Vol1 TCC Eu-Rascunho. Maína Fantini, 2013.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC - CAMPUS SANTO AMARO Maína Ortiz Fantini

Eu-Rascunho: Indagações sobre Meu Processo Criativo

São Paulo 2013



MAÍNA ORTIZ FANTINI

Eu-Rascunho: Indagações sobre Meu Processo Criativo

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário SENAC - Campus Santo Amaro, como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Fotografia. Orientadora: Profa. Tatiana Pontes.

São Paulo 2013


FICHA CATALOGRÁFICA

F216e Fantini, Maína Ortiz Eu-rascunho: indagações sobre meu processo criativo/ Maína Ortiz Fantini – São Paulo, 2013. 128 f. : il. color.

Orientadora: Prof.ª Tatiana Pontes Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Fotografia) – Centro Universitário Senac, São Paulo, 2013. 1. Arte 2. Autorretrato 3. Documentos de processo 4. Expressão 5. Fotografia I. Pontes, Tatiana (Orient.) II. Título CDD 770


FOLHA DE APROVAÇÃO Aluna: Maína Ortiz Fantini Título: Eu-Rascunho: Indagações sobre Meu Processo Criativo

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário SENAC - Campus Santo Amaro, como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Fotografia. Orientadora: Profa. Tatiana Pontes.

A banca examinadora dos Trabalhos em Conclusão em sessão pública realizada em ___/ ___/ ___, considerou a canditada:

1) Examinador (a) 2) Examinador (a) 3) Presidente



AGRADECIMENTOS A minha família, que acima de qualquer coisa, me permitiu existir para que assim, etapa a etapa, eu passasse a me configurar em um rascunho, em constante metamorfose. Agradeço também pelo apoio nos momentos difíceis e por permitirem que eu conseguisse chegar a essa etapa de ampla realização pessoal. Aos amigos Vanessa Fort, Suzan Kruszynski, Luciana Rizzo, Rodrigo Garcia Amorim pelo incentivo, por acreditarem que esse caminho era possível, pela compreensão, encorajamento e por alguns empurrões que foram necessários. E também a Eduardo Valença e Cristiane Ramalho pelo imenso suporte, associado a um acréscimo de esperança em mim e consequentemente nos meus projetos. Aos colegas do curso técnico em Fotografia e deste bacharelado, que muito colaboraram para a construção do conteúdo que saio carregando a partir daqui, além de terem contribuído para o amadurecimento do meu olhar. Um agradecimento importantíssimo e carinhoso a Thiago Salas Gomes, que tem sido um companheiro mais que especial nestes últimos meses e que tem aguentado com paciência todas as turbulências e incertezas desta etapa da vida. Ao meu pequeno amigo mais que fiel Giba. E meu mais sincero agradecimento à minha orientadora Tatiana Pontes, que acreditou nesse projeto e me auxiliou muitíssimo a visualizar e iluminar meus horizontes. Obrigada.



RESUMO O processo criativo do artista é um campo ainda cheio de pontos obscuros a serem compreendidos. A crítica genética, que tem origem em 1968 na França, iniciou seus estudos sobre materiais literários de alguns escritores, principalmente a partir de manuscritos por eles deixados. Compreendida a importância desses rastros deixados pelos artistas, estes estudos ampliaram-se e passaram a abarcar obras nos mais diversos campos artísticos, a partir da análise de índices que atualmente denominam-se documentos de processo. Sobre este terreno é que este trabalho se desenvolveu: esta pesquisa destina-se à análise do processo criativo em geral, utilizando como referência principal os estudos de Cecilia Almeida Salles; e, posteriormente, do meu em particular, a partir da análise de documentos e imagens fotográficas (autorretratos) que venho acumulando desde 2009 sobre o tema das minhas angústias pessoais. Também analisamos como se dá a expressão através da fotografia, debruçando-nos principalmente sobre questionamentos referentes à produção de autorretratos. Palavras-chave: arte, autorretrato, documentos de processo, expressão, fotografia, processo criativo.



Este trabalho já se inicia com um viés: o viés da minha interpretação. Maína Fantini, 2013.



SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................17 A COMPLEXIDADE DO PROCESSO CRIATIVO ................................23 1.1. O papel da memória no ato criador ...............................................37 1.1.1. A memória particular do indivíduo .............................................38 1.1.2. Cultura, memória e as escolhas do artista ..................................40 1.1.3. A memória materializada (os documentos de processo)...............42 1.2. As angústias pessoais como motor para a criação ..........................47 1.3. A expressão através dos símbolos ...................................................52 A FOTOGRAFIA COMO EXPRESSÃO .................................................57 2.1. O meu processo: Indagações .........................................................59 2.2. Fotografia-Arte: Natureza versus Construção ................................59 2.3. A Autorrepresentação: por que utilizar o autorretrato? ..................63 2.4. Autorretrato e Performance ...........................................................80 2.5. A Construção de uma Linguagem Pessoal .....................................86 O PROCESSO CONTINUA ................................................................113 LISTA DE FIGURAS ..........................................................................119 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................125



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INTRODUÇÃO



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O presente trabalho tem com principal objetivo analisar de que forma se opera o processo criativo na produção da obra artística, com base em estudos de crítica de processo, principalmente fundamentados nos escritos da pesquisadora Cecília Almeida Salles. O processo criativo é uma complexa rede de interações, na qual ocorrem influências internas (do próprio artista) e externas (do ambiente no qual ele se insere), acasos, descontinuidades, retomadas de escolhas que haviam sido deixadas para trás e, para melhor entender esse processo, é necessário compreender a importância dos rastros que o artista deixa durante a construção de sua obra, como esboços, rascunhos, anotações, experiências. A motivação dessa pesquisa deu-se pelo fato de que venho produzindo, desde 2009, fotografias cuja temática gira em torno de minhas angústias pessoais. Surgiu então o interesse de estudar de forma mais aprofundada o processo criativo em geral, e depois o meu em particular, partindo do pressuposto de que estudar meu processo de criação poderia auxiliar a aprimorar o desenvolvimento de meu trabalho autoral. Além disso, buscamos entender se as angústias pessoais poderiam funcionar como motor para a criação. No primeiro capítulo, então, realizou-se uma análise do processo criativo a partir da compreensão de sua complexidade. Iniciamos abordando a questão de como se diferencia o fazer humano do fazer artístico especificamente, utilizando como ponto de partida a análise de Luigi Pareyson em Os Problemas da Estética. A seguir, para discutir o processo criativo como rede e as suas diversas possibilidades de interação, e também o papel dos documentos de processo, as principais bases teóricas utilizadas foram as publicações de Cecilia Almeida Salles, já citada anteriomente, e uma das principais pesquisadoras brasileiras em crítica de processo. Também discutimos neste capítulo o papel da memória no ato criador (memória particular; memória enquanto cultura; memória da obra) e como pode se dar a expressão do artista através de símbolos - a partir dos quais o artista transfere seus conteúdos internos para uma


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materialidade sobre a qual desenvolverá seu objeto artístico. Utilizamos aqui, como referência, estudos de Fayga Ostrower, autora de Criatividade e Processos de Criação e também alguns escritos de Carl Gustav Jung. No segundo capítulo estudamos especificamente a expressão fotográfica, partindo de indagações pessoais para então analisar a fotografia como construção de uma nova ‘realidade’, em oposição a uma fotografia que apreenderia a natureza e carregaria uma ‘verdade’, utilizando principalmente estudos de François Soulages e Joan Fontcuberta. Posteriormente entramos em maior detalhe nas questões e mistérios referentes ao autorretrato fotográfico, fazendo correlações entre minha obra pessoal e trabalhos de outros fotógrafos contemporâneos mais consagrados, tentando traçar alguns paralelos, e utilizando como referência principalmente textos de Margarida Medeiros presentes em seu livro Fotografia e Narcisimo: o auto-retrato contemporâneo. Ainda com base nesta autora, tratamos também da fotografia enquanto possibilidade de performance e metamorfose do sujeito e, por fim, falamos da construção da linguagem pessoal de cada artista, utilizando referências diversas como François Soulages, Merleau-Ponty, Cecília Almeida Salles, João Cabral de Melo Neto etc, pensando em algumas repetições que se apresentam nas opções dos artistas em seus trabalhos; neste ponto, fizemos também uma breve análise da obra de Francesca Woodman e também de meu trabalho pessoal.




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A COMPLEXIDADE DO PROCESSO CRIATIVO

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Para iniciar esse estudo, primeiro é preciso justificar o por quê de falar em complexidade quando tratamos do processo criativo. Os estudos da complexidade começaram a ser realizados por Edgar Morin em torno de questões sobre as ciências humanas, com ênfase na educação, partindo da ideia de que não era possível pensar o indivíduo e suas relações de forma determinista, tratando de causas e consequências de forma ‘linear’, com fins já determinados desde o começo. (...) Nenhum ser vivo pode viver sem seu ecossistema, sem seu meio ambiente. Isto quer dizer que não podemos compreender alguma coisa de autônomo, senão compreendendo aquilo de que ele é dependente. O que determina também uma revolução no pensamento, pois o conhecimento ideal implicava fechar inteiramente um objeto, e pesquisá-lo exaustivamente. Isto ainda é o ideal das teses de doutorado que, em geral, são tão estéreis por esta razão (MORIN in PENA-VEGA; PINHEIRO DE ALMEIDA, 1999: 25)

Os estudos da complexidade, que se estenderam a diversas áreas do conhecimento, levaram a pensar os fenômenos como uma rede, de forma não-linear, ocorrendo a partir de inúmeras interações. Cecilia Almeida Salles vai utilizar a ideia de rede para desenvolver seus estudos sobre o processo de criação, e é sobre essa ideia que também se desenvolve este presente trabalho. (...) Temos a impressão de estar diante de um novo paradigma, ligado, sem dúvida, a um pensamento das relações em oposição a um pensamento das essências. Incorporo, desse modo, também o conceito de rede, que parece ser indispensável para abranger características marcantes do processo de criação, tais como simultaneidade de ações, ausência de hierarquia, não linearidade e intenso estabelecimento de nexos. Este conceito reforça a conectividade e a proliferação de conexões, associadas ao desenvolvimento do pensamento em criação e ao modo como os artistas se relacionam com seu entorno (SALLES,


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2008: 19).

Tendo isso claro, vamos falar do artista, que é um indivíduo em busca do desenvolvimento de um potencial e sua realização através da criação. A criação é um fazer através do qual o artista se realiza e se preenche; mas é importante perceber que essa necessidade de realização de um potencial reside em todo indivíduo. Para Pareyson (1997: 22), a arte é expressão, mas não se pode esquecer que todas as operações humanas são expressivas. Então, o que diferencia o fazer humano do fazer artístico, se em toda obra - como ação de construção em geral, não somente enquanto produção artística - o homem se expressa? A obra de arte é, por muitos autores, considerada um objeto autônomo: o artista, a partir de suas inquietações, busca expressar-se e comunicar-se através de uma forma, que adquire significado e, a partir daí, uma ´vida própria´. Para Pareyson (1997), “(...) a obra de arte é expressiva enquanto é forma, isto é, organismo que vive por conta própria e contém tudo quanto deve conter” (PAREYSON, 1997: 23), e continua: “A arte propriamente dita é a especificação da formatividade, exercitada, não mais tendo em vista outros fins, mas por si mesma” (PAREYSON, 1997 : 32). Embora a arte seja considerada um objeto autônomo, acredita-se que seu significado se completa a partir da significação que cada receptor dá à obra: a obra oferece possibilidade de comunicação, de troca de algum tipo de experiência, de relação intersubjetiva. No vídeo denominado Processo Criativo1, um curta-metragem documentário, fruto de um projeto experimental desenvolvido em 2011 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o artista plástico Heleno Bernardi faz uma distinção entre a obra de arte e o produto publicitário conforme é recepcionado: na publicidade, busca-se uma leitura única para todos os receptores; em 1 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=TeNjbaFTzaE. Visualizado em 08 de abril de 2013.


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arte, a diversidade de compreensões na recepção poderia tornar a obra ainda melhor. (...) A obra de arte é uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivem num só significante. Esta condição constitui característica de toda obra de arte (...) (ECO, 1971: 22).

Bernardi também faz uma análise interessante sobre a diferença de motivação da publicidade e das artes plásticas (o que pode ser estendido para as outras artes também): em publicidade, a motivação da criação seria coletiva (cliente, público, publicitário, etc); nas artes plásticas, embora o artista possa estar totalmente conectado com seu contexto social e seu tempo, a motivação é pessoal. Outro ponto importante que é discutido neste curta-metragem é que a ideia (“inspiração”) provém do trabalho, está mesclada com o fazer, e não ‘cai do céu’, mito que sempre se coloca sobre a criação do artista. O que temos que expressar já existe em nós, é nós, de forma que trabalhar a criatividade não é uma questão de fazer surgir o material, mas de desbloquear os obstáculos que impedem seu fluxo natural (NACHMANOVITCH, 1990: 21).

Neste sentido também, Salles (2008) afirma que, sendo o pensamento relacional, no qual “há sempre signos prévios e futuros”, a criação não se dá como uma “inexplicável revelação sem história” (p.27), ou seja, não vem de uma inspiração mágica que aparece aleatoriamente. A obra é fruto de um movimento criador, que surge a partir de múltiplas influências. E qual a importância da expressão do artista? Não se pode desvincular o tempo de criação das obras com o tempo


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de autocriação. O grande projeto do artista imerso em sua cultura e tradição, é vinculado a suas necessidades, paixões e desejos. Trata-se de um conjunto de comandos éticos e estéticos, ligados a tempos e espaços com fortes marcas pessoais. O percurso criador, ao gerar uma compreensão maior do projeto, leva o artista a um conhecimento de si mesmo. Daí o percurso criador ser, para ele, também um processo de autoconhecimento e, consequentemente, autocriação, no sentido de que ele não sai de um processo do mesmo modo que começou (...). (SALLES, 2008: 65).

As escolhas do artista refletem o contexto em que o indivíduo se desenvolve, sua bagagem cultural, que pode ser entendida como uma memória construída coletivamente. Quando um indivíduo se expressa em uma obra artística, ou em qualquer fazer humano, ele representa sua subjetividade como indivíduo e assim, representa a sua cultura. Falaremos novamente sobre cultura mais adiante. O artista, motivado por suas necessidades de realização, vai elaborar seu potencial criador através do seu trabalho, no qual organizará suas formas mentais e as expressará a partir de uma linguagem. A linguagem, que é definida por Santaella (2005) como formas sociais de comunicação e de significação desenvolvidas através de sistemas codificados, pode ser entendida aqui também como uma maneira de objetivar a expressão a partir de uma materialidade, ou seja, quando o artista imagina as possibilidades de sua obra, ele busca uma ordenação expressiva através de uma materialidade específica, sobre a qual ele possua ou vai desenvolver algum domínio (OSTROWER, 2008). Para Ostrower, “essa objetivação da linguagem pela matéria constitui um referencial básico para a comunicação; é uma referência, antes de tudo, para os critérios de realização, os critérios de valor” (OSTROWER, 2008: 37). Mas a escolha da materialidade através da qual o artista vai se expressar é apenas uma das diversas escolhas que deverá fazer durante o seu processo criativo.


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Para pensar em processo de criação, é preciso pensar em um fluxo de ações não-lineares que produzem entre si um intenso estabelecimento de nexos - muitas vezes entre elementos que parecem dispersos -, o que gera dinamicidade à criação artística. Juntamente a esse fluxo, ocorrem acasos, incertezas e uma multiplicidade de interações, rupturas e descontinuidades. Assim, a partir dessas interações, podemos pensar no processo criativo como uma complexa rede, como acredita Salles (2008), que coloca: “A obra não é fruto de uma grande ideia localizada em momentos iniciais do processo, mas está espalhada pelo percurso” (SALLES, 2008: 36). (...) Uma obra é ao mesmo tempo esboço do que pretendia ser e do que é de fato, ainda que os dois valores não coincidam (ECO, 1971: 25).

Durante esse processo e dadas as diversas conexões internas e externas que ocorrem, o artista vai descobrindo novas possibilidades, podendo alterar o percurso de criação que havia tomado originalmente; como as possibilidades são múltiplas, a obra pode ser considerada um objeto inacabado, sendo uma das formas escolhidas pelo artista para ser exposta ao público, mas não a única possível e, ainda, sempre passível de modificações futuras. Assim, essa ideia de inacabamento é uma das bases da pesquisa de Salles, que diz: “sabemos que onde há qualquer possibilidade de variação contínua, a precisão absoluta é impossível” (SALLES, 2008 : 20). O objeto dito acabado pertence, portanto, a um processo inacabado. Não se trata de uma desvalorização da obra entregue ao público, mas da dessacralização dessa como única forma possível (SALLES, 2008 : 21).

Neste sentido, de pensar a obra de arte como um objeto resultante de um processo, Pareyson, acredita qua obra certamente se concebe executando, mas só existe quando é acabada (PAREYSON, 2008 : 26).


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Mas aqui, ‘acabada’ se refere ao fato de que a obra só existe a partir do fazer artístico, ou seja, a obra só existe a partir do momento em que se parte de uma ideia e dela se produz algo ‘concreto’; neste sentido, atividade artística está em se elaborar uma ideia através de uma forma. Sem a forma, só há ideia, e só com a ideia não haveria arte. E é a partir da ideia transformada em forma é que pode haver a recepção da obra. Claro que, quando aqui nos referimos à forma, não estamos nos restringindo à existência de um objeto artístico num formato convencional, mas a toda tentativa de materialização da ideia, o que pode acontecer de diversos modos, incluindo performances em tempo real, composições espontâneas através de improvisações livres, ou mesmo a recontextualização de objetos não produzidos pelo artista, mas que ressignificados se colocam enquanto obra (o melhor exemplo disso, claro, seria Marcel Duchamp, com suas produções artísticas que criticavam o próprio status da obra de arte, uma produção metalinguística), etc. Ou seja, enfatizamos aqui a necessidade do fazer. A obra consumada não é portanto aquela que existe em si como uma coisa, mas aquela que atinge seu espectador, convida-o a recomeçar o gesto que a criou e, pulando os intermediários, sem outro guia além do movimento da linha inventada, do traçado quase incorpóreo, a reunirse ao mundo do pintor, a partir daí proferido e acessível (MERLEAUPONTY, 2013: 76-77).

Quanto à forma , Umberto Eco - um dos principais autores a pensar a obra enquanto processo e possibilidade de fruição - , em seu livro Obra Aberta, nos diz: (...) Falaremos da obra como de uma “forma”: isto é, como de um todo orgânico que nasce da fusão de diversos níveis de experiência anterior (ideias, emoções, pré-disposições a operar, matérias, módulos de organização, temas, argumentos, estilemas pré-fixados e atos de


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invenção). Uma forma é uma obra realizada, ponto de chegada de uma produção e ponto de partida de uma consumação que, articulando-se, volta a dar vida, sempre e de novo, à forma inicial, através de perspectivas diversas (ECO, 1971:28).

E, para estudar toda essa gama de fenômenos que se colocam no processo de criação, nasceu a crítica genética, que tem origem em 1968 na França, quando pesquisadores do Centre National de la Recherche Scientifique foram encarregados de organizar os manuscritos do poeta alemão Heinrique Heine, que tinham acabado de chegar à Biblioteca Nacional da França. Esses pesquisadores precisaram desenvolver uma metodologia que permitisse a análise desses manuscritos, criando assim os estudos genéticos. A crítica genética será introduzida no Brasil por Phillippe Willemart em 1985, pesquisador este que estudava os manuscritos de Gustave Flaubert. Logo se percebeu a necessidade de ampliar esses conhecimentos para além da análise literária, partindo para uma análise ‘transartística’ (SALLES, 2008: 11-15). A crítica genética abarca uma visão sistêmica dos fenômenos relacionados ao processo de criação, partindo do pressuposto de que existe uma interrelação e interdependência entre todos os fenômenos que compõem o ‘todo’ da obra, como um sistema vivo (ANASTÁCIO, 2012: 53). E é importante pensar que a crítica genética, também chamada por Salles de crítica de processo, não pode compreender todo o processo criador, mas fazer uma análise de alguns índices materializados durante o processo (SALLES, 2008: 26). Esses índices são denominados documentos de processo e trataremos novamente deles mais adiante. O trabalho do artista está, quase sempre, associado à materialidade dos registros por ele deixados; no entanto, devemos lembrar dos muitos momentos de experimentação mental que não chega a ser registrada. Temos acesso a índices do processo, e não ao processo propriamente dito. Isso implica dizer que há muito do movimento criador que não é


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registrado. São andamentos da obra que se mostram como resultado de trabalho mental (SALLES, 2002: 184).

E como poderiam ser produtivas as interrupções que se colocam no trabalho de um artista? Talvez um dos momentos de maior aflição para o artista seja aquele em que parece que tudo pára e esse indivíduo, ansioso por criar, parece não criar nada. Surge um imenso medo da improdutividade. No prefácio de seu livro O Povo Brasileiro, o escritor e antropólogo Darcy Ribeiro fala sobre seu longo percurso de incertezas na construção dessa obra: Creio que nenhum livro se completa. O autor sempre pode continuar, por um tempo indefinido, como eu continuei com esse, ao alcance da mão, sem retomá-lo. O que ocorre é que a gente se cansa do livro, apenas isso, e nesse momento o dá por concluído. Não tenho muita certeza, mas suspeito que comigo é assim. Por que só agora retomo, depois de tantos, tantíssimos anos, em que me ocupei das tarefas mais variadas, fugindo dele? Não sei! Não foi para descansar, certamente. Foi para me dar a outras tarefas. Entre elas, a de me fazer literato e publicar quatro romances, retomando uma linha de interesses que só me havia tentado aos vinte anos. Nessa longa travessia, também politiquei muito, com êxito e sem êxito, aqui e no exílio, e me dei a fazimentos trabalhosos, diversos. Inclusive vivi, quase morri. Nesses anos todos, o livro, este, ficou por aí, engavetado, amarelando, esperando até hoje. Agora estou aqui, na praia de Maricá, para onde trouxe a pasta com os papelórios de suas várias versões. (RIBEIRO, 2006: 11).

É possível que estes momentos de pausa sejam para o artista importantíssimos para lhe ampliar os horizontes. Nesses momentos, o artista, talvez fatigado de sua própria obra, permite-se preocupar com outros assuntos, outros afazeres. Daí, ele renova seus sentidos e amplia,


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mesmo sem perceber, a sua pesquisa, porque é ‘contaminado’ por novas percepções do mundo. O artista então se esvazia e se preenche de novas possibilidades, e isso pode enriquecer o seu fazer artístico. (...) A composição é, hoje em dia, assunto por demais complexo, e falar da composição, tarefa agora dificílima, se quem fala preza, em alguma medida, a objetividade. Não digo isso somente por me lembrar das dificuldades que podem resultar na falta de documentação sobre o trabalho de composição da grande maioria dos poetas. O ato do poema é um ato íntimo, solitário, que se passa sem testemunhas. Nos poetas daquela família para quem a composição é procura, existe como que o pudor de se referir aos momentos em que, diante do papel em branco, exerciam sua força. Porque eles sabem de que é feita essa força – é feita de mil fracassos, de truques que ninguém deve saber, de concessões ao fácil, de soluções insatisfatórias, de aceitação resignada do pouco que se é capaz de conseguir e de renúncia ao que, de partida, se desejou conseguir (MELO NETO, 1997: 51-52).

Sobre o medo do vazio produtivo, Ostrower (2008) lembra que o autor Rainer Maria Rilke, autor de Cartas a um Jovem Poeta, temia a improdutividade, embora estivesse altamente produtivo em momentos em que acreditava estar no processo contrário. Temia inclusive submeterse à psicanálise porque, embora interessado nas obras de Freud, achava que seu impulso criativo estava diretamente relacionado a seus conflitos pessoais, e que se elaborasse seus conflitos de forma consciente, sua criatividade se esvaziaria. (OSTROWER, 2008: 30). Interrupções e descontinuidades no processo criativo também podem ser provocados por erros e acasos. Quando Ostrower fala que “(...) todos os processos de criação representam, na origem, tentativas de estruturação, de experimentação e controle” (OSTROWER, 2008: 53), não podemos


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deixar de levantar a questão de que o artista tem que estar consciente de que não é possível controlar todo o processo. Se não está consciente disso, quando surgem os imprevistos, ele pode interpretá-los como obstáculos intransponíveis à sua criação, quando poderia, do contrário, percebê-los como oportunidade para pensar em novas soluções. Sobre a tentativa de controlar o processo de criação e seus rumos incertos, Edith Derdyk (2001), tratando da criação como linha de horizonte aquela que o artista pode tentar perseguir, mas que quando tenta tocála, lhe escapa pelas mãos -, a partir de suas próprias percepções como artista, escreve: Os olhos são ondulados pela linha de horizonte que pula, salta e rodopia o traço de uma paisagem. A paisagem abraça um corpo por inteiro. Sem arestas, a linha de horizonte corre o mundo à nossa volta, acordando paisagens adormecidas e ocultas. Linha de horizonte intocável feito estilete riscando espaços. Onde anunciar seu ponto de chegada? Onde iniciar seu ponto de partida? Quero alcançar e agarrar essa linha impalpável. Tal como lâmina incandescente, a linha de horizonte cinde as superfícies que delineia (...) (DERDYK, 2001: 9).

Além dos imprevistos “externos”, o próprio artista muitas vezes faz escolhas que posteriormente percebe inadequadas (erros); tem assim que reavaliar suas opções e reconstruir os caminhos, o que Salles chama de autocorreção criadora (SALLES, 2008: 134). (...) Não há segurança de que a obra em construção esteja caminhando de uma forma pior para uma melhor. A melhora não é uma certeza. No vai-e-vem do artista assistimos a muitas recuperações de formas que foram, em outro momento, negadas ou rejeitadas (SALLES, 2008: 62).


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Entender que o processo criativo é um percurso tortuoso, repleto de idas-e-vindas, erros e acertos, interrupções e acasos, auxilia não só a compreensão das obras de um artista, mas também auxilia o artista a entender que aquilo que aparentemente é caótico e solitário no seu processo, na verdade é a realidade de todos os artistas. O conhecimento do processo criativo não substitui a criatividade, mas pode evitar que desistamos dela quando os desafios nos parecem excessivamente intimidadores e a livre expressão bloqueada. Se soubermos que nossos inevitáveis contratempos e frustrações são fases do ciclo natural do processo criativo, se soubermos que nossos obstáculos podem se transformar em beleza, poderemos perseverar até a concretização de nossos desejos (NACHMANOVITVH, 1990: 23).

Convém destacar a importância da relação do artista com os outros indivíduos. Salles (2008) acredita que as interações entre indivíduos são um dos motores do desenvolvimento do pensamento. A partir das relações com os outros, o indivíduo troca experiências, amplia seu conhecimento e constrói sua bagagem cultural, bagagem essa que vai ser fundamental nas escolhas e intencionalidades do artista em seu processo de criação. No vídeo veiculado no Youtube pela Agência Umbrella, chamado De onde vêm as boas ideias2, é abordado um aspecto interessante: as grandes ideias viriam da colisão de palpites. Partindo do conceito de Steven Johnson, escritor americano especialista em inovação, o vídeo ressalta a importância da troca de experiências para a construção de grandes ideias inovadoras. No curta-metragem documentário Processo Criativo3, já citado anteriormente, o artista Cadu Costa aborda uma questão importante sobre a criação: “(...) O processo de criação, ele é fruto da sua negociação com o mundo - e essa é a parte mais excitante não fruto das suas simples obsessões e concretização delas”. 2 <Em: http://www.youtube.com/watch?feature=player_ detailpage&v=AuyPQeh_8Bs>. Visualizado em 01 de abril de 2013. 3 <Em http://www.youtube.com/watch?v=TeNjbaFTzaE>. Visualizado em 08 de abril de 2013.


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A partir da experiência que se constrói na relação com outros indivíduos, o artista pode, de alguma maneira, tentar antecipar de que forma deseja que sua obra seja recebida e, para chegar à obra final que deseja mostrar ao público, a desenvolve a partir de um diálogo interno com o que podemos chamar de interlocutor imaginário. Em seu trabalho O processo da criatividade e seus bloqueios, que analisa a produção artística principalmente a partir da escrita, Carlos Martinez Bouquet (1991) afirma que, no processo criador, o indivíduo, a partir de sua experiência, produz uma melodia latente (Figura 1) que é organizada através da comunicação com um destinatário intrapsíquico, por um processo de dramatização; como resultado final, pode-se chegar desenvolver um discurso, manifesto através da obra.

FIGURA 1. A melodia latente. BOUQUET in CREMA; BRANDÃO, 1991:125.

De qualquer forma, mesmo que o artista tente fazer essa antecipação, voltando à questão do controle, ele não pode controlar de que forma sua obra vai ser recebida. Pode no máximo, tentar criar algum tipo de orientação no sentido em que deseja que ela seja apreciada. Toda obra de arte é recebida a cada recepção de maneira particular, e toda recepção é uma interpretação (...), uma recriação ou uma cocriação” (SOULAGES, 2010: 141).

De qualquer forma, como nos lembra Eco (1971), ver a obra de arte como aberta a múltiplas possibilidades de interpretação não significa lançá-la ao caos:


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O autor oferece, em suma, ao fruidor, uma obra a acabar: não sabe exatamente de que maneira a obra poderá ser levada a termo, mas sabe que a obra levada a termo será, sempre e apesar de tudo, a sua obra, não outra, e que ao terminar o diálogo interpretativo ter-se-á concretizado uma forma que é a sua forma, ainda que organizada por outra de um modo que não podia prever completamente: pois ele, substancialmente, havia proposto algumas possibilidades já racionalmente organizadas, orientadas e dotadas de exigências orgânicas de desenvolvimento. (ECO, 1971: 62).

1.1. O papel da memória no ato criador No armazenamento das pesquisas e experiências do artista, e no ato criador, não podemos então deixar de falar no importante papel da memória. Vamos aqui tratar de diferentes aspectos: a memória particular do indivíduo; a cultura como memória; a memória materializada (os documentos de processo).

ESQUEMA 1. A memória e o processo criativo. Baseado na leitura de Redes de Criação (SALLES, 2008).


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1.1.1. A memória particular do indivíduo Memória não é um lugar onde as lembranças se fixam e se acumulam. Cada nova impressão impõe modificações ao sistema. Como memória é ação, ou seja, essencialmente plástica, as lembranças são reconstruções: redes de associações, responsáveis pelas lembranças, sofrem mudanças ao longo da vida (SALLES, 2008: 69).

A memória é nosso arquivo de impressões e experiências; um arquivo formado por elementos conscientes e inconscientes, e podemos pensar no inconsciente como uma forma de economia de energia. Imaginem se todas as informações estivessem presentes conscientemente o tempo todo: certamente chegaríamos à estafa pelo excesso de informações. Então, podemos fazer um paralelo do inconsciente com nossos arquivos de imagens digitais: nós fotógrafos, que trabalhamos com equipamentos digitais, produzimos e armazenamos atualmente uma infinidade de imagens; aqueles arquivos que acessamos o tempo todo, podemos deixar na nossa área de trabalho, para que possam ser encontrados mais facilmente. Os demais arquivos, deixamos em outra pasta, talvez um “HD externo” (não podemos deixar tudo na área de trabalho, nem mesmo no computador, porque sobrecarregam o sistema; a área de trabalho e o computador são o nosso consciente). Para acessar essas informações, é necessário um pouco mais de energia na busca; mas se utilizarmos as palavras-chave corretas, acessamos os arquivos que buscávamos – e ainda outros que podem não ter relação direta com nosso objetivo atual, mas que relacionam-se com a palavra que buscamos, imagens essas que talvez nem soubéssemos mais que existiam, mas que, vindo à tona, podem trazer novas ideias aos nossos projetos. À medida que vamos mudando as nossas necessidades, os arquivos que deixávamos na área de trabalho vão para o HD, e o caminho inverso também se faz. Dessa forma, organizamos as informações para aprimorar nossa capacidade de produção; assim também acontece com a nossa consciência.


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Muitas dessas informações, às vezes, precisam ser apagadas para que se criem espaços de renovação. Por isso, o esquecimento, assim como a memória, também é importante. O esquecimento faz parte do mecanismo de otimização da memória. O esquecimento, segundo pesquisadores desse tema, é enfrentado muitas vezes como algo devastador e irritante; deve ser visto, porém, como necessário para a sobrevivência da nossa memória saturada com excessos de informações. Em outras palavras, precisamos esquecer algumas coisas para lembrar de outras (SALLES, 2008: 73).

Nesse sentido, reforçando a afirmação de Salles, e também reforçando a ideia do inconsciente permitindo a dessaturação de informações do consciente, Jung (2008), em seu livro O Homem e Seus Símbolos, diz: Este material torna-se inconsciente porque – simplesmente – não há lugar para ele no consciente (...). Esquecer, nesse sentido, é normal e necessário para dar lugar a novas ideias e impressões na nossa consciência. Se tal não acontecesse, toda a nossa experiência permaneceria acima do limiar de consciência e nossas mentes ficariam insuportavelmente atravancadas (JUNG, 2008: 40).

Nesse mesmo livro, Jung afirma que, sendo o esquecimento um processo normal, o que acontece é que, quando há desvio da nossa atenção de um determinado assunto a outro, os pensamentos conscientes perdem a sua energia específica. Assim, “o interesse se desloca, deixa em sombra as coisas com que, anteriormente, nos ocupávamos” (JUNG, 2008: 36), e faz a comparação desse processo com a seguinte imagem: quando nos interessamos por um determinado assunto, iluminamos essa área com um holofote, deixando as outras áreas na escuridão, sempre com flutuações nessa claridade. As ideias não deixaram de existir, apenas ficam num estado subliminar, podendo ser acessadas posteriormente, mesmo quando parecia que essas ideias haviam sido totalmente perdidas.


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E assim essa área se ilumina novamente (JUNG, 2008: 36-37). A memória também tem um papel importante na construção da personalidade do indivíduo, na afirmação de sua identidade. As interações de cada indivíduo com seu ambiente são únicas e geram respostas individuais, mesmo que coletivamente possamos perceber comportamentos similares entre pessoas diferentes. A bagagem que cada indivíduo carrega é exclusiva dele, e isso faz com que esse indivíduo se diferencie dos demais. (...) A memória nos permite ter uma identidade pessoal: faz o vínculo entre toda a sucessão de eus que existem desde a nossa concepção até o momento presente. (YVES; TADIÉ apud SALLES, 2008: 83).

1.1.2. Cultura, memória e as escolhas do artista A cultura pode ser vista como um espaço de elaboração e transmissão de conhecimentos, funcionando como uma memória coletiva. (SALLES, 2008: 66). Um aspecto fundamental dessa memória, que é analisado por Jerusa Pires Ferreira em Cultura é Memória, a respeito de estudos sobre Iuri Lotman, é que essa memória coletiva só existe se compartilhada, transmitida; como não é uma herança biologicamente hereditária, depende de comunicação: se não transmitida, tem sua longevidade comprometida (FERREIRA, 1994: 117-118). Considerando-se que todo fenômeno de cultura só funciona culturalmente porque também é fenômeno de comunicação, e considerando-se que esses fenômenos só comunicam porque se estruturam como linguagem, pode-se concluir que todo e qualquer fato cultural, toda e qualquer prática ou atividade social constituem-se como práticas significantes, isto é, práticas de produção de linguagem e de sentido (SANTAELLA, 2005: 12).


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O próprio desenvolvimento da técnica sobre uma materialidade pressupõe o desenvolvimento anterior de uma tecnologia, que surgiu como necessidade de um indivíduo (ou um grupo) inserido no seu tempo e espaço, em seu contexto social. Então, como afirma Ostrower, “a simples existência de uma matéria usada pelo homem diz respeito a todo um conjunto de fatores sociais” (OSTROWER, 2008: 40). Ou seja, as opções do artista pela materialidade também dependem de sua cultura; dependem, em alguns casos, de uma memória transmitida de geração a geração através do ensino de uma determinada técnica. (...) Cultura: são as formas materiais e espirituais com que os indivíduos de um grupo atuam e se comunicam e cuja experiência coletiva pode ser transmitida através de vias simbólicas para as gerações seguintes (OSTROWER, 2008: 13).

Tratando da fotografia, Fontcuberta (2010: 54) nos aponta como o uso de uma tecnologia pode deixar rastros na obra: sendo a tecnologia usada na produção fotográfica fruto de um saber acumulado, o seu uso (“memória aplicada”) deixará na obra inúmeros rastros (“unidades de memória”). Como já foi dito anteriormente, o artista faz suas escolhas de acordo com a bagagem de conhecimentos que carrega. Não se pode, então, pensar nas escolhas de um artista como aleatórias. As escolhas provêm de descobertas que surgem do seu trabalho, pesquisa e vivências; geram no artista a necessidade de busca, busca essa que vai determinar como o artista trabalha sobre a materialidade para expressar suas inquietudes. A busca pela melhor forma de se expressar pressupõe um objetivo, e a partir do objetivo, podemos falar em intencionalidade. O gesto criador está sendo apresentado como um movimento com tendência. Tendência esta que age como um rumo vago que direciona o processo de construção das obras. O artista, impulsionado a vencer o desafio, sai em busca da satisfação de sua necessidade. Ele é seduzido


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pela concretização desse desejo que, por ser operante, o leva à ação. A tendência é indefinida, mas o artista é fiel a esta vagueza. O trabalho caminha para um maior discernimento daquilo que se quer elaborar (SALLES in ZULAR, 2002: 185).

Salles, inclusive, prefere não tratar o ato criador sob o ponto de vista da intencionalidade, porque esse termo pode trazer em si uma ideia de que a obra se constrói sobre um objetivo claro, racional e bem definido. Por isso, trata desse aspecto mais como tendências do artista. Indo de encontro com esse pensamento, Ostrower (2008) nos diz que as intenções vão se estruturar junto com a memória, mesmo que nem sempre de forma consciente pelo artista, ou seja, sem objetivos imediatos. E conclui que “às vezes, descobrimos as nossas intenções só depois de realizada a ação” (OSTROWER, 2008: 18). Mais do que um simples ato proposital, o ato intencional pressupõe existir uma mobilização interior, não necessariamente consciente, que é orientada para determinada finalidade antes mesmo de existir a situação concreta para a qual a ação seja solicitada. É uma mobilização latente seletiva. Assim, circunstâncias em tudo hipotéticas podem repentinamente ser percebidas, interligandos-se na imaginação e propondo a solução para um problema concebido. Representam modos de ação mental (OSTROWER, 2008: 10).

1.1.3. A memória materializada (os documentos de processo) Os documentos de processo são os diversos registros que o artista acumula e que desempenham papel de armazenamento e experimentação. É a memória da obra; também é memória do artista. O efeito que a obra causa em seu receptor tem o poder de apagar, ou ao menos, não deixar todo o processo aparente, podendo levar ao mito de


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que a obra já nasce pronta, ou seja, de que a obra não tem memória. Ao nos propormos a acompanhar seus processos de construção, narrar suas histórias e melhor compreender esses percursos, independentemente da abordagem teórica escolhida, estamos tirando a criação artística do ambiente do inexplicável, no qual está, muitas vezes, inserida. Ao mergulhar no universo do processo criador, as camadas superpostas de uma mente em criação vão sendo lentamente reveladas e surpreendentemente compreendidas (SALLES, 2008: 25).

Já foi dito anteriormente que os documentos de processo não incluem o registro de todos os fenômenos que compõem o processo de criação, porque muitos deles ficam, por exemplo, restritos a processos mentais, os quais não podemos acessar. De toda forma, os documentos de processo podem nos indicar tramas de pensamento. E pensando nas tramas desse processo como formadoras de uma rede, não podemos analisar um documento sem lembrar que ele está “inevitavelmente relacionado a outro e tem significado somente quando os nexos são estabelecidos” (SALLES, 2008: 117). A realidade é inacabada, é um eterno e caótico fluir. Devemos reconhecer a incompletude e a incerteza da realidade, bem como as múltiplas conexões entre os componentes dessa realidade. Examinar isoladamente um componente não faz sentido – é o reducionismo das partes. Devem ser examinados, também, os relacionamentos deste componente com os demais e com o global constituído por todos eles. Examinar somente o global sem examinar os seus componentes e os relacionamentos, também não faz sentido – é o reducionismo do todo (TORRES, 2005: 194).

Além disso, os documentos de processo não devem ser estudados pelo seu objeto em si, mas por seu propósito. Criando esses documentos, o artista vai organizando e compreendendo o seu fazer. Esses documentos são elucidativos aos receptores finais, mas também ajudam os artistas


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a terem mais consciência de si, “tornando os artífices mais hábeis e seguros de seu ofício” (SANTOS, 1994: 487). Como já mencionado, enquanto o artista cria, ele dialoga com seu destinatário intrapsíquico. Os documentos de processo também assumem, nesse aspecto, um papel importante: enquanto registra suas pesquisas e impressões, o artista conversa consigo mesmo a respeito de suas escolhas, o que dá aos documentos aquilo que Salles chama de aspecto comunicacional intrapessoal (SALLES, 2008: 47). Quando essas anotações são estudadas por outra pessoa, estabelece-se um caráter interpessoal de comunicação: “o pesquisador faz, na verdade, uma espécie de intromissão de caráter interpessoal nessa manifestação de comunicação interna” (SALLES, 2008: 48).

FIGURA 2. Meus cadernos de anotação do ano de 2013.

Enquanto memória, as anotações, rascunhos ou esboços servem ao artista para poderem ser revisitados posteriormente, ou seja, permitem releitura; o artista tem sua emoção e memória reativadas, o que possibilita novos processos de imaginação e elaboração das ideias.


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O artista observa o mundo e recolhe aquilo que, por algum motivo, o interessa (...). Esse armazenamento parece ser importante, pois funciona como um potencial a ser, a qualquer momento, explorado; atua como uma memória para obras. (SALLES, 2008: 51).

Seguem abaixo alguns exemplos de anotações que fui acumulando durante o processo que envolveu este trabalho (outros exemplos aparecerão no decorrer do texto):

FIGURA 3. Registro de anotação pessoal. Autoria própria, 2013.

FIGURA 4. Registro de anotação pessoal. Autoria própria, 2013.

FIGURA 5. Registro de anotação pessoal. Autoria própria, 2013.


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FIGURA 6. Registro de anotação pessoal. Autoria própria, 2013.

Os documentos de processo não são construídos, necessariamente, dentro da mesma linguagem em que a obra se apresentará ao espectador. O artista se apropria das linguagens que lhe parecem pertinentes para o desenvolvimento do seu processo. Para Salles, a decisão por uma determinada linguagem é importante para a construção da obra, mas o percurso de construção é intersemiótico (SALLES, 2008: 82). Ou seja, nos documentos de processos do artista, podemos encontrar diversos tipos de registros em linguagens diferentes; o artista vai fazer a interrelação dessas diversas linguagens e traduzi-las para outra - que domine e que lhe interesse - para dar forma à sua obra (SALLES, 2008: 95). A criação de textos antes da criação das imagens, por exemplo, é amplamente conhecida no cinema: no geral, escrevem-se roteiros para depois transformá-los em imagens. Mas não é só no cinema que isso acontece. Muitos artistas plásticos e artistas visuais se utilizam desse recurso. Utilizar palavras auxilia na mediação entre nosso consciente e o mundo, e a partir do momento em que as coisas são ditas, tornam-se presentes para nós (OSTROWER, 2008). Podemos pensar que tornar presente, ou seja, trazer uma ideia para um plano mais concreto pode auxiliar a organizar o fluxo de pensamentos e a partir dessa organização, permitir estruturar uma forma de expressão. A partir da expressão, seria possível então gerar um ‘produto’ que tornaria concreta a relação do artista com o mundo; nesse ‘produto’ o artista materializa sua visão do mundo. Em um


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artigo denominado Teoria da Complexidade: uma nova visão de mundo para a estratégia, apresentado no I Encontro Brasileiro de Estudos da Complexidade (2005), o autor Martins Torres nos traz uma interessante abordagem sobre a visão de mundo, que vem muito ‘a calhar’ na análise que aqui se apresenta: Visão de mundo é uma janela conceitual, através da qual nós percebemos e interpretamos o mundo, tanto para compreendê-lo como para transformá-lo. Esta janela funciona como uma espécie de lente cultural, na construção da qual os ingredientes incluem valores, crenças, princípios, premissas, conceitos e enfoques que modelam nossa percepção da realidade e, portanto, nossas decisões, ações e interações e todos os aspectos de nossa experiência humana no universo. É a ferramenta cultural mais poderosa da qual dispõe um indivíduo, grupo social, uma comunidade e uma sociedade, para (re)significar seu passado, compreender seu presente e fazer previsões para construir seu futuro. Quando compreendemos que a realidade é o que o nosso método de observação nos permite perceber, passamos a reconhecer que nossa visão de mundo formata nossos modelos mentais, através dos quais observamos, sistematizamos, interpretamos e aportamos significado às nossas próprias experiências no mundo (TORRES, 2005: 200).

1.2. As angústias pessoais como motor para a criação Uma das hipóteses levantadas neste trabalho é se as angústias pessoais funcionam como motor para a criação artística. Para Ostrower (2008), o que impulsiona o ato criador é uma tensão psíquica que difere do conflito emocional. Trata da tensão psíquica como um fluxo mental, gerado a partir de percepções e associações, que levam o indivíduo à busca e à ação. Não acreditamos que seja o conflito emocional o portador da criatividade. O que o conflito faria, dada a sua área e sua configuração


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particular em cada caso, ao intervir na produtividade de um artista, seria eventualmente propor a temática significativa, por ser ela tão imediata e relevante para a pessoa. Poderia também, junto ao assunto assim selecionado, influir na escolha, ainda que inconsciente, dos meios e das formas de configurar. Portanto, o conflito orientaria até certo ponto o quê e o como no processo criador. Mas o conflito pessoal não poderá em si ser confundido nem com o potencial criador existente, nem com a capacidade de elaborar criativamente um conteúdo. Ao contrário. O quanto existe de elaboração visível na obra artística, nos indica exatamente a medida de controle que o artista ainda pode exercer sobre seu conflito (em Van Gogh, por exemplo, isso fica patente). (OSTROWER, ANO: 29).

FIGURA 7. Registro de anotação pessoal. Autoria própria, 2013.

Essa afirmação parece negar nossa hipótese. Mas poderíamos pensar que as angústias podem funcionar como impulsionadoras em alguns momentos de criação, em alguns artistas - talvez não em outros. De qualquer forma, negar sua importância seria precipitado; o que ocorre é que, sendo o processo criativo composto de uma rede altamente complexa de interrelações, as angústias não seriam, sozinhas, as propulsoras da criação. Podemos pensar também que não é possível fazer uma separação exata entre a tensão psíquica que leva ao impulso criador e o conflito pessoal, pois, ambos passando por processos mentais,


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se misturam. De acordo com o Dicionário Online Michaelis, em termos psicanalíticos, o conflito4 viria a ser a “tensão produzida pela presença simultânea de motivos contraditórios; segundo a psicanálise, há em todo conflito um desejo reprimido, inconsciente”. Mas devemos pensar em conflito necessariamente como algo que envolve sofrimento? Todo enfrentamento de um caminho com múltiplas possibilidades de resolução gera, mesmo que por um curto momento, um conflito; a dúvida é o conflito. E a dúvida está sempre presente no fazer artístico. Cada criação é recriação de um objeto amado, que foi perdido e estragado num mundo interno com um self despedaçado (MÉLEGA in MONTALE, 2001: 114).

No início do século XX, a psicanalista Melanie Klein desenvolveu uma teoria quanto ao impulso criativo, estando ele sempre relacionado à busca de reparação de um objeto perdido. O conceito de reparação, introduzido por Klein em 1929, foi aplicado à compreensão do impulso criativo entendido concomitante à posição depressiva. Este nasce da necessidade de reparar o objeto perdido no momento em que ele é vivido na sua totalidade, quando os aspectos 4 conflito con.fli.to sm (lat conflictu) 1 Embate de pessoas que lutam. 2 Altercação. 3 Barulho, desordem, tumulto. 4 Conjuntura, momento crítico. 5 Pendência. 6 Luta, oposição. 7 Pleito. 8 Dissídio entre nações. 9 Psicol Tensão produzida pela presença simultânea de motivos contraditórios; segundo a psicanálise, há em todo conflito um desejo reprimido, inconsciente. 10 Sociol Competição consciente entre indivíduos ou grupos que visam a sujeição ou destruição do rival. C. cultural, Sociol: incompatibilidade entre valores culturais cujos portadores humanos estabelecem contato. C. de atribuições, Dir: fato que ocorre entre autoridades judiciárias e administrativas, quando cada uma delas se julga, ao mesmo tempo, competente para deliberar sobre determinado caso. C. de jurisdição, Dir: questão sobre competência entre juízes ou tribunais da mesma jurisdição. C. de leis: a) divergência entre as leis de diferentes estados ou jurisdições, quanto aos direitos do mesmo indivíduo; b) divergência entre as leis atuais de um país e as que anteriormente regiam a mesma matéria. <Em: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=conflito>. Visualizado em 08 de abril de 2013.


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bons e maus são reconhecidos como um todo. (...) O ato criativo, segundo Klein, constitui uma das modalidades privilegiadas da atividade reparativa. (MÉLEGA in MONTALE, 2001: 117).

De acordo com esse pensamento, o ato criativo estaria sempre relacionado a uma perda e à busca de preenchimento. Será que essa tentativa levou o uso da fotografia a um nível tal que hoje tenhamos esse excesso de imagens nos bombardeando todo o tempo? Digo isso porque, ainda havendo uma enorme crença na fotografia como captadora e restituidora da realidade, embora muito já se venha discutindo no sentido contrário, neste sentido ela permitiria ao sujeito se apropriar do objeto fotografado. Claro, aqui devemos fazer a ressalva de que, aproximando essa hipótese à teoria de Klein, não tratamos apenas dos objetos ‘concretos’, mas de objetos psicológicos. De modo geral, o que está em jogo é, pois, a essência mesma da fotografia. Ao nos questionarmos sobre o objeto a ser fotografado, refletiremos sobre as capacidades e os limites da fotografia em sua pretensão de restituir o objeto visado, e, portanto, suas possibilidades, seus sonhos, suas ilusões. Será que ela realmente pode apreender e restituir um objeto - mais ainda, o real - ou ela só atingiria aparências interpretadas por pontos de vista particulares? (SOULAGES, 2010: 27).

Mas quando pensamos em arte, não podemos esquecer que ela nasce de uma complexa construção de elementos conscientes e inconscientes do artista: ela não traz em si os dados exatos da natureza (até porque, esses ‘dados exatos’, se percebidos como fenômenos, podem ser apreendidos de forma diferente cada vez que nos relacionarmos com eles). Portanto, mesmo que o artista vise transformar seus conflitos em arte, o que ele pode conseguir é trabalhar com alguns elementos de forma simbólica e inseri-los em seu objeto, mas nunca poderá transferir suas experiências diretamente ao objeto, e o receptor jamais poderá captar as experiências pessoais do artista naquele objeto: o que perceberá são rastros. Além


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disso, se fosse necessário haver angústia para haver criação artística, seria como imaginar que são melhores artistas os que mais sofrem; também seria como imaginar que quem não vive uma experiência ruim não pode produzir um bom objeto artístico, e o que seria dos atores? Deveriam ter vivido todas as experiências ruins que interpretam em suas cenas para que atuassem bem? Poderíamos pensar em como a arte pode colaborar para a elaboração dos conteúdos de um indivíduo que sofre – por exemplo, através das técnicas de arteterapia - nas quais o sofrimento não é primariamente o impulso criador, mas é sobre o qual o terapeuta realiza o estímulo para que o paciente, através da produção de um objeto, traga à tona seus conteúdos perturbadores, através de símbolos. Mas seriam arte os produtos da arteterapia? Não sendo produzidos a partir de uma elaboração mental que vise, a priori, a expressão através de uma forma, mas sim um extravasamento dos sentimentos através do objeto, um produto do automatismo, poderíamos pensar nessas obras como arte? João Cabral de Melo Neto, em seu livro Prosa (1997), falando do ponto de vista da análise literária, fala dos poetas que buscam em suas poesias a tradução direta de suas experiências: O poema é o eco, muitas vezes imediato, dessas experiências. É a maneira que tem o poeta de reagir à experiência (...). A experiência, nesse tipo de poetas, cria o estado de exaltação (ou de depressão) de que ele necessita para ser compelido a escrever. Geralmente, esses poemas não têm um objetivo, exterior. São a cristalização de um momento, de um estado de espírito (...). Quase sempre, tais poemas são construídos. Sua estrutura não nos parece orgânica (...). A experiência vivida não é elaborada artisticamente. Sua transcrição é anárquica porque parece reproduzir a experiência como ela se deu, ou quase. E uma experiência dessa jamais se organizará dentro das regras próprias da obra artística. Em tais autores, o trabalho artístico é superficial (MELO NETO, 1997:


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Se fosse necessário haver angústia para haver impulso criativo e, através da arte, o artista devesse tentar exprimir suas experiências pessoais, talvez o artista não pudesse tratar do ‘insignificante’. (...) a arte imprime um valor a objetos insignificantes em si e que, apesar de sua insignificância, ela fixa para si, fazendo deles seu objetivo e chamando nossa atenção para coisas que, sem ela, nos escapariam completamente (HEGEL apud SOULAGES, 2010: 225).

Jung também pensou a obra de arte como forma de expressão das emoções, mas expressão através de uma forma não como reflexo de uma experiência direta, mas através de símbolos.

1.3. A expressão através dos símbolos Jung chama de “imaginação ativa” a possibilidade de lidar com uma emoção, uma compulsão, uma inibição ou um pensamento obsessivo, atribuindo-lhe forma e aspecto, dramatizando-o, para que esse conteúdo interno possa, enfim, ser trabalhado de forma mais concreta, tanto quanto possível (GAILLARD, 2003). Quanto à expressão pictórica em terapia, Jung afirma que: A finalidade deste método de expressão é tornar os conteúdos inconscientes acessíveis, assim aproximá-los da compreensão. Com esta terapêutica consegue-se impedir a perigosa cisão entre a consciência e processos inconscientes. Todos os processos e efeitos de profundidade psíquica, representados pictoricamente são, em oposição à representação objetiva ou consciente, simbólicos, isto quer dizer, indicam da melhor maneira possível, e de forma aproximada, um sentido que, por enquanto, ainda é desconhecido. (JUNG apud TOMMASI, 2005: 204).


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Para Margarida Medeiros (2000), a arte veio cumprir importante papel na simbolização do inconsciente, simbolização esta que “noutras épocas coube preferencialmente ao mito e à religião” (p.101). Jung também afirma que uma imagem ou uma palavra são simbólicas quando implicam em algo que vá além de seu significado imediato, estando presentes nessa simbologia conteúdos inconscientes que nunca podemos definir inteiramente (JUNG, 2008: 19). Ainda que não possam ser definidos, esses símbolos comunicam. Quando pensamos na tradução de ideias em imagens, utilizamos símbolos; assim podemos traduzir formas mentais em linguagem. Esse é um processo complexo, pois não podemos compreender plenamente a substância da nossa mente, e transformar nossos conteúdos em linguagem faz com que utilizemos recortes (conscientes e inconscientes); a partir daí, extraímos desse conteúdo selecionado (não ‘palpável’), algo que possamos dar forma, e isso se processa através de símbolos. Quando nos expressamos através de uma linguagem, damos então forma a parte do conteúdo, que carregará inúmeros significados, não totalmente compreendidos inclusive por nós mesmos. Utilizar símbolos é uma forma de partirmos de uma substância para darmos significação a outra tão diversa, da substância mental à substância material sobre a qual trabalhamos em nossa criação. Através disso o homem também se descobre, segundo, Ostrower: “são transferências simbólicas do homem à materialidade das coisas e que novamente são transferidas para si” (OSTROWER: 2008: 53). Por existirem inúmeras coisas fora do alcance da compreensão humana é que frequentemente utilizamos termos simbólicos como representação de conceitos que não podemos definir ou compreender integralmente. Esta é uma das razões por que todas as religiões empregam uma linguagem simbólica e se exprimem através de imagens (JUNG, 2008: 19).


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O artista vai se expressar através de símbolos de forma a tentar representar conteúdos profundos para que esse significado transcenda e permita a comunicação com o espectador. Mas nesse sentido, torna-se fundamental que, para tomar o valor de símbolo, a imagem criada pelo artista seja aceita pelo espectador, que permitirá uma transferência imaginária, “transferência esta que o coloca no interior do símbolo, e que coloca o símbolo no interior do homem, cada um participando da natureza e do dinamismo do outro, numa espécie de simbiose”. (CHEVALIER; GHEERBRANT apud TOMMASI, 2005: 60). Traduzir em formas mentais não significa necessariamente pensar com palavras, a não ser, é claro, que a materialidade em questão compreenda áreas verbais, literatura, poesia, filosofia, lógica. (...) A palavra é uma forma, e por ser forma, abrange níveis de significação. (...) Além das formas verbais, existem outras formas. São ordenações de uma matéria, formas igualmente simbólicas e cujo conteúdo expressivo se comunica. É nesses termos, de ordenações simbólicas, que se incursiona o pensamento imaginativo (OSTROWER, 2008: 34).

O processo criativo é um sistema aberto. Da mesma forma que se coloca como um organismo vivo em que todos os fenômenos completam o todo, esse sistema está constantemente realizando trocas com o ambiente. Através da sensibilidade, ocorre a primeira relação do indivíduo com o mundo ao redor, com o qual interage. Através da percepção, que é a elaboração mental das sensações segundo Ostrower (2008), ocorre uma seleção do que é consciente ou inconscientemente mais interessante, e o indivíduo então recolhe e armazena essas informações que vão funcionar como um arquivo em potencial para ser explorado posteriormente. De todas as aparências sensíveis, o homem – na sua inquieta indagação para a compreensão dos fenômenos – desvela significações. É no homem e pelo homem que se opera o processo de alteração dos sinais (qualquer


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estímulo emitido pelos objetos do mundo) em signos ou linguagens (produtos da consciência) (SANTAELLA, 2005: 13).

A partir disso, podemos pensar no seguinte esquema (Esquema 2):

ESQUEMA 2. Da sensação à expressão. Baseado na leitura de Criatividade e Processos de Criação (OSTROWER, 2008)

Importante pensar, que nesse processo também ocorrem, como já vimos anteriormente, muitos imprevistos e rupturas, interações diversas com o ambiente ou com as próprias reformulações mentais que o indivíduo vai fazendo ao longo de sua trajetória. Então, à medida que o indivíduo ordena as informações, ele pode alterar a sua própria forma de perceber o mundo; além disso, a forma como virá a ordenar essas informações dependerá muito da sua bagagem cultural, de suas crenças e ideologias, tornando esse caminho totalmente único e particular de cada indivíduo, um caminho em constante reestruturação.



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A FOTOGRAFIA COMO EXPRESSテグ



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2.1. O meu processo: indagações Minha obsessão pelo autorretrato é uma postura de admiração pela minha própria imagem? Ou de uma busca incessante por me conhecer? Existe uma tentativa de fixar-me no mundo me materializando como objeto? Que relação é essa com o mundo, se a percepção desse objeto passa por tantas camadas, dentre elas: o que eu penso de mim mesma; o que eu fotografo de mim mesma; o que eu seleciono do que fotografo de mim mesma; o que eu seleciono do que fotografo para transformar em objeto material; como esse objeto chega ao receptor; como se dá a percepção do objeto; quem é o receptor; quem sou eu... Que preocupação é essa com o conhecimento de mim mesma pelos outros quando apresento meu trabalho artístico? Que preocupação é essa com a natureza pessoal que apresento, se apresento um objeto artístico, e se arte não é cópia da natureza, é construção?

2.2. Fotografia-Arte: Natureza versus Construção A objetividade da fotografia é uma falácia. erram os que acham que ela retrata o real. o que há é que quando o fotógrafo diz: -

olha o passarinho!

uma ave de asas longas sai de dentro do olho da câmera com uma paleta de cores e um embornal de pinceizinhos sob as asas. sobrevoa a cabeça do fotógrafo e de lá pinta a cena. em suma, a fotografia é uma ópera de pássaros. (Ópera de pássaros - CHACAL, 2002)5

Continua-se discutindo amplamente a relação da fotografia com a 5 Chacal é poeta e coordena o CEP 20.000, projeto de experimentação poética sediado no Rio de Janeiro, criado em 1990 pelos poetas Chacal e Guilherme Zarvos.


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realidade: o quanto ela capta do real?; o quanto permanece desse real no objeto fotográfico?; o que é o real? Parece que essa questão está longe de ter respostas definitivas. Para Fontcuberta (2010), o grande desafio da fotografia parece ser esse movimento de tentativa de aproximação do real, sendo que, para ele, a fotografia estaria mais próxima da ontologia do que da estética (p.9), mais próxima, portanto, da questão do ser e de suas relações com a natureza e a realidade, do que da experiência frente à forma na qual a obra se apresenta. Mas este autor está longe de acreditar no caráter de índice da fotografia como prevalente, ou que a fotografia restituiria a realidade, ou que seria a cópia de uma verdade presente no momento do registro. A fotografia, para ele, seria como o beijo de Judas, gesto de uma traição (p.13). Ele afirma: Toda fotografia é uma ficção que se apresenta como verdadeira. Contra o que nos inculcaram, contra o que costumamos pensar, a fotografia mente sempre, mente por instinto, mente porque sua natureza não lhe permite fazer outra coisa. Contudo, o importante não é essa mentira inevitável, mas como o fotógrafo a utiliza, a que propósito serve. O importante, em suma, é o controle exercido pelo fotógrafo para impor um sentido ético à sua mentira. O fotógrafo é o que mente bem a verdade (FONTCUBERTA, 2010: 13).

Será que somente a fotografia é ‘mentirosa’? Não o seria, de certa forma, todo tipo de arte, ao fazer o receptor ‘confundir’ verdade e ficção, natureza e criação? Não é através dessa mistura de real e imaginário que se dá a percepção da obra? Talvez por sua natureza, a fotografia seja capaz de fazer isso com mais dissimulação, mas toda obra de arte é construção, não natureza. O poeta é um fingidor. Finge tão completamente


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Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. (FERNANDO PESSOA)6

Para Soulages (2010), observar uma fotografia suscita inúmeras questões quanto à sua essência, sua origem e seus significados, questões estas que fazem a fotografia carregar consigo o ‘enigma da vida’: A fotografia mais interessante - pois é a mais rica - é aquela que o leva [o enigma da vida] a sério, e dessa forma interroga-se sobre a existência, sobre o ser e sobre ela mesma. Os problemas - o que é a existência? O que é o ser? O que é o real? - têm pois, como correlatos, os problemas: o que é o objeto a ser fotografado? o que é uma foto? o que é a fotografia? Trata-se da teoria do conhecimento, da estética e da existência. (SOULAGES, 2010: 94).

Outra questão importante que Soulages (2010) trata são as ‘perdas e permanências’ da fotografia: a partir do momento em que se materializa (registro sobre a superfície fotossensível e posterior transformação da imagem latente em negativo, com paralelo possível para outros tipos de processos fotográficos, como na fotografia digital), a fotografia traria consigo um caráter irreversível, ao qual acrescenta um aspecto trágico, já que levaria consigo “o vestígio do passado perdido, ou a pista do passado a ser buscado (...). A fotografia é mais do que uma experiência 6 Em Cancioneiro - Obra Poética V, livro que faz parte da coleção sobre Fernando pessoa publicada pela L&PM em 2007.


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do trágico, é a experiência trágica do irreversível”. (SOULAGES, 2010: 145). Lucy Figueiredo (2007), em seu livro Imagens Polifônicas, também trata desta questão dizendo que a partir desta materialização, ou seja, do momento em que a fotografia se torna presente enquanto objeto, ela traria “cravada em sua existência os rastros e os indícios de uma ausência” (FIGUEIREDO, 2007: 125). Soulages fala também das possíveis ‘consequências dramáticas’ dessa irreversibilidade: (...) Com efeito, o sujeito metamorfoseado em imagem, em objeto e em coisa (...); nos casos extremos, para o sujeito que fotografa ou para o sujeito que olha as fotos, essa irreversibilidade assume a figura da psicose; a fotografia pode então alimentar o corte irreversível de um sujeito em relação ao mundo, em vez de ser a condição de aproximação” (SOULAGES, 2010: 145).

O sujeito, dessa forma, vê-se, ao mesmo tempo, presente no mundo e, ao olhar sua imagem na fotografia, percebe-se coisificado e distante da possibilidade de se relacionar com o mundo, relação esta que só seria possível enquanto ser sensível e não enquanto ‘coisa’; seria a psicose7 enquanto dissociação do sujeito com a realidade. A fotografia pode se colocar como um instrumento de relação com o mundo. Através da fotografia, tentamos transformar ideias em imagens, conceito em forma; ela faz a ponte entre o sujeito, sua relação concreta com o mundo e a criação de um objeto no qual esse sujeito expressa a sua interpretação deste mundo. Para Soulages, “a foto é muito mais um 7 “Entre as classificações diagnósticas atuais a definição do termo psicótico se restringe, basicamente, presença proeminente de delírios e/ou alucinações e/ou discurso desorganizado e/ou comportamento desorganizado (incluindo catatônico), com ausência de insight do paciente para a natureza desses sintomas, caracterizando um amplo comprometimento do juízo crítico da realidade”. Revista Brasileira de Psiquiatria - vol 32 - Supl II - out2010. <Em http://www.scielo.br/pdf/rbp/v32s2/ v32s2a04.pdf>. Visualizado em 23 de setembro de 2013.


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produto que questiona o visível do que um objeto que o dá.” (SOULAGES, 2010: 105). Segundo este mesmo autor, uma das funções da fotografia seria tornar visível aquilo que ainda não foi visto e não tornar visíveis os fenômenos já visíveis; através da fotografia o artista faria um recorte sobre as inúmeras possibilidades de fenômenos no mundo e a partir deles criaria o seu próprio mundo (SOULAGES, 2010: 104). A máquina fotográfica não é um olho, e menos ainda um par de olhos. Ela não sofre as transformações ópticas, químicas e nervosas que atingem o olho e fazem com que sua visão esteja incessantemente em movimento e em mutação. Ela não é atingida da mesma maneira pela luz, pelos contrastes e pelos fatores temporais da percepção. Não é habitada permanentemente pela atenção e pela busca visual. Em resumo, uma foto nunca é um olhar que teria sido congelado. Além disso, o espectador não olha a foto como olha o mundo. Aliás, é o que constitui o interesse de uma foto (...). Diante de uma foto, o espectador obedece a uma outra estrutura de expectativa quanto à representação, ao reconhecimento, à rememoração, à emoção, ao imaginário, ao desejo, à morte, etc. (...) O cheiro, o som, o gosto e a tatilidade de uma foto não são os fenômenos. Vê-se então de outro modo a mesma coisa” (SOULAGES, 2010: 87-88).

2.3. A Autorrepresentação: por que utilizar o autorretrato? O que é um rosto? O rosto, enquanto único, físico, maleável e público, é o primeiro símbolo do Eu. É único, porque não há dois rostos iguais, e é no rosto que nós reconhecemos o outro, e nos identificamos a nós próprios. (ANTHONY SYNNOTT apud MEDEIROS, 2000: 73).

De onde vem esta vontade do indivíduo de autorrepresentar-se em um objeto artístico? Pareyson diz: “toda operação humana contém a espiritualidade e personalidade de quem toma a iniciativa de fazê-la e a ela se dedica com empenho; por isso toda obra humana é como um


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retrato da pessoa que a realizou” (PAREYSON, 1997 : 22). Se toda fotografia é um autorretrato de quem a produziu, o que é reforçado por Phillipe Dubois em sua obra O Ato Fotográfico - a fotografia seria sempre “imagem do que ela toma, daquele que toma, num mesmo e só lapso de espaço e de tempo, numa espécie de convulsão da representação, e por ela” (DUBOIS, 1993: 343) -, ou seja, se de qualquer forma, a fotografia representa quem a produziu, que vontade é essa do indivíduo de dilatar essa representação e mostrar-se ‘em corpo presente’ em suas fotografias?

FIGURA 8. Autorretratos sobre o colapso. Autoria própria, 2013.

Talvez porque mostrar-se em uma fotografia pode tornar aquele objeto mais original que qualquer outro, já que nele há vestígios de alguém que não pode se repetir em outro. Por outro lado, acredita Soulages, todo retrato passa da representação do individual ao universal (possivelmente já aí, o sujeito tornando-se objeto): “o retrato de uma mulher desconhecida com um turbante nos designa não mais uma determinada mulher, mas um tipo de mulher representado; passamos do individual ao típico e ao universal” (SOULAGES, 2010: 72). Podemos acrescentar a isso a reprodutibilidade da fotografia e, então, o sujeito vai passando de único a objeto universal e passível de cópia? E além disso, que universal é este? Ainda que represente mais do que um único indivíduo, é uma “universalidade


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local”, já que depende do entendimento de uma cultura, sendo universal apenas a existência de múltiplas possibilidades e da diversidade. Claro, sobre cada uma destas pequenas possíveis características poderíamos desenvolver uma ampla discussão. De qualquer forma, se a fotografia carrega o ‘enigma da vida’, o autorretrato pode ser ainda mais misterioso. Pode-se fotografar o eu de uma pessoa? Para tal, seria preciso que o eu existisse de maneira permanente e idêntica. (...) Não será ele sempre mutante e diferente? (SOULAGES, 2010: 74).

Pode ser que, ao produzir um autorretrato, o indivíduo queira, mesmo que sem plena consciência disso, produzir um duplo para estender sua existência. Medeiros (2000) afirma que “o duplo está originariamente ligado à ideia de alma, enquanto esta é vista como essência descarnada, imaterial, que assegura a continuidade do Eu para além do corpo” (p. 102). A autora, a este respeito, faz também uma referência à psuché de Homero: (...) espécie de alma-sombra, habitava o indivíduo durante a vida, mas só começava a sua verdadeira existência depois da morte: duplo virtual, ela assegurava o pleno prosseguimento da essência do indivíduo, e por conseguinte, a sua eternidade ainda mais plena, uma vez que a psuché só atingiria a sua inteira revelação após a morte do sujeito que ela habitava (MEDEIROS, 2000: 102).

Aqui, então, está presente novamente a questão da permanência que já foi citada anteriormente. Para Fontcuberta, fotografamos para tentar adiar a nossa morte, para afirmar o que nos agrada e tentar preencher as ausências. “Fotografamos para preservar a estrutura de nossa mitologia pessoal” (FONTCUBERTA, 2010: 40). A fotografia é, pois, a articulação entre o que se perde e o que permanece. Perda das circunstâncias únicas que são causa do ato fotográfico e da


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obtenção generalizada do irreversível do negativo, em suma, do tempo e do ser passados. Permanência constituída por essas fotos que podem ser feitas a partir do negativo. A perda é irremediável: a fotografia nos grita, nos mostra, nos faz imaginar isso; se a perda é absoluta e violenta, não é porque o tempo, o objeto ou o ser perdidos eram anteriormente de um grande valor para nós ou em si, mas porque esse tempo, esse objeto e esse ser estão agora perdidos para sempre: é porque eles estão perdidos que, de repente, seu valor se torna absoluto e que, logo depois, esse absoluto atinge e contamina a perda, nossa perda. O que permanece não pode ser um remédio milagroso, a não ser para aqueles que precisam crer nos milagres; efetivamente, será que isso nos consola da perda, nos permite suportar seu luto? Algumas vezes, talvez; em todo caso, é a única coisa que nos resta, aquilo com que se deverá lutar, o que se deve debater, combater, graças a que o artista poderá realizar a obra: a fotografia ou a arte de dispor aquilo que permanece... Perdas infinitas, permanências infinitas… (SOULAGES, 2010: 132).

Mas se considerarmos que a fotografia realmente nos coisifica, se tentarmos fazer com que, através dela, estendamos nossa existência no mundo, mas se ela não reproduz nossa personalidade, parece que estenderíamos nossa permanência como objetos inanimados, não como sujeitos. Será que o mais importante não seria então a simbologia - com sua possibilidade de comunicação intersubjetiva - que traz consigo esse objeto e a sua possibilidade de significação e ressignificação? Além disso, não podemos deixar de lembrar que, mesmo que o objeto fotográfico traga um caráter de coisa, sendo o retrato o registro de algum fragmento de um indivíduo que esteve presente frente à câmera no momento do clique, ali há algum de humanidade, vestígios de que uma vida existiu. O reconhecimento do outro e dos limites entre o eu e o outro - embora estes talvez nunca possam ser completamente compreendidos dada a complexidade dos processos de relação humana - é importante no processo de individuação. Mas esses limites, certamente, são muito


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imprecisos. No livro Um, Nenhum, Cem Mil, de Luigi Pirandello (2003), o personagem Vitangelo Moscarda se depara com um interessante conflito: durante toda sua vida, acreditou ter alguma certeza sobre quem era ou, ao menos, não se preocupou com esse assunto. Em um dado momento, ele é retirado de sua ‘zona de conforto’ por sua esposa, que lhe indica pequenos defeitos no rosto e no corpo, defeitos estes que ele nunca percebeu que existiam. A partir daí, começa uma enorme crise neste personagem sobre talvez nunca ter-se visto como os outros o vêem. A ideia de que os outros viam em mim alguém que não era tal qual eu me conhecia, alguém que eles só podiam conhecer olhando-me de fora, com os olhos que não eram os meus e me davam um aspecto fadado a ser sempre estranho a mim, mesmo estando em mim, mesmo sendo o meu para eles (um “meu”, portanto, não era para mim!), uma vida na qual mesmo sendo a minha para eles, eu não podia penetrar, essa ideia não me deu mais descanso. Como suportar em mim este estranho? Este estranho que eu mesmo era para mim? Como não o ver? Como ficar para sempre condenado a levá-lo comigo, em mim, à vista dos outros e no entanto invisível para mim? (PIRANDELLO, 2003: 36).

Neste livro, um instrumento muito utilizado pelo personagem é o espelho: ele se olha no espelho e não sabe exatamente quem vê; gostaria de pegar-se desprevenido, de repente, vendo a própria imagem para ver se encontra alguém mais espontâneo, sem pose, e talvez mais próximo daquilo que os outros vêem. E o tema do espelho é muito presente quando se fala em construção de identidade, em reconhecimento de si, dentro de abordagens diversas (na mitologia, na psicologia, na filosofia, na fotografia, etc). Quando se pensa em autorretrato, essa também é uma questão importante e, em minha própria obra, tanto em tanto quanto em imagem, o espelho já foi bastante utilizado como elemento de construção.


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FIGURA 9. Labirinto. Autoria própria, 2013.

Quando vejo esse espelho sem brilho, não sei se me vejo. Parece que busco outra pessoa. Ao olhar para o espelho do outro, encontro mais identificação que em mim mesmo. Talvez porque, quando olho para esse espelho sem brilho do outro, enxergo que ele mesmo também não se encontra. E o compreendo. Quando o compreendo, dele me aproximo. Quando me aproximo, ali me vejo. (Autoria própria, 2013)


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FIGURA 10. Medos Imaginários. Autoria própria, 2012.

Outro ponto importante que podemos levantar é que, através do autorretrato, o indivíduo pode observar-se, tentar conhecer-se melhor a partir de sua imagem congelada. Ali, percebe diversos elementos que não conhecia, ou que aparecem de forma diferente da que acreditava ser. Diferentemente do espelho, no qual o indivíduo só se depara com o seu presente, na fotografia ele pode retornar várias vezes àquele outro momento passado, no momento em que se autorretratou e que pode ser visitado e revisitado infinitas vezes. E a cada vez que se revisita, o indivíduo pode perceber-se sempre de outra forma. Indivíduo congelado, porém mutante, metamorfoseado pelo próprio olhar. E quando expomos um autorretrato, o que o Outro passa a conhecer de nós? Passa ele a conhecer em nós algo que nós mesmos não conhecemos? Nós mesmos nos conhecemos ou apenas conhecemos a ideia que criamos de nós? Pode ser que, ao expormos um autorretrato, passemos a ser acompanhados pelos estranhos de Pirandello.


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Narciso encarna o ser apaixonado pela própria imagem, sujeitado obsessivamente ao seu reflexo. O vampiro (...) carece de reflexo, ou seja, os espelhos não refletem sua imagem. (...) Por extensão, ‘narcisistas’ e ‘vampiros’ designariam também categorias contrapostas no mundo da representação. Em uns, prevalece a sedução do real; em outros, a frustração do desejo, a presença escondida, o desaparecimento. (...) De alguma forma, um diagnóstico possível sobre a fotografia contemporânea poderia ser o anúncio da abrupta irrupção dos vampiros, sua proliferação, sua coexistência com os narcisistas e, frequentemente, a progressiva metamorfose de uns em outros (Fontcuberta, 2010: 27).

Parte da preocupação frente à afirmação da identidade relaciona-se à memória. Perder a memória é como perder partes de si, imaginar-se com buracos que não podem mais ser preenchidos, exceto com novas informações: aquelas que se perdem, não podem ser recuperadas. Esta questão, em particular, é bastante presente no meu processo criativo enquanto temática, em imagens e textos.

FIGURA 11. Registro de anotação pessoal. Autoria própria, 2013.


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A mulher sem memória. A mulher sem memória não tem casa. Constrói sua estrutura com tijolos tão frágeis que, todos os dias quando acorda, olha a parede que tentou erguer e só encontra buracos. Não há como repor os tijolos que se foram porque cada novo buraco é tão particular que nenhum novo bloco se encaixa. A mulher sem memória, todos os dias quando acorda, se lembra da fragilidade de sua casa. Essa mulher, todos os dias, depois que acorda, é questionada sobre a fragilidade de sua casa. Por que não se esforça para preencher os buracos? A mulher sem memória todos os dias se esforça, mesmo quando não há mais força, mesmo quando não se lembra do que é ter força. Mas todo novo material que experimenta para preencher as lacunas é feito de areia e a areia lhe escorre. A mulher chora e as lágrimas que também escorrem levam os poucos grãos que ainda restavam da areia que não conseguiu segurar. A mulher ainda chora. A mulher sem memória um dia acorda, olha para todos os buracos de sua parede e percebe que são fontes de luz. O desenho que cada feixe de luz que passa por cada fresta de sua parede frágil desenha sobre essa mulher é único e diferente a cada dia que ela acorda. A mulher se ilumina. A mulher sem memória um dia acorda, olha para os buracos em sua parede e percebe que são molduras. O mundo parece mais bonito quando observado através dos buracos, o mundo emoldurado nas paredes de sua casa. A mulher se enquadra. Um dia a mulher acorda e se dá conta da magia da fragilidade de sua casa. Ela acorda e esquece os buracos de sua parede. A mulher não chora mais. (Autoria própria, 2013)


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Para Figueiredo (2007), perder a memória “equivale à perda do rosto, da consciência do corpo e do eu, o que leva a um apagamento de todo o processo de individuação” (FIGUEIREDO, 2007: 128). Para ela, estamos numa “sociedade da amnésia”, na qual o indivíduo parece ser apenas a “sombra de uma personagem” (talvez o maior exemplo disso seja o personagem que disseminamos em nossos perfis nas redes sociais da internet); utilizam-se então as fotografias como uma espécie de prótese através da qual o indivíduo tenta afirmar sua existência (p. 128). O eu contemporâneo é uma construção imaginária. Não existe uma identidade inerente, original, que possa restabelecida. Ela é desde logo construída como imagem. Ele está sempre refazendo esta construção, substituindo-a por outra imagem para deparar com a alienação fundamental que o fez construí-la como uma outra coisa. Ao se descobrir o indivíduo se descobre como um outro. A experiência vicária8 é fundadora da subjetividade atual: só se vive como um outro.” (NELSON BRISSAC apud FIGUEIREDO, 2007: 119).

O indivíduo contemporâneo, consciente de estar numa sociedade onde prevalece uma cultura de massa, tende a querer se diferenciar dos demais para afirmar sua identidade, e a fotografia vai ter importante papel nessa tentativa de afirmação (MEDEIROS, 2000: 77). Figueiredo (2007) vai levantar outro aspecto importante da sociedade moderna, o acúmulo, o que podemos pensar aqui como: acúmulo populacional e perda da identidade individual; acúmulo de informações com o rápido avanço do conhecimento e da tecnologia; e o acúmulo de imagens. Medeiros (2000) nos lembra que, na arte contemporânea, é frequente a autorrepresentação como um indivíduo desconfigurado e distorcido, como um momento de questionamento e crítica do ‘quem sou eu?’. Ela dá como exemplo a obra de Francis Bacon: 8 Referente à substituição.


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(...) A auto-representação de Bacon é des-figurante, obsessiva, trepidante; está implícita uma interrogação sobre o ser, sobre o sentido da configuração das formas construindo movimentos de sucessão aparentemente acidental. Bacon anuncia a ameaça de morte do Eu (que é um equivalente simbólico da desconfiguração), através da insistência na apresentação de si deformada. Anuncia-o porque essa representação é dramática ou mesmo trágica: deixa entrever a solidão humana, a percepção de si como non-sense, como em permanente descontinuidade com o mundo (MEDEIROS, 2000: 104).

FIGURA 12. Three Studies for self-portrait. Francis Bacon, 1990.


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FIGURA 13. Polaroid self-portrait. Francis Bacon, 1970.

FIGURA 14. O estĂşdio de Francis Bacon.


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Medeiros também faz uma interessante análise sobre os autorretratos de Cindy Sherman, Jo Spence e Nan Goldin. Ela aponta que, através da fotografia, as artistas parecem buscar a reparação do self, o que vai de acordo com a teoria de Klein e o impulso criativo: “a ideia de vitimização que nelas surge [nas imagens dessas fotógrafas] funciona como forma de desidealização do relacionamento com o mundo, assumindo o sujeito, perante este, uma atitude anti-mitificadora” (MEDEIROS, 2000: 133). Apresentar-se em sofrimento, com marcas no corpo, sinais de velhice etc, também seria uma “estratégia de negação do cânone da beleza” (p.134). E completa: Que a auto-representação feminina assuma um contorno mais agonístico e centrado no corpo - sobretudo na sua destruição -, isso se deve pois a dois aspectos: por um lado, a especificidade da sexualidade feminina e de sua ontogênese; por outro lado o facto de, numa cultura do indivíduo, a emergência de um discurso feminino tornar manifesta a ambivalência e a complexidade dessa identidade feminina (MEDEIROS, 2000: 135136).

FIGURA 15. Untitled #95. Cindy Sherman, 1981.


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FIGURA 16. Jo Spence and Dr Tim Sheard, Narratives of Dis-ease (Included). Jo Spence, 1990.

FIGURA 17. Nan One Month After Being Battered. Nan Goldin, 1984.


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FIGURA 18. Da série Ensaios sobre o Abandono. Autoria própria, 2013.

FIGURAS 19 a 23. Registros de anotações pessoais. Autoria própria, 2013.

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Embora tenhamos citado, em sua maioria, artistas mulheres que tendam a esse tipo de representação, poque nos parece que essas características que abordamos anteriormente sejam mais frequentes nos autorretratos femininos, vale a pena aqui citar o trabalho do fotógrafo John Coplans, que também realizou diversos autorretratos nos quais destaca uma série de ‘imperfeições’.

FIGURA 24. Self-portrait (torso, front). John Coplans, 1984.

FIGURA 25. Self-Portrait (Back with Arms Above). John Coplan, 1984.


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Em seus autorretratos, a cabeça não está presente, o que Annateresa Fabris (2004) denomina “o autorretrato acéfalo”. O artista se despersonifica, havendo, ao que parece, uma tentativa de colocar-se como ser universal. Em sua análise sobre a obra de Coplans, Fabris (2004) aponta: (...) Coplans privilegia a nudez primordial, em busca de uma “figura arcaica”, que fosse ele e não fosse ele ao mesmo tempo. À identidade pessoal, tão perseguida pela cultura ocidental desde o Iluminismo, contrapõe a existência de um corpo destituído de toda especificidade temporal, livre de transitar pela esfera da cultura sem qualquer entrave (FABRIS, 2004: 158).

Outra análise interessante do trabalho de Coplans é feita por Ronaldo Entler no texto Todo corpo merece uma imagem, publicado recentemente no blog Icônica. Este autor também acredita que, de certa forma Coplans tenta recusar os padrões de beleza impostos, mas lhe parece que há em seus autorretratos uma preocupação maior com a exploração do desenho, volume e texturas de seu corpo do que com “qualquer finalidade terapêutica ou pedagógica”9. Nota-se, por fim, que existe uma forte tendência à desconstrução da própria aparência nos autorretratos contemporâneos, desconstrução esta que está muitas vezes, embora possa parecer o contrário, relacionada à afirmação da identidade, trazendo diversos questionamentos quanto à percepção de si e quanto ao papel do sujeito frente às ‘regras’ impostas socialmente. Sou fotografado, logo existo. A fotografia é, então, verdadeiramente performativa: faz-me ser no presente (...). Melhor que um espelho em que a imagem se modifica sem parar, me envia ad vitam aeternam uma imagem fixa de um eu obrigatoriamente triunfante (em relação ao

9 <Em: http://iconica.com.br/blog/?p=6340>. Visualizado em 19 de outubro de 2013).


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nada), de um ser em aparência fotografado. (SOULAGES, 2010: 23).

2.4. Autorretrato e Performance Etimologicamente relacionado com um “dar forma”, do latim “performare”, a palavra tem hoje um sentido mais abrangente (...). Foi associado às artes cênicas, como o teatro e a dança, apesar de etimologicamente não estar associado à ideia de espetáculo. O fato de este conceito estar sobretudo associado à ideia de encenação/ desempenho de papéis, aproxima-o hoje de outras técnicas artísticas e de outras linguagens, como a fotografia. O corte produzido pelos enquadramentos e montagens, a modificação que a luz introduz na forma dos objetos, a intervenção a nível das escalas e, sobretudo, a possibilidade de construir cenários como se de instantes da vida se tratasse, vieram mostrar como a fotografia é, também, um dispositivo propício à reinvenção de papéis. (MEDEIROS, 2000: 113).

Medeiros (2000) nos traz a ideia de que a performatividade da fotografia está voltada à construção de uma imagem de si pensada na presença virtual do outro/ espectador (p. 115), o que nos leva de volta à questão do discurso poético elaborado para um destinatário intrapsíquico, ao menos inicialmente, o que já foi mencionado no primeiro capítulo. A autora fala dessa antecipação quanto à possibilidade de interpretação do outro como um jogo, uma ideia alucinatória, havendo a necessidade de buscar no Outro uma “autorreferência estável”, e conclui: Daí a flutuação pela auto-representação obsessiva, o centramento na imagem do corpo, a ideia de (se) representar, de exposição permanente de si, de exterioridade absoluta, que caracteriza a arte contemporânea com especial incidência na fotografia. Francesca Woodman10 é um bom 10 Francesca Woodman (1958-1981), fotógrafa norte-americana, começou a fotografar com cerca de 13 anos e, apesar de sua vida breve (deprimida, cometeu suicídio aos 23 anos), teve uma produção fotográfica bastante extensa, composta em grande parte por autorretratos e retratos femininos.


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exemplo disso (MEDEIROS, 2000: 115).

FIGURA 26. Untitled. Francesca Woodman, 1978.

FIGURA 27. Da sĂŠrie Some Desorded Interior Geometries. Francesca

Woodman, 1980-1981.


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FIGURA 28. Francesca Woodman´s Notebook. Francesca Woodman, ano desconhecido.

Para Medeiros (2000), o caráter performativo da fotografia também é ampliado quando se constroem narrativas a partir de sequências de imagens, sendo um exemplo disso o trabalho de Duane Michaels (p. 116). Essa abordagem que a autora faz parece ser uma aproximação com a performance dos espetáculos, no sentido de haver aí a possibilidade de atuação de um corpo em movimento (poses variadas num tempo decorrido/ estendido), sendo que a construção de significados se dá na sequência das imagens e não em uma cena estática.


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FIGURAS 29 A 34. SĂŠrie Chance Meeting. Duane Michaels, 1969.

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Em minha produção imagética, também existe uma tendência à construção de narrativas a partir de sequências de imagens. Seguem abaixo alguns exemplos.

FIGURA 35. Da Série Ensaio sobre o Abandono. Autoria própria, 2013.


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FIGURA 36. Da série Não Siso. Autoria própria, 2011.

Pode ser que exista nesta forma de construção a possibilidade de tentar melhor orientar o espectador no sentido que o artista deseja dar à percepção de sua obra. Por outro lado, isso também pode se dar com o trabalho de edição de um conjunto que não componha uma narrativa linear, mas levem o receptor a um melhor entendimento do conceito do trabalho. Por fim, não podemos esquecer que obras que se apresentam sozinhas também podem dar conta de uma ampla narrativa e significação a partir dos elementos que a compõem e do contexto no qual a obra é inserida, por exemplo. Medeiros (2000) nos lembra também que pelas possibilidades “miméticas e mecânicas” da fotografia, e por seu caráter performativo, o sujeito, pode, através do autorretrato, “destruir, reconstruir, ficcionar o seu Eu, com a garantia de que a imagem construída comporta consigo um estatuto de discrição quanto ao seu dispositivo falseante” (MEDEIROS, 2000: 117). Esta ‘discrição’ pode estar relacionada à crença (embora cada vez


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menor, mas ainda muito presente) no caráter indicial da fotografia, que já mencionamos anteriormente: por mais que represente uma ficção, ainda existe uma enorme vontade de acreditar nela como verdade, cópia da realidade. A fotografia então, aproxima-se novamente do espetáculo. Nela, o retratado pode ser um ator e, através da pose, assumir um novo papel.

2.5. A Construção de uma Linguagem Pessoal Fotografar pode gerar vários tipos de comportamentos: ou ver com a discrição aparente do voyeur, ou mostrar-se com a exuberância do exibicionista. Em todos os casos, é sempre constituir um teatro do qual se é o diretor, do qual se é, por certo tempo, o Deus ordenador: dãose ordens, chama-se à ordem, introduz-se ordem no real que se quer fotografar (SOULAGES, 2010: 67).

Existe na fotografia uma necessidade de organização, dentro do quadro, de certos elementos que vão assim gerar interesse ao fotógrafo no momento do clique, e estimular o interesse do receptor. Muitas vezes essa organização não é feita de maneira totalmente consciente, e muitas vezes passam despercebidos no momento do clique alguns elementos que só serão descobertos depois da análise do negativo (ou arquivo digital, etc). A partir dessa organização dos elementos visuais é que se começará a transformação do assunto em forma. Fotografar é, num mesmo instante, numa fração de segundos, reconhecer um fato e a organização rigorosa das formas percebidas visualmente que expressam e significam esse fato (CARTIER-BRESSON apud SOULAGES, 2010: 41).

Segundo Soulages (2010) o estilo, que podemos aqui entender como a linguagem pessoal, pode gerar perigos por estimular nos outros a cópia e em si mesmo o plágio, a repetição, e conclui: “Esse é o paradoxo do


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estilo: quando existe, pode induzir a uma repetição e, quando não existe, a obra é imperfeita” (p. 222). E a respeito de o artista ser induzido à cópia de si mesmo, à repetição, Fontcuberta (2010) complementa: Nós, os criadores, costumamos ser monotemáticos. Podemos disfarçar com envoltórios de distintas cores, mas no fundo não fazemos mais que voltar obsessivamente à mesma questão. (FONTCUBERTA, 2010: 9)

Salles trata das tendências do artista na criação de sua linguagem através do que chama de princípios direcionadores: (...) de natureza ética e estética, presentes nas práticas criadoras, relacionados à produção de uma obra específica e que atam a obra daquele criador, como um todo. São princípios relativos à singularidade do artista. São planos de valores, formas de representar o mundo, gostos e crenças que regem o seu modo de ação: um projeto pessoal e singular. Esse projeto está inserido no espaço e tempo da criação que inevitavelmente afetam o artista. A busca, como processo contínuo, é sempre incompleta. O próprio projeto que direciona, de algum modo, a produção das obras pode mudar ao longo do tempo (SALLES, Cecília Almeida.

Em:

<http://www.redesdecriacao.org.br/?verbete=90>.

Visualizado em: 09 outubro 2013).

Para Merleau-Ponty (2013), o estilo é a organização dos elementos do mundo, organização esta que permite uma “deformação coerente” dos dados do mundo, e assim a criação de significação. Neste trecho, ele trata da pintura, mas podemos aproximar sua análise à construção fotográfica: Essa convergência de todos os vetores visíveis e morais do quadro para uma mesma significação x já está esboçada na percepção do pintor. Ela começa assim que ele percebe – isto é, assim que dispõe no inacessível pleno das coisas certas concavidades, certas fissuras, figuras e fundos, um alto e um baixo, uma norma e um desvio, assim que certos


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elementos do mundo assumem um valor de dimensões às quais, daí em diante, reportamos todo o resto, na linguagem das quais o exprimimos (MERLEAU-PONTY, 2013: 81).

Por sua vez, tratando da literatura, mas em termos que também podemos claramente aproximar da fotografia, João Cabral de Melo Neto diz: O autor de hoje trabalha à sua maneira, à maneira que ele considera mais conveniente à sua expressão pessoal. Do mesmo modo que ele cria a sua mitologia e sua linguagem pessoal, ele cria as suas leis de composição. Do mesmo modo que ele cria seu tipo de poema, ele cria seu conceito de poema, e a partir daí, seu conceito de poesia, de literatura, de arte. Cada poeta tem sua poética. Ele não está obrigado a obedecer nenhuma regra, nem mesmo àquela em que determinado momento ele mesmo criou, nem a sintonizar seu poema a nenhuma sensibilidade diversa a sua. O que se espera dele, hoje, é que não se pareça a ninguém, que contribua com uma expressão original (MELO NETO, 1997: 53).

Fazendo uma breve análise da obra de Francesca Woodman, quanto à construção de sua linguagem e as repetições, podemos levantar alguns aspectos: A) É bastante frequente em suas imagens o uso dos cantos como recurso de profundidade, além da obliquidade das linhas que geram além de pontos de fuga, uma certa sensação de instabilidade na imagem. Havia uma clara preocupação com a geometrização das imagens.


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FIGURA 37. Self-deceit # 3. Francesca Woodman, 1978.

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FIGURA 38. Untitled. Francesca Woodman, 1975-1978.


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FIGURA 39. Self-deceit # 1. Francesca Woodman, 1978.

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FIGURA 40. Francesca Woodman´s Notebook. Francesca Woodman, data desconhecida.


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B) Parece haver uma tentativa de misturar o corpo com a arquitetura (geralmente deteriorada), e talvez esconder-se nela.

FIGURA 41. Space2. Francesca Woodman, 1976.


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FIGURA 42. Untitled. Francesca Woodman, 1975-1978.


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FIGURA 43. Then at one point I did not need to translate the notes; they went directly to my hands. Francesca Woodman, 1976.

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FIGURA 44. Space2. Francesca Woodman, 1976.


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C) O uso do nu, que nรฃo traz sensualidade, mas um corpo feminino aparentemente frรกgil e desprotegido.

FIGURA 45. Untitled. Francesca Woodman, 1979-1980.


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FIGURA 46. Untitled. Francesca Woodman, 1977-1978.


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FIGURA 47. Untitled, da sĂŠrie Eal. Francesca Woodman, 1977-1978.

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Em meu trabalho pessoal podemos pensar também em algumas repetições, algumas delas exemplificadas abaixo: A) A pose de um corpo que parece não se sustentar, um corpo em queda, curvado.

FIGURA 48. Da série Não Siso, sobre a loucura. Autoria própria, 2011.


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FIGURA 49. Eu-Rascunho. Autoria pr贸pria, 2013.


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FIGURA 50. Da s茅rie Ensaio sobre o Abandono. Autoria pr贸pria, 2013.

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B) O uso do ambiente interno, doméstico, para construção dos cenários dos autorretratos.

FIGURA 51. Solidão a quatro. Autoria própria, 2013.


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FIGURA 52. Da série Medos Imaginários. Autoria própria, 2012.

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C) A repetição nos temas, que fazem referência a conflitos psicológicos: medo, loucura, abandono, colapso.

FIGURA 53. Da série Não Siso, sobre a loucura. Autoria própria, 2011.


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FIGURA 54. Da s茅rie Meus Dem么nios. Autoria pr贸pria, 2010.

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D) Exploração de objetos como autorrepresentação:

FIGURA 55. Solidão em Rascunho. Autoria própria, 2013.

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FIGURA 56. Da série Medos Imaginários. Autoria própria, 2012.

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FIGURA 57. Da série Medos Imaginários. Autoria própria, 2012.

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E) Em meus autorretratos também aparece o nu como forma de representar um corpo sem proteção, vulnerável.

FIGURA 58. Da série Ensaios sobre o Abandono. Autoria própria, 2013.


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Figura 59. Da série Ensaios sobre o Abandono. Autoria própria, 2013.

Podemos notar que as repetições fazem parte da construção do conceito do artista em torno de sua obra; geram unicidade ao trabalho, não só em termos formais, mas também para permitir a comunicação de um significado, uma história, uma narrativa, um contexto e até uma atmosfera psicológica.



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O PROCESSO CONTINUA...



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Este trabalho continua em aberto. Estudar o processo criativo é uma tarefa complexa, talvez infinita, e por isso deve ser continuada, já que, em um ano de estudo, algumas questões foram respondidas mas inúmeras permaneceram em aberto, enquanto tantas outras novas surgiram. Do meu processo em particular foi muito interessante notar as mudanças de percurso: tanto este trabalho acadêmico, quanto as imagens e os textos poéticos foram alterando parte de sua ‘essência’ de acordo com as mudanças que ocorriam em minha vida pessoal; foi preciso adaptar todos os quereres ao meu tempo particular; alguns quereres deixaram de existir, outros se enriqueceram. E houve muitas dúvidas neste percurso, inclusive se eu conseguiria dar nexo a todas as ideias que eu tinha em mente quanto a este projeto e, diante de fases de enorme ebulição de pensamento e outras em que nada brotava deste solo, certamente o que mais me auxiliou a concretizar esta etapa foram as minhas anotações, porque anotei referências, anotei ideias, anotei esboços de imagens, anotei angústias. E pude revisitar essas páginas muitas vezes para que pudesse ir costurando pouco a pouco o que eu tentava expressar. Ainda que eu saiba que a construção do projeto tenha se dado às custas de muita busca e de muito trabalho, fico tentada em alguns momentos a acreditar num quê de magia. A cada nova leitura, de repente, uma nova luz: como mágica, parece que exatamente aquilo que eu procurava, eu ia encontrando nas páginas mais inusitadas de livros diversos. E em fases em que eu não conseguia pensar em novas imagens ou não havia produção de textos poéticos, de repente, pronto! Pequenos insights iam surgindo, somando-se, e estava pronto um novo corpo de produção. Mas claro, abordamos neste trabalho que a inspiração não ‘cai do céu’; não cai mesmo. Tudo o que produzi foi fruto das partes que puderam se juntar à medida que a pesquisa ia acontecendo, à medida que a vida ia acontecendo, partes estas que ficavam ali escondidas em algum cantinho da minha memória (mental ou material) e que podiam vir à tona quando


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uma espécie de ‘tensão superficial’ permitia que se juntassem numa mesma área e, trabalhadas, dessem origem a mais uma criação. Pensando na produção fotográfica e particularmente nos autorretratos, fica claro que, independente da motivação com que sejam produzidos, por mim ou por outros artistas, existe uma vontade imensa de deixar-se como rastro no mundo. A fotografia permite que você entre nas casas e mentes das pessoas sem pedir autorização: enquanto pequenos objetos, impressões ou imagens digitais, mesmo que o receptor não as esteja buscando, as imagens podem surgir para ele em uma publicação, na tela de um site na internet, em um pequeno postal, etc. As imagens chegam sorrateiramente e quando o receptor percebe, foi atingido por elas. Sendo autorretratos, são pequenos fragmentos de indivíduos - que existem ou existiram - que chegam à vida do receptor, às vezes para encantá-lo, às vezes para perturbá-lo. Claro, às vezes esse sujeito também passa despercebido. De qualquer forma, podemos dizer que o fotógrafo, assim como todo artista, tenta deixar no mundo um vestígio de sua passagem que sobreviva à sua própria existência, como os ossos após a morte. “(...) o esqueleto, a ossatura, é o único resíduo sólido do Eu, a única coisa sustentável do ser a partir do momento em que deixa de respirar, mas ao mesmo tempo, o sinal mais evidente de que isso já aconteceu...” (Medeiros, 2000: 77)




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LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Esquema sobre a Melodia Latente . BOUQUET, Carlos Martinez in CREMA, Roberto (org); BRANDÃO, Denis H. S. (org.). Visão holística em psicologia e educação. São Paulo: Summus, 1991. FIGURA 2. Meus cadernos de anotação do ano de 2013. Fotografia de autoria própria, 2013. FIGURA 3. Registro de minha anotação. Fotografia de autoria própria, 2013. FIGURA 4. Registro de minha anotação. Fotografia de autoria própria, 2013. FIGURA 5. Registro de minha anotação. Fotografia de autoria própria, 2013. FIGURA 6. Registro de minha anotação. Fotografia de autoria própria, 2013. FIGURA 7. Registro de minha anotação. Fotografia de autoria própria, 2013. FIGURA 8. Autorretratos sobre o colapso. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013. FIGURA 9. Labirinto. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013. FIGURA 10. Da série Medos Imaginários. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2012. FIGURA 11. Registro de minha anotação. Fotografia de autoria própria, 2013. FIGURA 12. Three Studies for self-portrait. Pintura de Francis Bacon,


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1990. <Em: http://www.artnet.com/artwork/426277753/425932388/ francis-bacon-three-studies-for-a-self-portrait.html>. Visualizado em 09 de outubro de 2013. FIGURA 13. Polaroid self-portrait. Fotografia de Francis Bacon, 1970. Harrison, Martin. In Camera: Francis Bacon, photography, film and the pratice of painting. London: Thames & Hudson, 2005. FIGURA 14. O estúdio de Francis Bacon. Harrison, Martin. In Camera: Francis Bacon, photography, film and the pratice of painting. London: Thames & Hudson, 2005. FIGURA 15. Untitled #95. Fotografia de Cindy Sherman, 1981. <Em: http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2012/cindysherman/ gallery/4/#/0/untitled-95-1981>. Visualizado em 09 de outubro de 2013. FIGURA 16. Jo Spence and Dr Tim Sheard, Narratives of Dis-ease (Included). Fotografia de Jo Spence, 1990. <Em: http://www.jospence. org/narratives_of_disease/n_o_d_6.html>. Visualizado em 09 de outubro de 2013. FIGURA 17. Nan One Month After Being Battered. Fotografia de Nan Goldin, 1984. <Em: http://bitchmagazine.org/post/in-the-frame-nangoldin-feminist-artist-domestic-violence>. Visualizado em 09 de outubro de 2013. FIGURA 18. Da série Ensaios sobre o Abandono. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013. FIGURAS 19 a 23. Registros de minhas anotações pessoais. Fotografia de autoria própria, 2013. FIGURA 24. Self-portrait (torso, front). Fotografia de John Coplans, 1984. <Em: http://www.tate.org.uk/art/artworks/coplans-self-portraittorso-front-p11672>. Visualizado em 09 de outubro de 2013.


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FIGURA 25. Self-Portrait (Back with Arms Above). Fotografia de John Coplan, 1984. <Em: http://www.tate.org.uk/art/artworks/coplans-selfportrait-back-with-arms-above-p11671>. Visualizado em 09 de outubro de 2013. FIGURA 26. Untitled. Fotografia de Francesca Woodman. Roma, 1978. Catálogo das exposições em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 27. Da série Some Desorded Interior Geometries. Francesca Woodman, 1980-1981. Catálogo das exposições em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 28. Fotografia de Francesca Woodman, ano desconhecido. WOODMAN, George (org); WOODMAN, Betty (org). Francesca Woodman´s Notebook. Milão: Silvana Editoriale, 2011. FIGURAS 29 A 34. Da série Chance Meeting. Fotografias de Duane Michaels, 1969. <Em: http://www.studium.iar.unicamp.br/zero/chance. htm>. Visualizado em 30 de setembro de 2013. FIGURA 35. Da série Ensaio sobre o Abandono. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013. FIGURA 36. Da série Não Siso. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2011. FIGURA 37. Self-deceit # 3. Fotografia de Francesca Woodman. Roma, 1978. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 38. Untitled. Fotografia de Francesca Woodman. Rhode Island, 1978. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 39. Self-deceit # 1. Fotografia de Francesca Woodman. Roma,


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1978. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 40. Fotografia de Francesca Woodman, ano desconhecido. WOODMAN, George (org); WOODMAN, Betty (org). Francesca Woodman´s Notebook. Milão: Silvana Editoriale, 2011. FIGURA 41. Space2. Fotografia de Francesca Woodman. Rhode Island, 1976. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 42. Untitled. Fotografia de Francesca Woodman. Rhode Island, 1975-1978. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 43. Then at one point I did not need to translate the notes; they went directly to my hands. Fotografia de Francesca Woodman. Rhode Island, 1976. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 44. Space2. Fotografia de Francesca Woodman. Rhode Island, 1976. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 45. Untitled. Fotografia de Francesca Woodman. Nova Iorque, 1979-1980. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 46. Untitled. Fotografia de Francesca Woodman. Roma, 19771978. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012. FIGURA 47. Untitled, da série Eal. Fotografia de Francesca Woodman. Roma, 1977-1978. Catálogo das exposições realizadas em San Francisco Museum of Modern Art e Guggenheim Museum, 2012.


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FIGURA 48. Da série Não Siso. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2011. FIGURA 49. Eu-Rascunho. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013. FIGURA 50. Da série Ensaios sobre o Abandono. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013. FIGURA 51. Solidão a quatro. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013. FIGURA 52. Da série Medos Imaginários. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2012. FIGURA 53. Da série Não Siso. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2011. FIGURA 54. Da série Meus Demônios. Fotografia de autoria própria. São Paulo 2010. FIGURA 55. Solidão em Rascunho. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013. FIGURA 56. Da série Medos Imaginários. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2012. FIGURA 57. Da série Medos Imaginários. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2012. FIGURA 58. Da série Ensaios sobre o Abandono. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013. FIGURA 59. Da série Ensaios sobre o Abandono. Fotografia de autoria própria. São Paulo, 2013.



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