Marinetti's booklet

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Filippo Tommaso Marinetti

DESTRUIÇÃODASINTAXE IMAGINAÇÃOSEMFIOS PALAVRAS EMLIBERDADE



Destruição da sintaxe Imaginação sem fios Palavras em liberdade

Filippo Tommaso Marinetti



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A sensibilidade futurista

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As palavras em liberdade

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Morte do verso livre

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Imaginação sem fios

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A morte do “eu” literário – matéria e vida molecular

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Adjetivo semafórico – adjetivo-farol ou adjetivo-atmosfera

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Verbo no infinitivo

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Onomatopéia e sinais matemáticos

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Revolução tipográfica

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Lirismo multilinear

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Ortografia livre expressiva



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O meu Manifesto técnico da Literatura Futurista (11 de maio de 1912), com o qual inventei o lirismo essencial e sintético, a imaginação sem fios e as palavras em liberdade, diz respeito somente à inspiração poética.

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filosofia, as ciências exatas, a política, o jornalismo, o ensino, os negócios, embora buscando formas sintéticas de expressão, ainda devem valer-se da sintaxe e da pontuação. Sou obrigado, de fato, a fazer uso disso tudo para expor minhas idéias. O Futurismo baseia-se na completa renovação da sensibilidade humana decorrente das grandes descobertas científicas.

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Aqueles que hoje usam o telégrafo, o telefone e o gramofone, o trem, a bicicleta, a motocicleta, o automóvel, o transatlântico, o dirigível, o aeroplano, o cinematógrafo, o grande jornal (síntese de um dia no mundo) não pensam que essas diferentes formas de comunicação, de transporte, e de informação exercem em sua psique uma influência decisiva.

Um homem comum pode transportar-se, com um dia de trem, de uma pequena cidade morta com praças desertas, onde o sol, a poeira e o vento se divertem em silêncio, para uma grande capital cheia de luzes, de gestos e de gritos... O habitante de uma aldeia nos Alpes pode angustiar-se a cada dia, através de um jornal, com os manifestantes chineses, as sufragistas de Londres e de Nova York, o Dr. Carrel e os trenós heróicos dos exploradores polares.

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++ ++ + + +[

O habitante temeroso e sedentário de qualquer cidade interiorana pode permitir-se a embriaguez do perigo ao acompanhar, em uma seção de cinema, uma grande caçada no Congo. Pode admirar atletas japoneses, boxeadores negros, excêntricos americanos incansáveis, parisienses elegantíssimas, gastando um tostão no teatro de variedades. Deitado depois em seu leito burguês, ele pode desfrutar da longínqua e dispendiosa voz de um Caruso ou de uma Burzio.

Essas possibilidades que se tornaram comuns não provocam qualquer curiosidade nas mentes superficiais, completamente incapazes de se aprofundar em qualquer fato novo, como os árabes que olhavam com indiferença os primeiros aeroplanos no céu de Tripoli. Estas possibilidades são, ao contrario, para o observador atento, modificadoras de nossa sensibilidade, uma vez que criaram os seguintes fenômenos significativos:

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Aceler aç rápido ão da vida , . Equil ibrism que tem ho emocio o je f n magn al na corda ísico, intele um ritmo etismo c tual e bamb sc a e simu ltânea ontraditório da velocida de s. C em um mesm onsciência entre o indiv múltip íduo. la

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H o r r o r a o q u e é ve l h o e c o n h e c i d o . Amor pelo novo, pelo inesperado.

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Horror à vida tranqüila, o amor pelo perigo e pelo heroísmo cotidiano.

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Destruição do sentido do al di là e aumento do valor do indivíduo que quer vivre sa vie segundo frase de Bonnot.

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Multiplicação e alastramento das ambições e desejos humanos. Conhecimento exato de tudo aquilo que cada um tem de inacessível e inatingível.

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Se me mi-i no gua rd efa ldade sag em do ho em me seu m e s d da irei mu tos lh soc er, e iais .

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Depreciação do amor (sentimentalismo ou luxúria), decorrente da maior liberdade e facilidade erótica das mulheres e do exagero universal do luxo feminino. Explico: hoje a mulher ama mais o luxo do que o amor. Uma visita a um grande costureiro, na companhia de um amigo banqueiro, barrigudo, reumático, mas que paga, substitui completamente o mais febril encontro amoroso com um jovem adorado. A mulher encontra todo o mistério do amor na escolha de uma toalete extraordinária, último modelo, que suas amigas ainda não tem. O homem não ama a mulher sem luxo. O amante perdeu completamente seu prestígio, o Amor perdeu o seu valor absoluto. ial ea Questão complexa, que me contento hoj ndustr e s i em roçar. ouial, torn omerc e ec , qu mo riedad s i t o lida atri o p da so d . ica ção fica heró povo i d Mo zação e um d ali ide tística r ea

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Modificação da concepção da guerra, que tornou-se a prova sangrenta e necessária da força de um povo.

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Paixão, arte, idealismo dos Negócios. Nova sensibilidade financeira.

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O homem multiplicado pela máquina. Novo sentido mecânico, fusão do instinto com o desempenho do motor e com as forças adestradas.

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rte. o Espo lismo d cord”. a e id , “re arte Paixão, o e amor pelo çã p e c n o C

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Nova sensibilidade turística dos transatlânticos e dos grandes hotéis (síntese anual de raças diferentes). Paixão pela cidade. Negação das distâncias e das solidões nostálgicas. Desprezo pelo divino silêncio verde e pela paisagem intangível.

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terra diminuída pela velocidade. Novo sentido do mundo. Explico: os homens conquistaram sucessivamente o sentido da casa, o sentido do bairro onde moravam, o sentido da cidade, o sentido da zona geográfica, o sentido do continente. Hoje possuem o sentido do mundo; tem pouca necessidade de saber o que faziam seus avós, mas tem grande necessidade de saber o que estão fazendo seus contemporâneos em todas as partes do mundo. Conseqüente necessidade, para o indivíduo, de comunicar-se com todos os povos da terra. Conseqüente necessidade de se sentir o centro, o juiz e o motor do infinito explorado e inexplorado. Ampliação do sentido humano e necessidade urgente de determinar a cada momento nossas relações com toda a humanidade.

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Náusea pela linha curva, pela espiral e pelo torniquete. Amor pela linha reta e pelo

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túnel. Costume com as visões laterais e sínteses visuais criadas pela velocidade dos trens e carros que olham do alto para campos e cidades. Horror à lentidão, às minúcias, às análise e explicações detalhadas. Amor pela velocidade, pelas abreviações e pelos resumos. “Conte-me tudo, logo, com duas palavras”.

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Amor pela profundidade e pela essência em cada exercício do espírito.

Eis alguns dos elementos da nova sensibilidade futurista que geraram o nosso dinamismo pictórico, a nossa música antigraciosa sem quadratura rítmica, a nossa Arte dos ruídos e as nossas palavras em liberdade.

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lavr pa a sDescartando agora todas as estúpidas sdefinições m

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e todos os confusos verbalismos dos professores, eu declaro que o lirismo é a capacidade raríssima de inebriar-se de vida e inebriá-la de nós

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mesmos. A capacidade de transformar em vinho a água turva da vida que nos rodeia nos atravessa. A capacidade de colorir o mundo com as cores especialíssimas do nosso “eu” mutável. Ele coAgora suponha que um amigo seu, meque possui esta capacidade lírica, çará por se encontre em uma zona de destruir vida intensa (revolução, guerra, brutalmente naufrágio, terremoto, etc.), e a sintaxe ao que imediatamente depois falar. Não perderá narre as impressões que tempo construindo teve. Sabe o que fará períodos. Não ligainstintivamente este rá para a pontuação e amigo lírico e adjetivação. Desprezará a comovido? ... elaboração e as nuances de linguagem, e com pressa lhe lançará freneticamente aos nervos as suas sensações visuais, auditivas, olfativas, de acordo com as suas urgências imediatas. A veemência do vapor-emoção fará saltar o tubo do período, as válvulas da pontuação e os parafusos regulares da adjetivação.

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+

Punhados de palavras essenciais, sem qualquer ordem convencional. Única preocupação do narrador transmitir todas as vibrações de seu “eu”.

Se esse narrador dotado de lirismo tiver também uma mente povoada por idéias gerais, involuntariamente entrelaçará suas sensações com todo o universo desconhecido ou intuído por ele. E para dar o valor exato e a proporção da vida que viveu, lançará imensas redes de analogias sobre o mundo. Ele apresentará, assim, o fundo analógico da vida, telegraficamente, ou seja, com a mesma rapidez econômica que o telégrafo impõe aos repórteres e correspondentes de guerra, por seus relatos superficiais.

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Esta necessidade de laconismo não responde apenas às leis da velocidade que nos governam, mas também às relações multiseculares que o público e o poeta tiveram. Estabelecem-se, de fato, entre o público e o poeta, as mesmas relações que existem entre dois velhos amigos. Estes podem se entender com meia-palavra, um gesto, um olhar.


Eis por que a imaginação do poeta deve entrelaçar as coisas à distância sem fios condutores, por meio das palavras essenciais em liberdade.

MoRte do verso l i v r e O verso livre, depois de ter mil e uma razões para existir, agora está destinado a ser substituído pelas palavras em liberdade. A evolução da poesia e da sensibilidade nos revelou dois defeitos irremediáveis do verso livre.

1.

O verso livre fatalmente sugere ao poeta fáceis efeitos sonoros, jogos de espelho previsíveis, cadências monótonas, absurdos badalos de sinos e inevitáveis respostas de ecos externos ou internos.

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O verso livre arti2.ficialmente canaliza a corrente da emo

ção lírica entre as muralhas da sintaxe e as barragens gramaticais. A inspiração livre e intuitiva que fala diretamente à intuição do leitor ideal se encontra assim presa e distribuída como uma água potável para a alimentação de todas as inteligências relutantes e meticulosas. Quando falo em destruir os canais da sintaxe, não sou categórico, nem sistemático. Nas palavras em liberdade de meu lirismo desenfreado, aqui e lá se encontrarão vestígios de sintaxe regular, e também verdadeiros períodos lógicos. Essa desigualdade na concisão e na liberdade é inevitável e natural. A poesia — não sendo, na realidade, mais do que uma vida superior, mais concentrada e mais intensa do que aquela que vivemos todos os dias — é, como esta, composta por elementos ultravivos e elementos agonizantes. Não preciso portanto se preocupar demais com estes últimos. Mas deve-se evitar a todo custo a retórica e os lugares comuns expressos telegraficamente.

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Sem fios

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Imaginação sem fios significa a absoluta liberdade das imagens ou analogias, expressas com palavras desprendidas e sem fios condutores sintáticos e sem qualquer pontuação.

Os escritores até agora se contentaram com a analogia imediata. Eles compararam, por exemplo, o animal ao ser humano ou a outro animal, o que equivale ainda, mais ou menos, a um tipo de fotografia.

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Eles compararam, por exemplo, um fox terrier com um minúsculo puro-sangue. Outros, mais avançados, poderiam comparar aquele mesmo fox terrier trepidante a uma pequena máquina Morse. Eu, ao invés disso, o comparo à água fervente. Existe aí uma gradação de analogias sempre mais amplas, as relações são sempre mais profundas e sólidas, ainda que distantes. A analogia não é senão o amor profundo que liga as coisas distantes, aparentemente diversas e hostis. Somente através de analogias extensas um estilo orquestral, ao mesmo tempo policromático, polifônico e polimorfo, pode abraçar a vida da matéria. Quando, na minha Batalha de Trípoli, eu comparei uma trincheira eriçada de baionetas a uma orquestra, uma metralhadora a uma mulher fatal, eu intuitivamente introduzi uma grande parte do universo em um breve episódio da batalha africana. As imagens não são flores a serem escolhidas e colhidas com moderação, como dizia Voltaire. Elas são o próprio sangue da poesia.

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A

poesia deve ser uma sequência ininterrupta de novas imagens, sem o que nada mais é do que a anemia e clorose. Quanto mais extensas as relações estabelecidas pelas imagens, por mais tempo elas mantêm seu poder estupefaciente... (Manifesto da Literatura futurista)

Imaginação sem fios e as palavras em liberdade nos introduzem na essência da matéria. Com a descoberta de novas analogias entre coisas distantes e aparentemente opostas nós as apreciaremos sempre mais intimamente. Em vez de humanizar animais, vegetais, minerais (sistema ultrapassado), poderemos animalizar, vegetalizar, mineralizar, eletrificar, ou liquefazer o estilo, fazendo-o viver da própria vida da matéria. Por exemplo, para a vida de uma folha de grama, eu digo: “Eu vou ser mais verde amanhã”. Com as palavras em liberdade teremos: As metáforas condensadas As imagens do telegráficas A soma de vibrações Os nós de pensamentos

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Os leques de movimentos fechados ou abertos As analogias de esguelha Os balanços de cor As dimensões, os pesos, as medidas e a velocidade das sensações O mergulho da palavra essencial na água da sensibilidade, sem os círculos concêntricos que a palavra produz Os repousos da intuição Os movimentos em dois, três, quatro, cinco tempos As estacas analíticas explicativas que sustentam o feixe dos fios intuitivos

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A mamor té te ri a do e v “e id u” l a mo ite le rár cu io la r

[

O meu manifesto técnico combatia a obsessão com o “eu” que os poetas têm descrito, cantado, analisado e vomitado até hoje. Para se livrar desse “eu” obsessivo, é preciso abandonar o hábito de humanizar a natureza, atribuindo paixões e preocupações humanas aos animais, às plantas, às águas, às pedras e às nuvens. Ao contrário, deve-se expressar o infinitamente pequeno que nos rodeia, o imperceptível, o invisível, a agitação dos átomos, o movimento browniano, todas as hipóteses apaixonadas e todos os domínios explorados pela ultra-microscopia. Explico: não como um documento científico,mas como elemento intuitivo, quero introduzir na poesia a infinita vida

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molecular deve se misturar, na obra de arte, com seus espetáculos e os dramas do infinitamente grande, pois essa fusão constitui a síntese integral da vida.

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Para ajudar de alguma forma a intuição do meu leitor ideal eu uso caracteres itálicos para todas as palavras em liberdade que expressam o infinitamente pequeno e a vida molecular.

Adjetivo semafórico – adjetivo-farol ou adjetivo-atmosfera Nós tendemos a suprimir o adjetivo qualificativo em todas as ocasiões, porque pressupõe uma parada na intuição, uma definição muito detalhada do substantivo. Tudo isso não é categórico. Se trata de uma tendência. O que é necessário é utilizar-se do adjetivo tão pouco quanto possível e de modo absolutamente diferente daquele usado até hoje. É preciso considerar os adjetivos como sinais ferroviários ou semáforos do estilo, que servem para regular a partida, as desacelerações

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e as paradas da corrida das analogias. Pode-se assim acumular até 20 desses adjetivos semafóricos. Eu chamo de adjetivo semafórico, adjetivo-farol ou adjetivo-atmosfera o adjetivo separado do substantivo, isolado até, entre parêntese, e assim transformado em uma espécie de substantivo absoluto, mais amplo e mais potente do que aquele propriamente dito. O adjetivo semafórico ou adjetivo-farol, suspenso no alto da jaula envidraçada dos parênteses, joga longe, e a toda volta, a sua luz giratória. O perfil desse adjetivo se esgarça, se espalha ao redor, iluminando, impregnando, e envolvendo toda a zona de palavras liberdade. Se, por exemplo, em um aglomerado palavras em liberdade que descreve uma viagem marítima, eu coloco os seguintes adjetivos semafóricos entre parênteses: (calmo azul metódico rotineiro) não apenas o mar é calmo azul metódico rotineiro, mas o navio, seu maquinário, os passageiros, o que faço e meu próprio espírito são calmos azuis metódicos rotineiros.

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o são cate rações nã la c to e n d le s a io v h min m lirismo mente, as que para u pensável, pois, , o d Aqui, nova tu n o c is efendo, itivo é ind da a góricas. D o no infin rb mo uma ro róe o v c l o e , v o tá ic p m a â d a a in i , d e stitu p roda logias, con omo uma a c n o a d s n a o d d re em arros do tr todos os c stilo. e o ade d id c lo e v a pri

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no infin it bo

O verbo no infinitivo nega, por sí próprio, a existência da frase e impede que o estilo se estanque e se acomode em determinado ponto. Enquanto o verbo no infinitivo é redondo e escorregadio como uma roda, os outros modos e tempos verbais são triangulares, ou quadrados, ou ovais.

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Ono ma t

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Quando eu disse que “devemos cuspir no Altar da Arte a cada dia”, incitei os futuristas a libertarem o lirismo da atmosfera solene cheia de remorsos e de incensos que é usada para a chamada Arte com A maiúsculo. A arte com A maiúsculo constitui o clericalismo do espírito criativo. Incitava portanto os futuristas a destruir e ironizar as guirlandas, as palmas, e as auréolas, as molduras preciosas, as estolas e paludamentos, todo o vestuário histórico e o brique-a-braque romântico que constituíram grande parte da poesia até hoje. Propunha, em seu lugar, um lirismo rapidíssimo, brutal e imediato, um lirismo que para todos os nossos antepassados deve parecer

sinais m a te

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s ico át m


antipoético, um lirismo telegráfico, que não tenha absolutamente nenhum gosto de livro, e, tanto quanto possível, tenha gosto da vida. Daí, a introdução corajosa de acordes onomatopaicos para reproduzir todos os sons e ruídos, até os mais cacofônicos, da vida moderna. A onomatopéia, que serve para animar o lirismo com elementos crus e brutais da realidade, foi usada na poesia (de Aristófanes a Pascoli) mais ou menos timidamente. Nós, futuristas, iniciamos o uso audaz e contínuo da onomatopéia. Isso não deve ser sistemático. Por exemplo, meu Adrianopoli Assedio — Orchestra e minha Battaglia Peso + Odore exigiram muitos acordes onomatopaicos. Sempre com o intuito de atingir o máximo de vibrações e uma mais profunda síntese da vida, nós abolimos todas as conexões estilísticas, todas as fivelas brilhantes com as quais os poetas tradicionalmente ligam as imagens em seu fraseado. Usamos ao invés disso brevíssimos ou anônimos sinais matemáticos e musicais, e colocamos entre parênteses instruções como: (rápido) (mais

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rĂĄpido) (desacelerando) (dois tempos) para ajustar a velocidade do estilo. Estes parĂŞnteses podem tambĂŠm cortar uma palavra ou um acorde onomatopaico.

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Re

volução tipográfica Eu início uma revolução tipográfica que se dirige contra a brutal e nauseante concepção do livro de versos passadista dannunziana, o papel feito a mão seiscentesco, engalanado de ornatos, minervas e apolos, de capitulares vermelhas recamadas, hortaliças mitológicas, fitas de missais, epígrafes e números romanos. O livro deve ser a expressão futurista de nosso pensamento futurista. Não apenas. Minha revolução se dirige à assim chamada harmonia tipográfica da página, que é contrária ao fluxo e refluxo, aos saltos e solavancos do estilo que corre na própria página. Usaremos portanto, em uma mesma página, três ou quatro cores diferentes de tinta, e até mesmo 20 tipos diferentes de letras. Por exemplo: itálico para uma série de sensações similares ou velozes,

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>>>


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negrito para as onomatopéias violentas, etc. Com esta revolução tipográfica e esta variedade multicolorida de caracteres eu me proponho redobrar a força expressiva das palavras. Combato a estética decorativa e preciosa de Mallarmé e sua busca pela palavra rara, pelo adjetivo único e insubstituível, elegante, sugestivo, delicioso. Não quero sugerir uma idéia ou uma sensação com graça ou afetação passadista: quero, isso sim, agarrá-los brutalmente e atirá-los com força no peito do leitor. Combato também o ideal estático de Mallarmé, com esta revolução tipográfica que me permite dar às palavras (já livres, dinâmicas e bélicas) todas as velocidades, aquelas dos astros, das nuvens, dos aeroplanos, dos trens, das ondas, dos explosivos, dos glóbulos da espuma marítima, das moléculas, e dos átomos. Realizo assim o 4º princípio do meu Primeiro Manifesto do Futurismo (20 de fevereiro de 1909): “Nós afirmamos que a magnificiência do mundo foi enriquecida por uma nova beleza: a beleza da velocidade”.

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>> Lirismo multili n e a Idealizei também o lirismo multilinear, com o qual consigo obter aquela simultaneidade lírica que assombra até mesmo os pintores futuristas, lirismo multilinear através do qual estou certo de poder obter as mais complexas simultaneidades líricas. O poeta lançará, sobre várias linhas paralelas, várias cadeias de cores, sons, cheiros, ruídos, pesos, espessuras, analogia. Uma dessas linhas poderá ser, por exemplo, cheirosa, outra musical, outra pictórica. Vamos supor que a cadeia das sensações e analogias pictóricas domine as outras cadeias de sensações e analogias: neste caso, ela será impressa com caracteres mais espessos do que os da segunda e da terceira linha (uma delas contendo, por exemplo, a cadeia de sentimentos e analogias

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musicais, e a outra a cadeia de sensações e analogias olfativas).

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Dada uma página que contém muitos feixes de sensações e analogias, cada um dos quais é composto por 3 ou 4 linhas, a cadeia das sensações e analogias pictóricas (impressa com caracteres negritos) formará a primeira linha do primeiro feixe, e continuará (sempre com os mesmos caracteres) na primeira linha de cada uma dos outros feixes. A cadeia de sensações e analogias musicais (2ª linha), menos importante do que a cadeia de sensações e analogias pictóricas (1ª linha), mas mais importante do que aquela das sensações e analogias olfativas (3 ª linha), será impressa com caracteres menos pesados do que aqueles da primeira linha e mais pesados do que os da terceira.

^ ^+ + +

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Ortografia livre

E

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r es s i va

A necessidade histórica da ortografia livre expressiva é demonstrada pelas sucessivas revoluções que têm cada vez mais liberado das amarras e das regras o poder lírico da raça humana.

1

De fato, os poetas começaram por canalizar sua embriaguez lírica em uma série de sopros iguais com acentos, ecos, toques ou rimas pré-estabelecidas com durações fixas (métrica tradicional). Os poetas depois alteraram com certa liberdade estes sopros medidos a partir dos pulmões dos poetas anteriores.

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O s poetas, mais tarde, sentiram que os diferentes momentos de sua embriaguez lírica deveriam criar sopros adequados com diversas e inesperadas, durações, com absoluta liberdade de acentuação. Chegaram assim ao verso livre, mas sempre mantendo a ordem sintática das palavras, para que a embriaguez lírica pudesse escorrer dentro do espírito do ouvinte, pelo canal lógico da sintaxe.

3

Hoje não queremos mais que a embriaguez lírica disponha sintaticamente as palavras antes de lança-las com os sopros por nós inventados, e temos as palavras em liberdade. Além disso, a nossa embriaguez lírica deve livremente deformar, reformular as palavras, cortandoas, estendendo-as, reforçando o centro ou as extremidades, aumentando ou diminuindo o número de vogais e consoantes. Teremos, assim, a nova ortografia, que eu chamo de livre expressiva. Esta deformação instintiva das palavras corresponde à nossa tendência natural para a onomatopéia.

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+ + + + + +

Pouco importa se a palavra deformada se torna equivocada. Ela vai se casar com os acordes onomatopaicos, ou resumos de ruído, e nos permitirá chegar logo a um acorde onomatopaico psíquico, expressão sonora mas abstrata de uma emoção ou de um pensamento puro. Objetouse que as minhas palavras em liberdade, a minha imaginação sem fios, requerem declamadores especiais, sob pena de não serem compreendidas. Embora o entendimento de muitos não me preocupe, responderei que os declamadores futuristas estão se multiplicando, e que também qualquer poema tradicional admirado demanda, para ser saboreado, um declamador especial.

30



Tradução de Distruzione della sintassi / Immaginazione senza fili/ Parole in libertà (1913), por Priscila Farias (2011). Projeto gráfico produzido por Maelle Cleys, utilizando as fontes tipográficas Maven Pro, Venera, Nougatine e Stroke. Impresso em São Paulo, 2013.




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