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O que é a AMPA?

AMPA- Área Marinha Protegida das Avencas

O que é a AMPA? Localizada em Cascais, a AMPA - Área Marinha Protegida das Avencas - adquire este estatuto sobretudo pela ampla biodiversidade da fauna autóctone, que coabita com a ação antropogénica típica de uma zona balnear e costeira. A fragilidade dos ecossistemas litorais deve-se à instabilidade dos fatores físicos e químicos a que estão naturalmente sujeitos, mas são as pressões de origem antropogénica - o pisoteio excessivo, a pesca/ caça submarina de bivalves e as alterações climáticas - o alvo das medidas de proteção implementadas na praia das Avencas. O que torna a sua biodiversidade tão singular?

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De entre os ecossistemas num sistema litoral, a singularidade da plataforma intertidal (entre marés) destaca-se: a instabilidade característica não os torna apenas mais vulneráveis, mas também mais ricos! Por serem a interface ambiente terrestremarinho, permitem a coexistência espacial de uma multiplicidade incomum de habitats. A adicionar à proximidade do areal emerso com o mar - o efeito das marés, principal critério de zonação do intertidal.

O INFRALITORAL

Caracteriza-se pela submersão constante, situando-se entre da linha da baixa-mar e a profundidade que seja compatível com a subsistência de algas fotófilas.

O SUPRALITORAL

Acima da linha da preia-mar, apenas as águas de escorrência, as gotas das ondas ou as extremas marés sazonais (marés vivas e tempestades) são exceção ao seu estado de emersão habitual. O elevado grau de dessecação e outros parâmetros extremos restringem a comunidade deste biótopo. O MÉDIOLITORAL

Encaixada entre as linhas superior e inferior da maré, o seu efeito observa-se exclusivamente nesta zona.

Que consequências para a fauna do médiolitoral poderá ter?

Localização: Área Marinha Protegida das Avencas Autor: Mariana Branco

A Geomorfologia da AMPA

A AMPA é uma plataforma intertidal singular - o substrato de natureza rochosa, de composição variada (filões basálticos e substrato calcário), cria grande variedade de habitats por promover a formação de enclaves (fendas e poças), que não se encontram em zonas intertidais arenosas.

O médiolitoral é o principal palco da variação nos parâmetros físico-químicos [1], não só sazonal (comum aos ecossistemas temperados) mas circadiana:

•A humidade e disponibilidade de água (ou o grau de dessecação); •A salinidade; •A temperatura; •E o impacto mecânico das ondas.

Disto resulta a sua vasta e variada comunidade biológica, cuja composição se baseia na versatilidade característica da fauna médiolitoral - estes organismos apresentam adaptações morfológicas, fisiológicas e comportamentais únicas e polivalentes

Porquê estudar a AMPA?

As evidências da modelação mútua entre ambiente e seres vivos também se encontram no supralitoral e no infralitoral. Note-se que além das adaptações animais, explicadas pelas condições ecológicas a que estão sujeitos, a composição e atividade biológica da comunidade intertidal são critérios para a zonação.

A topografia da AMPA, nomeadamente pelos seus enclaves, possibilita a observação de elementos da comunidade infralitoral, de modo prático e expedito - e sem obter a carta de mergulhador!

De um modo global, o estudo da biodiversidade nas zonas intertidais oferece oportunidades únicas para compreender a morfologia e fisiologia dos organismos, além de evidenciar claramente que a distribuição biológica não se explica pelo acaso - todos habitamos o local certo, à hora certa.

Onde estou? Fauna do supra e médiolitoral

Fig. 1 Verucaria maura Por: C. Sulots Verucaria maura

Encontrada desde a zona supratidal e até ao médiolitoral, próxima dos povoamentos de lapas, a Verrucaria maura (Fig. 1) assemelha-se mais a uma mancha de óleo negro na rocha do que a uma associação simbiótica viva, entre fungos e fotobiontes (algas ou bactérias fotossintéticas). Contrasta com a cor clara do arenito calcário das falésias, sempre expostas a luz solar e à elevada dessecação. Poder-se-ão apontar a distintiva melanização, pela função antioxidante da melanina [2], e a simbiose, enquanto estratégia nutricional, como mecanismos de resposta ao stress ambiental supratidal.

Melaraphe neritoides

Alimentando-se de líquens pretos e detritos, encontram-se frequentemente muito acima do limite da preia-mar, em fissuras na rocha que conservem a humidade ou mesmo expostas às temperaturas extremas e intensa luz solar. O stress térmico e osmótico diurno são, de facto, promotores de adaptações comportamentais curiosas na Melarhaphe neritoides (Fig.2) - a agregação em grupos reduz o impacto da dessecação, a par com a secreção de uma estrutura de muco que lhes permite fixarem-se, penduradas, ao substrato quente evitando ou minimizando o contacto e a consequente acumulação de calor por condução. O opérculo, parte do pé que cobre a abertura da concha, surge nos gastrópodes e noutros clades de animais também como estratégia de conservação da humidade interna.

Fig. 2 Melaraphe neritoides Por: Patrícia Martins Fig. 3 Patella vulgata Por: Patrícia Martins Patella vulgata

Também conhecida vulgarmente como lapa, esta espécie vive no médiolitoral. É uma espécie séssil que vive agregada às rochas, e alimentase maioritariamente de algas que crescem no substrato (Fig.3). Têm uma concha protetora que possibilita a sua aderência às rochas, e têm adaptações que lhes permitem absorver a água e manterem-se húmidos, o que permite a sua sobrevivência durante os períodos de maré baixa.

À boleia! Muito frequentes sobre as conchas, estas pequenas estruturas calcárias foram outrora a casa de anelídeos em desenvolvimento que, tal como as sésseis cracas, aproveitam a subtil mobilidade da lapa, beneficiando da boleia.

Octopus Vulgaris

De nome comum Polvo podemos encontrá-lo nas poças dos enclaves, mais especificamente, em poças mais abrigadas e onde não exista tanta luz. A morfologia do Polvo é algo que está bem presente na nossa memória. Quando pensamos no Polvo associamos a imagem de um animal com longos braços cobertos de ventosas, estes permitem a locomoção do animal na água como também agarrar a presa. As suas ventosas ajudam-lhe a andar sobre as rochas e a fixar melhor o alimento. Para além disso, este animal possuí uma extraordinária capacidade de camuflagem. (Fig.4)

O que é a camuflagem e como é conseguida?

A camuflagem é o que permite a este animal se confundir com o ambiente sendo uma das estratégias utilizadas pelo Polvo para se proteger dos seus predadores como também da captura da sua presa é apanhada de surpresa. Neste caso a presa não tem qualquer hipótese de escapatória já que o Polvo é um animal muito dotado com uma grande agilidade motora e rapidez para além de possuir uma grande inteligência. As células da pele dos Polvos que possuem pigmentos capazes de refletir a luz a estas células dá-se o nome de cromatócitos. Estas células podem também ser encontradas em vários outros grupos de animais como nos peixes, anfíbios e reptéis Fauna do infralitoral

Curiosidade

As estrelas do mar conseguem enrigecer o seu endoesqueleto dependendo da sua situação. Quando sob algum tipo de stress ou ameaça, estas segregam uma enzima que enrigece o endosqueleto.

Fig. 5 Actiniaria Por: Maria Leonor Bezerra

Actiniaria

As anémonas (Fig.5) são animais subaquáticos característicos do infralitoral e apresentam cavidade gastrovascular septada, o que lhes permite uma maior área de absorção de alimento que se encontra em suspensão na água envolvente.

Fig. 6 Asteroidea Por: Maria Leonor Bezerra Asteroidea

Conhecidas comumente como estrelas-do-mar, estas localizam-se no andar infralitoral rentes ao solo, e tal como todos os outros animais marinhos apresentam adaptações que lhes permitem viver em ambientes subaquáticos. (Fig. 6) No seu ciclo de vida apresentamse, no primeiro estágio, em forma de larva planctónica o que lhes permite uma mais eficiente dispersão da descendência. Apresentam pés ambulacrários na face oral que não só ajudam na locomoção, como na deteção e alimentação das presas e apresentam ainda uma capacidade rara de regeneração que lhes é possível pois não apresentam cérebro e por isso conseguem regenerar o seu corpo a partir de um simples braço.

Sabellaria alveolata

São pequenos vermes marinhos, com aproximadamente 5 cm de comprimento, pertencentes ao Filo Annelida, da Classe Polychaeta. Um facto curioso sobre estes animais é que são responsáveis pela construção de recifes biogénicos nas praias rochosas, na zona intertidal. Muitos destes recifes chegam a atingir vários metros em toda a sua extensão e consistem num aglomerado de tubos cilíndricos feitos a partir de grãos de areia minuciosamente posicionados pelas poliquetas sendo o local onde residem e se alimentam. Estes recifes servem de habitat a outros organismos como, por exemplo, crustáceos, poliquetas e algas. Geralmente, a cada orifício corresponde a um tubo onde habita um animal. Estes recifes são ricos em biodiversidade e por esse motivo tornam-se um habitat bastante apelativo aos mais diversos predadores dos animais que neles habitam: Aves, Crustáceos e Peixes. Por todas estas razões podemos constatar o papel vital dos Sabellaria alveolata (Fig.7) na cadeia trófica e dinâmica dos ecossistemas costeiros intertidais.

Que detalhes sobre a Evolução poderão esconder as interações biótico-abiótico?

Que pistas fornecerá o clima acerca da morfologia, fisiologia e etologia de um organismo?

A zonação da AMPA resulta da conjugação de diversos fatores ecológicos, subjugados igualmente à sazonalidade característica de climas temperados, nos quais se insere o clima Mediterrânico do continente português. Com base na semelhança de pressões seletivas, existem características adaptativas transversais aos organismos que partilham o mesmo clima, tal como aos que partilham o mesmo nicho ecológico/ área geográfica, num fenómeno designado por simpatria.

Desta ótica, o clima atua como modelador de uma identidade morfológica, fisiológica e etológica única e distintiva da fauna encontrada em habitats da mesma zona do globo, manifestada por um conjunto de ferramentas analogamente esculpidas ao longo da Evolução, com vista à vantagem seletiva perante fatores ambientais semelhantes. Sendo a adaptação ao respetivo clima que justifica, em parte, a distribuição geográfica de uma espécie, toda a biodiversidade animal encontra-se no local certo, à hora certa.

Tantos climas - porquê?

Apesar da complexidade aparente, a latitude é o único determinante do clima experienciado em dada região. O clima refere-se à variação média das condições atmosféricas, sendo (mais ou menos) estável e, portanto, previsível - variando numa amplitude sensivelmente fixa, podemos definir padrões climáticos latitudinais.

Ademais, na base desta variação latitudinal estão três propriedades triviais do nosso planeta - a sua forma tridimensional, a rotação sobre si próprio e o desvio angular do respetivo eixo rotacional [5]. Conjugados, explicam a co-variação da temperatura e precipitação com a localização geográfica relativa ao Equador a latitude.

Assim, porque é que o clima desértico se caracteriza por temperaturas quase inóspitas? Porque parece a precipitação ser atraída para os trópicos? A sazonalidade é apanágio dos climas temperados? A resposta reside nos fatores supramencionados:

• A forma esférica do planeta implica uma influência latitudinal sobre o ângulo de incidência da radiação solar e a consequente quantidade de calor absorvido pela atmosfera nessa região do globo, além de determinar a área pela qual este calor se dispersa - ora explicando porque se acumula o gelo nos polos e os turistas nas Caraíbas. • Contudo, a intensidade da radiação solar sobre a superfície terrestre não explica totalmente a variação latitudinal da temperatura, residindo na distribuição preferencial de calor pelas correntes oceânicas as diferenças significativas entre os invernos de alguns estados norte-americanos e os portugueses, ainda que partilhem a mesma latitude. Também os padrões de precipitação são moldados pela forma esférica do planeta - o input variável de radiação solar gera as células de convecção atmosféricas que os justificam. •O ar aquecido sob o Equador ascende e é sobre os trópicos que a humidade condensada nas massas frias precipita criando os períodos extremos da monção e a perene humidade tropical, bem como a extrema secura nas latitudes subtropicais, ou desérticas. Uma outra célula convectiva é responsável por um fenómeno análogo a latitudes superiores , entre climas temperados e polares. Como expectável, a precipitação típica dos primeiros cria nas latitudes a cerca de 90° climas secos – naquilo que se poderá chamar “deserto gelado”. • Já a sazonalidade - da temperatura e da duração do dia - varia num gradiente e advém do desvio angular de 23.5° no eixo rotacional terrestre. A disparidade de radiação solar efetiva anual verifica o seu extremo nas latitudes superiores considere-se o dia e noite com duração de seis meses nos polos - destacandose, numa ponta do espetro, as regiões temperadas e as suas quatro estações bem definidas, em oposição às equatoriais, caracterizadas pela relativa estabilidade atmosférica ao longo do movimento translacional da Terra. 8

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