Vol2 TCC Eu-Rascunho. Maína Fantini, 2013.

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Eu-Rascunho



Este volume é resultado da pesquisa realizada em meu trabalho de conclusão de curso no Bacharelado em Fotografia do SENAC (2013). Este material traz fotografias e textos produzidos entre 2010 e 2013, criações que foram influenciadas por diversas experiências pessoais que, nos últimos anos, assumiram enorme força enquanto temática no meu processo criativo; estas experiências também influenciaram, claro, as mais variadas opções que fiz durante esse processo e também geraram um tempo bastante particular no desenvolvimento deste trabalho. Mas deve ficar claro que o que trago aqui não são precisamente elementos autobiográficos, apesar das influências que mencionei acima: minhas experiências foram trazidas a partir de uma complexa construção de elementos, por exemplo, na escolha das palavras, na organização das palavras, na organização dos elementos do quadro fotográfico e sobretudo na performatividade que a fotografia permite. A partir de inúmeros autorretratos, venho explorando meu próprio corpo como instrumento de expressão: através de uma ampla dramaticidade, busco que as imagens carreguem uma densidade tal que tirem o espectador de sua região de conforto, espectador este que transitará entre a fotografia, o olhar, a interpretação e as correlações que fará com as próprias experiências, num ir-e-vir entre ficção e a realidade. Maína Fantini (2013)


Da série Medos Imaginários. 2012.


Da série Medos Imaginários. 2012.



Da série Medos Imaginários. 2012.


Poema sobre o nada Publicado em junho 6, 2013.

Não havia mais início. Não havia mais meio. Não havia mais fim. Não havia nada.

Branco.

Cresci vazio. Nasci e morri. Nascia e morria. Todo dia. Não havia meio. Não havia meio. Branco.


Sem tĂ­tulo. 2013.



Da série Medos Imaginários. 2012.


Da série Medos Imaginários. 2012.


Imagem Publicado em março 13, 2013.

Quando vejo esse espelho sem brilho, não sei se me vejo. Parece que busco outra pessoa. Ao olhar para o espelho do outro, encontro mais identificação que em mim mesmo. Talvez porque, quando olho para esse espelho sem brilho do outro, enxergo que ele mesmo também não se encontra. E o compreendo. Quando o compreendo, dele me aproximo. Quando me aproximo, ali me vejo.


A história de um Natal Publicado em janeiro 8, 2013.

Natal é nascimento. No dia 24 de dezembro de 2012 duas mulheres se arrumam, saem de casa, seguem cada uma o seu cordão umbilical e chegam ao que ainda esperam ser o útero. Neste dia, apesar da esperança que existe em seus corações, histerectomias. Natal também é morte. As duas mulheres voltam crianças sem nutrição e sangrando. Elas se olham, choram e decidem: Natal é renascimento. E voltam a ser mulheres.


Histerectomia. 2013.



VĂ­nculo. 2013.


Labirinto Publicado em maio 5, 2013.

Fiz as malas. Não saí, entrei. Carreguei o que podia: deixei o que era pesado e trouxe leveza. No caminho, encontro. Olhei para fora, olhei para dentro e, quando me dei conta, era olhada. Desviei-me do primeiro olhar; no segundo, me perdi. Iniciou-se um percurso labiríntico. Cada vez mais eu entrava e, quanto mais me encontravam, mais eu me perdia. Eu quis me entregar ao labirinto. A cada passo que eu dava, uma parte de mim ficava; a cada passo que eu dava, mais me preenchia. Na mala, lembrança; no caminho, rastro; em quem me encontrava, beleza; em mim, certeza. Nove dias, oito noites, da anestesia à sinestesia; das beiras às profundezas. Andando como quem sonha, acordei. Olhei ao redor, estava sozinha; olhei para frente, vi a saída. Hesitei… Olhei para trás: quem me encontrava, já não estava lá. Saí, não me encontrei mais.


Labirinto. 2013.



Contrato. 2013.


O tempo e a criação Publicado em abril 2, 2013.

É verdade que pelo menos uma vez por mês penso que meu processo criativo está estagnado. É verdade também que às vezes, mas com menor frequência, eu penso que a estagnação é um processo irreversível. Mas melhoradas as condições ao redor, que acredito que eu mesma permita que sejam melhoradas, e que fazem com que eu consiga ver as coisas com mais positividade, tudo volta a fluir novamente. Talvez nesse sentido, os conflitos emocionais sejam mais bloqueadores da criatividade do que motores. É verdade também que nos últimos tempos, embora tenha variado entre momentos de produção e aparente estagnação, não criei boa parte do que eu gostaria. Mas aí se coloca outra questão: ter o potencial, poder criar (no sentido mesmo de dar forma à ideia), mas não dispor de tempo ou energia para fazê-lo.


Da série Medos Imaginários. 2012.


Da série Não Siso. 2011.


Da série Não Siso. 2011.


Da série Medos Imaginários. 2012.


Da série Medos Imaginários. 2012.



Meus Dem么nios. 2010.



Da série Não Siso. 2011.


Ensaio sobre o abandono Publicado em dezembro 24, 2012.

Aquecimento. Plié. Degagé. Croisé devant. Croisé derrière. Pirouette. Agradecimentos. Alongamento final. Anotações sobre o que melhorar no próximo ensaio.


Da sĂŠrie Ensaios sobre o Abandono. 2013.


Da sĂŠrie Ensaios sobre o Abandono. 2013.


Da sĂŠrie Ensaios sobre o Abandono. 2013.


Da sĂŠrie Ensaios sobre o Abandono. 2013.


Impressões sobre meio dia. Ensaio sobre o abandono Publicado em março 11, 2013

Fui ao médico. Chovia. Havia trânsito. Eu num táxi com um motorista mudo e impaciente. Passou do lugar, caminhei alguns metros de volta. Aquela porta branca naquela casa antiga dava medo. Do lado de fora, uma mulher, certamente com mais medo que eu, fumava um cigarro enquanto tremia. Eu entrei, ela entrou. Na recepção, fila. No atendimento, atrás da recepcionista, um enorme quadro de cores tristes e contrastantes, uma imagem de Cristo. Triste ele. A moldura tristíssima também. A imagem parecia sugerir que ali não se salva. Na sala de espera, olhares. Eu sem cabelos, eles com muitos. Subi as escadas escuras e esperei mais um pouco. Ouço meu nome chamado com um erro de sílaba tônica, e isso foi o que houve de normal. O rapaz, médico – se diz ele -, mal olhou pra mim, eu olhei muito pra ele. Quando ele olhou, não gostou. Não olhou antes para mim certamente porque a tela do computador parecia mais radiante, apesar das cores com que eu me vestia. Não olhou pra mim depois também. Ouviu algumas palavras minhas, ouvi algumas palavras dele. Não confiamos um no outro, mas não contamos um pro outro; não contamos um com o outro. Eu, paciente. Mais que ele, médico. E isso foi a segunda coisa normal que aconteceu. Me deu três caixas de amostras grátis de um medicamento moderno, que saíram de dentro de um móvel antiquado de mogno, encostado a uma parede com um quadro impressionista e antiquado - que visto dali não me trazia boas impressões -, de molduras tão antiquadas quanto tristes também. Me deu as caixas e leu síla-ba a sí-la-ba o nome do medicamento; não me deu receita. Devia crer no meu analfabetismo, eu na ignorância dele. Disse: “agende o retorno”. Eu acenei com a cabeça e retornei para a rua. Frustração, lágrimas. Caminhei pela chuva e as gotas sobre a cabeça me pareceram vida. Peguei um ônibus, impaciente ele também. Desci com pressa. Pressa do quê? Não parece que há para onde correr. Parei, respirei, entrei num café e comprei um suco que se autodenomina “energia”. E estou aqui, colocando o suco para dentro enquanto escrevo essas poucas palavras para ver se não esqueço mais dessa história. Talvez eu jogue fora essas palavras; às vezes o esquecimento é bênção, dizem. Por enquanto, depositando esperança num suco.


Da série Medos Imaginários. 2012.


Solid達o a quatro. 2013.



Autorretratos sobre o Colapso. 2013.


A mulher sem memória. Publicado em janeiro 18, 2013

A mulher sem memória não tem casa. Constrói sua estrutura com tijolos tão frágeis que, todos os dias quando acorda, olha a parede que tentou erguer e só encontra buracos. Não há como repor os tijolos que se foram porque cada novo buraco é tão particular que nenhum novo bloco se encaixa. A mulher sem memória, todos os dias quando acorda, se lembra da fragilidade de sua casa. Essa mulher, todos os dias, depois que acorda, é questionada sobre a fragilidade de sua casa. Por que não se esforça para preencher os buracos? A mulher sem memória todos os dias se esforça, mesmo quando não há mais força, mesmo quando não se lembra do que é ter força. Mas todo novo material que experimenta para preencher as lacunas é feito de areia e a areia lhe escorre. A mulher chora e as lágrimas que também escorrem levam os poucos grãos que ainda restavam da areia que não conseguiu segurar. A mulher ainda chora. A mulher sem memória um dia acorda, olha para todos os buracos de sua parede e percebe que são fontes de luz. O desenho que cada feixe de luz que passa por cada fresta de sua parede frágil desenha sobre essa mulher é único e diferente a cada dia que ela acorda. A mulher se ilumina. A mulher sem memória um dia acorda, olha para os buracos em sua parede e percebe que são molduras. O mundo parece mais bonito quando observado através dos buracos, o mundo emoldurado nas paredes de sua casa. A mulher se enquadra. Um dia a mulher acorda e se dá conta da magia da fragilidade de sua casa. Ela acorda e esquece os buracos de sua parede. A mulher não chora mais.


Sem tĂ­tulo. 2013.


Eu-Rascunho. 2013.


Solid達o em Rascunho. 2013.



Da série Medos Imaginários. 2012.



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