Arquitetura pós desastre O CASO DE BRUMADINHO
MABLY ROCHA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP
672
Rocha, Mably. Arquitetura pós desatre: o caso de Brumadinho / Mably Rocha. – São Paulo, 2019. 200 p.; 30 x 24 cm. Orientador: Marcos Boldarini e Vinícius Andrade TC (Trabalho de Curso) – Associação Escola da dade Arquitetura e Urbanismo, 2019. Brumadinho (MG). 2. Desastre Ambiental e Humano. 3. Ensino Técnico. 4. Ecologia. I. Título. CDD 727
Arquitetura pós desastre
ORIENTADORES Marcos Boldarini Vinicius Andrade
EQUIPE TC-EV Dany Cohem Leonardo Sarabanda Raquel Garcia
Arquitetura pós desastre O CASO DE BRUMADINHO
ESCOLA DA CIDADE - FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
MABLY ROCHA SÃO PAULO 2019
Agradecimentos “Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes” Isaac Newton
Acredito que todos colecionam frases de grandes símbolos da humanidade, essa do Isaac Newton é uma das minhas favoritas. O ensino como Paulo Freire defende é uma ferramenta de ação política e transformação social, através dele a realidade pode ser questionada e a luta pela mudança pode ser feita. Estudante durante toda minha graduação de ensino médio e fundamental de escola pública dotada de poucos recursos que limitavam entre outras coisas experiências além dos muros da escola, tive o prazer em uma destas raras ocasiões ir no local que marcaria e determinaria a escolha do meu curso superior. Aos 13 anos em uma excursão conheci o Memorial da América Latina. De origem muito humilde morando em periferias urbanas privadas de infraestruturas públicas amplas e generosas para população e com uma condição uniforme de construções do tecido urbano condensado ao sair do ônibus da excursão e subir a passarela que levava para o lado em que os programas se desenvolviam a experiência foi avassaladora. Guardo muito vivo na memória a sensação que tive ao ver aquele complexo arquitetônico pelo topo da passarela pela primeira vez, dotado de uma condição monumental com edifícios de formas orgânicas completamente diferente das volumetrias ortogonais, pequenas, muitas vezes geminados, tendo uma precariedade e improvisação nítida das construções que convivia, ali fiquei completamente encantada.
Ainda não sabia da existência de uma carreira chamada arquitetura, desconhecia o nome do Oscar Niemeyer e de vários outros arquitetos que hoje admiro profundamente, mas mesmo sem saber como nomear aquilo, tive verdadeiramente a certeza que gostaria de poder construir experiências através de elementos construídos como carreira para minha vida. Durante toda minha graduação e processo preparatório para ingressar no curso superior, nos momentos mais difíceis do curso sempre retomava a memória deste dia e através dela sempre carreguei e tive o foco para produzir o melhor possível, pois me graduar em arquitetura era meu sonho desde aquele dia. Propor como Trabalho de Conclusão de Curso um complexo de ensino com escala espraiada no lugar que guarda um dos maiores desastres de escala ambiental e humana, tentando a partir dele mostrar mais do que inicialmente as condições do Município de Brumadinho revelavam, acredito que feche bem esses seis anos da minha graduação. Além de aplicar a teoria que desenvolvo desde aquele dia em que conheci o Memorial da América Latina, que a arquitetura e o ensino podem marcar a experiência humana através da construção do espaço visando dar novas chaves de relações em uma amálgama. Por isso o complexo proposto é uma Escola de ensino técnico ligado a ecologia, pois aplica 7
um elemento ao território que olha para ele e sua população, tentando ressignificar não apenas a dor da tragédia, mas dar chaves para novas relações com território e população local. Tendo a pretensão ainda de compor esse material como um elemento de memória e crítica ao desastre, com a intenção que não seja mais um silenciado como foi o de Mariana. Reservo finalmente esse agradecimento para todos que marcaram e moldaram até hoje a minha formação, professores e amigos que me fizeram enxergar mais longe. Gostaria de citar alguns nomes que me marcaram nessa jornada, são inúmeros e mesmo os que não mencionar saibam que foram muito importantes pra mim.
A Cristiane Muniz que mesmo com uma agenda lotada sempre encontrou tempo para abrir espaço para conversas inclusive em seu escritório UNA. A Marianna Boghosian por sempre se dispor a ensinar e ajudar, dando suporte muitas vezes a dúvidas técnicas que possuia. A Rita Buoro que sempre me incentivou a considerar a escala de conforto de qualquer projeto. Ao Roberto Alfredo Pompeia pela paixão em ensinar que sempre me cativou nas suas aulas e orientações. Aos arquitetos Paulo Mendes da Rocha e Marcos Acayaba que se dispuseram de tempo para orientar trabalhos de arquitetura comigo.
Agradeço ao Carlinhos Marmo, professor do Cursinho Anglo que me mostrou que sonhos valem o preço que tem e sempre me incentivou a fazer o melhor para acessar a universidade que desejasse.
A Marina Pedreira de Lacerda e Laura Teixeira que possuem um conhecimento vasto e sensível que buscam por meio da imagem expressar graficamente informações de forma clara e dinâmica e que me auxiliaram a encontrar e questionar formas de expressar o que desejava para o leitor.
Aos orientadores das minhas duas Iniciações Científicas que realizei durante a graduação: Valdemir Lúcio Rosa, Analia Amorim e Felipe Melachos, professores de Tecnologia Construtiva com conhecimento teórico e prático vasto que sempre foram generosos em repassar seus conhecimentos.
Aos meus orientadores de TCC: Marcos Boldarini e Vinicius Andrade, arquitetos de enorme conhecimento prático e teórico que admiro o trabalho desde antes de ingressar no curso de arquitetura e que dispuseram de tempo e generosidade para me auxiliar no que deseja produzir.
Ao Ciro Pirondi arquiteto e diretor da Escola da Cidade, que sempre manteve as portas de sua sala aberta para qualquer problema que os alunos precisassem compartilhar. Um agradecimento especial a Angela Amaral, Cristina Xavier e novamente a Anália Amorim que possuem uma generosidade ao ensinar que ultrapassa os limites da escola, dilatando até a sala de estar individual de cada uma que se abriram de forma generosa para compartilhar livros e conhecimento.
A equipe de texto que me auxiliou na revisão e defesa do material teórico extenso que compõe este trabalho: Amália dos Santos, Glória Kok e Pedro Lopes, que foram fundantes para entre outras coisas me convencer a dar uma escala mais sensível que discutisse além da questão da arquitetura, com isso decidi compartilhar de forma mais pessoal e completa as experiências das visitas ao Município de Brumadinho através dos diários de viagem que compõe este livro. A Giulia Ribeiro pela defesa da importância de mapas para expressar leituras e relações do espaço, que me deu aulas que me auxiliaram a dar uma leitura crítica ao material cartográfico que este trabalho possui.
A equipe que concordou em compartilhar este trabalho comigo que além de tudo dividiu planos e sonhos para ir visitar Brumadinho: Rafaela Ferreira, Leonardo Sarabanda, Raquel Garcia e especialmente ao Dany Cohen pelos dois semestres juntos. A Helenna Luz e Gabriela Duarte amigas de graduação que tive o prazer, além de dividir a amizade, de desenvolver um concurso de arquitetura no Kaira Looro. A Juliana Ricci, Leticia Ensinas, Natali Polizeli e Valéria Luizetti por construírem uma amizade junto nestes anos de graduação. A equipe do escritório Brasil Arquitetura, em especial aos arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz que tenho o prazer em trabalhar e aprender junto. A Juliana Polizeli, Luciana Naum e Marina Pasqueto pela amizade longa. Ao Luis Fernando Daud por tudo.
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Dedicatória Este trabalho só foi possível graças a uma série de orientações, conversas e vivências das mais diversas naturezas. A minha equipe como um todo acabou por criar laços com a cidade e seus habitantes. A experiência de estudar um caso como o do Município de Brumadinho, transcende a função de um exercício acadêmico, para um estudo de empatia e autoconhecimento. A situação é de uma sensibilidade humanitária, a qual a interdisciplinaridade não é capaz de suprir. Agradeço a todos os que cruzaram meu caminho, seja em sala de aula, na biblioteca, em Brumadinho, Parque da Cachoeira ou Córrego do Feijão.
1. Marina Oliveira formada em Relações Internacionais na PUC MG, tem sido uma das principais vozes que luta por justiça após o desastre de Brumadinho. 2. Joias é a expressão usada pelos familiares das vítimas para designar aqueles que nasceram no local. São joias, pois são fruto da terra que eles amam, joias pois a vida é a dimensão que eles mais valorizam. E assim como uma joia rara tem um valor alto, incalculável, como são todas as vidas. (Nota da autora resultado da conversas e visita em Brumadinho pós desastre)
Presto as mais sinceras condolências a todos os familiares, amigos e conhecidos das vítimas do crime cometido. Como diria Marina Oliveira1 que conhecemos no quarto ato de repúdio a Vale, “podemos não ter conhecido as vítimas diretamente, mas através das vozes de seus familiares e amigos, acabamos por conhecê-las”.
Portanto, agradeço toda a população do Município de Brumadinho por nos acolher, por todas as conversas e ensinamentos que todos que cruzamos se dispuseram a compartilhar conosco. Prestamos nossa total empatia aos que hoje lutam por cada dia e nossos mais profundos pêsames a todas as “joias” que não estão mais para poderem gritar, mas que saibam que suas vozes reverberam em nossas atitudes, que nosso trabalho não pretende reverter a situação, mas buscamos ressignificar e contribuir para a paz, que hoje, cada uma dessas pessoas buscam. Este projeto bem como análise do território, diários de viagem e todo material deste trabalho é dedicado completamente aos moradores do Município de Brumadinho e foi para estes que ele foi feito. O projeto de ensino aqui proposto é tido como uma chave que pode ressignificar a dor das perdas que este território sofreu com o desastre.
A situação é a de cidadãos que mesmo calados, gritam por dentro uma perda insuperável. A mineração, que de tanto tira da terra, acabou por enterrar as maiores “ joias”2 da cidade. O momento atual é de reconhecer que a real riqueza que existia na cidade era a vida por si só seja ela humana ou da sua natureza ambas afetadas pelo desastre. O reconhecimento da população de que suas “joias” estão hoje debaixo da lama é uma lição de humanidade. Embora abarque um contexto denso, uma história de gerações, passível de interpretações, estudos e metáforas, o caminho que a cidade nos mostra é um caminho de reavaliação do real valor da vida, um exercício de humanidade. 11
Resumo O presente trabalho insere-se no modelo do TC-EV da Escola da Cidade, que consiste no desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TC), unido a uma equipe de trabalho com alunos de diversos anos da disciplina de projeto do Estúdio Vertical (EV). Iniciado em fevereiro de 2019, sob o tema geral de Direito à Cidade e continuado no segundo semestre com o tema Habitar a Barriga do Monstro, ambos propostos pela disciplina de EV e sensibilizados pelo desastre de Brumadinho em 25 de janeiro de 2019, que ocorreu apenas quatro anos após o desastre similar de Mariana, no mesmo estado de Minas Gerais, este trabalho nasce e segue refletindo as demandas que estes temas propõe, quais sejam, o questionamento e apropriação do direito à cidade, bem como a indignação e a não acomodação dos problemas que a cidade, de certa forma, nos obriga a passar, como é o caso desse desastre. Neste trabalho, pretende-se, através de pesquisas acadêmicas e jornalísticas, associadas a atividades didático-pedagógicas, levantar, analisar, debater, problematizar e comunicar de forma abrangente a situação do direito à arquitetura em momentos extremos como deste desastre, refletindo sobre seus desdobramentos na produção da arquitetura e urbanismo. Este trabalho nasce de questões levantadas e pesquisadas de duas iniciações científicas da autora, datadas de 2017 e 2018, tendo ambas em comum a pesquisa sobre como escolhas de tecnologias de construção influenciam na qualidade da produção da arquitetura e da mão de obra. Estas pesquisas se fixaram no âmbito mais teórico, tomando como estratégia de estudo a comparação entre os processos de produção
dissonantes, sendo os objetos de estudo da primeira com enfoque maior no impacto da mão de obra do Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos - São Paulo, em comparação ao Centro Internacional Sarah de Neurorreabilitação e Neurociências do Rio de Janeiro, enquanto que na segunda pesquisa o enfoque maior recai na discussão sobre estruturas das Abóbadas Gaussianas de Eladio Dieste e a Folded plate do Terminal de Yokohama. Com esta trajetória de pesquisas anteriores e partindo-se de questões refletidas e bibliografia base de ambas, bem como das novas fontes levantadas, este Trabalho de Conclusão de Curso se propõe a utilizar de um estudo de caso recente e sensível, como o desastre de Brumadinho, para a partir do entendimento global das suas condições físicas, urbanas e sociais e do seu sistema histórico e estrutural dominados por apenas duas empresas nesta cidade, no caso a Vale S.A. e Inhotim, criar mais um polo econômico, como um polo de ensino técnico ligado à ecologia. Desta forma, por meio do projeto de escala urbana e construtivo, bem como do estudo da implementação em seu território, tanto o projeto, quanto o programa desta escola pretendem ressignificar a dor do desastre, celebrar a vida, a vida da população deste município, da natureza local, focando-se na necessidade de desenvolver o espaço existente, através da educação, do trabalho e do seu reconhecimento.
Palavras-chaves: Brumadinho, desastre ambiental e humano, escola, ensino técnico, ecologia.
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Abstract The present work is part of the TC-EV model of Escola da Cidade, which consists of the development of the Course Conclusion Work (TC), joined by a team of students from several grades of the Vertical Studio (EV) project discipline. Started in February 2019, under the general theme of Right to the City and continued in the second half with the theme Dwelling the Belly of the Monster, both proposed by the EV discipline and sensitized by the Brumadinho disaster on January 25, 2019, which occurred only four years after the similar disaster of Mariana, in the same state of Minas Gerais, this work is born and continues to reflect the demands that these themes propose, namely, the questioning and appropriation of the right to the city, as well as the indignation and non-accommodation of problems that the city, somehow, forces us to go through, as is the case with this disaster. This work intends, through academic and journalistic research, associated with didactic-pedagogical activities, to raise, analyze, debate, problematize and comprehensively communicate the situation of the right to the architecture in extreme moments like this disaster, reflecting on its consequences in the production of architecture and urbanism. This work arises from questions raised and researched from two author’s scientific initiations, dating from 2017 and 2018, both of which have in common the research on how technical choices of building technologies influence the quality of architecture and labor production. These researches were set in the most theoretical scope, taking as a study strategy the comparison between the dissonant production processes, being the study objects of the first one with main focus on the impact of
manpower on Terminal 3 of Guarulhos International Airport - São Paulo, compared to the Sarah International Center for Neurorehabilitation and Neurosciences in Rio de Janeiro, while in the second survey the focus is on the discussion of the structures of the Gaussian Vaults of Eladio Dieste and the Folded plate of Yokohama Terminal. With this trajectory of previous researches and starting from reflected questions and base bibliography of both, as well as the new sources raised, this Course Conclusion Work proposes to use a recent and sensitive case study, such as the Brumadinho disaster, from the global understanding of its physical, urban and social conditions and its historical and structural system dominated by only two companies in this city, in this case, Vale S.A. and Inhotim, to create another economic pole, as a pole of technical education, linked to ecology. Thus, through the urban scale and constructive project, as well as the study of the implementation in its territory, both the project and the program of this school intend to re-signify the pain of the disaster, to celebrate the life, the life of the population of this municipality, of the local nature, focusing on the need to develop existing space through education, work and recognition.
Keywords: Brumadinho, environmental and human disaster, school, technical education, ecology.
15
Sumário
INTRODUÇÃO
19
01
02
ALÉM DO DESASTRE
VIVÊNCIAS DETERMINANTES
Comparação com o desastre de Mariana................................... 23
Diário de viagem 01.....................55
Sobre Brumadinho, sua história e desastre....................... 27 Brasil: desastres naturais e crimes ambientais....................... 47 O poder da mineração................ 49
23 DE MAIO DE 2019 24 DE MAIO DE 2019 25 DE MAIO DE 2019 26 DE MAIO DE 2019
Diário de viagem 02.....................95 11 DE OUTUBRO DE 2019 12 DE OUTUBRO DE 2019 13 DE OUTUBRO DE 2019
03
04
BIBLIOGRAFIA
ARQUITETURA PÓS DESASTRE
O PROJETO
Porque arquitetura pós desastre.......................................99
O projeto.................................... 136
Paisagem................................... 103 O PODER DA PAISAGEM
Educação....................................117 O PODER DA EDUCAÇÃO ESTRUTURA E CONCEITUAÇÃO DA ESCOLA E SEUS CURSOS PROJETO PEDAGÓGICO DE ENSINO TÉCNICO
140
Introdução Com base no desastre ambiental do Município de Brumadinho e em outras situações emergenciais, tais como o desastre de Mariana, os campos de refugiados ao redor do mundo e questões de desastres naturais ou não, pretendia-se inicialmente, realizar uma proposta de metodologia a ser seguida nesses casos, partindo de uma proposta projetual a ser desenvolvida. Porém, o estudo do local e a sua visita sugeriram que a melhor opção seria uma ação especialmente projetada para Brumadinho. Pensar em o porquê a arquitetura é um direito humano, levou a refletir sobre situações extremas, onde a ação projetiva não só poderia proporcionar mais dignidade em casos extremos, mas, ao mesmo tempo, impedir uma dispersão por parte dos moradores, de forma a garantir tanto a permanência da vida local, como também uma pressão política por medidas mais incisivas. O desastre de Brumadinho consistiu no rompimento da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, o que fez com que uma terra tóxica de amônia, sílica, silte, chumbo, cromo entre outras substâncias, invadisse a cidade com uma velocidade de 34 km/h, tendo percorrido um trecho de 8 km em 15 minutos, gerando graves danos ao ecossistema, às pessoas, aos animais e à cidade como um todo. Por conta disso, mais de 300 pessoas morreram e mais de 200 famílias foram realocadas. Este trabalho, iniciado com o intuito de dar uma melhor qualidade de vida aos seus habitantes e para que a cidade voltasse aos poucos a funcionar, tinha por objetivo projetar um habitáculo modular em pré-fabricado leve de argamassa 18
armada, que permitisse a agilidade e a flexibilidade que a situação necessita. Porém, após visitar o local entre os dias 23 a 27 de maio de 2019, as ideias se rearticulam, entendendo que a hipótese inicial que a demanda local não era mais de habitações, uma vez que o ressarcimento financeiro dado às vítimas e familiares suprir esta demanda. Viu-se, deste modo, uma necessidade de gerar novos polos econômicos e estruturadores da cidade, mas principalmente construir novos cenários sob a perspectiva da educação e pedagogia, que pudessem descentralizar um pouco mais a economia, hoje voltada quase integralmente à mineradora Vale e em outra escala ao turismo atraído por Inhotim, que está na cidade desde 2006. Por tais razões, decidiu-se pela construção de uma escola pensando juntamente com a arquitetura em sua matriz pedagógica. A escola como Paulo Freire sempre defendeu, nasce neste projeto como um símbolo político, pois pode gerar mudança do indivíduo, sociedade e de onde ela está inserida, que se pressupõe como necessária, principalmente depois de um desastre da escala de Brumadinho Este projeto é implantado em uma margem de expansão da cidade, lendo o seu meio físico instalado próximo a um afluente de água limpa, o Rio Manso. A intenção é celebrar a natureza, e todo o potencial ecológico que a cidade possui e que poderia ser mais explorado e estudado, bem como atender a uma demanda da população por isso a escolha por uma escola técnica ligada a ecologia que pode ser aberta ao público gerando áreas de lazer, encontro e áreas integradas a natureza para o lazer, estudos e para desfrutar da natureza. Arquitetura pós Desastre
01
ALÉM DO DESASTRE
Comparação com o desastre de Mariana Na primeira semana após o desastre de Brumadinho o que se repetiu nas reportagens de jornais e revistas tanto nacionais quanto internacionais era a memória do desastre de Mariana ocorrido apenas quatro anos antes, o que aumentava o tom de indignação. Por ser um desastre similar, era algo que poderia ter sido evitado caso o desastre de Mariana tivesse sido usado como modelo de estudo para entender o que deu errado e como isso poderia ser evitado posteriormente em barragens similares como é o caso da barragem do Córrego do Feijão no Município de Brumadinho. Juntamente com este paralelo impressiona a curta distância entre ambos os locais, ambos pertencentes ao quadrilátero ferrífero de Minas Gerais e controlados por empresas pertencentes a Vale S.A como é o caso da Samarco que comandava
as operações de extração de minério em Mariana juntamente a isso, mesmo o impacto ambiental e de patrimônio histórico tendo sido maior em Mariana, Brumadinho o número de mortos muito expressivo. O desastre de Mariana aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, além de ter sido possivelmente um erro de segurança e engenharia como em Brumadinho, foi também um crime ambiental cometido pela mineradora Samarco. A lama que foi liberada da barragem do Fundão e Santarém ambas que continham rejeitos de mineração, cheia de metais pesados, chegou no rio Doce, contaminando toda o curso hídrico e possivelmente a bacia do lençol freático, alcançando o oceano Atlântico. Muitos pescadores que tinham o comércio de peixe como meio de vida, perderam sua única fonte de renda.
O rompimento das Barragens em Mariana é considerado o desastre industrial que causou o maior impacto ambiental da história brasileira e o maior do mundo, envolvendo barragens de rejeitos. Foi despejado um volume total de 62 milhões de metros cúbicos. Estima-se que demore mais de 100 anos para que os biomas destruídos pela lama se recuperem. Ao todo, em 39 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo, 1,2 milhão de pessoas que lá moram, tiveram suas vidas afetadas. Mais de dois mil hectares de terras ficaram inutilizadas para o plantio. Além do impacto ambiental e econômico, 19 pessoas morreram com o desastre e a cidade de Paracatu de Baixo foi atingida e aterrada por completo. Algumas famílias, até hoje, voltam regularmente para visitar a sua cidade natal. Da mesma forma, uma situação similar além do risco de contaminação da Bacia do Rio doce em Mariana a sub-bacia do rio Paraopeba também sofre riscos devido ao desastre de Brumadinho, o que é grave, pois ela é a maior do Brasil, isso mostra que eventos como esse podem destruir não só o
ecossistema local, mas colocar em risco contextos muito mais abrangentes. Mariana
Brumadinho
5 de novembro de 2015 Barragem do Fundão 19 mortos
25 de janeiro de 2019 Barragem do Córrego do Feijão 271 mortos
8 km da cidade 853 km do rio Doce afetados
8,69 km da cidade +300 km do rio Paraopeba afetados
(Bento Rodrigues) 620 hab. 39 municípios afetados 62 milhões m³ de rejeitos 600 famílias desabrigadas
(Brumadinho) 33.973 hab. 10 municípios afetados 12 milhões m³ de rejeitos 273 famílias desabrigadas
0123420356
22 2 20356350
7ÿ9 ÿ ÿ ÿ
525
0123420356
22 2 20356350
7ÿ9 ÿ ÿ ÿ
525
Sobre Brumadinho, sua história e desastre Brumadinho é um município de Minas Gerais, próximo a capital do estado, cerca de 60 km a leste de Belo Horizonte. A cidade se organiza por um núcleo urbano dessaturado, constituído por casas de poucos pavimentos ao redor de um trecho do rio Paraopeba e disperso em outras áreas rurais do município. Este, em grande parte, tem sua água abastecida pela represa do Rio Manso. Sua formação se dá no século XVII, como estação para as bandeiras portuguesas, próximo ao rio Paraopeba. Adiante, com o estouro da exploração de minério e ouro na região, acontece uma urbanização forçada, somada ao início de cultivo e criação de gado. Tudo isso para suprir as necessidades de uma nova população que por ali passava. Com esse novo desenvolvimento agropecuário e a permanência de uma população unida para receber um contingente grande de pessoas, uma cultura, que sobrevive até hoje, foi desenvolvida na região ao redor desse contexto. A partir da década de 1970, acontece um crescimento econômico, por conta da mineração na região, desenvolvida pela empresa Samarco. Empresa esta, que se instalou em 1977, durante a ditadura militar no Brasil. A partir de então, uma nova intensificação da urbanização acontece, sendo construídos também muitos condomínios fechados e luxuosas chácaras por uma nova população endinheirada que ali se estabelece. Nesse contexto, Brumadinho é anexado à região metropolitana de Belo Horizonte, ainda que com caráter de cidade pequena. Mais tarde, em 2006, instala-se próximo à região o museu Inhotim, criado por um empresário siderúrgico, Bernardo Paz, que foi casado com a artista plástica, Adriana Varejão.
26
Atualmente o município tem sua economia baseada essencialmente na produção agropecuária, do trabalho de mineração principalmente da empresa Vale e também, na recepção de muitos turistas visitantes do Inhotim. A lógica da cidade de Brumadinho, na verdade, é comum a muitas cidades do quadrilátero ferrífero de Minas Gerais. A maior parte delas, de uma forma ou de outra, tem a maioria de sua população trabalhando para uma empresa. O papel da Samarco, uma joint-venture entre a Vale e a empresa australiana BHP Billiton, é eminente e decisivo na lógica e na articulação de Brumadinho. Como exemplo, a cidade inteira descansa da empresa aos feriados, da mesma forma que se instala uma euforia com a retomada dos trabalhos após hiato. A região sobre um grande desastre ao 12h28min25s da sexta feira do dia 25 de janeiro de 2019, quando a parte inferior da barragem 1 da mina do córrego do Feijão se rompeu e liberou uma avalanche de rejeitos de mineração altamente poluentes no município de Brumadinho, que provocou alto grau de danos ambientais, poluindo o rio Paraopeba, o solo e, principalmente, matando uma série de pessoas, funcionários e moradores que estavam em horário de almoço, durante o desastre, ou que estavam em suas casas próxima ao leito do rio que passou os rejeitos em alta velocidade. O número de mortes foi expressivo, contabilizando a perda de 271 até a última nota oficial. O desastre, e crime ambiental, proporcionado pela empresa de mineração Vale S.A., gerou um abalo emocional de todos aqueles que permaneceram vivos e, principalmente, um abalo ambiental de todo um ecossistema.
Arquitetura pós Desastre
Estado de Minas Gerais
Região Metropolitana de Belo Horizonte
Município de Brumadinho
Região diretamente afetada pelos rejeitos
27
rejeitos
estrada de ferro para transporte de minério
hidrografia áreas alagadas
estrada ademir ribeiro neves
represa do rio manso
avenida inhotim
centro de brumadinho
estrada mg-040
lote vazio de análise projetual
estrada para alberto flores
inhotim
estrada para tijuco
bairro parque das cachoeiras
estrada para corrégo do feijão
bairro corrégo do feijão
Trecho geral de análíse do Município de Brumadinho 0
1.5
3
6
12
15 km
13 Municípios limitrofes Itatiaiuçu Igarapé S. J. Bicas Mário Campos Sarzedo Ibirité Belo Horizonte
Nova Lima Itabirito Moeda Belo Vale Bonfim Rio Manso
Área do projeto Escola técnica de ensino ligado a ecologia
Inhotim
Centro de Brumadinho Represa Rio Manso
Bairro Parque das Cachoeiras
Distância até Belo Horizonte Capital: 51 km
Mina Córrego do Feijão Bairro Córrego do Feijão
Área total: 639,434 km² 1000 m 900 m 800 m 700 m 600 m 500 m
Populção total: 39.520 hab. Densidade: 61,8 hab./km²
400 m
0 2.5
300 m 200 m 100 m 0m
Análises do território do Município de Brumadinho 30
5.0 7.5 10 km
Análise trimedimensional do setor analisado Arquitetura pós Desastre
Detalhes ampliados das zonas mais atingidas pelo desastre no Bairro Parque das Cachoeiras
Além do desastre
31
Município de Brumadinho
Recorte geral da área analisada
~ 2,8 milhões de m2 de área afetada pelos rejeitos
rejeitos
12 milhões de m3 de rejeitos
montante do Rio Paraopeba não atingido pelos rejeitos
189 construções impactadas
construções
hidrografia
construções impactadas 271 mortes
vegetação estrada alberto flores
+300km do Rio Paraopeba afetados
estrada para tijuco estrada para corrégo do feijão
mapa aproximado da área mais atingida pelos rejeitos Escala 1:30.000 0
0.5
1
2 km
34
Arquitetura pós Desastre
Imagens da esquerda para a direita:
Aberto Flores pelos rejeoitos.
1. Felipe Werneck. Fev, 2019
3.Bruno Correia/Nitro, Fev,
Encontro dos rejeitos com o Rio
2019. Ponte Ferroviaria derrubad
Paraopeba;
4. Antonio Lacerda/EPA, 2019.
2. Antonio Lacerda/EPA, 2019.
Área de rompimento da mina do
Destruição de trecho da Estrada
Córrego do Feijão.
35
AGROPECUÁRIA MINERAÇÃO
SÉC. XVII
1672
Chegada dos portugueses em
A exploração de minério estoura,
Minas Gerais e construção de
desencadeando uma urbanização
pontos de apoio às Bandeiras com
forçada para suprir as necessida-
o intuito de capturar e escravizar
des da população que ali se esta-
indígenas. Assim surgiram os
belecia atraída pela possibilidade
dois primeiros povoados euro-
de riqueza. Isso gerou, portanto,
peus na região.
OURO
MINERAÇÃO
1736
1864
1917
um aumento drástico na deman-
Descobre-se ouro na região e o
Os povoados de Aranha e Bru-
Inaugura-se a estação férrea de
da por alimentos e, por consequ-
pequeno posto de abastecimen-
mado são anexados a Piedade do
Brumadinho que dá nome ao
ência, uma crise. Em resposta a
to vira um arraial de mineração.
Paraopeba. Após o ciclo do ouro a
Município, nome derivado do
coroa cria a sesmarias, que esta-
Todavia, a agropecuária perma-
agropecuária ganha enorme rele-
povoado mais próximo chamado
belece que todos deveriam criar
nece sendo a maior parcela da
vância na região, tanto economi-
Brumado do Paraopeba; aglo-
gado por ao menos três anos an-
economia. O ciclo do ouro nao
camente quanto culturalmente.
meração urbana hoje Conceição
tes de ter o direito de exploração
dura muito e chega ao fim, ofi-
do Itaguá do atual Município de
do minério.
cialmente, em 1785.
Brumadinho.
Imagens da esquerda para a direita: 1. Lucas Rodrigues, 2016; IEPHA (Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico; 2. João Basco Sati, 1990;
36
TURISMO
1945
1956
2001
2006
2019
Ferro e Carvão, posteriormen-
Inauguração do Instituto Inho-
Rompimento da barragem do
te nomeada de Ferteco, inicia
tim, que abriga a maior coleção
Córrego do Feijão.
A Companhia de Mineração de
sua atuação na região extraindo,
Construção da Rodovia Fernão
de arte contemporânea do Brasil,
principalmente, minério de ferro.
Dias desativa o trecho Belo Ho-
pertencente ao fundador Bernar-
rizonte - Itaguá. Esse fato desen-
Vale S.A. compra a mineradora
do Paz, empresário siderurgico e
cadeia uma crise econômica nas
Ferteco e assume suas atividades.
proprietário de diversas minera-
cidades desse trecho, dentre elas
doras sendo a Itaminas a maior
Brumadinho.
entre elas.
3. Jornal do Brasil, 1977; 4. Autor desconhecido, 1959 5. Autor desconhecido, 2001; 6. Gabriel de A. Fernandes, 2012. 7. Antonio Lacerda/EPA, 2019.
37
Lira Itabirana
Carlos Drummond de Andrade [Publicado em 1984 no jornal Cometa Itabirano]
I O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosse Mais leve a carga. II Entre estatais E multinacionais, Quantos ais! III A dívida interna. A dívida externa A dívida eterna. IV Quantas toneladas exportamos De ferro? Quantas lágrimas disfarçamos Sem berro?
Indignação
Rafael Librelon [Música de 2019 feita após o desastre e adotada no quarto manifesto de indignação à Vale, pelos familiares das vítimas não encontradas]
A esperança, a dor, o amor, a flor e o rio só no coração O grito de uma mãe, um pai, um filho ou um amigo ou de um irmão Cadê a serra, a água, o peixe, a mata e a terra Só destruição O dinheiro, a lama, a máquina, o homem fera Indignação Dói demais O jeito que você foi embora Ganhando o pão pro filho que agora chora O som desapareceu E o que vale tudo isso se não está aqui Pra te tocar, te abraçar, te ver sorrir Escureceu
Rio Paraopeba Fonte: IBGE, 1958
Apenas trinta e cinco anos separam o poema da música acima transcrita. Da mesma forma, são apenas quatros anos que separam o desastre de Mariana e o de Brumadinho e para que a nova lei de segurança de barragens³ fosse sancionada, ainda que esta já estivesse pronta, quando ocorreu o primeiro desastre. Minha primeira pesquisa de Iniciação Científica, me gerou uma sensibilidade da qual jamais me desvencilhei, dentro do projeto acadêmico-científico do ContraCondutas, desenvolvido na Escola da Cidade, de maio de 2016 a janeiro de 2017, que partia de questões abertas pela fiscalização sobre trabalho análogo ao trabalho escravo em uma grande obra em Guarulhos, o Terminal 3 do Aeroporto Internacional. A comparação disto com obras como o Sarah Rio do Lelé, mostrava um potencial que a arquitetura tem, que é o de trazer dignidade e opções, desde a composição do canteiro de obras, até o uso pensado para a arquitetura.
3. Trata-se da Lei n. 12.334/10 que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens – PNSB destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais, cria o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens. (FARIAS, 2019)
41
Rio Paraopeba Fonte: IBGE, 1958
Rio Paraopeba Autor: Felipe Werneck. Fev, 2019.
Mares de Morro Fonte: IBGE, 1958
Mares de Morro Autor: Felipe Werneck. Fev, 2019.
Praça da Bandeira Fonte: IBGE, 1958
Praça da Bandeira Fonte: Acervo do autor. Outubro 2019
Rio Paraopeba Fonte: IBGE, 1958
Rio Paraopeba Fonte: Washington Alves. Fev, 2019.
Brasil: desastres naturais e crimes ambientais O Brasil, diferente do que a maioria das pessoas deve pensar, sofre com muitos desastres naturais e crimes ambientais. Embora não tenha tanta repercussão na mídia, como os tufões que assolam os Estados Unidos ou como os Tsunamis que já foram registrados, devastando o litoral da Ásia oriental, aqui também existe uma quantidade enorme de casos de grandes acidentes por causas naturais ou não, espraiados pelo país. Mesmo que pouco se comente sobre a magnitude deste problema no Brasil, sendo este assunto considerado pelo senso crítico comum, como de pouca relevância neste país, na verdade, o Relatório de Danos Materiais e Prejuízos Decorrentes de Desastres Naturais no Brasil, pelo CEPED (Centro Universitário de estudos e Pesquisas Sobre Desastres Naturais), que mapeou o território brasileiro de 1991 a 2012, afirma que “anualmente são reportadas perdas superiores a R$ 9 bilhões, o que significa que o país perde algo próximo a R$ 800 milhões, mensalmente, com desastres naturais” (CEPED, pag. 229) e como este órgão afirma “esses valores são indicadores concretos da relevância dos impactos econômicos relacionados a desastres no país” (CEPED, pag. 229). O referido relatório indica que, dentre os desastres observados, os mais frequentes são: estiagem e seca, inundação brusca e alagamento, inundação gradual, vendaval, tornado, granizo, geada, incêndio florestal, movimento de massa, erosão pluvial, erosão linear e erosão marinha.
no cotidiano das populações. Nesse período, tem aumentado não só a frequência e intensidade, mas também os impactos gerados, com danos e prejuízos cada vez mais intensos. Desta forma, o CEPED procurou contabilizar e disponibilizar todos os casos de desastres entre 1991 e 2010, viabilizando construir um panorama geral das ocorrências e recorrências de desastres no país e suas especificidades por estados e regiões. O Centro Universitário buscou, assim, o subsídio de planejamentos adequados em gestão de risco e redução de desastres, a partir da análise ampliada, abrangendo todo o território nacional. Porém, além de desastres naturais, o Brasil também sofre com um problema que vem de ações civis diretas. O país possui um histórico de desastres com barragens de minério, principalmente com rejeitos da mineração, desde a década de 1980. Itabirito, Nova Lima, Ouro Preto, Cataguases e Miraí foram cidades já afetadas com algum tipo de acidente relacionado à mineração. Mas, nenhum deles atingiu proporções tão alarmantes, quanto os de Mariana em 2014 e de Brumadinho em 2019. Considerando o número elevado de desastres que acomete o país, seu impacto econômico e principalmente humano e a magnitude do evento de Brumadinho, a relevância deste trabalho se justifica.
Mapa de registro do total dos eventos de desastres naturais no Brasil de 1991 a 2012. Fonte: CEPED, 2012
Segundo o centro de estudos, nas últimas décadas os desastres naturais têm constituído um tema cada vez mais presente 50
Arquitetura pós Desastre
Além do desastre
51
O poder da mineração Em visita à Brumadinho, em março de 2019, uma das frases mais marcantes dita pelas pessoas deste território é que todos os moradores de cada estado do Brasil tinham um nome específico, exceto quem nascia em Minas Gerais. Pessoas de São Paulo são paulistas, da Bahia são baianos, do Rio de Janeiro são cariocas, e assim por diante. Mas, as pessoas de Minas Gerais eram designadas por uma profissão, a de mineiro. A extração de minério marca a história de Minas Gerais desde sua formação, é algo naturalizado de um orgulho arraigado, ao ponto de - como dito por Marina Oliveira, estudante da UFMG - eles conseguirem olhar para as marcas de extração de minério nas suas formações rochosas e verem beleza nisso. Brumadinho, pertencente a essa realidade da exploração de minério é um dos grandes vetores nesta prática, estando contido no quadrilátero ferrífero que é o maior produtor de minério de ferro do país. Há uma série de empresas que atuam na região, para a extração de minério. Em dados coletados pelo CEMPRE (Cadastro Central de Empresas), por mais que revele que 98,3% das empresas cadastradas em Minas Gerais, na IEM (Indústria Extrativa Mineral), são classificadas como micro e pequenas empresas, que por sua vez, respondem por 37,4% do emprego total, estão concentradas nas maiores empresas as maiores remunerações e maior número de empregos. Isso demonstra que o principal poder entre as empresas de mineração está nas empresas grandes como V&M (antiga Mannesmann), AVG Mineração Ltda, Ferrosos Resource, entre outras. Mas, dentre as maiores, sem dúvida, a que possui maior poder é a Vale. Em territórios como o de Brumadinho 52
é comum escutar entre os habitantes que, para a população, os melhores salários e empregos são os da Vale.
Um dado alarmante é que mesmo com a inconsequência dos responsáveis pelo rompimento da barragem de Brumadinho, era comum ouvir entre os moradores da região durante visita ao local que a Vale era vista como uma heroína, ou mãe, devido às indenizações concedidas aos afetados pelo desastre. Isso demonstra o grande poder que a empresa possui na região, pois mesmo a população sabendo que se o desastre de Mariana fosse usado como exemplo, isso poderia ter gerado uma série de fiscalizações nas estruturas das demais barragens de rejeitos, neste caso o desastre de Brumadinho análogo em vários pontos poderia ter sido evitado. A extração de minério marca a paisagem e a população de Brumadinho, seja pelas marcas nas rochas, seja pelos trens que saem sempre lotados de minério de ferro e retornam vazios, pois os minérios extraídos não são beneficiados na região, assim como pela profissão das pessoas que estão em peso em empresas de extração de minério. Agora as marcas são devidas ao desastre, que tingiu de vermelho o Rio Paraopeba. No Brasil, já se assistiu a situação semelhante na corrida pelo Arquitetura pós Desastre
ouro na Serra Pelada - registrada, entre outros, pelas lentes do fotógrafo Sebastião Salgado. A mineração tem um forte papel na economia do país e tem acumulado uma série de desastres parecidos com o de Brumadinho. 1986 barragem de rejeito da Mina de Fernandinho, do grupo Itaminas se rompe em Itabirito, deixando 7 vítimas e despejando um volume de rejeitos de 350.000 m³. 2001 no dia 2 de outubro rompe-se uma barragem em Itabirito, na mina do Pico de São Luiz, pertencente a Mineração Brasileira Reunidas (MBR). A lama percorreu por 10 km a jusante, impactando os rios e danificando obras de infraestrutura. 2002 no distrito de São Sebastião das Águas Claras (Macacos), em Nova Lima, o rompimento da barragem operada pela mineradora Rio Verde causou a morte de cinco pessoas. O vazamento de 600.000 m³ de rejeitos causou o assoreamento de 6,4 km e contaminação das águas do córrego Taquara. 2003 a barragem da Vale, Forquilha II, rompe-se em Ouro Preto. 2007 em 29 de março, Cataguases, na Zona da mata mineira, a
barragem de um dos reservatórios da Indústria Cataguases de Papel Ltda. se rompe, liberando no córrego do Cágado e no rio Pomba, afluente do Rio Paraíba do Sul. O desastre afetou três estados, deixando 600 mil pessoas sem água. A Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM) começa então a fiscalizar as barragens em Minas Gerais. 2014 em janeiro ocorre um vazamento da barragem de São Francisco, em Miraí, pertencente a mineradora Rio Pomba Cataguases. Foram despejados 2 mil m³ de rejeitos, impactando o Ribeirão Fubá, o Córrego Bom Jardim e o Rio Muriaé, também afluente do Paraíba do Sul, inundando os municípios vizinhos. 2015 rompe-se em 10 de setembro a barragem da mineradora Herculano, em Itabirito. Três operários que realizavam a manutenção no talude de uma barragem de rejeitos desativada, morreram soterrados e cinco pessoas ficaram feridas. O desastre também resultou na contaminação do rio e da Bacia Hídrica das Velhas. 2015 em 5 de novembro rompe-se a barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana. Houve 18 mortes, danos culturais aos monumentos históricos do período colonial, ao meio ambiente, destruição da atividade pesqueira, impacto ao turismo em Bento Rodrigues e
Empregos em turismo em Brumadinho (2000-2010)
Além do desastre
53
Paracatu de Baixo. 2019 em 25 de janeiro rompe-se a barragem de rejeitos do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Houve o maior número de mortes registradas nesse tipo de desastre, 271, contaminação do Rio Paraopeba, com impacto ambiental e ao turismo local.
Ainda que a mineração seja um vetor forte e representante expressivo do PIB do Brasil com 1,31% de participação pelo último censo, o impacto humano e social que tem ocorrido não pode ser desconsiderado. A economia através do minério é tão forte, que mesmo após o desastre de Brumadinho ela continua gerando dinheiro, segundo vários moradores e profissionais de busca e salvamento, como os bombeiros. Em conversas em Brumadinho, dizem que os rejeitos neste caso, depois de ter a busca de corpos finalizada, têm seu volume vendido e exportado, pois é rico em minérios como o de ferro, que dão a coloração negra e brilhante da lama, o que o faz ser um material valioso, mesmo em um contexto tão delicado de catástrofe. Nesse sentido em que é possível ver a economia sendo fortemente impulsionada por grandes empresas de extração de minério como a Vale, mesmo com impacto humano e ambiental, é inevitável o paralelo com a obra-prima de Émile Zola, “Germinal”, de 1885. Neste romance, que marcou a literatura naturalista francesa do século XIX, Zola pincela a precária situação das minas de carvão na virada do século, bem como a frágil estabilidade social e exploração do trabalhador, que marcam o período de avassalador crescimento industrial e, simultaneamente, da desigualdade e descontentamento. No livro, a mina de Le Voreux é descrita como um ser onipresente que, dia após dia, engole trabalhadores pela manhã e, pela tarde, os cospe de volta ao mundo, exauridos. No Brasil além dos desastres, devido à barragem de rejeitos, 54
como os listados, já se assistiu à situação semelhante a Le Voreux na corrida pelo ouro na Serra Pelada no Pará - registrada, entre outros, por Sebastião Salgado. O impacto humano e social - mesmo evidente, como denunciado no caso de Serra Pelada, pelas condições precárias de trabalho ou nos últimos desastres envolvendo barragem - eram mantidos, pois habitavam em comum o sentimento de um dia “se ter mais dinheiro ou poder que o opressor e a partir deste momento deixar de ser oprimido”, como explicado na exposição Gold: Mina de Ouro Serra Pelada em 2019 do SESC Paulista, ao expor as fotografias de Salgado desta mina, sendo uma delas com dois personagens anônimos em confronto com um garimpeiro e um policial militar. A imagem é um símbolo de quebra entre este sistema que estabelece a manutenção da opressão e de oprimidos, a qualquer custo. O problema da mineração não está no quanto ela converte como receita para o país, mas sim como o território e sua população são afetados.
“[...] o território é um agente de transformação e não um mero suporte de recursos e atividades econômicas, já que as empresas e os demais atores do território interagem entre si, organizando-se para desenvolver a economia e a sociedade. [...]. O território pode ser entendido como uma rede de interesses de uma comunidade territorial.”...(VAZQUEZ-BARQUEIRO, 1999, p.29) Vazquez-Barquero traz uma chave que poderia ser implementada, se o território pode ser entendido como uma rede de interesses de uma comunidade territorial, esta deve ser ouvida e protegida. A economia do minério pode e deve continuar, mas os impactos cada vez maiores decorrentes da extração desenfreada, que não preza pela segurança, esta sim deve parar.
Dois personagens anônimos Autor: Sebastião Salgado Pará, 1980
Arquitetura pós Desastre
02
VIVÊNCIAS DETERMINATES
Diário de viagem 01 NOTA GERAL
Esta viagem foi essencial para a formulação final deste Trabalho de Conclusão de Curso, ela deu o tom necessário e dados pertinentes na maior parte das vezes vetados nas fontes de pesquisa normal da internet, telefonemas em prefeituras, emails a universidades de Minas Gerais que em maioria nunca foram respondidos. Houve muita censura e dificuldade no acesso de informação, vários dados se encontravam indisponíveis e dados gerais eram discrepantes em fontes diferentes de acesso.
M
Com isso a viagem a Brumadinho para ter acesso às pessoas que vivem neste espaço e viviam as consequências deste desastre se mostrou essencial. Em respeito a todos entrevistados que temem ter seus relatos divulgados a Vale, os nomes deles foram alterados de modo a garantir seu direito de anonimato e segurança geral.
Trecho geral de análíse do Município de Brumadinho 0
58
1.5
3
6
12
15 km
E O
P
L D A
G F
1 H C I B
59
rejeitos
estrada de ferro para transporte de minério
hidrografia áreas alagadas
estrada ademir ribeiro neves
represa do rio manso
avenida inhotim
centro de brumadinho
estrada mg-040
lote vazio de análise projetual
estrada para alberto flores
inhotim
estrada para tijuco
bairro parque das cachoeiras
estrada para corrégo do feijão
bairro corrégo do feijão
pontos visitados
M
K
E O
L
P D
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Trecho geral de análíse do Município de Brumadinho 0
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23 de maio de 2019 Saída de São Paulo para Brumadinho
INTENÇÕES DA VISITA
A viagem era essencial, e foi marcada em uma data pertinente. Do dia 23 ao dia 27 de maio. Oito horas de viagem separavam o centro de São Paulo do município de Brumadinho. A viagem não foi feita sozinha, havia um medo latente do que se poderia encontrar no local, com isso eu Mably Rocha, Dany Cohen e Rafaella Ferreira, juntamos força e dividimos custos para viabilizar a viagem.
logo na entrada, o que não havia acontecido quando visitado anos antes o local. Renato começou a nos explicar “Tudo é dinheiro da Vale, oceis sabem né Negamos com a cabeça. “Aqui dinheiro vale muito e o pessoal daqui não tá acostumado a ter. É bom ocêis terem vindo de carro porque uber e táxi não existe mais aqui não. Há muitas indenizações distribuídas pela Vale, uma delas é só pro mor d’ocê morar aqui, todo mundo vai
Havia tomado contato com fundações e organizações, entre elas estava a OPA (Observatório Popular por Atingidos) e Amigos de Brumadinho que estariam no local durante o quarto Ato de repúdio a Vale. Completavam no dia 25 de maio quatro meses do desastre e para a mesma data se noticiava a possibilidade de um novo rompimento na barragem de Cascais, não muito longe de Brumadinho. Tínhamos como principal objetivo vivenciar Brumadinho, e poder ver e ouvir o que os jornais não poderiam expressar. Viajamos sem trânsito, mas chegando em Brumadinho encontramos um intenso congestionamento em seu acesso principal, uma série de carros andavam lentamente e dificultavam o trânsito, eram quase seis da tarde e já escurecia. Chegamos a casa que havíamos alugado um quarto pela internet já com o céu quase totalmente escuro, o dono da casa nos recebeu com um sorriso perguntando se havíamos feito uma boa viagem, confirmamos que sim, mas que pegamos um trânsito intenso 62
ganhar mil reais por mês por dois anos, mesmo não estando perto da lama. O pessoal de fora acha que esse Município é pequeno, mas num é não, é muita terra e muita gente aqui.”
De fato era um município enorme e a população chegava a quarenta mil, ficava dentro do quadrilátero ferrífero e estava a menos de 40 km da capital do estado. Renato continuava a explicação; “Pois então, os cinco primeiros meses a Vale pagou de uma vez o pessoal, então o povo aqui pegou na mão 5 mil de uma vez, e isso é dinheiro, ô se é. E como disse o pessoal aqui não tem muita ambição, não entendem que esse dinheiro vai acabar e acabaram saindo quase tudo do trabalho, hoje em dia é dificil encontrar alguem aqui para trabalhar. Bem… mas como tava proseando sobre os carros, então… ainda tem outras indenizações das mais variadas, as pessoas que perderam casa, parente, comércio, e não foram poucas. Quem perdeu casa por exemplo ganhou 100 mil
Arquitetura pós Desastre
reais independente do valor real da casa, e isso é dinheiro aqui.
obras de Inhotim. O Dono de Inhotim quer mesmo que aquilo
Como o pessoal não tem muita ambição e gasta como se não hou-
tudo vire uma ilha, aí essas pessoas que pagariam por isso teriam
vesse amanhã muita gente aqui de Brumadinho foi comprar carro
menos contato ainda com Brumadinho. Inhotim trouxe muita
novinho. Só que aqui é cidade pequena né, e olha que ôceis estão
coisa boa pra cá, turismo e tals, mas o problema é que esse pessoal
no centro. Aqui só tem uma entrada principal da cidade e muita
vem se hospedar perto de Inhotim, vivência o que quer lá dentro e
gente tem que ir para BH resolver coisa, estudar e tals, e o pessoal
só vão para Brumadinho mesmo para comer e dormir, não explo-
que não tá trabalhando ou nao tem nada para fazer, acaba saindo
ram tudo que nós temos, e te garanto, é muita coisa, que até gente
de carro para andar todo o território sem ter que pegar busão.”
de estado bom como São Paulo iria gostar de ver”
Ouvíamos tudo aquilo em silêncio, não sabíamos de nada daquilo, e todos esses dados que ele comentava seria reforçado mais de uma vez por pessoas diferentes em Brumadinho. Renato continuava:
Sorrimos concordando com a cabeça e perguntamos como faríamos para visitar o terreno do dono de Inhotim no dia seguinte. “Ahhh é, isso é fácil, muita gente entra nele, eu inclusive. é um
“Então ôceis vão ficar esses dias tudo em Inhotim?”
lugar bom para passear com cachorro, a melzinha ama. Basta atravessar a grama, terá um rio ralinho no caminho, chama Rio
Negamos com a cabeça, esta seria a primeira de muitas vezes que ouviríamos isso. Expliquei que estávamos ali para o ato de repúdio a Vale, para conhecer o Município e porque precisávamos conhecer o terreno vazio localizado a frente, e queria saber se ele conhecia o dono de tudo aquilo. Renato me olhava incrédulo. “Ôceis viajaram tudo isso para fazer essas coisas, estado rico tem cada ideia né”
Me disse em tom de brincadeira com um sorriso nos lábios. “bem… esse terreno aí na frente é do dono de Inhotim, o cara é rico né. A ideia é criar um paraíso artificial aí. Para quem for visitar Inhotim e tiver mais dinheiro para gastar e possa pagar
Manso, cruzando ele ôceis já vão estar no terreno”
Agradecemos toda a ajuda, guardamos nossas coisas e saímos.
REUNIÃO COM O OPA E AMIGOS DE BRUMADINHO
As 19:30 do mesmo dia havíamos combinado de nos encontrar com a OPA (Observatório Popular por Atingidos) e Amigos de Brumadinho em uma casa perto a rodoviária de Brumadinho. Nos sentamos junto com outros paulistas universitários que já estavam lá, todos que tinham nos conhecido semanas antes em São Paulo. Todos reunidos, para tentar oferecer alguma ajuda para Brumadinho, e a principal era dar visibilidade a tudo aquilo.
por uma experiência completa. O terreno já está divido em lotes gerais, que vão abrigar casas meio que pousadas imersas em um paisagismo igual o de Burle Marx em Inhotim, aí você vai poder dormir nesse paraíso com casa e natureza lindas de morrer, acor-
Discutimos planos de ação e o que cada um pretendia com aquela visita e como acreditavam que podiam somar para aquela população.
dar e estar em menos de quinze minutos no meio das galerias e
Vivências determinates
63
24 de maio de 2019 primeiro dia explorando o território de Brumadinho BRUMA DENSA
Saímos de manhã, às oito horas em ponto, com o objetivo de conhecer primeiro o terreno a frente, mas isso seria impossível naquele horário, a colina que ficava a frente da casa tinha desaparecido por completo, pois a bruma cobria tudo com um branco pálido, mal era possível enxergar coisas a um metro de distância. A bruma era densa, úmida e fria, Brumadinho era quase eufemismo para tudo aquilo.
A PONTE
Mudamos os planos e fomos conhecer primeiro o território, andar sem rumo de carro para entender como ele se configurava. Um dos primeiros pontos que havíamos avistado no dia anterior era a ponte de Brumadinho, o Rio Paraopeba cruzava todo o território, mas aquela ponte era a principal da cidade que reunia o maior contingente de carros e pessoas passando. Paramos o carro e para cruzá-la e ver de perto sua estrutura. O Rio Paraopeba passava sob a ponte largo, amplo com mata ciliar densa. A água corria lentamente em um tom uniforme de marrom intenso, sabia que aquilo era devido aos sedimentos dos rejeitos. No guarda corpo da ponte trançado de metal várias fitas brancas estavam amarradas, todas tinham escritos que a chuva fez com que a tinta da caneta que gravou 64
frases sobre ela se espraia-se pelo tecido, dilatando as letras e deixando seus contornos menos nítidos. Segurei algumas fitas que balançavam com o vento para ler o que estava escrito nelas, eram mensagens, principalmente direcionadas às vítimas que tiveram seus corpos levados pelos rejeitos e rio. Fazia sentindo aquelas mensagens ali. Li mensagens como: “Deus te acompanhe vovô Aroldo” “Queria que voltasse” “Que sua alma encontre a paz meu filho” “Jamais te esqueceremos” As fitas colecionavam frases curtas muitas direcionadas às vítimas e outras a Vale: “Vale assassina” “A Vale roubou nossas joias” “A Vale nos trouxe dor” Muitas mensagens já eram difíceis de ler, a chuva e umidade diária da cidade deixava o pigmento fraco dos escritos, segurei algumas fitas que não consegui ler, e fiquei contemplando o Rio Paraopeba, só conseguia pensar e desejar que aquela história não se apagasse ou silenciasse como de Mariana.
Ponte com mensagens em fitas no centro de Brumadinho. Brumadinho, Mai. 2019. Acervo do autor. Ponto de localização da imagem no mapa A
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O CENTRO DE BRUMADINHO
“São sim, pessoal daqui é porreta, e construção paga bem, e agora estão construindo muito e seria burrice o pessoal daqui não pegar
Pegamos o carro. Procurávamos um lugar para tomar café da manhã, no caminho vimos a construção de casas que estavam quase prontas feitas em sistema misto de pré-fabricado na estrutura e lajes e alvenaria nas vedações. No caminho pude ver placas com promoções de cimento e mais de uma indústria de pré-fabricado. Uma conclusão era possível ser feita, esta é a tecnologia de construção de Brumadinho; alvenaria e pré-fabricado. E mesmo sendo uma região com grande área de mata onde podia extrair madeira, não encontrei nenhuma construção de madeira exceto um restaurante de estrada. E mesmo tendo uma extração intensa de ferro e outros minérios não havia construções metálicas. Fazia sentido, o minério era extraído massivamente, mas não era beneficiado no local nem no estado, era vendido como matéria prima bruta em commodities. Essa não era a tecnologia da região. Encontramos finalemnte uma padaria pequena, uma senhora simpática nos recebeu, perguntei sobre as casas que estavam sendo construídas perto dela. Ela respondeu com carinho: “São novas, muitos estão construindo casas rapidamente pela região. Dinheiro da Vale. O pessoal reforma a casa destruída ou poe pra baixo ou constrói algo novo. Outros não quiseram ficar perto da desgraça da lama e resolveram ir para outras partes, quase
estes trabalhos.” Ela fez uma pausa e continuou “A desgraça trouxe muita dor… muita mesmo, mas a Vale sempre nos ajudou, ela é um pai e não iria abandonar o povo daqui agora”
Essa era a primeira de algumas vezes que ouviria isso, era algo difícil de escutar, difícil mesmo. O desastre havia acontecido por imprudência da empresa, existiam laudos mostrando que tudo aquilo poderia ser evitado, houve o desastre de Mariana apenas quatro anos antes que poderia ter motivado fiscalizações preventivas em todas mineradoras, mas era mais barato correr o risco do desastre do que consertar tudo aquilo e prevenir as morte. As indenizações as vítimas eram muito menos dinheiro do que o valor daquelas vidas perdidas. Não consegui falar tudo isso, a senhora me olhava com um sorriso selado nos lábios, ela realmente acreditava que a Vale era uma coisa boa, peguei meu pão e fui comer em silêncio na mesa.
OBRAS
Pegamos a BR e saímos do centro de Brumadinho, precisávamos conhecer mais do território, no caminho era possível ver tratores a todo momento, era difícil entender o que era relacionado ao desastre e o que eram apenas obras de outro segmentos.
todos aqui pelo município mesmo. Quem é da terra mesmo, não consegue sair dela. Ai tão construindo essas casas tudo, casa boa e bonita, e tá tudo ficando pronto bem rápido.”
De fato era rápido, o desastre havia ocorrido fazia quatro meses e era possível encontrar casas novas quase que totalmente acabadas. Sem dúvida eles eram muito bons e eficientes no sistema construtivo deles. Perguntei se quem fazia eram pessoas da região ao que ela me respondeu: 66
Paramos em uma dilatação da estrada para ver a vista da cidade, a BR subia a topografia do local e estávamos em uma cota bem mais alta, era possível ver os mares de morro dali e as casas já pequenas do centro de Brumadinho. Nada indicava a mancha do desastre ali, na reunião do dia anterior, nos avisaram que Brumadinho era muito maior do que se imaginava e noticiavam, o desastre tinha ferido uma pequena parte do tecido em comparação ao todo, pois era muita coisa Arquitetura pós Desastre
o município. Seguimos viagem em uma parte mais alargada anterior a uma ponte sobre um rio ou córrego que o GPS não indicava, e lá havia uma placa com os escritos: Ponte sobre Ribeirão ferro Carvão Capacidade 45t Paramos o carro em uma área dilatada de terra que servia como local de manobra e estacionamento de algumas máquinas de obra. Olhamos o rio e a ponte novamente, de fato eles não existiam no mapa. Logo embaixo da ponte havia funcionários vestidos de branco fazendo muros de arrimo de pedra e outras estruturas de metal que era difícil entender o objetivo construtivo. Ao fundo tratores revolviam a terra com a supervisão de bombeiros uniformizados de vermelho. Nos direcionamos para a entrada da ponte, havia alguns funcionários de controle de tráfego, controlando o acesso de veículos e carros comuns pela ponte e pela área da obra. Perguntei se podíamos conversar com as pessoas de branco, queríamos saber o que era aquela obra, o senhor com fones de ouvido e roupa cintilante sem nos olhar disse que não poderíamos falar com eles, pois aqueles eram funcionários da Vale e por isso não nos cederiam nenhuma informação. Perguntei se podíamos entrar, ele disse que não: “Aqui é área de obras, não é lugar para turistas. Inhotim tá para lá”, disse indicando o caminho contrário ao nosso. Continuei, abri o GPS e mostrei que nada indicava a existência daquele rio. “Esse córrego não existia menina” disse enquanto manobrava algumas máquinas e indicavam caminhos para caminhões pesados estacionarem. “A ponte também não existia?” perguntei, continuando a conversa. Ele respondia de um jeito impaciente:
Vivências determinates
“também não menina, a ponte é obra da Vale, para que os carros possam continuar transitando aqui, a ponte tá pronta mas eles continuam fazendo outra obra embaixo, que eu não sei o que é, e eles não falam o que é, antes que você pergunte”.
Continuei do lado dele olhando para o rio tentando entender, vendo minha curiosidade ele continuou: “Isso é por causa do caminho dos rejeitos, eles andaram em uma velocidade muito rápida e com uma força suficiente para criar caminhos próprios, olha lá no fundo, (apontou para os tratores que revolviam várias montanhas de terra escura, quase preta). Aquilo é rejeito, ainda é preto por causa do ferro e essas são todas as informações que tenho, pois só to aqui para controlar o trânsito, sou de BH e não de Brumadinho”
Olhei para o fundo e vi vários bombeiros conversando, perguntei se podia falar com eles. “Você é jornalista? Se for não pode”. Neguei, ele chamou um dos bombeiros, que me perguntou o que queria. Expliquei que queria saber o que era aquela obra, pois era estudante de arquitetura. “Isso é com o Sargento Silva, ele que pode decidir se pode
passar essas informações para você ou não, ele tá lá no fundo, você pode ir falar com ele, mas toma cuidado com as máquinas e não passa por debaixo de nenhuma das garras dos tratores estacionados, pois isso é muito perigoso” Respeitei suas orientações e fui ao fundo, o Sargento estava controlando toda a operação, me apresentei e expliquei o que desejava saber, ele foi generoso em oferecer informações desde que prometesse não expor seu nome real para ninguém, nem filmar ou gravar a conversa, pois aquilo era seu trabalho, concordei. Ele começou a explicar:
67
“Perto da ponte é obra da Vale, assim como a própria ponte, nin-
lama é então peneirada e lavada para ver se é encontrado algum
Página anterior: panoramica da
guém sabe nada daquilo, nem os bombeiros, o que estamos cuidan-
indício de fragmento humano, o que é encontrado é reservado e
obra. Brumadinho, Mai. 2019.
do é esta parte”
levado para os legistas, o restante é colocado naquela outra pilha
Acervo do autor
a direita, a máquina faz isso até encontrar o extrato de solo cem por cento vermelho, que é a coloração natural da terra aqui, tudo que tem outras cores e não apresentam compactação natural do solo são parte do rejeito. Depois de todo esse processo da busca os funcionários da Vale podem pegar a rejeitos para eles”. Obra da Vale próximo a ponte
Todos franzimos o rosto, perguntei para que a Vale pegava novamente os rejeitos e ele continuou explicando:
Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor
“Ah, vocês não sabem, não são daqui, também não sou, sou de Brasília, muito do que todos sabem aqui não se notícia e a maior parte do que sei sobre o desastre é por trabalhar e liderar esta equipe de buscas. Bem… esses rejeitos tem várias características, uma delas é estar contaminado, não podem ficar nesse solo, pois isso preju-
Apontou para a montanha de lama negra ao fundo e continuou:
dicaria ainda mais o solo e ecossistema da região, mas o rejeito não é simplesmente retirado e dado um destino pelos funcionários da
“Aqui ainda estamos buscando corpos, é um trabalho difícil, pois
Vale. Tá vendo a coloração negro intensa e o brilho dos rejeitos? Isso
com quatro meses do desastre não vai existir mais corpos inteiros,
é devido ao minério de ferro, ouro e outros contido nele, isso tudo
a não ser que estejam saponificados que é quando o corpo não apo-
vale muito dinheiro. Todo volume de rejeito que tem as buscas por
drece devido a reações que preservam o corpo como uma múmia.
corpos finalizado é passado para o controle integral da Vale, esse
Foi encontrado um corpo assim, que pode ser reconhecido pela fi-
rejeito é tratado e vendido a preços altos, é de fato muito minério
sionomia apenas, sem a necessidade de DNA, mas o mais comum
valioso que contém nisso tudo. Acredite, a Vale não está perdendo
agora é encontrar ossadas, muitas vezes quebradas, isso é difícil,
tanto dinheiro quanto se notícia. Tá vendo essa ponte, máquinas
pois como são fragmentos é difícil saber se eram de uma pessoa,
e bombeiros? Tudo é a Vale que está pagando, e se precisamos de
por isso trabalhamos juntamente com legistas. Ontem, por exemplo
mais máquinas, não importa qual eles nos dão. Muitas pessoas da
encontramos algumas ossadas, mas os testes mostraram que era de
população de Brumadinho acham que por isso a Vale é um santo,
um gambá. Está vendo aqueles tratores e tanque?”
pois de fato nunca negou ajuda. Mas, convenhamos, todos já sabem que tudo isso que aconteceu é culpa deles, e segundo as noticias
Disse apontando para as máquinas que trabalhavam ininterruptamente;
podia ter sido evitado, eu acredito e espero que vocês também, que
“Elas são as principais responsáveis pela busca, cada pá de lama re-
Ficamos quase sem ar ao saber de tudo aquilo, perguntamos como era possível visitar as áreas do desastre. Silva continuou
colhida pela máquina é colocado naquele grande reservatório, essa
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isso tudo é o mínimo que eles podem fazer.”
Arquitetura pós Desastre
nos explicando: “Olha, isso é complicado, o Município é enorme, muitas áreas estão fechadas devido ao perigo que elas possuem, o solo nem sempre está firme o suficiente, e é possível se machucar feio, outras estão com o acesso vetado, pois como aqui ainda estão procurando corpos e outras partes estão vetadas, pois não pega bem ter imagens sendo registradas das áreas que é possível ver o tamanho da proporção do desastre. Vocês são jovens e entendo a obstinação, mas peço que tomem cuidado, a Vale tem um poder absurdo aqui e é praticamente tudo que Brumadinho tem, além de Inhotim. Continuando nessa estrada, vocês vão para outros bairros do Município de
Brumadinho, o desastre aconteceu no Córrego do Feijão como devem saber, dificilmente vão chegar perto lá, mas há bairros mais próximos do epicentro do desastre que vocês podem olhar algo, talvez, e se não conseguirem não fiquem frustrados, a vida é muito valiosa.” Os cabelos brancos do sargento demonstravam conhecimento no que dizia, ele lidava com vida e morte todos os dias de sua carreira, prometemos tomar cuidado.
Maquinas revolvendo os rejeitos. Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor. Ponto de localização das três imagem no mapa B
Vivências determinates
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PARQUE DAS CACHOEIRAS - PRIMEIRO CONTATO COM O DESASTRE
Pegamos outras estradas, passamos por bairros como o Aranha, todos cheios de fazendas com plantações e criação de gado. Agricultura era algo comum na região, quase tudo encontrado nos mercados grandes de Brumadinho, como o Luna era produzido no próprio território. Continuamos e chegamos em um bairro com todas as ruas de terra, era o Parque das Cachoeiras um dos principais atingidos pelos rejeitos. No caminho haviam cartazes que indicavam para a população tomar cuidado com sintomas como depressão, sentimento de solidão e outros, e que em todo posto haviam psicólogos para pronto atendimento. Existia um grande risco de suicídio entre os sobreviventes devido ao trauma do desastre. Andamos muito sem encontrar os rejeitos, após entrar em uma rua estreita que descia bem inclinada descobrimos um dos primeiros locais que os destroços passaram com força. Eram três casas, todas com telhados completamente destruídos e paredes rachadas, em uma delas era possível ler:
“Por culpa da Vale agora é só lembrança”
As casas estavam abandonadas, uma placa dizia para não entrar no terreno, pois havia perigo. Entramos, tudo estava coberto de vegetação bem verde, ao longe era possível ver um córrego passado, escalamos os destroços de geladeiras e fogões deformados pelo peso da parede que o cobriam parcialmente. A geladeira semi aberta mostrava o conteúdo de seu interior, alimentos ainda se decompondo existiam ali, junto com potes e garrafas quebradas. Roupas e chinelos estavam espalhados pelo piso, continuamos andando pelos terrenos olhando as casas por dentro e fora sem nos aproximar muito, a estrutura 72
dela estava danificada e fragmentos maiores da sua construção poderia se desprender completamente, não era seguro entrar ali. Andávamos com dificuldade, a lama afundava com o peso dos nossos corpos e a vegetação que cobria tudo se enroscava nos nossos pés. Olhamos o melhor possível e saímos.
PRIMEIRO BAR
Subimos com dificuldade a ladeira e paramos em um bar, estávamos abalados e precisamos nos hidratar devido ao calor intenso. Entramos, pegamos uma bebida e ficamos perto da entrada. Era uma da tarde e o bar estava cheio, com pessoas sorridentes que nos olhavam seriamente, sabiam que não éramos de lá. Paola, mulher trans de cabelo cacheado e volumoso sentada com as pernas cruzadas nos olha com ar inquisitivo e nos pergunta se eramos da Vale, negamos. “Ah bom, não aguento mais ver gente da Vale aqui.” Antônio que estava com o filho no colo e o cachorrinho nos pés pergunta se nos perdemos de Inhotim, negamos, e explicamos o porquê de estávamos lá. Ele começa a conversar conosco: “É bom ter gente querendo ajudar viu… nos dois primeiros meses do desastre tinha gente do mundo inteiro aqui querendo prestar so-
Casa no Parque das Cachoeiras.
corro, e agora cadê todo esse povo? Nos abandonaram aqui achan-
Brumadinho, 2019.
do que o dinheiro que a Vale está distribuído vai resolver tudo, não
Acervo do autor
vai, tem coisa que não tem como votar mais. Todo mundo que ta aqui pescava pelo menos no final de semana, e agora? Que peixe
Ponto de localização da
que dá para pescar nesse rio de lama? e quer saber de uma coisa,
imagem no mapa
sabe porque aqui chama Parque das Cachoeiras? Pois então, aqui tinha uma cachoeira linda tem foto até de avô da gente tomando
C
Arquitetura pós Desastre
banho nela, era a coisa mais linda, que deu o nome desse lugar.
uma casa do zero e beber sem dever nada para ninguém, mas por
E sabe o que essa lama toda fez? Destruiu, nada dessa cachoeira
enquanto tô ficando, deixando minha cabeça se acostumar com o
sobrou, nada mesmo, só a lembrança e foto. Hoje o dia tá quente,
que aconteceu.”
podíamos ir lá para nos refrescar, mas não podemos, pois ela não existe mais.”
Perguntei se eles pretendiam sair de lá, Carlos nos responde: “Somos dessa terra, esse lugar faz parte da nossa personalidade, muitos já se mudaram do bairro, mas continuam em algum canto de Brumadinho, esse município é grande por demais da conta. Todo mundo perdeu alguém aqui sabe, as vezes não família direto, mas amigo, pessoa que gostava, que as vezes namorava e podia até casar um dia. A Paola, por exemplo perdeu o pai, era o último ano de trabalho dele na Vale, ele iria parar de trabalhar e se aposentar,
Todos ali abriram seus corações. Antes de viajar perguntamos para os membros da OPA se deveríamos levar algo para população de Brumadinho, roupa, alimento ou qualquer coisa que pudesse oferecer ajuda ao que eles mais precisavam no momento. Eles negaram, nos explicando que eles não precisavam de nada de material básico, a onda de ressarcimento às vítimas feita pela Vale havia suprido essa coisas mais imediatistas. Mas, eles precisavam conversar, uma casa nova ou carro novo não resolvia a dor que eles carregavam de ver parte do seu território devastado e pessoas mortas. Constatamos rapidamente que isso era verdade.
mas ai bum veio a lama e o sonho da vida inteira dele foi enterrado junto com o corpo. ONG NAAÇÃO
Antonio interrompe com tom irônico: “Ah mas Paola tá bem recebeu o dinheirinho da Vale já e tá aqui porque quer.”
Paola responde com um tom maior de ironia: “Arri, mas todo mundo tá aqui porque quer, ou tem alguém aqui sendo obrigado? Eu hem.”
Todos riem. Depois de uma pausa ela continua: “Olha eu moro na casa do meu pai agora, pois a minha que ficava embaixo perto do rio foi destruída pela lama, é difícil ver as coisas dele e a memória dele, junto com a memória da lama, era para estar em casa almoçando no dia e horário do desastre, e hoje estaria enterrada junto com ele, talvez com meu corpo sem achar igual
Nos indicaram que o melhor lugar para obter mais informações sobre o desastre, áreas de impacto e mapas eram nas ONGs da região, pois elas trabalhavam com isso, e entre elas uma das maiores era a NaAção. Nos perdíamos muito pelo território, as ONGs não apareciam no mapa, pois a maioria haviam sido instaladas no local após o desastre. Encontramos um homem em uma das ruas e perguntamos onde ficavam as ONGs. “Qual ONG? Aqui o que mais tem depois dessa lama toda é ONG!”
Falamos da que nós procurávamos e ele indicou o caminho e finalmente chegamos. Yuri nos atendeu com um sorriso largo, ele era um dos voluntários que trabalhavam ali, nenhum era morador de Brumadinho, todos foram para lá oferecer alguma ajuda.
o de muita gente. Tenho dinheiro suficiente agora para construir
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Arquitetura pós Desastre
Sob a sombra da varanda crianças brincavam de desenhar junto com outros monitores, Yuri nos direcionou para outra área de sombra onde podíamos nos sentar, dissemos que estávamos ali para buscar mais informações e ele concordou em nos ceder o máximo que pudesse. Yuri nos explicava que a ONG estava ali para oferecer apoio às vítimas e as crianças. Ele começou a falar:
oferecemos várias atividades, buscamos as crianças nas casas delas e os brinquedos são selecionados pelas psicólogas para gerar sentimentos bos, vontade de desenvolver a criatividade e senso crítico.”
Comentei que haviam nos comentado que nos dois primeiros meses muitas pessoas visitavam Brumadinho e que agora muitos se sentem esquecidos. Yuri continuou explicando: “Ah, sim isso os psicólogos chamam dos três lutos; perda, abandono
“O Parque das Cachoeiras é como muitos outros bairros do
e impotência.
Município de Brumadinho uma área de vulnerabilidade social. Aqui especialmente foi uma das regiões mais afetadas, pois foi o
O primeiro foi logo depois do desastre; a perda. Sentimento de per-
bairro que acumulou o maior número de mortos entre os bairros,
der muito do que eles conheciam e amavam, do território, rio que
pois havia muitas pessoas que viviam perto do curso do rio que
pescavam, pessoas que tiveram suas vidas levadas pela lama e que
foram atingidos com força pelos rejeitos. Também é uma das áre-
algumas ainda não tiveram seus corpos encontrados.
as que sofre o maior risco de mortes por suicídio após o desastre, inclusive entre as crianças. Esta ONG tem por objetivo oferecer
Isso foi de alguma forma por um curto tempo preenchido pelos res-
assistência psicológica e atividades para as crianças que carecem
sarcimentos destinados às vítimas do desastre, pela visita e ajuda
de coisas para fazer aqui.
cedida pelo mundo inteiro durante dois meses intensos. Eles que se sentiam atingidos e sensíveis, se sentiram acolhidos. Mas, essas
O Parque das Cachoeiras tinha apenas três atrações para elas, que
pessoas e ações de ajuda à população foram embora e eles entraram
era o córrego, onde elas nadavam e pescava... Sei que deve ser estra-
o segundo luto; o abandono.
nho para vocês, mas as crianças de Brumadinho amam pescar, mas com a onda dos rejeitos as pescas se tornaram impossível.
Se sentiram sozinhos, abandonados por todos que prometeram ajudar, sozinhos com os problemas não resolvidos. Começaram a
Também havia uma cachoeira linda em meio a floresta, que dá o
gastar o dinheiro dos ressarcimentos da Vale, no que acreditavam
nome deste bairro, e isso foi completamente engolido pela lama. E
melhorar seus sentimentos: celulares, carros, uma casa nova ou a
por último havia uma quadra de futebol aqui, ela foi fechada logo
reforma da atual, mas isso não trouxe alívio a dor que eles sentiam
no primeiro dia do desastre para funcionar como um uma área de
desde o começo. Com isso eles entraram no terceiro luto que persiste
manobra e estoque para o auxílio do resgate, como área de estacio-
agora que é o de impotência.
namento de máquinas e estoque de equipamentos, após encerrarem as buscas.
Que é aquela sensação de se perguntar “mas e agora, o que eu faço?” com isso várias pessoas começaram a ficar extremamente
É uma pena que lugar de esvaziarem a quadra e liberarem ela no-
deprimidas.
vamente para a população eles a fecharam e até hoje está inacessível, com isso as crianças sofrem um grande tédio aqui, por isso
Vivências determinates
Aqui os psicólogos dividem as pessoas em três categorias gerais,
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sejam elas crianças ou adultos. Que são; verde, amarelo e verme-
anos, o que costumava ser o salário de muitas pessoas aqui.
lho. Verde são aquelas que estão mais estáveis e recebem apenas um acompanhamento psicológico por semana. Amarelo são as que
Tem 100 mil reais que é a indenização mais rápida dada às vítimas
estão mais deprimidas e recebem de dois a três atendimentos por semana. E por último as de cor vermelha, pessoas com alto risco
45 mil para perda parcial da casa, 150 mil para total, independen-
de tentativa de suicídio que podem ter atendimento todos os dias a
te de qual era o valor da sua casa, lembrando que aqui com 100
qualquer horário, inclusive por telefone quando não há psicólogos
mil reais você pode comprar um hectare dependendo do bairro de
disponíveis.”
Brumadinho.
No crachá que o Yuri carregava no peito além de seu nome e o logo da ONG vinha a palavra Dream Maker. Li em voz alta essa palavra contraindo os olhos para tentar entender o que ela significava naquele contexto, percebendo minha curiosidade evidente ele começou a explicar;
Se seu comércio foi afetado, você ganha 5 mil reais Se você perdeu um familiar você pode ganhar 350 mil, dois já seriam 700 mil. Quem está até um quilômetro de distância dos rios que passou o
“Este é um cargo comum aqui. Dream Maker tem por objetivo en-
rejeito recebe um salário mínimo se for adulto, meio salário míni-
sinar as pessoas a sonhar, e acredite, diferente de pessoas de cidade
mo se tiver de 12 à 17 anos e menor de 12 anos recebe um quarto de
grande como nós eles não sabem fazer isso. Temos uma facilidade
salário mínimo, mesmo que seja recém nascido. Com isso famílias
incrível de acreditar, por exemplo, que um dia seja por trabalho
que recebiam no máximo dois salários mínimos recebem hoje pelo
ou sorte podemos ficar ricos, para eles não, isso é quase uma ideia
menos 9 mil reais por mês garantidos por dois anos pela Vale.
inconcebível. Eles estão acostumados a viver em um território onde o melhor e maior cargo que você pode cobiçar é na Vale, não há
Tudo isso gerou um descompasso e gastos sem precedentes. Muitos deles refletem
como discurso o desejo de expansão, vontade de conhecer outros
um problema estrutural que a cidade tem. Parte deles mostram o
estados e lugares do mundo. Muitos têm dificuldade inclusive de
desejo e busca de atividades de lazer, as pessoas saírem do emprego
reconhecer o valor de suas próprias vidas, com isso muitos que
tão facilmente demonstra que aqui as perspectivas eram baixas,
tiveram familiares mortos pelo desastre não acionaram nenhuma
melhores cargos sempre estiveram associados a Vale, e além disso
forma de justiça, pois acreditam que suas vidas são pequenas e in-
ou você trabalhava com agricultura ou algo relacionado ao turismo
significantes demais para se pedir alguma indenização para a Vale,
de Inhotim que vem crescendo no município.
que muitos defendem com unhas e dentes, mesmo depois de um desastre desta magnitude, pois acredite, ela sempre deu condições
Nesta onda de ajuda humanitária vindo do mundo todo teve um
de trabalho muito melhores que de outras mineradoras desse mu-
dos dias que a Nike veio em vários bairros do município entregar
nicípio e de outros que formam o triângulo ferrífero. Essa falta de
tênis para toda a população, em meio a distribuição ouvi uma
ambição explica o impacto das indenizações dada às vítimas que
criança de oito anos dizendo admirada e feliz “nossa, que bom que
são diversas e que se acumulam.
a lama veio, pois agora tem coisas boas acontecendo aqui” dentro do mesmo contexto nos atendimentos as psicólogas ouviram frases
Só de você estar no município você ganha mil reais por mês por dois
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de crianças e adultos “espero que mandem mais lama, pois isso tra-
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rá coisas ainda melhores” “que bom que a lama veio”
Era difícil escutar tudo aquilo, difícil mesmo. Yuri nos ofereceu água, haviam garrafas e garrafas empilhadas no chão, para evitar um consumo da torneira, mesmo com uma grande represa no município, muitos bairros só tinha água de poço artesiano, o que era o caso do Parque das Cachoeiras. Eles nos mostrou as salas de jogos e de atendimento psicológico, na sacada em varais altos vários desenhos de crianças estavam pendurados e ele começou a falar um pouco sobre eles. “É muito comum os desenhos terem colorações puxando para o marrom e o vermelho. O marrom simboliza a lama e o vermelho o sangue e mortes. Olha este desenho”, apontou para um todo preto “esta menina desenhou e começou a depositar camada sobre camada de tinta preta sobre o papel, as psicólogas perguntaram o porque disso e ela respondeu que era por que ela estava de luto, e o luto dela era preto e muito grande. Essa foi uma das crianças que ficaram órfãs na região. Crianças se tornaram motivos de brigas devido esses ressarcimentos, pois elas representam dinheiro. É algo triste de dizer, mas esse dinheiro tem tirado os traços de humanidade de alguns.”
Era difícil escutar tudo que o Yuri contava. Perguntei se eles possuíam mapas preciso do terreno ou rejeito, eles no negou. Não conseguimos nenhum mapa naquela viagem, isso era dados quase impossível de conseguir. Porém, a conversa com cada pessoa daquele território revelou dados de uma realidade que jamais seria possível entender e me aprofundar a distância.
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VISITA AO TERRENO DE PROJETO
Nos despedimos com carinho do Yuri e seguimos viagem. Precisávamos conhecer o terreno que havíamos elencado para o projeto. Voltamos ao centro de Brumadinho, na área de expansão do desenho urbano da cidade, que era onde estava o grande lote que queríamos projetar. Paramos o carro próximo e encontramos um senhor passeando com o cachorro e seus dois filhos, perguntamos sobre o terreno que iríamos visitar e ele nos confirmou a mesma história que o Renato havia nos contado. Pertencia ao dono de Inhotim e era possível visitar atravessando o Rio Manso que era um curso hídrico que não havia sido atingido pelos rejeitos. Agradecemos as informações e seguimos o caminho indicado para o acesso. Cruzamos uma área de terra, grama e mata densa até chegar em uma área extremamente íngreme onde passava o curso do Rio. Olhei para todos os lados e não avistei nenhuma ponte. Tinha certeza que havia seguido corretamente todas as orientações para conseguir acessar o terreno, mas não encontrei nenhum percurso que possibilitasse cruzar o rio. Voltamos e encontramos um casal passando com o filho no colo, perguntei novamente como acessar aquele terreno e eles nos indicou o mesmo percurso. Voltamos e mais uma vez não encontramos nenhum caminho para cruzar o rio. Retornamos a estrada e fizemos um percurso maior que levava a uma porteira e um acesso oficial ao terreno. Era um terreno com alguns caminhos de terra, muita grama, para algumas vacas pastarem. Íngreme em algumas partes, mas planas em outras. era um ótimo terreno.
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Não fazia mais sentido pensar em um projeto de habitação pós desastre depois de tudo que escutamos até aquele momento. Mas, era um local bom para projetar. Tiramos fotos e seguimos o mesmo caminho longo para voltar ao local que estávamos hospedados. No caminho perguntamos para quem passava o que eles gostavam naquele lugar que visitamos. Todos comentavam que era ver a colina verde e o rio embaixo. Todos tinham carinho por aquele território vazio. De volta, já a noite Renato nos atendeu, contamos que havíamos tentado por diversas vezes pegar o caminho mais curto que levava para o terreno do dono do Inhotim, mas que não encontramos a ponte para cruzar o rio. Renato riu alto: “Não encontraram ponte, pois não existe. Não precisa de
ponte. O rio não é muito fundo e tem pedras no caminho, basta se equilibrar por elas e atravessar. Claro, precisa se preparar antes, dobrar a calça até o joelho para não molhar e de preferência estar de chinelo ou se tiver de tênis colocar uma sacola nos pés” Era impressionante escutar aquilo, atravessar o rio sem uma ponte nem era uma possibilidade para nós, eles tinham uma outra relação com aquele território e natureza, uma relação mais íntima em que o contato com a água não era um problema.
Terreno escolhido para projeto Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor Ponto de localização da imagem no mapa D
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25 de maio de 2019 penúltimo dia em Brumadinho O ATO
Andava pelas ruas e parecia um dia como outro qualquer em Brumadinho. Mas este dia completava quatro meses do desastre e havia um Ato de repúdio a Vale marcado para às 11h em ponto no marco monumental de Brumadinho. Paramos o carro longe com medo de encontrar um contingente enorme de pessoas protestando. Não encontramos. Chegava perto das 11h a cidade mantinha seu ritmo. Chegamos no local do ato e víamos um número pequeno de pessoas comparado a tragédia, eram apenas 20 entre elas um padre. Fomos para outro ponto de encontro e havia o mesmo número diminuto que faziam cartazes e distribuíram broches com corações vermelhos tricotados para andar com ele no peito. Seguimos com eles andando até o primeiro grupo no marco monumental. Pelas ruas víamos uma comoção, mas nenhum movimento maior que este. Pessoas olhavam das janelas e estabelecimentos funcionavam normalmente. Com o tempo pudemos perceber que as pessoas que ali se encontravam eram os que tinham sua “joias” perdidas no mar de lama, eram assim chamada por familiares as vítimas não encontradas no desastre. No início do ato uma senhora chorava copiosamente, os legistas haviam acabado de ligar para ela para avisar que o corpo do seu irmão Arnaldo havia sido encontrado, agora não eram mais vinte nove desaparecidos e sim vinte e oito. Comentamos com um dos presentes que agora faltavam poucos, ele negou, disse que a lama tinha muito mais corpos do que era noticiado, a lista que todos conheciam era associado a funcionários da Vale, mas que havia populações ribeirinhas
O Ato. Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor Ponto de localização da imagem no mapa E
que não contemplavam. Várias pessoas davam discursos em repúdio às ações da vale e pediam que aqueles que receberam ressarcimentos não se calassem. O padre presente segurava dois meninos gêmeos que ficaram órfãs devido ao desastre e que estavam tendo sua guarda requerida na justiça, crianças valiam dinheiro neste contexto e o padre discursava que tal situação era deplorável. Mariana estudante da UFMG discursava, um dia antes do rompimento da barragem ela havia se graduado, seu maior sonho era trabalhar na Vale. Ela comentava que durante sua formação sempre contava com orgulho que sempre viajava para outros países contava com orgulho que pertencia a um estado e município que tinha seu dinheiro provido da extração de minério. Que desde criança foi educada a olhar as feridas causadas pela mineração nos morros e ver beleza naquilo. Olhar os trens saírem de seu município sempre cheios de minério, mas nunca problematizar que eles voltavam vazios. Desde o desastre ela se juntou a ONGs diferentes e lutava por justiça e contra a Vale.
Bombeiros presentes foram homenageados recebendo presentes de crianças e adultos pelos seus trabalhos de busca prestados quase 24 horas por dia. Outros palestraram lembrando que nos primeiros dois atos havia um contingente enorme de pessoas ali, e agora só os familiares de vítimas encontradas não estavam. A música Escureceu foi cantada em meio a todos, nas camisas dos presentes era possível ler “não foi acidente, foi crime” e “por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios”. Todos seguravam balões brancos, e eles começaram a chamar o nome das vítimas não encontradas, após cada nome os familiares das vítimas falavam presente três vezes e soltaram os balões brancos que flutuavam para o céu. Ao final dos balões saímos, em respeito ao choro em um só som de todos decidimos não conversar com nenhum dos presentes, pegamos a estrada obstinados em descobrir e ver onde havia sido o epicentro daquele desastre.
TENTATIVAS PARA NOS APROXIMARMOS DO EPICENTRO DO DESASTRE
A irmã do Arnaldo falava constantemente das “joias” perdidas pelo desastre. Familiares, amigos, pessoas que encontrava na igreja, comercio, rio, bar, todas mortas. Frisava que o problema não era a mineração, isso era um forte vetor econômico para a região, mas como ela era tratada pelo país, e como a negligência de empresas grandes como a Vale permitiu que um desastre maior que o de Mariana ocorresse novamente. Ela falava com a voz aguda, de quem precisa chorar, encontrar o corpo do seu irmão naquele dia traria a possibilidade de um enterro digno para ele, mas não a vida da pessoa que ela sempre amou e admirou.
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Pegamos a estrada novamente. Com o objetivo de nos aproximar o máximo possível do epicentro do desastre. Queria entender a escala de tudo aquilo e onde tudo começou. Havia uma estrada principal que levava diretamente para o córrego do Feijão. Acessamos ela, era uma via larga e pavimentada. No caminho obras de diferentes escalas eram avistadas, em uma bifurcação para uma estrada de terra havia uma placa grande escrito obras. Entramos nessa via seguindo caminhões de terra. O solo estava seco e levantava uma poeira densa. Era difícil enxergar com as partículas suspensas no ar Arquitetura pós Desastre
e a sombra densa das copas de árvores. Chegamos em uma entrada aberta com várias guaritas e seguranças armados. No fundo depois de todo aparato de segurança havia uma sucessão de trincheiras de lama negra. Pessoas com uniformes fluorescentes andavam nelas. Peguei a câmera para tirar uma foto e fui vetada por um dos seguranças que perguntaram quem éramos e que não podíamos tirar nenhuma foto senão nossas câmeras seriam retiradas. Fechei o obturador da lente e coloquei a câmera sobre o colo, expliquei o que estávamos fazendo. Mais seguranças se aproximaram. Disse que só queria olhar e entender o que havia acontecido. Mais uma negação, não era possível ceder nenhuma informação, além de que era uma área de busca ativas por corpos. Disseram que precisamos sair no mesmo momento, pois não era autorizado o acesso de civis.
lá por vias normais seriam impossíveis, além de que o acesso era restritos a bombeiros, peritos e funcionários da Vale. Estacionamos o carro. Um som alto de banda começou a contaminar o ar, o bairro tinha um grupo musical que se apresentava em marcha as vezes pela cidade e tinha começado a se apresentar mais após o desastre, com objetivo de trazer mais alegria para população. Junto deles missionários entregavam livros gratuitos com o título “O valor da vida”, o conteúdo era religioso e de alto ajuda, ensinava como a fé podia curar. A religião católica era algo forte no município de Brumadinho e esses grupos religiosos davam muito apoio e suporte a todos. A senhoras nas sacadas nos contam dos familiares que perderam e se queríamos ver fotos deles, concordamos, mas o celular novo que elas haviam comprado semanas antes com os valores da Vale não havia feito o backup completo das fotos e travava e elas nem nós conseguimos resolver o problema.
BAIRRO DO CÓRREGO DO FEIJÃO
INVADIMOS
Voltamos a estrada pavimenta principal seguimos reto sem parar, subindo cada vez mais o terreno, cruzando sempre no caminho com máquinas de obras e caminhões de terra, depois de algumas horas finalmente chegamos a uma porta, era o acesso do bairro Córrego do Feijão. O Bairro não havia sido atingido pelos rejeitos, pois estava em uma cota alta da cidade, mas ele havia sido afetado. Muitas pessoas que moravam ali trabalhavam na Vale e estavam no refeitório ao 12:28h do dia 25 de fevereiro quando a barragem rompeu e levou todos. Várias pessoas estavam sentadas nas varandas, todos nos olhavam. Paramos em uma das varandas onde duas senhoras estavam conversando, perguntamos se elas sabiam como poderíamos chegar perto do desastre, elas não sabiam explicar. As vias principais haviam sido interditadas e chegar
Nos despedimos das senhoras e seguimos viagem, estávamos obstinados em entender melhor o que havia sido o desastre. O sinal de internet ali era inexiste e dirigimos sem saber exatamente que caminhos pegar e como iríamos conseguir voltar. Olhas o mapa offline tentando entender por onde poderíamos prosseguir. Todas as vias principais vetaram nosso acesso. Começamos a explorar áreas restritas de fazendas, seguindo caminhos de terra estreitos que deveriam ser particulares.
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O GPS indicava que a nascente do Córrego do Feijão não estava tao longe. Seguimos uma trilha estreita de terra em meio a mata densa sem saber onde ela iria nos deixar, pois todos os caminhos que pegamos a algumas horas eram inexistente nos mapas do GPS. Continuamos no percurso que ficava cada 83
vez mais sinuoso e estreito para o carro. Era uma via de mão única que não sabíamos se estávamos seguindo o sentindo certo ou se ela ofereceria mais para frente uma via de retorno. Dirigimos mais e mais sem saber quando voltaríamos, a gasolina era consumida rapidamente pelo esforço do carro e estávamos dirigindo no meio de absolutamente nada sem ver nenhuma casa ou outros veículos. Encontramos uma leve dilatação na estrada e resolvemos parar e estacionar. Era mais fácil e seguro prosseguir a pé a partir dali. Entardecia, pegamos um trecho de terra com marcas de passos de cavalos e seguimos por ele, no caminho uma parede de rochas funcionavam como muro de contenção para uma outra estrada secundária acima de nós. Eram mais ou menos oito metros de altura. A rochas eram largas e secas e resolvemos escalar para acessar a segunda via. Andávamos sem saber exatamente para onde estávamos indo, procurando uma área alta aberta que desse um panorama do local do desastre, mas a mata era densa. Seguimos mais quarenta minutos nesta segunda estrada sem grande perspectivas, estávamos no meio de uma mata densa sem garantia de encontrar um local seguro. Entardecia rápido e não queríamos voltar no escuro. A diante avistamos um mirante de madeira, era a primeira construção que viamos em horas de estrada. Se havia um mirante ali existiria algo para ser observado. Começamos a correr para chegar o mais rápido naquele local, a estrada estreita começou a dilatar e a vegetação começou a diminuir rapidamente. Avistamos um muro de lama e corremos mais rápido. Algo existiria depois dele. E realmente existia. Um grande campo de manobra da área impactada pelos rejeitos, ao oeste estava o mirante e mais ao fundo construções e ao sul postos de observação e controle. Maquinários por toda parte. Era algo pertencente a Vale. Amplo, enorme. Com várias trincheiras 84
Estrada não indicada no GPS para Mina do Corrégo do Feijão Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor Ponto de localização da imagem no mapa F
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de lama escura e úmida com áreas largas de lama com rachaduras largas devido a ação do sol. Não sabíamos quais seriam as consequências de estar ali, e o quanto era proibido, mas não havia ninguém em um campo de visão possível. Cães de guarda começaram a latir de vários locais. Eram sons distantes, mas estávamos com medo deles se aproximarem. A nascente do Córrego do Feijão não estava longe dali, olhamos no mapa e pudemos confirmar, esse era o local mais perto que conseguimos chegar. Posteriormente olhei uma das fotos áreas publicadas do desastre pelo NYT, aquela construcao de madeira era a mesma, de fato conseguimos ficar a alguns poucos metros do epcentro do desastre. Tiramos fotos rápidas e queríamos voltar ainda com a luz do dia. Voltamos. Chegando no carro concluímos que talvez fosse impossível conseguir uma estrada de retorno, e era impossível fazer uma manobra para voltar com o carro de frente. Então mesmo com as vias sinuosas resolvemos voltar de ré na estrada estreita de terra que nos levou até ali. Após algum tempo saímos desta estrada menor em segurança e chegamos em um grande largo, precisávamos subir uma rua íngreme de terra para voltar a estrada e nossa pousada, o carro não consegui. Saímos do carro para aliviar a carga e finalmente ele venceu aquele trecho. A partir dali só pegamos vias pavimentadas e tranquilas, chegamos exaustos com as roupas e sapatos completamente cheio de lama escura e brilhante.
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Mina do corrego do Feijão Brumadinho, Fev. 2019 Autor: Antonio Lacerda/EPA Mina do corrego do Feijão Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor Ponto de localização das imagens no mapa G
26 de maio de 2019 último dia SEGUNDO BAR
Descobrimos que os bares eram a forma mais fácil para conversar no Município de Brumadinho. A dilatação do espaço interno e externo era sempre muito diluída e as grandes varandas que colecionavam cadeiras de plásticos sempre recebiam pessoas receptivas que se aglutinavam para conversar em horários variados do dia. “Muitas áreas de Brumadinho são de vulnerabilidade social, mas o Parque das Cachoeiras é uma das principais”
Foi o que disse Yago, um dos voluntários da ONG NaAção ao explicar os altos índices de alcoolismo e uso de drogas que era comum no local e que acabavam sendo potencializados após o desastre. Paramos o carro em uma das estradas de terra, para ir andando até um bar dirigido por uma mulher forte que nos recebeu com olhar desconfiado. “Ôceis se perderam de Inhotim e vieram parar aqui, é?”
Após um sorriso de negação e explicarmos que não estávamos no município por causa de Inhotim, e que não estamos ali com a intenção de visitá-los, Rosana senhora de cabelos completamente branco contrai os olhos e pergunta “Ôceis pru acaso são povo da Vale?”
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Sorrimos e explicamos que não, enquanto pegávamos uma cerveja para permanecer mais ali. Sofia sorri e fala: “Ôceis tão aqui para ver a lama então né?”
Sorrimos constrangidos, e afirmamos em um mesmo tom que estávamos ali para conversar, que mesmo sendo de São Paulo queríamos nos juntar ao Ato de repúdio a Vale e oferecer de alguma forma apoio a população. Abraão, gostou de ouvir isso e nos convidou para sentar em sua mesa, eram 10 horas da manhã e já tinham oito garrafas vazia a sua frente, ele estava feliz em nos receber, éramos pessoas que não viviam aquela realidade todos os dias. O Parque das Cachoeiras foi um dos bairros mais atingidos nos contaram, era um dos mais próximos ao epicentro do desastre, muitos que viviam ali morreram. E eles conheciam aquele espaço muito bem, eram várias gerações que nasceram e foram criados ali. “Nem os bombeiros entendiam este espaço, paravam as buscas depois de certa hora do dia dizendo que em determinada parte não tinha mais nenhum corpo para ser resgatado, mas nós não acreditávamos, pegávamos facão e deixávamos as calças arriadas para o mato não atrapalhar e íamos de mata adentro, e lá estavam mais dois ou três corpos parcialmente enterrado. E vou te falar, não é fácil ver um amigo morto não, não daquele jeito, a lama corroía todas as partes da pele. Mas, era o certo, depois de ver muita gente chorando por não encontrar seu familiar desaparecido na lama. Em Brumadinho, todo mundo Arquitetura pós Desastre
se conhece, não íamos esperar bombeiro tentar achar sendo que nos conhecemos isso tudo, precisávamos achar os mortos para garantir o enterro deles e algum alívio para quem perdeu aquela alma.”
“As pessoas tem que entender que Brumadinho não é só Inhotim não, aliás Inhotim nem é Brumadinho, ele ta em Brumadinho. “Nois aqui tem até raiva, pois tudo que é mundo fala de Inhotim, que só fui uma vez, tem coisa bonita lá, é verdade, mas isso num tem haver com esta terra não, é universo burguês, e Brumadinho
Sofia nos contava sobre tudo aquilo com uma mistura de choro contido e resignação.
não é essas mineradoras que tá lá nas partes altas tirando minério também, não. Brumadinho é terra grande e a gente podia ser muito rico se o dinheiro de tudo isso de minério fosse mais retido para esta
“A lama trouxe muita dor, sabe” começou a explicar Abraão.
terra. Além disso, tem muita coisa aqui pra ver, se fizessem turismo ecológico todo mundo ia se apaixonar, tem cachoeira linda demais nessa terra, trilha boa de fazer a pé ou de bike. Coisa de sentir a na-
“Meu filho virou pra mim, meu filho caçula de 11 anos apenas, e disse “pai, num quero viver mais num cemitério não, essa lama que ta ai enterrou muita gente, não vejo mais rio ali não, vejo lugar com gente que deve estar enterrada ainda” e sabe isso dói para um pai ouvir, uma hora dessas saio daqui, não quero ver meu filho sofrer não.”
tureza, lugar alto pra ver tudo, é um lugar lindo, queria muito que
“Mas sei que tu já pegou o dinheiro da Vale, pega ele e vai se embora,talvez até eu saia”, completou Sofia.
“Ah é um lugar lindo demais da conta sô, tu vai lá de moto, bike ou
todos entendessem isso. Sem contar que essas coisas geram estudo científico, natureza, terra, é muita riqueza.” “Ôceis já foram no topo do mundo?”, perguntou Abraão. Nunca havíamos ouvido falar, mas sem dúvida era um nome que indicava um lugar promissor.
carro e tem uns doidos que vão a pé também. Tem uma vista linda de mais, da para ver tudinho, essas terra tudo, dá para ver até onde
O dinheiro distribuídos às vítimas era suficiente para ir para qualquer estado, ir viver uma vida completamente do zero, mas eles, tinham apego por aquele espaço, conheciam tudo no Município de Brumadinho, cada pedaço, cachoeira, festa de Quilombo, tinham uma ligação profunda com aquela terra e isso era difícil de romper, mesmo com um desastre daquela proporção. “Se vocês tivessem chegado mais cedo levava ôceis para ver coisa bonita aqui”, disse Abraão com um sorriso orgulhoso.
Sofia se acomoda na sua cadeira alta, cruza os dedos sobre as pernas e começa a explicar:
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a vista começa a embaçar, ocêis tem que ir viu, e aproveitar e se banhar qualquer hora nessas cachoeiras lindas de mais.”
Eles tinham um orgulho inegável daquela terra, daquele espaço que seus filhos cresciam, que eles envelheciam, que seus pais nasceram e continuavam e que seus avós haviam vivido e foram enterrados, era uma parte deles aquele território, por isso, mesmo com os ressarcimentos as vítimas diretas e indiretas cedidas pela Vale eles decidiram continuar naquele espaço. Reconstruindo casas que foram destruídas ainda dentro daquele município, a terra era uma parte deles e aquela avalanche de lama era sentida como um ferimento neles próprios. Eles ainda plantavam naquela terra, alimentam animais de criação para abate, coletavam água do poço para quase tudo, 89
pois não era em toda região que havia água encanada, mesmo tendo uma represa enorme no território como a do Rio Manso que tinha por objetivo abastecer não só a região como também Belo Horizonte.
do dia 25, pois estamos preocupados, sabíamos que havíamos perdido amigos que cresceram conosco, que foram no nosso casamento e eram irmãos de alma que Deus nos deu. Além disso, ficávamos ouvindo o barulho ensurdecedor de mais de um helicóptero de resgate que sobrevoava a lama com a esperança de encontrar pessoas
“Isso é complicado, a Vale diz que o solo não tá contaminado não,
ainda vivas, mas como alguém sobreviveria a esta quantidade de
mas como que não tá? Eu bato na porta da Vale e faço eles me
lama rápida que desceu? Junto disso ouvíamos ambulâncias que
darem água, tem que dar”, dizia Sofia.
levavam corpos já sem vida para algum lugar. Isso foi demais para o coração sensível do meu marido, ao meio dia do dia seguinte, quase
A Vale e ONGs distribuíam constantemente desde o desastre água mineral para todos moradores do Município.
no mesmo horário do desastre ele teve um ataque cardíaco fulminante enquanto ouvia os nomes dos seus amigos desaparecidos no jornal. Perdi o companheiro de uma vida inteira, vários amigos,
“Mas, eu sei que tem contaminação indireta. Nois que planta muita
perdi tudo, e a única coisa que conseguia me fazer dormir por um
coisa que comemos e mesmo se fosse para comprar vegetal no mer-
mês inteiro era aguardente. Tomava na madrugada depois de ten-
cado, eles vem da plantação dessa terra toda, sempre produzimos
tar várias horas dormir em vão um copo americano cheio, e espera
muito dos nossos alimentos, essa terra tem muita fazenda e terra
o sono vir por meia hora, normalmente não vinha, ai tomava mais
larga, todo mundo tem um canto para plantar, e as pessoas gostam
um copo cheio e conseguia ter um sono pesado até o dia seguinte.
disto. A água que rega essas plantas é quase tudo de poço artesiano,
Hoje tomo remédios de depressão e recebo ligações das psicólogas
e a galinha e o porco que nois mata bebi essa água e comem essas
que me acompanham pelo menos duas vezes por semana, sei que
coisas regada com a mesma água, e depois somos nois que come-
acham que vou querer me matar, e sinceramente muitas vezes pen-
mos, e eu sei que isso é um problema, além da água do banho…
so nisso.”
mas, pelo menos a água que eu bebo tem que ser mineral, é a única coisa que dá para controlar de tudo isso”, dizia Sofia.
“Esse desastre trouxe muita dor” Completou Rosana, senhora que morava com o marido em uma parte alta do bairro e não teve sua casa destruída. Ambos estavam na casa quando o desastre aconteceu, eles nunca tiveram filhos, eram tudo o que um e outro tinham na vida, estavam aposentados e podiam aproveitar aquele lugar tranquilo. “Aí desceu essa lama, que não nos machucou fisicamente, mas
Fiquei em silêncio, todos ficaram, era difícil dizer algo. O céu estava claro com um azul intenso, sem nuvens um som intenso contaminou o ar e uma revoada de tucanos sobrevoou sobre nós. Acredito que nunca havia ouvido um tucano, todos nos paulistas ficamos olhando para o céu, Sofia percebendo nosso encanto começou: “Ôcêis paulistas não são muito acostumado com bicho não né, aqui sempre passa esses tucanos”
Abraão complementou:
levou a casa de alguns amigos que pescavam conosco, matou boa
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parte dos nossos amigos. No dia do desastre sentimos a terra tremer
“Ah, mas esses são bicho chato, sempre querem comer minha cria-
mesmo estando distante, e não conseguimos dormir naquela noite
ção de passarinho, tenho que afugentar tudo, dá até vontade de
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matar” disse em tom de brincadeira. Sofia olhou séria
eles estavam mais vermelhos que ôceis, com a bochecha mais rosada que a sua que tá aqui só suas horas no mormaço. Ôceis não são
“Arri, mas que brincadeira sem graça, eu depois dessa desgraça
acostumados com o sol como a gente. Mas olha, deu gosto de ver,
toda não mato mais bicho nenhum, a lama já matou demais, quem
deu gosto mesmo, de ver que eles ficaram desde manhã cedinho até
sobreviveu precisa continuar vivo”
o pôr do sol, brincando, distribuindo hambúrguer e conversando com todos. Então obrigada, ôceis são nossos irmãos de alma, viu,
Todos naquele bar da Sofia abriam seus corações para nos, falavam da dor do desastre, da resignação das perdas, falavam com amor e dor daquele território, das festas que gostavam, de pescar, e perguntavam algumas coisas sobre mim, sobre nós, fazia algumas piadas e sorriam. Depois de algumas horas disse que precisávamos ir, para conversar com mais pessoas, entender o pessoal, para isso era preciso conversar.
e podem se hospedar até na minha casa se voltarem aqui, pois po-
Sofia pegou nos meus braços com força e amor e disse com carinho:
Abraão concordou, pegou o capacete, montou sua moto e se ofereceu como guia. Nos despedimos com carinho e abraços de todos no bar entramos no nosso carro e fomos seguindo Abraão em sua moto.
“Obrigada por vir. Às vezes a gente fica desconfiado, pois achamos
demos nos ajudar.” E ela me abraçou forte me tocou o rosto com as duas mãos e deu um sorriso largo, um sorriso lindo. Abraão se aproximou e disse que podíamos ficar na casa dele também, pois éramos seus irmãos também, Sofia olhou para ele e disse “Aproveita e leva eles para os lugares do desastre, aí eles vão entender melhor o que aconteceu.”
que quem vem aqui só pode ser urubu com prazer em ver desastre ou funcionário da Vale querendo tirar informação e comprar a gente. Mas, não. ôceis e seus amigos mostram que mesmo pessoas
MAIS DOIS LUGARES ATINGIDOS E DUAS PERCEPÇÕES
de estados tão diferentes e até de outros lugares do mundo podem querer ajudar, dar apoio e oferecer o que a gente precisa depois de tanta dor, que é amor. Igual o pessoal da Hamburgada do Bem que vieram aqui ôceis sabem disso?”
Negamos com a cabeça.
Abraão nos levou primeiro em uma área toda coberta por vegetação, plana em excesso sem curso aparente de rio ou córrego. Era uma região imensa e verde. “A natureza parece incrível não é?”, disse ele apontando para tudo aquilo enquanto ainda tirava o capacete.
“É um pessoal da terra de ôceis, São Paulo, que tem tudo. Eles tinham a pele branquinha como a de ôceis, e vieram aqui em um
“Aqui as buscas já pararam, aí a natureza foi tomando conta, foi ti-
dia quente, quente mesmo de queimar pele até as curtidas pelo sol
rando a cor da lama substituindo por esse verde todo, é o que parece
como as nossas. Montaram várias barracas e começaram a distri-
né? Pois então, também é coisa da Vale, plantar qualquer coisa que
buir hambúrguer para todos, principalmente para as crianças que
se prolifere desse jeito para câmeras de satélite não verem as áreas
eles carregavam no colo e brincavam com todas. Olhávamos tudo
atingidas pela lama mais, assim parece que tudo se resolve, afinal
aquilo achando que não iam aguentar nem uma hora daquele sol e
pega mal mostrar um desastre desta proporção toda.”
daquelas crianças pesadas que pulavam neles para brincar. Olha,
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Era um lugar imenso, largo, e excessivamente plano, as únicas coisas que mostravam que foi uma região do desastre eram as duas casas destruídas logo no acesso ao local e uma picape semi interrada mais para o leste que Abraão apontou dizendo que era de um dos seus amigos que faleceu.
exceção de uma folha de papel em mesma cor do fundo da gaveta que estava quase invisível. Peguei a folha, e virei, era a escritura daquela casa, com o nome de seu comprador e todos os dados daquele lote e habitação. Falei sobre o que segurava em mãos para o Abraão que esperava do lado de fora com o capacete nos braços.
INCOMPREENSÃO DA ESCALA DO DESASTRE
Entramos, e logo no acesso havia uma porteira de madeira com cobertura simples em telha cerâmica. Luísa que nos acompanhava na visita se posicionou ao lado da porteira para ver uma planta, Abraão apontou a porteira e nos contou que ela separava o limite do lote e servia para qualquer pessoa montada em um cavalo passar. Ao dizer isso entendemos o volume de lama que estava sob nossos pés. Luísa tinha apenas 1,60m e estava maior que a cobertura da porteira. Considerando que um cavalo adulto tem em média 1,40m à 1,80 e uma vez selado e com uma pessoa montada de altura mediana como 1,70m ambos juntos podem atingir até 2,50m de altura. Considerando uma folga de pelo menos 50 centímetros entre a cabeça de quem está montado e o telhado, a altura da folha da porteira é de pelo menos 3 metros de altura. Mas, só haviam aproximadamente 1,50m de altura livre até o telhado da porteira abaixo disso era só lama compactada, ou seja, estávamos sob pelo menos 1,50 metros de lama de altura. Era muita coisa que havia atingido aquele espaço o que justificava a quantidade de dano nas casas ali presentes. Cruzamos a porteira e adentramos o terreno. As casas estavam completamente tortas sem a cobertura. Andei sobre os destroços me equilibrando para não cair. A casa parecia ter sido enterrada. Poucos móveis ainda restavam no espaço, e objetos do dia a dia que indicavam o cotidiano de quem ali vivia, roupas, sapatos, algumas embalagem... No quarto havia um armário tombado no chão , completamente vazio, com 92
“A parte da família que sobreviveu deve ter esquecido aí.”
Posicionei o papel no mesmo lugar, sai escalando os destroços me posicionei do lado do Abraão, era um ponto mais alto que acumulava vários destroços e oferecia uma vista completa daquele lugar. Ele continuou falando: “Essas casas destruídas aqui de baixo não dá mais para viver não, meu filho tá certo, é um cemitério aqui. A Vale está dando dinheiro para as vítimas, só o ressarcimento pelas as casas podem pagar duas ou três iguais as perdidas, mas seja sincera, quanto vai pagar as vidas que foram enterradas aqui? É isso que queria que esse povo que briga por dinheiro entendesse, nem o dinheiro da Vale todinha pode trazer o pessoal morto de volta para nois pescar tudo junto de novo. Queria que quem sobreviveu não fosse calado pelo dinheiro da Vale, mas isso tá virando sonho já.”
Ele foi andando calmamente pelos destroços, nós o acompanhamos em silêncio, ele fechou a porteira, colocou o capacete e pediu para segui-lo, para nos mostrar outro ponto, obedecemos.
Porteira Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor. Ponto de localização da imagem no mapa H
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MAR DE LAMA
Chegamos em outro lugar com uma cerca grade metálica e a porta amarrada por um fio metálico, ao lado dela estavam várias velas, algumas apagadas, mas muitas acesas, entre elas estavam dispostos imagens de santos católicos, terços e fitas com escritos pedindo para as almas perdidas encontrarem a luz. Além do portão existiam montanhas e montanhas de lama acumuladas em vários níveis. Eu parei atônita olhando para tudo aquilo. Abraão passou pela minha frente abriu o portão e pediu para todos entrarem. “Aqui foi o último lugar das buscas dos corpos no Parque das Cachoeiras, disseram que terminaram, mas tenho certeza que ainda há corpos aqui”
Entramos, a terra era fofa ainda devido a infiltração da água naquela terra porosa, a lama tinha rachaduras bem dilatadas pela ação do sol intenso sem sombra no local. Não havia mais árvores para sombrear, a onda rápida de rejeitos teve força suficiente para arrancar a mata ciliares do córrego que antes servia para todos ali pescarem antes do almoço. Nossos corpos se comportavam como escalas pequenas em meio aqueles paredões de lama, tudo era enorme, ali era possível perceber a magnitude daquele desastre. O cheiro era forte, bem forte, cheiro de terra molhada, de lama e de matéria orgânica que se decompunha.
Mar de lama. Brumadinho, Mai. 2019
Escalei parte da lama, o que era difícil, a terra fofa se soltava, com partes de raízes, pedras de diferentes tamanhos e vários outros fragmentos, todos em tons variados de marrom e cinza. Em um ponto mais alto era possível ver o córrego passando com a água em um tom marrom forte. os rejeitos que pisava brilhavam sobre o sol intenso. O brilho provinha de diferente 94
Acervo do autor. Ponto de localização da imagem no mapa I
partículas de metal que ela continha, manchas mais escuras se desenhavam como estrias nela, revelando a concentração de minério de ferro, o principal extraído em Brumadinho.
FRAGMENTOS DO DESASTRE
Do outro do lado do curso hídrico com quase a mesma coloração alaranjada da lama era possível perceber incrustado na lama blocos cerâmicos de tijolos de oito furos provavelmente medindo 9x19x19cm cada, pois pareciam convencionais. Um olhar mais atento mostrava que eles estavam emparelhados em sequência lógica com argamassa entre as peças. Se tratava do fragmento de um canto de duas paredes de alvenaria em 90 graus que compunha o fundo do nível térreo de um dos cômodos de uma casa que ficou ali, todo o resto havia sido levado pelos rejeitos. Parecia algo singelo, mas isso demonstrava a magnitude do desastre. Pois, parecia algo minúsculo em meio aquela quantidade de lama que rompeu com tanta violência aquele território, mudando o curso hídrico que formava novos caminhos, entrando em meio aquela casa, que fica próximo ao leito do rio, mas não totalmente inserida nele.
Fragmento de casa encontrado Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor. Ponto de localização das imagens no mapa I
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VACINA
MEMÓRIAS DO DESASTRE
Exploramos o melhor possível aquele ambiente, todos permanecendo em silêncio, era difícil andar sobre os rejeitos, em um passo em falso o Dany acabou escorregando e sujando a pele da perna com a lama. Nos olhamos sérios, tínhamos medo do que isso poderia significar, evitávamos o máximo possível um contato com os rejeitos, pois não sabíamos os riscos e a contaminação que ele poderia prover. Abraão vendo o ocorrido perguntou querendo ajudar:
Saímos em silêncio do terreno que tinha o mar de lama, todos foram para o carro em silêncio, Abraão ficou do lado de sua moto de cabeça baixa e de costas para todos. Me aproximei e perguntei se estava tudo bem, não estava. O rosto dele estava lavado em lágrimas, nitidamente triste,
“Ôceis tomaram a vacina da lama?”
Ambos perguntamos no mesmo tom:
“Eu não gosto de vir aqui não, traz memórias de mais sô”
toquei em seu ombro com carinho pedindo desculpas por despertar tudo isso, ele começou a chorar mais e me contar sobre o dia do desastre. “Eu tinha atrasado o almoço naquele dia, normalmente o pessoal
“Que vacina?”
vai às 11h pescar para ter o peixe fresco para preparar no almoço. Eu tinha atrasado demais da conta neste dia. Desci com meu
Ele não sabia nos explicar muito bem, mas se tratava de uma vacina distribuída para aqueles que tiveram contato com a lama. Ele havia tomado e quase todos que ele conhecia também, a vacina era conhecida como Vacina da Lama, mas não sabíamos o que ela continha e para o que exatamente sérvia, perguntamos para várias pessoas sobre esta vacina e todos haviam recebido, mas ninguém sabia um nome mais científico dela ou seus agentes. Procuramos na internet e jornais posteriormente para obter mais informações, que nunca encontramos. Não procuramos receber esta vacina, não sabíamos o que era e seus efeitos. Nos incomodava muito ninguém saber mais sobre isso, do mesmo jeito que não sabiam dos riscos que envolviam estarem perto de uma barragem sem manutenção adequada no Córrego do Feijão, aquela população era constantemente vetada de informação.
filho de moto depois do meio dia para ir pescar, aqui criança ama pescar também. O pessoal todo já estava terminando de pescar, tinham vários amigos aqui perto do rio, aí veio a lama, e veio com tudo. Veio com uma força absurda, eu fui correr para tentar pegar alguns dos meus amigos para tentar salvar, mas meu filho não deixou, pois ele sabia que se eu fosse iria morrer junto de todo mundo. Eu até tentei ajudar, subi nesse poste para ver o que dava para fazer, mas como que ia dar para fazer algo com lama vindo a mais de 120 km/h? Eu vi meus amigos indo, sendo engolidos pela lama, ouvi a voz de desespero sem poder fazer nada, depois do desastre todo eu consegui pegar os corpos de alguns amigos uns quilômetros para baixo, mas tudo sem vida já, machucados que nem sei. Eu não consigo esquecer disso, eu nem consigo mais pescar aqui, me dói demais ter perdido tanta gente que eu amava, que brincou comigo quando criança, que eu vi ser pai, tudo tá morto agora por causa dessa lama de dor.”
Dizia Abraão em tom abafado entre um soluço e outro.
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O abracei forte e agradeci pelo dia, por ter sido nosso guia, pedi desculpa novamente por ter despertado tudo aquilo. Todo o resto do pessoal veio, todos se despedindo com carinho do Abraão. “Se voltarem durmam na minha casa, ôceis tem um irmão aqui
disse enquanto colocava o capacete, subia na moto e se despedia rápido, para poder ficar longe daquele lugar, que mesmo depois de quatro meses ainda o abalava tanto.
QUILOMBO DO SAPÉ
agora”
Quilombo do Sapé. Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor Ponto de localização da imagem no mapa J
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Entardecia, pegamos a estrada e fomos visitar o Quilombo do Sapé, o mais famoso do Município de Brumadinho ele ficava a três horas e meia de distância. Era um dia importante, dia de São Cosme e Damião, dia de comemoração aberta para todos e a equipe do OPA estaria lá fazendo filmagens.
VAGÕES
No caminho precisávamos passar pelos trilhos que determinavam o percurso dos trens que recolhiam os minérios nas mineradoras, principalmente a Vale. Chegamos perto do trilho e a sirene disparou fechando o semáforo, o trem ia passar. E passou, em sua velocidade padrão de aproximadamente 30km/h com mais de 100 vagões GDT antes pertencidos a Ferteco, tendo ainda alguns sua estampa, mas que eram a anos da CVRD, ou seja, da Vale. Passavam em sequência unidos por eixos e uma única locomotiva, todos cheios em excesso de minério preto, minério de ferro. Todos os dias os Vagões passavam por Brumadinho e sua passagem levava sempre 10 minutos, era o tempo que tivemos que esperar para conseguir prosseguir viagem.
A FESTA
Chegamos no final da tarde com o Quilombo em festa. Quase todos que ali moravam eram negros descendentes de escravos. A festa tinha um sincretismo religioso rico, misturando elementos de festas e rituais católicos com de religiões africanas. Havia cores intensas, vestimentas muito bem trabalhadas, comidas variadas pelas mesas, muita dança e música intercaladas por falas do padre que organizava toda a cerimônia. Em meio às falas o padre pediu tranquilidade e orações para aqueles que tiveram vítimas em sua família no desastre de Brumadinho bem como que a ameaça de romper uma nova 102
barragem em cascais pudesse não ser concretizada. Todos tinham medo. O Quilombo também havia sido afetado com o desastre de Brumadinho. Quase todas as compras e alimentos que o quilombo tinha que comprar para sua população provinha do centro de Brumadinho, e as farmácias e hospitais que eles utilizavam também ficavam lá. Com o desastre o percurso que eles faziam diariamente em três horas se estendeu para sete à dez horas nos primeiros dias após o desastre. Ambulâncias que conseguiam ir e voltar do local no máximo em seis horas, precisavam de catorze ou vinte horas, isso fez com que algumas vidas fossem perdidas, nos relatou os membros do OPA, enquanto filmavam toda a festa. A festa estava realmente linda, voltamos ao final da tarde com o pôr do sol laranja ao longo da estrada.
O RESTAURANTE
A noite ligamos em um restaurante perguntando se havia lugar para jantarmos, perguntaram se éramos mais de dez pessoas, negamos, pois éramos apenas quatro, disseram então que poderíamos ir e pediram desculpas pela pergunta, eles estavam sobrecarregados pela falta de funcionários. Era um restaurante familiar, pai, mãe e filha o dirigiam, cozinhavam e serviam as mesas, já tiveram muitos funcionários e conseguiam atender mais de cem pessoas antes do desastre, mas depois, era difícil encontrar pessoas para trabalhar. “Só de você morar aqui no município, você ganha mil reais por mês, isso foi prometido por dois anos pela Vale, e os cinco primeiros meses foi dado de uma vez, isso é muito dinheiro para a maior parte da população e foi suficiente para que muitos saíssem dos seus
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empregos. O custo de vida aqui é baixo e as pessoas não tem tanta ambição, não entendendo que esse dinheiro vai acabar. Por isso eu e meus pais não conseguimos atender muita gente ultimamente, nos falta funcionários”,
explicava Helena enquanto olhava as mesas do lado para ver se alguma outra não havia sido atendida, ela costumava ter a semana puxada, pois sempre estava dividida em ajudar os pais no restaurante enquanto fazia direito em Belo Horizonte. Eles não haviam nascido lá, nem em Brumadinho, nem em Minas Gerais, e de fato não tinham o sotaque mineiro. Haviam mudado alguns anos antes procurando uma vida mais tranquila em uma região que desenvolvia o turismo rápido por causa de Inhotim. Eles não esperavam vivenciar um desastre daquela proporção. “O nosso restaurante fica longe do desastre, ninguém no centro teve sua casa destruída pelos rejeitos, isso foi apenas perto do epicentro do desastre, mas o Rio Paraopeba que corre é um só e ele passa aqui atrás do restaurante, carregando todo os rejeitos e ainda passa . O cheiro que ficou logo no dia seguinte foi horrível, havia muita coisa morta passando pelo rio. O número de animais mortos foi enorme e vimos boiando muita coisa de assustar: capacete, uniformes da Vale, quatro dias depois uma das funcionárias que trabalhavam aqui nos pediu para ir no terreno do fundo, havia um tronco humano sem a cabeça com a roupa toda rasgada e a pele arranhada pela lama. Eu e meu pai vimos isso e foi de arrepiar. Nos primeiros dias do desastre vimos enterros todos os dias, ambulâncias passando rápido pelas ruas, som de helicópteros de buscas 24 horas por dia. Os enterros muitas vezes eram simbólicos, às vezes apenas uma mão era encontrada e isso que era enterrado, a primeira semana foi horrível, doí de mais lembrar de tudo isso”
Helena conversou muito conosco, era nítido que muito do que ela lembrava era difícil de contar.
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Diário de viagem 02 NOTA GERAL INTENÇÕES DA VISITA
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Era preciso voltar. Mais meses se passaram desde o desastre e os jornais já não faziam matérias a respeito de Brumadinho e lentamente tudo ia sendo silenciado. A equipe de trabalho havia mudado no segundo semestre e dessa vez todos puderam ir para Brumadinho. Eu Mably Rocha, Dany Cohen que me acompanhou desde o primeiro semestre, Raquel Garcia e Leonardo Sarabanda nos organizamos, dividindo custos e desejos em comum para estar em Brumadinho novamente entre 11 à 14 de outubro de 2019. E O
P
L D A
Trecho geral de análíse do Município de Brumadinho 0
104
1.5
3
6
12
15 km
G F
1 H C I B
105
rejeitos
estrada de ferro para transporte de minério
hidrografia áreas alagadas
estrada ademir ribeiro neves
represa do rio manso
avenida inhotim
centro de brumadinho
estrada mg-040
lote vazio de análise projetual
estrada para alberto flores
inhotim
estrada para tijuco
bairro parque das cachoeiras
estrada para corrégo do feijão
bairro corrégo do feijão
pontos visitados
M
K
E O
L
P D
A
Trecho geral de análíse do Município de Brumadinho 0
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11 de outubro de 2019 Saída de São Paulo para Brumadinho
CAMINHO VERMELHO
MIRANTE NATURAL
Saímos finalmente da BR 381 depois de quase oito horas de viagem desde São Paulo e entramos a direita na Estrada Ademir Ribeiro Neves que é uma das vias de acesso ao Município de Brumadinho. Era uma estrada sinuosa e sem pavimentação. Em vários pontos a esquerda taludes íngremes e extensos se desenvolviam nus, sem grama, britas ou concreto, estavam completamente desprotegidos o que fazia com que fragmentos do terreno cortado rolassem até a via. Ao topo algumas máquinas de revolvimento de terra podiam ser vistas em plena atividade.
A estrada sinuosa se desenvolvia longa, quase infinita, em um dos trechos a vegetação falhava gerando uma cortina ampla e aberta para a cidade. Paramos e descemos do carro para nos aproximar e ver a vista, estávamos em uma cota bem alta a leste do território de Brumadinho, dali já dava para ver a cidade espraiada, com mais manchas verdes do que de cidade e ao meio correndo largo e lento estava a represa do Rio Manso completamente azul. Era a primeira vez que conseguia um ponto em que era possível contemplá-la. O desastre não afetou esse local, o que garantiu a manutenção do acesso de água limpa da principal represa da região, obviamente mesmo meses depois do desastre ainda não havia informações claras se o desastre contaminou ou não a Bacia do Paraopeba, mas caso não tivesse a represa estava lá com um grande reservatório. A vista era linda.
Partículas finas do solo vermelho intenso pulverizavam o ar e impregnavam sobre as árvores ao longo da estrada formando densas camadas que as faziam morrer e ficar no mesmo tom da estrada e taludes, tudo gerava uma atmosfera vermelha, recortada pelo céu azul e árvores mais distantes que se protegiam da uni coloração.
Mirante natural na estrada. Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor.
Desde o desastre uma série de obras ainda aconteciam no território, mesmo que não diretamente relacionado ao ocorrido, era difícil entender o que acontecia e o porquê de cada uma.
Vista da represa do Rio Manso. Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor. Ponto de localização das imagens no mapa K
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Arquitetura pós Desastre
11 de outubro de 2019 primeiro dia
ANFITRIÃ
Chegamos já à noite no dia anterior na casa que nos acomodaria. Ela ficava mais isolada em um dos acessos estreitos da via MG-040, fomos bem recebidos pela anfitriã da casa que nos mostrou a casa e explicou como chegar facilmente a Inhotim. Explicamos que não era o plano visitar o museu a céu aberto, e ela nos recomendou que visitassemos então o Topo do Mundo, de fato era um dos lugares que precisávamos ir, o próprio território e população endossaram a escolha por propor uma Escola técnica de ensino ligado a ecologia, mas isso precisava ser mostrado.
DE VOLTA AO CENTRO
A cidade estava vazia, havia um feriado e muitos viajaram deixando as ruas sem trânsito. Tudo parecia igual. Voltamos a ponte sobre o Rio Paraopeba um novo grafite sobre as paredes baixas de concreto destacavam a frase “quando juntarmos as mãos seremos mais fortes” e as fitas amarradas no guarda corpo com mensagens às vítimas do desastre continuavam lá, ainda mais desgastadas pela ação do tempo, mas ainda era possível ler algumas mensagens. E o rio sob a ponte ainda parecia o mesmo, com uma coloração vermelho intenso que não desbotou desde a última visita ao território, ainda existia muito rejeito diluito dele, levará 110
tempo para que tudo se recupere.
DE VOLTA AO CENTRO
O lote escolhido para o desenvolvimento do projeto mantinha a mesma abertura estreita de acesso. Passando entre os arames farpados preso a cerca entramos no terreno que estava muito diferente. Vários metros cúbicos de terra haviam sido deslocados deixando a topografia mais plana e sem grama, o solo estava entrecortado com marcas nítidas de tratores. Obras iriam começar a acontecer, mas não conseguimos informações sobre o que exatamente se pretendia ali. Olhei em volta e comecei a subir o terreno junto com todos, agora era mais fácil caminhar, algumas árvores haviam sido arrancadas e o terreno revelava alguns cortes abruptos de terra para facilitar o passeio de automóveis e pedestres, meu sapatos ficaram completamente vermelhos da terra. Rio Manso. Brumadinho, Out. 2019 CONTATO COM O RIO MANSO
A mata ciliar densa somado ao desnível fazia com que o Rio Manso fosse imperceptível dentro do terreno. Descemos para a cota mais baixa novamente e atravessamos a grama alta próxima a mata e pulamos uma cerca de arame farpado, vinte
Acervo do autor Ponto de localização da imagem no mapa l
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metros depois entre os troncos de árvore era possível ver o Rio Manso finalmente de perto que passava por um desnível ainda maior, em um percurso lento e profundidade baixa, tão baixa que era possível ver as pedras e troncos no fundo dele. Leonardo decidiu pular para a cota que passava o rio que estava a mais ou menos dois metros e meio abaixo de nós, podendo assim chegar perto do Rio Manso, ele acabou pulando um pouco mais longe do que deveria e entrou no meio do rio que tinha uma profundidade suficiente para molhar abaixo da linha dos joelhos.
Rio Paraopeba. Brumadinho, 1958 Sem do autor
Fiquei pensando como seria bom se houvesse formas mais faceis de chegar mais próximo ao rio e poder contemplar mais tranquilamente aquela paisagem de vegetação densa e rio estreito que criavam um ambiente mais úmido com luz filtrada em filetes finos pelas copas das árvores.
RIO VERMELHO E BRILHANTE
Saímos de lá para explorar outros eixos hídricos do território de Brumadinho, queriamos agora nos aproximar do Rio Paraopeba. Uma das imagens antigas que tínhamos do Município de Brumadinho mostrava uma vista de onde era possível ver o Rio Paraopeba e o centro de Brumadinho ao centro, queríamos encontrar alguma vista parecida, o que era difícil. O único lugar que conseguimos ver o rio era sobre a ponte, mas desejavamos vê-lo por outros ângulos, mas era difícil, a mata ciliar dele era de fato densa. Íamos andando de carro tentando contorna-lo, mas sempre que chegamos em algum lugar promissor não conseguimos enxergar nada.
entrar em um trecho, descemos e seguimos a pé. A mata era densa e levava até uma estreita porteira que abria para um trecho com vegetação alta em um declive acidentado, vencendo ambos era possível estar na mesma cota do Rio Paraopeba. Finalmente conseguimos estar perto dele, a água tinha um vermelho intenso e a terra às margens dele era fofa e úmida, deixando marcas dos nossos pés por onde passávamos. Toda a superfície que pisamos brilhava intensamente como se tivesse purpurina misturada a terra negra, mas nem as câmeras fotográficas e celulares que possuíamos conseguia registrar, estávamos sobre parte dos rejeitos ainda não removidos do território que brilhava revelando a concentração densa de minérios. Do outro lado da margem escondido entre as árvores era possível ver garras de escavadeiras amarelas, talvez aquele lugar seria um dos próximos a começar as buscas por corpos
Rio Paraopeba Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor Ponto de localização da imagem no mapa
Depois de algum tempo andando descobrimos uma trilha estreita de terra que o GPS não acusava e o carro só conseguia 112
M
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PESSOAS DE FORA
OBRAS NOVO ESTÁGIO
Saímos do local cheios de lama e voltamos ao centro para comprar um chinelo para o Leonardo que havia molhado os sapatos no Rio Manso e precisava calçar algo seco.
Voltamos a grande obra na estrada que os rejeitos haviam aberto caminho e traçado um novo curso hídrico. O lugar estava diferente. A ponte se dilatava menos para os carros e um percurso seguro e isolado para o pedestre atravessar havia sido construído.
Mesmo o Município tendo uma condição espraiada de cidade, dentro do centro de Brumadinho faltavam áreas de lazer e de sombra que protegesse do calor intenso, com isso a rodoviária era um dos pontos de encontro principais de pessoas que reuniam-se próximo ao muro da linha do trem para jogar baralho e conversar. Andamos um pouco e encontramos uma loja de multi-coisas e nela existia o que precisávamos. Conversando com o vendedor perguntamos de onde ele era, ficamos surpresos quando ouvimos Paraná. Pessoas de vários lugares começaram a migrar para Brumadinho para ocupar as vagas de emprego que antes da onda de distribuição de dinheiro da Vale era ocupada pela população local. Carlos, o vendedor começou a nos contar. “Vim para cá, pois sabia que tinha emprego e vim para ficar. Quem saiu do trabalho por conta dos ressarcimentos dados pela Vale, terá problemas para conseguir outras vagas de emprego depois
Sob a ponte era possível ver uma sucessão de muros de gabião que haviam sido construídos com o intuito de filtrar naturalmente a água contaminada que passava e nas vigas de ferro da ponte era possível ler “TVM Tecnologia”. A vista era muito diferente, não havia mais tratores ou operações com corpos de bombeiros, ali as buscas haviam sido encerradas alguns meses antes. Com o fim das buscas retiraram todo o volume de rejeitos daquele trecho, com isso não existia mais montanhas de lama negra, e sim uma depressão na terra, deixando apenas o estrato natural do solo que era vermelho, próximo as árvores era possível ver as marcas das garras das escavadeiras que eliminaram todo o rejeito dali deixando o extrato mais natural, e árvores que morriam no primeiro plano.
que esse dinheiro acabar. Pessoas de outros municípios de Belo Horizonte e outros estados tem vindo para cá, alguns assim como eu com vontade de trabalhar, mas outros só para fazer bagunça. Antes do acidente as pessoas que moravam aqui deixavam os carros e as casas destrancados, mas com o número cada vez maior de assaltos e furtos isso mudou. Aqui no centro começou a ter pontos de venda de drogas também, o consumo de tudo aumentou e abriu oportunidade para comercializarem essas coisas aqui. Mas, de resto tudo esta igual, o trem passa todo dia nos mesmos horários levando minério do município e deixando sempre uma camada de poeira preta na minha loja que preciso limpar mais de uma vez por dia. Pode acontecer a desgraça que for, mas o trem não vai parar.”
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Olhamos a direita e vimos uma uma grande estação de tratamento de água escrito Allonda, provavelmente existiria funcionários ali que talvez poderiam nos dizer algo mais sobre o local. Me aproximei junto com a Raquel de um dos funcionários com um medidor de qualidade do ar. Ele franziu o semblante e outros funcionários se reuniram junto a ele enquanto nos aproximávamos, um grupo de quatro pessoas se concentraram em frente a porta da estação de tratamento, esperando nossa chegada. Me aproximei sorrindo perguntando o que era o local, nos explicaram que era uma das estações de tratamento contratadas para limpar o curso hídrico e fazer a água contaminada ser potável novamente. Gentilmente o Arquitetura pós Desastre
Lucas apontou a direção onde estava a estação de tratamento principal, para encontrá-la bastava seguir os dutos largos de água que leva a água contaminada para ser tratada. Perguntei se era um tratamento eficiente, Lucas nos explicou com calma:
Apontei para o local escavado e mostrei a foto antiga que tinha tirado e perguntei se ele sabia o que havia acontecido com toda aquela lama preta que estava ali. Lucas e seus colegas se entreolharam em silêncio e um deles respondeu.
“Eu sou do Rio de Janeiro, não sou daqui, vim trabalhar nessa
“Essa lama não pode ficar em lugar nenhum, sempre que inicia
missão, que pretende eliminar esse impacto. Lá no edifício princi-
uma busca ela some depois, pois ela tem metal pesado e se nao
pal dá para ver a água entrado em um vermelho intenso e saindo
tirar todo esse tratamento de água não faz sentido.
completamente transparente. Sempre há demonstrações da eficiência do tratamento e alguém com curso superior enchendo um
Lucas complementou:
balde com a água tratada e depois oferecendo para alguém tomar, pois dizem que depois do processo ela é segura. Mas, sinceramen-
“A lama custa mais do que todas essas empresas que trabalham
te eu nunca tomei e nem vou tomar, não tem porque assumir um
aqui também, quando ela vai embora ela vira dinheiro, pois tem
risco tão alto, acredito que o tratamento vai deixar melhor do que
minério caro nela, ela precisa ir para a Vale não sair no prejuízo
está obviamente, mas recuperar depois de tudo isso exige tempo
né.
que a natureza vai dar.”
Allonda Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor Ponto de localização das três imagem no mapa B
Vivências determinates
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Alguns dias depois da visita no dia 24 de outubro a G1 noticiou que a Vale havia lucrado 6,5 bilhões no terceiro semestre de 2019, o que fechava um saldo positivo para a empresa que teve um prejuízo de 381 milhões registrados no segundo semestre de 2019 devido ao rompimento da barragem. O desastre ao contrário do que muitas notícias apontavam não prejudicou a economia da Vale gerou novas cifras positivas. Fiquei pensando na última frase em tom de confidência que Lucas me disse antes de me despedir “Sabe que a Vale tá comprando todos os lotes perto do percurso dos rejeitos né.”
Consenti com a cabeça e disse que me contaram que era por segurança das vítimas e população. Lucas balançou em negativa com força a cabeça. “Estão comprando as casas do lado do rejeito, pois isso é o cofrinho vivo da Vale, com os lotes em tornos em nome da empresa todo o curso do rejeito vira mineradora também, pois possui uns trabalhos a mais como a busca de corpos, mas faz parte né o que é quebrar alguns ovos para ter um omelete depois grande depois disfarçado de boa ação que vários moradores daqui continuam vendo a vale como um bom pai provedor de coisa boa para o local, mesmo depois de tanta morte. Sabe… o problema não é ter mineradora, isso é bom ter, o problema é extrair minério a qualquer custo, mesmo tendo gente morrendo como foi também em Mariana.”
Obras Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor Ponto de localização das duas imagens no mapa B
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TOPO DO MUNDO
Voltamos para a estrada, queríamos conhecer um dos pontos que marcavam a relação do município com o turismo ambiental e o mais famoso entre os moradores de Brumadinho era o Topo do Mundo. Eu, Leonardo e Dany havíamos visitado duas vezes o Município antes do desastre, ambas para visitar apenas Inhotim e em nenhuma dessas mencionaram a existência do Topo do Mundo ou das cachoeiras e trilhas inúmeras que o território possuía, tão pouco sabiamos da existência dos quilombos e tribos indígenas que periodicamente tinham eventos abertos para visitas. Sofia na primeira visita disse a frase que mais inquietou este trabalho ao afirmar que Inhotim fazia parte de Brumadinho e não ao contrário, ainda que dotado de uma série de qualidades não existe nesse museu a identidade de Brumadinho, a vegetação ainda que exuberante não reflete a biodiversidade notável que o território possui e as obras ainda que bem costurada em seu tecido não fazem reflexão sobre o solo. A não ser talvez a obra Sons da Terra, pois nela o ruído extraído do
solo provem na maior parte da ação das mineradoras do local, que não param. Entramos em uma sucessão de estradas, primeiro a BR-040 e depois a BR-381, todas em ótimas condições e com uma sucessão de curvas que subia a topografia até 1500 metros de altitude onde estava o mirante. Chegamos finalmente próximo ao pôr do sol, um valor simbólico de três reais permitia o acesso a sucessão de cordilheiras altas que forma a Serra da Moeda que contem o Topo do mundo. Todo o percurso é passível de ser percorrido por trilhas que conectam em linha a Serra da Moeda. Devido o local ser um dos mais altos a vista era completa, a esquerda estava o Lago dos Ingleses e os municípios vizinhos e a direita Brumadinho em vários tons de verde com algumas manchas urbanas, ao fundo a nitidez das imagens se desfaziam pela bruma densa do final da tarde. O sol começava a se pôr e deixava todo o ambiente com uma atmosfera alaranjada e quente. No caminho desenhos se formavam entre as pedras que marcava o percurso dos que passavam ou mensagens feita com as pedras pelos visitantes,
Várias famílias e namorados se sentavam ao longo da trilha esperando o sol morrer no horizonte, outras pessoas com mochilas de viagem e roupas de trilha caminhavam por toda a trilha para cruzar a serra da moeda e depois começar a fazer trilhas que levassem a cachoeiras. Eu e o Leonardo caminhávamos lentamente tirando fotos de tudo, era um lugar de tirar o fôlego. Próximo ao por do sol a esquerda ficava azul com a lua destacada entre as nuvens, ao meio ficava a trilha das cordilheiras em que nós andávamos e a direita o sol se punha deixando o céu em tons de laranja, era possível ver o anoitecer e entardecer ao mesmo tempo ali.
Panôramica no Topo do Mundo Brumadinho, Out. 2019
Pessoas se sentavam, conversavam e comiam no ponto mais alto da cordilheira se acomodando esperando ver o sol desaparecer eu e Leonardo nos sentamos para ver com calma também.
Acervo do autor Ponto de localização da imagem no mapa N
Enquanto estava sentada escutava o sotaque de todos ali, em todas as vezes que visitei Inhotim lembro ter escutado o sotaque de diferentes partes do Brasil, da América latina e escutar outras línguas de países mais distantes, mas lá no Topo do Mundo só escutava o sotaque de Minas Gerais, isso provava
o quanto o lugar era conhecido entre os que viviam ali, mas quase desconhecido por outras pessoas. A paisagem ficava cada vez menos nítida conforme entardecia, a bruma cobria boa parte do horizonte e tons de azul e verde da paisagem se misturavam com as cores quentes do céu. Nada relacionado ao desastre era possível enxergar dali e nem da maior parte do território, o município era muito maior e ninguém ali em cima comentava sobre isso, todos falavam do céu, se abraçavam e seguravam celulares e câmeras para conseguir enxergar o sol morrer. Quando finalmente o sol se pôs, voltamos lentamente, tentando apreciar ainda mais aquele lugar no começo da noite, Brumadinho merecia ser mais visitado, ele de fato era muito mais do que os minérios incrustados em seu solo e um museu de arte, Brumadinho é enorme.
12 de outubro de 2019 penultimo dia
ACORDAR
prometidos por dois anos, que fez praticamente todo mundo sair do emprego. No maior supermercado do município, o Luna, lá
Acordei cedo sentindo cheiro de pão de queijo, nossa anfitriã nos preparou um café da manhã grande com suco de amoras colhidas do seu quintal e queijo produzido por sua vizinha. Era comum os moradores compartilharem o que produziam, pois era um traço cultural de uma população generosa que gostava de plantar e cozinhar. Mesmo as casas menores tinham hortas e a que estávamos além dissso tinha um fogão e forno a lenha usado para assar o bolo que comeríamos em breve.
no centro só na primeira semana depois desse ressarcimento ofe-
Conversavamos e contamos sobre o quanto foi especial conhecer o Topo do Mundo e o quanto precisávamos de mais tempo para conhecer os outros lugares de beleza natural. Helena nos perguntou o que pretendiamos fazer depois do café da manhã, explicamos que iríamos ao Parque das Cachoeiras, ela pensou um pouco e perguntou se iríamos aos locais do desastre, confirmamos e ela começou a nos explicar.
Além disso, esse dinheiro silenciou todo mundo, minha casa é
recido, trinta pessoa pediram demissão. Para conseguir alguém para trabalhar precisamos chamar dos municípios vizinhos, com isso a cara da cidade foi mudando. Agora tem trânsito, pois todo mundo daqui quer comprar carro e tem os veiculos das pessoas dos municípios vizinhos que vem trabalhar também. Só quero ver depois desse tempo como o pessoas daqui vai conseguir emprego de novo, pois tem gente de Minas inteira se mudando pra cá para trabalhar.
longe do desastre, assim como a maioria das casas, mas mesmo quem teve sua vida afetada nao tem reclamado, acham que o dinheiro que estão ganhando vale mais que as casas ou pessoas que perderam, é uma realidade triste. São pessoas simples, que nao estao aproveitando o desastre para pedir por melhorias para a cidade, novas infra estruturas poderiam estar surgindo, semana passada o prefeito inaugurou uma máquina de suco com o dinhei-
“As coisas mudaram muito desde o desastre aqui, é difícil encon-
ro da Vale na UPA, agora eu pergunto para quem vai servir isso?
trar pessoas para trabalhar, eu mesmo preciso cuidar de toda a
Brumadinho merece muito mais, no minimo escola melhor para
casa sozinha, limpar tudo sozinha, pois ninguém daqui quer tra-
jovens se formarem, lugar para criança ir brincar e velhinho ter
balhar depois do cala boca dado pela Vale.”
lazer.”
Perguntamos o que era exatamente esse “cala boca” e ela continuou nos explicando, “Cala boca é o dinheiro dado pela Vale, aqueles mil reais mensais
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Arquitetura pós Desastre
DE VOLTA AO PARQUE DAS CACHOEIRAS
Nos despedimos da Helena e agradecemos o café da manhã generoso, eu e o Dany saímos com os braços carimbados pelas amoras que caíram enquanto colhíamos mais para ela. Pegamos a estrada e fomos para o Parque das Cachoeiras ver como estava os locais visitados anteriormente. Tudo parecia igual, os mesmos caminhos de terra molhados por caminhão pipa para diminuir a poeira da cidade. A ONG NaAção estava fechada por conta do feriado, o que era uma pena, pois queria conversar e entender como as pessoas que viviam ali estavam lidando com os lutos das perdas que tiveram.
e seca ali e era impossivel ver o percurso da água que existia no local. A casa mais danificada preservava as mesmas características, a marca na parede que revelava a altura que a lama atingiu, o telhado quebrado e os buracos nas paredes na parte dos caixilhos das janelas removidos provavelmente para que elas pudessem ser usadas em outra. Olhei por entre um deles, a porta aberta dentro do cômodo que a janela revela mostrava que mais para dentro a frente estaria completamente aberta.
Pegamos as estradas guiada quase que pela memória dos percursos consegui chegar no primeiro local que nos deu a escala do desastre, as casas atingidas pelos rejeitos estavam lá quase que da mesma forma, mas todo mais estava diferente. Uma família composta por um casal e uma criança chorava ao lado da casa, olhei em volta e percebi que a terra estava revolvida, toda a vegetação que cobria o terreno anteriormente deixará de existir. Máquinas e bombeiros trabalhavam no local buscando corpos há alguns poucos dias e aquela família estava ali para rezar pelos seus familiares ainda com os corpos desaparecidos. Casa no Parque das Cachoeira Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor
Nós em respeito ficamos perto do carro esperando a família sair, enquanto isso olhava em volta, a casa com os escritos “por culpa da Vale agora é só lembrança” ainda estava lá. As casa não haviam sido modificadas.
Ponto de localização da imagem no mapa C
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Quando a família saiu da casa entrei devagar no terreno, era mais fácil caminhar ali sem a vegetação alta enroscando nos pés, parei ao lado da casa e olhei em volta. A lama era preta 123
Me aproximei um pouco mais para entender como estava o interior do cômodo, Leonardo imitou o meu gesto, olhamos mais um pouco, depois de um tempo ele tirou a câmera do pescoço e sugeriu que poderíamos entrar na casa para entender melhor o que aconteceu com sua estrutura devido a ação do caminho rápido e abrupto dos rejeitos após o desastre.
Casa Parque das Cachoeiras Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor
Concordei com a cabeça, em silêncio contornamos a casa e entramos pela porta lateral semi aberta, entramos na sala, a esquerda estava o quarto que a janela removida nos revelou e a direita a sala com toda a parede da frente da casa destruída, formando um grande quadro dos rejeitos resolvidos em buscas dos corpos.
Casa Parque das Cachoeiras Brumadinho, Out. 2019
Abaixo dos nossos pés estava o piso danificado, empurrado para cima por uma massa grande de lama que se petrificou, a sala parecia a cratera de um vulcão depois da lava secar. O sofá, único móvel preservado estava parcialmente engolido pelos rejeitos. Era doloroso imaginar como foi estar naquela casa durante o desastre. 124
Acervo do autor Ponto de localização das imagens no mapa C
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Ao fundo o banheiro também estava completamente danificado com parte da lama que entrou pela tubulação espirrando lama pelos dutos do sanitário e pia e rompendo a porcelana dos revestimentos.
PERSEGUIDOS
Saímos da casa igualmente em silêncio, pegamos o carro e partirmos para os outros locais.
Tudo parecia igual, a cerca frágil abria facilmente em um clique, puxei com cuidado o porta e entrei, Leonardo e a Raquel reconheceram facilmente o local que preservava as mesmas características e marcas das fotos que tirei na última visita, comecei a contar como foi estar ali com o Abraão, Dany e Rafaela da última vez, enquanto explicava com calma dois funcionários sem emblemas no uniforme nos chamaram.
Consegui encontrar o segundo ponto visitado, estacionamos o carro e nos dirigimos ao local.
Parei de conversar e olhei para eles para prestar atenção no que iam dizer. “Vocês nao podem estar aqui, por favor se retirem. (dizia enquanto apontava em direção ao nosso carro). Aqui é uma área restrita, vocês nao podem visitar nenhuma area do acidente muito menos tirar fotos da parte interior. Estarão infringindo a lei caso insistam nisso.”
Saímos sem nos defender e ficamos olhando de longe a porteira que eles fecharam tranquilamente. Eles se locomoveram até o carro deles e ficaram nos olhando com os braços cruzados. Era frustrante não poder entrar, e a presença deles nos intimidava de alguma forma. Entrei no carro e o Dany ficou mais um tempo olhando para o terreno, deu meia volta passando do lado deles e se despediu educadamente falando tchau ao que eles responderam em um só som. “Até Breve”
Interior - alta e baixa exposição Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor. Ponto de localização da imagem no mapa
Era de fato uma situação desconfortável.
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Seguimos viagem olhando as casas e ruas, o bairro estava vazio. Olhamos para trás algumas vezes para ver se estávamos sendo perseguidos e não estávamos.
Eles continuavam nos filmando e um deles respondeu sério: “É uma área de tratamento de água da empresa Allonda, eles são os responsáveis pelo controle dos danos dos rejeitos.”
Depois de andar por meia hora chegamos ao último ponto do desastre que visitamos da outra vez, o que possuía paredes enormes formados pelo mar de lama. Uma faixa amarela plástica indicava que a área não podia ser acessada, próximo ao portão do local velas acesas e flores frescas se mantinham.
Foi uma resposta curta, mas respondeu o que desejava saber. Nos despedimos educadamente e saímos dali com medo de continuar sendo perseguidos.
Entre as faixas um cone de trânsito mantinha uma placa que avisava que o acesso era proibido e que uma vez ultrapassado o limite estaríamos sujeitos a penas da lei. Olhávamos enfileirados contidos pela faixa, quando em alguns minutos o mesmo carro estacionou atrás do nosso e deles saiu os homens que pediram para nos retirarmos do outro local. Eles ultrapassaram a faixa e ficaram do lado do portão em silêncio, o símbolo no braço da camisa deles revelavam que eram funcionários da Vale. um deles tirou o celular do bolso e começou a nos fotografar e filmar. Fiquei nitidamente desconfortável, tinhamos sido perseguidos e não notamos em nenhum momento e agora estávamos sendo registrados. Parque das Cachoeiras. Brumadinho, Out. 2019.
Ficamos em silêncio posicionados no mesmo lugar olhando ao redor.
Acervo do autor. Ponto de localização da imagem no mapa I
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A lama agora tinha pontos verdes, a vegetação começava a brotar ali, além deles ao fundo uma grande área concentrava caminhões e tendas, aquilo não estava ali da outra vez, apontei para aquilo e perguntei se eles sabiam o que era.
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BAR DA SOFIA
Andamos por um tempo para ter certeza que não estávamos sendo seguidos, nao estavamos, mas o calor intenso exigiu que parássemos em algum lugar para beber algo. Dirigimos até o bar da Sofia querendo encontrá-la, mas ela não estava o que era uma pena, pois queria abraçá-la novamente. Haviam quatro mesas na varanda do bar uma cheia de homens jogando baralho entretidos, outra com dois homens bebendo e duas vazias, nos sentamos na que estava do lado deles. Ainda era cedo e sobre a mesa deles existia doze garrafas de cerveja. Preservava o medo de estar sendo perseguida e por isso olhava para as vias próximas esperando que o mesmo carro surgisse, ele nao apareceu, mas deixou um desconforto.
gem, entre elas um novo equipamento de lazer com pista de skate, provavelmente alguma obra da Vale. Dentro da cidade, uma série de novas construções de casas apareciam, todas de alvenaria e pré-fabricado. Andamos pelas ruas próximas entendendo a baixa escala dos edifícios que não possuíam mais que dois pavimentos. Andamos mais pelas vias próximas da região e pegamos a MG-040 até um ponto mais alto do território ao sul. De lá era todo o terreno e a cidade que se desenvolvia atrás dele podia ser visto. Mais ao longe ainda era possivel enxergar a cordilheira que determinava o limite norte do município e entre os picos estava o topo do mundo que visitamos no dia anterior.
SUPERMERCADO
Um dos homens começou a puxar assunto e nos contar como o bairro depois do desastre ficou parecido com um cemitério, contou dos seus amigos que morreram, da dor de conviver com isso e de como queria sair dali, mas que continuava por ser a terra que ele cresceu. Era difícil entender tudo que eles diziam, as palavras se enrolavam densas e abafadas devido ao álcool, nos despedimos educadamente e continuamos a viagem.
ARREDORES DO TERRENO
Voltamos ao centro de Brumadinho para visitar novamente os arredores da área de projeto para entender melhor a escala urbana. Dirigindo vi novas construções que se destacavam na paisa128
Por conta do feriado nada estava aberto na cidade, estávamos famintos e nos dirigimos ao unico local com comida que encontramos: um supermercado mais afastado chamado Supermercado BH. Ao entrar vi na decoração uma série de fotos antigas do Município quase todas jamais tinha visto, havia sido muito difícil encontrar fotos históricas do local, as poucas que encontrei estavam disponíveis no site do IBGE. Perguntei em um dos caixas se poderia pegar os arquivos digitais daquelas imagens, mas ninguém sabia onde estava. Sugeriram por fim que fosse ao centro de turismo de Brumadinho para tentar conseguir o que desejava. Acordei cedo no dia seguinte e não encontrei o espaço nem indicações de que horas poderia abrir. Precisavamos voltar o quanto antes para evitar o trânsito de São Paulo. Finalmente me despedi do Município de Brumadinho e peguei a estrada ensolarada como em todos os dias da viagem. Arquitetura pós Desastre
Nova infraestrutura urbana Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor Ponto de localização da imagem no mapa O
Nova constução Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor Ponto de localização da imagem no mapa P
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ARQUITETURA PÓS DESASTRE
Porque arquitetura pós desastre
Os resultados mais diretos, quando se deseja pesquisar sobre arquitetura pós desastre, levam em sua maioria a arquiteturas de caráter efêmero pela sua materialidade e que buscam quase em sua totalidade responder a uma necessidade básica humana que é o habitar. Tal abordagem tem uma série de elogios e críticas associadas e uma extensa bibliografia com uma série de projetos, arquitetos e trabalhos acadêmicos, que produzem e refletem sobre este tipo de construção, para a qual a arquitetura tem uma considerável demanda no Brasil e no mundo. Grandes arquitetos, como Shigeru Ban, com projetos renomados, como a Paper long house, atendem de forma consistente, povos atingidos por catástrofes e dão uma solução barata e rápida para princípios básicos como o habitar. Ainda que o mundo tenha muitos projetos de rápida execução, que visam atender um problema urgente de forma provisória, 132
como a ONG Teto no Brasil, com a produção de casas para a população carente e da ACNUR, agência da ONU para refugiados, entre outros órgãos, uma análise da aplicação destas estruturas mostra que por mais que a intenção do projeto seja o de ter uma vida curta, pois tem como pressuposto atender um problema imediato, para depois aquela arquitetura ser substituída ou destruída, de forma geral não é isso que se constata.
Imagens da esquerda para a direita: 1. Abrigos de Emergência de Papel para ACNUR – Campo de Refugiados de Byumba, Ruanda, 1999. Projeto: Shigeru Ban. Sem
A análise dos projetos existentes pós desastre mostram uma disparidade na qual as construções de um campo de refugiados, por exemplo, não costuma durar em média mais de três anos, enquanto que o campo em si pode durar de 10 a a17 anos como algusn registros demonstram. E, casas como as construídas pelo Teto e outras entidades, por mais que tenham a intenção de abrigar por um tempo curto, acabam se tornando habitação definitiva dos beneficiados.
autor; 2. Casas Paper Log - Kobe, Japão, 19953. Paulo Freire, 1989. Autor: Silvio Correia. Projeto: Shigeru Ban. Sem autor. 4. Sistema 4 de Partições de Papel - Japão, 2011. Projeto: Shigeru Ban. Sem autor. 5. Shigeru Ban. Sem data. Sem
Nesta disparidade entre o tempo que o projeto foi previsto para
autor.
Arquitetura pós Desastre
durar e o quanto ele realmente existe e atende às vítimas de desastre é onde residem as principais críticas a estes projetos. Um projeto, por exemplo, que tem como partido abrigar por um breve tempo, provavelmente terá uma série de problemas nas qualidades que o envolve: conforto térmico, durabilidade dos materiais usados em sua construção, qualidade espacial e diagramação geral de programas, entre outros. Assim, é comum dentro dos vários exemplos de projetos finais de graduação que escolheram trabalhar com arquitetura pós desastre, ainda que tenham excelentes análises e referências que embasam seus projetos, acabam por produzir uma arquitetura que reduz uma das experiências básicas que o projeto traz, que é a do indivíduo com o objeto construído, principalmente no que envolve suas qualidades espaciais e que lhe trará a sensação de pertencimento ou não.
Decidiu-se pela construção de outro elemento arquitetônico que marcasse um momento na história no Município de Brumadinho, mas que não tivesse um caráter óbvio de construção pós desastre. Desta forma, não é um memorial às vítimas que se deseja produzir ali - por mais que este seja um projeto válido e devesse existir no território - muito menos algo de caráter efêmero, que a maioria das arquiteturas pós desastre evoca. O que se pretende produzir é uma arquitetura, com escala urbana, de uma escola de ensino técnico, ligado à ecologia. Tanto o projeto, quanto programa desta escola pretendem celebrar a vida dos que estão no território, da natureza que o espaço possui, da necessidade de pertencer e desenvolver o espaço existente, através da educação e do espaço.
“...eu acho que a arquitetura também é uma maneira de ensinar.” (Helio Duarte, 1985)
Este trabalho, não diferente deste raciocínio base, começou se desenvolvendo sobre o mesmo viés. O desastre de Brumadinho gerou uma área grande devastada pelos rejeitos, decorrentes do rompimento da barragem. Isso não criou apenas um abalo ambiental, mas destruiu várias casas que ficavam próximas ao leito do rio, principalmente no Parque das Cachoeiras, bairro mais afetado do município. Um sistema de habitação seria o objeto de desenvolvimento de projeto para esta área, se uma visita de campo não tivesse sido feita. A conversa com a população local e a visita do território, apenas quatro meses após o desastre, mostrou que o problema habitacional havia sido resolvido rapidamente, mas que outros problemas eram presentes e pujantes no território. Arquitetura pós Desastre
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Pôr do sol no Topo do Mundo. Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor
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Paisagem o poder da paisagem Minas Gerais é marcado por um terreno acidentado de grande extensão, precisamente de 586.522.111 km² e de altitudes que variam entre 1200 e 1400 m em relação ao nível do mar que o território não alcança, as ondas são vistas através de formações rochosas que Aziz Ab’Saber chama de mares de morro, que marcam a história, cultura e economia deste lugar. A capital do estado de Minas Gerais tem em sua formação 34 municípios que constituem a Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH, entre eles a apenas 60 km de distância está o Município de Brumadinho, que está sob sua influência direta.
Uma das características físicas mais marcantes dizem respeito às montanhas altas de Brumadinho que se juntam formando a letra L que marcam o encontro de duas cadeias de montanhas que são a Serra da Moeda e o Fecho do Funil e entre ambas está a maior reserva ambiental do local a Serra do Rola Moça. E justamente na Serra da moeda há a área mais alta do município conhecido como a Serra da Calçada, com 1583 metros de altura sobre ela está o mirante chamado como Topo do Mundo.
Contido em seu nome está a poética de sua característica física e de formação, anexado a partir do Município de Brumado, o Município de Brumadinho assim como ele tem a marca de em todas as manhãs ser coberto os seus vales do Rio Paraopeba de uma bruma densa e fria que se dissipa logo nas primeiras horas do dia, mas retorna ao final das tardes. A paisagem possui uma linguagem própria no Município de Brumadinho, algo pouco explorado para visitantes de outros locais, mas fruto de muito orgulho para os que ali vivem, nasceram e foram criados. Ela constitui uma marca para os que se relacionam intimamente com este espaço, que pescam, vão para pontos altos para ver os mares de morro, tomam banho de cachoeira, fazem trilhas e se orgulham das marcas de extração de minério, mesmo desejando que elas trouxessem mais riqueza para a região e que não fosse palco de um dos maiores desastres que já ocorreu no país. 136
Vista para o Topo do Mundo Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor
Vegetação nativa no Topo do Mundo à luz do pôr do sol. Topo do Mundo, Out. 2019. Acervo do autor
Arquitetura pós Desastre
O ponto é um dos mais admirados das áreas de beleza natural da região, e o mirante faz jus ao nome, pois estar sobre a cadeia de montanhas gera uma vista privilegiada dos mares de morro que constituem o local, dos cursos de rio e lagos, da bruma densa que torna a visão turva do horizonte no final da tarde, das áreas de cidade pulverizada pelo Município de Brumadinho e dos vizinhos. Por estar posicionado no local mais alto com azimute norte e sul é possível ver o anoitecer de um lado da cadeia, e diametralmente oposto o pôr do sol. É uma experiência única com uma paleta de cores variadas no céu que vão desde o azul frio na lua que levanta até o laranja intenso do sol que desaparece na paisagem. Pelo local é possível perceber a formação do espaço de Brumadinho que acumula uma série de paisagens, rios piscosos, cachoeiras para fugir e se molhar, está um dos potenciais mais altos do local e menos explorados pelo prazer da sua contemplação, seja aninhados nas cores das rochas, tentando entender para onde os rios correm, quais bairros que formam as cidades diminutas pela grande altura que permitem aos olhos lerem por assim dizer a paisagem. Contemplar, apreciar e viver a paisagem tão distintas é fruto de uma experiência marcante para um peregrino em vários momentos da história, assim como Charles-Édouard Jeanneret em sua viagem ao Oriente também em um fim de tarde, ao desembarcar no porto de Dafne, relata ao observar a paisagem: “Acreditei ter chegado a uma ilha de outrora onde cada vestígio ergue-se em evocação, com uma poesia feita apenas do culto das coisas findas. A hora não era apenas bucólica, mas cheia de silêncio e apaziguamento, e sobretudo sagrada”. Para apoiar este discurso, soma-se os argumentos do escritor Jean-Mare Besse em seu livro Ver a Terra onde ele defende que observar “[...] a natureza e lerem a paisagem constitui um patrimônio comum a todo um meio cultural onde o olhar do O peregrino sobre o mar de névoa Tinta a óleo sobre tela. 94,8 x 74,8 cm. Pintor: Caspar David Friedrich, 1818
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pintor, do arquiteto, do escultor tinha a mesma percepção do real que aquele de um filósofo da natureza cheio de curiosidade, de um investigador de metais ou de um técnico de minas”. (BESSE, 2006, p. 18). Deste modo um paralelo pode ser feito a segunda visita a Brumadinho em outubro de 2019, onde ver a escala de uma pessoa sobre a paisagem ampla que se abria ao horizonte no Topo do Mundo gerou uma conexão direta com o quadro O caminhante sobre o mar de névoa de Caspar David Friedrich, ler a paisagem como observador é uma experiência única, e Brumadinho tem características naturais únicas, um meio físico que merece ser melhor explorado e descoberto, seja pelo estudo científico ou por meio do turismo ambiental e ecológico. O mundo físico se reflete no mais profundo de nós, em toda sua verdade viva. Tudo o que dá a uma paisagem seu caráter individual - o contorno das montanhas que delimitam o horizonte, os planos de fundo vaporosos, a escuridão das florestas de pinho, a torrente que escapa do meio dos bosques e cai com estrondo entre as rochas suspensas - esteve desde sempre uma relação misteriosa com a vida interna do homem. (HUMBOLDT, 1868, p. 258-259)
Humboldt defende a ideia que a partir do romantismo mais se difunde; a de observar a natureza e ter prazer com isso, para entender este território como qualquer outro é preciso estar nele, explorar os espaços se tornam uma experiência antropológica como Besse defende, porque mais do que os espaços em si é importante entender as pessoas que vivem ali, os sotaques que se misturam à paisagem, as culturas diversas, seja dos ribeirinhos, quilombolas, indígenas, mineiros, brumadenses, todos que dividem o mesmo extenso território e tem prazer em falar sobre ele e os que vivem e viveram ali. [...] parece, consequentemente, mais razoável encarar a questão da Topo do Mundo. Brumadinho,
Arquitetura pós Desastre
Out. 2019. Acervo do autor 139
paisagem no âmbito de uma indagação antropológica geral sobre
montanhas, as sinuosidades dos rios e também as diferentes for-
o desenvolvimento e as transformações das “culturas visuais” do
mas de estabelecimento humano sobre a Terra. “O conhecimento
que encará-las de modo restritivo somente no interior da esfera da
geográfico tem por objetivo a elucidação destes signos, disto que a
estética. (BESSE, 2006, p. 62)
terra revela ao homem sobre sua condição humana e seu destino” (BESSE, 2006, p. 70)
A partir dessa visão os mapas do Município de Brumadinho podem ser analisados, não com uma leitura fria, por mais que o conjunto das suas análises estabeleça uma intenção de análise, que pretende provar a pertinência de uma escola técnica de ensino ligado à ecologia. Os mapas que serão apresentados na sequência tem por objetivo estabelecer uma chave de leitura do meio físico para a partir dele estabelece uma concatenação de relações onde mostrar a complexidade do meio físico a que este se encontra justificada o projeto proposto.
Os signos mencionados por Besse é tudo aquilo que se pretende reconhecer neste espaço que compõem e definem este território, desde os mínimos detalhes como as vegetações variadas do espaço, composição geológica do solo, balanço hídrico, pontos de turismo ecológico entre outros que compõem dão unidade a paisagem própria de Brumadinho.
há uma grafia objectiva da terra, e o saber geográfico é funda-
“[...] o pintor e o cartógrafo, ambos observadores de espaços e de fenômenos do mundo terrestre, desenvolvem uma arte de leitura visual dos signos que constituem a qualidade própria da paisagem.”
mentalmente o empreendedor a leitura e a decodificação destes
(BESSE, 2006, p. 19)
[...] é nesse sentido que Eric Dardel entenderá a palavra geografia:
signos da escrita que são os desenhos das costas, os contornos das
Rio Manso Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor.
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Arquitetura pós Desastre
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LEGENDA
GEOLOGIA - GEOTECNIA
Corrego do Feijão Inhotim área do projeto Rio Paraopeba Grupo Nova Lima 142
Canga Complexos Granito - Gnássicos Depósito Aluvionares e Coluvionares Formação Batal
Formação Cercadinho Formação Gandarela Formação Caué E.F.F. do grupo Nova Lima Grupo Tamanduá e formação Moedal
5km
FONTE: Agência Nacional das Águas, 2015 - modificado pelo autor em 2019
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LEGENDA
PONTOS TURISTICOS Corrego do Feijão Inhotim área do projeto Rio Paraopeba
CACHOEIRA TRILHA DE BICICLETA MIRANTE TRILHA
5km
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FONTE: Agência Nacional das Águas, 2015 - modificado pelo autor em 2019
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LEGENDA
BALANÇO HÍDRICO Corrego do Feijão Inhotim área do projeto Rio Paraopeba Represa Rio Manso
Excelente Confortável Preocupante Crítica Muito Crítica
5km FONTE: Agência Nacional das Águas, 2015 - modificado pelo autor em 2019
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O diagrama acima feito pelo autor para esta analise mostra a dinâmica hídrica do município de Brumadinho. O rompimento da barragem contaminou parcialmente o Rio Paraopeba, porém não a represa do Rio Manso, principal fonte de distribuição hídrica do local, e Belo Horizonte. Porém, ainda que a água encanada seja de consumo seguro, muitos locais, como o bairro
das Cachoeiras, têm acesso apenas à água de poço que tem contaminação por capilaridade. Em relação a bacia do Paraopeba, da qual parte se encontra no município de Brumadinho, ainda por falta de dados técnicos não é possível confirmar se esta se encontra limpa, pois também pode ter sofrido de contaminação capilaridade. 145
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Entardecer no Topo do Mundo. Brumadinho, 2019. Acervo do autor.
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Educação o poder da educação
Qual o porquê da escolha por um projeto de uma escola técnica de ensino ligado à ecologia para o território do Município de Brumadinho pós desastre? Para facilitar esta resposta podemos dividi-la em quatro etapas de perguntas fundantes que depois têm suas respostas desenvolvidas: • Por que uma escola? • Por que uma escola técnica? • Por que uma escola técnica de ensino ligado à ecologia? • Por que uma escola técnica de ensino ligado à ecologia para o território do Município de Brumadinho pós desastre? Para apoiar este discurso e defesa este trabalho utiliza três grandes teóricos sobre ensino: Paulo Freire, Anísio Teixeira e John Dewey.
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POR QUE UMA ESCOLA?
A escola é um símbolo, que evoca liberdade e democracia através do ensino. Com isso assim como defendido e reiterado muitas vezes por Paulo Freire em seu livro Pedagogia do Oprimido como aponta Walter Konan, ensinar e aprender são atos políticos e por tanto não pode ser resumidos apenas a uma técnica de abordagem pedagógica. A educação é mais entendida como uma força social libertadora do que como uma instituição ou sistema específico que pode ser descrita através de estruturas de libertação, humanização conhecimento científico verdadeiro e diálogo em um sistema que Paulo Freire reitera muitas vezes em seu discurso que é a transição de um sistema de oprimidos para um de liberdade.
4. Matthew Lipman (Vineland, Nova Jersey, 1923 - West Orange, Nova Jersey, 2010) filósofo americano, reconhecido como fundador da filosofia para crianças, também um dos principais estudiosos acerca de Dewey, enquanto professor na Columbia
Quando eu digo da natureza política da educação, eu quero sa-
University ele desenvolveu um
lientar que a educação é um ato político. Por isso mesmo não há
sistema de ensino através do uso
por que falar de um caráter ou de um aspecto político da educa-
da lógica para auxiliar no apren-
ção, como se ela tivesse apenas um aspecto político, mas não fosse
dizado de crianças.
Arquitetura pós Desastre
a construção de algo próprio e que estabeleça uma resposta crítica e coesa.
Imagens da esquerda para a
uma prática política. E não há uma escola que seja boa ou ruim em
direita:
si mesma, enquanto instituição. Mas ao mesmo tempo não é pos-
1. Project for Black Mountain
sível pensar a escola, pensar a educação fora da relação de poder;
College. Por: Walter Gropius,
quer dizer, não posso entender a educação fora do problema do
“Uma vez, no início das minhas viagens pelo mundo, alguém me
Marcel Breuer, North Carolina:
poder, que é político. É preciso que os educadores estejam adver-
perguntou, não lembro onde, “Paulo, o que nós podemos fazer
Perspective, 1938-1939;
tidos disso porque, na medida em que o educador percebe que a
para segui-lo? Para seguir as suas ideias?.” E eu respondi: “Se você
2. John Dewey, 1958. Sem autor.
educação é um ato político, ele se descobre como um político. Na
me seguir, você me destrói. O melhor caminho para você me se-
3. Paulo Freire, 1989. Autor:
verdade o educador é um político, é um artista, ele não é só um
guir é você me reinventar, e não tentar se adaptar a mim” (Freire;
Silvio Correia.
técnico, que se serve de técnicos, que se serve de ciência. (FREIRE,
Freire; Oliveira, 2009, p. 24).
4. Anísio Teixeira, Sem data.
2018 [1995], p. 40).
Sem autor. 5. Escola Parque. Salvador, 1950. Sem autor.
Entender o ensino como um ato político insere esta proposta como um desejo de mudança para o território de Brumadinho através da estrutura de uma escola que pode funcionar como um elemento de regeneração e mudança.
POR QUE ENSINO TÉCNICO?
Durante suas pesquisas e apontamentos sobre Dewey, Konan em entrevista com seu orientador de doutorado Matthew Lipman4 o questiona sobre qual seria a conexão que Dewey estabelece entre filosofia, educação e democracia, o que ele responde como integrantes juntamente de uma forma de investigação. 5. IDE: Índice de Desenvolvimento de Ensino Básico 6. CNE Conselho Nacional de Educação / CEB Câmara de Educação Básica.
Arquitetura pós Desastre
O que pesquisadores e críticos do sistema de ensino como Paulo Freire, Anísio Teixeira e John Dewey nos mostram é que o que diferencia um sistema de ensino e sua efetividade é não replicar sistemas pré existentes apenas como uma ação padronizada independente das especificidades de uma população e lugar, mas pelo contrário considerá los vetores para
A educação pode ser entendida por estes três autores de uma forma geral, como uma ferramenta que impulsione ou melhore a democracia, a que todos por essência deveriam ter acesso facilitado. A filosofia se torna ferramenta de defesa juntamente com os projetos pedagógicos que cada um desses pesquisadores implementam para demonstrar a efetividade de uma análise crítica das condições vigentes antes da reprodução sistematizada de um ensino sem crítica, isso gera resultados de exímia excelência como os apresentados por Freire que consegue em um dos momentos históricos de sua carreira alfabetizar um grupo de pessoas em apenas quarenta dias. Com isto é preciso entender a população, antes de se propor um sistema de ensino. As analises dos últimos dados oferecidos pelo IDEB5 mostram que a adesão ao ensino básico no Município de Brumadinho bem como aproveitamento ainda que seja boa em comparação aos municípios vizinhos como Aranha, Tejuco, etc, perde força quando se trata de ensino médio. O aproveitamento é reduzido e muitos não se formam e com isso não ingressam nas universidades. Deste modo viu-se que o local precisa não de uma escola de 149
nível básico dotadas dos primeiros anos, nem de ensino superior, pois o território já conta com quatro universidades, mas uma escola de ensino técnico que é uma escola profissional que consegue integrar em sua matriz curricular tanto as competências do ensino médio quanto do ensino profissionalizante segundo as normas do CNE/CEB6.
POR QUE O ENSINO TÉCNICO LIGADO À ECOLOGIA?
Ecologia
substantivo feminino [biologia] Ciência que estuda as relações dos seres vivos entre si ou com o meio orgânico ou inorgânico no qual vivem. [por analogia] Estudo das relações recíprocas entre o homem e seu meio moral, social, econômico.
Os visitantes de Inhotim visitam o museu, e utilizam Brumadinho como uma cidade dormitório e dificilmente exploram seu extenso território, a Vale bem como outras mineradoras extraem todos os dias quantidades massivas de minério, mas não trazem este material beneficiado novamente para o território. Brumadinho precisa ser melhor explorado, conhecido e valorizado e o ensino pode ser uma chave para isso. O ensino técnico segundo CNE/CEB 16/99 constitui uma modalidade de ensino profissionalizante, “integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir ao cidadão o direito ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social”, esta escola técnica ligada a ecologia é destinada para isso, para além do ensino a qualidade profissional do indivíduo seja valoriza, seu território seja explorado e as tecnologias associadas a estrutura proposta possam dar novas opções de trabalho e visibilidade ao local. Vale dizer que a escola de que precisamos urgentemente é uma es-
A definição do dicionário estabelece uma ideia de grafia, o estudo de relações do meio físico e social, por meio da educação e trabalho que a escola técnica pressupõe somado a todos os cursos estarem associados a ecologia pretende-se dar uma chave de leitura para o espaço de Brumadinho de reconhecimento técnico científico, e como um novo agente econômico para o espaço.
cola em que realmente se estude e se trabalhe. Quando criticamos,
Hoje os principais agentes econômicos da região de Brumadinho é o turismo ligado a Inhotim e a mineração ligada a várias empresas, mas com presença dominante da Vale, ambas geram um fluxo de pessoas e materiais específicos que têm em comum o pouco reconhecimento das qualidades que este território possui principalmente ligados a ecologia que é um potencial local.
O ensino presencial com muitas opções de ensino de campo associadas ao estágio assistido que esta escola propõe tem o desejo de reforçar características da região bem como gerar novas técnicas associadas a ela, como os vetores de pesca, agroecologia, extração de minério, turismo ambiental que poderia ser muito melhor desenvolvida. A ideia é entender este território e a partir do vetor de uma escola potencializar
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ao lado de outros educadores, o intelectualismo de nossa escola, não pretendemos defender posição para a escola em que se diluíssem disciplinas de estudo e uma disciplina de estudar. Talvez nunca tenhamos tido em nossa história necessidade tão grande de ensinar, de estudar, de aprender, mais do que hoje. (FREIRE, 2014 [1992], p. 158)
Arquitetura pós Desastre
suas características que tantos moradores da região defendem com orgulho.
POR QUE TAL ESCOLA NO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO PÓS-DESASTRE?
A análise de escolas como a Escola Parque, a UNB em Brasília e Escola Nova difundidas por Teixeira e a universidade Black Mountain que teve um dos fundadores o Dewey, apresentam em comum a implementação de projetos pedagógicos bem como arquitetônicos que partiam da análise de condições vigentes, replicadas ao longo de anos e o questionamento de sua eficiência e qualidade para a criação de algo novo que fossem uma resposta ao momento vigente bem como público alvo.
“[...] a experiência é uma fase da natureza, é uma forma de interação, pela qual os dois elementos que nela entram – situação e agente – são modificados.”
Dewey implantou uma escola em um sistema pós guerra que exigia respostas, Paulo Freire implementou um sistema de ensino considerando a deficiência patente do ensino vigente no Brasil até aquele momento, Teixeira, não diferente implementou escolas e universidade tentando dar autonomia para a população bem como qualidade no processo de aprender. O desastre que acometeu o território de Brumadinho é uma marca profunda, as perdas humanas e da natureza são reais e marcantes, este projeto visa resinificar este luto por meio de uma resposta coerente aos dados físicos e sociais que o território apresenta, como Dewey defendia este trabalho também se apoia na educação como reconstrução da experiência. A situação neste caso é o desastre de Brumadinho e o agente o ensino. Como uma resposta a este território o ensino é técnico ligado à ecologia, para que por meio do ensino e do trabalho que este ensino prepara o indivíduo possa ter uma relação maior com o território que ela está inserida.
(DEWEY, 1980, p.114)
Ainda que sejam sistemas relativamente antigos as ligações entre autores como por exemplo Freire e Dewey que são muito estudadas nos Estados Unidos por autores como Feinberg e Torres entre outros, bem como considerar que Paulo Freire ainda hoje é um dos autores brasileiros mais citados no mundo nos mostra que ideias como difundidas por estes autores ainda valem ser difundidas e estudadas.
“Se alguma vez houve um tempo para reintroduzir Freire nas escolas, nos campos e nos grupos de resistência política que brotam em todo o país este tempo é agora” (CARNOY; TARLAU, 2018, p.100)
Arquitetura pós Desastre
Os cursos voltados para esta escola que são Engenharia ambiental e sanitária, Geologia, Agropecuária e Turismo Ambiental, todos integrados ao Ensino Médio visam explorar este território, estudá-lo, interagir com toda sua população, lidar com as condições naturais ligadas a sua formação natural bem como os impactos inerentes ao desastre. Um polo de ensino técnico ligado a ecologia com isso se coloca no território para criar um polo de encontro, reflexão e economia que olhe e ressignifique este espaço, o ensino e a arquitetura e paisagismo da escola proposta se apresenta por meio da educação que como Dewey defende como um processo de reconstrução e reorganização da experiência para ressignificar o presente e gerar novas experiências futuras, este é o poder que a educação possui.
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estruturação e conceituação da escola e seus cursos Como dito este trabalho é resultado de uma série de pesquisas, sem as quais seria impossível chegar neste volume de trabalho. Uma resolução apenas no escopo do urbanismo e arquitetura ainda que nestes tenha mais ferramentas de trabalho e resposta pela minha formação não parecia suficiente para chegar em um programa com clareza e implicação clara. Com isto viu-se como necessário o embasamento através de uma série de pesquisas que pudessem criar uma grade curricular através de uma análise atenta das demandas e necessidades do Município de Brumadinho e através dela entender quais as necessidades de espaço e arquitetura. A intenção é apresentar uma pedagogia não imbuída completamente de “certezas” a qual Freire questiona, pelo contrário, mas que a partir dela um todo possa ser mensurado e articulado. Uma pedagogia será tanto mais crítica e radical quanto mais ela for investigativa e menos certa de “certezas”. Quanto mais “inquieta” for uma pedagogia, mais crítica ela se tornará. Uma pedagogia preocupada com as incertezas que se radicam nas questões que discutimos é, pela própria natureza, uma pedagogia que exige investigação. Assim, essa pedagogia será muito mais uma pedagogia
gerais apresentados pela Pró-Reitoria de Ensino (PROEN)8, bem como da análise das grades curriculares de cursos de Bacharelado e Técnico dos cursos apresentados nas faculdades e escolas principalmente de Minas Gerais e outros estados com condições de solo e vegetação análogas ao do Município de Brumadinho como são alguns lugares da Bahia e Goiás, para que estes estudos pudessem pensar em uma grade mais adequada para as necessidades e particularidades da população e território de Brumadinho. Com isto para obtenção do certificado e diploma, de todos Curso Técnicos apresentados, ou seja, de Engenharia ambiental e sanitária, Geologia, Agropecuária e Turismo Ambiental, todos integrados ao Ensino Médio, o estudante deverá ter concluído todas as disciplinas previstas para curso, com aproveitamento, inclusive do estágio curricular com apresentação oral de projeto de pesquisa de desenvolvimento, fomento de projetos acadêmicos e tecnológicos destinados especialmente a região de Brumadinho onde a escola técnica se situa bem como municípios circundante, bem como desenvolver exposições e apresentações dentro de seu campo visando expor os projetos desenvolvidos para todos moradores e visitantes do município.
da pergunta do que uma pedagogia da resposta. (Freire; Macedo, 2015 [1990], p. 89)
Todas as matrizes dos cursos previstos para a escola técnica proposta partiram de diretrizes e recomendações já expostas pelo Departamento de Ensino Técnico (DET)7, de diretrizes 152
7. Departamento de Ensino Técnico (DET): Departamento da Pró-Reitoria de Ensino que trata de assuntos relacionados aos cursos técnicos que dá suporte pedagógico e administrativos no estado de Minas Gerais. 8. Pró-Reitoria de Ensino (PROEN): órgão executivo que planeja, superintende, coordena, fomenta e acompanha as atividades e políticas de ensino, articuladas à pesquisa e à extensão (art. 92 – Regimento Geral do IFNMG). 9. Este programa de Saberes Tradicionais, encontra-se em diálogo e se inspira na proposta do Encontro de Saberes do Instituto Nacional de Ciência e Tecno-
A proposta da estrutura geral dos cursos preveem a educação de campo que consiste de uma modalidade de ensino que ocorre em espaços denominados rurais. Que diz respeito a todo espaço educativo que se dá em espaço da floresta, agro pecuária, das minas, da agricultura, espaços pesqueiros,
logia (INCTI) de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa da Universidade de Brasília (UnB). Ao conceder hospitalidade aos saberes das culturas afrodescen-
Arquitetura pós Desastre
comunidades quilombola, assentamentos indígenas, dentre outros, além de ações em outras escalas de urbanidade mais condensada ou espraiada. A organização e estruturação da grade curricular de cada curso visam constituir corpos de ações distintas no território que elas se inserem: o Município de Brumadinho.
dentes, indígenas e populares, o
A ESFERA HUMANA COMO PRIORIDADE A SER ATENDIDA
projeto procura abrir a universidade a experiências de ensino e pesquisa pluri epistêmicas. Os cursos são oferecidos às alunas e alunos de todas as graduações da UFMG. 10. Pedagogia da Alternância: Entende-se por pedagogia da alternância a organização do
Entendendo o território e os gráficos associados ao desenvolvimento de ensino local, bem como municípios circundantes diretos em gráficos atualizados pela última vez em 2017 pelo IDBH (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) revela que a região possui alto aproveitamento e matrículas no ensino fundamental, principalmente quando comparada a cidades circundantes, porém possui baixa adesão no ensino médio. Com isso a melhor modelo de escola volta para este espaço que pudesse atender as demandas locais era a técnica.
processo educacional em dois momentos, que se alternam continuamente, integrando os saberes camponeses e os saberes científicos: o Tempo Escola, composto pelo período presencial do
A intenção geral é criar um polo de ensino tecno científico rápido que prevê juntamente com sua matriz estágio assistindo e vivência em campo que consiste em todo território de Brumadinho, capacitando, efetivamente o aluno e o inserindo no em todas as escalas distintas que o território possui.
Entendendo que entre as formas de conhecimento residem os saberes tradicionais que pode ser entendido como um conjunto de informações desenvolvidas por meio da memória coletiva de um grupo e transmitidas oralmente. E compreendendo o Município de Brumadinho como expoente nesse critério por reunir muitos destes tipos de conhecimento devido a uma forte presença de comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas e somado a isso compreender a inclusão em Minas Gerais do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais9 que existe devido a iniciativa da UFMG desde 2014 em primeiro momento como experimental e já no ano seguinte em 2015 como oficial com reconhecimento do MEC. Como todos os cursos proposto nesta escola abrange o reconhecimento e exploração do meio físico a que o território sucinta e também associado a estudos ligados ao impactos inerentes ao desastre decorrente da ruptura da barragem do Córrego do feijão, somar e dar visibilidades aos conhecimentos locais de povos tradicionais presentes no local parece inerente a formação desejada que visa além de explorar a biodiversidade local como dar visibilidade a escala humana e cultural da região. Tangível e essencial à sua conservação e uso sustentável: o conhecimento, inovações e práticas tradicionais das comunidades indígenas e locais. Esse elemento compreende: Desde técnicas de
educando nas aulas e atividades
recursos naturais até métodos de caça e pesca, conhecimentos so-
pedagógicas da instituição de en-
bre os diversos ecossistemas e sobre propriedades farmacêuticas,
sino, e o Tempo Comunidade, re-
A ESFERA CULTURAL
ferente ao período de atividades práticas desse educando em sua comunidade de origem. Fonte: GIMONET, Jean-Claude. Praticar e compreender a Pedagogia da Alternância dos CEFFAS. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
Arquitetura pós Desastre
alimentícias e agrícolas de espécies e as próprias categorizações e classificações de espécies de flora e fauna utilizadas pelas popula-
Esta escola técnica também prevê em sua matriz geral a valoração bem como estudos embutidos em sua grade os chamado saberes tradicionais, entendendo que o universo científico ao qual esta escola técnica em suma está voltada não entende por completo estudos e trabalhos que o território de Brumadinho suscita.
ções tradicionais. (SANTILLI, 2005, p. 192)
Deste modo, a grade curricular dos cursos técnicos propostos bem como estágios assistidos e fomentos à pesquisa, exposições e ações ligadas ao Município de Brumadinho preveem uma educação de alternância10. 153
A ESFERA DA SUSTENTABILIDADE
Percebendo esta escola técnica como um vetor de desenvolvimento além de social também sustentável por imbuir na sua matriz questões que abrangem exploração sustentável de recursos bem como controle dos impactos decorrentes do desastre do Córrego do Feijão que fomentou toda esta pesquisa e sugestão deste projeto. Compreendendo este elemento arquitetônico e econômico deste complexo educacional técnico a partir da demanda atual do reforço da capacidade científica que tenta nesta era mais do que outras buscar um desenvolvimento sustentável. Entendendo tambem questões aplicadas a agenda 2111 que enfatiza a necessidade de “reforçar as bases científicas para realizar uma gestão sustentável”12 . Estudar sua base de recursos e seus sistemas ecológicos respectivos e para ordená-los melhor com o objetivo de fazer frente aos problemas nos planos nacional, regional e mundial traz a tona a indagação acerca de como poderia a ciência se mobilizar na busca de soluções aos problemas ecológicos.
AS ESFERAS ECONÔMICA E TECNOLÓGICA
Ainda que seja mais comum na região modalidades de ensino EaD13 a escola de curso técnico proposta pretende se desenvolver de forma presencial14, pois entende-se que a exploração e engajamento de um novo polo econômico que esta escola pretende se tornar para a região deva partir de algo presencial de contato direto com a escola proposta bem como todo município de Brumadinho. A disposição dos cursos se dá em três períodos; manhã, tarde e noite com o intuito de poder atender uma gama grande de estudantes com diferentes necessidades de tempo, com isso planeja-se a otimização da carga horária de modo a aprovei154
tar o máximo possível a carga horária dos cursos, criando-se desta forma condições mais favoráveis ao desenvolvimento da sua proposta pedagógica destinada principalmente a adolescentes e jovens adultos que podem ter um ensino integrado já com estágio assistido dentro de sua grade proposta, bem como ter opções de turnos de ensino para se adequar melhor o seu aproveitamento.
11. Trata-se de conjunto de normas que buscam o desenvolvimento sustentável do ponto de vista social, econômico e ecológico, que fora subscrita no Cume da Terra, que foi celebrado em 1992 no Rio de Janeiro (Brasil) durante a Conferência
Em um âmbito geral esta escola técnica prevê a inovação científica e tecnológica por meio de sua estrutura base, com o intuito de imbuir na escola bem como no município de Brumadinho novas tecnologias e melhorias significativas em produtos e processos existentes e comuns na região como agricultura, estudo e manejo de solo e biodiversidade, controle de águas e exploração de ecossistema.
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. 24 FUNTOWICZ, Silvio; MARCHI, Bruna de. Ciência pós-normal, complexidade reflexiva e sustentabilidade. In LEFF, Enrique. (coord.); tradução de Eliete Wolff. 2.ed. São Paulo: Cortez,2010.
Considera-se que uma inovação tecnológica de produto ou pro-
p.65 25 Organização das Na-
cesso tenha sido implementada se tiver sido introduzida no mer-
ções Unidas – ONU, Comissão
cado (inovação de produto), ou utilizada no processo de produção
Mundial sobre Meio Ambiente e
(inovação de processo). As inovações tecnológicas de produto ou
Desenvolvimento. Nosso futuro
processo envolvem uma série de atividades científicas, tecnológi-
Comum. 2.ed. Rio de Janeiro:
cas, organizacionais, financeiras e comerciais” (OCDE, Manual
Editora da Fundação Getúlio
de Oslo, 1996, p. 35).
Vargas, 1991. p.9.
Deste modo, entende-se que a aplicação dos cursos técnicos propostos, reiterando, de Engenharia ambiental e sanitária, Geologia, Agropecuária e Turismo Ambiental, todos integrados ao Ensino Médio, bem como embutido em sua matriz a necessidade do desenvolvimento tecnológico, reconhecimento e exploração em pesquisa do meio físico do extenso território de Brumadinho, tendo aplicado o desenvolvimento de profissionais que entendam melhor e tenha um olhar atento para este território. Com isso a aplicação dessa arquitetura e escola visa gerar para Brumadinho um novo polo econômico para região.
12. FUNTOWICZ, Silvio; MARCHI, Bruna de. Ciência pós-normal, complexidade reflexiva e sustentabilidade. In LEFF, Enrique. (coord.); tradução de Eliete Wolff. 2.ed. São Paulo: Cortez,2010. p.65. 13. EaD: Educação a Distância. É uma forma de ensino/aprendizagem mediados por tecnologias que permitem que o professor e
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o aluno estejam em ambientes físicos diferentes. 14. Presencial: Modalidade de
projeto pedagógico de ensino técnico
oferta que pressupõe presença física do discente às atividades didáticas e avaliações.
Arquitetura pós Desastre
CURSOS TÉCNICOS
mente corretos e economicamente viáveis.
• Engenharia ambiental e sanitária • Geologia • Turismo ambiental • Agroecologia
Laboratórios • Laboratório de saneamento ambiental; • Laboratório de microbiologia; • Laboratório de análise clínica e instrumental; • Laboratório de desenvolvimento de produto.
ENGENHARIA AMBIENTAL E SANITÁRIA
Disciplinas e planejamento
Dados gerais: • Atualmente não existe técnico, apenas bacharel de 5 anos para engenharia ambiental e sanitária • Proposto: Técnico de 3 anos, portanto 6 semestres • Total de disciplinas: 30 + estágio supervisionado durante a formação.
1º semestre • Introdução à engenharia ambiental • Cálculo geral • Química geral • Física experimental básica: mecânica • Cartografia e topografia
Habilidades adquiridas no curso • Desenvolver pesquisas e relatórios de impacto ambiental e gerenciamento de projetos sanitários. • Elaborar projetos de recuperação de áreas contaminadas, elaboração de processos de reciclagem e identificar soluções práticas que minimizem os impactos da ação humana ao meio ambiente, sempre visando o desenvolvimento econômico sustentável. • Planejar ações concretas e proteger os recursos naturais disponíveis, encarando todos os desafios da profissão com consciência, segurança e responsabilidade. • Conhecimento sobre economia e legislação ambiental, o que é essencial para o desenvolvimento de projetos ecologica-
2º semestre • Geometria analítica e álgebra linear • Química orgânica • Ecologia geral e saúde ambiental • Desenho auxiliado por computador 3º semestre • Química analítica e experimental • Economia para engenharia • Genética aplicada a eng. ambiental • Introdução a geologia e hidrogeologia • Introdução ao urbanismo
155
4º semestre • Programação de computadores • Cinética química e bioquímica • Fundamentos de mecânica dos fluidos e termodinâmica • Microbiologia aplicada a engenharia ambiental • Avaliação de impactos ambientais 5º semestre • Estágio supervisionado • Gerenciamento resíduos sólidos urbanos e reciclagem • Hidrologia ambiental • Noções de materiais de construção • Sistema de abastecimento de água e drenagem pluvial • Diagnóstico de poluição de águas superficiais e subterrâneas 6º semestre • Modelos matemáticos de sistemas ambientais • Tratamento de águas de abastecimento • Gestão de recursos hídricos • Legislação, gestão de saneamento e meio ambiente • Tratamento de efluentes industriais
GEOLOGIA
Dados gerais • Faculdade 5 anos • Curso técnico 16 meses • Curso proposto: três anos • Total de materiais: 30 + estágio supervisionado durante a graduação Habilidades adquiridas no curso • Estudar a origem a estrutura e composição do solo; • Criar e desenvolver artigos técnicos científicos na área da geologia sobre desenvolvimento, melhoramento e aplicação 156
de novas tecnologias para exploração e gestão dos solos e seus recursos naturais; • Operar e trabalhar junto a empresas voltadas a exploração do solo visando diminuir impactos; • Gerar mapas, gráficos e outras fontes de estudo, consulta e análises laboratoriais e científicas do solo visando sua compreensão, manejo sustentável ou de preservação. Laboratórios • Laboratório de Petrografia: análise de rochas com o auxílio do microscópio. • Laboratório de Geoprocessamento: análise de informações geográficas por meio de software e cálculos. • Laboratório de Geoquímica: estudo da concentração de elementos químicos em rochas, minerais e água. • Observatório Sismológico: centro de análise e medição de tremores de terra. Disciplinas e planejamento 1º semestre • Introdução à geologia • Cálculo geral • Química geral • Geoquímica ambiental • Diagnóstico ambiental 2º semestre • Geofísica, geodinâmica • Geomorfologia • Geologia econômica • Geoquímica de baixa e alta temperatura • Geomatemática aplicada 3º semestre • Biogeografia e paleoecologia Arquitetura pós Desastre
• Cartografia digital • Exploração e avaliação de depósitos minerais • Introdução à ciência do solo • Redação técnico-científica em geociências 4º semestre • Educação patrimonial em ambientes naturais e construídos • Saberes tradicionais ligados ao solo • Vulcanismo, sismoestratigrafia e mineralizações associadas • Mineração e o meio ambiente • Geologia e urbanização 5º semestre • Estágio supervisionado • Geo estatística • Mecânica e termodinâmica de minerais e rochas • Microscopia de minérios • Aplicações geológicas de geoprocessamento • Aplicações de processamento digital de imagens 6º semestre • Técnicas analíticas em mineralogia • Metodologia de mapeamento geotécnico • Geografia dos recursos naturais • Economia mineral • Topografia - visualização e representação de dados geológicos
TURISMO AMBIENTAL
Dados gerais: • Graduação 4 anos (30 matérias) • Técnico 2 anos (20 matérias) • Curso proposto: 2 anos • Total de materiais: 20 + estágio supervisionado durante a Arquitetura pós Desastre
formação. Habilidades adquiridas no curso • Estudo crítico e analítico das questões históricas e de paisagem do ambiente. • Criar e desenvolver reportagens e artigos que fomentem o turismo no âmbito ambiental. • Desenvolver boa comunicação e inter-relações em mais de um idioma. Laboratórios • Laboratório de idiomas: com equipamentos de som. Disciplinas e planejamento 1º semestre • Introdução ao turismo ecológico • Cálculo geral • Mapeamento e compreensão do território • Comunicação verbal e não verbal • Saberes tradicionais ligados ao turismo ambiental 2º semestre • História da cultura e da comunicação • Fundamentos do lazer • Análise macroeconômica e microeconômica do turismo • Trabalho de campo em turismo (área de proteção ambiental) • Turismo e meio ambiente 3º semestre • Estágio supervisionado • Patrimônio cultural e turismo • Estudo de idiomas e meios de comunicação • Análise dos biomas e exploração turismo ambiental • Fundamentos de gestão e marketing • Ética e legislação 157
4º semestre • Gestão de transportes e agências de viagens • Práticas e conhecimentos de esportes ambientais (trilhas, escalada, canoagem) • Conceitos de saúde em viagens • Empreendimento turístico • Gestão e elaboração de roteiros de viagens e passeios
AGROECOLOGIA
Dados gerais • Graduação 5 anos (40 matérias); • Técnico 2 anos (20 matérias);; • Curso proposto: 2 anos; • Total de materiais: 20 + estágio supervisionado durante a formação. Habilidades adquiridas no curso • Diagnosticar as potencialidades do mercado de produtos agropecuários; • Analisar e avaliar as características, propriedades e condições da matéria prima para a agroindústria, pecuária e agricultura; • Planejar, orientar, avaliar e acompanhar o processo de industrialização de produtos de origem animal e vegetal; • Gerenciar os processos agropecuários, determinando medidas para redução dos custos e maximização da qualidade, bem como redução dos impactos ambientais; • Supervisionar as atividades referentes à manutenção e reparo de equipamentos utilizados na produção vegetal, animal e agroindustrial; • Auxiliar a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos agrícolas, zootécnicos e agroindustriais. • Desenvolver tecnologias alternativas no aproveitamento de produtos e subprodutos agropecuários. 158
• Gerenciar, comercializar e divulgar produtos agropecuários; • Prestar assistência técnica a projetos agropecuários. Laboratórios • Fazenda agroecológica: 3,5 ha destinados para a prática agroecológica voltadas para o ensino prático e difusão do conhecimento ao público com campo agrostológico, viveiros, horticultura, avicultura de corte e postura, suinocultura, cunicultura, cotonicultura, caprino cultura, bovinocultura e apicultura, laboratório de mecanização agrícola. • Laboratório de anatomia e fisiologia animal • Laboratório de desenho e topografia Disciplinas e planejamento 1º semestre • Introdução à agropecuária • Filosofia geral • Química geral • Geofísica • Formação territorial do Brasil 2º semestre • Bioquímica • Botânica sistemática • Ciências naturais da terra • Sociedade agricultura e meio ambiente • Desenvolvimento agrário brasileiro 3º semestre • Ecologia geral • Desenho técnico aplicado • Fundamentos de solo • Biologia de agroecossistemas • Vivências integradoras agroecológicas
Arquitetura pós Desastre
4º semestre • Metodologias agroecológicas de pesquisa e mensuração • Sistemas agroflorestais • Microbiologia agrícola • Manejo da agro sócio biodiversidade • Saberes tradicionais ligados à produção de alimentos e criação de animais 5º semestre • Estágio supervisionado • Agroclimatologia • Vivências integradoras agroecológicas II e permacultura • Movimentos sociais e organização do campo • Gestão da propriedade agrícola familiar • Português instrumental e produção textual 6º semestre • Paisagismo regenerativo • Plantas alimentícias não convencionais • Direitos humanos e a questão agrária • Cooperativismo, associativismo, economia solidária e organização popular • Educação popular, educação do campo e pedagogia da alternância
Arquitetura pós Desastre
159
04
O PROJETO
Município de Brumadinho
13 áreas de lazer pública 08 escolas de esino médio e fundamental na região
nenhuma escola técnica nenhuma infraestrutura pública proximo ao rio manso
apenas uma faculdade - ASA
mapa aproximado da área do centro do município de brumadinho
Município de Brumadinho
Recorte geral da área analisada rejeitos
estrada ademir ribeiro neves
hidrografia áreas alagadas
estrada de ferro
represa do rio manso
avenida inhotim
centro de brumadinho
estrada mg-040
lote vazio de análise projetual inhotim
estrada para alberto flores
escolas
viário
faculdade ASA
lotes
quadras de lazer
mapa aproximado da área do centro do município de brumadinho
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Município de Brumadinho
Recorte geral da área analisada rejeitos
estrada ademir ribeiro neves
hidrografia áreas alagadas
estrada de ferro
represa do rio manso
avenida inhotim
centro de brumadinho
estrada mg-040
lote vazio de análise projetual inhotim
estrada para alberto flores
escolas
viário
faculdade ASA
lotes
quadras de lazer
mapa aproximado da área do centro do município de brumadinho
CONCENTRAÇÃO DE INFRAESTRUTURAS
As escolas e lugares de laser estao condensados principalmente entre os rios Manso e Paraopeba, sendo quase inesistente além deles.
VETOR DE CRESCIMENTO URBANO
Existe um pequeno trecho de cidade se desenvolvendo além do Rio Manso. Tratase de um desenho de quadras contidos entre o viário que transpõe o rio e o grande lote particular que existe. As duas condicionantes juntas gerou um vazio que sugere um sentido de desenvolvimento e expansão do centro de Brumadinho. .
PONTOS DE INTERESSE
Os pontos de conexão entre as vias mais densas de transporte do Município, sugerem as partes de maior interesse, como o centro urbano, lugares de acesso, saída da cidade e pontos com maior concentração de infraestruturas, por terem um maior número de linhas de onibus.
168
Arquitetura pós Desastre
Área do lote existente 180,7 hactares
Estr. Aldemir Ribeiro Neves sentido BR-381
Área destinada para projeto proposto 7,78 hactares
MG-040 sentido SP
Avenida Inhotim sentido Inhotim
MG-040 sentido BH
Análises do território do Município de Brumadinho O Projeto
Análise trimedimensional do setor analisado 169
Município de Brumadinho
Recorte geral da área analisada conexão e extensão do tecido urbano área urbana adcionada para desenvolvimento do complexo de ensino técninico ligado a ecologia escolas de ensino médio e fundamental faculdade ASA quadras de lazer área principal de acesso a inhotim e cruzamento do rio manso centro de brumadinho entrada principal e centro cívico de brumadinho
mapa aproximado da área do centro do Município de Brumadinho
171
Memorial de projeto A escola de ensino técnico ligado ecologia, nasce para dar ao município de Brumadinho um polo de pesquisa e referência do seu espaço, que empregue e garanta acesso a estudos variados para sua população, bem como se transforme em um polo econômico e cultural que atraia estudantes, pesquisadores, turistas e empresas de outras regiões. O partido do projeto se desenvolve a partir da unidade dos blocos dos edifícios criados. Com a manipulação do solo e terreno, cria-se platôs que encaixam esses volumes, parte enterrados e parte emersos, visando assim dar um ritmo que lide bem com o perfil natural do terreno, destacando a arquitetura, sem ferir a paisagem, mantendo o ponto mais alto do terreno, como mirante natural. A vegetação também nasce como elemento estruturador, como cordões que articulam o espaço, direcionando caminhos, compondo a arquitetura, dando sombra e conforto térmico e realçando a beleza natural do terreno.
estudo. A articulação dos programas garantem uma grande permeabilidade, permitindo ser fluida a transição entre os programas de caráter mais reservado, que são os de ensino e público, que são os de lazer e esporte, bem como a composição da arquitetura permite áreas de descanso e refúgio, não só nas áreas de transição entre edifícios e terrenos, mas também dentro dos blocos da arquitetura, que possuem uma série de átrios abertos com vista para o céu. A circulação do projeto também é fundamental, por organizar os níveis do terreno, ajustando a acessibilidade do perfil natural, enquanto respeita a paisagem local. A organização em níveis pretende, através das edificações, fornecer platôs que distribuam as áreas do projeto, ao mesmo tempo em que recuam os edifícios entre si. Ela também fornece mais áreas livres, por se tratar de edifícios em que a cobertura de um poderá vir a ser o piso de outro.
Com a articulação dos níveis, bem como da vegetação, pretende-se preservar o que os moradores da região dizem admirar deste espaço, que é o horizonte e os mares de morros que compõem sua paisagem e que grandes autores como Aziz Ab’Saber e Drummond descrevem com admiração. A orientação do projeto se dá prioritariamente para o norte, garantindo uma melhor distribuição solar para os programas da horta e estufa e dando mais conforto para as partes de esporte e lazer, como quadras e piscina. Porém, os edifícios que concentram os programas de ensino, se direcionam para o sul, garantindo menor incidência térmica às salas de aula e 172
Arquitetura pós Desastre
173
proposta de escola técnica de ensino liga a ecologia
E
D
C
B
A
O Terreno
Recortes artificiais no terreno Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor
Ponto de localização das imagens no mapa A
Fundo de muros de lote Brumadinho, Out. 2019. Acervo do autor
Ponto de localização das imagens no mapa A
O entorno
Acesso único ao terreno Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor
Ponto de localização da imagem no mapa B
Arquitetura pós Desastre
Rua Hum. Do acesso ao terreno Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor
Ponto de localização da imagem no mapa C
Rua Um próximo a Rua Tres Brumadinho, Mai. 2019 Acervo do autor
Ponto de localização da imagem no mapa D
Arquitetura pós Desastre
Novas construções Brumadinho, Out. 2019 Acervo do autor
Ponto de localização da imagem no mapa E
Topo do Mundo
Terreno
Vista global Brumadinho, Out. 2019. Acervo do autor
Ponto de localização das imagens no mapa F
Áreas de construção DADOS GERAIS
Número de estudantes total: 2000 SALAS DE AULA
20 sala de áula 32 por sala
CURSOS TÉCNICOS
• Engenharia ambiental e sanitária • Geologia • Turismo ambiental • Agroecologia
186
BIBLIOTECA
30.000 exemplares 900 m2 totais
áreas destinadas ao ensino
áreas de lazer e convívio
áreas destinada a fazenda agroecológica
demais áreas
LABORATÓRIOS
10 x 7 m Informática Laboratório de idiomas: com equipamentos de som. Laboratório de saneamento ambiental Laboratório de microbiologia Laboratório de análise clínica e instrumental Laboratório de desenvolvimento de produto laped Laboratório de Petrografia: análise de rochas com o auxílio do microscópio. Laboratório de Geoprocessamento: análise de informações geográficas por meio de software e cálculos. Laboratório de Geoquímica: estudo da concentração de Laboratório de Geoquímica: estudo da concentração de elementos químicos em rochas, minerais e água. Observatório Sismológico: centro de análise e medição . Arquitetura pós Desastre
HABITAÇÃO ESTUDANTIL
Para abrigar 25% dos estudantes, ou seja 500 pessoas Blocos de 26x15 com oito habitações para duas pessoas cadas por andar e cozinha compartilhada 4 andares 32 apartamentos por lamina Cozinhas por lamina 8 laminas totais 128 apartamentos totais
SUPERMERCADO
900 m2 ADMINISTRAÇÃO E SALAS PARA ESTÁGIO ASSISTIDO
400 m2 ESTACIONAMENTOS
10.028 m2
MUSEU COM EXPOSIÇÕES ROTATIVAS
600 m2 AUDITÓRIO
Para 300 pessoas COMPLEXO AQUÁTICO
2 edificacoes para vestuário, controle e banheiros 1 semi olímpica com 10 raias 1 recreativa 1 lago artificial O Projeto
187
Proporções de áreas
paisagismo 19.876 m2
habitação 12.000 m2
188
Arquitetura pós Desastre
cafeteria 70 m2 ADM 428 m2 lanchonete 477 m2 museu 600 m2 salas de aula 1.413 m2 circulacao 8.250 m2 fazenda agroflorestal 12.641 m2
estacionamento 10.028 m2 complexo aquático 3.750 m2 laboratórios 970 m2 restaurante 477 m2 biblioteca 900 m2 estufas 420 m2
O Projeto
189
190
Arquitetura pós Desastre
Viabilidade Condições para financiar e efetivar o projeto
PPP
ESTADO
TAC
Parceria Público
Auxílio da nação
Termo de Ajustamento de Contra Conduta
EMPRESAS Ligados ao fomento de pesquisas e turismo
O Projeto
VALE Investimentos relacionados a educação
Atravez de recursos para compensação de danos
191
Corte esquemático
Corte esquemático
Corte esquemático
terreno em corte projeção administração centro acadêmico salas de aula - 20 salas banheiros copa laboratórios circulação vertical
Bibliografia ACACIA, Lelis; CARVALHO, Fábia. Conhecimento tradicional: saberes que transcendem o conhecimento científico. Pública Direito. Direito ambiental III [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFPB; coordenadores: Livia Gaigher Bosio Campello, Consuelo Yatsuda Moromizato, Rosangela Lunardelli Cavallazzi. – Florianópolis : CONPEDI, 2014. Disponivel em: http:// publicadireito.com.br/artigos/?cod=44b4596c7a979aa7. Acessado em: nov.2019. p. 261-181. ALVES, Thais. Brumadinho-MG e Inhotim: entre a memória, o museu e o turismo. 2018. 142f Dissertação (Mestrados em assuntos latinos americanos) – Instituto Latino-Americano de Arte, Cultura e História (ILAACH) de Minas Gerais, Minas Gerais. 2018.
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BESCA JUNIOR. Antônio Basaglia. Histórias Submersas. Orientador: Denis Ferri. (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) - Associação Escola da Cidade. 2017.
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Como matérias obrigatórias, eletivas ou cursos livres (com base na matriz curricular do bacharelado em Agroecologia da UERGS). Dispon~ivel emÇ https://www.uergs.edu.br/upload/ arquivos/201810/09142841-matriz-curricular-do-curso-de-
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199
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200
TAMURA, Karen. Habitação Emergencial - do temporário ao permanente. 2017. 117p TFG (Arquitetura e Urbanismo) – Universidade De Alicante e Universidade Federal de Minas Gerais, Foz do Iguaçu. 2017. Disponível em: https://issuu. com/karenmiyukitamura/docs/habita____o_emergencial_ karen_tamur Acessado em: Fev. 2019. VÃRQUEZ-BARQUEIRO, A. Desarolho, redes e innovación lecciones sobre desarrolho endógeno. Madrid: Pirámide, 199. Apartado 2.
O livro
O presente livro foi composto na fonte Minion Pro para prosa e Helvetica neue para títulos. Miolo produzido em papel Couché fosco, gramatura 150 g/m2 e capa em papel cartão gramatura 300 g/m2. Impresso em dezembro de 2019. Há uma cópia física deste livro na Biblioteca Vilanova Artigas