MAC n.º2 - Renascimento

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Editorial

Mente, Arte & Corpo 2ª Edição Primavera ‘14

Renascimento Substantivo masculino Ato ou efeito de tornar a nascer, de rejuvenescer, de ressurgir, de lançar rebentos; nova vida, nova existência; renovação, restauração.

Capa

When Autumn Was Spirited Away de Rob Woodcox

Dirigido por: Carina Espadaneira Mário Afonso Raquel Costa

Contactos: mac.cubu@gmail.com https://www.facebook.com/MenteArte Corpo

O Inverno é tempo de morte, de hibernação, uma espécie de pausa na vida. Pausa essa que não é vã, mas sim um recolhimento no núcleo para recuperar energias para o novo ciclo que (re)começa na Primavera, a estação em que a vida renasce, como uma fénix, rompendo os tons acinzentados com uma imensa paleta de cores quentes. O mito da fénix conta que quando esta ave começa a desfalecer entra em autocombustão e, passado algum tempo, renasce das próprias cinzas. Por isso, é um símbolo do eterno ciclo de imortalidade e renascimento espiritual. Nós, seres da natureza e talvez mitos num qualquer mundo distante, devemos abraçar a ciclicidade da vida e deixar-nos fluir na sua magnífica dança. Para tal, temos de perder o medo das crises e da morte do passado. Nada é estável, nada é permanente, tudo muda. Existir, sobre qualquer forma, é uma metamorfose constante. Aceitemo-lo. Nesta edição procurámos fomentar estas aceitações e potencializar o renascimento da humanidade numa versão mais consciente e harmoniosa. Esperamos, portanto, contribuir para que nesta estação não se arrumem as roupas pesadas apenas de forma literal. É preciso arrumar também as metafóricas roupas que nos enclausuram numa existência que não se coaduna com o nosso verdadeiro potencial. Incorporemos a Dança de Shiva, essa metáfora do eterno processo de criação e destruição, nas nossas vidas. Sem medos.


´ Conteudos

05 Rob Woodcox 14 Renascimentos ´ Reis 15 Patricia 20 Rodrigo Saraiva 25 Leonardo da Vinci 28 Samuel Lucas 33 Teresa Gabriel 40 Yoga 48 Crudivorismo 62 Plantas que Curam 64 Permacultura 66 By Joost 67 Minigarden 69 Moda? Ecologia!


“Procuro renascer todos os dias. Não concordo em morrer vivo. Sou um rebelde de fato e gravata, grão que teima em não virar massa, pássaro que persiste no canto dentro da gaiola dos horários.” Paulo Bomfim



"Que quero fazer para ganhar a vida?", é uma questão complicada para muitos de nós. Rob Woodcox também se debateu durante algum tempo, acabando por decidir experimentar fotografia. E atualmente, com apenas 23 anos de existência e 5 de experiência, é um dos melhores fotógrafos concetuais e surrealistas. Tendo crescido no Michigan, desenvolveu um profundo amor pela Natureza, a qual gosta de capturar e embelezar ainda mais com a sua Canon D Mark II e algumas horas de Photoshop. Não gosta particularmente de trabalhar em estúdios e tem o cuidado de fotografar sempre todos os elementos dos seus trabalhos no mesmo local e na mesma altura, de forma a assegurar uma luminosidade uniforme. A luz, tão importante para qualquer fotografo, é um elemento que, juntamente com pormenores geniais, o ajudam a transmitir a sua mensagem. Até porque Rob, mais que uma 'criança' com um grande sentido estético, é um maravilhoso contador de histórias que procura inspirar as pessoas a serem melhores e a acreditarem em si próprias.

The Inspiration Harvest (Autorretrato)

Desfrutem da viagem ao seu encantador e colorido mundo de sonho, onde existe esperança mesmo nos momentos mais sombrios.

The Potions Needed to Paint a Night Sky (Autorretrato)

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MAC—Encontraste na fotografia a forma ideal de mostrar o teu próprio universo e de expressar a tua mente inquieta, sonhadora e infantil? Rob Woodcox (RW)—O meu interesse original em fotografia nasceu definitivamente do desejo de expressar e capturar o que estava a pensar, sentir e sonhar. Adoro partilhar com os outros e a fotografia tornou-se, não só uma fonte de rendimento, mas uma forma de encontrar o meu lugar no mundo. Um mundo que precisa de pessoas e mensagens inspiradoras que o mantenham em movimento e a girar.

Transient Desert Sands

MAC—Usas ou usaste outra forma de arte para te expressares? RW—Costumava desenhar quando era criança! Recentemente encontrei um incrível caderno antigo, onde desenhei mundos loucos fruto da minha imaginação. Os desenhos são rudes e infantis, mas retratam na perfeição a forma como a minha mente sempre trabalhou: a imaginar coisas que não existem e que são muito melhores do que aquilo que vejo na realidade.

The Portal

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Em cima: When The Fish Came In || Em baixo: What Are We Becoming?


The Creation of Light (Antes e depois)

MAC—Podes resumir o teu processo de criação? RW—O meu processo para criar imagens usualmente varia entre uma semana e vários meses, chegando a demorar anos. Geralmente, tenho a tendência de deixar os conceitos surgirem primeiro, de forma a permitir que as ideias se infiltrem e se transformem na sua melhor versão possível. Quando se trata de um trabalho pessoal, posso pensar numa ideia e não a executar enquanto não tiver os recursos certos, o que já demorou alguns anos. Tenho uma enorme lista de ideias guardadas para "a altura certa". No entanto, muitas ideias são para propósitos imediatos, como educação, clientes ou a necessidade de fotografar alguma coisa "agora". Quando estou dedicado a realizar uma ideia, posso demorar alguns dias ou semanas a coletar recursos, um dia a fotografar e mais alguns dias na pós-produção. Por fim, ainda demoro algum tempo a rever a imagem final para detetar quaisquer erros.

MAC—Consideras a arte uma poderosa ferramente de transformação para o criador e para a sociedade em geral? RW—Absolutamente. Antes sentia-me completamente perdido e sem rumo, agora sou um indivíduo relativamente confiante e realizado, em grande parte devido ao facto de ter encontrado a minha voz através da arte. Também tive o grande privilégio de ter pessoas a escreverem-me a dizer que as suas vidas mudaram para melhor devido aos meus trabalhos. As sociedades não mudam de um dia para o outro e apenas melhoram com o esforço de muitos; mas acredito que posso fazer a minha parte para melhorar a nossa sociedade e o nosso mundo!

The Discovery of Oneself

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Fotografia parte do Projeto Stories Worth Telling

MAC—O projeto Stories Worth Telling é, para nós, um perfeito exemplo desse uso, tanto pela angariação de fundos como pela consciencialização que pode (e deve) promover. Foi também uma forma de levares alguma diversão e aventura à vida daquelas crianças? RW—É realmente um exemplo perfeito! Foi e é um projeto muito querido para mim, já que também sou adotado. Além do que referiram, foi também uma tentativa de

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mostrar às crianças adotadas que as suas histórias são únicas, mas que não estão sozinhas. Muitas crianças e adultos enfrentam lutas inacreditáveis que parecem invencíveis. Contudo, através da determinação e da esperança encontrada no amor dos outros, as pessoas superam obstáculos impossíveis. Todas as fotografias desse projeto podem ser encontradas em: http://robwoodcox.com/storiesworthtelling/

Fotografia parte do Projeto Stories Worth Telling


Fotografia parte do Projeto Stories Worth Telling

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MAC—Tens ensinado fotografia através de workshops. O que ensinas e recebes nestas experiências? RW—Durante os meus workshops tenho o privilégio de partilhar o meu conhecimento, a minha paixão e a minha especialidade com fotógrafos iniciantes e experientes. Estes têm a duração de 2 dias. No primeiro faço algumas demonstrações e os alunos podem fotografar com modelos em locais magníficos, tendo acesso a cabeleireiros e maquiadores. O segundo dia é tipicamente preenchido com técnicas de edição, demonstrações, orientação profissional, revisão de portfólio e muita conversa. Adoro ter a oportunidade de ensinar e partilhar a minha paixão, sinto-me extremamente realizado com a experiência. Ver os outros encontrar alegria no meu trabalho deixa-me feliz e ajuda-me a encontrar o meu lugar no mundo. Este verão estarei a viajar pelos Estados Unidos e pelo Canada, espero visitar a Europa e outros continentes no próximo ano. Podem ficar a par das novidades em: http://robwoodcox.com/workshops/ Where Dreams Collide

MAC—Podes dar alguns conselhos àqueles que querem fazer desta arte profissão? RW—O meu conselho para qualquer pessoa que queira seguir a carreira de fotógrafo é que comecem por estabelecer metas alcançáveis, grandes e pequenas, e que estejam preparados para uma vida de trabalho duro, mas gratificante. Ser um artista não é para os fracos de coração e requer uma tonelada de dedicação e paixão. Por vezes, tens de ir contra todas as impossibilidades e continuar a criar. Levar um dia de cada vez e manter a excitação com cada pequeno sucesso, levar-te-á a grandes sucessos. Apesar de todos os desafios, ser fotógrafo é a forma de vida mais recompensadora que consigo imaginar!

Surviving the Abyss

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É impossível expressar a gratidão que sentimos com a enorme disponibilidade e humildade que o Rob expressou para connosco. Poucos são os artistas que disponibilizam livremente a sua arte, sobretudo para a capa de uma publicação. Esperamos que nos ajudem a divulgar e apoiar pessoas assim, Pessoas. Podem conhecer melhor o seu trabalho nas seguintes páginas: http://robwoodcox.com/ https://www.facebook.com/robwoodcoxphotography http://www.flickr.com//rawjrphotography


Liberation

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http://ofluirconceptual.blogspot.pt/ http://tudoeintersticioeacaso.blogspot.pt/ «Hoje o dia raiou mais cedo que o previsto. Uma infinidade de crepúsculos cintilantes esvoaçou desesperadamente pelo ar, anunciando uma fuga para o cosmos distante. Planeando transportar consigo multidões, gentes, estados d’alma e sentidos, trespassou o firmamento e alcançou o universo. (Por entre o caos desta jornada furiosa o meu peito conseguia somente gritar por Ti. Pelo calor do Teu corpo, pelo Teu cheiro e pelo Teu abraço, aliados ‘pra me reanimar. Mas de tanto em vão gritar e chorar, a jornada terminou.) Diminuto e transitório grão de poeira errante no cosmos, é tudo aquilo que agora resta da minha essência.» Escreveu, na ânsia de se libertar dos motivos Que enclausuravam os pensamentos altivos. Sentia em si o peso da inutilidade E nela crescia uma indiferença mortífera. Flutuava cega, pelo silenciamento da sua liberdade Depois de tanta luta infrutífera. Mas a Vida ainda lhe permeava o corpo, apesar da morte que por dentro sentia. Uma pequena centelha acendeu-se entre o negrume, avivando o que já sabia. Veio-lhe à memória algo que escrevera num outro dia: «Há sempre mais, Melhor. É preciso morrer, Dizer adeus, Perder, Ficar vazio para voltar a encher. Rastejar na morgue fria, Como um corpo esquecido Num recanto sombrio. Sentir o sabor da voz dissipar-se E reaprender a gritar, A rasgar Mais efetiva e profundamente A densa pele Da materialidade. Até que se caía outra vez, Ainda mais profundamente.» Ergueu os olhos da folha mnésica, tingida pelas gotas salgadas, e encarou a resplandecente fénix pousada nos umbrais da imaginação. Sossegou ao ouvir a voz da razão lembrar-lhe que os reinos da imaginação são meros espelhos para profunda auto-observação.

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Patrícia nasceu em 1970 e cresceu rodeada de uma grande diversidade cultural que a tornou uma pessoa bastante eclética. Em 1988 começou a sua carreira jornalística no semanário O Independente. Abandonou a publicação depois de fazer uma matéria, que nunca leu, sobre a prisão de Tires. Foi para a revista Sábado, estagiou na Time, voltou a Portugal, foi convidada para o semanário Expresso, fez a produção do programa Sexualidades, trabalhou na Marie Claire, na Elle, nos projetos especiais do diário Público e foi editora da ultrapremiada Egoísta. Atualmente é sócia do ateliê de design e texto 004 e continua a alimentar a sua grande paixão de miúda: escrever. Apesar de já ter escrito mais de vinte livros de diversos géneros—com destaque para os romances e contos infantis—não se intitula escritora. Para ela, escritoras são Augustina Bessa-Luís e Florbela Espanca, por exemplo, patamar onde espera chegar daqui a muitos anos. Nós achamos que Patrícia Reis pertence à lista de grande escritoras portuguesas e que as suas magníficas personagens merecem um lugar de destaque no universo da ficção. Por isso, partilhamos as perguntas a que prontamente respondeu.

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MAC – Há quem entre na literatura devido ao jornalismo, consigo foi o contrário. Como surgiu esse amor pela escrita? Patrícia Reis (PR) – O amor pela escrita nasce nos livros. Os livros que li e reli, não havia muito dinheiro para grandes bibliotecas em casa e na escola a biblioteca também não era muito rica. A determinada altura, pelos seis, sete anos, comecei a escrever as minhas histórias, para preencher um vazio, para relatar algum acontecimento que me tinha marcado. Não eram diários, eram histórias com princípio, meio e fim que, felizmente, se perderam, deviam ser muito más. O jornalismo foi uma ferramenta profissional. A pergunta era: qual é o emprego que vais ter onde possas escrever? Depois o jornalismo é um bicho que se cola à pele, é difícil de largar, ainda hoje digo que sou jornalista. Apesar deste percurso e de ter começado cedo, também estudei História.

A pergunta era: qual é o emprego que vais ter onde possas escrever? MAC – Estar presa na cadeia de Tires foi o que mais a marcou enquanto jornalista? Pode falar-nos um pouco da experiência e das mudanças que daí resultaram? PR – Foi uma das experiências mais marcantes, mas tive várias situações que me obrigaram a rever certas ideias, conceitos. A grande coisa do jornalismo é que a reportagem permite-nos o contacto com os outros e ouvir os outros é essencial. Aprende-se muito, há testemunhos únicos, histórias reais que mais parecem ficção. A experiência em Tires foi especial, em grande parte, por eu ter 18 anos, ou seja, era muito nova para, de repente, estar ali num pavilhão de reclusas preventivas. Mas não me posso queixar, fui bem acolhida, vivi episódios caricatos e muitos destes não os escrevi na reportagem para O Independente, apenas por pudor e respeito para com aquelas mulheres que me tinham tentado integrar na comunidade.

MAC – Espera voltar a trabalhar como jornalista ou está bastante satisfeita e ocupada com o trabalho no Ateliê 004? PR - Sou sempre jornalista. É assim que olho o mundo, que leio as notícias. Sou curiosa e atenta, dito isto não me parece que vá regressar a uma redação de um jornal, até por ter 43 anos de idade. Em termos de jornalismo português sou, ao fim de 27 anos no ativo e com carteira profissional e cotas pagas no sindicato, uma veterana. As redações fazem-se hoje com gente nova e, não tendo nada contra, sou a favor da manutenção dos jornalistas mais velhos, por causa da formação e ainda de algo que é essencial: a memória. Quando comecei, em 1988, tive a sorte de aprender com os jornalistas que se dizem da velha guarda. Ainda bem

que assim foi. Eu nunca publiquei uma notícia sem confirmar por três fontes, ou por três vias, distintas. Hoje faz-se jornalismo de blogues, de facebook. Tenho muitas dúvidas sobre a forma como, atualmente, a comunicação social se espelha na sociedade. Por outro lado, ter uma mini empresa num mercado em crise é quase um exercício de masoquismo. Dou um exemplo: no ano passado, fizemos, no âmbito do ateliê, um trabalho para um município. A fatura está por pagar deste Setembro de 2013. O IVA já foi pago, por nós. Assim, com esta forma negligente de contratação pública, é complicado gerir uma tesouraria. Apesar de tudo, não me queixo, acho que faço uma boa gestão do ateliê e temos tido muita sorte, clientes bons, sólidos, participativos. Nada melhor do que isso.

A escrita clarifica. Mesmo quando custa a escrever. MAC – A escrita é uma forma de exorcizar a dor? PR - A escrita, a música, a pintura... diria que a criatividade pode estar associada, muitas vezes, a uma espécie de dor, de sofrimento que pode, por exemplo, ser apenas reflexo de um determinado receio. A escrita clarifica. Mesmo quando custa a escrever. No último livro, Contracorpo, escrevi muitas páginas com as lágrimas a correrem pela cara. Não sei. Por norma, não sou uma pessoa lamechas, mas custou-me. Saiu-me das vísceras.

O livro Contracorpo pode ser adquirido em http://www.wook.pt/ficha/contracorpo/a/id/14828318

MAC – Qual é o seu processo na criação de um livro? PR – Eu sou uma colecionadora. Por definição, um livro começa com uma frase, sempre a primeira, aquela na qual não mexo, e depois desenha-se na minha cabeça até ao momento em que é imperativo escrever. É um processo bizarro, nada de índices e cadernos com notas, apenas esta coleção mental de coisas que se

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que se cruzam, de ideias, de interrogações. Quando chego a uma história é por ter uma pergunta que preciso de resolver. Se se quiser, é como um processo terapêutico. Longo, difícil, cheio de inseguranças e dúvidas, com algumas desistências temporais. Mas se a história for muito forte, pois lá está, não me larga, está na minha cabeça, a martelar, a puxar por mim. E posso viver assim anos. Depois quando começo há uma primeira fase em que escrevo tudo na terceira pessoa para concluir que na primeira é que era. Coisas destas. Não é um processo fácil de explicar e é conciliado com outras coisas: a empresa, a família, os amigos. Há uma vida que me interrompe a escrita e depois tenho de roubar tempo de vida para a escrita. Tenho dias em que penso que seria idílico ficar por casa e escrever, mas a verdade é que eu não acredito no escritor que não vive, que não está na rua, que não observa e, sobretudo, que não ouve.

MAC – Disse numa entrevista que os livros são como que "uma metáfora redentora da humanidade". Pode explicar o sentido desta afirmação? PR – Os livros refletem o melhor do que vivemos. Não é um conceito meu, atenção, quem o diz é o autor e professor britânico David Lodge num ensaio sobre a consciência da literatura. Diz ele, e eu subscrevo, que o escritor, mais do que o sociólogo, o antropólogo, é o grande espelho da época em que vive. Claro que não estamos a falar de escritores que se dedicam ao romance histórico, por exemplo, ou à fantasia ou ficção científica. Mas os escritores que escrevem sobre o seu tempo condensam o melhor e o pior de uma época. Um exemplo? Para se saber tudo sobre o fim do século XIX em Inglaterra basta ler o Dickens, certo? Nesse sentido, a literatura procura sempre temas que são próximos da humanidade, que projetam o que se vive, pensa, receia, ama em determinada altura. São metáforas por serem imagens distintas, por vezes, sobrepostas.

O meu objetivo é [...] incomodar. Não gostaria que os meus livros fossem lidos com ligeireza. MAC – Acima de tudo, os seus livros são marcados pelas fortes personagens. É esse o seu objetivo, partilhar existências que mexam com o nosso íntimo e que nos façam questionar a vida? PR – O meu objetivo é, como disse Agustina Bessa-Luís, incomodar. Não gostaria que os meus livros fossem lidos com ligeireza ou que não tivessem a capacidade de fazer com que o leitor se interrogue. As personagens podem ser mais fortes ou não, cada leitor o dirá. Cada leitor possui a capacidade de identificação com o que lê e esta é distinta, não só por não sermos os mesmos leitores, como por não ser o mesmo ler, por exemplo, “A Fera na Selva” de Henry James aos vinte ou aos quarenta anos.

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MAC – Alguns dos seus livros, como o Por Este Mundo Acima, são uma forma de transmitir uma mensagem a alguém da sua vida. Costuma usar os livros para transmitir ensinamentos, que jamais caberiam numa simples conversa, aos que a rodeiam? PR – Os livros são contentores de mensagens muito poderosas. É por isso que os lemos às crianças e, se pensarmos bem, tudo se pode resumir a uma ideia de bem e de mal. No caso desse livro, para ser honesta, queria ver se conseguia escrever uma história sobre amizade e memória, sobre a importância dos livros e as coisas mais básicas. Vivemos numa vertigem imensa de tecnologia, como se o silêncio fosse impossível ou até insuportável. Esse livro procura saber como seria se o mundo mudasse radicalmente e onde estariam os valores humanistas.

O livro Por Este Mundo Acima pode ser adquirido em http://www.wook.pt/ficha/por-este-mundo-acima/a/id/10918146

MAC – Disse, na mesma entrevista que referimos anteriormente, que se dispõe muito a ouvir os outros. É assim que recolhe inspiração para tantas personagens marcantes? PR – Ouvir os outros é um defeito, se é que podemos dizer que é um defeito, na verdade é uma virtude, que vem do jornalismo. Se formos autistas, autocentrados no nosso mundo, pois o que temos nós para escrever? Como é que construímos personagens dignas desse nome se não temos exemplos? Os autores são larápios da realidade. Roubam um pouco deste e depois daquela. Conta-se que Cardoso Pires, na casa onde escrevia, na Costa da Caparica, tinha as paredes cobertas com recortes que fazia de revistas e jornais, pessoas, ruas, roupas.

Os autores são larápios da realidade.


MAC – Quais são as suas outras fontes de inspiração? PR – A vida em geral é uma fonte de inspiração. Tudo na nossa vida: as pessoas que se cruzam connosco, a crise que nos emagrece a carteira, os filhos que crescem, uma música que nos comove, uma história que se lê. Tudo é possível de inspirar.

MAC – Sabemos que a personagem Manuel Guerra, de No Silêncio de Deus, foi a que mais a marcou. Porquê? PR – É um homem que eu deveria ter morto, no fim do livro, a intenção era essa, e não consegui. Portanto, o desgraçado persegue-me desde 2008. É um velho chalado, doente, escritor, insuportável que eu aprendi a amar e não o consigo largar. Fazer o quê?

O livro No Silêncio de Deus pode ser adquirido em http://www.wook.pt/ficha/no-silencio-de-deus/a/id/219100

MAC – Há algum dos seus livros que a tenha marcado mais que os restantes? PR – Todos os livros são importantes por razões diferentes: todos representam um pouco de quem éramos na altura em que os escrevemos. O mais importante será sempre o próximo.

MAC – Redescobre-se e renasce a cada livro ou deixa essa redescoberta apenas para os personagens, como acontece em Contracorpo? PR – A cada livro tento ir mais longe. Na construção da história, no tratamento da linguagem, no trabalho exaustivo que faço com os diálogos. Tudo é novo quando se começa uma história cujo fim ainda não se conhece.

PR – Não, estou a escrever uma espécie de biografia, é um exercício mais próximo do jornalismo. Publiquei no ano passado uma biografia sobre Simone de Oliveira. Este ano a escolha cai numa outra jornalista, uma mulher que marcou muitas das pessoas que andam pelos jornais. Não posso dizer mais nada. Sabem aquele ditado que diz que o segredo é a alma do negócio? É completamente verdadeiro.

Obras 2013 Simone: Força de Viver Contracorpo 2012 Assalto à Casa Fernando Pessoa Mistério no Benfica 2011 Por Este Mundo Acima Mistério no Oceanário A Fada Dorinda e a Bruxa do Mar Xavier, o Livro Esquecido e o Dragão Enfeitiçado 2010 Mistério na Primeira República Um Mistério em Serralves Antes de Ser Feliz 2009 O Mistério da Máscara Chinesa Mistério no Museu da Presidência Em Busca da Felicidade 2008 Mistério no Museu de Arte Antiga No Silêncio de Deus 2007 Morder-te o Coração 2006 Beija*me Amor em Segunda Mão 2004 Cruz das Almas

Além destes livros para todos os gostos, podem ainda ler o que a Patrícia vai publicando no seu blog, http://vaocombate.blogs.sapo.pt/

MAC – Está neste momento a escrever o último livro que Manuel Guerra escreveu? Se sim pode falar-nos dessa obra?

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Rodrigo Sar

É conhecido sobretudo pelos seus papéis em séries como Super Pai, Morangos e Rebelde Way, mas o teatro é a sua verdadeira casa—aquela que visita para perder, também. Dono da inefável e não-ensinável essência dos verdadeiros artistas, brinca p vestir de peles alheias e com conceitos datilografados. Eis as palavras que trocámos com este pensador e ‘sentidor’ inconformado. 20


raiv a

s com Açúcar, Floribella a se encontrar e para se

MAC—De entre todas as formas de arte, porquê a da representação? Rodrigo Saraiva (RS)—Chego à representação pelo mais feliz dos acasos. No papel de espectador, a sinergia entre plateia e actores sempre me esmagou. Quando um dia dei por mim, sem grande esforço, estava do lado certo do palco e com redobrado prazer. Tornou-se um ofício adictivo e brutalmente apaixonante com o passar dos anos.

MAC—Quem te inspira neste percurso? RS—Pessoas, lugares, cheiros. Acredito no palco como o mais exposto dos exorcismos e as histórias têm sempre razão de ser se forem feitas na senda da verdade. Enquanto houverem pessoas e histórias, vou estar. Inteiro.

MAC—A maioria das pessoas conhece-te pelos papéis televisivos, mas também tens um vasto reportório teatral. As participações nas novelas são uma forma de teres dinheiro para poderes fazer teatro? RS—A televisão é, pra muitos actores, uma espécie de porto seguro financeiramente. Pessoalmente, não tenho sequer feito televisão. Tenho estado mergulhado exclusivamente no teatro e agrada-me muito não ter a minha subsistência financeira como foco. Dá-me espaço para me entregar de forma diferente. Permite-me correr atrás do regozijo, sem grandes muros.

MAC—Para se ser um bom ator é importante ter um profundo autoconhecimento? RS—Acredito que para ser actor é preciso ter uma vontade grande de estar exposto. Que isso não nos feche em nós, que não nos faça tropeçar nos próprios pés. Acredito que é um exercício maior de total ausência de autoconhecimento. Creio que é a derradeira aceitação de que vamos procurar-Nos sempre. Em cada cara, em cada frase, em cada gesto. E, possivelmente, nunca encontrar.

MAC—Quais são, na tua opinião, as (restantes) características de um grande ator? RS—Diria que as características de um actor, não necessariamente "grande", assentam num triângulo equilátero que terá como catetos inteligência e sensibilidade e como hipotenusa, intuição. Não é uma forma muito académica de olhar para o tema mas é a minha.

prodigiosamente com o

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MAC—Sentes-te renascer enquanto humano depois de cada papel desempenhado? RS—As minhas personagens têm muito de mim e vice-versa. O que me atrai neste tipo de ofício é a possibilidade de fazer exercícios de verdade e não de composição de personagem. Não acredito que saímos de nós para chegar a uma, creio que as temos todas e vamos descascando camadas nossas até ela aparecer. Uma vez mais, isto soará terrivelmente no universo académico.

MAC—Há algum personagem que tenha deixado grandes vestígios em ti? RS—Todas as que me viram do avesso e que trazem à tona a minha vulnerabilidade são marcos para mim como Homem, mais até do que como actor. São lugares que visito sempre que posso porque sou apaixonado pela moldura emocional dos não-racionais. A comoção é estranhamente saborosa para pessoas como eu.

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MAC—O desprezo pela arte é um reflexo da sociedade ou a sociedade é um reflexo do desprezo pela arte? RS—Ambas. A arte é, naturalmente, incómoda para as estruturas que critica ou satiriza. É suposto ser assim. É suposto sermos o reverso da medalha de uma país cujas convicções são brutalmente condicionadas pelo carreirismo e pelo egoísmo económico. Assim sendo, assumindo o nosso papel de "ovelhas negras", tudo está como tem que estar. Feitas as contas, foram as "ovelhas negras" que mudaram a História em todo o seu curso.

MAC—Para terminar, que conselhos darias a quem quer fazer da representação profissão? RS—Estão no país errado. Mas os países errados também têm, inevitavelmente, as pessoas certas nas trincheiras do previsível. Há que elevar a ética e a verdade dos sonhos a um patamar que nos é, diariamente, roubado em prol da sobrevivência mais elementar de todas. Ser actor é uma bênção para quem o transpira por devoção. Todos os dias sinto que só nos é útil quem ficará muito depois da cortina fechar.



bYfurcação - associação cultural TOM SAWYER – PROLONGAMENTO até 27 Abril 2014

Tom Sawyer | o espectáculo infantil que tem esgotado as sessões no Teatro Villaret irá prolongar-se até ao final de ABRIL! Mais de 6.000 espectadores já assistiram ao espectáculo infantil do momento – Tom Sawyer

Dado o sucesso ao longo de mais de 2 meses, o espectáculo infantil do momento Tom Sawyer irá prolongar a sua estada no Villaret até ao final do mês de Abril, Sábados e Domingos às 11h com matinés extra nos dias 05 e 06 de Abril às 15h. Sinopse: Tom Sawyer é um nome incontornável da televisão dos anos 80. Quem não se lembra de Tom, Becky e Huckleberry e das suas aventuras? Do rio Mississipi? E de todas as grandes aventuras deste rapazinho? “TOM SAWYER” , será um espectáculo que fará, certamente, as delícias do espectador mais graúdo que terá a oportunidade de reviver estas aventuras, ou dos mais novos que pela primeira vez terão acesso a uma história única e longínqua dos nossos tempos. Tom Sawyer - um espectáculo para toda a família.

bYfurcação Teatro - criamos cultura. T. 93 810 96 44 | anaribeiro@byfurcacao.pt www.byfurcacao.pt www.facebook.com/byfurcacaoteatro



O Batismo de Cristo, de Verrocchio Esta obra contou com a colaboração dos seus pupilos Leonardo e Botticelli (outro grande artista renascentista)

Codex Windsor Página de um dos seus manuscritos com detalhes sobre anatomia humana

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Renascimento é também um termo histórico, associado sobretudo ao incremento cultural que se registou na Europa durante os séculos XV e XVI. Esta proliferação de artistas e intelectuais ocorreu devido ao mecenatismo de uma burguesia e aristocracia cada vez mais abastada graças ao desenvolvimento do comércio e da indústria têxtil. É, portanto, fácil deduzir que as grandes novidades culturais da época foram produzidas nas zonas onde a vida económica e material conheceu maior prosperidade, com especial destaque para Florença. Foi exatamente nessa cidade que, aos 15 anos, um dos maiores génios inventivos de todos os tempos começou a sua aprendizagem de pintura com Andrea del Verrochio. Leonardo demonstrava já um colossal talento e intelecto, provavelmente porque desde a sua infância, passada na casa do pai em Vinci (daí o seu nome), teve acesso à longa tradição de pintura local e a vários textos eruditos. Será que teríamos conhecimento da sua existência se tivesse crescido com a mãe, que era camponesa? E quantos génios já perdeu a “civilização” graças à, supostamente extinta juntamente com as classes sociais, diferença de oportunidades? Voltemos ao Leonardo que teve um pai que era notário e que lhe ofereceu um atelier para que começasse a trabalhar em nome próprio quando tinha 25 anos. Aos 30 mudou-se para Milão, onde trabalhou durante 17 anos para o Duque Ludovico Sforza. Este período foi o seu apogeu tanto a nível científico quanto artístico. Pintou, esculpiu, projetou festivais da corte e desenhou armas, veículos de guerra, maquinaria e edifícios (desde igrejas a fortalezas). Realizou diversos estudos sobre natureza, anatomia, máquinas voadoras, geometria, mecânica, construções municipais, canais e arquitetura. Para os seus estudos anatómicos, dissecava cadáveres. Um trabalho extremamente repugnante, uma vez que não havia qualquer forma de manter os corpos preservados, mas que lhe permitiu conhecer profundamente as diferentes deflexões e reflexões dos membros e a sua relação com os nervos e articulações. O seu profundo contacto com a natureza, por seu turno, tornou-o tão amigo dos animais que seguia uma dieta estritamente vegetariana e tinha o hábito de comprá-los enjaulados nos mercados apenas para os libertar. Essa relação também o levou a perceber não existem contornos, mas sim corpos tridimensionais definidos pela luz e sombra.


Tanto o estudo da natureza quanto da anatomia humana, juntamente com a aplicação da técnica sfumato e da perspetiva linear, conferiram aos seus quadros um grande realismo técnico. Neste período desenvolveu tambémo hábito de registar os seus estudos e de ilustra-los meticulosamente. Alguns destes registos só são facilmente legíveis com ajuda de um espelho, pois estão escritos da direita para a esquerda. Estas notas, associadas à observação rigorosa e aos repetidos testes, contribuíram para o nascimento de um novo método científico: o método sistemático e descritivo das ciências naturais modernas. Contudo, a vastidão dos seus interesses fez com que completasse apenas 6 trabalhos, deixando dezenas de pinturas e projetos inacabados. Depois da invasão francesa e da consequente queda de Ludovico, em 1499, Leonardo viajou por Itália, trabalhando para vários patrões. Entre os quais Cesare Borgia, com o qual viajou durante um ano como engenheiro militar, e ao qual propôs a criação de uma ponte que atravessava o Golfo de Istambul. Os engenheiros da época não aprovaram a construção, contudo, estudos modernos determinam que era perfeitamente segura e viável. Este avanço relativamente à sua época, foi outro fator que contribuiu para que muitas das suas ideias não se concretizassem. A sua vontade de medir o tempo, quase um século antes de Galileu, e os seus esboços de tanques de guerra, submarinos e helicópteros são outros exemplos de que as suas ideias eram mais avançadas que o conhecimento da época. Aos 64 anos recebeu o título de Primeiro Pintor e de Engenheiro e Arquiteto do Rei Francis I. Realizou ainda estudo sobre gatos, cavalos, dragões, anatomia, a natureza da água e várias máquinas. A água foi outro dos temas que mais o inspirou. Desenhou planos para um dispositivo de media a humidade, um canhão a vapor, muitos tipos de pás hidráulicas, luvas com membranas, dispositivos para respirar e afundar navios debaixo de água e uma grande quantidade de máquinas industriais alimentadas por água corrente (na altura não havia eletricidade). I Morreu a 2 de Maio de 1519, ficando para sempre na memória coletiva como o melhor arquétipo do Homem renascentista: racional, critico, criativo e utópico.

A Adoração dos Magos Um dos quadros que ficaram por terminar.

Codex Arundel Estudo de uma boia com tubos de respiração para mergulhadores

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http://cargocollective.com/artofsamuellucas

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MAC – Como surgiu a tua relação com a arte? Samuel Lucas (SL) – Posso dizer que desenho desde muito pequeno, muito por influência do meu avô paterno que era pintor, mas, como é normal, conforme fui crescendo fui-me interessando por outras coisas e perdi um bocado aquela paixão pelo desenho. No entanto, por volta dos 16 anos, houve a necessidade de poder trabalhar com algumas bandas. Fazia alguns posters para concertos, principalmente, e assim comecei novamente a interessar-me pela ilustração e pelo design gráfico, desde aí essa “paixão” que estava em standby dos tempos em que era kid voltou a crescer e comecei a interessar-me cada vez mais pelo que fazia. Até hoje ainda não parei e tenho cada vez mais certezas de que não quero parar.

Marketing e Gestão de Empresas, embora o marketing esteja ligado direta ou indiretamente ao design por vias da comunicação, essas são as únicas bases que tenho. Sempre aprendi tudo sozinho, muito graças à ajuda da internet ou de algumas referências de artistas que admiro, bem como de alguns livros que fui encontrando pelas prateleiras. Sempre pensei que quando temos valor em alguma coisa que fazemos, vamos sobressair naturalmente, com maior ou menor esforço, esse valor é aprendido e trabalhado, e depois também nunca pensei vir a interessar-me tanto pelo que faço. Se pudesse voltar atrás certamente que optaria desde o início por estudar artes. Mas como tal, também penso desta maneira: se Leonardo da Vinci era um autodidata nato e conseguiu ser um dos maiores pintores da história, porque também não o posso ser? “Todos nós podemos ser aquilo que queremos”

The Swan

trabalho disponível para venda

T-shirt da banda Sangue Lusitano

MAC – Tens alguma formação em ilustração/design gráfico ou és autodidata? SL – Acho que a palavra autodidata se enquadra perfeitamente naquilo que sou (risos). Não tenho qualquer base escolar em artes nem nada que se pareça. No secundário estudei humanidades e atualmente estudo

MAC – Os teus trabalhos estão essencialmente relacionados com música, é essa a tua grande inspiração para criar? SL – Pode-se dizer que sim, a música faz parte das minhas influências criativas desde cedo. Quando comecei foi

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através deste meio, a trabalhar com bandas de punk-hardcore com um estilo de música mais underground, mais fechado por assim dizer. Depois, os artistas que seguia e gostava também eram todos ligados a este estilo musical. Hoje em dia posso dizer que as minhas influências não são só da musica que oiço, mas a música está la sempre como é obvio, pois se calhar 85% dos trabalhos que faço estão ligados a bandas, promotoras e editoras, enquanto os restantes 15% são marcas de roupa e empresas. Embora atualmente trabalhe com bandas de vários estilos musicais, a essência das bandas que ouço de hardcore, punk, metal está la desde sempre. MAC – Quais são as outras inspirações? SL – Para mim é muito relativo, existem artistas mega

minha volta serve de base para começar a criar.

MAC – Com que artistas/eventos mais gostaste de trabalhar e porquê? SL – É difícil destacar alguém, para mim qualquer trabalho, para qualquer cliente é sempre algo novo, diferente e interessante de trabalhar. No entanto, se tivesse que destacar alguém, destacaria uma banda de hardcore que são os Devil in Me, para quem vou trabalhando, e uma banda americana de punk-rock, os Zebrahead, com quem já trabalhei. São bandas que oiço desde puto, até tenho um poster dos Devil in Me atrás da porta, e que de um momento para o outro vejo o meu trabalho a ser reconhecido como importante para estes músicos. É muito gratificante.

DIM t-shirt

Poster do concerto de A Wilhelm Scream

bons naquilo que fazem que são grandes inspirações, independentemente do estilo de trabalhos que fazem dentro da ilustração, design ou tatuagem. A realidade que vivemos hoje em dia em todas as sociedades mundiais serve também de grande inspiração. O mar, a terra, a vida selvagem, a vida depois da morte… Tudo o que está à

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De igual modo, destaco a marca Etnies com quem já trabalhei numa coleção por todo o mundo, derivada de um concurso, bem como outras marcas de que gosto e nunca pensei poder trabalhar. Em termos de eventos, já fiz inúmeros cartazes para eventos de bandas que nunca sonhava vir a fazer,


mas independentemente disso, destaco a promotora Xuxajurassica, que para mim sempre foi a melhor promotora de eventos em Portugal, desde miúdo que ia aos concertos do Miguel, porque trazia as bandas que um gajo queria ver e sempre sonhei um dia poder fazer parte do projeto dele e que hoje em dia tenho a sorte de poder trabalhar junto da Xuxa.

MAC – Fizeste um desenho para uma t-shirt que está à venda no site Society6. Pensas investir mais neste tipo de trabalhos no futuro? SL – Vou-vos ser sincero, não escondo a ambição de um dia poder vir a criar uma marca de roupa com os meus próprios desenhos, e de outros artistas claro. Mas por

muitos artistas que investem o seu tempo a criarem somente para esse tipo de empresas, a mim não me passa tanto isso pela cabeça. Prefiro trabalhar nas t-shirts e respetivo merchandising para bandas ou marcas que ofereçam outra credibilidade ao meu trabalho.

MAC – Quais são os teus outros planos? SL – Seria um bocado clichê estar a dizer que os meus planos passam por acabar o curso, arranjar emprego na área, fazer o que gosto, comprar casa, etecetera (risos). Mas na verdade não tenho grandes planos para o futuro, vivo um dia de cada vez, na esperança de a cada dia que passa conseguir evoluir no que faço, quem sabe um dia já terei a minha própria marca de roupa, mas espero poder trabalhar sempre com bandas, ambiciono trabalhar com

Floral, t-shirt disponível em www.society6.com/SamuelLucas

Pure para Handler

enquanto, sites como o Society6 ou o Threadless são uma boa rampa de lançamento para qualquer artista, na medida em que produzem o teu desenho em várias peças de merchandising, sem tu teres que te preocupar com a sua gestão. Isso é bom para o artista escoar os seus trabalhos e ganhar uns trocos a longo prazo, sabendo que só ganha consoante o número de vendas que a marca faz. Existem

muitas mais bandas fora do país, levar os meus trabalhos para outros horizontes… neste meio ou noutro o que importa é que esteja a fazer aquilo que gosto.

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Teresa Gabriel Ritual de Lançamento do albúm Rites of Passage Luis Costa ©

Teresa tem 31 anos e é dona de uma encantadora voz, através da qual deixa fluir a sua poderosa consciência. Os seus estudos e a versatilidade de estilos musicais que já abordou, tornam-na num belo exemplo da multiplicidade do ser e do constante processo de renascimento que abrilhanta a vida. Conversámos com ela sobre variados temas, desde música a responsabilidade social.

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MAC—Começaste a tocar guitarra, como autodidata, aos 9 anos. Como surgiu essa ligação tão precoce com a música? Desde essa idade que esta é a tua forma de expressão? Tersa Gabriel (TG)—Quando eu tinha 9 anos estávamos em 1991, na altura do rock e do grunge, eu gostava muito dos Guns n’ Roses, dos Nirvana, dos Red Hot Chili Peppers, dos Queen, REM, etc… comecei a aprender guitarra porque queria aprender a tocar as músicas deles para me divertir com o meu irmão e com os meus amigos. Mas mal comecei a aprender acordes comecei logo a fazer músicas minhas, pois achei muito mais interessante e divertido. Então comecei logo a fazer gravações em casa com dois decks de cassetes, onde gravava sempre duas guitarras com acordes e solos e descobri, também, espontaneamente, as harmonias com vozes, depois desenhava as capas das cassetes. Ainda tenho essas cassetes, são ‘praí’ umas 20 da minha infância e adolescência. Sempre gostei muito de ler e era uma criança muito imaginativa e sensível passava imenso tempo a criar, a ler, a escrever e a fazer músicas. Aos 15 anos li a Profecia Celestina e os livros do Paulo Coelho, e isso foi um pouco ao encontro de certos questionamentos que eu já tinha em relação à vida, nomeadamente chocava-me o nosso desrespeito pela natureza e o descalabro da sociedade consumista e fútil em que vivemos, razão pela qual adorava Filosofia, e foi também nessa altura que me tornei vegetariana por não concordar com o sofrimento a que os animais são submetidos, e comecei a praticar Yoga em busca de um aprofundamento e autoconhecimento. À medida que fui crescendo e que me tornei adolescente a música acompanhou-me sempre, e tornou-se a minha terapia e a minha forma de libertação e catarse. Fui descobrindo ‘cantautores’ como Jeff Buckley, Joni Mitchell, Tori Amos, e aí ouvia música mais confessional. Depois continuei sempre a querer aprender e expandir, aos 18 anos entrei para a Academia de Amadores de Música em Lisboa, onde estudei canto, piano, formação musical, História da Música, alguma composição, estudei também Yoga, Xamanismo, Som, e passei por muitos projectos de diferentes estilos, celta, indiana, reggae, rock, alternativo, chill out electrónico, etc… Mais tarde comecei também a viajar, estive em Barcelona, na Turquia, no México, vivi algum tempo em Inglaterra, estive na Holanda… todas essas viagens também me ensinaram e inspiraram muito.

MAC—Já colaboraste com imensos artistas e participaste em inúmeros projetos. Quais foram os mais marcantes, aqueles em que crias simbioticamente com outras pessoas? Porquê? TG—O primeiro projecto com o qual colaborei mais a sério foram os ALAP em 2005 e 2006 (música de influência indiana, com João nas tablas e Paulo Sousa na sitar), que despertou o meu lado devocional na abordagem à música, uma maneira diferente de cantar, mais entregue. Colaborei também com o Gil Pulido, do projecto

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Ambiens Indages (de 2006 a 2009) e com o Sérgio Walgood (de 2009 a 2013), numa vertente mais electrónica de chill-out e ambiente – são pioneiros nos seus estilos, aprendi muito com eles, e inspiraram-me a transcender a linguagem musical mais racional ou teórica, criando música e sons com base em ambientes, ideias, conceitos, viagens, cores, texturas… tornando o processo muito intuitivo, espontâneo e criativo. Cantei, também, com a Romi dos Terrakota e com a Sara Tavares (em 2009), outras cantoras, numa noite só de vozes femininas no Onda Jazz, onde utilizámos as nossas vozes em conjunto para nos tornarmos instrumentos, coros, etc… foi muito enriquecedor, estimulante. Toquei algumas vezes com os Atma, o Hugo Claro e Jorge Machado – eles também têm várias influências de world music. Admiro muito o Hugo Claro como compositor e guitarrista, é muito original, inventivo e imaginativo, e foi muito especial tocarmos juntos. Já toquei em várias performances com a Iris Lican, é uma bailarina, coreógrafa e performer com um trabalho absolutamente pioneiro na forma como aborda a sua arte e conduz a energia magistralmente – é uma arte viva, que respira, intensa, presente, arrepiante. Tenho uma grande admiração pelos seus trabalhos, e quando criamos em conjunto é muito especial porque nos entregamos ao processo largando o controlo de forma muito parecida, e a energia que surge é sempre inesperada e conduz-nos sempre ao desconhecido, o que acaba por trazer sempre descobertas, insights, ensinamentos profundos. Há sempre um nível seguinte de transcendência quando temos coragem de saltar para o abismo e nos entregamos ao momento. Já toquei várias vezes com o Baltazar Molina, é um músico e percussionista muito sensível, com muito bom gosto, sentido de canção, experiência e visão. Quase não temos de falar, pois quando tocamos as ideias simplesmente surgem e as dinâmicas revelam-se naturalmente. Fiz, também, muitas viagens sonoras sagradas de cura , terapia e relaxamento com o Anu Biak (Lobsang Dorje), Bruno Teixiera, com o Ruben Branco, com o Angelo Surinder e Rodrigo Loureiro – uma abordagem vibracional e meditativa profunda do som enquanto ferramenta de catarse, cura, devoção e intenção. Em 2008 colaborei com a companhia de dança Amálgama e em 2010 com o Imprevisto Coletivo – numa abordagem improvisacional da música e do movimento, em que trabalhávamos a escuta e a ressonância – por vezes a música era conduzida pelo ritmo e harmonia dos movimentos, outras vezes o movimento era conduzido pela música. Foi uma experiência enriquecedora, sinestésica e muito inspiradora, de conseguir criar em plena simbiose de energias e dialogar no imediato através da expressão criativa, em busca da ressonância. O movimento vinha também inspirado por técnicas de tai-chi, e chi-kung, e todas as sessões eram como viagens meditativas e catárticas em que havia sempre dinâmicas e clímaxes coletivos.


MAC—Em algumas das tuas músicas deixas as palavras de lado, mesmo que uses a tua voz para enriquecer a sonoridade. É uma forma de expressares aquilo que não cabe, de todo, em conceitos? TG—É uma forma de dizer o indizível. São como transmissões arquetípicas. É uma maneira de focalizar mais na intenção, na energia e no poder vibracional do som e na sua ressonância no nosso corpo e nas nossas células, em vez de utilizar palavras que activam o plano mental, dos significados e signos. É como se sentisse que devo deixar a alma falar, como energia pura. É uma maneira de estar no Aqui e Agora e deixar que o que quer ser dito, seja dito, no momento, sem palavras.

MAC— Disseste numa entrevista que "a música é uma espécie de código divino". Ainda que o sentido não tenha sido exatamente este, as notas musicais efetivamente incorporam a Geometria Sagrada, sobretudo a Sequência de Fibonacci. Procuras aplicar

conscientemente estes padrões à tua música? TG—Não necessariamente. Não utilizo medidas nem proporções, pelo menos não de forma racional, talvez intuitivamente surjam alguns padrões universais, mas não costumo analisar nem pensar muito sobre isso. A minha abordagem ao processo criativo bebe muito da minha ligação ao Yoga e ao xamanismo – ligo-me à respiração, e torno o processo uma meditação ou uma viagem, deixo que a energia se expresse, ligo-me a um ritmo orgânico, e deixo que surjam as frequências, e as visões e os insights. Na verdade muitas vezes o que sinto quando estou a compor é que estou a escutar através do silêncio uma espécie de rádio subtil. Como se houvesse uma onda, ou uma teia, e quando as ideias surgem, jorram ou o processo acontece sem pensar e sem esforço, sinto mesmo que é como se fosse uma corrente eléctrica que chegou. Por vezes também escuto músicas em sonhos e acordo com elas na cabeça e o processo é desencadeado através dessas visões, imagens, símbolos ou mensagens.

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MAC—Uma das tuas músicas que mais nos fascina é a “Indigo Revolution”, podemos dizer que resume o teu propósito, a tua mensagem? TG—A música “Indigo Revolution” foi inspirada num sonho justamente. Foi um sonho que tive em 2004, em que as cidades estavam a entrar em caos e havia uma grande confusão e tive um black-out e fui parar a uns campos verdes, com terra virgem, onde havia um rio de pessoas, um exército de pessoas a caminhar e a marchar para o mesmo horizonte, para um nascer-do-sol gigante, com instrumentos musicais, com bandeiras, com hastes, numa caminhada global de união e consciência e amor. Esse sonho surgiu num momento-chave de mudança de ciclos na minha vida, inspirou-me a viajar, e pouco tempo depois de o ter fui a Barcelona, a Londres, onde descobri o Synergy Project e apercebi-me que o movimento de mudança e despertar estava a acontecer no mundo inteiro. Eu e o Gil criámos um projecto semelhante em Portugal para unificar essa rede e deixar essa semente de sinergia ampliar-se e amplificar-se. O superpoder da internet une-nos a todos e torna este processo de unificação muito mais simples, e os assuntos essenciais como o colapso ambiental, as sementes e a Monsanto, a privatização da água e o fascismo financeiros assombram-nos a todos no nosso inconsciente colectivo.

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Então essa canção surgiu como uma espécie de hino quando estava nas montanhas em Barcelona, a contemplar a Natureza, a ver como ela é perfeita e como existia um desequilíbrio enorme no mundo, e como na história que eu queria viver todos nós temos um papel no reequilibrar das coisas. Cada um de nós. Vários bocados da letra foram surgindo em outros sonhos também. Foi um daqueles momentos de revelação pessoal, de epifania e a música surgiu, como uma mensagem de fé, de força, de inspirar a ligação de cada um ao seu poder pessoal e energia vital, para que possamos todos juntos contribuir para a mudança, responsabilizando-nos pelo nosso papel e activando os nossos dons pessoais , voltando a sentir a ligação à vida, honrando a natureza e assumindo a nossa energia de guerreiros, de sermos pró-activos na criação do Novo Mundo, sem vivermos em fantasias idílicas apenas. É um grande sonho, mas também requer o desagradável confronto com a realidade, requer a nossa assertividade, a nossa acção, e a nossa cocriação harmoniosa que se manifesta quer em protestos criativos como é o caso da marcha global contra a Monsanto, em flash mobs, quer em activismo sagrado, como por exemplo o AJUDADA, e o festival Salva a Terra, que nos mostram que a nossa Vontade, a nossa Criatividade, pode gerar abundância para além da riqueza abstracta do dinheiro.


MAC—Esta música está presente no teu novo álbum, Rites of Passage, queres falar-nos um pouco deste trabalho? TG—Acredito que, tanto pessoalmente como a nível coletivo, atravessamos um rito de passagem no nosso país e no planeta inteiro. Está a ser representado pela própria vida no palco da nossa história. É preciso ganharmos uma perspetiva mais ampla de todos os desafios que atravessamos. Aceitar a natureza cíclica da vida e permitir que a mudança continue a acontecer, de forma orgânica. Enquanto os governos se vendem a corporações cegas de ganância, apercebemo-nos da manipulação psicológico à qual temos estado submetidos, e urge despertar, reclamar a nossa mente, e ligarmo-nos à vida, contribuindo para reequilibrar o nosso planeta, que enfrenta o colapso ambiental, que será um milhão de vezes mais grave que qualquer crise financeira. Este trabalho, em relação com toda esta ideia de ciclicidade, é um timelapse de 5 anos da minha vida. É uma espécie de diário de viagem, inspirado em viagens que fiz pelo mundo e nas lições de vida que aprendi, mas, também, inspirado na própria viagem que é a

vida, com as suas diferentes carruagens, fases, estações... daí chamar-se "Ritos de Passagem". As canções seguem uma narrativa que é uma espécie de friso cronológico, cada canção representa uma prece em cada etapa da peregrinação, e há 3 capítulos, que representam as diferentes fases e ciclos, separados por temas instrumentais que representam os ritos de passagem, na mudança de ciclo. Utilizei várias afinações alternativas de guitarra em que inventei os meus próprios acordes, e os instrumentos e pessoas que convidei para colaborar no disco foram pessoas com as quais colaborei e que me inspiraram muito. Foi gravado pelo Fernando Rocha, composto e produzido por mim, e vai ser lançado pela editora Numérica, e contei com a colaboração de Rui Ferraz na bateria, Filipe Larsen no baixo, Paulo Sousa na sitar, Bruno Teixeira no didgeridoo, Anu Lobsang Dorje no hang-drum, Jed Barahal no violoncelo, David Lloyd no violino, contei com a colaboração do compositor Pedro Sousa nos arranjos de cordas, com a arte visionária do artista inglês Mark Lee, e a Sara Baga editou o vídeo do tema "Full Moon", que foi realizado pelo Fernando e por mim, e com a participação da bailarina e coreógrafa Iris Lican.

MAC—O nome do álbum associa-se ao tema desta edição, Renascimento. Concordas que precisamos de aprender a ser como a Fénix, que se deixa consumir pelas chamas para poder renascer das suas próprias cinzas? TG—Totalmente. Eu sinto que já vivi 5 vidas nesta vida. Que já passei por mudanças abruptas de país, de relacionamentos, de amizades, de caminhos de vida… de propósito. Já tive perdas repentinas de amigos e familiares. E penso que a vida é mesmo assim. As coisas são o que são. Estarmos vivos engloba a totalidade de todas essas experiências. A vida é uma lição de regeneração constante. O nosso paradigma ocidental é muito obtuso, limitado e controlador, o que só nos atrapalha. Como dizia o Agostinho da Silva “ A vida sabe sempre mais que nós”, e é verdade. Não controlamos nada. Vivemos demasiado acelerados e programados. Precisamos aprender a parar, escutar, observar. Muitas vezes queremos a mudança, mas não somos capazes de deixar morrer o que tem de morrer. Seja um relacionamento, uma pessoa, um sistema, um trabalho, um hábito, ou um aspecto de nós que nos prejudica mas que de certa forma nos protege (as

máscaras que colocamos como autodefesa). Mas a vida não espera por nós, e passa num instante. Daí levarmos abanões da vida. Ela coloca-nos no nosso sítio. Acredito que a vida é sábia e quando nos dá uma certa dose de tragédia, só depende de nós dar o passo seguinte, entregando-nos ao desconhecido. É uma oportunidade de aprofundarmos a nossa experiência. Passamos demasiado tempo distraídos com brinquedos. A depressão é um sintoma de necessidade de mudança, mais que uma doença, na minha opinião. Podemos procurar o alívio da nossa dor em comprimidos, em sexo, no trabalho, em comida, seja no que for, mas se não tivermos coragem de sentir e transmutar essa dor, ela só vai criar bloqueios à nossa evolução. A cura só chega realmente com a nossa vontade e dedicação para nos transformarmos a nós mesmos. E tanto pessoalmente, como a nível colectivo, estamos em transformação. Quer queiramos quer não. Mais vale pegar na prancha e surfar a onda do que levar com ela e ser enrolado. Não é fácil, mas é necessário. Há coisas mais importantes do que recuperarmos o nosso poder de compra.

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MAC—Já colaboraste em vários projetos de “Festa Consciente”, como o Boom Festival, The Synergy Project e ZNA Gathering. Existem ainda algumas pessoas com preconceitos relativamente a este tipo de eventos, podes falar-nos da sua verdadeira essência? TG—Penso que grande parte dos media oficiais estão manipulados, quer pelos patrões subjugados a interesses, quer pela mentalidade retrógrada do século passado. O século XX foi marcado pelo uso dos media como instrumento de manipulação de massas e propaganda política – weapons of mass distraction. E muita arte e muitos espectáculos que vemos hoje ( televisão, rádio, cinema…) servem para nos distrair e nos manter entretidos enquanto somos manipulados e desviados das questões que realmente interessam. Temos o exemplo do cânhamo (ilegalizado nos anos 30 pelos lobbys das farmacêuticas e madeireiras) – uma planta com a qual podemos fazer papel, roupa, proteína e com imensos estudos que provam que cura o cancro – até aos anos 30 os médicos oficiais receitavam-na – quando começou a tirar lucros das farmacêuticas estigmatizaram-na. E é esse tipo de modelo de estigma que foi enraizada na geração dos nossos avós e pais que acaba por ainda se imiscuir no nosso inconsciente – o velho paradigma de controlo que nos quer impedir de pensar por nós mesmos – e que nos faz olhar para um festival “Consciente” com uma distorção de percepção. O BOOM Festival ganhou inúmeros prémios como festival mais sustentável do planeta – zero lixo, aproveitamento e re-utilização de recursos hídricos, quase 100% energias renováveis, re-utilização dos

materiais, etc… é um festival que junta activistas de todo o planeta com grandes projectos de conservação e acção social e ambiental, junta artistas, músicos e pintores geniais, é um festival ecléctico e onde se respira arte por todo o lado – música de muitos estilos diferentes, pintura, instalações, documentários, filmes, debates, espaços de terapia e práticas de yoga, tai-chi, massagens, etc… O Terence Mckenna falava do revivalismo arcaico, e da importância de reclamarmos a nossa mente, e esta Nova cultura que se vive nos festivais, é um oásis de questionamento, de arte independente que não está influenciada por interesses financeiros ou circuitos comerciais e estes encontros globais que existem por todo o planeta semelhantes ao BOOM (Austrália, Índia, Hungria, Brasil, Costa Rica, Estados Unidos… etc) são como pontos de integração na tapeçaria do futuro que estamos a co-criar conscientemente ao despertarmos e deixarmos de ser escravos e peças na engrenagem da máquina debulhadora da ganância cega do capitalismo desenfreado , como um encontro de um círculo global de pessoas unidas pelas mesmas questões ambientais, sociais e espirituais – são uma expressão da unificação da consciência global. É um exemplo de como 30 mil pessoas conseguem co-existir sem pegada ecológica. O potencial de expansão neste tipo de encontro é tão grande, que é como um encontro familiar global, onde sentimos esta teia de cooperação a espalhar-se cada vez mais, é um ritual de arte tribal com milhares de pessoas, com visões comuns que levam depois toda essa energia de comunhão, celebração, e partilha de conhecimento, ideias e sabedoria para as suas vidas, os seus trabalhos e os seus projectos.

Teresa e Sérgio Walgood no ZNA Gathering


MAC—Sinceramente, acreditas que existem “meia-dúzia” de culpados para a nossa condição atual? Ou será exatamente essa culpabilização do outro que nos mantém escravos de uma vida que não nos nutre minimamente enquanto Pessoas? TG—Acredito que a corrupção a nível geral é uma das culpadas, sem dúvida. Se os milhões que se gastam em regalias e negócios duvidosos fossem aplicados na educação consciente, na medicina alternativa e holística, e na gestão holística dos nossos recursos teríamos muitos menos problemas no mundo. Mas também acredito que apontar o dedo simplesmente também é uma postura confortável e comodista mas contra-producente se não gera uma mudança de hábitos e valores na população – não chega falar mal nem queixarmo-nos. É como se a disfuncionalidade das coisas nos convidasse a sair do carrossel da nossa programação mental até agora, e nos desse oportunidade de desconstruir e desformatar a nossa vida para ela se aproximar mais do que sonhámos e nunca nos permitimos vivenciar. Não acredito em mitos Sebastianistas, nem em nenhum Messias – isso é mais uma desresponsabilização assim como culpar governos e os outros. Só nos libertamos ao nos responsabilizarmos pela criação da nossa realidade, essa é uma das grandes lições.

MAC—Qual é o papel do Yoga e do Xamanismo na tua vida em geral e no processo criativo em particular? TG—Descobri o Yoga aos 15 anos, comecei a praticar mais regularmente em 2005 e fiz formação em 2012. Tem sido uma medicina que me equilibra e me ajuda a centrar. Tenho uma mente muito ativa que fervilha de

ideias. O Yoga ajuda-me a acalmar, a integrar, a ligar-me à respiração de forma consciente e também a criar de forma mais orgânica, pois através da respiração encontro outra forma, também, de sentir o ritmo, e para conseguir entrar em estado meditativo dentro do processo criativo. O xamanismo é, até hoje, uma grande fonte de inspiração, porque me ajuda a lembrar sempre da origem de tudo. Ajuda-me a desligar da opressão constante da realidade material, da ilusão, futilidade e da distração mediática, da manipulação psicológica do sistema corrupto em que nos encontramos, e encontrar-me com uma estado de consciência mais próximo da vida, e da essência das coisas, e ajuda-me a encontrar as minhas próprias respostas e a criar o meu próprio caminho, sem necessidade de seguir velhos mapas, e a abrir-me e a confiar no desconhecido, na intuição e nas mensagens pessoais que recebo. Penso que aquilo que o xamanismo me trouxe foi um sentimento de entrega muito grande ao processo criativo que acontece quando largamos o controlo. Quando deixamos de pensar, analisar, dissecar, separar, racionalizar e simplesmente nos ligamos ao som da forma mais primordial e visceral possível, como ligação direta à alma e ao coração, e assistimos ao que acontece, e ao que se começa a formar de modo mais orgânico, utilizando o hemisfério direito. O xamanismo é uma forma de nos ligarmos à natureza e um estado de consciência mais próximo do sonho e da alma e do espírito que nos traz insights e ensinamentos. O tambor xamânico é muito hipnótico, e penso que essa característica de viagem está presente nas minhas composições, na forma como sinto o ritmo e como construo as progressões de acordes, as dinâmicas e a narrativa.

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“Certa vez um famoso bailarino improvisou alguns movimentos instintivos, porém, extremamente sofisticados graças ao seu virtuosismo e, por isso mesmo, lindíssimos. Essa linguagem corporal não era propriamente um ballet, mas, inegavelmente, havia sido inspirada na dança. A arrebatadora beleza da técnica emocionava [aqueles que] assistiam à sua expressividade e as pessoas pediam que o bailarino lhes ensinasse a sua arte. Ele assim o fez. No início, o método não tinha nome. Era algo espontâneo, que vinha de dentro, e só encontrava eco no coração daqueles que também haviam nascido com o galardão de uma sensibilidade mais apurada. Os anos foram-se passando e o grande bailarino conseguiu transmitir boa parte do seu conhecimento. Até que um dia, muito tempo depois, o Mestre passou para os planos invisíveis. A sua arte, no entanto, não morreu. Os discípulos mais leais preservaram-na intacta e assumiram a missão de retransmiti-la. Em algum momento na História essa arte ganhou o nome de […] Yoga [e] o seu fundador ingressou na mitologia como o nome de Shiva e com o título de Nataraja1. Estes factos ocorreram há mais de 5000 anos a Noroeste da Índia, no Vale do Indo, que era habitado pelo povo drávida. […] O Yoga foi um produto de uma civilização não-guerreira, naturalista [samkhya] e matriarcal [tântrica]. [Mas,] a partir de mais ou menos 1500 a.C. foi absorvida por outro povo [arya ou ariano] que era o seu oposto: guerreiro, místico e patriarcal. […] O Yoga foi formalmente arianizado mediante a célebre obra de Patañjali, o Yoga Sutra. […] Esta nova interpretação […] era patriarcal, anti-sensorial e repressora, ou seja, brahmacharya. O mais interessante nesse processo de deturpação é que se não fosse Patañjali, o Yoga teria desaparecido dos registos históricos. Graças a ele, que obviamente era bem-intencionado e sábio, hoje sabemos da [sua] existência […]. Na Idade Média o Yoga sofreu outra grave deformação, quando o grande mestre de filosofia Vedanta, Shankaracharya, converteu grande parte da população. Esse facto [… conferiu-lhe] um formato espiritualista2 […]. No século XX o Yoga sofreu mais um duro golpe: foi descoberto pelo Ocidente e… ocidentalizado, claro. Tornou-se utilitário, consumista, algo amorfo, feio e maçante.”

1 A figura de Shiva Nataraja, ou Rei (raja) dos Dançarinos (nata), é uma síntese simbólica dos aspetos mais importantes de Hinduísmo e do Yoga. Nesta representação, Shiva está dentro de um círculo de fogo – símbolo de constante renovação – a dançar – a Dança de Shiva, representa o processo de constante criação, conservação e destruição todo(s) o(s) universo(s). Numa mão ele segura o Damaru, o tambor em forma de ampulheta com o qual marca o ritmo cósmico e o fluir do tempo. Na outra, traz uma chama, símbolo da transformação e da destruição de tudo o que é ilusório. As mãos inferiores desempenham gestos específicos: a direita está em abhaya mudrá (gesto de proteção e bênção), enquanto a esquerda representa a tromba de um elefante (aquele que destrói obstáculos). A seus pés encontra-se um anão que simboliza o demónio da ignorância interior que nos impede de perceber o nosso verdadeiro eu. Na sua totalidade, a imagem passa a mesma mensagem que os ensinamentos yogis: Devemos ir além do mundo das aparências e vencer a ignorância interior, o que pode ser alcançando através da meditação que nos permite observar a verdade através do olho que tudo vê (Ajña Chackra, o Terceiro Olho).

”Não confunda espiritualismo com espiritualidade. A espiritualidade é um património do ser humano. O Yoga de qualquer modalidade, desde que autentico, desenvolve a espiritualidade. Espiritualismo é a institucionalização da espiritualidade, ou o sistema que toma por centro o espirito em contraposição à matéria, baseando-se no conceito da dicotomia entre corpo e alma como coisas separadas e oponentes.” [Nota do autor] 2

DeRose, L.S.A. – Faça Yoga Antes Que Você Precise. 3ª Edição. São Paulo: Editora Uni-Yoga, 2001.

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Yoga, em sânscrito, significa integridade, integração e união. União do corpo com a mente e da mente com a alma. Segundo Patañjali, “yoga é citta-vrtti-nirodha”, ou seja, supressão das flutuações da consciência. Segundo o mesmo autor, esta disciplina é uma combinação de sacrifício (tapas), procura de conhecimento interior (svadhyaya) e entrega ao senhor interno (içvarapranidhana). Tem como finalidade primeira produzir no praticante o samadhi (condição superior da consciência, entre a vigília e inconsciência) e atenuar as kleças (perturbações – falta de sabedoria, egoísmo, desejo, aversão e apego) que dificultam o acesso a citta (consciência). A meta final é o kaivalyam, isto é, a destruição do apego à diferenciação e a vivência da integração total do indivíduo com tudo o que existe como se fossem uma mesma e única existência absoluta. A maioria dos grandes yogis dizem que este não deve ser praticado com intenção de receber qualquer benefício físico ou espiritual. Contudo, salientamos que a prática proporciona flexibilidade, fortalecimento muscular, melhoria da postura, alivio de dores nas costas e tranquilidade, beneficiando os sistemas nervoso, endócrino, respiratório e circulatório.

Os benefícios dependem, obviamente, do tipo de prática escolhida. Existem inúmeras escolas, cada uma com a sua filosofia, cada uma com a sua metodologia. Eis dois exemplos dos componentes de escolas diferentes: Hatha Yoga 1 – Yama (normas de convivência) 2 – Niyama (normas de aperfeiçoamento pessoal) 3 – Asana (posturas) 4 – Pranayama (exercícios respiratórios)

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5 – Pratyahara (recolhimento da atenção) 6 – Dharana (concentração) 7 – Dhyana (meditação) 8 – Samadhi (estado de hiperconsciência) Swasthya Yoga 1 – Bio-exercício (exercícios preparatórios) 2 – Ashtanga Sadhana (reforço da estrutura biológica) Cujo primeiro nível, denominado ady ashtanga sadhana, é constituído por: Mudra (gesto reflexológico feito com as mãos) Puja (retribuição de energia, conexão com o arquétipo) Mantra (vocalização de sons e ultrassons) Pranayama Kriya (purificação das mucosas) Asana Yoganidra (descontração) Samyama (abstração, concentração, meditação e hiperconsciência)

3 – Bhuta Shuddhi (purificação corporal) 4 – Maithuna (canalização da energia sexual) 5 – Kundalini (despertar da energia criadora) 6 – Samadhi

Em seguida partilhamos convosco exercícios de quatro destes componentes, nomeadamente Mudra, Pranayama, Asana e Samyama. A nossa escolha prende-se com a dificuldade de explicar os restantes por escrito, sendo que vários exigem acompanhamento de alguém especializado. É preciso ter em atenção que esta informação não substitui uma aula de Yoga, o nosso único objetivo é fornecer algumas bases para poderem experimentar a prática e decidirem, por vós, se querem continua-la ou não.


Mudra é a palavra sânscrita para gesto. Os mudra do Yoga são exatamente gestos reflexológicos que desencadeiam determinados estados fisiológicos e de consciência. Se encaramos o corpo como possuidor de magnetismo e polaridades, como um organismo por onde a energia flui em quantidades e qualidades distintas, quando modificamos a disposição, postura e orientação das extremidades (neste caso, as mãos) esperam-se diferentes reações eletromagnéticas. O número total de mudra é incerto, sendo possível compilar mais de 100. Apresentamos os 5 mais utilizados e conhecidos.

Atman mudra

Trimurti mudra

For mar um tr iângulo com os dedos indicadores e polefares. Este mudra é utilizado e m asana e simboliza a trimurti hindu (Brahma, Vishnu e Shiva).

Pronam mudra

Unir a palma das mãos e m frente ao peito. Este mudra é utilizado para mantra e asana, fecha um impor tante ciclo eletromagnético que faz circular energia de ntro do corpo

Shiva mudra

Colocar o dorso da mão positiva (esquer da para mulheres e direita para home ns) sobre a palma da mão negativa. Este mudra é geralme nte utilizado par a me ditação, pois amplia a recetividade.

For mar um vórtice com as mãos Este mudra é utilizado para pranay ama, e mantra e conecta os polos positivo e negativo.

Jñana mudra

Unir o de do indicador e o polegar de cada mão. Este mudra é utilizado para meditação e pranay ama, e conecta os polos positivo e negativo.

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Prana significa energia vital e ayama significa expansão, elevação. Portanto, Pranayama designa um conjunto de exercício respiratórios que conduzem à expansão ou elevação da energia vital. A maioria das pessoas tem uma respiração supérflua que não oxigena devidamente o sistema, o que leva a perda de energia, problemas respiratórios, confusão mental e aumento da tensão. Ao praticarmos pranayama aprendemos a observar o nosso padrão respiratório e a melhorá-lo. Uma respiração profunda e completa inunda o sistema com oxigénio, melhorando a postura, os níveis de energia, a concentração e o bem-estar em geral. Os exercícios que se seguem podem ser realizados em qualquer lugar, mesmo quando estamos em público, desde que sentados numa posição adequada. Isto é, o ísquio deve afundar-se no assento, a pélvis deve estar nivelada, os ombros relaxados e afastados das orelhas, o queixo paralelo ao chão e os joelhos ligeiramente mais elevados que as ancas.

Exercício Preparatório Antes de começares os exercícios propriamente ditos, é importante observares o teu padrão respiratório "normal". De olhos abertos ou fechados, o propósito é simplesmente focar toda a atenção na respiração, sem a alterar ou julgar. Isto é uma forma de contemplação, durante a qual deves procurar responder às seguintes questões: - O compasso da respiração é rápido ou lento? É regular ou irregular? - A inalação é mais longa que a exalação? - Reténs a inalação? - Que partes do corpo se movem durante a respiração, o peito ou a barriga? - Sentes algumas áreas de tensão? - A respiração é feita pelo nariz ou pela boca? - Esta observação deixa-te desconfortável?

Sufimata Pranayama (Respiração Mãe Sufi) 1 - Inspira pelo nariz enquanto contas até 7; 2 - Retém a respiração 1 segundo; 3 - Expira pelo nariz enquanto contas até 7; 4 - Sustém a respiração 1 segundo. Repete enquanto desejares.

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Paripurna Pranayama (Respiração Completa) 1 - Inspira devagar, permitindo que o estômago se expanda como um balão; 2 - Continua a inspirar até que a caixa torácica e, em seguida, o peito se expandam também; 3 - Retém a respiração por breves momentos; 4 - Expira o ar do peito, em seguida da caixa torácica e, por fim, do estomago (ou em ordem inversa); 5 - Suspende a respiração por breves momentos. Repete o processo 5 vezes.

Kapalabhati (Respiração de Fogo) Importante: Esta técnica é desaconselhada para pessoas com tensão alta, diabetes, epilepsia, depressão ou insónia. 1 - Inala 2 - Exala vigorosamente, encolhendo os abdominais. O encolhimento irá originar uma curta e forte expulsão de ar pelo nariz. Imagina que as expirações poderiam apagar a chama de uma vela. Repete 20 vezes, pára e deixa que a respiração volte ao normal. Faz mais uma ou duas séries de 20, se desejares.


Asana significa postura firme e agradável. Ainda que algumas pessoas afirmem que existem apenas 84 posturas fundamentais, a partir das quais nasce toda uma miríade de variações, é impossível quantificar a sua totalidade. Esta é a componente mais conhecida do Yoga por ser das poucas técnicas corporais. Contudo, não é exclusivamente corporal. O asana bem executado deve coordenar a posição física (estável, confortável e estética), a respiração (consciente, profunda e ritmada) e a atitude interior (consciência focada no corpo, sem diálogo interno). A respiração é, sem dúvida, de extrema importância na prática de asana, na media em que ajuda no seu desempenho. Por exemplo, uma simples torção do

tórax é melhor conseguida enquanto expiramos ou estamos sem ar na caixa torácica. De forma geral, os movimentos para cima são feitos com inspiração, enquanto os movimentos para baixo e as torções são feitas em expiração. Outro ponto importante de frisar é a ideia de “esforço sem esforço”, isto é, ao realizar as posturas devemos sentir o corpo alongar e não forçar mais que isso. É muito mais importante respeitar o corpo e saber ‘ouvi-lo’, do que forçar posições que ainda não são para nós. Para aqueles que quiserem experimentar, recomendamos estes vídeos com sequências para iniciantes.

Alongar e fortalecer: uma prática equilibrada em 40 minutos http://yogainternational.com/article/view/stretch-and-strengthen-a-balancedyoga-practice-in-40-minutes

Aula de Yoga Flow para aumentar a flexibilidade http://youtu.be/KnddGSCu_WQ

Aula para relaxar depois de um dia cansativo http://yogainternational.com/article/view/yoga-to-unwind-after-work

Yoga para equilíbrio e perda de peso http://youtu.be/uUVZAMbGtDg

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Samyama significa contenção e é o estado meditativo do Yoga. Este componente é constituído por três estados de consciência que se encadeiam uns nos outros: antes de atingir o samadhi, é necessário dominar dhyana, para tal é necessário dominar dharana e antes desse ainda é necessário dominar pratyahara.

Pratyahara

É a abstração dos sentidos, um fenómeno que ocorre naturalmente por habituação e que faz com que, por exemplo, nem sempre sintamos as roupas que temos vestidas ou que oiçamos determinados sons. O domínio desta técnica ocorre quanto tornamos o fenómeno consciente e voluntário. Inicialmente trabalha-se a audição, que é o mais fácil. Exercício Pega num relógio analógico, preferencialmente de pulso, coloca-o junto ao ouvido e concentra-te no tique-taque. Põe uma música sem altos e baixos a tocar com o volume baixo. Progressivamente, vai aumentando o som. Quando o volume estiver no máximo, começa a afastar o relógio devagar até teres o braço completamente esticado. Durante todo o processo deves manter a audição seletiva no tique-taque.

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Dharana

Significa concentração e, portanto, é o ‘simples’ focar da atenção numa só coisa. Os exercícios de concentração também desenvolvem a capacidade de mentalizar formas e cores, que algumas pessoas utilizam durante a prática de asana. Exercício Senta-te de olhos fechados e visualiza um triângulo. Não deixes que o pensamento disperse. Mantem a imagem do triângulo nítida e sem interferências durante um minuto. No dia seguinte, dois minutos e assim sucessivamente até chegares aos 20 minutos. Nessa altura deves passar para um exercício mais avançando.

Dhyana

Pode ser traduzido como meditação, mas, no nosso dicionário, este conceito significa pensar ou refletir, quando dhyana é exatamente o oposto. Por isso, há quem prefira usar os conceitos intuição linear ou supraconsciência. À parte as questões linguísticas, o objetivo é mudar “o canal pelo qual flui a consciência”, que normalmente opera nos canais mental, emocional ou físico. Em dhyana desligamos esses circuitos habituais e deixamos a consciência fluir num canal mais subtil e profundo, o intuicional. A diferença entre os exercícios de dharana e os de dhyana é que nos primeiros o objetivo é ‘apenas’ concentrar o pensamento, enquanto nos segundos procura-se para-lo completamente. Para ajudar nessa tarefa podes recorrer aos yantras ou aos mantras.





A Arte de Não cozinhar O crudivorismo ou a alimentação viva é uma dieta (no sentido de hábito alimentar e não de regime momentâneo fruto do desespero com a chegada do verão) na qual os alimentos são consumidos crus, desidratados ou cozinhados a menos de 40ºC. Os crudívoros ingerem sobretudo fruta fresca e seca, vegetais, grãos germinados (rebentos) e algas. No entanto há quem consuma carne (carpaccio) e peixe (sushi).

Para quê, porquê?

Quando preparamos tisanas ou infusões as propriedades das plantas passam para a água, certo? O mesmo acontece quando cozinhamos alimentos a altas temperaturas. Há quem defenda que a comida crua/viva contem enzimas naturais que são essenciais para o nosso corpo. Há também quem não concorde e afirme que essas enzimas são desfeitas pelo processo digestivo de qualquer forma. Segundo o Instituto Gerson, se consumirmos 75% de comida crua podemos prevenir imensas doenças degenerativas, abrandar o processo de envelhecimento, aumentar o nosso bem-estar emocional e os níveis de energia. Porém, os estudos científicos são inconclusivos., há os que defendem este tipo de alimentação e os que são contra. Na verdade, cada corpo responde de forma diferente a diferentes dietas, cada um tem as suas necessidades. Mas uma coisa é certa: ter uma dieta raw saudável implica muito estudo, muita pesquisa e muita força de vontade. O nosso objetivo não é levar ninguém a deixar, de um dia para o outro, a comida cozinhada. Pretendemos apenas mostrar que este tipo de alimentação não tem de ser aborrecida e sem sabor, e propomos que a experimentem durante um dia para verem os resultados. Mas tenham sempre em atenção os vossos hábitos! Por exemplo, para aqueles que comem diariamente carne, provavelmente é demasiado abruto passar um dia inteiro só com comida crua, pelo que devem optar por fazer apenas uma refeição diária. É também muito importante frisar que este tipo de alimentação pressupõe que se coma em grandes quantidades, uma vez que os alimentos naturais não têm tantas gorduras e calorias quanto os processados. Portanto, aqueles que quiserem experimentar um dia completo não devem seguir o menu que apresentámos à risca, como se fosse um regime. Devem comer até estarem satisfeitos e se entre as refeições ficarem com fome, devem comer fruta ou as barras que apresentamos para o pequeno almoço. Uma dieta saudável não é aquela em que se come pouco e se passa fome, mas sim aquela que nos satisfaz com coisas boas!

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this rawsome vegan life http://www.thisrawsomeveganlife.com/

Para nos ajudar convidámos a canadiana Emily von Euw, que simpaticamente permitiu que partilhássemos convosco algumas das receitas do seu blog, de onde retirámos, também, todas as imagens que ilustram este artigo. Emily sempre se sentiu conectada com a natureza e tentou viver de forma mais saudável possível. Tem uma horta biológica, pratica yoga, gosta de desporto e de todo o tipo de atividades ao ar livre. Ao ler o livro Fit for Life, de Harvey e Marilyn Diamond, o veganismo começou a fazer todo o sentido. Então, decidiu experimentar este tipo de alimentação durante 30 dias. Ao fim do segundo, já estava segura que seria vegan para o resto da vida, pois para ela esta é a forma mais compassiva, responsável e humanitária de viver. Pouco tempo depois descobriu o crudivorismo e voltou a mudar de dieta, sem, no entanto, deixar de comer vegetais cozinhados esporadicamente. O que mais gostámos na Em foi o facto de não ser fundamentalista, nem tentar impor as suas verdades aos outros. Ela afirma que não gosta de se autonomear crudívora, vegan, frutívora ou qualquer outra coisa porque isso faz com que se sinta restringida, quando na verdade pode comer tudo o que desejar. Simplesmente não deseja comer óleos hidrogenados nem animais mortos. Apesar de sonhar com um mundo vegetariano, defende que cada pessoa deve comer o que deseja e o que for adequado para si. Recentemente lançou o seu primeiro livro, Rawsome Vegan Baking, repleto de deliciosas e belíssimas sobremesas não-cozinhadas e saudáveis. No futuro, espera continuar a inspirar pessoas a comerem de forma saudável, ter a sua própria casa móvel e uma pequena quinta orgânica. Agora, vamos ao menu para um dia raw!

O seu livro pode ser adquirido em http://amzn.com/1624140556

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Pequeno almoço Barras Energéticas com Cacau & Smoothie Verde

Ingredientes (cerca de 15 barras) 1 chávena de nozes 1/3 de chávena de sementes de chia 1/3 de chávena de sementes de linhaça 1/3 de chávena de sementes de cânhamo 1/4 de chávena de pepitas de chocolate 1/4 de chávena de lascas de coco 3/4 de chávena de sementes de abóbora 1/2 chávena de passas 1 chávena de tâmaras

Preparação Coloca metade de todos os ingredientes secos no processador, em seguida adiciona as passas e as tâmaras e processa até que tudo fique colado. Se estiver demasiado seco, adiciona mais tâmaras ou óleo de coco. Junta os restantes ingredientes secos e mistura com as mãos. Espalha a mistura num tabuleiro forrado com papel vegetal e coloca no frigorifico durante, pelo menos, uma hora. Por fim, basta cortar em barras e tens um ótimo suplemento energético para comer entre refeições. Podem ser guardadas durante 1 semana.


Ingredientes 1 molho de couve ou espinafres 1 molho de acelga 1 molho de coentros 1 rama de aipo 1/2 pepino Gengibre picado q.b. Sumo de 1/2 limão 1 chávena de água de coco (ou água normal) 1 colher de chá de stevia ou agave 1 banana 2 morangos Preparação Passar tudo na liquidificadora ou com a farinha mágica.


almoço Nori Wraps, Sopa de Beterraba e Abacate & Tarteletes de Fruta

Wraps 1/2 cabeça de couve roxa 1 cenoura 1 courgette 1/2 pepino 2 folhas de couve 1 abacate 3-4 folhas de nori Molho 1 colher de sopa de tahine Chili em pó q.b. 1 colher de sopa de miso 2 tâmaras Sumo de 1/2 limão 1 dente de alho Preparação Para fazer o molho basta misturares todos os ingredientes até obteres uma pasta uniforme. Para os wraps, desfia e corta em tiras todos os vegetais, dispõe-os num lado da folha de nori, espalha molho no lado oposto (isto serve para ajudar a selar o wrap) e enrola. Fácil e delicioso!


Sopa 1/2 abacate 1 beterraba 1 colher de sopa de tamari ou molho de soja 1 colher de sopa de miso 1 dente de alho 1 colher de sopa de gengibre 1 chávena de água quente 3 cogumelos Sumo de 1/2 limão Sal e pimenta q.b. Creme de Caju 1/4 de chávena de caju Água suficiente para cobrir o caju Canela e sal q.b.

Preparação Para fazer a sopa basta misturar todos os ingredientes no processador de alimentos. Não te esqueças de provar e adaptar ao teu gosto. Reserva Para o creme de caju também basta misturar todos os ingredientes até obteres uma pasta cremosa. Se quiseres que fique menos espesso, basta adicionares mais água. Junta o creme à sopa e, se quiseres, adiciona ervas aromáticas frescas e sementes. Nota: a sopa deve ser ingerida depois das comidas sólidas. Para não ser demasiado estranho, colocámo-la antes da sobremesa.


Base 1 chávena de aveia ou de grumos de trigo sarraceno 1 chávena de tâmaras Recheio 1/4 de chávena de chai forte e o conteúdo da saqueta de chá 2/4 de chávena de cajus 1/2 colher de chá de baunilha 1 banana 1 colher de sopa de óleo de coco 1/4 de chávena de mel ou xarope de ácer ou de agave

Preparação Para fazer a base, mistura os ingredientes no processador de alimentos até ficar pegajoso. Coloca em moldes de tarteletes e mete no frigorifico. Para o recheio, mistura igualmente todos os ingredientes no processador até ficar homogéneo. Coloca o recheio nos moldes e deixa no frigorifico durante a noite. Decora com as frutas que desejares.


lanche Smoothie Purificador & Sandes de Tomate e Pepino

Ingredientes 1 chávena de espinafres 1 chávena de salsa 1 laranja 2 maçãs 2 tomates 4 cenouras Preparação Passar tudo na liquidificadora ou com a farinha mágica.


Pão de Cebola e Milho 1 chávena de sementes de linhaça 1 chávena de sementes de girassol 1 chávena de milho 1 cebola picada 2 tomates picados Sal, pimenta e cominhos q.b. Preparação Tritura as sementes até ficarem em pó. Coloca este pó no processador de alimentos e mistura com os restantes ingredientes até obteres uma pasta robusta. Espalha a pasta num tabuleiro e leva ao desidratador ou ao forno (na temperatura mínima) durante 2 horas. Depois, vira e deixa mais 2 horas. Para finalizar, corta vários quadrados.

Tapenade de Azeitona e Couve 1 molho de couve 1/3 de chávena de azeitonas 1/3 de chávena de azeite extra virgem 1 dente de alho Sal rosa do Himalaia (ou sal marinho) q.b. Preparação Embebe as azeitonas no azeite durante a noite. Mistura todos os ingredientes no processador de alimentos até obteres a consistência do pesto. Preparação final Espalha a tapenade no pão e junta fatias de pepino e tomate. Se preferires, embebe o pepino e o tomate em azeite e especiarias e desidrata no desidratador ou no forno (na temperatura mais baixa)


Jantar Lasanha de Courgette & Brownies com Goji e Coco

Pesto de Coentros e Noz 2 chávenas de coentros 1/4 de chávena de noz 1/4 de chávena de sementes de abóbora 1 dente de alho Sumo de 1 limão Sal a gosto Preparação Passa todos os elementos no processador de alimentos até obteres a consistência do pesto. Adiciona água ou outro líquido se necessário.

Pasta de Tomate Seco 1/2 chávena de rebentos de grão bico 1 colher de sopa de tahine 1 dente de alho 1/3 de chávena de tomates secos Sumo de 1 limão Sal a gosto Preparação Mistura todos os ingredientes com o processador de alimentar até os tomates ficarem em pedaços pequenos.

Preparação Final Corta 1 courgette em fatias finas com ajuda de uma mandolina. Coloca duas fatias ligeiramente sobrepostas e constrói camadas com os preparados anteriores e fatias de courgette. No topo, podes espalhar azeitonas e cebolinho.


Ingredientes 1/3 de chávena de bagas goji 1/3 de chávena de cacau 1/2 chávena de pedaços de coco 3/4 de chávena de amêndoas 3/4 de chávena de cajus 1/4 de chávena de tâmaras 1/4 de chávena de ameixas 3 colheres de sopa de sementes de cânhamo 6 colheres de sopa de alfarroba em pó 2 colheres de sopa de óleo de coco 1 colher de chá de canela 1/8 de colher de chá de pimenta caiena 1/2 colher de chá de sal dos Himalaia (ou marinho) Preparação No processador de alimentos, desfaz as amêndoas e os cajus. Em seguida adiciona as tâmaras e as ameixas e mistura até começarem a colar. Mistura os restantes ingredientes e molda como quiseres. Podes comer logo ou refrigerar durante 1 hora. .


Ceia Tigela de Proteínas

Ingredientes 1/3 de chávena de flocos de aveia 1 banana fatiada 1 colher de sopa de manteiga de amendoim 1 colher de sopa de flocos de cacau 1 colher de sopa de stevia em pó ou mel 2 colheres de sopa de bagas goji 3 colheres de sopa de flocos de coco

Preparação Mistura tudo e tens uma nutritiva refeição para quando ficas acordado muitas horas depois do jantar ou mesmo para o pequeno almoço ou lanche. Lembra-te que não te deves deitar antes de fazeres a digestão, pois este processo não permite que o corpo descanse completamente.


Vivemos numa época em que tudo o que é derivado da natureza não serve, ou não é suficientemente “potente” para tratar qualquer distúrbio físico ou mental. Ignoramos por completo o facto de que a cura começa de dentro para fora e não de fora para dentro, como hoje se pratica. A medicina convencional esconde e prolonga os distúrbios da sociedade. Com isto não quero dizer que a medicina não é importante, a medicina é muito importante apenas está mal estruturada e direccionada. Quando vamos ao médico parece que estamos a fazer uma busca no Google, que penso ser um pouco mais esclarecedora mesmo assim, “tenho uma dor aqui” – resposta imediata “tome isto”. Nada de toque, nada de saber o que se passa com o individuo na sua totalidade – porque o ser humano é um todo e uma dor na ponta do dedo não significa propriamente que a origem da dor seja na ponta do dedo. Com isto pretendo apenas explicar que a melhor forma de viver uma vida o mais saudável possível (dentro do possível num mundo absurdamente poluído) é cultivando o que podermos pois assim podemos controlar o que comemos e os nossos melhores medicamentos. Se formos analisar bem as coisas, quanto mais dependemos daquilo que os outros cultivam (em grande escala, cheios de químicos, geneticamente modificados, etc), mais doenças sem cura aparecem. A comida está “doente”, é normal que as pessoas também fiquem doentes, porque está tudo dentro do mesmo ciclo. As plantas medicinais são uma grande forma de prevenção mas também uma forma de tratamento. É incrível o mundo de tratamentos que temos a nossa disposição no meio de uma serra, por exemplo, mas é importante sabermos as propriedades de cada planta e sabermos identifica-las. Por isso deixamos aqui duas plantas com propriedades medicinais que se podem semaear nos meses de Março e Abril.

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Dente de Leão Muitas pessoas pensam no dente de leão como uma erva daninha, mas na verdade esta planta está repleta de vitaminas A,B,C e D e minerais como ferro, potássio e zinco. As suas folhas são usadas para dar sabor a saladas e para fazer chás. As raízes são utilizadas em alguns substitutos de café e as flores para fazer vinhos. No passado, índios usavam o dente de leão em infusão com a água para tratar vários problemas renais, problemas de pele, azia e dores de estômago. Propriedades medicinais: diurético, estimulante de apetite, atenuador das dores de estomago, melhora as funções hepática e biliar, ajuda a baixar o “mau” colesterol (LDL) e a elevar o “bom” colesterol (HDL), antidiarréico. Ajuda em casos de dermatologia no geral como na psoríase e no eczema. Aumenta a produção do leite materno. De forma geral age como desintoxicante, mineralizante, antioxidante, moderadamente anti inflamatório, bactericida e antianémico.

Utilização Sumo fresco: obtém-se por pressão ou trituração das folhas e raízes. Tomam-se 2 ou 3 colheres antes de cada refeição. Infusão: prepara-se com 60g de folhas e raízes por litro de água. Toma-se uma chávena antes de cada refeição. Contra-indicações: evitar o uso em caso de ulceras gástricas.

Equinácea A Echinacea purpúrea também era utilizada pelos índios, que a utilizavam como antiespasmódico, e é hoje uma das mais importantes plantas medicinais do ocidente. Propriedades medicinais: Desintoxicante do sistema circulatório, linfático e respiratório. Estimulante. Trata feridas, dores e queimaduras. Propriedades antibacterianas. Antisséptica, afrodisíaca, diaforética, digestiva. Ajuda a tratar ulceras crónicas, gripes distúrbios do sistema urinário e respiratório. Ativa o sistema imunológico, ajudando no combate a infecções.

Utilização Infusão: Deixar a água ferver e após desligar o lume adicionar cerca de 3g por litro de água e deixar em infusão durante mais ou menos 5 minutos. Filtrar e beber o chá. Contra-indicações: Possível supressão da imunidade se o consumo for prolongado. O consumo não deve exceder os 10/14 dias. Não deve ser utilizado na gravidez, no período de amamentação, nem a doentes com hepatites. Também não é recomendado utilizar em doentes de tuberculose, esclerose múltipla, SIDA e outras doenças imunológicas sem supervisão de um especialista.

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“Revolução disfarçada de jardinagem” (Mike Feingold)

Há quem delegue a responsabilidade dos problemas da humanidade aos homens-máquina que colocam o lucro acima do Homem, pessoalmente vejo-os como mera consequência do grande problema e não como a causa. Aliás, a delegação de responsabilidades em massa é exatamente o que dá tanto poder a esses simples seres (des)humanos. Por outro lado, todos se preocupam com a crise monetária, mas poucos têm consciência que as crises são uma parte essencial do capitalismo. O sistema capitalista não está a falir, nasceu falido. O que verdadeiramente importa e ninguém quer ver é que, como escreveu Bill Mollison em 1981, “os sistemas que estão realmente a começar a falhar são o solo, as florestas, a atmosfera e os ciclos de nutrientes.” A verdadeira crise que nos assola não começou há um par de anos, mas sim quando deixámos de nos ver como parte de um amplo ecossistema e passámos a ser marionetas sintéticas de um ‘egossistema’ que ignora e contraria por completo os padrões que regem todo o Uni ou Multiverso. Na MAC não gostamos de salientar problemas, mas temos de os reconhecer para podermos transformá-los em soluções.

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Uma dessas soluções é a Permacultura — termo fruto da contração de (agri)cultura permanente —, que procura criar ecossistemas coesos e abundantes através de éticas e princípios que imitam exatamente os padrões e leis da natureza. Segundo Bill Mollison a ideia original surgiu em 1959 enquanto observava marsupiais nas florestas tropicais da Tasmânia. Inspirado pela abundante e rica interconetividade destes ecossistemas, escreveu no seu diário: “Acredito que podemos construir sistemas que funcionariam tão bem como este funciona.” Então, em 1970, ele e David Holmgren começaram a analisar o que haviam observado na natureza e nas culturas indígenas com o intuito de compilar os princípios que tornavam esses sistemas tão ricos e sustentáveis. Cinco anos depois o termo foi partilhado pela primeira vez , quando Mollison deu uma entrevista à rádio nacional de Melbourne e suscitou o interesse de várias pessoas, que queriam mais informação. O conceito espalhou-se rapidamente pela Austrália e, em menos de quatro anos, foram criados 36 grupos de permacultores.


Grupo de Permacultores de Sesimbra, numa ajudada no Vale do Clajá

permacultores. Em 1980, Mollison introduziu o conceito nos Estados Unidos e daí espalhou-se um pouco por todo o mundo. Atualmente ainda há quem associe esta metodologia apenas à agricultura. Esta é, de facto, uma parte essencial de qualquer sistema relativamente autónomo, uma vez que providencia matéria-prima. Esta pode (e deve!) ser aplicada em qualquer área da vida humana, desde a construção de habitações ao funcionamento de empresas. Esta capacidade deve-se ao facto de a permacultura ser, na sua essência, uma filosofia multidisciplinar de vida sustentável. Não se trata, ao contrário do que muitos acreditam, de um conjunto de técnicas, mas sim de um conjunto de éticas e princípios naturalmente lógicos. As três éticas são: cuidar da terra, cuidar das pessoas e partilhar de forma justa (“earth care, people care and fair share”). Os princípios, por seu turno, não são exatamente iguais para todos os permacultores, até porque cada um tem a liberdade de os (re)criar. Partilhamos os de Holmgren por serem os mais abrangentes: - Observar e interagir;

- Capturar e armazenar energia; - Obter rendimento; - Aplicar autorregulamentação e aceitar feedback; - Usar e valorizar recursos e serviços renováveis; - Não produzir desperdícios; - Desenhar a partir de padrões e depois passar para os detalhes; - Integrar em vez de segregar; - Usar soluções pequenas e lentas; - Usar e valorizar a diversidade; - Usar os limites e valorizar as margens; - Usar e responder criativamente à mudança. Baseados nestas éticas e princípios, os permacultores trabalham para a preservação da natureza que permite a nossa existência e para a relativa libertação de cada indivíduo. Enquanto o fazem, sonham com o desenvolvimento de bioregiões autossuficientes, onde todos os humanos possam viver em abundância e em cooperação entre si e com a natureza.

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Os trabalhos do multifacetado Joost Bakker corporificam perfeitamente a ideologia da permacultura e respondem ao imperativo de fazer renascer as cidades. A filosofia do australiano nascido na Alemanha é simples: não existe qualquer necessidade de gerar desperdícios nas nossas atividades diárias, tudo pode ser infinitamente reutilizável e reciclável. Em vez de o tentar explicar com palavras, Joost prefere construir espaços onde qualquer pessoa pode comprovar que é possível ser-se completamente ecológico, mesmo quando estamos rodeados de betão. Os seus restaurantes “Greenhouse” têm exatamente essa função, pois são espaços onde as pessoas podem tocar materiais naturais, compreender de onde vêm os bens diários e ainda provar comida fresca, vinda diretamente da horta que aviva o telhado e paredes dos edifícios ou de produtores locais. Estes projetos oferecem soluções alternativas que trilham um bom balanço entre funcionalidade, sustentabilidade e beleza. Todas as características, desde a luz aos minhocários, são cuidadosamente consideradas, primeiro pela sua praticabilidade, reciclabilidade, ciclo de vida e energia incorporada, e depois pela sua estética e custo. Não se assustem, os minhocários referidos acima são exclusivamente para processar os restos orgânicos e transforma-los em húmus que irá nutrir as plantas que constituirão refeições futuras. Isto assegura o funcionamento em ciclo fechado, até porque não é produzido qualquer outro ‘lixo’. Aliás, nem sequer existem caixotes do lixo nestes espaços. Existe, contudo a utilização do que outras pessoas consideram lixo. Por exemplo, na Greenhouse que

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mostramos acima e abaixo, a estrutura é feita de aço reutilizado, o isolamento de palha, o chão de paletes de plástico, as cadeiras e as mesas interiores de waferboard reciclado, as cadeiras e as mesas da esplanada, respetivamente, de sinais antigos e bocas de incêndio. Este espaço, localizado na base de uma torre de escritórios em Perth, foi construído em 14 dias e é o único permanente. No ativo desde 2009, é um atrativo, não apenas para pessoas, mas também para pássaros e abelhas. Além do enorme sucesso diário, foi nomeado Restaurante do Ano em 2010, cimentando assim a importância destas construções na indústria hoteleira.

Para conhecerem as Greenhouse temporárias e os restantes trabalhos de Joost, visitem a sua página http://byjoost.com/

Interior da Greenhouse de Perth


A marca 100% portuguesa Minigarden®, desenvolvida pela empresa familiar QuizCamp, também tem como missão promover uma "Revolução Urbana Verde". No ativo desde 2007, a empresa apresenta várias soluções de cultivo para espaços limitados e já conquistaram fã por todo o mundo, incluindo o renomado cozinheiro Chakall. Porquê tanto sucesso? Porque os seus vasos modulares permitem criar espaços verdes, tanto no interior quanto no exterior, com a forma e dimensão que desejarmos. As possibilidades de combinação são limitadas apenas pela imaginação, até porque a montagem é extremamente simples e intuitiva. Porque até o mais inexperiente jardineiro pode ter sucesso, já que os módulos dispõem de um sistema de drenagem gravítica que garante que nenhuma planta sofrerá com excesso de água, que é escoada e acumulada no prato que constitui a base dos conjuntos. Além disso, a marca dispõe de fáceis e cómodas soluções de rega e nutrição que permitem pouca intervenção por parte do cultivador. E ainda podemos adicionar mais um porque: quando usados para revestir paredes exteriores, funcionam como isolantes térmicos que diminuem, portanto, o consumo de energia com climatização. Por enquanto os modelos disponíveis permitem o cultivo de plantas de pequeno e médio porte, no entanto a Minigarden® pretende em breve alargam a gama de forma a possibilitar o cultivo de qualquer tipo de planta. Estes podem ser adquiridos em várias lojas especializadas e em http://pt.minigarden.net/shop/

Minigarden Vertical Vendido em conjuntos de 3 módulos 42.45€

Minigarden Corner 24.95€

Grow Up Biológico 7.99€

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Falar de moda ecológica é um erro bastante comum. A moda, enquanto religião que busca sedentamente a próxima tendência (i.e., aquilo que a maioria irá utilizar porque a maioria irá utilizar) e descarta as anteriores (i.e., aquilo que a maioria deixa de utilizar porque a maioria não utiliza), nunca poderá ser ecológica. Pelo contrário, este constante desperdiçar de recursos em bom-estado e esta constante aquisição de novidades é apenas mais uma das rodas de hamster que faz o capitalismo girar. Além dos fanatismos, a industria têxtil, per si, é uma das mais desumanas e poluidoras de sempre. As grandes marcas/empresas do sector recorrem a trabalho infantil, escravatura e desmesurada exploração humana. Simultaneamente, usam fibras não-orgânicas (prejudiciais para o ambiente e para a saúde de quem as usa), toda uma parafernália de químicos nocivos e excesso de maquinaria e não se preocupando minimamente com a diminuição ou tratamento dos desperdícios que produzem. Felizmente existem cada vez mais empresas do setor a preocuparem-se com o bom funcionamento desta nossa pequena nave espacial orgânica e com todos os seus habitantes.

As soluções estão também em crescimento: desde fibras de plantas produzidas em agricultura biológica a fibras sintéticas ecológicas, opções não faltam. Nesta edição decidimos abordar o algodão biológico e mostra-vos duas empresas que o utilizam para produzir belíssimas roupas sustentáveis. Pode parecer futilidade, mas, sejamos honestos, a menos que desejemos morrer de hipotermia, ir para uma tribo naturalista num qualquer país tropical ou ganhar uma estadia num manicómio, precisamos de roupa. Já que dela precisamos qual é o problema de a usarmos esteticamente? Deduzo que seja o mesmo que não o fazer: objetivamente nenhum. É uma questão de escolha. Além disso, a forma como nos vestimos pode ser considerada uma arte através da qual comunicamos estados de espírito, pensamentos, mensagens e tudo-o-mais. Se há quem escolhe passar a mensagem que se preocupa com a sua aparência, também há quem ‘grite silenciosamente’ o oposto. Essas são escolhas que não prejudicam nada nem ninguém. Escolher a origem da nossa roupa, isso sim, pode prejudicar ou beneficiar todo o planeta!

Para que se compreenda a importância do algodão orgânico é necessário conhecer os perigos do algodão ‘convencional’. Enumeremos: 1 - É a cultura que mais utiliza agrotóxicos (adubos, pesticidas, herbicidas), o que leva à intoxicação e morte de milhares de agricultores e restantes animais, bem como à poluição do solo, ar e água. 2 - As pragas expostas aos pesticidas sintéticos acabam por se tornar resistentes aos mesmos, fazendo com que os agricultores os utilizem em maiores quantidades todos os anos. O que, além de aumentar a destruição ambiental, faz com que os produtores entrem numa espiral de dívida que já levou ao suicídio de cerca de 1000 agricultores na Índia. 3 - Existe uma proliferação de algodão geneticamente modificado. 4 - É uma das culturas que exige mais água. 5 - É tratado com desfolhantes químicos e colhido mecanicamente (elevados gastos de petróleo).

Já o algodão produzido em regime de agricultura biológica: 1 - Não utiliza agrotóxicos nem necessita de tanta água graças a técnicas como as camas elevadas e o mulch (cobertura do solo), que retém e aumentam a humidade do solo, além de o enriquecerem nutricionalmente e de o manterem vivo. 2 - Gera mais lucro para o produtor. 3 - Não utiliza organismos geneticamente modificados. 4 - É antialérgico e biodegradável (demora cerca de 3 meses para se decompor). 5 - Demora entre 8 a 9 meses a estar pronto para ser colhido manualmente (aumento da mão-de-obra empregue).

Contudo, o cultivo de algodão orgânico representa apenas 1% do total de algodão cultivado no mundo. Cabe-nos a nós, a cada um de nós, mudar essa situação. Como disse Anna Lappé, “cada vez que gastas dinheiro, estás a votar no tipo de mundo que desejas”. Ou seja, ao comprares roupa feita de algodão biológicos estás a aumentar a procura, logo a contribuir para o aumento do seu cultivo e para que mais marcas optem pela via ecológica.

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Fundada em 2007 por Anton Jurina e Martin Höfeler, dois colegas de faculdade que tinham como principal objetivo começar uma revolução sustentável na industria têxtil, esta empresa é a prova que é possível ter um negócio lucrativo que respeita a natureza e as pessoas. O seu respeito pela natureza é mantido através da exclusiva utilização de materiais ecológicos tanto nas fibras quanto nos acessórios (linhas, botões, …) e de processos amigos do ambiente (tratamento de águas residuais, impressões feitas com tinta à base de água, não-utilização de cloro para branquear produtos, …). Mas a marca vai mais longe, respeitando igualmente todos os humanos: praticam comércio justo (pagam mais do que o salário mínimo, oferecem todas as condições de trabalho e ainda fornecem pré-financiamento aos agricultores que o necessitem para comprar sementes) e doam 1€ a instituições de caridade por cada peça vendida. Merecem, decididamente, todo o nosso apoio para que possam continuar a produzir belíssimas roupas e ajudar humanos e ecossistemas.

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Zoe Batik

119.90€ 97% algodão orgânico e 3% elastano Padrão feito à mão

Vivi

79.90€ 100% Algodão Orgânico

69.90€ 100% Algodão Orgânico

Mie Dots

Tara Tropicano 119.90€ 100% Tencel

Patty

89.90€ 100% Algodão Orgânico

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Suzy Dip Dye

39.90€ 100% Algodão Orgânico

Scarlett Papillon

Valetta

79.90€ 100% Algodão Orgânico

39.90€ 100% Algodão Orgânico

Sofia Ahoi

59.90€ 100% Algodão Orgânico

Lou

59.90€ 100% Algodão Orgânico

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Scot Contrast

69.90€ 100% Algodão Orgânico

Spencer

89.90€ 100% Algodão Orgânico

Clark

99.90€ 100% Algodão Orgânico

Luc

69.90€ 100% Algodão Orgânico

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Liam Dots

89.90€ 100% Algodão Orgânico

James Break The Rules 25.13€ 100% Algodão Orgânico

James Crow

25.13€ 100% Algodão Orgânico

http://www.armedangels.de/

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www.peopletree.co.uk Dizer apenas que esta é outra marca que merece a nossa atenção e o nosso apoio, seria pouco. Assim como também o seria enumerar as suas preocupações ecológicas e humanitárias, até porque são essencialmente as mesmas que as da Armedangels. Importante é salientar que a People Tree, fundada em 1991, foi a primeira marca deste género. Pelo que enfrentou inúmeras dificuldades pelo caminho, superadas pela enorme persistência da fundadora Safia Minney. Safia começou por trabalhar na industria publicitária, mas “cedo viu a realidade debaixo das imagens lustrosas: fábricas clandestinas, favelas e trabalho infantil.” Foi então que começou a fazer a questão que mudaria completamente a sua carreira: “E se o design, a criatividade e os media fossem usados para mudar o mundo?” Decidida a ser parte da solução, fundou a Global Village para educar os japoneses relativamente às formas sustentáveis de vida. Esta ONG serviu de base para a criação da sua própria marca, através da qual tem contribuído para a melhoria das condições de vida de inúmeras pessoas e preservação do ambiente. E tu, queres ser parte da solução ou do problema?

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£68.00 100% Algodão Orgânico

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£34.20 100% Algodão Orgânico

£34.20 100% Algodão Orgânico

£70.20 97% Algodão Orgânico 3% Elastano

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£67.50 100% Algodão Orgânico


£70.20 95% Algodão Orgânico 5% Elastano

£126 100% Algodão Orgânico


Quando afirmamos que a roupa pode ser uma forma de expressão e, portanto, uma arte como qualquer outra, estamos a partilhar convosco algo que aprendemos pragmaticamente com a Cláudia. Recentemente a nossa querida C. e a Vanessa criaram o blogue Absentiabelli, onde partilham a sua grande paixão por roupa e acessórios, natureza, fotografia e viagens. Absentiabelli significa paz e ambas são pessoas que procuram tornar o mundo um lugar melhor. Se não o conseguirem, pelo menos tornam-no mais bonito. Mas não se iludam com a beleza e aprimorada estética, jaz nos seus interiores uma beleza ainda maior: a de quem sonha, pensa e se esforça por realizar. http://absentiabelli.wordpress.com/ https://www.facebook.com/absentiabelliblog http://instagram.com/absentiabelli


Ficamos à espera das vos Gostaríamos também projetos, a vossa art Contacte


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