ma njanu
na boca do dragĂŁo da amĂŠrica latina
na boca do dragĂŁo da amĂŠrica latina ma njanu
© ma njanu na boca do dragão da américa latina edição: ma njanu autora: ma njanu ilustrações: tayler rodenkirch, layla d., kim holm, terroristas del amor e mônica maria a. A reprodução parcial sem fins lucrativos deste livro, para uso privado ou coletivo, em qualquer meio, está autorizada, desde que citada a fonte. Se for necessária a reprodução na íntegra, solicita-se entrar em contato com a autora. (Lei no. 9.610 de 19.02.1998)
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sumário I – o despertar do bicho.............................................................................6 des habito.....................................................................................................7 certos dias falávamos de coisas estranhas................................................8 quando nunes valente não está em Luanda.............................................9 marcha fúnebre.........................................................................................10 depois a morte dos seringalistas.............................................................11 o balanço da rede quando interrompido................................................12 antipoema..................................................................................................13 akorò ô........................................................................................................14 II – é preciso dançar no chão molhado..................................................15 janta............................................................................................................16 outros meios de transformar silêncio em ação......................................17 muitos sons................................................................................................18 dança para stela, a bem patrocinada.....................................................19 pequeno discurso cisgênero....................................................................20 ensaio para o poema no muro..................................................................21 indicações para a leitura do poema: .......................................................22 III – o amor cria uma linguagem onde inexistem as correntes..........24 pale moonlight.............................................................................................25 heterodoxia pan(sex)africanista..............................................................28 o amor nos tempos da rua........................................................................29 ócio criativo envolve sexo........................................................................30 guapó guá p. Turime................................................................................31 amefricana.................................................................................................32 consagração dos idés a Ọya......................................................................33 receita para fazer feliz as pedrinhas de Turime.....................................34 na dúvida...................................................................................................35
a transformação do silêncio em linguagem e ação audre g. lorde
a cigana me amarrou na barra de sua saia. voei sรณ volto quando ela quiser.
I – o despertar do bicho
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[nem toda pressa chega]
des habito ĂŞxodos nas ruas quando hesito vejo vocĂŞ 7
certos dias falávamos de coisas estranhas
saem dedos de meus órgãos que bicho é esse? espécime esta diz sem ter voz aliás, boca acampa aorta migra ao diafragma [nômade] tinha olhos de obsidiana quando me residia uma rigidez importada de nyiragongo jamais vista, eu sei são casos para fraqueza presságio do que é preciso: constatar velhas novas dimensões do fogo sua maneira única de implorar alimento.
8
quando nunes valente não está em Luanda
já é dezembro os prédios /cimento/ e as coisas tão mais felizes que nós - apartados do mar.
9
marcha fĂşnebre p. serena carregar o corpo do bicho pela jovita feitosa faz ver que nĂŁo doi assim a ida djavan toca.
10
depois a morte dos seringalistas uma sumaúma cai não, é uma árvore derrubada [o vento nunca sopra contra a vida] para resistirem os rituais é preciso queimar a bíblia e de cada pena do gavião uma cria nova sairá yawanawá do cesto da barriga.
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o balanço da rede quando interrompido
três décadas é a duração do cansaço um dia, comendo uma semente redonda fruto da colheita, veio roubar outro tipo de oxigênio, necessário ao urro dos leões quando querem amedrontar as capivaras neste instante, as crianças não almoçaram e a resignação por aguardar a manhã seguinte teve algo de alívio embora na fome as horas sejam intermináveis.
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antipoema
é preciso rasurar o cânone distorcer as regras as rimas as métricas o padrão a norma que prende a língua os milionários que se beneficiam do nosso silêncio do medo de se dizer poeta, só assim será livre a palavra.
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akorò ô
na sombra do igiopê doença não me vê se afasta o mal o senhor do caminho caminha comigo e a solidão se vai.
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II - é preciso dançar no chão molhado
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janta anticolonial são as calçadas a periferia é um pedaço da aldeia e de áfrica.
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outros meios de transformar silêncio em ação poesia é para quem não sabe dizer nada diretamente, há uma curva na voz - que não é proposital ou talvez seja: o poema é a metáfora original de todas as outras metáforas.
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muitos sons
dizia grande a cabaça meu amor Ê o começo de tudo vanguardar terra negra terra de gente negra.
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dança para stela, a bem patrocinada
me ensinaram a cuidar dos dentes para dar dentadas não em mim não nos outros creme dental para dormir bem à noite eu gostava de dizer poemas [incerto o futuro me assusta] o passado no rio de janeiro me alcança do largo do machado até nossa senhora de copacabana a pé eu também já andei passei no méier, gemia de dor fugi sem avisar a ninguém observo o leão no zoológico eu sou o macaco mas vocês também são.
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pequeno discurso cisgênero
meu bem, há uma beleza assustadora em não ser como eles ou como eu - não seremos nunca parâmetro pra nada, até porque não escolhemos nosso próprio nome, no cartório foram os outros a nos inaugurar. nossos corpos suas capitanias hereditárias e ainda assim pensamos saber de tudo.
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ensaio para o poema no muro
desato nós no outdoor outro anúncio do problema social [ame as armas ou se mate] mas não questione, nunca, o kapital [[[o sol nasceu para todos]]] ... olho os muros vejo seu lambe aquele que eu adoro: vamos mudar o mundo e ainda sonho contigo uma vida onde não haja fome.
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indicações para a leitura do poema: 1. devagar e sempre | 2. a primeira língua se repete
pressupõe o poema a língua beija a língua na boca que diz o poema tem silêncio e palavras emudecidas mas não sem voz morrem as linhas raiva tristeza solidão o poema não lido é uma mulher negra não lida é a mulher roubada há uma surdez que pode ser vista nos traços de seu rosto uma negra entre eles só é tida depois de esquecida morta envelhecida ruídos suspiros sussurros até não haver mais nada.
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23
III – o amor cria uma linguagem onde inexistem as correntes
24
pale moonlight p. s (ouvir how many times de bob marley p. sentir a poema)
quando os vizinhos reclamarem enquanto eu digo que te amo a lua fará seu papel iluminando a tez da tua pele janelas abertas e uma cerveja quente de esperar que se acabe porque minha boca só bebe a ti [não vá agora] você se lembra a lua e o cheiro dos dedos sem culpa o amor pela morte dos meninos não falaremos disso pois os beijos que não se esquecem é o calor e é tudo que atravessa a palidez palidez 25
da lua a palidez da lua a te iluminar na cama do nosso quarto os vizinhos gritam fascismo lá fora nesse instante você goza enquanto o céu cai e se consomem as revoluções sociais converso com os pelos dos teus territórios [pale moonlight] eu sou sem terra sem casa você me acolhe nas tuas construções fazer amor produzir uma rota de fuga para as antilhas sem as prisões dançar guatanamera depois voltar pra casa 26
o mundo não se acaba quando morremos outras virão qualquer canção falará de nós da pálida luz da lua a te iluminar.
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heterodoxia pan(sex)africanista amar com o nariz, bons ouvidos: qualquer outro genital secreto onde se roce NigĂŠria.
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o amor nos tempos da rua p. san, meu ppt amigo-amor cantantes as periquitas alongam a silhueta verde das árvores vistas do terminal do siqueira, ao findar o dia eu também penso em você meu romance tem canto é pobre por morrer jovem mas bato os mindinhos nas quinas e meu grito não te assusta sorrio esse canto se esconde meu benzinho, só você ouve.
29
ócio criativo envolve sexo,
porque tudo é do comer maçãs bucetada alho p. dor de dente unha dedos dos pés e ervas amazônicas para que antes se feche neste continente a boca do dragão.
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guapó guá p. Turime secaram um rio no Pará as águas escondidas no fio da renda: não disse gozo nem disse lágrimas. o benefício da dúvida é adaga rasgando simulacros em nome da cura.
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amefricana p. pm
não me traduza sou poesia infinita meu balanço é fascinante rio fácil vim das águas e por isso não se engane: rasgo as margens quando quero tomo o mundo levo tudo nem aviso ou me despeço.
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consagração dos idés a Ọya
cultuar os pulmões sem esquecer dos beijos
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receita para fazer feliz as pedrinhas de Turime: explodir em gozo quando se ruir o mundo colonial: naufrágio da basílica de pedro e a perdição toda do ouro junto aos cabaços das crianças a caminho da escola dominical, cerrar as grades dos presídios e abraçar suzy, sempre tão só desta vez as armas em nossas mãos anunciando: a busca que nenhuma jornada eterna de ócio se pagará. até que enfim escrever as poemas mais banais, o amor cria uma linguagem onde inexistem as correntes para que Turime cresça e voe e voe.
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na dúvida [ou em casos de bloqueio] lute com o poema – nunca contra ele
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esta não é uma mensagem subliminar: este livro foi feito de modo totalmente independente durante o fim do mundo, se chegou até aqui e você é uma artista negra que deseja apoio para publicar sua arte de forma independente, conte comigo. meu contato é ma_njanu@outlook.com
fortaleza, abril de 2020. 36