Hospital-Dispensário Marinho Manuel António Dantas Vilaça Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura Escola Superior e Artística do Porto, 2013 Sob Orientação da Prof. Arqª Matilde Pessanha
Agradecimentos:
Queria começar por agradecer a todos os meus professores, sem deixar de mencionar a importância do professor Mário Mesquita, que marcou o meu primeiro ano neste curso e que me fez “saber ver a arquitectura” com outros olhos e paixão. Aos meus país e familia, pelo apoio incondicional durante todos estes longos anos de estudo, em especial ao meu padrasto e amigo João, pela paciência, interesse e disponibilidade que sempre demonstrou pelo meu trabalho. Aos meus companheiros, pela força, conversas e conselhos em especial à minha amiga Teresa. Por fim, a todas as pessoas, momentos e experiências que, directa ou indirectamente, contribuiram para o meu percurso e aprendizagem.
Those who live by the sea can hardly form a single thought of which the sea would not be part Hermann Broch
Introdução ................................................................... 8 A História Os hospitais e a arquitectura ..................................... 12 Necessidades, sentimentos e aspirações .................. 18 René Quinton e o Dispensário Marinho ................. 20 A Antropologia da Água A água e o Homem ..................................................... 22 O mar e Portugal .........................................................26 O Projecto O local .......................................................................... 30 A génese do projecto .................................................. 32 Os objectivos e programa ........................................... 40 Mens sana in corpore sano ........................................ 42 Campo Baeza e Peter Zumthor ................................. 48 Siza Vieira e as Piscinas de Leça ............................... 52 Memória Descritiva ....................................................56 Bibliografia .................................................................. 62
Introdução
O presente trabalho de projecto, cujo tema era “Hospital-
cíclico e contínuo a ele.
Dispensário Marinho”, descrevia e distribuiu o seguinte
“Mente sã em corpo são” o ideal grego, que a arquitectura no
programa:
seu todo pode favorecer e ajudar a criar e ainda mais, ou o mesmo dependendo das perspectivas, em se tratando de um
“O trabalho assumirá o modelo de um concurso de ideias,
hospital.” 1
logo as especificidades do programa farão parte das propostas dos alunos. Mas o objectivo maior do trabalho, que orientará
Cita-se ainda a frase “Faz do alimento o teu medicamento”,
as particularidades programáticas, é o de repensar a tipologia
atribuída a Hipócrates, autor do famoso juramento e
Hospital aproveitando e desenvolvendo o modelo altamente
considerado como o pai da medicina ocidental, para, em
democrático, porque muito simples e eficiente, do Dispensário
conjunto com a consideração de algumas novas vertentes da
Marinho de René Quinton.
medicina na elaboração do projecto, sugerir a inclusão de uma
(…) O modelo do termalismo também deverá ser investigado e
horta biológica no programa.
convidado a dar o seu contributo para as propostas.
Finalmente, quanto à localização a escolher para a implantação
Consideramos que a medicina praticada nos nossos hospitais
do projecto, refere-se que a mesma deverá ser “à beira-mar” e
e os próprios hospitais são inspirados nos hospitais de guerra.
ser escolhida pelos alunos..
Com este tema pretendemos criar um hospital adaptado às
O desafio que este projecto encerra justificava o
outras vertentes mais “soft “, minimalistas e agradáveis no
desenvolvimento de diversas pesquisas, não só em
sentido de menos dramáticas e traumáticas da medicina, mas
Arquitectura, mas em múltiplas outras áreas: obrigava a que
cuja filosofia é passível de ser aplicada a todos os campos desta
se investigasse a figura e o percurso de René Quinton, as
disciplina humanizando-os.
suas próprias pesquisas, teorias, descobertas e o que é sabido
Os hospitais parecem por vezes campos de concentração onde
acerca dos objectivos e do funcionamento dos Dispensários
a individualidade e a identidade dos doentes e familiares é
Marinhos, que ele impulsionou; como se sugeria no programa,
menosprezada. Não bastam as operações de cosmética, como as
foram investigados os modelos de termalismo e o lema mens
pinturas coloridas e abonecadas que certos programas levam a
sana in corpore sano; foi possível concluir que a água, mais
cabo na área infantil dos hospitais para os humanizar.
do que um mero elemento natural, é uma “entidade” que tem
É preciso repensar o Hospital no seu todo e na sua essência em
desempenhado um papel fulcral no desenvolvimento cultural
termos mais humanos e aprazíveis, diria mesmo em termos
do homem e das sociedades; e esse seu papel foi estudado
paradisíacos.
antropologicamente nas suas várias vertentes – física, mental,
O Paraíso é o modelo supremo de toda a arquitectura e da
sensorial e mística, através dos tempos; pesquisou-se a
própria humanidade.
história dos hospitais e a importância da arquitectura no seu
O Paraíso é a nossa identidade maior. O que nos cura
planeamento e execução; estudaram-se as obras e as ideias de
verdadeiramente a alma, mas também o corpo, é o regresso
alguns grandes mestres da arquitectura contemporânea, os
1. 8
PESSANHA, Matilde in “enunciado do trabalho”
quais, muito particularmente neste projecto, teriam que ser
génese do projecto, ou seja o processo racional que conduziu à
referências permanentes – Campo Baeza, Peter Zumthor e Siza
escolha das estratégias apresentadas. Continua, enunciando os
Vieira. E, a partir de todas estas investigações, desenhou-se a
objectivos específicos que com ele se pretendem atingir, onde se
estrutura da proposta de projecto.
incluem, não só as respostas aos desafios que foram propostos,
Assim, após a presente introdução, decidiu-se dividir o trabalho
como também alguns outros a que as pesquisas conduziram.
em 5 grandes capítulos: os dois primeiros assumem-se como
Abre-se então o capítulo onde se mencionam as grandes
capítulos-premissa e o terceiro como capítulo-solução; o quarto
referências, traves-mestras inspiradoras do projecto – a
é dedicado às grandes referências do projecto, sendo o último a
versatilidade e modernidade das Termas de Caracala, a
memória descritiva do mesmo.
arquitectura estereotómica de Campo Baeza, a multiplicidade
O primeiro capítulo-premissa é dedicado aos hospitais, à
e a riqueza dos jogos de luz e sombra das Termas de Vals, de
sua história, aos objectivos que eles têm procurado atingir,
Peter Zumthor, as relações entre luz e obscuridade, entre rocha
à evolução da relevância da arquitectura nos seus projectos,
e água, entre terra, mar e céu, presentes nas Piscinas de Leça, de
mas também à sua imagem exterior e interior e à forma como
Siza Vieira.
eles têm sido encarados e experienciados pelos homens que
E, finalmente, apresenta-se e justifica-se a memória descritiva
os utilizam e frequentam. Evocam-se as descobertas e os
do projecto.
ideais revolucionários de René Quinton e descrevem-se os objectivos e os resultados conseguidos pelos Dispensários Marinhos. E discutem-se as tendências para um futuro em que se pretende que os hospitais respondam melhor aos anseios, às necessidades, aos direitos e aos ideais dos homens e de uma sociedade mais rica, mais sábia, mas também esteticamente mais bela, e ainda mais ética e personalizada. O segundo capítulo-premissa tenta reflectir antropologicamente sobre a água, substância inspiradora dos Dispensários Marinhos, razão de ser das termas, inspiradora de ambientes e de um mundo de sensações ligadas à arquitectura, e que estará omnipresente neste projecto, discutindo-se as várias vertentes da relação entre o homem e a água. Quanto ao capítulo terceiro (o capítulo-solução), ele dedicase ao projecto proposto para o “novo” Hospital – Dispensário Marinho. Começa por revelar e descrever sucintamente o local eleito para a implantação do projecto. Seguidamente, relata a
9
10
“No art is more generally misunderstood than the art of architecture and no building more clearly illustrates this lack of understanding than the hospital.� J. Hudnut
Os Hospitais e a Arquitectura
Se o conceito de hospital, for entendido como o local ou
convivência a sujeitaria. Os médicos, normalmente, pouco mais
o edifício onde se acolhem e se tratam os doentes, feridos
eram do que meros observadores passivos da evolução clínica
e acidentados, então poderemos dizer que os primeiros
dos seus doentes, intervindo apenas em situações de crise
hospitais terão existido na Grécia Antiga. Mas nessa época (e
aguda.
durante muitos séculos mais) os “hospitais” assumiram mais
Até ao século XVIII, o papel do arquitecto no projecto dos
um carácter de templo, pois tanto os diagnósticos, como os
edifícios hospitalares foi igualmente muito limitado, cingindo-
processos de tratamento eram inspirados fundamentalmente
se ao desenho e ornamentação de edificações que geralmente
em crenças religiosas e rituais sobrenaturais.
invocavam templos – fossem eles clássicos ou cruciformes, sem
Ao longo de toda a Idade Média, os hospitais monásticos
quaisquer outras preocupações ou objectivos terapêuticos no
deram, de alguma forma, continuação à tradição de associar as
projecto.
doenças, os seus tratamentos e as próprias curas a julgamentos, crenças e ritos religiosos. Inclusivamente, chegava-se a acreditar
“O hospital como instrumento terapêutico é uma invenção
que as doenças individuais ou as colectivas (as epidemias e as
relativamente recente, datada do final do século XVIII,
pestes) eram castigos divinos pelos pecados dos indivíduos ou
quando a prática da medicina, até então distante do ambiente
das sociedades e, portanto, que a cura ou não de uma doença
hospitalar, o vai eleger como local privilegiado do seu exercício
seriam indicativas da absolvição ou da condenação divinas. E,
profissional”. 1
logicamente, o desenho dos hospitais medievais assemelhava-se ao dos mosteiros.
Somente a meio do século XVIII, com os múltiplos
Entretanto, foi também na Idade Média que a burguesia rica
desenvolvimentos científicos ocorridos em várias áreas da
tomou a iniciativa de construir os primeiros hospitais com
medicina, os diagnósticos passam a ter uma base mais científica
características claramente laicas e urbanas, equipados com
e os médicos passaram a desempenhar um papel muito
telhado altos, salas espaçosas e pátios interiores. Entre os mais
mais pró-activo; médicos e hospitais assumem uma função
famosos destes hospitais, salienta-se o primeiro construído
verdadeiramente terapêutica, adoptando o objectivo de curar.
de acordo com os princípios geométricos renascentistas – o
Os médicos apercebem-se então que o edifício hospitalar de
Ospedale Maggiore de Milão, projectado por Antonio Filarete
confinamento era, ele próprio, um veículo propagador de
em 1456. Ainda assim, durante todas essas épocas e até meados
doenças através do contágio entre doentes, por estes estarem
do século XVIII, os hospitais, para além da assistência espiritual
sujeitos a práticas erradas e acondicionados em instalações
que ofereciam aos doentes, limitavam-se a ser verdadeiros
inapropriadas e sem um saneamento correcto. As pesquisas
edifícios de confinamento para os doentes, isolando-os do resto
efectuadas pelo cirurgião Jacques Tenon provaram que
da comunidade. Desta forma, a sociedade ficava protegida do
existia uma clara correlação entre a qualidade dos ambientes
contacto directo com os dementes ou com os leprosos, e de
hospitalares e as taxas de sucesso na cura dos doentes. Tenon
quaisquer contágios com outros males desconhecidos a que a
concluiu a sua investigação com relatórios onde estabelecia
1.
12
FOUCAULT, Michel, in “Microfísica do Pooder” Graal, (Rio de Janeiro; 1990)
directivas sobre as dimensões das enfermarias, a capacidade
do Mundo no seu tipo.
das mesmas, os espaçamentos aconselháveis entre as camas, e
Mas a investigação científica médica realizada ao longo de
também sobre o planeamento da ventilação e da exaustão dos
todo o século XIX e, particularmente, as descobertas de Louis
ambientes hospitalares. Pela primeira vez, os doentes passaram
Pasteur em que se identificaram os verdadeiros responsáveis
a ser separados por patologias e estudaram-se os fluxos de
pela propagação da maioria das doenças – os microorganismos
pessoas e materiais dentro do edifício hospitalar, não só para
presentes no ar, levaram a uma nova revisão do papel da
os tornar mais funcionais, como para impedir o contacto com
arquitectura no planeamento dos hospitais. Descobriram-se
materiais contaminantes.
os germicidas e os antibióticos, o seu fabrico foi massivamente
Reconhece-se e convoca-se, portanto, a função terapeutica da
industrializado, descobriram-se novas técnicas de esterilização
arquitectura no projecto hospitalar. A necessidade de adequar o
e desenvolveu-se uma indústria farmacêutica poderosíssima,
edifício hospitalar ao objectivo de curar exigiu dos arquitectos
que passou a controlar a terapêutica médica e hospitalar,
um maior conhecimento das práticas médicas, assim com
enquanto as barreiras físicas criadas pelos arquitectos iam
estimulou os médicos a procurarem na arquitectura hospitalar
perdendo a sua relevância. Simultaneamente, a sofisticação
soluções que melhor respondessem às novas exigências.
dos equipamentos de diagnóstico e tratamento cresce exponencialmente e, com ela, também cresce o seu custo, de
“Apesar de os médicos se mostrarem profundamente
tal forma a tornar incomportável a sua aquisição pelos médicos
empenhados em revolucionar os hospitais, os reformadores
individualmente; é apenas nos hospitais que esses equipamentos
julgavam que o sucesso na cura das doenças resultava mais de
se passam a concentrar. Os hospitais transformam-se,
um ambiente purificado, natural e do ar puro que se respirasse,
passando a assemelhar-se a verdadeiras unidades industriais de
do que das capacidades curativas da medicina. Os hospitais
tratamentos, normalizando-se e desumanizando-se , enquanto
deviam ser como máquinas de vento e como radiadores,
a função terapêutica da arquitectura é praticamente esquecida,
espécimens de design pneumático, autênticas machines à
para ser entregue, por inteiro, às indústrias farmacêutica e de
guérir.”
equipamentos médicos. É o surgimento do hospital tecnológico,
2
modelo que imperou durante a maior parte do século XX. Surge assim o “hospital em pavilhão”, ainda hoje utilizado em
Mas, perdendo embora a sua anterior vertente terapêutica,
muitos locais, em que as enfermarias são separadas por pátios
a arquitectura não perde importância no projecto, pois
ajardinados ou estruturas semelhantes, as quais funcionam
é solicitada a responder eficazmente a uma crescente
como barreiras físicas à propagação das infecções. Entre os
complexidade nas exigências construtivas, nas interacções entre
exemplos mais representativos deste tipo de hospital, podemos
múltiplas áreas do hospital e no planeamento de infraestruturas
salientar o Hospital de la Santa Creu i San Pau (1902-1930),
cada vez mais sofisticadas.
projectado por Lluís Domènech i Montaner, erigido nos
O novo modelo arquitectónico de hospital, muito mais
arredores de Barcelona e muitas vezes considerado o mais belo
compactado, é o monobloco vertical. Com ele atenua-se
2.
WAGENAAR Cor, “Five Revolutions: a Short History of Hospital Architecture” in “The architecture of hospitals”, NAi Publishers, 2006, Amsterdam 13
o problema dos custos dos terrenos citadinos que haviam
natural circundante, proporcionar uma experiência sensorial
disparado para montantes proibitivos, enquanto se tira todo o
diversificada a quem o percorre. Mas, para além desse trabalho,
partido das novas técnicas de engenharia na vertical, com uso
preocupou-se também com os interiores, chamando a si a
de estruturas metálicas e, mais tarde, do betão armado. Por
responsabilidade de desenhar todo o mobiliário, estudando as
outro lado, potenciou-se o uso de elevadores para o transporte
cores, os volumes e a iluminação, no sentido de proporcionar
mais fácil, rápido e cómodo de doentes, pessoal e materiais
um ambiente agradável e atraente aos pacientes e funcionários.
entre as diferentes áreas do hospital e aproveitaram-se as
De alguma forma, pode-se sentir que o sanatório de Paimio de
novas técnicas de condicionamento do ar para que não fossem
Alvar Aalto é o precursor de vários conceitos que apenas várias
necessárias janelas nas zonas centrais do edifício.
décadas mais tarde se generalizam, no hospital contemporâneo.
Exemplos marcantes do hospital monobloco vertical são o
E chegamos, por fim, ao mais recente modelo hospitalar, o
Columbia-Presbytarian Medical Center (1926-1930) de Nova
contemporâneo – aquele que assume para seus objectivos, não
Iorque, projectado por James Gamble Rogers ou o Hôpital
só curar, mas também cuidar!
Beaujon, em Clichy, nos arredores de Paris, projectado por Jean
Por um lado, este novo hospital é o resultado dos movimentos
Walter, Louis Plousey e Urbain Cassan e construído entre 1932
avant-garde que se revoltam contra o establishment da
e 1935.
arquitectura modernista do pós-guerra, contra a estética
Como únicas excepções ao modelo monobloco central
das grandes volumetrias normalizadas e desumanizadas. E,
assumido pelo hospital tecnológico, devem-se referir os
particularmente no caso dos hospitais, revoltam-se contra
hospitais monovalência, como os reservados para os doentes
os projectos faraónicos, planeados e construídos para
mentais e, principalmente, os sanatórios – hospitais onde se
servir os desígnios das máquinas médicas e dos potentados
internavam os doentes com tuberculose que, geralmente, se
farmacêuticos.
situavam em locais arejados, em altitude, proporcionando um contacto privilegiado com a natureza e que proliferaram
“Nenhuma arte é mais globalmente incompreendida do que a
entre as últimas décadas do século XIX e os anos sessenta.
arte da arquitectura, e nenhum edifício ilustra mais claramente
Em Portugal, houve múltiplos exemplos deste tipo especial de
essa incompreensão do que o hospital. O hospital tornou-se um
hospital de confinamento, entre os quais podemos salientar o
mero produto das tecnologias e das indústrias médicas,
do Caramulo (o primeiro a abrir, em 1922), ou o da Covilhã.
tão perfeitamente adaptado ao serviço das ciências, que se
Mas o exemplo mais conseguido de sanatório será, porventura,
transformou efectivamente tão num instrumento científico
o Sanatório de Paimio, projectado em 1928 por Alvar
como as máquinas de raios X ou as mesas de cirurgia
Aalto. Aí, o arquitecto organizou as funcionalidades do
que nele existem. É difícil a qualquer pessoa visionar qualquer
hospital, subdividindo-as por vários blocos vizinhos mas
relação entre tais edifícios e a grande tradição de uma arte cujas
independentes; semeou os blocos de forma assimétrica, por
jóias são um Parthenon ou uma catedral de Chartres.
forma a, em conjunção com a beleza do enquadramento
Hoje é difícil pensarmos num hospital como uma obra de
14
• Figura 1, 2, 3 e 4 Fachado do Ospedale Maggiore, Milão (1456) Planta do Hospital Lariboisiere, Paris (1832) Hospital Presbyterian, Nova Yorque (1926) Sanatorio de Paimio - Alvar Aalto (1932)
15
arte.” 2
necessitam ou procuram um local onde possam ser “cuidadas” e que têm os meios e a ambição de encontrar um local que
Mas o seu aparecimento foi também consequência de uma
lhes proporcione conforto e uma boa qualidade de vida, é cada
série de fenómenos sociais e culturais que, nas décadas mais
vez maior! Até porque, social e culturalmente, a defesa dos
recentes, acompanharam o fluxo ininterrupto de descobertas
direitos individuais, da personalização e da humanização das
científicas no ramo da medicina. Estas descobertas fizeram
instituições e dos serviços sociais se tornou quase um dogma
com que a esperança de vida das pessoas aumentasse muito
dos dias de hoje.
acentuadamente e, com ela, o número de doenças relacionadas
Ao mesmo tempo, tem-se observado uma nova atitude
com a velhice. Além disso, as doenças crónicas aumentaram
social de abertura e aceitação em relação, tanto às chamadas
de incidência, bem como outras (como o cancro, várias
medicinas alternativas – como a homeopatia, como em
cardiopatias graves ou até a SIDA), nas quais, embora não se
relação a medicinas tradicionais de outras culturas – como
tenha descoberto a cura, a medicina consegue prolongar por
a acupunctura. E também se verifica uma procura cada vez
muitos anos a vida dos doentes, obrigando a tratamentos e
maior de serviços relacionados com a saúde e com o bem-estar
internamentos muitíssimo prolongados (os chamados cuidados
individual, tanto físico, como psíquico e emocional, como as
continuados), para os quais o hospital tecnológico não está
massagens, a meditação, os spas e outras terapias variadas.
vocacionado.
A atenção da medicina hospitalar, que anteriormente se focava
Por outro lado, os níveis etários mais elevados, não só
apenas na doença, volta-se de novo para “a pessoa” (mais do
cresceram em número de pessoas, como estas têm rendimentos
que para “o doente”) – reconhecendo a sua individualidade,
maiores e mais exigências de conforto que desejam ver
procurando não só zelar pela sua saúde física, como
satisfeitas. Com o simultâneo crescente enfraquecimento das
proporcionar-lhe bem-estar psíquico e emocional.
instituições familiares que se verifica nas sociedades modernas ocidentais, o número de pessoas idosas, doentes ou não, que
2.
16
HUDNUT, J., deão da Harvard Graduate School of Design in “Journal of the American Institute of Architecture”, 1947 in in “Architecture and the art of Medicine”,
“Em vez de se fragmentar o doente entre as suas possíveis várias
doenças correspondentes às várias especialidades médicas, a
de prevenção ou despistagem de doenças e campanhas ou
organização do hospital deve ser pensada e “construída” à volta
até serviços de promoção da saúde como ginásios ou outros;
de cada doente, respeitando a sua individualidade”
uma terceira estratégia é a comercial, em que, no perímetro
3
do hospital, se passam a disponibilizar lojas (às vezes, E assim se reconhece que, na elaboração do projecto hospitalar,
verdadeiras galerias, com ruas comerciais cobertas, como no
deve obviamente haver lugar para a medicina e para as
famoso UMCG de Groningen, inaugurado em 1997, cuja área
tecnologias, mas tem forçosamente que também haver lugar
“pública” foi projectada pelo arquitecto Wytze Patijn, enquanto
para a arquitectura e para as ciências humanas! Então, no
o edifício hospitalar propriamente dito o foi pela Kruisheer
projecto hospitalar, deverão participar e colaborar, médicos,
Hallink Arends e pela Team 4) – mercados, livrarias, agências
engenheiros, arquitectos, gestores, psicólogos, profissionais de
de viagens e seguros, restaurantes, etc, de qualidade e utilidade
múltiplos backgrounds.
para os cidadãos; uma quarta e última estratégia importante
Neste esforço, por parte dos hospitais, de mudança de filosofia
tem sido a do bem-estar, na qual o hospital oferece à sociedade
e de abertura à sociedade, têm sido ensaiadas variadíssimas
serviços de promoção do bem-estar e da saúde física e psíquica,
estratégias: a descentralização, significando que, em vez de
como ginásios, piscinas, spas, saunas, tratamentos termais ou
se construir um edifício gigantesco, com um sem-número de
outros.
especialidades médicas e valências hospitalares, se opta pela
Seja qual for a estratégia seguida, no projecto do “novo
construção de unidades mais pequenas, com um número
hospital” para o futuro, que se pretende humanizado, que quer
limitado de especialidades e valências, as quais se revelam mais
curar e cuidar, a arquitectura assume de novo um papel central
agradáveis para doentes, visitantes e staff e muito mais fáceis
e essencial.
de integrar no meio físico e social envolvente; outra estratégia relevante tem sido a urbanização, na qual o hospital se torna proactivo para com a sociedade, implementando campanhas
3.
WAGENAAR, Cor, “Five Revolutions: a Short History of Hospital Architecture” in “The architecture of hospitals”, NAi Publishers (2006; Amsterdam) 17
Necessidades, sentimentos e aspirações
“A Arquitectura redefine os programas dos hospitais, reavalia
(explicitamente ou não) códigos de conduta social e individual
a as funções do hospital, repensa a logística do hospital e
próprios no seu interior, como se fossem cidadelas muralhadas
introduz novos elementos relevantes importados de outros
e autónomas no meio da cidade.
tipos de grandes edifícios (hotéis, edifícios de escritórios,
E ao longo do século XX, com o progressivo agigantamento dos
etc.), desenvolve estratégias para reintegrar o hospital no
hospitais tecnológicos, esse problema tornou-se crescentemente
seu contexto social e urbano e sugere formas de optimizar a
visível, criando um ambiente cada vez mais impessoal,
localização do edifício. Todos estes aspectos têm um impacto
ironicamente em contraste como uma sociedade que, cada vez
directo na forma como, quer os doentes, quer o pessoal sentem
mais, busca e reclama como direito seu, o acesso a serviços e
o hospital.”
atendimentos personalizados.
1
Mas os problemas do agigantamento são também operacionais, Historicamente, os hospitais têm retratado os valores culturais
pois, como se provou nas últimas décadas, as questões logísticas
e filosóficos da sociedade e da civilização em que se inserem,
que se levantam num projecto de arquitectura para um
como por exemplo, aqueles que são entendidos como os
hospital aumentam mais que proporcionalmente ao aumento
direitos individuais dos cidadãos, a forma como é culturalmente
do seu tamanho – em pessoal de enfermagem, auxiliar e
entendida a saúde, a doença e as suas origens, ou forma como
administrativo, em instalações de apoio, serviços gerais, em
as necessidades individuais se impõem ou, pelo contrário, se
instalações e vias para visitas, no tratamento de resíduos, nos
submetem à disponibilidade colectiva de recursos, etc.
serviços, etc.
Como é desejável e normal, as cidades conseguem absorver qualquer novo tipo de edifício erigido no seu seio e integrá-lo
“Os hospitais são edifícios públicos que espelham os valores
funcional, estetica e socialmentemente na ordem da polis. No
da civilização em que se integram, pois eles são projectados e
entanto, os hospitais costumam, muitas vezes, ser excepções
construídos para receberem os membros da sociedade quando
a esta regra, pois resistem à ordem social comum, impondo
estes se encontram no seu estado de maior fragilidade física e,
1.
18
JASPERS, Fransels, preface in “The architure of hospitals”, NAi Publishers (Amsterdam; 2006)
muitas vezes, psíquica – quando foram vítimas da doença ou de
dos especialistas médicos. No hospital, a personalidade do
acidentes.”
doente praticamente desaparece!” 3
2
E, na realidade, os hospitais tecnológicos acabaram por se
Todas as pessoas consideram os seus corpos e as suas mentes
revelar perfeitamente disfuncionais, com a sua filosofia de
como os seus assuntos mais privados. Por maioria de razão,
serviços médicos “industrializados” e as suas pesadas estruturas
quando sentem que há males ou doenças a afectarem, seja o seu
burocráticas.
corpo, seja o seu espírito, ainda maior é o pudor que sentem em
Em vez de fazerem os doentes sentir-se “como em sua casa”,
os expôr a estranhos, querendo manter a reserva de protecção
estes hospitais aumentam os níveis de ansiedade e de stress dos
da sua intimidade apenas para si mesmas ou, quanto muito,
doentes, quais se sentem arrancados do seio das suas famílias e
para um pequenino círculo muito próximo e familiar.
do seu meio ambiente, para ficarem sequestrados num sistema
Ora um dos aspectos mais negativos da maioria dos grandes
labiríntico, onde se sentem perdidos e manipulados como
hospitais é que viola sem piedade essa intimidade, arrancando
marionetas sem vontade própria.
o doente da sua família e do seu meio, fazendo-o perder por
Os pacientes não são tratados como sujeitos com um papel
completo a liberdade de gerir as suas acções e os seus tempos,
activo, mas sim como objectos passivos – como colecções
retirando-lhe todo o espaço e todo o tempo de privacidade e
de possíveis doenças, todas elas do domínio exclusivo dos
obrigando-o, sem qualquer comiseração, a conviver e expôr a
especialistas médicos.
sua privacidade a estranhos – não só os médicos, como também
No hospital, a personalidade do doente praticamente
enfermeiros, pessoal auxiliar e até a outros doentes e familiares
desaparece!
ou visitas destes, quer nas salas de espera, quer nos aposentos e salas de tratamento.
“Os doentes não são tratados como pessoas, mas sim como
Os hospitais tecnológicos não tratam os doentes como seres
colecções de possíveis doenças, todas elas do domínio exclusivo
pensantes, com sentimentos e uma personalidade própria.
2.
CROUWEL, Mels, preface in “The architure of hospitals”, NAi Publishers (Amsterdam; 2006)
3.
WAGENAAR, Cor, “Five Revolutions: a Short History of Hospital Architecture” in “The architure of hospitals”, NAi Publishers (Amsterdam; 2006) 19
René Quinton e o Dispensário Marinho
• Figura 5 René Quinton (1908)
René Quinton (1866 – 1925) foi um fisiologista e biólogo
dispensários marinhos originais, julga-se que eram edifícios
que, em em 1896, formulou e publicou as chamadas Leis da
ambulatórios simples e despretenciosos, onde os doentes eram
Constância, as quais lhe valeram o epíteto de Darwin Francês
recebidos para, gratuitamente, lhes ser injectado o plasma de
e que dedicou a sua vida ao estudo científico da composição
Quinton. Além da zona de espera, teriam salas de tratamento
e das propriedades comparativas da água do mar e do sangue
e laboratórios onde as recolhas de água do mar seriam
humano e de várias outras espécies animais.
tratadas e acondicionadas em ampolas nas condições ideais de
As pesquisas de Quinton levaram-no a observar semelhanças
conservação. Quer o transporte das recolhas (que não poderia
notáveis entre a composição da água do mar e a do plasma
durar mais que 72 horas), quer o seu tratamento e conservação
sanguíneo humano e a formular a hipótese de que a primeira
tinham que ser efectuados em recipientes isotérmicos não-
célula viva terá surgido na água do mar; partindo daí, as suas
metálicos.
experiências conduziram-no à descoberta de um sucedâneo
Após a morte de Quinton o seu método terapêutico começou
da água do mar – o Plasma de Quinton, que ele patenteou
a cair em desuso, pela influência da poderosa indústria
como medicamento e que começou a dar de beber e a injectar
farmacêutica e também pelo facto de, não tendo estudado
nos seus pacientes, com resultados tão extraordinários como
medicina, Quinton nunca ter sido completamente aceite
surpreendentes. As suas primeiras experiências decorreram nos
pela totalidade da comunidade médica. Mas, na década de
hospitais de Paris, nos que lhe haviam sido “entregues” doentes
50, a talassoterapia recupera as virtudes terapêuticas da água
terminais com diferentes tipos de patologias, grande parte
oceânica e, presentemente, um século após a sua invenção, o
dos quais, após algumas sessões de tratamento com o plasma
método de Quinton parece estar a ser redescoberto em diversos
de Quinton, como que ressuscitaram, para grande espanto
pontos do globo, particularmente em vários países da América
de toda a comunidade científica e da sociedade em geral. O
Latina.
plasma revela-se particularmente “miraculoso” com os bebés, no tratamento de gastro-enterites, da cólera, na intolerância ao leite e em outras doenças, nas quais se revela muito mais eficaz do que os próprios antibióticos. Quinton, encarado agora como um verdadeiro benfeitor da humanidade, inaugura o seu primeiro dispensário marinho em 1907, onde rapidamente ultrapassa a taxa de 300 tratamentos por dia, seguindo-se a abertura sucessiva de muitos outros, quer em França, quer noutros países – Inglaterra, Itália, Estados Unidos, Egipto, etc., onde várias doenças infantis foram praticamente erradicadas graças ao novo método de tratamento. Embora não existam registos fiáveis da organização dos
20
A Água e o Homem
• Figura 6 O Baptismo de Cristo, Piero Della Francesca (1450)
A existência de água é condição sine qua non para a existência
num caminho, a proximidade do próprio oceano passou a ser
de vida.
outra vantagem para o nascimento e desenvolvimento de vilas
Hoje em dia, este é um facto cientificamente comprovado e que,
e cidades.
inclusivamente, é ensinado e explicado às crianças desde a sua tenra idade.
A água, da separação à união.
Mas mesmo muito antes de a biologia e a química terem
Os rios e os mares começaram por ser vistos pelos homens,
conseguido fazer prova científica desse facto, já o Homem e
como barreiras que impediam ou dificultavam a sua progressão;
as sociedades sabiam, por instinto e por experiência vivida,
assim, eram usados como fronteiras, delimitando territórios.
que a água era essencial à vida de cada um, da família, da
Mas o homem aprendeu a nadar, depois a navegar os rios e, por
comunidade, dos animais e das plantas, o mais precioso de
fim os mares, e eles deixaram de ser obstáculos e passaram a ser
todos os recursos disponíveis na Terra.
encarados e a ser usados como caminhos, transformando-se no
E, por essa razão, a água, as nascentes, os rios e os mares sempre
grande meio de comunicação e de ligação entre todos os povos
foram cantados, admirados e até adorados como entidades
e culturas do mundo.
sobrenaturais. Por instinto, por simples prazer, por saber empírico, ou por
A água e a purificação espiritual.
conhecimento científico, a água tem sido, ao longo da história
A água, a ablução ou o banho têm sido frequentemente
da civilização, associada às ideias de saúde, de energia e de
associados à ideia e a rituais de purificação, ao longo de toda a
bem-estar.
história da Humanidade. Nos primórdios do Cristianismo, o baptismo, cerimónia em
A água e as comunidades.
que o crente, nu, era totalmente mergulhado na água de um rio,
A proximidade da água favorece o desenvolvimento da vida
significava a limpeza de todos os seus pecados e o regresso a um
vegetal e atrai a vida animal. Pelo contrário, a sua escassez ou
estado de pureza e inocência originais.
inexistência dificulta a primeira e afugenta a segunda. Assim, foi perto dos rios e riachos que as primeiras comunidades dos
“A nudez era essencial, pois (…) a nudez ritual equivale à
nossos antepassados se reuniram, pois era aí que podiam, não
integridade e à plenitude; o “Paraíso” implica a ausência das
só beber e lavar-se, mas também caçar e alimentar-se mais
vestes, a ausência do uso (imagem arquétipa do Tempo). Toda
facilmente.
a nudez ritual implica um modelo atemporal, uma imagem
Mais tarde, quando o homem descobriu a agricultura e se
paradisíaca.” 1
tornou sedentário, a água tornou-se ainda mais indispensável e os rios foram os grandes polos de atracção para novas
Ainda hoje, embora o ritual se tenha simplificado, o simbolismo
comunidades.
mantem-se inalterado, com a alma do baptizado a ser “limpa”
Finalmente, quando o mar se transformou de uma barreira
do seu “pecado original”, para ficar “em comunhão com Deus”.
1.
22
ELIADE, Mircea, “A História Exemplar do Baptismo”, in “O sagrado e o Profano”
23
Ainda hoje, embora a nudez tenha sido abandonada e o ritual
Mas tanto no campo antropológico, como no religioso, essa
se tenha simplificado, o simbolismo mantem-se inalterado,
dissolução não é definitiva, mas sim apenas um curto regresso
com a alma do baptizado a ser “limpa” do seu “pecado original”,
à origem, uma integração temporária pelo indeterminado, pelo
para ficar “em comunhão com Deus”. De igual forma, também
abstracto, à qual se segue como que uma rematerialização, uma
a preparação ritual dos cristãos para a morte é feita recorrendo
recriação, um renascimento purificado.
ao veículo água; a extrema-unção é administrada com uma ablução de água benta.
A água e a saúde física.
Também os hindus celebram todas as suas grandes festas
Mens sana in corpore sano, ou “mente sã em corpo são” foi
religiosas com enormes peregrinações que terminam junto
um lema celebrizado pela civilização romana, embora já
aos rios (sagrados), principalmente ao Ganges, onde todos
herdado da Grécia Clássica – onde, quer o esplendor ateniense,
os crentes se banham em conjunto, para purificarem os seus
quer o estoicismo espartano, contribuiram para a geração do
espíritos.
magnífico ideal olímpico.
São inúmeras as religiôes e crenças em que a água surge como
Na sua colecção “Ten Books on Architecture”, Vitrúvio dedica
elemento purificador do indivíduo, do seu espírito, da sua alma;
o volume VII ao estudo das águas. Aí, ele declara que “(…) A
e mais do que tudo, os rituais dos banhos ou abluções com
água é o requisito primordial para a vida, para a felicidade e
água são verdadeiros arquétipos universais e antropológicos da
para o uso diário.” 3
purificação.
Mas Vitrúvio vai mais longe, descrevendo pormenorizadamente os efeitos que a água tem na saúde fisíca e psíquica do homem.
“A imersão na água significa o regresso ao pré-formal, a
Para o cidadão romano o uso da água passa a ser aconselhado
reintegração no modo indiferenciado da preexistência. A
como terapêutico para o corpo e para o espírito.
emersão repete o gesto cosmogónico da manifestação formal; a
Depois de um milénio de obscurantismo medieval, com a
imersão equivale a uma dissolução das formas.”.
chegada do Iluminismo no século XVII, a higiene pessoal passa
2.
24
2
ELIADE, Mircea, “A História Exemplar do Baptismo”, in “O sagrado e o Profano”
3.
VITRUVIUS, “The Ten Books on Architecture”, Harvard University Press (Cambridge; 1914)
a ser encarada como essencial para a saúde e, desde então,
sensação de infinito que ele nos transmite, pela atracção física
o banho foi-se generalizando progressivamente como uma
que sobre nós exerce.
rotina diária. Hoje em dia, o acesso individual à água, através
Por tudo isso, o homem adorou divindades e inspirou-se ou
de uma rede sanitária eficiente e global é considerado já como
temeu criaturas míticas nascidas ou habitantes dos mares, lagos
um direito humano e social fundamental. Por tudo isto e por,
e rios. Pelos mares zelava Poseidon e depois Neptuno; Nimue,
já hoje ser encarada como um recurso escasso, a água é, cada
a dama que resgata Excalibur vive na sua lagoa; é do mar que
vez mais, um bem considerado precioso, cujos stocks e fontes
brota Iemanjá; os tritões, os Adamastores e outras foram criados
devem ser geridos, não à luz das leis de mercado, como outro
nos mares; as Tágides foram as musas de Camões; e as sereias,
bem ou serviço, mas sim como um património da humanidade
tão atraentes quanto terríveis enfeitiçavam os marinheiros.
e de todos os seus membros, cujo futuro deve ser preservado
Também a arte sempre olhou para as águas com admiração
para as gerações vindouras.
e fascínio, com amor ou temor, com carinho ou angústia. Tantos são os poemas, os contos, os quadros, as canções, ou os
A água, a arte e os mitos.
pensamentos em que os artistas de todos os tempos celebraram
O Homem sempre se sentiu atraído e fascinado pela água.
a turbulência ou a quietude dos rios e dos mares.
Os rios e os lagos sempre foram vistos como fontes de vida, de riqueza, de energia, de beleza bucólica e romântica.
E a água vai ter uma presença essencial, fundamental neste
O mar sempre foi contemplado com um fascínio impar, pela
projecto, não só por ser o instrumento das terapêuticas de
sua imensidão, pelo seu poder, pela inclemência das suas
Quinton, como porque ela será o elemento congregador
fúrias e pela nossa insignificância perante elas; e também por
da globalidade dos serviços que a estrutura projectada irá
pressentirmos que ele ainda encerra segredos, que mesmo com
disponibilizar à sociedade.
toda a nossa sabedoria e tecnologia, continuam a escapar ao nosso conhecimento; mas também pela sua beleza impar, pela
25
O Mar e Portugal
O homem português experimenta e vivencia as mesmas
membros de muitas famílias, durante gerações sucessivas. E
relações físicas, místicas e culturais com a água, com os rios
além desta pesca costeira, há uma tradição secular de pesca do
e com o mar, em tudo semelhantes às vividas pelos outros
bacalhau – o “bom amigo” dos portugueses, nos longínquos
homens.
bancos da Terra Nova, ao largo do Canadá. Esta presença da
Mas, além dessas, o homem português vive três especificidades
pesca na vida e na cultura popular portuguesa, levou sempre a
antropológicas muito marcantes, que “acrescentam” à sua
uma ambivalência de sentimentos em relação ao mar: é o mar
cultura, aos seus sentimentos e sensações, no que respeita à
que “nos dá” o sustento das nossas famílias, mas também é o
sua relação com o mar: são elas a faina da pesca, a epopeia dos
mar que “nos leva” a vida dos nossos homens…
Descobrimentos e a saudade.
A epopeia dos Descobrimentos, na qual Portugal revelou
Destas três, a primeira – a faina da pesca, e a última – a
“novos mundos ao Mundo”, é o capítulo da nossa história que
saudade, fazem sentir a sua presença, bem viva, no terreno
mais desperta o orgulho de ser português. Impulsionada por
escolhido para a implantação do projecto. Pois foi naquele
duas figuras ímpares – o Infante D. Henrique, o Navegador
terreno que funcionou, no século passado, uma indústria de
e, de seguida, o grande rei D. João II, o Príncipe Perfeito, a
seca e conservação do bacalhau que, durante várias décadas,
expansão portuguesa levou-nos da conquista de várias praças
deu emprego constante às comunidades vizinhas, e um
marroquinas à descoberta de toda a costa ocidental, e depois
emprego em condições sociais bastante vantajosas para a época;
oriental, de África, chegando até à Índia, à China e ao Japão,
infelizmente, essa indústria foi entretanto desactivada, tendo,
passando ainda pelo descobrimento e colonização do Brasil.
no entanto, deixado nos habitantes locais uma forte saudade
Os portugueses revelaram-se heróis corajosos, pioneiros e
dos tempos desse emprego bom e aparentemente seguro. E os
aventureiros, descobridores e conquistadores, mas não só…
vestígios físicos dessa indústria, ainda bem visíveis no terreno,
Fizeram progredir as ciências – a astronomia, as tecnologias – a
são uma memória desse trabalho e também uma fonte que
engenharia naval, e o conhecimento do planeta – revelando
mantem viva a saudade desse tempo, dessa faina e da felicidade
o perfil da África, da América do Sul, e as ligações oceânicas
que ela proporcionava.
entre continentes. E também iniciaram uma nova era de
A pesca artesanal teve sempre uma grande relevância em
contacto entre diferentes civilizações, quer comercial, quer
Portugal, contribuindo para uma “dieta nacional” em que o
culturalmente, a qual pode ser considerada como “o primeiro
peixe sempre teve posição de grande relevância. Mas, o que
passo da globalização”.
mais importa para a nossa forma de sentir o mar é que a pesca
Foi a era mais notável da história de Portugal, cantada por
artesanal sempre foi “o” modo de vida abraçado pela totalidade
Camões em Os Lusíadas e re-celebrada por Fernando Pessoa, já
da população de muitas comunidades costeiras, desde a foz do
no século XX, em A Mensagem.
Minho até à do Guadiana. A ela e aos ofícios dela dependentes
Os descobrimentos portugueses têm sido profusamente
– construção e manutenção de barcos e de utensílios de pesca,
estudados e analisados; essas análises geralmente determinam
industrias conserveiras, comércio, dedicavam-se todos os
váriass razões e motivações, de carácter político, religioso
26
e social, que explicam o facto de Portugal, pequeno país,
É com orgulho que qualquer português afirma que a palavra
com poucos recursos e população diminuta, se ter lançado
“saudade” é exclusiva da sua língua e explica o sentimento
nessa aventura épica que durou dois séculos, e que o levou
que ela retrata. A saudade é cantada pelos nossos maiores
a estabelecer-se em dezenas de territórios, espalhados por 3
artistas, mas também pela nossa arte popular, é proclamada
continentes.
principalmente em relação a pessoas mas, por vezes, também
Não querendo discutir essas razões, importa reflectirmos
em relação a sítios ou a situações ou vivências. A saudade
é no facto de, ainda hoje, no espírito dos portugueses,
vive-se com amor e com sofrimento. E a sua razão de ser é o
permanecerem bem vivos, o ideais que atribuímos aos
afastamento ou a ausência.
descobridores: o instinto aventureiro, a coragem da partida à descoberta do desconhecido, a atracção pela viagem, a
“(…) A ausência é a pedra de toque da saudade, como o é do
curiosidade e a vontade de contactar com novas culturas.
sublime: só se tem saudade do que está ausente”. 1
Mais que conquistas, batalhas ou colonizações, são estes ideais que, antropologicamente falando, continuam a fazer parte do
E este sentimento, tão presente no imaginário português, na sua
ADN do homem português (ou assim os portugueses gostam
arte e na sua cultura, estava, até muito recentemente, associado
de pensar…), que fazem com que ele mantenha uma relação
à partida e à ausência causada pelo mar (que nos separa…).
afectiva e sensorial especial com o mar. Pois foi na descoberta
E o mar vai marcar fortemente este projecto.
dos mares, dos seus caminhos, dos segredos das suas marés e
Pela sua proximidade física no terreno, que se faz sentir,
dos seus ventos, que toda essa epopeia se desenrolou, de forma
mesmo que inconscientemente, a todo o momento, pelo sua
pioneira e heróica.
contemplação quer do interior, quer do exterior do edifício a
E, por isso, o português pensa genuinamente que tem uma
projectar, quer ainda pela forma como ele sempre marcou a
relação “especial” com o mar, e julga que tem o direito de
história, a cultura, as tradições e o quotidiano das comunidades
a proclamar e chega até, misticamente ou artisticamente, a
locais, através da indústria da seca do bacalhau.
reclamar que o próprio mar tem uma relação “especial” de
Um dos grandes objectivos do projecto deverá ser garantir a
cumplicidade com o homem português.
preservação dessa presença marcante do mar, dessas sensações,
Quanto à saudade, ela é a grande idiossincrassia portuguesa!
desse panorama e dessa memória popular.
A saudade sente-se em relação a pessoas, a lugares, a hábitos e tradições, a tempos que se viveram… “(…) essa reprodução e renovação continua, que não é mais que repetição, movimento perpetuo entre caos e cosmos e vice-versa, a que Nietzsche chamou de eterno retorno e a que a cultura portuguesa deu o nome de saudade”. 1
1.
PESSANHA, Matilde, in “Siza: Lugares Sagrados, Monumentos”, Campo das Letras Editores, (Famalicão; 2003) 27
Padrão E ao imenso e possível oceano Ensinam estas Quinas, que aqui vês, Que o mar com fim será grego ou romano: O mar sem fim é português. O mostrengo Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu; A última nau Ah, quanto mais ao povo a alma falta, Mais a minha alma atlântica se exalta
A Mensagem Fernando Pessoa
28
Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quere passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.
Mar Português Fernando Pessoa
29
O local
• Figura 7 Mesas de secagem do bacalhau
No programa proposto aos alunos, estipula-se que a localização
estando situado numa área ligeiramente elevada em relação
do projecto deveria ser “à beira mar, em localização escolhida
à praia, com uma vista magnífica sobre o oceano e a entrada
pelos alunos”.
para a barra do rio Douro. É uma localização privilegiada
Depois de analisadas diversas hipoteses, surgiu a ideia, que
e imponente, oferecendo um panorama que convida
rapidamente se tornou consensual, de eleger como local
irresistivelmente à contemplação.
de implantação do projecto, o terreno conhecido como “da antiga seca do bacalhau”, situado na freguesia de Canidelo, em Vila Nova de Gaia. Foi nesse terreno, junto à praia de Lavadores, que, na década de 40, a SNAB – Sociedade Nacional dos Armadores do Bacalhau, mandou construir uma estrutura industrial, projectada por António José Brito e Cunha, exclusivamente destinada à secagem e preparação do bacalhau, estrutura essa que, embora tenha chegado a possuir condições de trabalho absolutamente invejáveis para a época, acabou por ser desactivada e abandonada por completo nos anos 90. No entanto, ainda hoje ali se podem ver, a torre com os depósitos de água, vários esqueletos e ruínas de outros edifícios ou infraestruturas e até os pilares de pedra alinhados paralelamente que, anteriormente, se encontravam ligados uns aos outros por uma rede de arames onde os trabalhadores colocavam o bacalhau a secar ao sol. O terreno eleito é ermo e muito amplo com os seus 15 hectares,
30
A génese do projecto
No momento do arranque do projecto, dado que não foi
Da mesma forma, em Canidelo, pôs-se como primeira
disponibilizado um programa funcional, específicando
hipótese de projecto, o aproveitamento dos vários esqueletos
claramente as valências (ou tipos de valências) médicas e/
ainda existentes dos edifícios da antiga seca do bacalhau,
ou terapêuticas que o novo equipamento a projectar deveria
reinventando-os, reconvertendo-os às suas futuras funções e,
oferecer à comunidade (à excepção dos tratamentos com o
simultaneamente, recuperando e potenciando a sua histórica
“plasma de Quinton”), tornava-se difícil ter uma perspectiva
ligação ao mar e ao usufruto pela comunidade das suas
imediata, quer da escala do projecto, quer de quais seriam os
riquezas.
subsistemas que ele integraria, quer ainda das características
Mas, nesse entretanto, a maioria dos esqueletos dos
das ligações internas entre eles. Não havia ainda uma visão
edifícios mencionados atrás foram demolidos, restando
concreta da filosofia funcional que se pretendia para o conjunto
então apenas dois dos mais significativos. Decidiu-se então,
e, portanto, também não podia haver uma visão definitiva da
pragmaticamente, que o mais aconselhável e lógico, perante
resposta arquitectónica para o problema.
a nova situação no terreno, seria abandonar a ideia inicial de
Nesse momento, a primeira tendência ou tentação natural,
revitalização-reconversão, até porque não havia a certeza de
ao contemplar a magnificência da vista e ao sentir a história
que os únicos dois edifícios ainda requalificáveis, não surgiriam
do local, bem visível nos múltiplos vestígios e estruturas do
demolidos também.
antigo edificado industrial ainda semeados no terreno, era
Partiu-se então para uma nova forma de perspectivar o
a de aproveitar essas mesmas estruturas, revitalizando-as,
projecto.
adaptando-as a um novo projecto, numa reinvenção das suas
Refira-se que, neste segundo momento, o conjunto de
funções.
funcionalidades que o equipamento a projectar deveria
Como a arquitecta Lina Bo Bardi (Roma, 1914 – São Paulo,
garantir já começava a tomar forma. Assim, objectivava-se
1992) no seu projecto para o SESC de Pompeia, em São Paulo,
uma instalação hospitalar de pequena ou média dimensão,
Brasil (1977 – 1986), para o qual recusou a demolição que
projectada no sentido de colocar todas as suas valências ao
estava prevista das instalações abandonadas da antiga fábrica de
serviço do bem-estar físico e mental e do equilíbrio emocional
tambores de Pompeia e, ao invés, fez questão em as aproveitar
de cada utente (significando que esse bem-estar e esse equilíbrio
como base para o seu projecto de um novo e relevante
deveriam, na elaboração do projecto, ter sempre prioridade em
equipamento urbano – um grande centro social e cultural e
relação à tentativa de optimização dos recursos e do tempo).
recreativo. Além de ser, ideologicamente, contra ostentações
O hospital não poderia transmitir uma postura de “unidade
e excessos despesistas, mesmo em arquitectura, Lina Bo Bardi
industrial de diagnósticos e tratamentos”, mas sim exibir uma
defendia que, sempre que possível e relevante, se deveriam
atitude de “unidade de atendimento e cuidado individualizado
manter as construções históricas e preservar o espírito, a
de saúde e bem-estar”. Além de diversas terapêuticas de
herança cultural e as tradições e ligações populares aos sítios
aquaterapia, entre os quais os efectuados com o “plasma de
dos projectos.
Quinton”, deveria disponibilizar uma pequena variedade de
32
valências médicas, bloco operatório e internamento.
de Agrigento é o mar (o Mediterrâneo) e no caso do Walhalla
Ao estudar o edificado que rodeia o terreno , verifica-se
é o rio Danúbio. Da mesma forma, no caso do terreno de
que não existe nele qualquer coerência arquitectónica. Pelo
Canidelo, a paisagem é dominada pela vastidão do oceano e, no
contrário, o que se pode observar é a mais completa desordem
quadrante norte, distingue-se a silhueta urbana do Porto.
urbanística, sem qualquer fio condutor racional, sem a
A ideia passa então a ser a da construção de uma peça única,
mínima consideração estética – um perfeito caos, infelizmente
marcante, arquitecturalmente proporcionada, simples e
bem característico, aliás, de muitas paisagens suburbanas
elegante, como que invocando um templo clássico.
portuguesas.
Mas em simultâneo, surge uma segunda inspiração
Mas, assim sendo, a presença daquele terreno ermo e amplo,
fundamental, que desponta quase como um prolongamento
encaixado entre aquele caos urbanístico e a beleza do mar,
lógico da de Leo van Klenze – são as obras de Karl Schinkel
parecia convidar à oportunidade de o pontuar com algo que
(Neuruppin, 1781 – Berlim, 1841) e, muito particularmente, o
brilhasse, com uma estrutura que se elevasse e se distinguisse
seu Altes Museum de Berlim (1823-1830). O Altes Museum,
no centro do dito terreno, virando as costas ao caos, na
com a sua impressionante e larga fachada, pontuada por 18
retaguarda, e contemplando a imensidão do mar, na frente.
colunas de ordem jónica que antecedem e deixam entrever, a
Surgem então, imediatamente, como inspiração para o desenho
sua monumental escadaria, é unanimemente considerada, não
dessa estrutura, as lembranças de vários óleos inesquecíveis do
só uma das obras mais importantes do neoclassicismo alemão,
arquitecto e pintor Leo von Klenze (Schladen, 1784 – Munique,
como, inclusivamente, uma obra marcante, na história universal
1864), com saliência para Templo de Concórdia (Agrigento,
da arquitectura. Aliás, o próprio Mies van der Röhe era um
Sicília) e Vista do Walhalla, perto de Regensgurg, ambos
estudioso e admirador confesso de Schinkel e do projecto do
expostos no Museu Hermitage, em São Petersburgo. Em ambos,
Altes Museum.
o artista retrata paisagens campestres pontuadas por um só edifício, imponente, com uma beleza e harmonia claramente
“Para além da sua mútua adesão à disciplina ortogonal, há
inspiradas nos templos helenísticos. O Walhalla (nome
duas características particulares do trabalho de Schinkel que
inspirado no paraíso da mitologia nórdica e germânica), um
interessaram Mies van der Röhe: o seu desejo de proporcionar
memorial em honra de grandes vultos da história e da cultura
subtis experiências espaciais às pessoas que viviam ou visitavam
alemãs, foi fruto de uma ideia do rei Luís I da Baviera, patrono
os seus edifícios; e a relação estreita entre os edifícios e os
de Leo von Klenze, e acabou por ser construído, entre 1830 e
seus meios envolventes. Relevando o conteúdo e o contexto,
1842, sob projecto e supervisão deste último, nos arredores de
estas duas características fazem com que o foco de atenção da
Regensburg, sobre as margens do Danúbio. Curiosamente, am
arquitectura divirja da simples composição bidimensional das
ambos os quadros, distingue-se ao fundo uma estrutura urbana
fachadas, para a exploração de ideias tridimensionais do espaço,
e, igualmente em ambos, a água marca presença, num plano
em conjunto com uma quarta dimensão – a do movimento no
inferior ao do edifício, que a contempla – no caso do Templo
tempo. Isto implica uma concepção mais rica e complexa da
33
• Figura 8 Leo von Klenze - Vista de Valhalla perto de Regensburg (1836)
34
โ ข Figura 9 Leo von Klenze - Templo de Concรณrdia (1857)
35
arquitectura, que vai muito para além das meras preocupações
e experiências sensoriais muitos distintas. Curiosamente,
com o estilo e as proporções.”
diga-se que o quadro Walhalla de Leo van Klenze, referido
1
atrás, evidencia também que a parte posterior do templo está Na verdade, como ressalta dos seus próprios edifícios, o
enterrada na encosta do vale do Danúbio.
interesse de Mies van der Röhe nas obras de Schinkel não era
A parcela do edifício que se elevaria a partir do solo incluiria
tanto pela sua aparência estilística exterior, majestosa e contudo
a recepção, as salas de espera, a zona de internamento
harmoniosa, mas sim pela forma como ele conseguia gerir
(os quartos), os consultórios, parte das áreas destinadas a
o espaço edificado com relação à pessoa que percorre o seu
actividades terapêuticas e todas as áreas sociais. Quanto à
interior, a qual deixa de se sentir como um mero espectador,
parcela a ser enterrada, ela deveria incluir a totalidade das áreas
para passar a ser uma parte essencial da própria arquitectura,
administrativa e técnica, as salas destinadas à utilização pelo
sensação essa que o Altes Museum, em particular, consegue
pessoal, o bloco operatório e também as restantes áreas para
transmitir.
actividades terapêuticas.
Consequentemente, pretende-se também que, em Canidelo, o
Voltando à busca da solução arquitectónica ideal para o
projecto seja marcante (embora bem integrado) na sua relação
projecto, surgiu, quase inevitavelmente, a Neue Nationalgalerie
com o meio envolvente, mas que também esteja desenhado por
de Mies van der Röhe, em Berlim, com a sua simplicidade
forma oferecer, ao utente ou visitante, um ou mais percursos
genial. E parecia que aquilo que o projecto de Canidelo merecia,
interiores que possibilitem o usufruto de uma verdadeira
com o seu edifício solitário, que se pretendia imponente mas
experiência sensorial coerente, agradável e até mesmo
harmonioso e contemplando o mar belo e gigantesco, era aquele
surpreendente.
mesmo “toque de génio” criador que Mies van der Röhe atingiu
Como se mencionou atrás, a direcção seguida então pelo
na sua Neue Nationalgalerie. O terreno, a sua envolvência
projecto pendia para uma estrutura única, que se destacasse no
natural, somadas à solução escolhida para o projecto, tudo
horizonte, contemplando o Atlântico de frente e entrevendo a
apontava para essa ambição de criação de algo único e sublime.
malha urbana do Porto a norte.
É então que, simultaneamente, duas dúvidas, até aí latentes, mas
Assume-se então a opção de construir em elevação uma parte
essenciais para o projecto, se evidenciam: uma dúvida de cariz
do edifício e enterrar a outra parte.
estritamente funcional e uma outra de natureza filosófica.
Dessa forma, conseguir-se-iam dois propósitos: por um lado,
A primeira dúvida tinha a ver com a quantidade e
seria possível manter uma cota baixa para o edifício e, assim,
diversidade de valências e serviços médicos e terapêuticos
projectá-lo de maneira a que a sua parte elevada do solo
que o equipamento deveria oferecer à comunidade. Quer essa
apresentasse uma proporcionalidade singela mas elegante;
quantidade, quer essa diversidade eram grandes e, porventura,
por outro lado, daria a possibilidade de contrapor elementos
grandes demais, pois obrigariam à instalação de numerosas
erigidos com elementos escavados, jogando com múltiplas
infraestruturas que, por sua vez, forçariam o projecto a uma
nuances de luz e de sombras e proporcionando ambientes
volumetria impraticável. Além de que também obrigariam o
1.
36
UNWIN, Simon, in “Twenty buildings every architect should understand” (Routledge; 2010)
• Figura 10 e 11 Planta do Altes Museum - Karl Schinkel (1823 - 1830) Fotografia do Neue Nationalgalerie Mies van der Rohe
projecto a assumir uma complexidade ao nível da engenharia, muito para além do que se pretendia. A segunda dúvida tinha a ver com o tipo de solução encontrada e aquilo a que ela “obrigava”… E, como se sugeriu atrás, essa solução implicava uma enorme ambição, parecia ter que impor uma “obrigação” de genialidade. Mas por vezes, a ambição, que no processo de criação é uma virtude, pode facilmente resvalar para a pretensão/pretensiosismo, a/o qual constitui um defeito grave. E tal defeito seria ainda mais censurável naquele local específico, se por ele se sacrificassem a magnificência daquela paisagem natural despida e espantosa e as memórias que ele invoca. Portanto, pragmaticamente, foram tomadas duas decisões definitivas para o projecto, decisões essas que deram as respostas adequadas às duas dúvidas acima explanadas. A primeira foi uma decisão de lógica e pragmatismo: foi a de simplificar o programa, retirando-lhe o internamento, as valências da medicina tradicional, o bloco operatório e, consequentemente, múltiplas áreas anteriormente obrigatórias, ligadas a funções técnicas, administrativas e gerais. A segunda foi uma decisão de humildade e respeito: foi a de minimizar em absoluto a volumetria erigida acima do solo, optando-se ao invés por “enterrar” a totalidade do projecto, preservando em bruto aquela paisagem nua, selvagem e bela, à mercê da violência dos elementos naturais e assim preservando também para todos o “direito ao usufruto da paisagem”. Para o interior do projecto, opta-se assim por capitalizar todas as potencialidades arquitectónicas dos jogos de luz e sombra, inspirados nas teorias de Campo Baeza e nas “atmosferas” da obra de Peter Zumthor.
37
Os Objectivos e programa
Chegou-se, então, por fim, a uma definição de um conjunto
as, Termas de Valls e as Piscinas de Leça, no que respeita à
coerente de objectivos concretos para este projecto. E eles
utilização da luz e das sombras para a criação das atmosferas/
seriam:
ambientes contrastantes do interior.
Funcionalmente, elaborar um projecto que compatibilize
Exteriormente, projectar por forma, não só a simplesmente
uma área destinada às terapêuticas criadas por René Quinton,
preservar, mas, inclusivamente até, a respeitar e tentar
com outra área destinada a actividades terapêuticas e lúdicas
realçar duas realidades existentes e que se sentem no local: a
variadas, cujo elemento instrumental congregador seja a água –
maravilhosa e imponente paisagem que, associada à natureza
o centro de hidroterapia.
agreste do terreno, formam uma unidade de uma beleza impar; os vestígios ainda visíveis e a memória da labuta de gerações
Desenvolveu-se então o programa definitivo para o centro
passadas de habitantes locais numa actividade dura, mas ainda
de hidroterapia, o qual irá conter uma variedade de terapias/
saudosa para os seus descendentes e, estranhamente ou não, até
valências/serviços: as valências características das termas
dos outros visitantes do sítio.
romanas clássicas – natatio (piscina exterior), frigidarium (banhos frios), tepidarium (banhos quentes), caldarium (banhos muito quentes), sudatorium (sauna) e massagens; e, para além daquelas, ainda uma piscina interior, uma “piscina aromática”, uma “sala da chuva”, uma “piscina dos sons”, uma área de banhos medicinais, banhos turcos, áreas de descanso e um restaurante. Arquitecturalmente, projectar o interior do edifício de forma a que ele possa ser livremente percorrido por diferentes percursos, oferecendo ao visitante diferentes sucessões de ambientes contrastantes, nuns casos evocativos, noutros surpreendentes. A estrutura deverá ainda transmitir ao visitante ou utente (consciente e inconscientemente) uma associação imediata à água, às suas virtualidades e às ideias de saúde, relaxamento e bem-estar. Para tal, o projecto deve ter como referências principais: as Termas de Caracala, em termos funcionais e evocativos;
40
Design is not making beauty, beauty emerges from selection, affinities, integration, love.
Louis Kahn 41
Mens sana in corpore sano A primeira das referências mais marcantes na concepção do
considerado essencial para a vida e para o bem-estar social.
presente projecto é proveniente da Antiguidade Clássica,
Foram os aquedutos possibilitaram a construção generalizada
tendo sido corporizada no lema mens sana in corpore sano.
de termas em múltiplas cidades do império.
Foi na Grécia clássica que floresceu a civilização que, pela
As termas romanas eram gratuitas, abertas a todos os cidadãos
primeira vez, faz a apologia do exercício físico, como veículo
e eram normalmente financiadas com o mecenato dos patrícios
fundamental para a promoção da saúde, não só física, como
ricos. O seu projecto arquitectónico tinha como objectivo
mental, de todos os indivíduos. Era o ideal olímpico, do
articular o cuidado com a saúde física, o bem-estar psíquico e a
atleta proporcionado de corpo, saudável, cidadão produtivo,
sã convivência social.
equilibrado de espírito, herói na guerra e sábio na paz.
Nelas, os romanos podiam conviver, cuidar da sua higiene
Essa promoção da saúde individual e colectiva tem
e do seu bem-estar físico e mental, banhando-se em águas
continuidade na Roma Antiga, que adopta grande parte dos
a diferentes temperaturas, relaxando com tratamentos de
ideais gregos precedentes e os desenvolve e aprimora. Os
massagens e usufruindo, para além disso, das salas destinadas
romanos acreditam no seu lema mens sana in corpore sano
à leitura, ao convívio ou à discussão e até, por vezes, de
e, promovem a ideia de que a saúde e o bem-estar físico são
bibliotecas, de ginásios, ou até de estádios.
condições essenciais para o equilíbrio mental e emocional do
Um dos maiores, e o actualmente melhor conservado de
indivíduo. E acreditam que esse bem-estar deve ser usufruído,
todos os antigos complexos termais romanos são as Thermae
não só individual, mas também socialmente, proporcionando
Antoniniana, mais conhecidas como Termas de Caracala,
aos cidadãos um convívio harmónico, seja ele relaxante ou, pelo
iniciadas pelo imperador Septimo Severo e inauguradas pelo
contrário, estimulante. Pela primeira vez, há uma abordagem
seu filho Caracala, em 216 d.C.
para-científica às características da água e ao seu potencial
A água que abastecia estas termas vinha das nascentes do
terapêutico; o consumo e os vários tipos de uso da água, tanto
Subiaco, a 100 kms de Roma, primeiro pelo aqueduto Aqua
a nível privado, como público, passam a fazer parte da cultura
Marcia e, em seguida, por um braço especial deste, o Aqua
da polis, do modo de vida do cidadão romano; e o uso da
Antoniniana. A água chegava a um gigantesco tanque com
água passa a ser aconselhado, não só como terapêutico para
80.000 m3 e daí era canalizada para o edifício termal.
o corpo e para o espírito, como também como meio de lazer,
O primeiro aspecto que salta à vista nas Termas de Caracala
estimulador do convívio social e até da intimidade e da luxúria.
é a escala impressionante do edifício. O complexo, com um
Os exemplos mais marcantes e inovadores da importância da
desenho simétrico, situava-se no início da Via Apia, ocupando
água na pax romana, que se estendeu por todo o império foram,
nada menos que 13 hectares e tendo capacidade para acolher
sem dúvida, o aqueduto e, principalmente, as termas.
mais de 1.500 utentes. Isto é, apesar de não se tratar de um
Os aquedutos romanos foram o meio de canalizar
palácio ou de um templo, a monumentalidade da sua escala
artificialmente a água, dos seus cursos naturais, até às cidades,
demonstra que a sua arquitectura foi pensada como um
para maior comodidade dos cidadãos, no consumo deste bem,
símbolo do poder imperial.
42
• Figura 12, 13, 14 e 15 Caldário em Pompeia Apoditério em Pompeia Mesquita de Córdoba Panteão de Roma
43
44
• Figura 16 Planta das termas de Caracala
Mas o interior das Termas de Caracala era igualmente
hipóteses de escolha à sua disposição: um amplo salão com os
extraordinário. A piscina exterior era decorada com colunas
banhos frios (frigidarium), a enorme piscina exterior (natatio),
de granito e possuía enormes espelhos de bronze para reflectir
os banhos quentes (tepidarium), ou ainda o caldarium,
a luz solar. As suas paredes eram cobertas de mármore e
uma espécie de saunas muito quentes, localizado numa sala
decoradas com frescos e estátuas em nichos, enquanto o chão
cilindrica, encimada por uma cúpula e aquecida por canos de
era em mosaico preto e branco. Os tectos eram notáveis, em
terracota.
abóbada, de uma forma impensável para uma estrutura sem
Mas, para além destas salas, havia ainda o laconium, destinado
esqueleto de ferro, como nos dias de hoje.
ao convívio e à leitura, a biblioteca e o estádio, dotado de
A estrutura interior das Termas de Caracala foi projectada de
assentos em apenas um dos lados. E, rodeando todo o edifício,
acordo com o pensamento de Vitrúvio.
magníficos jardins de padrões geométricos, com estátuas e
Como referido atrás, o 7º livro da sua obra De Architectura é
fontes, para passeios e convívio.
dedicado ao estudo das águas, e nele Vitrúvio descreve com
Os diferentes tipos de terapêuticas balneares disponibilizadas
grande detalhe as principais características e virtudes dos
nas termas romanas, como as de Caracala, tal como a
diversos tipos de águas, consoante as suas fontes ou nascentes,
arquitectura interior de várias das salas e a própria filosofia
e consoante as diferentes temperaturas a que fossem utilizadas,
subjacente à sua criação e grande desenvolvimento, foram
bem como os efeitos que elas têm na saúde fisíca e psíquica do
importantes fontes de inspiração na concepção e para o
homem.
desenho deste projecto.
Junto à entrada do edifício, situavam-se os vestiários (apodytera), onde os utentes se despiam e deixavam as sua vestes. De seguida, podiam optar entre, por exemplo, irem fazer exercício no ginásio (palestra), receberem uma massagem ou dirigirem-se para a área dos banhos; aí chegados, tinham várias
45
46
A luz é o mais bonito, o mais rico e mais luxuoso dos materiais utilizado pelos arquitectos (...) só não é valorizada por ser gratuita Campo Baeza 47
Campo Baeza e Peter Zumthor As teorias de Campo Baeza acerca da importância dos jogos de
“… Architectura sine luce nulla architectura est…”.1
luz e sombra na arquitectura, acerca da dicotomia arquitectura
“… O momento em que o arquiteto descobre que a luz é o tema
tectónica-arquitectura estereotómica e sobre a forma como as
central da Arquitetura, é o momento em que começa a ser um
duas se podem conjugar, complementar e interagir, quando
verdadeiro arquiteto!...”1 Destas citações de Campo Baeza, na
integradas num mesmo projecto, devem ser uma referência
obra Pensar com as mãos, se infere a importância primordial
de constante relevância para a arquitectura contemporânea.
que ele atribui à luz na Arquitetura. E ele prossegue, afirmando
De igual forma importantíssimas são as ideias, as soluções
que “… A luz é o mais bonito, o mais rico e o mais luxuoso
encontradas e a filosofia de busca de “atmosferas” sensoriais,
dos materiais utilizado pelos arquitetos…” e que “… só não é
sempre presentes nos projectos de Peter Zumthor, um dos mais
valorizada, por ser gratuita e estar ao alcance de todos.”1
inovadores arquitectos dos dias de hoje.
Defende ele que os grandes mestres da arquitetura de todos
E se a relevância actual do pensamento destes dois arquitectos
os tempos, aqueles que conseguem que as suas obras vençam
deve ser uma constante, então no caso específico deste projecto,
o tempo – Adriano, Antémio de Trales ou Isidoro de Mileto,
concebido para se desenvolver nas “entranhas da terra”, com
Mies Van Der Rohe ou Le Corbusier, foram ou serão aqueles
uma necessidade permanente da pesquisa das melhores
que entenderam a luz, aqueles que perceberam todo o potencial
soluções de luz para os vários espaços, ela foi ainda maior! E, na
construtivo e emotivo que a luz e o seu contraponto – a sombra,
verdade, ambos foram referências essenciais.
encerram dentro de si. Nos seus projetos, o arquiteto deve aprender a trabalhar a luz, a
O texto que se segue foi extraído de um trabalho realizado no
compreendê-la e a explorá-la, não só em termos de quantidade
âmbito da unidade curricular de “Teoria da Arquitectura II”,
– “… a luz é, para o projeto de Arquitetura,o mesmo que o sal
ministrado pelo Prof. Arq. David Viana, durante o 2º semestre
para a comida…”, 1 sendo difícil acertar com as doses certas do
do ano lectivo de 2011/2012.
tempero, como em termos de qualidade – combinando a luz sólida e direta, com a indireta, com as transparências e com os
1.
48
BAEZA, Campo, “Pensar com as mãos”, Caleidoscópio Edição e Artes Gráficas, SA ( Casal de Cambra; 2011)
โ ข Figura 17 Esquiรงo das Termas de Vals - Peter Zumthor
49
espaços de sombra, mais ou menos profunda.
à luz e ela será diferente!” 2
Só o domínio dos jogos de luz e sombra, da sua
Zumthor ama a luz!... “… De manhã, quando o Sol renasce (…)
complementaridade e dos seus contrastes, permite acrescentar
e ilumina as coisas, surge então esta luz que não parece vir
à Arquitetura aquela dimensão sublime que por vezes nos
deste mundo! Tenho a sensação que existe algo maior, que eu
emociona até às lágrimas, evocando-nos o “divino” ou o
não percebo. Estou imensamente grato que isto aconteça. E o
“transcendental”. É nessas obras, nesses momentos, que a
facto de o arquiteto poder dispor desta luz é mil vezes melhor
Arquitetura vence o tempo e se torna verdadeiramente imortal.
do que a luz artificial”. 2
É também a atitude perante a luz – de busca mais ou menos
Zumthor diz que, quando se aproxima de um edifício, quando
intensa da luz, ou, pelo contrário, de proteção mais ou
entra nele, vê um espaço e, numa fração de segundo, é-lhe
menos intensa da luz, que serve de base a Campo Baeza, para
transmitida uma “atmosfera” e ele “sente o que é” o edifício,
diferenciar os dois tipos de arquitetura propostos por Gotfried
numa espécie de compreensão emocional, quase visceral,
Semper: a estereotómica e a tectónica.
imediata, que leva a uma aceitação ou a uma repulsa.
Gotfried Semper diz que a arquitetura estereotómica é aquela
E explica que, para essa perceção tão pessoal que cada um tem
que assenta firme na terra e à terra pertence, como que dela
da atmosfera de um edifício, uma das variáveis mais decisivas é
brotando; é a arquitetura maciça, pesada, “da caverna”, em que
a forma como a luz e a sombra nele vivem. “… Onde está a luz
a gravidade se transmite em massa. Campo Baeza acrescenta
e de que forma. Onde existem sombras. E como as superfícies
que essa é a arquitetura que “… busca a luz, que perfura as suas
estão baças ou brilhantes ou ressaltam da profundidade. Que
paredes para que a luz invada e ilumine o seu interior.” Em
formas conseguem captar do escuro as mais ínfimas partículas
contrapartida, a arquitetura tectónica é, para Semper, “… aquela
de luz e refleti-las.” 2
que assenta na terra como que em bicos dos pés…”, 1 tentando
Diz Zumthor que gosta de pensar o edifício, primeiro como
desligar-se dela e ligar-se ao Céu; é a arquitetura óssea, leve,
uma massa de sombras e a seguir, num “processo de escavação”,
“da cabana”, na qual a gravidade se transmite de uma forma
deixar a luz infiltrar-se. Outra ideia é colocar os materiais, as
sincopada. Para Campo Baeza esta é a arquitetura que “…
formas e as superfícies à luz e observar como a refletem.
se defende da luz, tapando os seus orifícios, para controlar a
Uma das mais emblemáticas obras de Peter Zumthor são as
luz que a inunda”, proporcionando espaços de sombra ao seu
Termas de Vals, na Suiça, um centro de hidroterapia, espaço
interior.
projetado para os visitantes desfrutarem e redescobrirem os
1
antigos benefícios da sauna, tirando partido da fonte de águas Peter Zumthor, o vencedor do Prémio Pritzker em 2009,
termais aí existente
o projetista “das atmosferas” e um dos mais inovadores e
“Procuro sempre imagens relacionadas com o lugar e o uso; em
respeitados arquitetos da atualidade, também sente a luz como
Vals isso foi simples – a fonte termal nasce de uma montanha,
uma matéria-prima fundamental e essencial no projeto de
de uma pedra – pedra, água, caverna; construindo na pedra
Arquitetura – “… imaginem uma pedra; a seguir exponham-na
e com a pedra, dentro da montanha, brotando da montanha,
2.
50
ZUMTHOR, Peter, “Pensar a Arquitectura”, Editorial Gustavo Gili (Barcelona; 2009)
pertencendo à montanha…” 2
exterior, objeto-natureza. Noutros locais (a sauna tumular), a
A ideia do arquiteto foi criar uma estrutura de caverna ou
luz é quase inexistente, dando lugar a uma escuridão espessa,
pedreira, meia enterrada na encosta, construída em camadas
completa, introspetiva. Nos vãos de distribuição surgem rasgões
sobrepostas de quartzito de Vals, ficando as saunas situadas por
na cobertura, permitindo umaa entrada de luz a jorros, que
baixo de um teto verde natural.
parece transformar a pedra bruta em algo imaterial, etéreo.
O interior das Termas de Vals foi concebido como uma caverna
As Termas provocam em nós, mesmo aos cépticos, uma
de repouso, de refúgio espiritual; as combinações de luz direta,
ambiguidade intimidante entre o sagrado e o profano: entre a
indireta e de sombra, a sucessão de espaços abertos e fechados
luz azulada, celestial que vem do alto, os seus reflexos ambíguos
criam uma “atmosfera” sensitiva, reconfortante e restauradora.
e inebriantes e a luminosidade espessa e avermelhada que
Zumthor realça as qualidades místicas e naturais da pedra e da
parece brotar da terra.
água, com contrastes bruscos ou subtis de luz e de escuridão,
O edifício possui uma qualidade hermética, mas não num
com as reflexões luminosas na superfície das águas, ou no ar
sentido de cativeiro, que desperte o desejo da fuga; pelo
carregado de vapor; estas sensações visuais somam-se a outras,
contrário, essa qualidade inspira segurança, conforto, sossego e
auditivas – o som e o eco das águas correntes ou borbulhantes,
faz com que nos “sintamos em casa”.
ou táteis – o prazer do toque da pedra e da água, o contraste do frio e do calor. Nas Termas de Vals, Zumthor transforma a luz em matéria, numa labiríntica gruta iluminada, plena de austeridade emocionante. Em algumas salas (de meditação ou relaxamento) a luz do exterior penetra por pequenas aberturas nas paredes laterais, estão dispostas de forma a proporcionar enquadramentos da paisagem alpina, num jogo duplo interior-
51
Álvaro Siza e as Piscinas de Leça
Para além de Zumthor e Baeza, há uma outra referência,
Por todas estas preocupações simultâneas se pode apreciar
bem mais próxima, e com uma relevância absolutamente
a forma como Siza Vieira pensa e pesa os seus projectos, em
fundamental neste projecto – as Piscinas de Leça são, um dos
detalhe, ponderando sempre o ponto de vista (todos os pontos
projectos mais paradigmáticos da obra de Álvaro Siza Vieira.
de vista), quer do utilizador ou do visitante do seu interior, quer
Compôem-se de duas piscinas, uma para adultos e outra para
do passante pelo exterior. O que importa é o homem, o que ele
crianças, um complexo edificado que inclui os equipamentos
vê, o que ele sente!
de apoio às piscinas – vestiários e balneários e uma zona de restauração, e os respectivos acessos, do exterior ao complexo e
“(…) A arquitectura de Siza molda-se para aconchegar o
os de ligação entre as várias áreas.
homem, mas o homem em corpo e espírito.” 1
Localizando-se o terreno entre a marginal de Leça e o Atlântico, numa zona de costa profusamente semeada por rochas
Por outro lado, comprova-se que o desenho de Siza não surge
graníticas, Siza tomou a decisão de preservar essas formações
por inspiração abstracta, divina ou académica, mas sim pela
rochosas naturais, integrando-as no seu próprio projecto, no
inspiração intelectual, emocional, sensorial e até social, que
qual optou por usar, maioritariamente, o betão aparente, um
lhe vem da observação e relação físicas com o local, com a
material barato, mas muito resistente, e que, acima de tudo,
sua envolvência, a sua história e as suas utilizações, passada,
apresenta uma cor e uma textura que coordenam com as da
presente e futura. Cada caso é diferente de todos os outros, cada
rocha.
projecto tem envolventes geográficas e culturais distintas.
A piscina principal é projectada para uma zona da costa onde as rochas já formavam um pequeno lago. Siza limita-se então
“Começo um projecto quando visito um sítio. (…) Não quer
a reforçar articialmente, com betão, essa estrutura natural
dizer que fique muito de um primeiro esquisso. Mas tudo
pré-existente, nos pontos onde esta não conseguia conter
começa. Um sítio vale pelo que é, e pelo que pode e deseja.” 2
completamente a água. A piscina passa então a estar apenas ligeiramente acima do nível da água do mar. Mais tarde, é
Para entrar no complexo das Piscinas de Leça, o visitante tem
projectada a piscina para as crianças, a sul da primeira.
que descer uma suave rampa de betão que corre para “dentro
Ao observar o diferencial de cotas entre a marginal e o mar, Siza
da terra” paralelamente à marginal; as paredes laterais da
toma outra decisão importante: a de projectar o complexo na
rampa tapam-lhe progressivamnte a vista, quer da marginal,
mesma cota do areal, conseguindo assim realizar dois objectivos
quer do mar, até que, finalmente, entra no complexo, com um
importantes: o de integrar a globalidade do complexo edificado
ambiente obscuro, onde as sensações auditivas (o som das
numa mesma cota, em vez de o fragmentar, assegurando desta
ondas que toma o lugar do barulho do tráfego) ganham um
forma uma continuidade visual surpreendentemente coerente
peso acrescido.
ao utente das piscinas; e também o de preservar intacta e livre a
Mas emergindo do sombrio interior do complexo para a
maravilhosa paisagem do mar, aos passantes na marginal.
luminosidade exterior das piscinas, o visitante, olhando para 1. 2.
52
PESSANHA, Matilde, “Metáfora e Ornamento na obra de Siza” ESAP (Porto; 2005) SIZA, Álvaro, in “01 Textos Álvaro Siza”, Civilizações Editora (Porto; 2009)
• Figura 18 Fotografia das Piscinas de Leça Álvaro Sixa
trás, para o complexo edificado, vê-o num contraste suave de textura e cor, entre o natural e o construído. E contempla-o a crescer desde a cota da praia até à da marginal, coincidente com a cobertura, prosseguindo numa ligação suave com a malha urbana posterior. Enquanto que, se olhar para as próprias piscinas, observa-as perfeitamente integradas, como que “incrustradas” ou “aninhadas” na fronteira da costa rochosa com as águas do Atlântico, do qual parecem um prolongamento natural. Até porque a piscina para adultos, adjacente ao oceano, é dotada de paredes muito baixas e tem um nível de água que parece idêntico ao do mar. Outro aspecto que impressiona neste projecto é o facto de a sequência dos espaços a percorrer ser absolutamente livre e flexível, dependendo apenas dos impulsos do visitante, e não de qualquer tipo de imposição física ou induzida. A disponibilidade do edifício na sua globalidade, para o arbítrio de quem o visita, é total. Ele não nos prende, nem nos puxa ou empurra por um determinado caminho. Apenas se expôe, para que o usemos, para que dele usufruamos. Assim, seja por esta liberdade de percursos que nos oferece, seja pela qualidade das respostas arquitectónicas encontradas – no “enterramento” da edificação, no jogo de sombra-luz a que expôe o visitante, ou até na solução encontrada para a entrada no edifício, as Piscinas de Leça foram, sem surpresa, uma referência bem presente na concepção deste projecto.
53
Memória Descritiva
O Hospital-Dispensário Marinho deverá então ser construído,
Apesar dessa fragmentação, a estrutura está organizada
não em altura, elevando-se acima do solo, mas sim em
em duas partes claramente distintas: uma primeira, junto à
profundidade, dissimulando-se, escondendo-se abaixo do
entrada, onde se localizam a área administrativa e todas as
solo, mantendo intactas as qualidades contemplativas daquele
funções relacionadas com os tratamentos com o “plasma de
sítio único e tentando criar uma ligação entre as novas
Quinton”; e uma segunda parte, mais perto do mar, onde estão
funcionalidades que ali vão existir com as memórias das que já
todas as valências, terapêuticas ou lúdicas, relacionadas com a
existiram.
hidroterapia, reunidas num autêntico “Pavilhão da Água”.
O edifício será enterrado, com 2 dos seus alçados invisíveis,
Existe um outro piso num nível inferior àquele em que está
ficando apenas o alçado Norte e Oeste visíves do exterior,
explanado o projecto, mas é um piso meramente residual,
graças ao suave declive do terreno. Esse facto é um dado fulcral
destinado às instalações técnicas e à armazanagem de materiais;
do projecto pois, como se verá em seguida, é esse alçado Norte
o acesso do pessoal ao piso técnico efectua-se através de duas
que torna possíveis, não só a existência de duas entradas de
caixas de escadas.
luz natural essenciais, como a contemplação do mar desde o
O acesso à área de implantação deverá ser efectuado por uma
interior do edifício. Refira-se ainda que o plano desse alçado
estrada aberta ao longo de uma linha imaginária, paralela a um
se prolonga para na tentativa de organizar o espaço do terreno,
dos alçados das duas estruturas ainda existentes do complexo
sugerindo no fim desse plano, a hipotese da existência de uma
da seca do bacalhau, e que se prolongará no sentido noroeste,
horta biológica.
apontando à barra do Douro.
Na elaboração e concepção do projecto, a mais importante das
Chegando ao local, os únicos sinais visíveis de uma estrutura
referências mencionadas, foram as Termas de Valls, que foram
construída serão os vários e longos planos dispostos
uma espécie de guião para todo o projecto.
paralelamente entre si e perpendiculares à estrada de acesso,
Funcionalmente, a estrutura oferecerá, as valências dos
que convidam à sua utilização como bancos corridos, para uma
dispensários marinhos de René Quinton e, paralelamente,as
calma e privilegiada contemplação do panorama.
valências das termas romanas clássicas e várias outras, sempre
O acesso à entrada principal do edificio é anunciado pela
recorrendo à água como instrumento terapêutico físico e
existencia de um plano vertical de maior altura, criando uma
psíquico fundamental, justificando porventura a apelidação
“praça” de compasso de espera contemplativo, até a um rampa,
deste espaço como Centro de Hidroterapia.
à imagem das Piscinas de Leça, por onde o visitante desce
Analisando a escala do terreno, optou-se por não projectar um
suavemente, perdendo progressivamente o contacto visual com
edifício compacto, que pareceria desequilibrado, optando-se
o horizonte e com a luz directa do Sol, entrando num ambiente
por uma estratégia de fragmentação do edifício, “espalhando”
de penumbra, até se transpor a porta de entrada. Entra-se então
todas as suas valências, de uma forma assimétrica, num único
num espaço de semi-obscuridade que funciona como sala de
piso, de maneira a possibilitar um percurso sensorialmente
espera.
mais interessante e atraente do seu interior.
No fundo desta, entrevê-se a um espaço que servirá de àtrio,
56
recepção e, por trás, alinham-se os espaços administrativos e
exterior, de tecto aberto. Esta localização central da piscina
reservados ao pessoal – a secretaria, sala da administração, a
exterior, com aberturas de acesso a todas as restantes áreas
sala de estar, casas-de-banho e os vestiários do pessoal.
do edifício, inspira-se nos pátios centrais das villas romanas
Em frente da recepção, e ao longo da sala de espera, situa-se o
clássicas e das vivendas e palácios mouriscos – como a
“bloco de Quinton”, com todas as estruturas relacionadas com
Alhambra de Granada, sempre pontuados por um espelho
as suas terapêuticas: os consultórios/gabinetes de diagnóstico,
de água, um lago ou uma fonte, e de onde, por baixo dos
as salas de preparação do tratamento e as de administração do
alpendres geradores de sombra, se acedia a todos os principais
mesmo. Exactamente em frente da entrada principal, existe uma
compartimentos da casa. É através da piscina exterior que se
outra porta; a entrada para o auditório, pensado como um local
acede ao caldarium – a piscina de água quente.
para realização de conferências, vocacionado preferencialmente
Voltando aos corredores que rodeiam a área central ocupada
para a discussão e divulgação de temas relacionados com as
pela piscina exterior, observa-se que é ao longo deles que se
terapêuticas de Quinton ou outras utilizações terapêuticas da
abrem todos os espaços destinados aos múltiplos serviços e às
água.
diferentes técnicas e terapêuticas disponibilizadas aos utentes.
Todos os utentes que desejem utilizar os serviços do centro
Assim, logo à entrada do Centro de Hidroterapia deparamos
de hidroterapia ultrapassam o “bloco de Quinton”, dirigindo-
com o bloco dos gabinetes destinados aos vários tipos de
se directamente ao um corredor transversal, onde estão os
massagens, desde a massagem terapêutica simples, até outras,
balneários que marcam a fronteira entre as 2 grandes áreas do
mais especializadas.
edifício: a área anterior, atrás descrita, e a área posterior do
Prosseguindo, poderemos encontrar a entrada para a “piscina
mesmo – o “Centro de Hidroterapia”.
aromática”, cilindrica, com tecto em forma de abóbada
O Centro de Hidroterapia foi concebido e projectado para
terminando num óculo de iluminação, no interior da qual os
proporcionar aos seus utentes, não só uma variedade de
utentes se sentam, relaxando e gozando do ambiente fresco e
tratamentos e terapias de saúde e bem-estar, nas quais a
aromático proveniente das pétalas de rosas ou de outras flores
água desempenha um papel instrumental, como para lhes
que flutuam, ou das essências diluídas na água.
proporcionar uma multiplicidade de vivências e experiências
Continuando o percurso, chegamos então ao acesso a uma
sensoriais (envolvendo todos os sentidos), várias das quais
área multiusos, dividida em três espaços. O primeiro é a “sala
invulgares e contrastantes, nas quais sentissem que interagiam e
da chuva”, um compartimento cujo tecto é todo um chuveiro
comunicavam com a água
contínuo, onde se pode experimentar uma sensação semelhante
O Centro de Hidroterapia é marcado por dois longos
à da exposição livre e desprotegida à chuva. Em frente desta
corredores paralelos e longitudinais ao edifício, terminando
sala está o segundo espaço – a “gruta”, ou “piscina dos sons”.
ambos numa ampla janela, por onde entra a luz natural e
Esta consiste numa sala totalmente ocupada por uma piscina
através da qual se vislumbra o horizonte e o oceano.
de água tépida, dividida por uma parede que desce do tecto
A área central da estrutura do Centro é ocupada pela piscina
até uma altura inferior à da superfície da água, mas suficiente
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para, mergulhando, se poder passar por baixo da dita parede,
público, com acesso directo ao exterior do edifício.
para o interior da “gruta” propriamente dita. Aí dentro, num
Termina assim um percurso possível dos espaços do Centro de
espaço algo claustrofóbico e muito tenuemente iluminado por
Hidroterapia, no decurso do qual se puderam observar e avaliar
luz indirecta natural, o utente pode relaxar, ouvindo os sons
as múltiplas valências terapêuticas ou lúdicas disponíveis e
e os ecos da água, num espaço completamente fechado, como
antever ou imaginar as sensações díspares e contrastantes que
se estivesse encerrado num búzio. Além disso, o próprio facto
cada uma daquelas experiências deverá proporcionar.
de se ter que mergulhar para se entrar na gruta constitui um
Conforme se apontou na descrição do interior do edifício,
desafio algo temerário para muitas pessoas e, portanto, implica
este é marcado pela presença de longas e sucessivas clarabóias
também a experiência de outras sensações. O terceiro espaço é
transversais ao mesmo, por onde a luz natural penetra em
o da piscina interior, tenuemente iluminada por outra estreita
determinadas áreas seleccionadas do centro. No exterior do
e longa clarabóia no tecto, que possibilita uma fina entrada de
edifício, essas clarabóias correm paralelas a uma sucessão de
luz.
longos muros, de pequena altura, aparentemente semeados
De seguida, podemos ser levados até à zona dos banhos
aleatoriamente no terreno, ainda que paralelos entre si.
medicinais (de jacto de água e outros), com janelas abertas
Estes muros, sem enfeites nem conforto aparente, singelos e em
para o mar. Ao longo deste alçado do edifício, estendem-se as
bruto, estão ali, silenciosos, como que sugerindo e convidando
“áreas de descanso”, viradas ao mar, mobiladas com confortáveis
as pessoas à sua utilização como bancos panorâmicos, de onde
chaises-longues, convidando ao descanso, à leitura, à
se pode calmamente contemplar a imponência da localização e
contemplação da paisagem ou ao simples prazer de uma bebida
da paisagem que este projecto fez tanta questão em preservar.
ao Sol.
Por outro lado, deve-se reparar que os ditos muros são também
Prosseguindo, poderemos chegar ao acesso a dois espaços
paralelos aos vestígios ainda presentes dos alinhamentos
sucessivos e perfeitamente distintos: o dos banhos turcos e o
antigamente destinados à operação de seca do bacalhau. Assim
frigidarium, com água a uma temperatura de 14ºC e iluminado
se quis construir um elo de ligação visível para o presente e o
com uma luz artificial de tonalidade “gélida”.
futuro daquela memória colectiva do passado do sítio e, assim,
A seguir, deparamos com a sauna que, tal como o frigidarium,
prestar uma homenagem à sua história.
foi desenhada e construída segundo os ensinamentos e as regras
Ressalta assim que, embora esteja enterrado, o projecto
enunciadas por Vitrúvio para o seu sudatorium. Possui dois
apresenta aquilo que poderíamos entender como um “5º
bancos laterais a todo o comprimento da sala, que termina
alçado”, ou seja o seu alçado superior, o qual acaba por
numa parede semicircular, encimada por uma abóbada com um
evidenciar elementos de relevância decisiva para a integração
óculo superior. Por baixo do óculo está uma enorme bacia com
coerente do projecto, quer na paisagem natural envolvente, quer
água fria, para os utentes se poderem refrescar periodicamente.
na história e no espírito do local.
Refira-se ainda que, vizinho à área de descanso, e também com vista sobre o oceano e a barra do Douro, se situa o restaurante,
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• Figura 18 e 19 Axonometria Fotomontagem do exterior do edificio
22
21
18 20
17
12
20
10
16 8
15 8
19
PISO -1
1 átrio / recepção / foyer 2 secretaria / arquivo 3 sala de estar / vestuario p 4 sala multiusos / auditório 5 sala consulta 6 sala preparação de medic 7 sala de tratamento 8 balneario 9 piscina aromatica 33ºC 10 zona de massagem 11 piscina aquecida 42ºC 12 sauna 13 piscina interior 32ºC 14 gruta 15 chuveiros 16 piscina exterior 32ºC 17 piscina gelada 14ºC11 18 banho turco 19 banhos medicinais 20 zona de descanso 21 cozinha 22 restaurante
10
7
14
8
7
3
Legenda
19
11 8
7
8 7
9
8
6 2 5
13 5
1 4
25
25
24
PROJECTO hospital - dispe
LOCAL av. beira mar - r
25
DISCENTE manuel dantas ESAP mi arquitectura projecto v
23
DESIGNAÇÃO
axonom ESCALA
1:200
59
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ESAP, 2013