Revista Salgueiro

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Editorial

Conviver com os astros da Academia do Samba, perceber o funcionamento da escola e, principalmente, o clima de união e entusiasmo do Salgueiro, foi estimulante e enriquecedor. A Vermelho e Branco é uma escola campeã, talhada para revolucionar e, ao mesmo tempo, preservar os valores mais sublimes do Carnaval. Conversar com sambistas do naipe de Tia Glorinha, Mestre Marcão, Carlinhos Coreógrafo, Claudinha e outros protagonistas da Academia, nos deu uma injeção de vida. Visitar a Vila Olímpica nos mostrou a importância social do samba. Ir à quadra nos revelou uma escola feliz, leve, familiar. Alguns momentos desta edição foram especialmente marcantes. O encontro de Cacá Diegues com Renato Lage foi um deles. Nos deparamos com um cineasta no auge de sua simplicidade, buscando em suas memórias os momentos em que o Carnaval e o Salgueiro marcaram sua vida e sua obra. Emocionado, nos emocionou. Quando reunimos o compositor Zuzuca com a carnavalesca Maria Augusta no barracão, na Cidade do Samba, foi de arrepiar. Deu vontade de nunca mais deixar aquela conversa terminar. Uma equipe de profissionais de primeira linha deu um gosto especial a este trabalho. A direção firme e visionária de Delma Barbosa, mais a autonomia e o incentivo que a presidente Regina Celi nos proporcionou, foram a base para criar e realizar o projeto. A direção de arte de Lucia Maldonado sempre nos surpreende. Seu acervo de soluções e criatividade parece inesgotável diante das exigências de uma revista deste porte. Nossos fotógrafos Fernando Azevedo, Léo Marques e Carlos Moraes compuseram imagens que vamos guardar para sempre. E aqui vai um agradecimento especial ao jornalista Genilson Araújo, que embarcou em nossas viagens para, a bordo de um helicóptero, produzir imagens inéditas e inebriantes da cinematográfica cidade do Rio de Janeiro. Nossa equipe de reportagem reuniu do experiente Luciano Dias, veterano na cobertura carnavalesca, ao debutante Marcelo Nogueira, jornalista e surdo um da Banda de Ipanema. Os artigos dos jornalistas Aydano André Motta, Flávia Oliveira e Gustavo Melo, nosso bravo diretor cultural do Salgueiro, nos fazem beber na fonte inesgotável do samba. Desejamos a todos um carnaval inesquecível, tanto quanto foi para nós produzir a Revista do Salgueiro. Boa leitura. Jean Claudio Santana Editor

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Revista do Salgueiro Publicação do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro Quadra: Rua Silva Teles, 104 - Andaraí - RJ - 20541-110 Tel.: (21) 2238-0389 Fábrica de Alegorias: Rua Rivadávia Correa, 60 - Barracão 8 - Gamboa RJ - 20220-290 - Tel./Fax: (21) 2203-0897 / 2223-1110

Direção de Publicação: Delma Barbosa Edição: Jean Claudio Santana (MTB 26263/RJ) Primeira Linha Comunicações www.1alinha.com.br Direção de Arte: Lucia Maldonado Aleph Studio Design www.alephstudio.blogspot.com Assistente de Arte: Sérgio Luiz Melo Reportagem e Redação: Jean Claudio Santana • Luciano Dias Marcelo Nogueira • Estagiária: Julia Gleizer Colaboradores: Aydano André Motta • Flávia Oliveira • Gustavo Melo Revisão: Giselle Andrade Fotografia: Agência O Globo • Anderson Borde • Carlos Moraes Diego Mendes • Fernando Azevedo • Genilson Araújo Henrique Matos • Léo Marques Acervos pessoais • Departamento Cultural do Salgueiro Foto da capa: Genilson Araújo Produção: Delma Barbosa, Renato Augusto Fernandes Produção de Moda: Soca Apoio: Léo Marques Produção Gráfica: Edson Rosa Agradecimento: Eduardo Pinto e Gustavo Melo (Departamento Cultural do Salgueiro) Impressão: Gráfica Formato 3 Tiragem: 5 mil exemplares Distribuição gratuita. Proibida a reprodução sem autorização expressa dos autores. Venda proibida.

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Patrocínio:

Sal


S carnaval2011

8 Jorge Castanheirag

9 Regina Celi 10 Perfil

Tia Glorinha, presidente da ala das baianas

13 Enredo

Salgueiro apresenta o Rio no cinema

18 Bate papo

gCacá Diegues e Renato Lage

21 Ensaio

Fotos aéreas do Rio de Janeiro

24 Cinema

gRio, o filme 3D da Fox

27 Artigo

g O valor da marca Salgueiro, por Flávia Oliveira

28 Presidente

lgueiro Regina Celi

32 Os Astros da Academia 42 Crônica

Morada das deusas do samba, por Aydano André Motta

43 Clássicos da Academia Festa para um rei negro e Tambor

48 Responsabilidade Social 54 Aprendizes do Salgueirog 56 Quadra 58 Socialg 61 PrefeitogEduardo Paes 62 Letra do Samba

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Liesa

Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro

São inúmeros e constantes os desafios que são impostos aos artistas do Carnaval. Ano após ano eles precisam não apenas se superar, como também, motivados pela doce disputa travada entre as agremiações, superar seus adversários. E a esta motivação, felizmente, todos têm correspondido com sucesso. Por isso o desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial atrai, ano após ano, mais e mais espectadores. A busca de enredos atraentes, que possam criar uma sinergia entre a obra literária e a caracterização plástica é sempre um importante passo a ser dado. Por esta razão buscam-se temas instigantes, motivadores. E o que pode ser mais motivador do que falar do Rio de Janeiro? A nossa cidade, maravilhosa, une as maravilhas da natureza aos personagens

humanos que a identificam onde quer que dela se fale. Se juntarmos a linguagem carnavalesca à cinematográfica, então, o que poderemos esperar? Certamente este resultado será apresentado a todos nós no desfile do Salgueiro, que traz o enredo “Salgueiro apresenta: o Rio no cinema”. As belas imagens naturais, os heróis urbanos e a transposição de situações eternizadas nas grandes telas dos cinemas formarão este atraente mosaico que é o Rio de Janeiro, que se supera, também, a cada ano, na sua mais pura manifestação popular. Bom Carnaval a todos!

Jorge Castanheira

Presidente da Liesa


Regina Celi Presidente

Unidos pelo Salgueiro,em busca do Oscar para a Academia O Carnaval 2011 já é, para mim, um dos mais emocionantes da minha vida. Acompanhei todos os momentos de nossa preparação para o desfile. E pude ver um brilho diferente nos olhos de cada membro da família salgueirense e de cada colaborador da escola. Era um brilho de quem sonha, de quem sente orgulho de sua escola, de quem acredita que pode conquistar mais um título para nossa amada Academia. E quem me conhece já pode imaginar que senti muitos arrepios, dos pés à cabeça. Motivos não faltaram. O Salgueiro é uma extensão da minha família, que tanto amo. Cuido da escola como se cuidasse de mais um filho. A sorte é que não estou sozinha. Quanta gente me ajuda, quantas mãos se unem às minhas para trabalhar pelo engrandecimento de nossa agremiação! Temos hoje um barracão impecável. A cada ano, Renato e Márcia, nossos carnavalescos, nos surpreendem ainda mais. E decidimos que este ano a ordem é brincar de ser feliz na Sapucaí. Nossas fantasias estão leves e lindas e vamos desfilar com garra e descontração. Conseguimos melhorar ainda mais a estrutura de nossa quadra, sempre lotada de pessoas felizes, se divertindo sem qualquer incidente. A quadra do Salgueiro é hoje um ambiente familiar, é a nossa casa, onde recebemos nossos convidados e visitantes com satisfação e aconchego. É bom se sentir assim.

A Vila Olímpica é outro motivo de orgulho para todo salgueirense. Nossas crianças e jovens têm um lugar onde podem não apenas praticar esportes, mas descobrir talentos e ter oportunidades na vida. Uma das melhores notícias que recebi foi saber que, logo no primeiro ano de funcionamento de nosso pré-vestibular, tivemos uma aluna aprovada para a UERJ. Em meio a tantas alegrias, quero reiterar meu apoio e solidariedade às escolas co-irmãs que foram vítimas do incêndio na Cidade do Samba. O importante agora é mostrar que o samba nunca morre e fazer um emocionante desfile de superação. Quero agradecer o apoio do prefeito Eduardo Paes, determinante desde a escolha do enredo. E ao governador Sérgio Cabral, por seu incentivo ao Carnaval carioca. Para a Liesa, seu Conselho e sua Diretoria, meu muito obrigado pelo aprendizado e parceria. E quero agradecer a cada salgueirense, de todos os segmentos. São vocês que fazem esta escola ser grande e é em vocês que está a força que me entusiasma e me faz querer subir ao pódio com novas conquistas. Vamos pisar forte na Marquês de Sapucaí. Estamos unidos pelo Salgueiro, e vamos em busca de mais um Oscar para nossa Academia do Samba. Um beijo e um carnaval campeão para cada um de vocês.

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perfil

A missão de girar o mundo para abençoar o próximo começou ainda no ventre de sua mãe. Filha e neta de rezadeiras do Morro do Salgueiro, Tia Glorinha já nasceu filha de Ogum, o orixá guerreiro que abre os caminhos. Da mãe Oxum herdou o capricho e o fascínio que irradia por onde passa. Sua capacidade de liderança convive com a ternura e a sabedoria de seus atos e de suas palavras. Maria da Glória Lopes de Carvalho, 64 anos, é a presidente da Ala das Baianas do Salgueiro desde o início da gestão de Regina Celi, há três anos. Mas é componente da ala mais tradicional do samba há 23 carnavais. Assim como sua espiritualidade, o amor pelo Salgueiro foi legado de mãe. “Minha mãe me levava para a quadra, no alto do morro, mas era muito severa, e não me deixava ficar por aí, nem desfilar”, conta Tia Glorinha Nada que a impedisse de cultivar a paixão pelo Salgueiro. Lá pelos doze anos, sentiu uma das maiores emoções de sua vida carnavalesca ao ver o desfile ‘Xica da Silva’. Sua estreia na escola do coração, no entanto, foi aos 19. Tia Glorinha brincou e foi feliz demais. Ora como passista, ora foliã de ala, na companhia da filha ou do sobrinho. O marido, companheiro de 44 anos, não é muito de desfilar. Mas apoia. Deve, no fundo, é sentir um orgulho e tanto. O ritual, antes de descer o morro pra avenida dos desfiles, sempre foi o mesmo: fotografar naquele cantinho de terra batida perto do portão de madeira.

SuaBênção Tia Glorinha!

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prefeitretranca

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enredo

LUZ, CÂMERA, PANDEIRO E AÇÃO

enredo

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Rio é o protagonista de enredo-chanchada do Salgueiro

“O enredo do Salgueiro não é sobre cinema”, advertem os carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage. O desfile da Vermelho e Branco da Tijuca será como um filme rodado em plena Sapucaí, com um elenco de 3800 astros e um grande protagonista: o Rio de Janeiro. A Cidade Maravilhosa, que teve na Atlântida seu maior pólo de produções cinematográficas, é o cenário perfeito para o desenrolar do roteiro original desenvolvido por Renato, Márcia e pela Diretoria Cultural do Salgueiro. Trinta e cinco alas e oito carros alegóricos, distribuídos ao longo de oito setores, vão contar a aventura fictícia de busca dos tesouros da Atlântida, não o continente perdido, mas a Hollywood brasileira

que, após produzir incalculável acervo de chanchadas, desapareceu do mapa cinematográfico. No enredo ‘Salgueiro apresenta: o Rio no cinema’, personagens de filmes nacionais e hollywoodianos, de animações, aventuras e clássicos entram em cena para uma grande caçada ao tesouro e aos mistérios contidos em seus fotogramas, que teriam sido tragados pelas águas da Baía de Guanabara. “A força do Salgueiro este ano é a descontração. O desfile será uma grande brincadeira, com muito bom humor e totalmente leve, para o componente se divertir”, explica Anderson Abreu, diretor de Carnaval da agremiação. “Um diferencial nosso será a participação e a interação com o público”, revela Renato Lage.

Em busca do fotograma perdido A abertura do desfile começa transportando o espectador para o clima de uma ‘Noite de Estreia’. Coreografada por Hélio Bejani, a comissão de frente mostrará vendedores

Linha do tempo Carnaval 2011: do enredo ao desfile

Março

A construção de um desfile começa Desmontagem de com a desconstrução de alegorias alegorias na Cidade e fantasias do Carnaval anterior e do Samba. um novo trabalho tem início com a escolha do enredo. Confira o cronologia Definição do enredo e dos bastidores da folia. início das pesquisas.

Maio

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enredo

de balas que aspiram se tornar grandes astros do cinema, em uma performance batizada de ‘Em busca da fama’. Logo em seguida, o primeiro casal de mestre-sala e portabandeira, Sidclei e Gleice Simpatia, entra em cena representando ‘As estrelas da companhia’. O imponente abre-alas, com 26 metros de comprimento, representa a Cinelância. Uma agitada plateia – com lanterninha, casais de namorados, gente comendo pipoca - entra de costas para a Avenida, assistindo a um filme exibido em uma gigantesca tela de led, com imagens em alta definição de cenas de obras de sucesso. Em meio ao filme, takes da arquibancada da Passarela do Samba farão o próprio público participar da produção salgueirense. A partir do segundo setor, tem início a busca pelo tesouro. As alas fazem referência a chanchadas de sucesso, como ‘O homem do Sputinik’ e ‘Nem Sansão, nem Dalila’. Representada pela ala das baianas, Carlota Joaquina é a primeira personagem a querer resgatar os fotogramas perdidos. A ela se junta o malandro carioca Madame Satã,

tema do terceiro setor, que trará a atmosfera e figuras típicas da lapa boêmia. A pequena notável Carmem Miranda e o Zé Carioca entram em cena no quarto setor.

De Orfeu ao Super-Homo A quinta parte do enredo é dedicada ao lirismo e à força dos morros cariocas. Um dos destaques deste setor é a bateria, que trará os ritmistas com roupa do BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro), em uma fantasia alusiva ao filme ‘Tropa de Elite’, de José Padilha. A história de amor de Orfeu e Eurídice, do filme ‘Orfeu’, é revivida em fantasias de ala, do segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira e na alegoria intitulada ‘O Olimpo Carioca’. Todo o sexto setor é dedicado aos personagens do filme ‘Rio’, de Carlos Saldanha. O longa de animação, que será lançado pela Fox em abril, e para o qual o desfile funciona como uma espécie de avant prémier, foi o ponto de partida para o desenvolvimento do enredo. Blu e Jade, o casal de araras azuis

Junho

Apresentação da sinopse do enredo e distribuição aos compositores.

Agosto

Início das eliminatórias para escolha do samba-enredo, na quadra. No barracão, começa a confecção dos protótipos das fantasias.

Setembro

As alegorias começam a ser montadas no barracão, acionando-se os setores de ferragem e escultura.


protagonistas, e os demais pássaros personagens do filme, estarão presentes em alas e na alegoria ‘Voando sobre o Rio’. No carro também virão as aerogirls, as garotas que dançavam em cima da asa de um avião no musical homônimo de 1933, que tinha no elenco Ginger Rogers e Fred Astaire. A penúltima parte do desfile foi chamada de ‘Deu a louca no cinema’. Estrelas e super heróis da grande tela desembarcam no Rio para a corrida em busca do tesouro. Aqui passam por um processo de carioquização e revelação de identidades e afinidades secretas. O Super-Homem vira Super-Homo e desfila travestido de Carmem Miranda. O Homem Aranha vê prenderem-se em sua teia muitos Aedes Aegypti. Na alegoria ‘Hollywood é aqui’, o King Kong se pendura no relógio da Central e, a tentar seduzi-lo, as maravilhosas mulatas Marylin ‘Morro’ capricham no remelexo. Assim como nas chanchadas da Atlântida, inspiração maior do desfile salgueirense, o oitavo setor mostra que tudo acaba em carnaval. Dezesseis

figurinos trazem ao set personagens das marchinhas e blocos carnavalescos. E aqui a busca revela que o tesouro perdido é a alegria do povo brasileiro e o prazer de estar na Sapucaí com o Salgueiro, em uma noite de Carnaval. Em uma grande festa na última alegoria, a Academia do Samba premia com seu ‘Oscar’ - uma estatueta de um sambista estilizado, banhada em ouro - todos os que tornaram possível o grandioso espetáculo da da Vermelho e Branco na Avenida.

Novembro Outubro

Escolha do samba-enredo oficial. Início dos ensaios técnicos das alas na quadra. Apresentação dos protótipos. 16 SALGUEIRO

Alas da comunidade e de segmentos como bateria e baianas começam a ser reproduzidas no ateliê da escola. Alegorias passam a receber madeira.


enredo

Fique de olho no trailer A abertura do desfile traz dois quesitos muito disputados: a comissão de frente e o casal de mestre-sala e porta-bandeira. O abre-alas exibirá cenas filmadas ao vivo nas arquibancadas do Sambódromo. A bateria virá fantasiada de tropa de Elite, com roupa estilizada do BOPE. Viviane Araújo representará o lema do BOPE. Sua personagem será a Capitã Araújo. Na sétima alegoria, um King Kong gigante terá movimentos feitos por especialistas do Festival de Parintins. A partir do segundo setor, todos os carros alegóricos terão gruas com uma câmera (componente fantasiado) simulando uma filmagem, como se fossem um set cinematográfico. O Salgueiro distribuiu 2700 fantasias para alas de comunidade, passistas, baianas, velha guarda e ritmistas.

Janeiro

Ensaios técnicos na Marquês de Sapucaí. Alegorias entram na etapa de colocação de adereços e iluminação.

Fevereiro/Março

Distribuição de fantasias, finalização das alegorias, desfile. SALGUEIRO 17


Do morro à modernidade A quadra A quadra do Salgueiro passou por muitos lugares e mudanças nas últimas cinco décadas. Nos primeiros anos da Academia, na década de 1960 do século passado, o próprio Morro do Salgueiro abrigava a quadra de ensaios, que era frequentada principalmente pelos moradores. A mudança de endereço coincidiu com a época em que a escola começou a revolucionar a estética dos desfiles, com o trabalho de artistas capitaneados por Fernando Pamplona. Sambas populares e histórias inéditas em desfiles – como temas sobre personagens e cortes negras – atraíram os olhares e a atenção de intelectuais, moradores da Zona Sul e outras localidades. A classe média e também turistas passaram a subir o morro atrás do batuque

inconfundível e do fascinante remelexo salgueirense. Foi aí que a quadra ficou pequena e sua infra-estrutura passou a não dar conta do recado. Em meados de 1965, o Salgueiro fez a primeira mudança: alugou a quadra de esportes do Maxwell Esporte Clube, em Vila Isabel. Uma década mais tarde, em 1976, após vencer as eleições, o presidente Euclides Pannar -

Linha do tempo Início dos anos 1960: a quadra foi batizada de Casemiro Calça Larga, e estava localizada no Morro do Salgueiro 1965: o Salgueiro aluga a quadra de esportes do Maxwell Esporte Clube, em Vila Isabel 1976: Euclides Pennar vence as eleições na escola e, em 3 de outubro, institui a primeira sede salgueirense 1995: a escola é despejada por motivos judiciais 2004: a Prefeitura do Rio dá um termo de permissão para o uso do terreno 2010: a presidente Regina Celi realiza obras de melhoria na estrutura de quadra e de serviços

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quadraensaios

também conhecido como China Cabeça Branca – decidiu transformar parte do terreno do Confiança Atlético Clube na primeira sede da agremiação, local onde a quadra ficou estabelecida até hoje. Mas manter-se no endereço não foi fácil. Em 1995, a

comercializam bebidas, petiscos e comidinhas diversas – e uma loja que vende produtos da marca Salgueiro. Para os segmentos da comunidade – velha guarda, baianas, passistas, entre outros -, a agremiação mantém reservados dez camarotes . O andar abriga ainda a sala de

escola foi despejada às vésperas do carnaval, depois de longa batalha judicial. Os percalços só tiveram fim no ano de 2004, quando a Prefeitura do Rio concedeu ao Salgueiro um Termo de Permissão para o uso do terreno. Definitivamente estabelecida, a quadra do Salgueiro passou a receber investimentos e melhorias contínuas, até ser transformada na mais moderna e acolhedora da cidade. É a única que tem um sistema de ar condicionado em toda sua extensão, além de um irretocável isolamento acústico.

bateria, a sala da ala das baianas e um centro médico. No segundo andar, fica o camarote da presidência, que recebe semanalmente centenas de convidados das escolas co-irmães, atores, autoridades e jornalistas. Ali fica também o palanque para a bateria, onde os ritmistas da Vermelho e Branco, Mestre Marcão e seus diretores e Viviane Araújo comandam um verdadeiro show de samba. A estrutura da parte superior da quadra possui também três bares e 69 camarotes com capacidade de 15 pessoas

Em 2010, a presidente Regina Celi realizou obras que melhoraram a infra-estrutura do local e a capacidade de oferecer mais e melhores serviços ao público. Com capacidade para oito mil pessoas possui dois andares. O primeiro se divide em quatro blocos com mesas para assistir aos ensaios e shows, possui doze bares – que

cada. A quadra se localiza no Andaraí e é de fácil acesso para quem vem de qualquer parte do Rio de Janeiro. Semanalmente, a quadra recebe shows de samba, pagode e funk, além dos ensaios técnicos e os de sábado.

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S

Localizada bem ao lado da quadra de ensaios, a Vila Olímpica Felinto Epitácio Maia, ou simplesmente Vila Olímpica do Salgueiro, recebe atualmente uma média de dois mil alunos que residem nas proximidades da Tijuca e participam de dezenas de atividades, como balé, atletismo, futebol masculino e feminino, além de diversos cursos profissionalizantes, que vão desde informática até o de depilação.

Vila O

Os frutos da

E para dar conta de toda essa criançada, Renata Duran, vice presidente de Esportes da Vila Olímpica, conta com um verdadeiro time. “São15 professores só no esporte e mais uma dezena de profissionais para dar o suporte necessário nos outros cursos e oficinas que administramos”, afirma Renata, que trata os alunos do projeto como verdadeiros filhos. “Estive grávida há pouco tempo e só deixei de vir à Vila Olímpica no último dia de gestação. Morri de saudade enquanto fiquei cuidando da minha filha recém nascida”, conta sorridente. Já para os alunos, participar de um projeto que engloba esporte e cultura pode ser a chance de dar início a muitas conquistas no futuro, seja seguindo a carreira de atleta, ou ingressando em uma universidade, já que a Vila Olímpica dispõe de um curso pré-vestibular gratuito para quem quer chegar à universidade. “Procuramos dar oportunidades para todos. Basta a criança ou jovem comprovar que está estudando que nós abrimos as portas”, diz Renata. Para comprovar o sucesso da Vila Olímpica do Salgueiro, basta conferir um pequeno resumo dos números de frequentadores dessa verdadeira área de lazer, que possui atualmente dois campos de futebol, uma piscina, uma quadra poliesportiva e uma pista de atletismo. Somente no futebol, esporte mais procurado pelos jovens, são atualmente 185 alunos inscritos. Logo depois, vem a natação, com 100 jovens, seguido pela capoeira, com 86 inscritos. Já nos outros cursos, quem sai na frente em números é o balé, com 90 alunos. Depois vem o curso de samba no pé, com 56, seguido pelo curso de percussão, com 50. Desde que chegou ao Salgueiro para assumir o cargo de vice presidente de Esportes, há sete anos, Renata Duran, de 27, participou do avanço da estrutura física da Vila e do crescimento das atividades esportivas e


OlĂ­mpica

responsabilidadesocial


responsabilidadesocial profissionalizantes. “Quando eu cheguei, coordenamos a mudança do campo de futebol de terra para grama sintética, além da criação das salas de aula para cursos profissionalizantes no segundo andar, e a criação de diversas novas modalidades esportivas como biovivência e ginástica rítmica”, conta a filha da presidente do Salgueiro. E por falar em família, esse é um dos trunfos para a Vila Olímpica seguir crescendo, já que mãe e filha consideram esse clima familiar fundamental para o sucesso de qualquer projeto, seja carnavalesco ou esportivo.

De olho em 2016 É cada vez maior o número de atletas mirins que procuram a Vila Olímpica do Salgueiro e, com a proximidade dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em2016, cada vez mais ganha força o sonho de ver um atleta egresso do Salgueiro dentre os brasileiros que participarão das diversas modalidades da competição. “É um grande sonho para mim e para todos os profissionais e colaboradores que ajudam este projeto a seguir crescendo. Nossa ideia prioritária é tornar nossos alunos pessoas de bem e com oportunidades iguais de fazer suas escolhas na vida. Mas conquistar uma vaga nos Jogos Olímpicos seria um presente em dobro”, completa Renata Duran. O coordenador de Esportes da Vila Olímpica do Salgueiro e professor de futebol Raoni Ventapane faz coro. “Será a maior gratificação ver um aluno nosso disputando uma Olimpíada. Mais que um sonho, seria uma realização profissional e pessoal”, entusiasma-se Raoni, enquanto olha os futuros talentos batendo bola a sua volta. 50 SALGUEIRO

Aos 25 anos, o tio Raoni - como é chamado por muitas crianças - chegou ao Salgueiro em maio de 2010, a convite da vice presidente de Esportes e, desde então, deixa bem claro para seus alunos que em primeiro lugar precisam se formar como cidadãos de bem para depois decidirem se vão seguir com algum esporte. “É muito importante ensinar a técnica, os fundamentos do futebol para essa garotada, que é a parte que eles mais gostam, mas a nossa maior preocupação é contribuir na formação deles para a vida”, diz Raoni, que procura inovar nos treinamentos. “Às vezes eu trago questões de matemática para o campo, peço para eles fazerem conta de multiplicar, somar, subtrair, tudo isso para ficarem cada vez mais atentos no esporte”, diz o dedicado professor.

Aluna nota dez

Desde pequena, a jovem Arlene Clemente, de 21 anos, moradora da Rua Agostinho Menezes, atrás da Vila Olímpica do Salgueiro, sempre se empenhou para ser nota dez nos quesitos escolares. Em 2010, sua rotina de estudos incorporou as aulas do curso pré-vestibular da Vila Olímpica iniciado pelo Salgueiro. E o resultado foi uma conquista para ela e para os professores do curso: Arlene passou para uma das faculdades mais concorridas e conceituadas do Brasil, a UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). “Sempre gostei de estudar e sempre me dediquei para cursar Serviço Social”, conta a jovem, que orgulhase de ter feito o pré-vestibular em sua escola de samba do coração. “Eu só tenho a agradecer aos meus professores e aos fundadores desse curso. O projeto do Salgueiro era piloto e, logo na estreia, veio essa verdadeira conquista”, comemora. Enquanto aguarda ser chamada para cursar a faculdade com que tanto sonhou, Arlene vai arquitetando o futuro. “Eu penso em me destacar no que faço e poder daqui a um tempo ajudar minha família, que é bem grande”, conta a jovem, que mora com os avós, tios e primos.


As atividades da Vila Olímpica Ballet 4 aos 18 anos

Teatro a partir de 7 anos

Maquiagem a partir de 12 anos

Corte e Escova a partir de16 anos

Atletismo 5 aos 18 anos

Natação 6 aos 18 anos

Futebol Feminino 7 aos 18 anos

Futebol Masculino 7 aos 18 anos

Basquete 7 aos 18anos

Vôlei 9 aos 18 anos

Manicure a partir de 12 anos

Operador de Telemarketing a partir de 18 anos

Inclusão Digital Idades diversas

Informática a partir de 8 anos

Web Design a partir de 18 anos

Inglês a partir de 4 anos

Corte e Costura a partir de 16 anos

Alegoria e adereços a partir de 16 anos

Customização a partir de 16 anos

Manicure a partir de 12 anos

Depilação a partir de 16 anos Corte e escova a partir de 16 anos Capoeira a partir de 4 anos Karatê a partir de 4 anos Ginástica Ritmica Desportiva 6 aos 18 anos Samba no pé a partir de 7 anos Biovivência (ginástica para adulto) a partir de 18 anos Judô 5 aos 18 anos Jiu-jitsu 5 aos 18 anos

Percussão a partir de 7 anos

Confira os números O primeiro projeto de capacitação realizado no Salgueiro em parceria com a Petrobras, em 2007, profissionalizou 110 jovens na cadeia produtiva do carnaval. Com o sucesso do projeto no ano de estreia, o número de beneficiados foi ampliado em 2008 para 2.300 pessoas, que participaram de diversas atividades oferecidas. Com o crescimento do projeto, novas parcerias foram feitas, entre elas com a RIOLUZ, que contribui com a energia elétrica da Vila Olímpica, e a UNISUAM, que ajuda no desenvolvimento das atividades de capacitação profissional em estágios. Para 2011, 3101 pessoas terão a chance de se tornar cidadãos mais preparados para os desafios profissionais através da Academia de Capacitação e Inclusão. SALGUEIRO 51


responsabilidadesocial Academia de samba e de vida Quando a Acadêmicos do Salgueiro foi fundada, a ideia era criar um reduto de bambas. Surgiu, sem dúvida, a Academia do Samba, formando homens, mulheres e crianças versados em samba no pé, em inovação, em evolução, em espetáculo. Mas o carnaval cresceu e o samba deixou de ser apenas diversão. As escolas de samba passaram a ser espaços que vão além da cultura, para abrigar seus sambistascidadãos, acolher sonhos e projetos de vida. O Salgueiro tem feito o dever de casa e sua área de responsabilidade social é mais um orgulho na história da agremiação. Por meio de uma bem sucedida parceria com a Petrobras, o Salgueiro realiza desde 2007 o projeto Academia de Capacitação e Inclusão, que já beneficiou milhares de crianças e jovens que buscam caminhos através do esporte ou oportunidades de acesso ao mercado de trabalho. A Academia de Capacitação e Inclusão oferece gratuitamente dezenas de cursos de formação, tendo como

A escola além do samba O Salgueiro foi uma das primeiras escolas de samba a ter um centro médico para dar assistência à saúde de seus componentes, ainda na década de 1980. Mas o projeto não foi adiante. Há seis anos, no entanto, o espaço foi reinaugurado. Desde então, está sob a direção da psicóloga Vilma Araújo, profissional da área de saúde que trabalha em um hospital universitário e exerce a tarefa como voluntária. A preocupação da presidente Regina Celi com a saúde da comunidade base do Salgueiro e dos segmentos da escola mais vulneráveis a doenças, como as baianas e a Velha Guarda, fez com que o atendimento médico na quadra se transformasse na menina dos olhos de sua gestão. “A escola de samba tem que estar junto de seus componentes em todos os aspectos que possam tornar sua vida melhor e promover a saúde é o primeiro passo”, defende Regina Celi. Funcionando em uma sala dentro da quadra de

foco principal as profissões e ofícios voltados para a cadeia produtiva do Carnaval. Os cursos oferecidos são cenografia, estamparia e tingimento de tecidos e roupas, confecção de fantasias e adereçaria, sapataria, chapelaria e customização, todos realizados no barracão do Salgueiro, na Cidade do Samba. “No último ano, o curso de confecção de fantasias e adereçaria ofereceu 30 vagas no turno da manhã e outras 30 à tarde. Os alunos aprenderam trabalhando em um projeto real, que é o desfile de nossa escola de samba mirim, a Aprendizes do Salgueiro. No final, contratamos seis dos melhores alunos para trabalhar no barracão da escola”, conta Anderson Abreu, diretor de Carnaval do Salgueiro e coordenador dos cursos realizados na Cidade do Samba. ensaios da agremiação, o Centro Médico do Salgueiro oferece atendimento em ginecologia – especialidade mais procurada -, clínica médica, pediatria, psicologia, cardiologia, otorrinolaringologia, fisioterapia, massoterapia, oftalmologia,dermatologia, angiologia e geriatria. Além de atendimento clínico, o centro oferece ainda palestras sobre prevenção em saúde.

São realizados mais de 400 atendimentos por mês, todos gratuitos, e o acesso à clínica ocorre por meio de uma triagem, que leva em conta o perfil sócio-econômico do paciente. Têm prioridade componentes da escola, moradores do Morro do Salgueiro e do entorno da quadra.

“A visão de saúde que norteia nosso trabalho é a que pensa prevenção e promoção da saúde, em vez de trabalhar a doença. A partir disso, queremos oferecer qualidade e orientação aos usuários”, afirma Vilma, que está em busca de parcerias e intercâmbios com o Sistema Único de Saúde.



O Salgueiro mudou a minha vida

O sol já pedia passagem àquela noite quente de fevereiro de 1963 quando o Salgueiro iniciava seu desfile. A alvorada tingia de indescritíveis cores o céu da Igreja da Candelária, com tons e nuances que pareciam ter saído da própria escola de samba. O povo cantava em uníssono o antológico samba de Noel Rosa de Oliveira, sobre a história de Xica da Silva, a mulata que era escrava e tornou-se dama da sociedade mineira, em Arraial do Tijuco, hoje Diamantina. 54 SALGUEIRO


batepapo

A Avenida Presidente Vargas nunca parecera tão cinematográfica aos olhos do jovem cineasta Cacá Diegues, então com 22 anos. O alagoano de alma carioca e espírito folião chorava sem parar, extasiado diante do desfile do Salgueiro. A noite foi histórica para o Carnaval. E um divisor de águas na carreira do cineasta. “Foi uma das coisas mais lindas que eu já vi na minha vida. Eu não sabia quem era Xica da Silva, até ver o desfile. Foi o enredo que me fez fazer o filme. Eu saí dali e fui pesquisar”, contou Cacá. O resultado veio 13 anos depois, em 1976, quando o cineasta lançou o filme Xica da Silva, protagonizado por Zezé Mota e Walmor Chagas, inscrevendo seu nome entre os grandes da produção cinematográfica nacional e internacional.

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batepapo

“O Salgueiro mudou minha vida”, completou Cacá, durante visita ao barracão do Salgueiro, na Cidade do Samba, em dezembro último. A convite da presidente da escola, Regina Celi, ele participou de um bate papo com o carnavalesco Renato Lage sobre os preparativos para o desfile de 2011. “Com esse carnaval, você vai abafar, hein, Renato”, comentou Cacá, impressionado com a grandiosidade das alegorias e a leveza e bom humor das fantasias. Às gargalhadas, Cacá mostrou sua preferência. “Quer dizer que o Super Homem vem vestido de Carmem Miranda...sensacional!”, vibrou. Renato fez questão de explicar a Cacá carro a carro e ala a ala. “Aqui é uma praia que tem algo parecido com uma produção de cinema”, afirmou Renato Lage. “Mas botar uma escola de samba na Avenida é muito mais difícil do que fazer um filme. Você tem que pôr cinco mil pessoas fazendo o que você quer”, acredita o cineasta. “E tem que acontecer tudo naquela hora, não é take por take não”, concordou Lage, explicando que desenvolver um enredo é um trabalho que, se comparado ao cinema, concentra no carnavalesco as

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funções de diretor, cenógrafo e figurinista. O carnaval sempre esteve presente na filmografia de Cacá Diegues, desde o primeiro longa, ‘Cinco Vezes Favela’, de 1961, no qual assinava o episódio ‘Escola de Samba Alegria de Viver’. A última vez foi em 1999, quando filmou ‘Orfeu’, sua versão de Orfeu Negro, peça de Vinícius de Moraes, com cenas gravadas durante o desfile da Viradouro na Sapucaí. “Levei 40 anos para fazer este filme e fiz como Vinícus gostaria. Nós chegamos a conversar sobre como seria”, prosseguiu Cacá, explicando que o poetinha não era lá muito fã da primeira versão do filme, de Marcelo Camus. “Uma das alegorias do Salgueiro faz referência a Orfeu, misturando a estética dos morros a elementos gregos”, antecipou Renato Lage. E se, por uma vez na vida, carnavalesco e cineasta pudessem trocar de função, que filme e que enredo um e outro gostariam de ter feito? “Tropa de Elite 2, porque, além de ser um grande filme, sua importância vai além do cinema”, afirmou Renato. “Você ainda tem dúvidas? O enredo seria Xica da Silva”, sorriu Cacá Diegues.


Maravilhosa e cinematogrĂĄfica fotos de Genilson AraĂşjo


O cenário é perfeito. Ainda mais quando o Rio, Cidade Maravilhosa, Cidade Cinematográfica, é visto de cima. Flutua nas nuvens o Redentor, sobre a Guanabara. A abençoar a Candelária, que tantos desfiles salgueirenses abençoou. As praias atlânticas, lotadas de cor e pulsação, atraem até golfinhos migrantes. O relógio da Central, testemunha de tantos carnavais, desta vez também desfila na Sapucaí. O entardecer no Morro do Salgueiro é puro lirismo, a lembrar dia a dia a tradição erguida sobre a rocha e a poesia inata dos taróis, violões e tamborins.

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FOTO: HENRIQUE MATOS

ensaio

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RIO 3D em ritmo folião AVANT-PREMIÈRE O verde malandro Zé Carioca já não voa solitário nos céus brasileiros. O papagaio, da Disney, vai ganhar a companhia e a concorrência da ararinha azul Blu. A ave da cor do mar desembarca na terra do Salgueiro em fevereiro no melhor estilo pavão. Vai se exibir como parte do enredo da escola: será destaque em carro alegórico e protagonista de todo o sexto setor, intitulado ‘A busca aérea’. Uma avant-première foliona para o lançamento nacional do filme ‘Rio’, do qual o pássaro é o astro rei, dia 8 de abril. Por trás desse roteiro cheio de penas, plumas e paetês estão a distribuidora Fox, os estúdios Blue Sky e o conterrâneo do Zé da Disney, Carlos Saldanha, diretor e alma da animação 3D homônima da Cidade Maravilhosa. Longe de ser verde ou azul, Saldanha guarda características dos dois exemplares. Tem, do Zé Carioca, o humor local já visto nos sucessos assinados por ele, ‘Era do Gelo I, II e III’. Tem ainda pelo menos um sentimento do inédito Blu: a paixão pelo lugar onde nasceu. No longa metragem, a espécie ameaçada de extinção (re)descobre o Rio e o amor. Nos últimos 20 anos, o criador de talento raro refez n vezes o roteiro de voo da ararinha. Vivendo, estudando e trabalhando nos Estados Unidos desde

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prefeitretranca

1991, o carioca Saldanha, sempre que pode, voa direto para a cidade cinematográfica para reencontrar com a família, os amigos, as praias, os sucos... “ Tenho orgulho da minha cidade e sempre que posso volto para recarregar minhas energias. Eu sinto falta do clima, da caminhada na praia, do suco feito na hora, do papo com os amigos e da família ao meu redor”, diz o diretor, que trouxe parte dos realizadores do filme para conhecer de perto os endereços que estão na aventura original da ave. “Fomos aos pontos turísticos, à feira, à praia, e alguns até pularam de asa delta. Todos puderam ser o Blu por alguns dias!”, conta. A trupe da Blue Sky, tal como o protagonista de asas, se deslumbra com o Rio que a retina dos habitantes encara como normal e o mundo quer, cada vez mais, olhar com lentes de aumento. Quem for ao cinema verá as três dimensões das montanhas, da orla, das favelas, da população e da marca cultural da cidade: o samba e o Carnaval. E para ser fiel à geografia, à ginga, ao jeitinho e ao ritmo da capital fluminense, a equipe de Saldanha - que é formado em ciência da computação inventou novos softwares e modificou outros programas especialmente para este longa metragem. “O desafio maior foi construir uma cidade inteira! Desenvolvemos até uma tecnologia para criar uma escola de samba completa. Acredito que o filme mostra um Rio de Janeiro bem autêntico. Quem conhece a cidade vai se identificar”, explica Saldanha sobre o seu primeiro filme 3D. ‘Rio’ estava guardado no fundo da memória e das emoções do produtor. Um projeto-sonho antigo de transformar a terra natal e as lembranças de 48 anos de

carioquices em cenário de uma superprodução. O HD de Saldanha guarda ótimas cenas com a natureza, os monumentos, os habitantes, as festas. Como folião, o arquivo vivo tem imagens dele criança vestido de batebola para brincar nos blocos e clubes. A Sapucaí ocupa um agradável espaço neste disco rígido humano. Na Passarela do Samba, Saldanha desfilou como integrante de ala e assistiu às escolas do Grupo Especial evoluindo na Avenida. “Desfilar foi uma experiência inesquecível. Uma grande inspiração para o filme”, ressalta. O diretor de ‘Rio’ volta ao Sambódromo na segunda-feira do Carnaval 2011, desta vez no alto do sexto carro alegórico do Salgueiro, ao lado do par romântico de ararinhas azuis Blu e Jewel. Mais um reinício de uma história feliz.

Tudo que o ‘Rio’ tem

‘Rio’ é o (re)encontro da Ararinha Azul Blu (na voz de Jessen Einseberg) com a cidade resumo do Brasil... e com o amor. O primeiro objeto do desejo é a capital mundial do samba. O segundo é a fêmea Jewel (Anne Hathaway), que vai retirar o nosso inocente herói do conforto dos Estados Unidos para jogá-lo de cabeça numa alegre aventura no trópico carioca. Blue viverá um rito de passagem: terá que aprender a voar, enfrentar vilões (traficantes de animais) e conhecer a felicidade de viver numa terra quente e multicolorida, ao lado de Jewel e de novos amigos, como Rafael, o tucano, e Luiz, o cão buldogue. E Carlos Saldanha mostra em ‘Rio’ o que o Rio tem: montanhas, favelas, praias e monumentos, frequentados por gente e animais originais, lindos, alegres e divertidos. Tudo animado pelo batuque de Sérgio Mendes, Carlinhos Brown e Will.i.Am, do Black Eyed Peas. O ator brasileiro Rodrigo Santoro faz a voz do ornitólogo Túlio, na versão em inglês. Zé Carioca vai morrer de inveja! SALGUEIRO 25



artigo

Salgueiro, marca de valor por Flávia Oliveira

Com humildade, peço licença a Beto Sem Braço e Aluísio Machado para propor novo significado ao termo cunhado, três décadas atrás, pelos dois mestres do Império Serrano. Nunca antes o Carnaval foi solo tão fértil à multiplicação das Superescolas de Samba S/A. É a boa notícia deste início de Século XXI, que pôs o Brasil - e, em particular, o Rio de Janeiro - no centro das atenções mundiais. Diante do mar de investimentos – a Firjan fala em R$ 126 bilhões no período 2010-2012 – em petróleo, construção civil, comércio, turismo e também na infraestrutura necessária aos megaeventos esportivos (Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016) que a cidade vai abrigar, o Carnaval tem a oportunidade de atingir novo patamar. Como festa e como indústria. Não faltarão empresas e produtores interessados em atrelar suas marcas à genuína manifestação cultural brasileira. E o samba, que espalha felicidade com o ritmo e a dança, poderá entregar a seus discípulos qualificação profissional, trabalho digno e justa remuneração. São três pilares da inclusão social que a religião chamada folia continua devendo a seus fiéis. O nome do jogo é organização. É planejamento. É profissionalismo. Guardiãs da tradição cultural do país, as escolas de samba podem, sim, se alinhar a preceitos empresariais sem apagar o caminho que as trouxe até

aqui. Se tradição e gestão disciplinada fossem incompatíveis, o que seria do centenário Polvilho Antisséptico Granado? E do Leite Moça Nestlé, que ainda hoje traz no rótulo a jovem metida em figurino colonial, adequado aos enredos de época? A tradição é ponto de partida, não de ruptura, da gestão profissional de uma superescola. Nasce do nome, das cores, da história a credibilidade das marcas do samba. A fidelidade e o reconhecimento aos colaboradores são o segredo do sucesso de grandes grupos empresariais. E serão também das escolas de samba, com seus artistas e suas comunidades. A tradição ancora, as passistas seduzem, as baianas cativam, a porta-bandeira comove, a bateria decide. Na Avenida e na relação com patrocinadores, poder público, sociedade. Sob esse chão se assenta o futuro promissor das grifes do samba, Salgueiro, entre elas. Sobram ingredientes à Vermelho e Branco da Tijuca. Há o passado de glória. Há os talentos. Há a produção eficiente e a sofisticada concepção visual dos desfiles. Há o ambiente acolhedor, organizado, refrigerado e acessível da quadra da rua Silva Teles. Não há quem duvide que Salgueiro é marca de valor.

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Perfume de mulher Regina Celi descobriu a capacidade de se reinventar. E quando uma mulher se redescobre, o mundo a sua volta se transforma. Não há de ser coincidência que, junto com esta nova fase da Regina, o Salgueiro viva também um momento de redescoberta de sua própria força e de suas raízes mais autênticas. A presidente do Salgueiro não concordaria com o que está escrito acima. “Ninguém faz tudo sozinho. Eu conto com a participação, colaboração e ajuda de toda minha diretoria e dos segmentos da escola”, faz questão de destacar. Mas é justamente isso que faz a diferença. Regina apresentou ao Salgueiro um jeito muito particular de comandar uma escola de samba. Sua liderança não é centralizadora, ela não se acha dona da verdade e valoriza quem tem entusiasmo e paixão pela escola. Ela revela uma curiosidade: “Algumas vezes eu não sei direito aonde uma ideia que me apresentam vai desembocar, mas nestes casos eu aposto, sem medo, na minha intuição”.

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Sim, a presidente do Salgueiro estrutura sua gestão sobre o bom senso, o diálogo, a racionalidade... e a intuição. Uma boa dose de amor é indispensável. “Eu estou lidando com gente de verdade, que sente, que tem qualidades e defeitos e, acima de tudo, que ama o Salgueiro. Eu seria irresponsável se achasse que o cargo de presidente me torna maior e mais importante do que qualquer componente. Nem consigo imaginar uma gestão em escola de samba sem amor verdadeiro ao trabalho e aos diversos setores da agremiação”, enfatiza. Este é o motivo que a faz conjugar uma diretoria competente com a prática de ouvir os segmentos da Vermelho e Branco. “Formei um grupo comprometido com o engrandecimento do Salgueiro. Quem entende de finanças, de captação de patrocínios, de administração da quadra e do barracão está nos seus postos por competência e porque ama o que faz. Quando o assunto é o desfile, valorizo a prata da casa e os melhores em cada quesito”.


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De componente a presidente Hoje com 44 anos de idade, Regina frequenta o Salgueiro desde a adolescência. Já desfilou em alas e alegorias e, por alguns anos, foi primeira dama da agremiação. Seu lugar preferido sempre foi junto, bem junto dos salgueirenses, sambando com as passistas, com as baianas, participando de confraternizações no morro e em outros tantos lugares. Depois de 26 anos de casada, ela separou-se. Com o apoio dos principais setores do Salgueiro, Regina se candidatou à presidência e teve uma vitória arrebatadora. “Eu nunca tinha pensado em ser presidente, mas o carinho de tantas pessoas me deu força em um dos momentos mais duros da minha vida”, explica a presidente. O povo salgueirense estava certo. Logo no primeiro ano de mandato, Regina conduziu a agremiação ao título, em 2009, com o enredo ‘Tambor’, depois de 16 anos que o Salgueiro não era campeão. Em 2010, a escola voltou a desfilar no Sábado das Campeãs, desta vez na quinta colocação. No ano passado, Regina Celi recebeu a Medalha Pedro Ernesto, na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, por iniciativa do parlamentar João Ricardo. Na casa do Legislativo carioca, a fina flor do Salgueiro entoou os clássicos da Academia, e se fez presente com seus principais personagens. Participaram da cerimônia o presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, Jorge Castanheira, e o empresário Jorge Francisco, o Chiquinho do Babado da Folia.

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Matriarcado Jovem e cheia de energia, Regina Celi é mãe de quatro filhos, sendo três mulheres. Na administração do Salgueiro, conta com a colaboração de seus filhos adultos, Renata, que cuida da Vila Olímpica, e Renato, que integra o grupo da direção de Carnaval. “Ser filho da presidente me torna duplamente responsável no meu trabalho. Minha mãe é mais rigorosa ainda comigo do que com os demais integrantes da diretoria”, revela Renato. “Fora daqui. É uma mãezona”, sorri. “Minha mãe vibra com as conquistas da Vila Olímpica e conhece muitos alunos e mães pelo nome. Ela faz questão de saber como a garotada está indo, se preocupa com a história de cada família”, conta Renata, que acabou de ter a primeira filha, Bárbara. “Minha neta é a coisa mais linda do mundo. Estou curtindo ser uma jovem avó e sou do tipo coruja”, encanta-se Regina. “Ela é uma mãezona com a escola toda. Quer saber como as pessoas estão e não apenas que elas compareçam aos ensaios para a escola ser campeã”, diz sua filha Renata. “A escola de samba é um espaço sagrado. As pessoas vivem e morrem por ela, dedicam seu tempo, sua vida, choram e

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são felizes, tudo ali, na quadra, nas atividades, no desfile, nas recordações que esses momentos deixam”, emociona-se Regina. “Eu realmente sinto como se o Salgueiro fosse mais um filho meu”, acrescenta, revelando que seu maior sonho é construir uma creche para atender crinças do morro e do entorno da quadra.

Mulher gato Já que o enredo do Salgueiro tem a ver com cinema, quais seriam as preferências cinematográficas de sua presidente? “Uma personagem que acho o máximo é a Mulher Gato e meu filme preferido é ‘Perfume de Mulher’”, diz Regina. Vaidosa e sempre bem cuidada, a presidente do Salgueiro adora perfumes, bolsas e sapatos. “Mas o que eu mais gosto mesmo é de me sentir amada”. E se o assunto é romance, Regina adora ser cortejada, à moda antiga, como nos filmes românticos. Emotiva à flor da pele, Regina tem também frustrações. “Eu queria ter terminado os estudos. Ainda penso em retomar essa etapa que a vida me levou a pular”, afirma.

O que eles dizem O jeito acolhedor de Regina e seu modo de gerir o Salgueiro encontram admiradores dentro e fora da escola. “A Regina me deu oportunidade de presidir a Ala das Baianas e, no ano passado, ganhamos o Estandarte de Ouro. Eu sou Salgueiro desde criança, quando a quadra era no alto do morro e sou muito grata a ela. A Renata (filha de Regina) ainda me homenageou, batizando a sal de artesanato da Vila Olímpica com meu nome”, diz Tia Glorinha, da tradicional e premiada ala. “A vida se mede por resultados. E a Regina só tem dado bons resultados ao Salgueiro, inclusive um campeonato. Como comerciante de Carnaval, eu sei que ela não tem uma dívida sequer na praça e paga tudo em dia, o que é bom para a escola e para todo o mundo. Você vai na quadra e está sempre lotada, com um tratamento vip e um clima sem igual. Para mim, a Regina é sinônimo de resultado”, declara Chiquinho do Babado, proprietário do Babadão da Folia. “A Regina é muito carismática e sabe o que quer. E deixa o profissional trabalhar com liberdade, o que é muito bom para o projeto”, afirma o premiado carnavalesco Renato Lage.

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Os Astros d O GENE KELLY DA SAPUCAÍ A plateia em primeiro lugar. Assim pode ser resumida a filosofia de Hélio Bejani, coreógrafo da Comissão de Frente do Salgueiro. “Preparo meu trabalho pensando no público. Ganhar nota máxima dos jurados é consequência”, acredita Bejani, atual diretor artístico do Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Ele tem como inspiração Gene Kelly, que protagonizou e dirigiu uma verdadeira obra prima de Hollywood, o musical ‘Cantando na Chuva’. “Desde a infância tenho uma grande admiração por esse musical e é praticamente por conta dele que dei início a minha carreira como bailarino clássico”, conta. A Comissão de Frente vestirá a fantasia ‘Em busca da fama’. A coreografia criada pelo ex-primeiro bailarino do Municipal une o sapateado à ginga do samba, a dança ao teatro, com muito bom humor e em clima de chanchada da Atlântida. Este será o quarto desfile de Bejani na Acadêmicos do Salgueiro.

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da Academia FATAL Considerada a Rainha de Bateria mais completa da Passarela do Samba na atualidade, Viviane Araújo encanta com sua alegria, carisma e sex appeal. Sua presença encanta a Avenida, hipnotizada pelo balancê de seus quadris e pela cadência de seu tamborim. Se Viviane desfilasse no escurinho do cinema, ela bem que poderia ser Marylin Monroe. Mas...e se a própria estrela salgueirense pudesse escolher seu papel? “Eu interpretaria a personagem de Sheron Stone em ‘Instinto Selvagem’ ”, revela. No filme a ser rodado ao vivo e a cores pelo Salgueiro na Sapucaí, Viviane desfilará como Capitã Araújo, à frente da tropa de ritmistas da Vermelho e Branco. “Eu serei o lema do Bope”, instiga. Com dezessete anos de Sapucaí, este será o quarto desfile na agremiação. “O Salgueiro foi o meu maior encontro no Carnaval, a escola que mais casou comigo”. Explode, coração!

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PAR PERFEITO A união entre Carmem Miranda e o Bando da Lua selou-se, quase por acaso, em uma apresentação no Cassino da Urca, em 1939, quando cantaram ‘Que é que a baiana tem’. Dali, foram brilhar juntos mundo afora. A história soa familiar nas carreiras da porta-bandeira Gleice Simpatia e do mestre-sala Sidclei Santos. Este será o primeiro desfile em que os dois formarão o mais gracioso casal da escola, bailando ao som do sambaenredo, defendendo o pavilhão Vermelho e Branco. “Se fosse participar de um filme, queria ser a Bela, de ‘A Bela e a Fera’ ”, revela a pequena notável, que sonha ganhar o Estandarte de Ouro e desfilará no Salgueiro pelo quinto ano. Para Sidclei, o Estandarte tornou-se uma realidade em 1998, no próprio Salgueiro, onde dançou por seis carnavais. Depois de onze anos em outras agremiações, ele reestreia na escola do coração. No filme do mestre-sala, ele é super herói. “O Super Homem é uma inspiração para mim”, diz Sidclei.

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A FÚRIA DO MESTRE O mestre de Kung Fu Bruce Lee é o grande ídolo de Mestre Marcão, comandante da Furiosa B=ateria do Salgueiro. “Um amigo trouxe pra mim quase toda a coleção dos filmes dele”, conta Marcão, com sua fala mansa e cadenciada, fantasiado em estúdio como personagem do musical holywoodiano ‘Cabaré’. Nascido e criado no Morro do Salgueiro, na parte conhecida como Sunga, Marco Antônio da Silva pisará na Sapucaí como Mestre de Bateria do Salgueiro pelo sétimo ano. Seus 286 ritmistas vestirão a fantasia ‘Furiosa Tropa de Elite’, uma estilização da roupa do BOPE, em referência ao sucesso do cinema nacional ‘Tropa de Elite’. Ano a ano, ele busca na escola mirim Aprendizes do Salgueiro novos ritmistas e traz ao seu lado convidados de honra, como Mestre Paulinho, ex Beija Flor, que desfilará neste carnaval. “Acho que as homenagens devem ser feitas em vida”, reverencia Marcão, sempre protegido pelo búzio de ouro que traz no pescoço.

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SATÃ Carlos Borges, o Carlinhos Coreógrafo, interpretará na Sapucaí o mesmo personagem que gostaria de viver no cinema: Madame Satã. “A luta do personagem é realmente inspiradora e desejo usar toda aquela garra no desfile”, comenta o incansável profissional. A paixão pelo Salgueiro transformou Carlinhos em um “faz tudo”, como ele se define. É o diretor da ala de passistas, responsável pelos shows da agremiação no Brasil e no exterior, coreógrafo da escola de samba mirim e personal das musas salgueirenses, a quem ajuda a lapidar o samba no pé. A figura forte e a presença marcantes convivem com o temperamento afável e a postura discreta. Mas só até vestir a fantasia. Aí entra em cena o showman de performance arrebatadora.


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Claudinha, 27 anos, samba no Salgueiro hĂĄ 20. Quando foi anunciada pela presidente Regina Celi como Musa da Comunidade, a quadra tremeu. A musa sonhava viver no cinema uma personagem afro. TaĂ­! Claudinha, nossa Xica da Silva. Precisa dizer mais alguma coisa?


OS REIS DO SAMBA O ano de 2011 marca o décimo segundo desfile do intérprete Quinho no Salgueiro. Desta vez, o irreverente cantor dividirá os microfones do carro de som com Serginho do Porto e Leonardo Bessa. Nossos Elvis têm preferências cinematográficas bem distintas: Quinho chora sempre que vê Ghost e ri com Macunaíma; Serginho queria ser Hulk e Leonardo, o Jack Sparrow de ‘Piratas do Caribe’.


ATENÇÃO: GRAVANDO! O casal Márcia e Renato Lage assina o sétimo trabalho como carnavalescos do Salgueiro. “Nosso trabalho é feito com amor e muito respeito. Esse é o segredo para continuarmos nessa grande escola”, diz Márcia. Ambos são fãs de ‘Tropa de Elite 2’. Se estrelasse um filme, Márcia viveria Carmem Miranda. Já Renato preferiria ficar por trás das câmeras, como um Steven Spielberg ou um George Lucas, diretores que admira. “Gosto da combinação tecnologia e conteúdo”, vibra Renato.


TEMPOS MODERNOS Eles não estão ‘Sob as luzes da ribalta’. Em compensação, são grandes astros dos bastidores. Responsáveis pela Direção de Carnaval - função que ganhou força nas agremiações ao longo da última década - o trio da foto cuida desde o andamento do barracão e da supervisão de alas até o comando dos ensaios, o treino do canto da escola e de muitos outros detalhes. Anderson Abreu é o Diretor de Carnaval da Vermelho e Branco, cargo que ocupa pelo segundo ano consecutivo. Há onze anos na escola, começou

como aderecista e hoje acumula outras funções: integrante da Comissão de Carnaval, administrador do barracão e carnavalesco da escola mirim Aprendizes do Salgueiro. Seu personagem preferido no cinema é o carioquíssimo malandro Madame Satã. Mas não dispensa um bom drama de Hollywood, como ‘Óleo de Lorenzo’ e ‘Perfume de Mulher’. Neste carnaval, Anderson conta com dois outros Diretores de Carnaval, Paulo Barros e Renato Augusto Fernandes. Salgueirense desde criança, Barros integrava até o ano passado a Diretoria Cultural da agremiação. É fã de Chaplin, Oscarito e Grande Otelo e das películas nacionais ‘Carlota Joaquina’ e ‘Tropa de Elite’.


Renato Augusto completa o elenco. Filho da presidente do Salgueiro, ele desfila na agremiação há 13 anos, já foi passista e ritmista da escola mirim e diretor de ala e componente de alegoria na escola-mãe. “O trabalho em família gera exigências e cobranças ainda maiores e tenho que ser exemplo para tudo”, afirma. Prefere filmes de ação, como ‘Mais Velozes, Mais Furiosos’, e gostaria de viver no cinema o Capitão Nascimento, de ‘Tropa de Elite’.


Salgueiro apresenta: O Rio no Cinema Autores: Dudu Botelho, Miudinho, Anderson Benson e Luiz Pião Intépretes: Quinho, Serginho do Porto e Leonardo Bessa

Samba

SALGUEIRO APRESENTA O RIO NO CINEMA

JÁ NÃO HÁ MAIS LUGAR PRA NOS VER NA PASSARELA CADA UM É UM ASTRO QUE ENTRA EM CENA NO MAIOR ESPETÁCULO DA TELA A CINELÂNDIA REENCONTRAR

A LUZ SE APAGA ACENDE A VIDA PROJETA SONHOS NA AVENIDA

A TERRA EM TRANSE MOSTROU VISÃO SINGULAR E O TESOURO DE ATLÂNTIDA FOI ABRAÇADO PELO MAR

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ONDE ESTÁ? DIZ AÍ

CARLOTA JOAQUINA VEIO DESCOBRIR

NA BUSCA O BONDE DA LAPA MADAME SATÃ

PEQUENA NOTÁVEL REQUEBRA ATÉ DE MANHÃ EM UM SIMPLES INSTANTE

ORFEU VENCE AS DORES EM SOM DISSONANTE E AS CORDAS DO SEU VIOLÃO

SILENCIAM PARA O AMANHECER

BRILHA O SOL DE UM DIA DE VERÃO

SALTA AOS OLHOS OUTRA DIMENSÃO REVOADA RISCA O CÉU E FAZ

AMIGOS ALADOS CANTO DE PAZ

MANEIRO DEU A LOUCA EM COPACABANA

VI BEIJO DO HOMEM NA MULHER ARANHA

E O “KING-KONG” NO RELÓGIO DA CENTRAL

MEU SALGUEIRO O “OSCAR” SEMPRE É DA ACADEMIA TOCA O “BIP- BOP” FURIOSA BATERIA O CENÁRIO É PERFEITO

DE BRAÇOS ABERTOS SOBRE A GUANABARA

O FILME MOSTROU MARAVILHOSA CHANCHADA SOB A DIREÇÃO DO REDENTOR

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FOTO: AGÊNCIA GLOBO

AQUI TUDO ACABA EM CARNAVAL


crônica Quem é bamba, sabe – a magia do Carnaval esconde-se em moradas diversas, muito além dos holofotes da Passarela. No planeta Vermelho e Branco, floresce na Bateria Furiosa, que ronca irresistível na batuta vigorosa de Mestre Marcão. Desfila na inventividade sem fim do carnavalesco Renato Lage. Renova-se nas bossas de Quinho, o intérprete-incendiário. Mas o feitiço irresistível está no remelexo das musas do samba – e, aqui, o Salgueiro orgulhosamente apresenta Dandan, exemplo supremo do passo impecável e do corpo magistral da mulata. Não é caminho simples. Precisa, por vezes, de senha para decifrar a direção da magia. Assim, orientação segura: “Espera para ver montada”. Paciência – vai valer a pena. Lá vem ela, risonha, cariocamente despojada, tênis, bermudinha, trança até o meio das costas, tudo disfarce para esconder a apoteose de formosura. Ao primeiro paticumbum, Dandan surge outra, deslumbrante, mulata monumental, para hipnotizar na poesia rasgada da dança irresistível. Deusa. O batuque amansa, ela rebola, sutil; a batida acelera e a passista vai junto, voando no ritmo frenético do balé negro. A cinturinha vira exceção mais que perfeita, a confirmar a rima na regra do ão – sorrisão, pernão, bundão. E a moça mignon, 25 anos que ainda parecem a adolescência, espalha metro e oitenta (ou mais) do samba mais cristalino. Cativa fãs a rodo, jeito Salgueiro de ser. Deve ser alguma coisa na água. Com a rainha das passistas, monarca apaixonante da Sapucaí, vêm muitas outras, brunas, cristianes, alices, tesouros do morro e da quadra. Todas formosas confirmações do destino da mais africana das escolas de samba, a fábrica que exporta delírios carnavalescos para o mundo. Rússia, Espanha, Arábia e Caribe são alguns dos cantos da Terra que testemunharam o tufão nos quadris de Dandan em ação, na dança que hipnotiza viventes de qualquer credo, raça, convicção, ideologia. A globalização do rebolado, predicado da arte brasileira, orgulha a mulata e a todos os bons sujeitos, aqueles não são ruins da cabeça, tampouco doentes do pé. Está certo. Porque o carnaval, nossa melhor cara, mora em Dandan e nas mulatas do Salgueiro. Amém.

Morada das

deusas

do samba por Aydano André Motta


Ainda sob a euforia incontida pela vitória avassaladora na Copa do Mundo de 1970, o carnaval de 1971 prometia ser dos mais animados. E foi! Era madrugada da já segunda-feira gorda quando o Salgueiro entrou na avenida para marcar um gol de placa, num jogo de lances inesquecíveis. Também não poderia ser diferente: na seleção alvirrubra só tinha craques.

O enredo ‘Festa para um Rei Negro’ nasceu de um trabalho de mestrado para a Escola de Belas Artes da artista plástica e carnavalesca Maria Augusta, que desde 1969 já se integrara à equipe de carnavalescos comandada por Fernando Pamplona e que tinha na equipe nomes como Arlindo Rodrigues, Joãosinho Trinta e a então estreante Rosa Magalhães.

1971

40 anos da festa negra na avenida

Carnaval

Gustavo Melo Diretor Cultural do Salgueiro

AO SOM DE PEGA NO GANZÊ, UM DESFILE REVOLUCIONÁRIO CONQUISTA O TÍTULO PARA O SALGUEIRO


clássicosdaacademia O enredo contava a incrível visita da corte do Mani Congo (Rei Congo), o senhor do Condado do Sonho, Angola e Caconge para tratar de assuntos políticos junto aos holandeses, que fixaram seus domínios no Recife colonial. Foram recebidos na capital pernambucana com todas as honras de chefes de estado. Houve muita festa, com direito a danças e jogos tradicionais do continente negro e troca de suntuosos presentes entre a comitiva africana e os nobres d’Orange. O impacto causado pela visão da sua realeza desfilando pelas ruas da capital pernambucana mexeu profundamente com o imaginário da população africana trazida à força da sua terra natal para trabalhar nas lavouras de cana do Nordeste. Era um sentimento de afirmação e de orgulho que explodia ao ver sua corte pisando altiva o solo que eles cultivavam para “adoçar” a vida dos holandeses. E assim descobriram, maravilhados, que eles também tinham seu rei, celebrados em noites e noites de festa.

A Consagração do ‘Pega no Ganzê’ Era sem dúvida um grande enredo. E precisava de um grande samba. O Salgueiro teve dois. Um, descritivo, poético, melodioso, completo. Composto por Bala, autor do célebre ‘Bahia de Todos os Deuses’, a trilha sonora do campeonato de 1969. O outro era um samba calangueado, mais próximo das canções folclóricas do interior do estado do Rio de Janeiro. Mas a obra tinha uma melodia vibrante, irresistível, fácil de cantar, composta por Adil de Paula, mais conhecido como Zuzuca. A escola tinha um belo problema para resolver... A escolha se deu fora do território salgueirense, quando o produtor cultural Haroldo Costa viu o ginásio do Maracanãzinho em peso entoar o samba de Zuzuca durante um evento próximo ao carnaval.

Na hora de “escalar” o vencedor, Haroldo chegou para Fernando Pamplona e sentenciou: “É esse! Foi impressionante o que eu acabei de ver”. E foi assim que os versos “Ô lê lê, Ô lá lá / Pega no ganzê, pega no ganzá” se tornaram um dos mais cantados da história do carnaval. Um refrão que marcou para sempre o desfile das escolas de samba.

Uma usina de artes... e de artistas! Em paralelo à escolha do samba, os preparativos para o desfile de 1971 aconteciam a todo vapor na casa do salgueirense Jordano Sodré. A mansão de Botafogo serviu de barracão para os carnavalescos darem forma à visita da corte africana. Era uma usina de arte, de criatividade e de inovação. E nesse escrete de ouro, havia um craque que valia por um time inteiro:

Joãosinho Trinta. Hoje é comum o uso de materiais como isopor e ráfia nos desfiles das escolas de samba. Mas esses materiais foram a grande novidade do carnaval de 1971. Sim, até aquele ano, as esculturas e outras formas dos desfiles das escolas de samba eram feitas de papel maché. Totens, adornos, presentes e toda a riqueza da indumentária africana e holandesa surgiam dos materiais mais elementares. E foi assim, leve, criativo e inovador que o Salgueiro surgiu na Presidente Vargas.

Essa noite ninguém chora. E ninguém pode chorar... Com o time afinado, chegou a hora de entrar em campo. Afinal, a ‘Festa para o Rei Negro’ estava só começando. No ataque, Isabel Valença, divina, encarnou a fidalga portuguesa Ana Paes, amante de SALGUEIRO 43


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O Salgueiro de Xangô no altar do Sambódromo O Salgueiro foi o primeiro grupo a cantar a Bahia em uma escola de samba há quatro décadas. Foi também uma das primeiras escolas de samba a representar, no Sambódromo, Xangô e seus Obás. É fato que o Rio de Janeiro tem uma dinastia preservada do reino do axé. O Salgueiro de Xangô é o irmão e, também, enredo em conjunto de um outro Xangô que é o da Mangueira. Lá, vermelho e branco são cores que não se separam e que se veem remontadas e coesas no seu principal altar: o Sambódromo. Volto a agradecer por ter participado do desfile. Foi lindo ver, como baiano, a escola de samba cantar a Bahia e quebrar um estigma de que falar do nosso estado daria má sorte aos desfiles que acontecem nas belas ruas do Rio de Janeiro. Para mim, filho de Ogum, foi um prazer representar a Bahia na primeira vez que um trio elétrico, mesmo que alegórico, uniu a Av. Sete de Setembro, em Salvador, ao Sambódromo, no Rio de Janeiro. O Salgueiro tem mais do que levantado a bandeira tremulada da energia

e alegria da porta-bandeira, tem hasteado o sorriso de pessoas que em tons vermelho e branco encontram cadência em uma manifestação pura. As favelas não estão em domínios do tráfico e sim da alegria dos tambores de Marcão, da liderança de Regina, na elegância de Viviane Araújo e de tantas outras mulheres bonitas do Brasil. O Salgueiro reina com o desejo próprio de demonstração de alegria da água do suor dessa gente. Por isso, como campeão austero agradeço existir as escolas de samba. Viva Noel. Viva Cartola. Viva Paulo da Portela. Viva Tia Ciata. Viva ela. Viva Xangô.

por Carlinhos Brown

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Paulinho Vilhena, Eri e Thaila Ayala

Regina Celi e Eduardo Paes

Izabella Taviani, Regina Celi e Elymar Santos

Dani Bananinha, Fernanda Rodrigues e Fernanda Paes

Mariana Fusco e Felipe Dylon

s (rainha enata Santo

R

da bateria)

ho

e Andrezin

Jessika Alves e Bernardo Mendes Carol Castro e Regina Celi

José Padilha e Mestre Marcão

ina Celi

lia e Reg

Mart Ná


Regina Celi e tia Surica

Haroldo Costa

Di Fierro, MarianaRios, Suzana Pires e Nanda

Mestre Marcão, Regina Celi e Carlinhos Brown

Antonio Molina e Antonio Pitanga

Diogo

ira

Nogue

Teteu recebendo o Premio João Sabiá

Marcelo Monteiro (Vice Presidente do Salgueiro), Marcelo Barreto e Aydano Motta


parceiros


mensagem

Prefeito Eduardo Paes O Carnaval é o grande momento do Rio de Janeiro, quando todos os anos cariocas e turistas se unem em torno do amor ao samba e à Cidade Maravilhosa. É quando as preocupações do dia a dia cedem lugar para os blocos, concursos de fantasias, bailes e, claro, o tradicional e mundialmente famoso desfile das escolas de samba, que tomam conta de nossas ruas e nossos corações. E não podemos falar do Carnaval carioca nem de seus desfiles mais emblemáticos sem citarmos diversas vezes o Salgueiro, que não apenas é uma das escolas de samba mais tradicionais do Rio como também nos deu alguns dos maiores carnavais que a Sapucaí já viu. Por isso, é uma honra para a prefeitura e para os cariocas ter o

Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro homenageando o Rio e sua história de amor com o cinema no carnaval 2011. Não é de hoje que a sétima arte vem usando o Rio como inspiração e, muitas vezes, como locação de suas histórias. E nossas belezas naturais e paisagens estonteantes nunca estiveram tão presentes no cinema como nos últimos anos. Em 2011, inclusive, o Rio vai virar até desenho animado em 3D, produzido por um grande estúdio de Hollywood. A animação, mesmo antes da estreia nas telonas, terá vez no desfile da Vermelho e Branco. Tenho certeza de que o Carnaval do Salgueiro vai ser coisa de cinema!



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