Junho de 2021 Número 134
Tenerife, vulcões e… um pouco de Portugal
O Teide no meio da neblina
@ M. Margarida Pereira-Müller infobus Tel.: +351 966 177 152 Email: mpm_mum@hotmail.com
A Ilha de Tenerife é a maior das sete ilhas que formam o arquipélago das Ilhas Canárias. Quando pensamos em Tenerife, vemnos logo à ideia vulcões, praias de areia preta, mas nunca associamos a
Portugal. E, no entanto, estamos bem ligados. A começar por um dos pratos mais típicos da ilha: o mojo verde e o mojo rojo, que acompanham todos os pratos, especialmente as papas arrugadas.
Como assim? Nos primórdios do seu povoamento, esta ilha teve influência portuguesa, que se manteve até hoje. Quem me chamou à atenção foi a nossa guia, Maria. Estávamos a atraves-
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Pedras pretas vulcânicas cobrem parte da ilha
Ao longos dos anos, a ilha foi mudando de tamanho, de forma e de altitude devido à atividade vulcânica.
sar o bosque de pinheiros antes de se chegar à famosa paisagem lunar salpicada de vulcões, quando ela me falou da importância do negócio da resina durante mais de 300 anos e que esteve nas mãos de famílias portuguesas. “Os Portugueses sabiam como extrair a resina dos pinheiros e como ela era importante para a impermeabilização dos barcos”. Mas sobre as influências portu-
guesas falaremos mais adiante. Comecemos pelo princípio. Como surgiram as ilhas? Há 20 milhões de anos estas ilhas atlânticas, como muitas outras, não existiam. Mas após uma forte erupção vulcânica surgiu a ilha de Fuerteventura, a primeira ilha do arquipélago a separar-se de África e a que está mais perto da costa africana, a somente 100 km. Segui-
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ram-se as outras ilhas e ilhotes e, há 3 milhões de anos, novamente após uma erupção vulcânica três destes ilhotes fundiram-se e formaram a ilha de Tenerife. Ao longos dos anos, a ilha foi mudando de tamanho, de forma e de altitude – sempre devido à atividade vulcânica. Vários montes foram saindo da água, outros foram colapsando para a água. Há 200 mil anos, saiu da água o Teide, o monte mais jovem da ilha – e, com os seus com seus 3 718m, a montanha mais alta de toda a Espanha. No total há mais de 320 pontos de vulcões em Tenerife! O povoamento Numa ilha onde só há vulcões, a
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vida era muito inóspita para o ser humano. Ao início só havia alguns animais endémicos, como lagartos, ratos ou tartarugas. Os vestígios mais antigos da presença humana na ilha de Te-
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a.C. e o século I d.C. Devido à proximidade da costa africana, sempre houve povos visitavam a ilha. Os Romanos paravam muitas vezes em Nivaria, o nome que davam à ilha a partir da palavra nix, ni-
cão. Os Guanches, um povo da ilha vizinha de La Palma, chamavam ao Teide “Tene” (“montan ha”) e “ife” (“branca”), tendo sido o “r” adicionado pelos Espanhóis. Para os nativos de Te-
O vulcão Teide
Os Guanches chamavam ao Teide “Tene” (“monta nha”) e “ife” (“branca”), tendo sido o “r” adicionado
nerife datam do século X a.C. O povoamento permanente da ilha ocorreu provavelmente de forma contínua ou em várias ondas entre o século V
vis, que significa "neve", numa referência à neve, quase que perpétua no topo do vulcão El Teide. O nome atual de Tenerife também se refere ao vul-
nerife, a ilha era chamada Chenech, Chinech ou Achinech. Entre o século I a.C. e o século I d.C., existiam estreitos laços económicos en-
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Em 1345 Portugal reclamou a posse das ilhas.
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tre a zona mediterrânica e as Ilhas Canárias. O mais tardar com a crise imperial do século III no Ocidente, as relações das ilhas com a Europa chegaram ao fim. Como os Guanches, os habitantes originais da ilha de Tenerife, não tinham qualquer conhecimento náutico, as ligações entre as ilhas também se romperam. Durante os mil anos seguintes, os Guanches de Tenerife estiveram praticamente isolados e desenvolveram uma cultura claramente distinta dos canários das outras ilhas. Por altura das Descobertas havia em Tenerife nove pequenos reinos guanches, denominados menceyatos. Uma expedição
patrocinada pelo nosso rei D. Afonso IV visitou as Ilhas Canárias em 1341. Um relato disto, provavelmente escrito por Niccoloso da Recco, um dos líderes desta viagem, dá informações precisas sobre as peculiaridades de algumas das ilhas. Em 1345 Portugal reclamou a posse das ilhas, pois enquadravam-se no plano expansionista do país. Sucederam-se vários conflitos com os castelhanos, que também reclamavam todas as ilhas do arquipélago. D. Beatriz de Portugal, mãe de D. Manuel I, teve um papel ativo na política, que se estendeu ao reinado de três reis (D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I). Sendo In-
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fanta de Portugal e Duquesa de Beja, ajudou a concretizar as pazes com Castela, encontrando-se pessoalmente com a sobrinha, a rainha Isabel de Castela na vila de Alcântara em 1479 para discutir o que veio a ser o Tratado das Alcáçovas, o primeiro do género, que regulamentava a posse de terras ainda não descobertas, ao abrigo do qual as Canárias passavam para o domínio castelhano, mas em contrapartida do que daí para Sul tudo era português. Este tratado foi a base do futuro Tratado de Tordesilhas. Quando Colombo saiu de Palo em agosto de 1492 na sua primeira viagem, dirigiu-se para o arquipélago das
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Canárias, tendo aportado em Gomera (Gomeira), que era a ilha "portuguesa" das Canárias, onde o Infante D. Hen-
Tajinaste rojo
rique criara uma base para as suas explorações atlânticas. Foi aliás desta ilha que ele observou uma erupção vulcânica em Tenerife. Interesses económicos Mas que interes-
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ses económicos havia em Tenerife, uma ilha dominada totalmente por vulcões, sem riquezas do subsolo, e com dificuldades de produção agrícola, devido à natureza vulcânica do solo? Além de algumas plantas endémicas, como a belíssima torre de joias, ou viperina de Tenerife (“tajinaste”, em castelhano), há uma série de plantas introduzidas pelos Europeus há 400 anos, entre elas as amendoeiras, as figueiras e os catos chumbeira, também conhecidos por figueira-da-índia.
Estes catos, trazidos do Novo Mundo, do México, estiveram na base de um grande negócio que rapidamente se espalhou por toda a ilha: o fabrico de colorante carmim, tanto para a indústria alimentar como para a indústria têxtil. Não que o cato fosse a base do carmim, mas sim a cochonilha, um pequeno inseto que vive nestes catos. Para se defender da predação por outros insetos, a cochonilha produz ácido carmínico, que extraído do seu corpo e ovos é utilizado para fazer o corante alimentício que leva seu nome. Porém, quando nos anos 1940 foram descobertos os corantes químicos, a in-
Vários povos passaram pelas ilhas, mas não ficavam. Aqui nada havia. Só pedras.
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@ www.seychelles.travel
Da figueira-daíndia nasceu o grande negócio da extração do carmim.
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dústria sofreu um grande revés. Muitas plantações de catos chumbeira foram abandonadas. Porém, alguns agricultores mantiveramnas e mudaram o ramo da indústria com a qual colaboravam, passando a trabalhar os frutos para doce, marmelada e licor, e também para a indústria da cosmética e da saúde. Interessante que já na Antiguidade as Canárias eram procuradas pelos Romanos por causa de um líquen, urzela, comum sobre rochas costeiras nas ilhas desta região. A urzela produz um corante de cor púrpura (ou azul violáceo) que antes da invenção das anilinas sintéticas atingia gran-
de valor para tingir têxteis. Para os Romanos era muito importante, pois usavam-no para tingir os tecidos com que faziam os mantos. Só como mera curiosidade, o valor da urzela era tal que nos Açores a sua produção era monopólio real, havendo severas penalidades para quem a contrabandeasse, sendo um dos mais importantes produtos de exportação das ilhas. O nome urzela deu ori-
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ilhas atlânticas, entre os quais o da freguesia da Urzelina, na ilha de São Jorge. Não foram, porém, somente os catos que trouxeram riqueza económica à ilha. Os portugueses, que conheciam o segredo de extrair a resina e usá-la para impermeabilizar os barcos, expandiram as plantações de pinheiros-das canárias, uma planta endémica, e dominaram o negócio durante mais de 300 anos.
A base de teleférico
gem a diversos topónimos nas
Se o tempo o permitir, vale a
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pena tomar o teleférico que nos leva quase ao topo do vulcão Teide. Muitas vezes, porém, sopra a calima, um vento que vem do Saara que traz muito areia e torna a viagem impossível por razões de segurança. Se, por acaso, não conseguir subir, há sempre o plano B: uma visita ao Jardim Botâ-
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nico, muito perto do local de onde o teleférico e onde pode ver as plantas endémicas da ilha. No caminho para o teleférico, há dois pontos de paragem obrigatória: Los Paleos e Roques de Garcia. Roques de Garcia é um local muito interessante. Parece a cratera de um vulcão, mas...
Roques de Garcia
não é. são formações rochosas excecionais localizadas no Parque Nacional do Monte Teide, Património Mundial da UNESCO desde 2007, e as suas formas verticais parecem guardiões da região. A área em redor de Roques de García é mais do que impressionante. À esquerda temos o Pico Velho, que tem uma elevação de 3 155 metros; e o majestoso Monte Teide fica à direita, com uma altura de 3 712 metros. Aliás o Roque Cinchado, localizado a cerca de 300 metros abaixo do cume do vulcão Teide, é formação rochosa mais famosa da ilha, pois a sua imagem, com o Teide atrás, estava
Roques de garcia, formações rochosas que crescem para o céu.
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Os lagartos machos têm manchas azuis e as fêmeas cinzentas.
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nas notas de mil pesetas. Estas formações rochosas únicas foram Lagarto Gallot -, macho criadas por @ Jörg Hempel /Wikicommons milhões de anos de erosão que divitos Gallot. diram a grande Las Cañadas e a caldeira vulcâniplanície de ca Las Cañadas Ucanca, criada em duas cratepor pedra sediras (ou chamimentar, são os nés vulcânicas). limites das calCom o tempo, as deiras vulcâniformações rocas históricas chosas foram que foram soabsorvendo váfrendo erosão ao rios materiais longo do tempo. vulcânicos que Esta paisagem parecem ter perlunar foi a escotencido a um lhida para alguimenso vulcão mas das filmaantigo que exisgens do filme tia antes do Confronto de TiMonte Teide. tãs (2010). Muitas espécies vegetais endémiBatatas cas agarram-se Do Novo Mundo às formações rochegaram as bachosas, colonitatas às ilhas zando este munCanárias e aí do de lava. Aqui encontraram há grandes poterreno fértil. As pulações de labatatas passagartos, especialram a ser a base mente de lagarda alimentação
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canarina. É aqui que se encontram o 2º maior número de variedades do mundo, mais de 300! Não nos admiramos assim de ver as papas arrugadas (“batatas enrugadas”) comidas com mojo verde (molho verde) ou com mojo picón (molho picante). Têm o aspeto das nossas as batatas ao murro. Usam-se batatas pequeninas, como as batatas novas, que se cozem com pele - antigamente em água do mar, atualmente em água com muito sal (para 1 kg de batatas, 300 g de sal grosso marinho!!!!) que se deixa evaporar, deixando as batatas enrugadas e com uma ligei-
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Leve ao lume numa panela alta 1 kg de batatas novas pequenas, 300 g de sal e 1 l de água quente. Deixe as batatas cozer em lume alto durante 25-30 minutos. Escorra a água e leve ao lume para secar totalmente as batatas. E o mojo verde? Muito fácil. Antigamente era todo feito à mão. Hoje em dia utiliza-se a varinha mágica, um copo Papas arrugads con mojo verde y mojo picón
ra camada de sal. O mojo verde (a palavra mojo vem da palavra portuguesa “molho”!) é feito com coentros e o mojo picón com pimentos picantes. Uma delícia! Acompanham muitos pratos como sanchocho de cherne, cherne cozido em água e especiarias ou conejo en salmorejo (coelho em marinada) – há tantos coelhos na ilha (não têm inimigos naturais!) – este salmorejo é a marinada onde o coelho fica a ganhar sabor e nada tem a ver com o salmonejo andaluz. E como se preparam as papas arrugadas?
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Sanchocho de cherne
liquidificador ou a 1-2-3. Coloque num copo liquidificador 1 molho de coentros, 8 dentes de alho, 250 ml de azeite, 35 ml de vinagre, 1 colher de café de cominhos moídos e 1 colher de café de sal e reduza a puré. Está pronto. O mojo picón faz -se assim: Coloque num copo liquidificador 8 dentes de alho, 2 pimentos picantes (2 pimientas piconas ou pimienta de
A palavra mojo vem do Português “molho”
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la puta madre, típicas nas Canárias), 150 ml de azeite, 20 ml de vinagre, 1 colher de café de cominhos moídos, 1 colher de sopa de pimentão doce e 1 colher de café de sal e reduza a puré. Está pronto. Para terminar a refeição nada como um barraquito: café com leite condensado, canela, licor 43,
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Barraquito
leite batido em espuma e casquinha de limão. Uma delícia!
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