cumeeira apoia-se no esteio central. PorĂŠm, ao esquema tradicional de trĂŞs esteios na fachada (formando a estrutura da curuzu), foram acrescentados outros dois, para sustentar as terças da cobertura. No semicĂ­rculo da fachada oeste existem pilaretes formados pelos prĂłprios quadros modulares de pau-a-pique, aos quais apoia-se a estrutura de cobertura. Normalmente, a estruturação das casas de reza se dĂĄ somente com trĂŞs esteios nas faces leste e oeste, aos quais apoia-se o vigamento " ÂŚ H # # ' Q G ' R | # G ? # # # X# 5 # " G H# R # # X# • G G #5Z # G ># ^ G # # " Z " G " optam por soluçþes em tesoura, por serem capazes de conter os esforços ao mesmo tempo em que mantĂŠm livre o espaço interno da dança ritual11. € # ? # G G R # # # R G R # ultrapassavam 100 pessoas. Com o adensamento das aldeias existentes e, consequentemente, a necessidade de edifĂ­cios maiores para as opy, novas soluçþes estruturais tiveram que ser pensadas. É o que observamos em TenondĂŠ PorĂŁ e, numa escala menor, na tekoĂĄ Pyau, como veremos mais adiante.

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. Estrutura de casa guarani em TenondÊ Porã (imagem retirada de COSTA, Carlos Roberto Zibel. Habitacao guarani : tradição construtiva e mitologia. São Paulo: FAU-USP, 1989). !. Estrutura de casa guarani no U S K ;imagem retirada de PRUDENTE, Letícia Thurmann. Arquitetura Mbyå-Guarani na Mata Atlântica do Rio Grande do Sul: estudo de caso do tekoå Nhßu Porã. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007). . Estrutura de casa guarani no U S K ;imagem retirada de ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na natureza: construção Mbyå-guarani, sustentabilidade e intervençþes externas. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006).

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]!K%7G ] U { Habitacao guarani : tradição construtiva e mitologia. São Paulo: FAU-USP, 1989 (tese de doutorado); ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na natureza: construção Mbyå-guarani, sustentabilidade e intervençþes externas. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade L U S K G 2006 (dissertação de mestrado); (Uw B^%BG | Q %* # Arquitetura Mbyå-Guarani na Mata 7 $ U S K ) estudo de caso do tekoå Nhßu Porã. Porto Alegre: Escola de Engenharia w L U Grande do Sul, 2007 (dissertação de mestrado).

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Para vencer o vĂŁo de aproximadamente 9.5m de largura, os integrantes da ONG propuseram aos guarani estruturas do tipo “mĂŁo francesaâ€? junto aos pilares laterais das fachadas norte e sul. AlĂŠm disso, para diminuir os esforços longitudinais e transversais sofridos pela estrutura, foram acrescentadas duas terças Ă cobertura (que normalmente seria formada apenas por trĂŞs vigas longitudinais) e, a cada conjunto de pilares, uma espĂŠcie de tesoura “duplaâ€? (que contam tambĂŠm com os reforços estruturais de mĂŁos francesas). . Detalhe de encaixe de estrutura da antiga casa de reza de TenondĂŠ PorĂŁ (imagem retirada de COSTA, Carlos Roberto Zibel. Habitacao guarani : tradição construtiva e mitologia. SĂŁo Paulo: FAUUSP, 1989). . Detalhe de encaixe de estrutura da antiga casa de reza de TenondĂŠ PorĂŁ (imagem retirada de COSTA, Carlos Roberto Zibel. Habitacao guarani : tradição construtiva e mitologia. SĂŁo Paulo: FAUUSP, 1989).

A casa de reza de TenondĂŠ PorĂŁ mostra de forma clara como uma nova realidade – o aumento populacional – condicionou a busca de novas soluçþes tĂŠcnicas para a arquitetura tradicional. HĂĄ algumas dĂŠcadas, a escassez dos materiais utilizados pelos guarani em suas casas – principalmente o cipĂł, a palmeira, o cedro e a canela – jĂĄ apontava, como consequĂŞncia direta, a incorporação de diversos elementos industriais – pregos, coberturas plĂĄsticas, lonas, arames, cordas sintĂŠticas, madeira industrial – na arquitetura tradicional. Logicamente, com isso a tĂŠcnica construtiva jĂĄ havia # " G # Z

. Detalhe de encaixe de estrutura " U S do Sul (imagem retirada de ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na natureza: construção Mbyå-guarani, sustentabilidade e intervençþes externas. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006). . Detalhe de encaixe de estrutura " U S Sul (imagem retirada de PRUDENTE, Letícia Thurmann. Arquitetura MbyåGuarani na Mata Atlântica do Rio Grande do Sul: estudo de caso do tekoå Nhßu Porã. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007).

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. Detalhe de encaixe de estrutura da casa de reza atual de TenondÊ Porã. . Detalhe de encaixe do pilar ywyra’i da casa de reza atual de TenondÊ Porã.

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O que observamos aqui, entretanto, ĂŠ inteiramente novo, na medida em que o mĂŠtodo estrutural tradicionalmente utilizado " H # # Q " # ? Q ogapuĂĄ (“construtores de casasâ€?) solicitarem ajuda dos construtores juruĂĄ (nĂŁo-indĂ­genas) para a construção de um novo espaço, condizente com a arquitetura religiosa guarani. Longe de representar uma perda, a colaboração entre Ă­ndios e nĂŁo-Ă­ndios, nesse caso, se mostrou bastante positiva. A implantação, bem como algumas caracterĂ­sticas projetuais – materiais, localização das entradas e dimensĂľes gerais – foram todos determinados pelo pajĂŠ. AlĂŠm disso, a prĂłpria exigĂŞncia cultural de que a casa de reza seja construĂ­da sempre em sistema de mutirĂŁo fez com que os indĂ­genas estivessem envolvidos ativamente em todas as etapas construtivas. Dentre essas etapas, estava a montagem de todos os elementos estruturais, inclusive aqueles estranhos Ă tĂŠcnica guarani, como as mĂŁos francesas. Os novos elementos construtivos, uma vez inseridos no sistema estrutural jĂĄ conhecido pelos guarani (vigas, esteios, tesouras) se tornaram facilmente compreensĂ­veis e representaram, dessa maneira, um acrĂŠscimo de conhecimento ao vocabulĂĄrio tradicional. Observamos isso pela familiaridade com que um dos ogapuĂĄ envolvidos na construção da casa de reza nos explicou sobre seu funcionamento estrutural.

. Desenhos em planta da casa de reza de TenondÊ Porã. . Desenhos em corte da casa de reza de TenondÊ Porã. !. Perspectiva isomÊtrica da estrutura e detalhes construtivos. . Estruturação da cobertura

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Desenhos em planta da casa de reza de TenondĂŠ PorĂŁ. 1) croqui da casa de reza em planta, com mobiliĂĄrio principal e desenho de placas prĂŠ-moldadas de pau-a-pique; 2) planta de estrutura; 3) planta da estrutura somente com os pilares; 4) planta da estrutura somente com vigas e tesouras.


% 8 $ $ ? + 0 7 & No corte longitudinal, ĂŠ possĂ­vel ver a viga da cumeeira (a uma altura aproximada de 6.5m do chĂŁo), terças (a uma altura aproximada de 4.8m do chĂŁo) e frechais (a uma altura aproximada de 2.5m do chĂŁo). Nota-se ainda a estrutura em “mĂŁo francesaâ€? das tesouras. No corte transversal, vemos a estrutura readaptada da curuzu, os pilares reforçados com “mĂŁo francesaâ€? e as tesouras (em vista frontal). As alturas aqui apresentadas sĂŁo bastante elevadas para o padrĂŁo guarani, uma vez que a altura mĂŠdia da cumeeira nas habitaçþes guarani nĂŁo costuma exceder 2.5m e, nas casas de reza, 4.0m. A arquitetura guarani se caracteriza como uma construção rĂĄpida. Mesmo nas casa de reza, o tempo de execução nĂŁo costuma ser maior do que 50 dias, devido Ă grande praticidade dessas construçþes, realizadas com os poucos equipamentos e materiais disponĂ­veis. Sendo o povo guarani de baixa estatura e contando com poucos equipamentos de construção, ĂŠ natural que o padrĂŁo das casas seja condizente com as caracterĂ­sticas fĂ­sicas de seus construtores. No caso da casa de reza de TenondĂŠ PorĂŁ, a altura do edifĂ­cio foi possibilitada somente pela utilização de andaimes simples de ferro, levados Ă aldeia pela ong que auxiliou na construção.


Perspectiva isométrica da estrutura e detalhes construtivos. Detalhe 1: pilar ywyra’i e tesoura formando uma estrutura adaptada de curuzu, em vista frontal e perspectiva isométrica. Detalhe 2: tesoura com “mão francesa”, em vista frontal e perspectiva isométrica. Detalhe 3: estrutura adaptada de curuzu na fachada leste (vista interna). Detalhe 4: encaixe externo entre esteio e freichal. det.4

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det.1

det.1

det.2

det.2


Estruturação da cobertura. 1) perspectiva isométrica explodida, com indicação dos componentes; 2) vista frontal da cobertura explodida; 3) planta da cobertura.

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3

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U < /

A comunidade indígena do Jaraguå Ê formada por duas pequenas aldeias – Ytu e Pyau – separadas apenas por uma rua. Por # # # # G G # # # ~# G # H R por analiså-las como um conjunto único. Por uma questão metodológica, no entanto, descreveremos o conjunto arquitetônico que caracteriza cada uma dessas aldeias em separado. Isso permite, inclusive, pontuar algumas peculiaridades relativas ao contexto diferente em que foram formadas e que, # # G " # # # Z

+ - / 9

U $ A tekoĂĄ Ytu tem uma ĂĄrea aproximada de 1.7 hectares subdivididos em 2 glebas, uma vez que a aldeia ĂŠ cortada quase ao meio pela Estrada TurĂ­stica do JaraguĂĄ. A gleba contĂ­gua ao parque, que chamaremos de gleba 1, tem seu limite norte e oeste determinado pelo ribeirĂŁo das Lavras e concentra parte das moradias da aldeia, principalmente de famĂ­lias novas, que migraram para a regiĂŁo jĂĄ no inĂ­cio dessa dĂŠcada. G 5 " ( # # R H 5 G # ? R edifĂ­cios de carĂĄter pĂşblico. É tambĂŠm o assentamento da famĂ­lia da cacique Jandira desde a ĂŠpoca de criação da aldeia, de forma que quase todas as casas dessa gleba pertencem a um mesmo grupo familiar. Faz limite a oeste com o ribeirĂŁo das Lavras e a sul

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com uma chĂĄcara. É muito difĂ­cil perceber a aldeia de imediato, pois se encontra numa ĂĄrea arborizada e de declive acentuado. O terreno ĂŠ bastante acidentado, atingindo suas maiores cotas na porção central e as menores em toda a margem do ribeirĂŁo, a oeste e sul. SĂŁo dois os acessos principais: um pela Estrada TurĂ­stica, por onde ĂŠ possĂ­vel entrar tanto na gleba 1 quanto na gleba 2, e outro pela rua Comendador JosĂŠ de Matos. A “aldeia de baixoâ€? , como ĂŠ popularmente conhecida, conta com algumas peculiaridades, fruto de sua origem na dĂŠcada de 1960 e do histĂłrico da famĂ­lia que a formou. Joaquim, marido de Jandira, havia sido adotado quando criança por um casal protestante alemĂŁo do sul do paĂ­s. Por um lado, isso lhe valeu algumas vantagens, pois tinha familiaridade no trato e negociação com o poder X # M N # " } G # # * ? # # # G # Q " " # # " # R * # # no ambiente urbano. A inserção social e econĂ´mica na cidade, no entanto, nunca ocorreu da forma pretendida e sua famĂ­lia acabou afastando-se tambĂŠm # # " G R # # A tekoĂĄ Ytu apresenta em decorrĂŞncia desse histĂłrico particular uma miscigenação visivelmente maior do que nas demais comunidades. J ‰ # * G # R " " # / G # # Ă€ primeira vista, as construçþes que mais se destacam na paisagem sĂŁo os edifĂ­cios de carĂĄter pĂşblico concentrados na porção leste G 5 G H ] # / H B _ Q ocĂĄ principal da aldeia e ĂŠ formado pela escola estadual, por um posto de saĂşde e por uma construção circular conhecida como museu guarani. LJSwBJUB !G L Stankuns de Paulo. Oim-IporĂŁ-Ma ! 'U & ) Z • universitĂĄrios e os guarani. SĂŁo Paulo:

Esses projetos, todos construídos hå menos de dez anos, surgiram como parte da demanda de Jandira, na dÊcada de 1990, por melhorias na aldeia, dentre as quais destacam-se os projetos hidro-sanitårios e os equipamentos de saúde, educação e cultura. Data desse período tambÊm, a ida dos pajÊs Sebastião e JosÊ Fernandes para Ytu, estimulando a construção ali de uma opy e, com isso, iniciando o processo de reaproximação dessa comunidade com as demais.

FAU-USP, 2005 e AZEVEDO, Frederico Ming. A questão indígena e a urbanização. São Paulo: FAU-USP, 2000.

Uma primeira caminhada pela gleba 2 faz notar a predominância de casas de alvenaria – sejam elas autoconstruĂ­das ou parte do Programa de Moradia IndĂ­gena. Esse ĂŠ um fato curioso, pois imagens e descriçþes do inĂ­cio da dĂŠcada de 199012 mostram o

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#Q 5 G # # * ' # G Z # R " M de cimaâ€?. A aldeia encontra-se atualmente bastante arborizada, fruto tambĂŠm das iniciativas tomadas pela cacique na dĂŠcada de 1990. O campo de futebol da aldeia localiza-se em ĂĄrea alagĂĄvel, ao limite sul da gleba 2, e estĂĄ inutilizado. Os moradores realizam partidas cotidianas, porĂŠm no campo da “aldeia de cimaâ€?. A ĂĄrea prĂłxima ao ribeirĂŁo ĂŠ plana e pouco pedregosa. Seria, assim, um dos poucos espaços aptos Ă pequena agricultura, nĂŁo fosse o fato do ribeirĂŁo ter se convertido, nos Ăşltimos vinte anos, em um esgoto a cĂŠu aberto. Dessa forma, inexiste agricultura de subsistĂŞncia, salvo por uma ou outra horta familiar pequena, na gleba 1. PrĂłxima ao limite sul da gleba 2 estĂĄ implantada a opy. Ela se encontra bastante reservada e sĂł pode ser vista por quem caminha pela vĂĄrzea do ribeirĂŁo. A aldeia conta ainda com banheiros pĂşblicos, luz elĂŠtrica fornecida pela eletropaulo e rede de ĂĄgua e esgoto construĂ­das pela FUNASA.

Vista ĂĄerea da aldeia, com " ; R <G vias de acesso (canto inferior R < (direita). Fotos gerais da tekoĂĄ Ytu (“aldeia de baixoâ€?)

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entrada da aldeia pela Estrada Turística do Jaraguá

ocá principal, com escola à frente

posto de saúde e Casa da Cultura, vistos da rua

casas na gleba 1

ribeirão das lavras

campo de futebol

lagoa formada pelo ribeirão

ocá familiar na gleba 2

gleba 1, no limite com o parque estadual


@ $ #D $ @ $ @ %) - U ( U V Parte dos projetos demandados pela cacique, esses dois edifícios foram pensados, projetados e construídos por um grupo de extensão da Universidade de São Paulo que contou com a participação ativa do grêmio e dos estudantes da FAU. Os projetos foram realizados com a participação da comunidade, procurando-se levar em conta espaços e materiais condizentes com as condiçþes sócio-econômicas da aldeia e com a cultura guarani13. A escola estadual estå implantada em um dos extremos da årea plana livre à entrada leste da aldeia. Em planta, assemelha-se à tipologia guarani de face oeste em semicírculo. A estrutura Ê em blocos cerâmicos autoportantes na parte retangular e de pilares e vigas de madeira na parte semicircular, de pÊ-direito maior. A cobertura divide-se, portanto, em duas partes, uma mais baixa, em duas åguas, e outra mais alta, na forma de um meio-octógono, ambas com telha cerâmica. Conta ainda com um pergolado, na fachada oeste, que faz a transição do espaço da escola para a årea em que, pelo projeto original, estaria localizada uma horta comunitåria, hoje inexistente. Internamente, o projeto concentra, no volume retangular, cozinha, administração, depósito, sanitårios e um refeitório que se abre para a ocå; junto à årea em semicírculo estão duas salas de aula e uma biblioteca.

Fachada norte da escola. Observam-se os lavabos externos, as portas do refeitório, que permanecem abertas durante o dia e, à oeste, pergolado que faz a transição do edifício para o exterior (imagem retirada de AZEVEDO, Frederico Ming. A questão indígena e a urbanização. São Paulo: FAU-USP, 2000). Planta da escola. Procurou-se manter a orientação solar tradicional guarani, com a fachada leste em duas åguas e a fachada oeste em semicírculo (imagem retirada de AZEVEDO, Frederico Ming. A questão indígena e a urbanização. São Paulo: FAU-USP, 2000). 13

Para entender o processo de G ) FIGUEIREDO, Fernando Stankuns de Paulo, “Oim-IporĂŁ-Ma Ore-

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RekĂł, experiĂŞncia de estudantes universitĂĄrios e os guaraniâ€? e AZEVEDO, Frederico Ming, “A questĂŁo indĂ­gena e a urbanizaçãoâ€?.

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Ă€ exemplo do que acontece na “aldeia de cimaâ€?, a escola concentra boa parte das atividades cotidianas da aldeia e traz Ă ocĂĄ grande movimentação durante o dia. Antes mesmo de construĂ­dos os edifĂ­cios do CECI em Pyau, a escola estadual Djekupe Amba Arandu jĂĄ apresentava um programa de ensino diferenciado, com aulas em guarani e temas sobre cultura indĂ­gena, ministrados por professores da prĂłpria aldeia. O projeto da Casa da Cultura Guarani foi realizado na mesma ĂŠpoca da escola. Tratava-se de um espaço para feitura e exposição da # # Â? G Q G G " Â? _ _ " guarani para a população do bairro e aos visitantes do parque. Gerido pela prĂłpria aldeia, a Casa da Cultura poderia ainda trazer uma renda-extra para as famĂ­lias, com a venda de artesanato e demais produtos para os turistas. Infelizmente, por motivos de verba nĂŁo * " # ? A estrutura em pilares e vigas ĂŠ de troncos de eucalipto, que sustentam uma cobertura circular de sapĂŠ. A vedação do projeto original, em pau-a-pique, nĂŁo foi realizada. A cobertura de sapĂŠ necessita reparos, porĂŠm a estrutura encontra-se em Ăłtimo estado. A comunidade evangĂŠlica que mora da aldeia realizou hĂĄ pouco tempo algumas reformas no edifĂ­cio, como a mureta que hoje o separa da calçada exterior da aldeia. Hoje, o espaço ĂŠ utilizado apenas para estar e reuniĂŁo dos moradores.

Exterior da Casa de Cultura Guarani, tambĂŠm chamada de “museu guaraniâ€? pelos moradores. Interior da Casa de Cultura Detalhe da estrutura de madeira da cobertura.

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F ( #D Existem trĂŞs tipos de habitação em Ytu: as casas fornecidas pelo Programa de Moradia IndĂ­gena da CDHU, as casas auto-construĂ­das em alvenaria e as casas auto-construĂ­das em madeira. F ( #D 7 G E Existem apenas cinco casas do programa habitacional da CDHU em Ytu, construĂ­das em 2002. Essas casas tambĂŠm se inserem entre as melhorias na aldeia demandadas pela cacique Jandira, ainda na dĂŠcada de 1990. Todas estĂŁo implantadas na gleba 2. A tipologia escolhida para a aldeia do JaraguĂĄ havia sido desenvolvida em 1986 para a Terra IndĂ­gena do AraribĂĄ, no municĂ­pio de AvaĂ­, de população MbyĂĄ e Ă‘andevĂĄ. Essa mesma tipologia, revisada e adotada diversas vezes pela companhia, foi aplicada em # R # € U SĂŁo habitaçþes de planta retangular e cobertura em duas ĂĄguas, segundo a morfologia bĂĄsica da casa guarani. Possuem uma grande entrada frontal – na face retangular menor – onde tambĂŠm hĂĄ uma pequena varanda sustentada por trĂŞs esteios de eucalipto. HĂĄ ainda outra entrada, uma porta simples de folha Ăşnica, localizada na fachada lateral, onde tambĂŠm hĂĄ um tanque externo. As paredes foram mantidas com tijolo aparente, tanto interna quanto externamente. A estrutura ĂŠ mista; as paredes sĂŁo em alvenaria estrutural e, no eixo longitudinal da planta, pilares de eucalipto sustentam a viga da cumeeira. A cobertura ĂŠ estruturada em madeira e revestida com telha de barro. Internamente a tipologia do JaraguĂĄ ĂŠ bastante simples e foi melhor aceita pela população. Os dormitĂłrios e a sala foram mantidos " G # R X * # * ? * G *5G Z # tipologias desenvolvidas pela CDHU, um grande fogĂŁo a lenha.

Tipologia habitacional da CDHU construĂ­da em Ytu.

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+ 8 ( $ %FH $ 9 1) planta da unidade, na qual se observa a opção de interior livre (imagem cedida pela CDHU); 2) corte AA longitudinal da unidade (imagem cedida pela CDHU); 3) mesma tipologia construída na comunidade quilombola de Eldorado (imagem cedida pela CDHU); 4) casa em depressão, próxima da opy; 5) fachada que corresponde internamente ao banheiro e cozinha, em que notam-se as aberturas para ventilação feitas com tijolos; 6) fachada lateral com entrada para o espaço de sala/dormitórios e, externamente, o tanque; 7) fachada lateral; 8) face anterior da habitação, sem aberturas.


F ( #D J$ As casas auto-construĂ­das, por sua vez, sĂŁo de composição bastante variada. Na gleba 2, a maioria das habitaçþes segue a tipologia comum de casa popular urbana: em alvenaria, com planta bastante irregular, formada por dormitĂłrios separados, sala, cozinha e inĂşmeros “puxadinhosâ€?. Destas, quase todas contam hoje com banheiro prĂłprio. 7 #G " ? " # H# 7 # ? pequenas ocĂĄ ainda sĂŁo notadas entre unidades de uma mesma famĂ­lia. É interessante observar que hoje praticamente todas as casas de alvenaria de Ytu, concentradas na gleba 2, pertencem a membros da famĂ­lia-extensa de Jandira. Tratam-se, em muitos casos, de famĂ­lias mestiças. 7 # R 5 # G # Z # que aconteceu na tekoĂĄ Pyau, em 2008. Em decorrĂŞncia de um incĂŞndio que destruiu algumas casas, foram doados diversos materiais para a reconstrução das habitaçþes (blocos de alvenaria, areia, cimento, brita, esquadrias, portas e telhas de cerâmica). PorĂŠm os moradores tiveram que contratar um pedreiro para construi-las, pois nĂŁo tinham familiaridade tĂŠcnica com aqueles materiais, tradicionais nĂŁo da cultura indĂ­gena, mas da juruĂĄ.14 J R # # H# " # B % Q / " 5 7 #Q # " # recente – que ocupam majoritariamente a gleba contĂ­gua ao parque – construĂ­ram suas casas em madeira. Essas construçþes em nada diferem das presentes no mesmo estilo em TenondĂŠ PorĂŁ e na “aldeia de cimaâ€?. K # " R G # 5" # • # G * # # fogem dessa solução – ao todo, encontramos menos de dez casas de madeira que apresentavam tipologia diferente, em meia-ĂĄgua. Ainda nesses casos, a planta livre e a organização das unidades por famĂ­lia-extensa haviam sido mantidas. S ? # # G # 5 ^ H Q # que o conhecimento construtivo guarani ligado Ă madeira e Ă terra determina, talvez mais do que as condicionantes econĂ´micas, a predominância da solução construtiva em madeira, tanto na estrutura quanto nos fechamentos precĂĄrios da maior parte das habitaçþes pertencentes a famĂ­lias nĂŁo-mestiças. ÂŚ #Q # G H R * # H # H # G # ? R _ #'

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L7UJ7G ] # K 7 ' gração precåria e a resistência indígena na periferia da metrópole. São Paulo: FFLCH-USP, 2008.

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o saber tĂŠcnico em madeira, por exemplo, com o saber tĂŠcnico da alvenaria e do cimento. É nesse sentido que interpretamos aqui a predominância atual na gleba 2 da “aldeia de baixoâ€? das construçþes em alvenaria.

Casa auto-construída de alvenaria. ! Casa auto-construída de alvenaria. Muitas casas de alvenaria possuem alpendres ou varandar, solução pouco comum nas construçþes guarani tradicionais. Casa auto-construída de alvenaria e estrutura em madeira. Procurou-se construir essa casa seguindo o modelo da tipologia habitacional da CDHU.

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Casa auto-construída com estrutura em madeira e, aos fundos, casa de alvenaria pertencentes à mesma família-extensa. Casa auto-construída com estrutura em madeira e vedação em placas de compensado, na gleba 1. Casa auto-construída em madeira, na gleba 2.

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? = ;> Ao longo de mais de 30 anos, desde sua criação na dÊcada de 1960, a tekoå Ytu não possuiu uma casa de reza. Joaquim, marido de Jandira, desencorajava suas iniciativas de construir uma opy na aldeia. Ligado à religião protestante de seus pais adotivos, procurou estabelecer contato desde cedo com a comunidade evangÊlica do Jaraguå, chegando a realizar cultos em sua própria casa # # * " " Somente com a sua morte, quando Jandira assumiu a liderança da aldeia, a reaproximação com a religião tradicional teve início. A primeira casa de reza de Ytu foi construída por volta de 1997 e relacionou-se com a ida dos pajÊs Sebastião e JosÊ Fernandes para a aldeia. Essa primeira opy jå se encontrava bastante degradada quando o grupo de extensão da Universidade de São Paulo começou a se reunir com a comunidade para fazer os projetos da escola estadual e da casa de cultura guarani, de forma que lhes foi pedido, tambÊm, o auxílio para a reconstrução do edifício. A nova opy foi então implantada no mesmo lugar da antiga, tendo sido construída pela própria comunidade no sistema de mutirão.

K $ ? #& O local escolhido para a construção da opy ĂŠ uma das ĂĄreas mais baixas do terreno, prĂłximo ao ribeirĂŁo das Lavras, onde este forma uma espĂŠcie de lagoa, junto ao limite sul da aldeia. Trata-se de uma ĂĄrea plana e recolhida, junto a um declive de mais de 5m, onde as ĂĄrvores impedem a vista do chĂŁo. O acesso Ă casa de reza de Ytu nĂŁo ĂŠ tĂŁo fĂĄcil quanto nas outras duas aldeias estudadas. Para acessĂĄ-la a partir da entrada principal a leste – onde se encontram os demais edifĂ­cios pĂşblicos – devemos descer por uma trilha bastante inclinada, quase no limite de implantação da escola estadual. Outro caminho, mais fĂĄcil, ĂŠ seguir o curso do ribeirĂŁo a partir da entrada pela Estrada TurĂ­stica do JaraguĂĄ, onde encontra-se tambĂŠm a ocĂĄ familiar de Jandira. De qualquer maneira, a opy se mantĂŠm resguardada dos olhares de fora e ĂŠ difĂ­cil, para quem visita Ytu pela primeira vez, divisĂĄ-la simplesmente andando pelos seus caminhos principais.

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Casa de reza de Ytu, prĂłxima ao charco formado pelo ribeirĂŁo das Lavras Vista da casa de reza e entorno.

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$ $ A casa de reza da “aldeia de baixoâ€? ĂŠ um edifĂ­cio pequeno e bastante simples. É a Ăşnica construção de pau-a-pique da aldeia e, infelizmente, encontra-se em estado bastante degradado. JĂĄ conta com 10 anos e nunca passou por reforma, o que se explica pelo fato de estar abandonada. Com a saĂ­da de SebastiĂŁo e a construção de uma nova opy na “aldeia de cimaâ€? pelo pajĂŠ e cacique JosĂŠ Fernandes, as cerimĂ´nias religiosas em Ytu cessaram e o Q ? É a menor das casas de reza visitadas. Tem planta retangular, com face oeste em semi-cĂ­rculo, onde estĂĄ localizada sua Ăşnica entrada. O edifĂ­cio ĂŠ simĂŠtrico e segue a orientação solar tradicional, com o menor lado do retângulo voltado para leste. A fachada leste, sagrada, tem cerca de 6m de largura e conforma um oitĂŁo de quase 4m de altura, no qual ĂŠ possĂ­vel ver a estruturação tradicional em trĂŞs esteios. As fachadas norte e sul sĂŁo simĂŠtricas e bastante simples, sem quaisquer tipo de aberturas. Tem no total quase 11m de comprimento. A fachada oeste, em semi-cĂ­rculo, possuĂ­a uma entrada larga e centralizada. Hoje, porĂŠm, todo o revestimento e cobertura dessa fachada deixaram de existir, estando em pĂŠ somente a estrutura de pilares, em bom estado, alĂŠm dos caibros e ripas da cobertura.

Fachada leste, sagrada. Fachada sul. 77

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Fachada oeste em semi-cĂ­rculo.

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A cobertura, bastante inclinada como na opy de TenondĂŠ PorĂŁ, projeta-se em duas ĂĄguas sobre a parte retangular da planta e em meio-cone na parte semi-circular. O beiral projeta-se cerca de 50cm para alĂŠm do fechamento de pau-a-pique das fachadas. Possui planta livre, no modelo guarani tradicional. O edifĂ­cio ĂŠ bastante escuro, uma vez que as Ăşnicas passagens de luz se dĂŁo pela entrada a oeste e pela parte superior do oitĂŁo da fachada leste, mantida sem barreamento. Nele foi prevista a instalação elĂŠtrica para # G # # Z " " ? # ' Q G _ x O edifĂ­cio estĂĄ vazio e nĂŁo hĂĄ mobiliĂĄrio em seu interior, como bancos ou instrumentos de uso religioso. É curioso que o edifĂ­cio tenha sido simplesmente abandonado depois de ter perdido seu uso original; a estrutura de madeira estĂĄ em bom estado, de forma que somente o pau-a-pique das paredes teria que ser refeito, alĂŠm da substituição da cobertura em sapĂŠ. É relativamente comum a reutilização de um edifĂ­cio nesses casos, mesmo quando trata-se de uma construção sagrada. Em TenondĂŠ PorĂŁ temos o exemplo de uma antiga casa de reza que, com a morte do pajĂŠ, passou a ser utilizada por seus familiares como moradia, enquanto o novo pajĂŠ construĂ­a uma segunda casa de reza, bem prĂłxima ao local onde se encontra a atual. Notamos uma certa resistĂŞncia por parte dos moradores mais antigos de Ytu em voltar a viver em uma casa de pau-a-pique. Muitos deles, notadamente aqueles ligados ao cĂ­rculo familiar de Jandira (maior parte, aliĂĄs, das pessoas da gleba 2) jĂĄ estĂŁo acostumados a viver em casas de alvenaria e nĂŁo tem interesse em ocupar o edifĂ­cio. Em conversa com alguns moradores, no entanto, foi expressa a vontade de retomar ali o uso religioso.

! Cobertura de sapĂŠ apresenta muitas falhas. Parede de pau-a-pique cedida no interior da face norte. Interior da casa de reza.

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G * A estrutura da casa de reza Ê de madeira industrializada, da mesma forma que a estrutura do pau-a-pique. Este foi feito pelo mÊtodo de estaqueamento e barreado tanto na face interna quanto externa. As fachadas norte, sul e oeste são bastante simples nesse sentido; o pau-a-pique não possui nenhum outro tipo de revestimento, # # 7 * # H# Ê bastante simples, com uma única particularidade: na parte superior do oitão o pau-a-pique foi mantido sem revestimento, tanto interna como externamente. Isso permite a passagem da luz da manhã para o interior do edifício atravÊs das frestas nas madeiras, uma solução que lembra a da casa de reza em TenondÊ Porã. O piso Ê de terra batida e a cobertura feita inteiramente de sapÊ. Assim como em TenondÊ Porã e na aldeia de cima, como veremos, # " Z #

U # ? para a estruturação da cobertura.

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Pau-a-pique com barreamento interna e externamente. ( " ? Z da madeira. Cobertura de sapĂŠ. FrontĂŁo na fachada leste mantido sem revestimento de terra. Piso de terra batida

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Desenhos de fachada da casa de reza de Ytu.

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% 8 N $8 $ ? 9 1) fachada leste, sagrada, na qual se vê o frontão de pau-a-pique mantido sem barreamento; 2) fachada norte; 3) fachada sul, simétrica à norte; 4) fachada oeste em semi-círculo.


Estrutura O edifĂ­cio se estrutura de maneira bastante simples, ao estilo guarani. A fachada leste apresenta o esquema tradicional da curuzu, com o esteio central apoiando a viga da cumeeira e os esteios laterais apoiando as outras duas vigas longitudinais. Na fachada oeste, o esquema da curuzu se repete na junção da cobertura em duas ĂĄguas com a cobertura em meio-cone, onde estĂĄ o pilar ywyra’i. Ao longo da parede em semi-cĂ­rculo, um conjunto de esteios apoia os caibros. A porta de entrada ĂŠ formada, dessa maneira, pela prĂłpria estrutura de esteios e vigas. As fachadas norte e sul possuem, no eixo transversal da planta retangular, pilares na mesma dimensĂŁo daqueles das fachadas leste e oeste. Esses pilares apoiam uma tesoura simples, solução bastante usual que permite manter a planta livre nas proximidades de onde estaria o altar da opy. AlĂŠm desses pilares, que denominamos aqui como estrutura principal, as fachadas norte e sul possuem ainda outros dois pilares de secção menor, que diminuem os vĂŁos laterais para cerca de 2m. O vigamento longitudinal segue o esquema tradicional de trĂŞs peças: cumeeira e frechais. O vigamento transversal ĂŠ formado pela estrutura de travamento da curuzu, nas fachadas leste e oeste e ainda pela tesoura, no eixo tranversal da planta retangular. ( #G # H# H # # # # # " G # amarraçþes do sapĂŠ. Essa ĂŠ a casa de reza mais simples dentre as trĂŞs estudadas, do ponto de vista das soluçþes construtivas e da morfologia empregadas. TambĂŠm ĂŠ a que mais se aproxima do “esquema teĂłricoâ€? da casa guarani, com exceção do tipo de madeira utilizada e da solução dos encaixes. Isso ĂŠ certamente curioso, uma vez que a construção que poderia melhor descrever a morfologia geral da casa guarani entre as ' ? G # # + G Z # " O terrĂ­vel estado em que se encontra a construção mais importante para uma aldeia guarani, nesse caso, ocorre por um conjunto de motivos. O primeiro – e mais Ăłbvio – ĂŠ pela ausĂŞncia de um pajĂŠ que realize aĂ­ os cultos cotidianos. A esse motivo, segue-se o fato R " + H # " ' x # "H / " 5G R ?

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aldeia. ( #G / H L ? M # N + R segue a religiĂŁo guarani para as cerimĂ´nias celebradas lĂĄ, ao entardecer. ! 5 #

‰ R # G R # # Ytu, mesmo quando comparada com a comunidade de Pyau, separada daquela apenas por alguns metros.

! Tramado da cobertura em meio-cone.

As ocå particulares, por exemplo, são raras. Do mesmo modo, quase não se avistam jovens em volta das fogueiras, como ainda Ê # M # N ^ R G # # G # # proliferação de casas de alvenaria que em nada diferem das tipologias mais comuns das periferias da cidade.

Detalhe de encaixe da viga de cumeeira com o esteio central ywyra’i na fachada oeste; notar tambÊm os encaixes entre caibros e cumeeira, na cobertura em meio-cone. Encaixe entre esteio lateral, frechal e viga transversal da curuzu, na fachada oeste. Tesoura. Esteio lateral apoiando tesoura. Estrutura da curuzu na fachada leste, com travamentoo inferior e meridional.

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Desenhos em planta da casa de reza de Ytu. Desenhos em corte da casa de reza de Ytu. Perspectiva isomÊtrica da cobertura e detalhes construtivos. Estruturação da cobertura.

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% 8 $ ? 9 1) croqui da casa de reza em planta, com representação das paredes de pau-a-pique; 2) planta de estrutura; 3) planta da estrutura somente com os vigas e tesoura; 4) planta da estrutura somente com pilares.


% 8 $ $ ? 9 No corte transversal Ê possível ver os esteios que conformam a face em semi-círculo, com antiga entrada centralizada. TambÊm se observa o esteio central ywyra’i, mais alto, que conforma a estrutura da curuzuG ‰ • # 5" # # ' ^ " # # ; # Z # 6#< # * ; # aproximada de 2m). A cobertura, em seu ponto mais baixo do beiral atinge aproximadamente 1.80m.


Perspectiva isomĂŠtrica da estrutura e detalhes construtivos. Detalhe 1: esteio central e viga apoiada nos esteios laterais formando a estrutura da curuzu na fachada leste. Detalhe 2: tesoura simples, em vista frontal e perspectiva isomĂŠtrica. Detalhe 3: encaixe entre cumeeira, esteio central e caibros. Detalhe 4: encaixe entre esteio, viga transversal da curuzu da fachada oeste e freichal, em vista frontal e croqui. det.4

det.4

det.1

det.2

det.2

det.3


@ #& $ ( 1) perspectiva isomÊtrica explodida, com indicação dos componentes; 2) vista frontal da cobertura explodida; 3) planta da cobertura.

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+ - / 7;

U $ A tekoĂĄ Pyau ocupa uma ĂĄrea de aproximadamente 3 hectares num terreno a leste de Ytu. Por ser uma ĂĄrea mais plana, jĂĄ vinha sendo utilizada desde a dĂŠcada de 1970 pelos moradores da “aldeia de baixoâ€? como roça comunitĂĄria. Foi somente em meados da dĂŠcada de 1990, no entanto, quando o pajĂŠ e cacique JosĂŠ Fernandes decidiu mudar-se para lĂĄ e fundar uma nova tekoĂĄ, que o terreno passou a receber novos grupos familiares. Desde entĂŁo, a aldeia passa pelo processo de reconhecimento como Terra IndĂ­gena, ainda nĂŁo concluĂ­do. Vista de fora, pode ser confundida pelo olhar leigo com uma favela, devido ao grande nĂşmero de auto-construçþes em compensado de madeira, restos de caixa e tĂĄbuas. TambĂŠm as fossas sĂŠpticas realizadas pela FUNASA jĂĄ ultrapassaram sua capacidade e o esgoto escorre pela terra, chegando mesmo a vazar pelo muro de contenção que limita a aldeia a oeste. Destaca-se na paisagem do entorno do Parque Estadual do JaraguĂĄ por se localizar numa cota alta e tambĂŠm por ser uma ĂĄrea bastante descampada, consequĂŞncia de seu forte adensamento. Para se ter uma ideia, a aldeia TenondĂŠ PorĂŁ, considerada a mais populosa do estado, conta com uma densidade aproximada de 39 pessoas por hectare. A tekoĂĄ Pyau, com uma população de 300 pessoas, atinge uma concentração de 100 pessoas por hectare, o que ‰ # Z # #Q ' Z ` _ * ocĂĄ particulares se encontram bastante reduzidas, quando existem. A aldeia limita-se a norte por uma casa de cultura abandonada, a leste pela rodovia dos Bandeirantes, a sul por um sĂ­tio e a oeste pela rua Comendador JosĂŠ Matos, que a separa da “aldeia de baixoâ€? e concentra todos os acessos formais da aldeia. Existem tambĂŠm alguns acessos informais junto ao muro que a separa da rodovia dos Bandeirantes, porĂŠm sĂŁo de uso exclusivo da comunidade, principalmente das crianças, que costumam brincar nessa ĂĄrea. O terreno possui um aclive de oeste para leste, sendo

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que as maiores inclinaçþes se encontram prĂłximas Ă rua Comendador JosĂŠ de Matos, onde hĂĄ um extenso muro de contenção. Em um primeiro olhar, ĂŠ difĂ­cil encontrar qualquer relação entre essa tekoĂĄ e a organização dos espaços tradicionais guarani. De fato, os principais elementos do ĂąanderekĂł – a mata, a ĂĄgua, a roça –inexistem. No entanto, uma simples conversa com os moradores, num dia que se passe entre eles, revela a resistĂŞncia impressionante da cultura guarani num espaço tĂŁo adverso e, ao mesmo tempo, tĂŁo querido por eles. A dinamicidade guarani se faz presente na contradição: a concentração altĂ­ssima de edifĂ­cios, por exemplo, implica em uma maior # #

# 5 G # # 7 # ‰ Z G caracterĂ­sticas culturais ligadas Ă ideia de territĂłrio, acabam por garantir a sobrevivĂŞncia, por serem pressupostos Ă vida no JaraguĂĄ. ÂŚ # # G # H # ]B]J | ? numa cota alta, o complexo do CECI mantĂŠm em seu entorno, ainda, a principal ocĂĄ de Pyau. Dessa grande praça ĂŠ possĂ­vel ter uma visĂŁo abrangente da aldeia. Em meio a restos de caixa e engradados de madeira – descarregados ali por caminhĂľes – hĂĄ todos os dias uma grande fogueira, em torno da qual os professores da escola ensinam as crianças a preparar pratos da culinĂĄria guarani, narram histĂłrias e discutem. No grande platĂ´ Ă frente da ocĂĄ divisamos tambĂŠm diversas habitaçþes simples de madeira, implantadas quase linearmente e # H G R " # H R 5 ? Ao longo de todo o caminho atĂŠ a casa de reza, o muro que separa a aldeia da rodovia dos Bandeirantes nĂŁo se perde de vista. O ruĂ­do dos automĂłveis ĂŠ constante e nĂŁo deixa que os moradores se esqueçam da presença da cidade. Para as crianças, o trânsito rĂĄpido dos automĂłveis a menos de 50m ĂŠ quase natural. Um de seus passatempos preferidos, aliĂĄs, ĂŠ justamente escorregar em papelĂľes, no morro que as separa da via. Os mais velhos, entretanto, a veem com tristeza: do outro lado da rodovia existem grandes ĂĄreas verdes de mata nĂŁo-preservada, onde ĂŠ possĂ­vel recolher madeira para as casas e algumas ervas medicinais. CruzĂĄ-la, entretanto, ĂŠ arriscado: a passarela para # Z # [[# * " H G H 5 $ G # H# # bastante movimento de automĂłveis. Mais ou menos na porção central da aldeia se avista a casa de reza. Diversas casas compartilham a ocĂĄ ao seu redor, onde sempre

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hå resquícios de fogueira e pessoas reunidas. A oeste da casa de reza se avizinha outra construção de caråter religioso: um enorme # "H G ? R 5 7 # # Q # R # escola estadual. Um pouco mais alÊm, caminhando para o limite setentrional da aldeia, surge um campo de futebol grande e intensamente utilizado # (- R + ( #G # # # # G # * G ergue-se o conjunto de casas da família-extensa do cacique e pajÊ JosÊ Fernandes.

!! Vista ĂĄerea da aldeia, com ; R <G " ; < (direita). ! Fotos gerais da tekoĂĄ Pyau (“aldeia de cimaâ€?) ! Fotos gerais da tekoĂĄ Pyau (“aldeia de cimaâ€?)

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limite leste da aldeia: rodovia dos Bandeirantes

rodovia dos bandeirantes

criança brinca no morro entre a aldeia e a rodovia

vista da aldeia pela Estrada Turística do Jaraguá

esgoto vazando pelo muro de contenção

entrada da aldeia, com escola do CECI ao fundo

madeiras deixadas na ocá em frente a escola municipal

ocá em frente a escola municipal

bolo de milho (chipá) em fogueira na ocá da escola municipal


parquinho do CECI

casas no caminho entre a escola e a casa de reza

ocรก familiar

hortas particulares

hortas particulares ao fundo das casas

rapaz trabalhando em ocรก particular

ocรก da casa de reza

duto de esgoto passando por dentro da aldeia

campo de futebol


@ $ #D 7 $ @ $ #& E = @ E> A tipologia da escola municipal ĂŠ muito similar Ă descrita na aldeia TenondĂŠ PorĂŁ, com poucas variaçþes internas e de fachada. O projeto do bloco cultural ĂŠ o mesmo. É interessante notar a importância que o CECI ganhou na comunidade do JaraguĂĄ, desempenhando um papel sĂłcio-econĂ´mico fundamental. Ao empregar funcionĂĄrios e professores da prĂłpria comunidade, passou a garantir a renda de muitas famĂ­lias e tambĂŠm, por meio da merenda escolar, o almoço diĂĄrio das crianças. O reconhecimento do CECI como uma instituição-chave para a sobrevivĂŞncia econĂ´mica da comunidade, ao garantir meios bĂĄsicos de subsistĂŞncia dentro do espaço da prĂłpria aldeia, transparece na fala elogisa dos moradores e principalmente no uso intenso dos Q G #

! Fachada Principal da escola municipal do CECI. ! Fachada principal da escola municipal do CECI, com grande praça (ocå) à sua frente. 103

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! “Bloco Cultural� do CECI.

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@ $ @ % ' # L Q H VV[ # # ao longo dos anos. Atualmente, ĂŠ formada por quatro pequenos volumes e foi praticamente “engolidaâ€? pela grande cobertura do templo evangĂŠlico.

! Fachada posterior do edifĂ­cio original da escola estadual. ! Lateral da escola voltada para o templo evangĂŠlico, cuja cobertura obstruiu a entrada de luz das salas de aula. ! Lateral da escola, com acessos Ă s salas de aula do edifĂ­cio original.

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! Fachada do edifĂ­cio original da escola estadual, voltada para a ocĂĄ da casa de reza. ! Espaço avarandado do “atelierâ€? de atividades manuais. ! AcrĂŠscimos posteriores da escola estadual, cujas entradas voltamse para o pĂĄtio coberto do templo evangĂŠlico.

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+ @* 0 $ ( R # * " M # N B % Q / " 5G H # | ? ' # # cota baixa do terreno, junto a uma das entradas na rua Comendador JosĂŠ de Matos, e sua visualização ĂŠ imediata. É uma grande cobertura metĂĄlica, projetada sobre um piso de concreto desempenado. Trata-se de uma obra recente e ainda nĂŁo inteiramente concluĂ­da. A comunidade evangĂŠlica ganhou força dentro das aldeias do JaraguĂĄ graças ao contato estabelecido pelo marido de Jandira, Joaquim, ainda nos anos 70. Inicialmente, pretendia-se construir o templo na “aldeia de baixoâ€?, porĂŠm como nĂŁo havia ali espaço G (- # # # 5 B ‰ • Z # # " # juruĂĄ, representadas nĂŁo somente pelos evangĂŠlicos, mas pelas pastorais catĂłlicas, polĂ­ticos e ONGs. Esses grupos contribuem com doaçþes expressivas para as famĂ­lias, garantindo – sem exageros expressivos – sua sobrevivĂŞncia. 7 # " G Z # G # H G R # Â? # G G #H Â? # # # # #H 7 #G # G " # " " Â? opy – pode ser interpretada como uma agressĂŁo social, polĂ­tica e, sobretudo, cultural, sua presença HG G _ ? Z #

Frente do templo evangÊlico vista da rua Comendador JosÊ de Matos. Descida para o templo, que estå numa cota mais baixa em relação à casa de reza. 111

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Grande pĂĄtio coberto do templo evangĂŠlico.

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? =' ;> K $ ? #& 7 ? G # " # 5 # ‘ # 5 G # R permanece oculta para quem caminha pela aldeia pela primeira vez, tanto em função das casas construĂ­das ao seu redor quanto pelo grande templo evangĂŠlico construĂ­do recentemente Ă sua frente. Existem dois acessos principais Ă casa de reza. Um deles ĂŠ pela entrada da aldeia junto ao templo evangĂŠlico e o outro ĂŠ pelo caminho permeado de habitaçþes que a liga Ă grande praça da escola municipal (CECI). Graças Ă inclinação natural do terreno para leste, o templo evangĂŠlico tem sua presença fĂ­sica amenizada, muito embora continue se destacando na paisagem em função de suas dimensĂľes – quase quatro vezes o tamanho da opy. ] Q" x ? # R ocĂĄ, onde sempre podemos ver fogueiras acesas e reuniĂľes diversas.

OcĂĄ da casa de reza, compartida com casas vizinhas. Vista lateral da casa de reza (fachada sul), com templo evangĂŠlico abaixo.

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$ $ É a Ăşnica construção de pau-a-pique da aldeia, destacando-se entre as casas bastante simples de compensado de madeira. 7 H " # # $ " R # # # " # G Ă fachada norte. Obedece a orientação solar tradicional, com eixo longitudinal no sentido Leste-Oeste. Ao contrĂĄrio das casas de reza de Ytu e TenondĂŠ PorĂŁ, em que a fachada oeste era semi-circular, aqui esta fachada nĂŁo se diferencia ( # @ ># " # 6# G R H Q em trĂŞs esteios. Embora a tipologia mais comum das casas de reza do estado de SĂŁo Paulo seja de planta retangular com face oeste semi-circular, a # # # 5" Â? # # # * Â? H # G # ( 5 U Grande do Sul. Devido Ă declividade natural do terreno, parte do piso da casa de reza teve que ser aplainado. Por isso, na face oeste hĂĄ um muro de contenção em placas de concreto, com mais ou menos 1m de altura.

DesnĂ­vel do terreno com talude junto Ă fachada oeste da casa de reza. Face oeste da casa de reza

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Face sul da casa de reza, na qual podemos ver uma das entradas do edifĂ­cio.

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As fachadas norte e sul são longas, contando com pouco menos de 16m de comprimento. Possuem as únicas aberturas do edifício, que se posicionam quase frente a frente, próximas à face oeste. A fachada norte conta ainda com um volume anexo perpendicular, um pouco mais baixo do que o restante da casa de reza. A cobertura Ê em duas åguas no volume principal e de uma ågua no volume anexo. O interior da casa de reza, como em toda construção guarani, Ê bastante escuro. A entrada de luz no edifício se då somente pelas H ' ' R G * # `5 # # # pilar próximo à fachada oeste, porÊm Ê raramente utilizado. A opy Ê um espaço muito frequentado pelos moradores de Pyau, inclusive os mais jovens. Como o edifício Ê mantido aberto ao longo do dia, Ê comum observar pessoas reunidas ali para conversar, tocar violão ou simplesmente sentarem-se em silêncio. Junto à face oeste hå sempre uma pequena fogueira, em torno da qual espalham-se pequenos bancos. Ao longo das fachadas norte e sul posicionam-se os bancos de madeira mais longos, utilizados pelos moradores durante os rituais religiosos ao entardecer. A leste, centralizado e distando cerca de 2m da parede estå o altar, bastante semelhante ao existente em TenondÊ Porã. Nos esteios Z # " # # #

Vista da fachada leste do edifĂ­cio, com horta particular em primeiro plano. ! Volume acrescentado posteriormente, na fachada norte. Entrada junto Ă face norte do edifĂ­cio.

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Não fosse pela presença do volume lateral anexo, a casa de reza de Pyau apresentaria uma morfologia bastante comum à tradição guarani. Este volume Ê um cômodo aberto no interior da opy, onde Ê comum encontrar colchþes, cobertores e restos de fogueira. O pajÊ JosÊ Fernandes morou em diversas comunidades, tanto no Paranå quanto no conjunto de aldeias do litoral paulista, tendo sido cacique e pajÊ em vårias delas. Por isso, Ê muito conhecido e respeitado. Mesmo morando no Jaraguå hå mais de 20 anos, continua sendo muito procurado por pessoas de outras aldeias para curas físicas e espirituais. Foi por essa razão que, alguns anos depois de terminada a opy, sentiu a necessidade de ampliå-la, oferendo aos visitantes de outras aldeias um cômodo onde pudessem permanecer durante os rituais de cura.

Banco e fogueira prĂłximos Ă fachada oeste. Banco (apikĂĄ) prĂłximo de fogueira junto Ă face oeste da casa de reza.

Vista interna da face oeste. Toda entrada de luz do edifĂ­cio se concentra nas entradas localizadas nas faces norte e sul. 122

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Vista interna do volume anexo, utilizado como dormitĂłrio para visitantes e pacientes do pajĂŠ. Vista interna da casa de reza, com bancos nas laterais e altar com instrumentos musicais na fachada leste.

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Dependurados na fachada leste, os instrumentos musicais utilizados durante as cerimĂ´nias religiosas.

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L * A estrutura da casa de reza, a exemplo das outras casas de reza visitadas, ĂŠ de madeira industrializada, doada aos guarani por uma ONG. As paredes de pau-a-pique foram construĂ­das pela tĂŠcnica de estaqueamento, Ă qual seguiu-se o barreamento externo, somente. NĂŁo hĂĄ nenhum tipo de proteção na base das estacas, de forma que muitas jĂĄ apresentam sinais de apodrecimento. O edifĂ­cio ainda nĂŁo passou por nenhuma grande reforma desde sua construção, hĂĄ aproximadamente 10 anos. Todos os anos durante as festividades do batismo do milho aweti, em janeiro, o edifĂ­cio passa por pequenos reparos, principalmente no barro, que jĂĄ começa a se despregar da madeira em vĂĄrios pontos. Somente uma pequena ĂĄrea da parede do volume anexo estĂĄ barreada, “por falta de terra boaâ€?, segundo um morador. Por isso, as demais paredes foram revestidas com placas de madeira. A cobertura ĂŠ inteiramente de telha cerâmica, tambĂŠm doada pela ONG. O piso ĂŠ de terra batida e foi mantido um pequeno desnĂ­vel de cerca de 5cm em relação ao exterior.

estrutura.

Madeiras

utilizadas

na

estrutura.

Madeiras

utilizadas

na

! Pau-a-pique barreado externamete. Na base, jå se nota sinais de deterioração.

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Cobertura com telhas de cerâmica. A cobertura em meia-ågua do volume anexo cai sobre a cobertura em duas åguas do volume principal. Pequeno desnível entre o piso de terra batida e o exterior.

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U # Z volume anexo. Apesar de não terem podido realizar o barreamento das paredes, vemos que houve um apuro estÊtico na escolha do revestimento. Utilizaram fragmentos coloridos de persiana em quase toda a extensão, enquanto nas casas utilizam quaisquer elementos que tenham à mão - tåbuas, lonas de plåstico etc. No interior, estacas do pau-apique mantidas sem recobrimento. Estruturação da cobertura em madeira industrial e telhamento. Piso de terra batida. As paredes de pau-a-pique sobre a årea aterrada do terreno possuem uma base de madeira, que pode ser observada internamente.

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@ A estrutura geral da casa de reza ĂŠ simples e segue o padrĂŁo construtivo guarani. As fachadas leste e oeste sĂŁo formadas pela estrutura da curuzu, em que um esteio central apoia a viga longitudinal da cumeeira. Os esteios laterais descarregam o peso da estrutura e uma viga interna transversal – formada por duas peças com encaixe em L – faz o travamento do sistema. Longitudinalmente, a estrutura se distribui ao longo das fachadas maiores por meio de 6 pilares intermediĂĄrios (alĂŠm dos esteios laterais da curuzu), formados pelas prĂłprias estacas circulares do pau-a-pique, porĂŠm de maior diâmetro e espaçadas de forma mais ou menos constante. O sobrecarregamento dos pilares nas fachadas norte e sul, no entanto, condicionou posteriores reforços estruturais, de forma que boa parte desses pilares estĂŁo hoje “duplicadosâ€?. O comprimento total da casa de reza impede que a viga de cumeeira seja formada por uma Ăşnica peça, de modo que ela ĂŠ composta Â? # # # Â? Z #

# 7 possuem entre 3.5m e 4m de comprimento, apoiando-se, a oeste, em um pilar e, a leste, na tesoura. O fato desta opy ser mais longa do que as construçþes de mesma tipologia condicionou tambĂŠm a presença de dois conjuntos de pilares no eixo longitudinal da planta. O primeiro ĂŠ uma espĂŠcie de “pilar duploâ€? (formado por dois esteios contĂ­guos), que corresponderia ao ywyra’i e dista cerca de 3.5m da fachada oeste; o segundo ĂŠ um pilar simples de grande secção transversal, que dista cerca de 3.5m do primeiro. A exigĂŞncia prĂĄtica e simbĂłlica de se manter toda a regiĂŁo leste da casa de reza livre de interferĂŞncias fĂ­sicas que impedissem os movimentos de canto e dança das cerimĂ´nias religiosas determinou uma maior concentração estrutural na regiĂŁo oeste da planta e uma sobrecarga maior a leste. Percebemos isso, em primeiro lugar, pela “duplicaçãoâ€? dos pilares de parede e tambĂŠm pela estrutura da tesoura. Tratava-se inicialmente de uma tesoura simples, similar Ă existente na opy M Z N ( # ‰ Z " cumeeira, entretanto, obrigaram a reforços estruturais, de forma que a tesoura ganhou estruturas do tipo “mĂŁo francesaâ€? – uma solução similar Ă apresentada tambĂŠm nas tesouras da casa de reza de TenondĂŠ PorĂŁ. AlĂŠm das vigas de cobertura (cumeeira e frechais), transversalmente a casa de reza conta com quatro vigas: os travamentos da curuzu nas fachadas leste e oeste, o tirante da tesoura e uma quarta viga, a cerca de 4m da fachada oeste.

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A cobertura em duas ĂĄguas se estrutura da maneira tradicional guarani, com caibros e ripas sobre o vigamento longitudinal, enquanto a estrutura em uma ĂĄgua, ainda mais simples, estrutura-se apenas com caibros sobre o vigamento.

Cumeeira apoiada sobre esteio central da fachada leste. Freichal apoiado sobre esteio lateral fachada leste (exterior). Sobre o freichal, apoiam-se os caibros e, sobre estes, as ripas. Tesoura com reforço do tipo “mĂŁo francesaâ€?. ! Pilar “duploâ€? sobre eixo longitudinal da planta apoiando a viga da cumeeira. Encaixe entre viga transversal e o pilar “duploâ€? posicionado no eixo longitudinal da planta.

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Encaixe da viga transversal da curuzu, na fachada leste, com freichal. Encaixe dos caibros sobre freichal (vista interna)

Em primeiro plano, a tesoura. Aos fundos, estrutura da curuzu na fachada este Pilar “duplo� que sustenta a tesoura

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Desenhos de fachada da casa de reza de Pyau. Desenhos em planta da casa de reza de Pyau. Desenhos em corte da casa de reza de Pyau. Perspectiva isomĂŠtrica da cobertura e detalhes construtivos.

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! Estruturação da cobertura.

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1

3

2

4

% 8 N $8 $ ? 7; 1) fachada leste, sagrada; 2) fachada norte, com voulme anexo e entrada do edifĂ­cio; 3) fachada sul, com entrada do edifĂ­cio; 4) fachada oeste, similar Ă leste.


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3

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% 8 $ ? 7; 1) croqui da casa de reza em planta, com representação das paredes de pau-a-pique e mobiliårio; 2) planta de estrutura; 3) planta da estrutura somente com os vigas e tesoura; 4) planta da estrutura somente com pilares.


% 8 $ $ ? 7; No corte transversal ĂŠ possĂ­vel ver os esteios que conformam a estrutura da curuzu na fachada leste. No corte longitudinal vemos a cumeeira (a uma altura aproximada de 4m) e um dos frechais (a uma altura aproximada de 2m). A cobertura, em seu ponto mais baixo do beiral atinge aproximadamente 1.80m. Observa-se tambĂŠm a tesoura com reforço do tipo “mĂŁo francesaâ€?.


Perspectiva isométrica da estrutura e detalhes construtivos. Detalhe 1: esteio central e viga apoiada nos esteios laterais formando a estrutura da curuzu na fachada leste. Detalhe 2: encaixe entre freichal, tesoura e pilar “duplo”. Detalhe 3: tesoura em vista longitudinal e perspectiva isométrica. Detalhe 4: encaixe entre viga transversal e pilar “duplo” no eixo longitudinal da planta. Detalhe 5: encaixe entre freichal, viga transversal da curuzu e esteio lateral. det.5

det.4

det.1

det.3

det.3

det.2


1

2

3

@ #& $ ( 1) perspectiva isomÊtrica explodida, com indicação dos componentes; 2) vista frontal da cobertura explodida; 3) planta da cobertura.


' # $ W ( Tivemos a oportunidade de observar o uso da opy em uma cerimônia tradicional de grande importância para a comunidade: o batismo da erva-mate15. Normalmente a colheita da erva-mate se då na primavera, quando um novo ciclo da natureza tem início para os guarani. As # * # ? * #

# 5 # ‰ x ? G # " * Z #' G R # ' # " " # * Œ _5 # secas, são então apiloadas e reservadas, para que se tenha início o ritual de batismo de fato.

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Descreveremos brevemente a cerimônia da forma como foi realizada pela comunidade guarani do Jaraguå. Sabemos por meio de relatos diversos e estudos que o batismo da erva-mate sofre variaçþes de aldeia para aldeia, de forma que focaremos aqui apenas os aspectos que julgamos relevantes para o entendimento do uso do edifício em uma cerimônia tradicional. Esperamos tambÊm delinear algumas

Ao entardecer, o pajÊ abençoa a erva com a fumaça de seu petyngua, cachimbo guarani, enquanto as mulheres depositam a erva em pequenas cabaças. Depois, cantando, caminham ao longo da opy atÊ atingirem o altar, perto do qual depositam a cabaça com erva16.

das restriçþes sofridas pelos indígenas, uma vez inseridos no espaço-tempo da metrópole.

Em conjunto com a cerimônia de batismo da erva-mate Ê realizada tambÊm outro importante ritual, a nominação das crianças17. O nome Ê considerado a expressão verdadeira da alma, para os guarani. Segundo Kurt Nimuendaju Unkel:

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“O nome, a seus olhos, ĂŠ a bem dizer um pedaço do seu portador, ou mesmo quase idĂŞntico a ele, inseparĂĄvel da pessoa. O guarani nĂŁo “se chamaâ€? fulano de tal, mas ele â€œĂŠâ€? este nome. O fato de malbaratar o nome pode prejudicar gravemente seu portador.â€?18 ( G # G # " K # $ R " # G W ^ # _ Unkel continua: “Para avaliar a imensa importância que o guarani confere a seu nome considere-se o seguinte procedimento. ÂŚ

# G X # H # ) _H M * N um outro nome para o doente, e ĂŠ frequente que a isto se siga um batismo com ĂĄgua da forma anteriormente 7 H H R G # # # G ' # G R ser anterior (seu nome anterior), separando-se assim do re-nominado, que deste modo sara. Daquele momento em diante o nome antigo nĂŁo volta a ser pronunciado; deixa-se cair no esquecimento o mais depressa possĂ­vel.â€?19 Cabe somente ao pajĂŠ descobrir o nome da criança (pois a melhor palavra, no caso, ĂŠ descobrir, uma vez que o nome nĂŁo ĂŠ dado, ele prĂŠ-existe). Aponta NauĂ­ra Zanardo Zanin que

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7 '# H * de Ă‘anderu, uma das principais divindades guarani, e por isso considerada sagrada. Por ser uma “planta-mulherâ€?, de carĂĄter feminino, sua colheita e a oferenda sĂł pode ser feita pelas mulheres.

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Em algumas aldeias, principalmente no sul do país, a cerimônia de nominação das crianças acontece

apenas no verão, quando Ê realizada tambÊm a cerimônia de colheita de outra planta sagrada, o milho aweti, base da alimentação guarani e matÊriaprima do cayum (bebida alcoólica fermentada). 18

UNKEL, Kurt Nimuendaju. As lendas da criação e da destruição do mundo como fundamento da religião dos Apapocúva-Guarani. São Paulo: Hucitec/Edusp, 1987.

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M # H R R ­ ÂŽ 7 # H # # ÂŁ U % H ; # G < ?G G palavras-almas que somente qando as crianças sĂŁo chamadas pelos nomes que eles lhes dĂŁo ĂŠ que podem ter gozo (felicidade) na morada terrena, deixando de rebelar-se. Os lĂ­deres espirituais sĂŁo capazes de reconhecer de que regiĂŁo do paraĂ­so provĂŠm as palavras-alma, ou seja, qual foi o verdadeiro pai que a enviou, e sĂŁo capazes de escutar o verdadeiro nome da criança. EntĂŁo ĂŠ realizado o batismo, quando os lĂ­deres espirituais revelam os nomes das crianças.â€?20 7 #~ # # (- " # # # # # " G # # # # H em que foi realizada nas outras aldeias do conjunto do litoral, pois o mate jĂĄ se mostrava pronto para ser colhido nessa ĂŠpoca. 7 # / " 5 # 5 #

# 5 G # R '# na cerimĂ´nia teve que ser trazida do litoral. A casa de reza estava bem cheia pela manhĂŁ e, pela primeira vez em todas as visitas realizadas, estava com suas portas fechadas. Externamente, bem prĂłximas Ă s portas, muitas pessoas se reuniam em volta de fogueiras, notadamente os homens. As mulheres se encontravam, em sua maioria, dentro do edifĂ­cio. No volume anexo estava acesa uma fogueira e sobre ela, pendurada na estrutura de madeira da cobertura, uma rede com muitos

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ramos de erva-mate ainda fresca. Ă€ medida que os galhos secavam com o calor da fumaça, eram retirados da rede e depositados em um grande pote de barro cozido, mais ou menos no alinhamento das duas portas, onde uma mulher apiloava a erva seca.

dos ApapocĂşva-Guarani. SĂŁo Paulo: Hucitec/Edusp, 1987.

Junto Ă fachada oeste, onde normalmente ĂŠ realizada a fogueira dos rituais cotidianos, havia colchĂľes e cobertores para abrigar as pessoas de outras aldeias que haviam ido atĂŠ Pyau para participar do batismo. Dessa forma, o uso cotidiano de dois espaços da opy – o volume anexo e a ĂĄrea oeste – havia sido invertido.

UNKEL, Kurt Nimuendaju. As lendas da criação e da destruição do mundo como fundamento da religião

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ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na natureza: construção Mbyå-guarani, sustentabilidade e intervençþes externas. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade L U S K G [[@ (dissertação de mestrado).

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O processo de secagem exige que a fogueira seja maior do que a habitualmente acesa nas cerimônias do entardecer. Não somente, Ê necessårio que se alimente o fogo com galhos verdes de årvore, para gerar mais fumaça e acelerar a secagem das folhas. Como no volume anexo o pau-a-pique estå apenas revestido com placas móveis de madeira, a vazão da fumaça por ali Ê facilitada, o que determinou a inversão dos usos. O ritual de batismo teve início por volta do meio-dia. O pajÊ, posicionado em frente ao altar, proferia um discurso em guarani, arquitetura guarani atual


enquanto as pessoas entravam em silĂŞncio na casa de reza, sempre com as portas fechadas. Terminado o discurso, com uma maracĂĄ na mĂŁo, começou a entoar um canto com a voz bem baixa, ao que foi seguido pelas mulheres. TrĂŞs jovens acompanhavam o canto, sentados no banco mais prĂłximo ao altar, um deles com violĂŁo e os outros dois com rabeca, um dos instrumentos preferidos dos guarani. As crianças entĂŁo, em pĂŠ, começaram a cantar e dançar, caminhando em cĂ­rculos no sentido anti-horĂĄrio, ao redor do altar. B R #G # * # # G # # G # # # cortadas ao meio. Se dirigiam entĂŁo para a fachada leste, deixando sobre uma prateleira improvisada de madeira suas oferendas de mate, para que o pajĂŠ soltasse sobre elas a fumaça de seu cachimbo petyngua. Depois que as oferendas cessaram, enquanto as crianças e mulheres ainda cantavam, o pajĂŠ agachou-se no chĂŁo em frente ao altar e começou a cerimĂ´nia de nominação21. Entoava um canto baixo, quase como uma conversa e, calmamente, apalpava a criança. Assim que o nome era descoberto, soltava fumaça no rosto da criança e sussurrava, em seu ouvido, o nome. O nome descoberto pelo pajĂŠ passa, dessa forma, ao conhecimento apenas da criança e de seus pais, mantendo seu carĂĄter sagrado. A cerimĂ´nia ainda nĂŁo tinha terminado ao anoitecer; durante outra visita Ă Pyau, um dos moradores nos informou que as nominaçþes se extenderam por toda a noite. Muito embora a casa de reza de Pyau possua muitos elementos nĂŁo-tradicionais – materiais, tipos de encaixe, morfologia do volume anexo – ĂŠ um dos espaços mais vivos da aldeia, sendo utilizado intensamente ao longo de todo o dia atĂŠ o anoitecer, quando cotidianamente JosĂŠ Fernandes entoa os cantos sagrados e chama a população para rezar. Somente o fato do edifĂ­cio sediar um dos rituais mais importantes da religiĂŁo guarani – o nominamento – jĂĄ denota a importância cultural que possui. 7 ? # ? R " # ‰ Z R tekoĂĄ Pyau. AlĂŠm de exigirem novas soluçþes tĂŠcnicas – novos encaixes de estrutura e novas soluçþes estruturais – impedem a manutenção correta do edifĂ­cio. ( R ? G # 7 ' ' R _5 # # G # # G " x 5" * * ! # H# ser refeito, pois jĂĄ começa a se desprender da madeira em inĂşmeros pontos.

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Foram batizadas aquelas crianças que ainda não haviam recebido seus nomes na cerimônia de batismo do milho aweti, realizada em janeiro.

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É a Ăşnica construção de pau-a-pique da aldeia e jĂĄ conta com 10 anos. Precisaria ser reformada, ou entĂŁo refeita, como de costume, porĂŠm nĂŁo hĂĄ nem espaço nem materiais para isso. Uma outra questĂŁo, daĂ­ decorrente, ĂŠ que muitas das crianças e jovens na faixa dos 10 aos 15 anos nunca participaram de um mutirĂŁo na aldeia e, portanto, nĂŁo sabem como se dĂĄ o processo construtivo da arquitetura tradicional. ^ R } # # G # # # ? R * # * nadar. Outro morador relatou, com orgulho, que havia aprendido a contar os nĂşmeros da tabuada ajudando seu pai a plantar milho na roça, “coisa que nossos meninos nĂŁo sabem mais, aprendem na escola.â€? O artesanato tambĂŠm mostra graves perdas nesse sentido; por mais que exista um esforço por parte dos professores do CECI em manter o contato das crianças com o artesanato tradicional (atĂŠ por uma condicionante econĂ´mica), notamos que este vem ocupando uma fatia menor na renda das famĂ­lias – cada vez mais dependentes dos programas estatais. HĂĄ muito tempo o artesanato perdeu seu valor essencialmente de uso. Para quase todas as comunidades rurais e grupos ĂŠtnicos socialmente excluĂ­dos, o artesanato ? ' * _ # ÂŚ # # # G ? Talvez por manter seu carĂĄter simbĂłlico e utilitĂĄrio, a arquitetura guarani nĂŁo tenha perdido ainda seu sentido. A utilização de novos materiais pela escassez dos tradicionais nĂŁo ĂŠ um problema enfrentado apenas pelas aldeias da metrĂłpole; NauĂ­ra Zanardo Zanin # R “nas casas construĂ­das pelos Guarani no Cantagalo (aquelas construĂ­das com materiais industrializados), ocorre a apropriação de materiais alheios, Ă s formas construtivas prĂłprias (ou tradicionais), transformando-os em elementos prĂłprios. A apropriação foi possĂ­vel pela inovação no processo construtivo, determinado por uma inovação nas prĂĄticas e representaçþes simbĂłlicas (BATALLA, 1992). Agora a casa, mesmo que seja construĂ­da sem os materiais tradicionais simbĂłlicos da cultura, passa a representar este universo simbĂłlico, por ter sido apropriada.â€?19

19

ZANIN, Nauíra Zanardo. Abrigo na natureza: construção Mbyå-guarani, sustentabilidade e intervençþes

PorÊm, se as tÊcnicas construtivas deixarem de ser parte do conhecimento dos jovens e, consequentemente, de sua pråtica social – como vem se passando no Jaraguå – essa arquitetura corre o sÊrio risco de tornar-se, na melhor das hipóteses, simplesmente formal.

externas. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal U S K G [[@

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F ( #D Predominam em Pyau as casas construĂ­das com pedaços de madeira compensada e tĂĄbuas. NĂŁo hĂĄ dĂşvida que essas casas sejam fruto de um condicionante econĂ´mico gravĂ­ssimo. Ainda assim, ĂŠ possĂ­vel notar a manutenção de diversos aspectos tradicionais do modo de habitar guarani. Formalmente, nota-se o padrĂŁo de planta retangular livre e cobertura em duas ĂĄguas. O esquema estrutural em trĂŞs esteios tambĂŠm ĂŠ frequentemente observado, de forma o “vocabulĂĄrio guaraniâ€? formal e construtivo ĂŠ parcialmente mantido pelos habitantes. NĂŁo existem casas da CDHU na aldeia. Muito embora exista a demanda por novas habitaçþes, a “aldeia de cimaâ€? ainda nĂŁo ĂŠ uma Terra IndĂ­gena reconhecida – o que a impede de entrar no Programa de Moradia IndĂ­gena. Isso ocasiona sĂŠrias repercuçþes na aldeia, pois as habitaçþes sĂŁo muito precĂĄrias e necessitam de constantes reparos. O material construtivo bĂĄsico ĂŠ fornecido pelos depĂłsitos da regiĂŁo: pedaços de caixa e placas, muitos dos quais jĂĄ com sinais de apodrecimento da madeira. ÂŚ " # ? # _ * ' G # informou que, a despeito de seus esforços, atĂŠ hoje todas as iniciativas foram malogradas. Para um projeto de grande porte, que R # X# Q #Q G # Â? " R # em situação irregular. L # Z # # # R •G # # R guarani, haveria interesse em se documentar suas casas; curiosamente, alguns replicaram que, se tivessem materiais melhores, construiriam casas melhores, “mais parecidas com as do litoralâ€?. Os adultos, quase todos provenientes de outras aldeias guarani, do litoral ou do sul do paĂ­s, guardam ainda um conhecimento tĂŠcnico construtivo muito rico – que pode ser visto nas opy, aliĂĄs, sempre muito bem executadas pela comunidade. 7 R / " 5 H R # R Z •' G # ? R R # H PorĂŠm, nota-se nas construçþes em madeira – inclusive nas habitaçþes – uma grande familiaridade tĂŠcnica e um apuro formal que sĂł nĂŁo ĂŠ melhor explorado pela falta de condiçþes.

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A substituição, em muitas aldeias, da folha de palmeira e do sapĂŠ por telha cerâmica, por exemplo, ocorre pela rarefação desses materiais, que devem ser trocados no mĂĄximo a cada 3 anos. O mesmo ocorre com o pau-a-pique. SĂŁo tĂŠcnicas que pressupĂľem uma vida Ăştil curta e que se mostram bem adequadas Ă mobilidade guarani. As estruturas leves e naturais trazem ainda o benefĂ­cio Z # G # R ‰ # # ;ĂąanderekĂł). ] 5 * Q" # # H # 5 # " ' # H # 5 " G # R imediaticidade que mantinham com a natureza foi rompida e sua inserção no ambiente urbano tornou-se inevitĂĄvel. 7 G G # #

5 comunidades – aqui apenas esboçada. Mais ainda, as novas tĂŠcnicas e materiais devem ser incorporados ao saber tĂŠcnico dos guarani e possibilitados economicamente. Somente atravĂŠs do conhecimento autĂ´nomo, dominado pela prĂłpria comunidade, uma tradição criativa vai ser capaz de se exercer e renovar.

Habitaçþes auto-construídas de Pyau.

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casa

casa

casa

casa

casa

casa

casa

“materiais de construção”

“materiais de construção”


cap 6 conclus達o


( # # # R Â? # ? Â? ‰ # # " # de vista simbĂłlico, mas tambĂŠm bastante prĂĄtico. 7 R # # 5 ‰ # territĂłrio e natureza bastante diferente 7 ? H " # " x * # } 5 G H # " 5 de recursos da qual eles tambĂŠm fazem parte (LADEIRA, 2004). Quaisquer relaçþes de dominação e apropriação do mundo natural G G _ 5 7 # # " # G R # Z # # 5 7 # % J Q" # $ G R # # # # # # 5 # K ( G " H V\[ [ L # " # # " R " # " # "

R Z ! R R ? R * # # " G R M # Q * 5 #

# R # # H G # *

! #Q G ?G # R � Q " G R 5 • � # Z # # # G # # # Z " " 5 Q Z # B # $# #

" # G # " Z # ;| G VV\< 7 #G S G R #

G H "# R suas aldeias nĂŁo sobrevivem isoladas umas da outrasâ€?.š ‘G 5 G # " # # Â? R Q # ‰ Â? " ? R permite a reprodução do sistema social tradicional baseado na vida comunitĂĄria e nos preceitos de reciprocidade que envolvem todo

" G # X tekoĂĄ. š|7 BJU7G J • M% 7 R " ! # " # * " G Z # G # # # 5 Z # # # H# H ? # # " 7 Z R ' ' R # Z # # " ( 5 G # # G Z H

conclusĂŁo

Q" 7 $ ) 5 " ¯N J ) X U ~ ]%J ;] % * J " <G 7 G ° G " [[6

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7 # x # H # G R ‰ # # " R " ) ? # " G 5 ĂąanderekĂłG R ' ela. Antes, deve ser em si mesma uma representação desse mundo. NĂŁo ĂŠ, portanto, outra coisa que observamos nas coberturas em * # G curuzu e do ywyra’i. w# " Z # ? x # ) # G # # H# " G # #

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conclusĂŁo

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conclusĂŁo

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Sites consultados

L ^ Âľ ;Lw^7J< www.funai.gov.br Âľ B K ( www.cpisp.org.br/indios 7 # # U 5 J Q" http://acampamentorevolucionarioindigena.blogspot.com ] % * J " http://www.trabalhoindigenista.org.br/default.aps K ` ] # * # ` w ;] `w< www.habitacao.sp.gov.br J K # www.socioambiental.org K B http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/default.aspx


Errata

Na pĂĄgina 67, descrevemos a sĂŠtima etapa do processo construtivo tradicional dos MbyĂĄ, na qual foi realizado o fechamento das paredes. De acordo com NauĂ­ra Zanardo Zanin, “Nas paredes pode ser utilizada taquara verde, cortada ao meio e no comprimento necessĂĄrio * H # G R # no lugar, sĂŁo enlaçadas com um cipĂł contĂ­nuo (emendado), com a parte de dentro da taquara Z G H * # G R H # # pĂŠ.â€? Foi, entretanto, informado por Carlos Zibel da Costa que em SĂŁo Paulo tal procedimento nĂŁo ĂŠ comum, uma vez que a taquara possui uma resistĂŞncia muito pequena e apodrece rapidamente quando em contato direto com a terra. Dessa maneira, costuma ser utilizada mais como travamento horizontal das paredes por estaqueamento, do que verticalmente.


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