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_Caio Bastos, 24 “Sou um palhaço e coleciono instantes.” caiocesarbastos@outlook.com
Para partilhar.
Será o que será. Número a número.
Apesar de curta, essa é a resposta para a devida pergunta.
Na verdade a regra máxima é partilhar. Pura e simples.
Simples assim.
E bem, para ficar dignamente registrado, sou absolutamente grato aos espetaculares Márcio Moreno, Bernardo Borges, André Sant’anna e Djan Arcanjo, que emprestaram seus traços, seus quadros e suas palavras a este projeto até então inexistente, sem ponderarem qualquer recusa ou restrição, elevando logo de cara o nível de arte aqui publicada. Meu efusivo e sincero agradecimento. Vocês mandam bem demais! Não por acaso os escolhi.
A Maklau Mag nasceu da vontade de trocar ideias, referências, de somar e de multiplicar, como num papo de bar, como no fino trato de amigos. E agora ela existe para ser um catalizador de ideias, uma plataforma, quiçá até, um trampolim. Maklau que pode ser qualquer coisa e nasceu em retribuição a todos que contribuirão para minha formação cultural; sendo assim, jogo no mundo, com muito esmero, parte do que aprendi para que sirva de referência, de inspiração e o que for para qualquer um. Por definição a Maklau é, a partir de agora, uma Revista Digital Colaborativa Multidisciplinar, conceito pomposo, longo e bonito. Na prática será um bate papo de amigos entre amigos e amigos dos amigos, dos amigos, dos amigos, dos amigos... Terá quantas páginas precisar ter.
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imagens
suportar,
Então, sem mais delonga. Bem vindo, bem vinda... A primeira página já passou. E que venham as próximas.
Quantas palavras couberem. Quantas regras.
Além, é claro, de todo o meu apreço aos meus familiares e amigos que me aturaram durante meses, enquanto tudo isso aqui tomava forma, que deram suporte, pitacos e que me influenciaram de diversas maneiras. Vocês todos são parte disto aqui...
sem Caio, vulgo eu.
_Maklau mag _agosto2013 _#1
Capa Márcio Moreno, “Cão Falido, 2012” Contra capa Márcio Moreno, “A Mãe e o Porco, 2012”
Editor/ Idealizador Caio Bastos Design Caio Bastos Revisão Raíssa Bastos
_web maklaumag.tumblr.com _facebook facebook.com/maklaumag _contato maklaumag@outlook.com
É proibida a reprodução total ou parcial dos textos, fotos e ilustrações por qualquer meio sem prévia autorização dos artistas, autores e demais envolvidos. 6
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O Cristo e o governo e as bocetas nesse mundo e aquela cena da cobra engolingo o sapo e os leĂľes devorando as criancinhas que esguicham sangue e o sol secando o sangue das criancinhas se decompondo e liberando carbonos e formando petrĂłleo: o combustĂvel do piloto de carros em chamas.
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O piloto se queimando e derretendo e liberando carbonos e toda essa angĂşstia o tempo todo. Aquelas palavras e aqueles livros todos explicando as palavras e as palavras dos livros e a histĂłria do Cristo, lĂĄ, todo ensanguentado na cruz e o sol secando o sangue do Cristo e os vermes devorando o corpo do
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Cristo e o combustível do piloto de carros em chamas e as crianças esguichando sangue e aquele programa divertido da televisão com o cara explicando todas aquelas palavras e a dor. A dor e aquele livro cheio de palavras e o Presidente da República falando aquelas coisas todas para o povo e o povo ouvindo o Presidente da República e a dor do povo e o sangue do povo esguichando e o sol secando o sangue do povo e o povo em chamas nas revoluções e o povo ouvindo a história do Cristo e o povo bebendo o sangue de Cristo e o fedor do povo e o Presidente da República e essa angústia toda entre os homens e as mulheres fazendo sexo e todas essas doenças no sangue do povo fazendo sexo e produzindo criancinhas e liberando carbonos o tempo todo e os organismos fedendo e a gordura nos organismos e aquelas mulheres.
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_André Sant’anna Autor do livro “Amor”, 1998, do qual extraímos este fragmento, além dos títulos “Sexo”, 1999; “O Paraíso é bem bacana”, 2006 e “Sexo e Amizade”, 2007.
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Aquelas bocetas e aquelas palavras todas e o sangue e o povo comendo o cadáver do Cristo e o povo comendo cadáveres diversos e o sol, lá em cima, secando o fedor do povo e as palavras todas e os problemas do povo. Todas as palavras e as paixões e o povo e os deputados, lá, criando leis para o povo e o Cristo, lá, criando leis para o
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povo e o povo criando leis e o cara, lá na televisão, explicando tudo, no caixão, liberando carbonos e os gases do estômago e o piloto de carros nas chamas produzidas pelo sangue das criancinhas e o Cristo criando criancinhas devoradas e o Presidente dos Estados Unidos, lá na Casa Branca, e a mulher do Presidente dos Estados Unidos.
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A boceta da mulher do Presidente dos Estados Unidos e os caras fazendo sexo com as mulheres bonitas do cinema e o cara fazendo sexo com a Marylin Monroe e a boceta da Grace Kelly e o príncipe olhando para a boceta da Grace Kelly e a Grace Kelly olhando para o pau do príncipe e a Grace Kelly sentada no bidê e as fezes dos seres humanos e as fezes de todos e o sol secando a merda e liberando carbonos e produzindo petróleo e os árabes, todos lá no Oriente Médio, produzindo petróleo e as criancinhas esguichando sangue e aquelas espadas cortando cabeças e os chineses e os japoneses e os indianos e os caras do oriente, lá no oriente, meditando e se integrando ao todo e essa angústia toda naquelas bocetas esguichando sangue e os jogadores de futebol, lá na Itália, e os dólares dos jogadores de futebol
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e as bocetas das mulheres dos jogadores de futebol e os negros da África e o negro Presidente da África do Sul e os cantores ingleses arrecadando dólares para as criancinhas negras da África e os negros produzindo música e os ingleses tocando a música dos negros e aquelas guitarras coloridas e os jovens levantando
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_Djan Arcanjo, 26 “Publicitário de formação, e ilustrador nas horas vagas.” flickr.com/photos/djanarcanjo
as mãos e fazendo sinais para os ingleses nessa angústia toda e a Inglaterra toda angustiada e a boceta da Rainha da Inglaterra e os peitos murchos da Rainha da Inglaterra e os filhos da Rainha da Inglaterra com aquelas louras e luzes se acendendo através dos fios de eletricidade e essa energia toda iluminando o sangue das criancinhas e as florestas.
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_Márcio Moreno, 28 “Sou um rapaz comum da geração do raprockandrollpsicodeliahardcoreragga.” marciomoreno.com
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Joe Navalha, 2013 31
SKT Punk, 2013 32
TEXTO POR
CAIO BASTOS
Restam duas opções, ao se deparar com as ilustrações do artista visual Márcio Moreno: gostar ou não gostar. E cá entre nós, quem não gosta bom sujeito não é! Seu traço combina marginalidade, caos, sugeira, tristeza com memória e felicidade numa dissonância que parodoxalmente, se completam. Seu desenho é a reunião das referências de uma vida. De modo implícito e explícito, um outro paradoxo. Sem negação. É singelo e cheio de detalhes. Detalhes suficientes para passar longe de uma firula sem fim de ornamentos. É uma reflexão explícita de uma verdade implícita. Muita teoria? Talvez...
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Nego Blues, 2013 35
Marinheiro, 2012 36
Outro adjetivo do trabalho deste sujeito boa praça é ser simplesmente inclassificável. Defina-o como quiser. E para partilhar um pouco sobre sua visão das coisas, ele conversou conosco acerca das suas referências, da sua trajetória e da sua arte. [Maklau] Bem, podemos supor que começou desenhando como brincadeira e passatempo, certo? Como foi o momento decisivo: serei ilustrador? [Márcio] “Isso mesmo, começou como diversão, ainda criança e aos poucos a coisa ficou séria! Não me lembro de um momento decisivo... 37
Fiz alguns cursos na área de design e foi quando ouvi falar sobre ilustração, mas tudo muito superficial, e como tinha desenho envolvido me interessei e comecei a estudar. Era difícil ter acesso a uma orientação profissional ou qualquer outra formação mais específica, nesse mesmo período entrei na faculdade de Artes Visuais e meu desenho mudou completamente, deu um novo gás, voltei a pesquisar e a estudar como funcionava o mercado, quem estava atuando, demanda de trabalho, valores etc. Então começou a aparecer alguns trabalhos... Hoje continuo nesse processo de pesquisa e estudo, aprendendo com os grandes, fazendo alguns trabalhos e sonhando com novos projetos.”
Pessoas InvisĂveis, 2011 38
Coelha, 2011 39
Bibi, 2012
Inf창ncia, 2012
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Traรงos da Cidade, 2009
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Dois Dentes Podres, 2013 42
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Noel bomba, 2012
[Maklau] Seu traço tem uma peculiaridade que admiro muito; a “não anatomia” das personagens. Chegar a essa forma foi um caminho naturalmente intuitivo de colocar no papel essa estética ou foi um processo construído ao logo do tempo, para dar forma à identidade e ao traço? [defino como: “a não anatomia do traço infantil”, procede?] [Márcio] “Sim! Tudo isso procede. De inicio foi mais intuitivo, aos poucos foi aparecendo essas desproporções que uso até hoje. Criei gosto pela coisa e ficava vendo trabalhos de desenhistas que tinham coisas que achava interessante ou relação com o que eu estava desenvolvendo. Desenhava muito tam-
bém, mas tudo ainda muito cru, muita coisa ruim. Na faculdade compreendi melhor a linguagem do desenho e aplicava o que estava apreendendo no que vinha desenhando, um processo de construção mesmo, o que faço até hoje. O traço infantil está dentro dessas referências diversas que estou sempre buscando. Gosto de coisa simples, esquisita, lúdica, com movimento... Tudo isso é muito infantil, então sempre relacionam meu trabalho com o desenho infantil o que acho ótimo (risos)!”
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Sereia, 2013 47
IncĂŞndio Shop, 2013 48
[Maklau] Quanto do seu desenho é um reflexo da observação e quanto dele surge de um sonho lúdico interminável? Estas personagens saem de onde? Que “tipos” são eles? [Márcio] “Muito de observação, referências e sonhos lúdicos, claro (risos)! Tento fazer coisas que gosto, misturar situações que acontecem no dia-a-dia, pessoas que conheço, lugares que vou e fazer tudo isso se tornar visualmente interessante. Ás vezes os desenhos contém uma narrativa, ás vezes são personagens simples, com um pouco humor. Penso na situação que o personagem está, como ele é, o que gosta. Tudo isso enquanto vou construindo o desenho, ás vezes uso referências de fotos, escuto música, leio sobre o assunto que quero desenhar e vou construindo. Eles surgem disso tudo. São tipos comuns, suburbanos, escrachados e feios (risos)!”
[Maklau] Desenho, preferido(s)?
ilustra
ou
projeto
[Márcio] “Nossa, difícil! Sempre gosto dos que faço nos meus cadernos, aqueles que são feitos apenas por fazer, por vício... São todos parte desses momentos de processo criativo, do exercício. Mas é difícil citar um específico. “ 49
[Maklau] Ao observar seus desenhos fica muito evidente a forte ligação com a cultura de rua, com uma estética marginal [me corrija se eu estiver errado], [Márcio] “Sou da geração Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga, e ainda sem internet!
Tem muita influência de tudo isso, sim. Sempre fui ligado as coisas mais urbanas, rap, break, skate, hardcore, trem, grafite, pixação, polícia, ladrão, favela, podre, desigualdade social e tudo isso reflete no meu trabalho e nas minhas pesquisas. É o que eu gosto de fazer e faz parte do meu dia-a-dia até hoje.”
Só ficava na rua (risos)!
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Ramon Lo Pirata, 2013 51
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Matramba, 2013 56
Palhaรงo, 2012 57
Ilustra na parede, 2010 58
X-Bacon, 2011
[Maklau] Qual dica, ou toque que você não recebeu durante o seu processo de formação acadêmica e profissional que daria para quem está começando a rabiscar? [Márcio] “Para quem está começando a desenhar: olhe tudo como se nunca tivesse visto antes e nunca mais pare de desenhar. Para quem quer uma dica profissional para ilustração: www.guiadoilustrador.com.br”
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Maria ZĂŠlia Village 63
_Bernardo Borges, 29 “Sou um cara quieto por fora e inquieto por dentro, A fotografia para mim é meu modo de expressão, minha visão de mundo.” flickr.com/photos/bernardoborges
Itatiaia Hospital
TEXTO POR
CAIO BASTOS 64
O tempo é implacavél Sempre. Sêneca pareceu compreender de forma harmônica a relação entre viver uma vida plena sem que o desespero do tempo, lhe tomasse o pensamento, a julgar por um entre os inúmeros conselhos que deu ao seu estimado amigo Lucilio; “mede a duração da tua vida; não cabe nela muita coisa”. Nada do que cabe é tangível. E Sêneca desvendou isso. E é inevitável, ao nos depararmos com a série fotográfica, Abandonados SP, do designer paulista Bernardo Borges, 29, não fazermos uma reflexão acerca do tempo, da memória e da epopeia da vida. Ainda que eu tenha exagerado demais na analogia.
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a “mede duração da
tua vida; não cabe nela
muita coisa
“
INSS 67
Hotel no parque Burle Marx
Bernardo, regista a vitória esmagadora do tempo sobre todas as coisas, e conversou conosco sobre o que vai além do quadro e do registro eterno da memória invisível do abandono e das sensações... [Maklau] Sua fotografia registra o êxito do tempo sobre as coisas, e mesmo que haja certa interferência do homem neste processo de deterioração, o homem passa despercebido pelo momento registrado. Qual a sensação de estar em um local que permanece a margem do dia-a-dia, da rotina, da sociedade, e que pode estar daquela mesma forma há anos a fio? O que lhe vem à mente? [Bernardo] “A sensação é de ir para
o futuro, onde a raça humana foi extinta e não habita mais o Planeta Terra, isso vale pra todos os locais. Algumas sensações variam de lugar para lugar. No antigo prédio do INSS, por exemplo, eu senti solidão e tristeza misturadas à adrenalina e medo. Solidão e tristeza pelos resquícios que encontrei das pessoas que viveram ali e adrenalina, medo, com a possibilidade de encontrar alguém lá dentro, de ser pego pela polícia ou até mesmo de encontrar um corpo; o boato a respeito do subsolo do prédio não era muito bom. Já na fábrica de cimento Perus fotografei com muita calma e tranquilidade, o meu único receio era de
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Casarão Anastácio
cair de algum lugar, pois, subi em várias escadas enferrujadas! O que é comum a todos os lugares também é a sensação, e diria que é a mais pura verdade, de estar conhecendo aquele lugar, a sua história, como se estivesse conhecendo alguém mais intimamente, como se nascesse ali um relacionamento. Tanto que sinto saudade de visitá-los e guardo com carinho a memória do dia da visita.” [Maklau] Durante essas incursões, já passou por algum apuro ou presenciou alguma cena que lhe fez repensar o ensaio, por que há muito ao que se considerar no momento de entrar nestes locais, certo? [Bernardo] “Já. Ao entrar numa casa 69
que estava abandonada num bairro, o vizinho da frente achou desrespeitoso a minha ação de entrar pra fotografar. Me ameaçou de diversas formas. É muito difícil para as pessoas entenderem a exploração urbana. Somos suspeitos de sermos ladrões, intrusos, invasores etc. Mas na verdade temos um código de ética que diz “tire nada além de fotografias e deixe nada além de pegadas”. O respeito pelo local é muito grande, não existe vandalismo, não por quem faz de verdade. O que existe são alguns moleques que entram e fazem bagunça, mas esses não sabem o que estão fazendo.
INSS 70
O tempo fossiliza
tudo sob a terra. Eterniza sem história. A memória é quimera. Não recomendo fotografar sozinho. Por motivos de segurança... Você pode cair numa vala ou topar com um nóia. E também já tive problemas com a polícia. Confesso que a experiência não é muito boa e passa pela sua cabeça desistir. Mas a vontade de fotografar é mais forte, sem falar que não considero errado ou um crime o que faço.” [Maklau] Qual seu critério de seleção dos locais para a produção das fotos? Basta que estejam abandonados? Alguns deles parecem cenários dignos de uma guerra e catástrofes. [Bernardo] “Variam muito. Quando comecei, lugares menos importantes pra história da cidade de São Paulo 71
serviram pra mim como campo de estudo e experiência, pra saber se o projeto poderia funcionar e avançar como por exemplo, a casa na Joaquim Antunes. Foi o primeiro ensaio que fiz em São Paulo. Conforme o projeto foi ganhando corpo, minha preocupação começou a apontar pra lugares icônicos, grandes, de importância histórica e com características arquitetônicas interessantes. Mas nem todo lugar que escolhi, consegui fotografar. Alguns são bem inacessíveis.”
INSS 72
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Fรกbrica da Antรกrtica 76
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Fรกbrica da Antรกrtica 78
Fรกbrica da Antรกrtica 79
Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus
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Casarรฃo Anastรกcio 82
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Hospital Itatiaia
[Maklau] O que faz um trabalho tão marginal e punk como este ser capaz de despertar tanto fascínio ao expectador? [Bernardo] “Acho que esse trabalho fala de todos nós. Todo mundo tem sua história, seu canto, seus bens
Fábrica da Antártica
materiais, sua memória, sua saudade. Todo mundo ou pelo menos grande parte dos seres humanos se pergunta para onde iremos o que acontecerá após a morte e todo mundo também tem medo de ser abandonado... Acho que são questões comuns aos nossos corações e mentes.”
INSS 84
INSS
Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus
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Uma casa
Nos enxergamos no abandono, e essa projeção traz medo, e do medo o fascínio. Um ciclo. Um ciclo infinito. É mais do que estética. É também filosofia... O Tempo não compartilha impressões, somos nós. A consciência nos pertence. E em contrapartida e tempo faz o que lhe cabe. Ele passa. Apaga. Destrói. Constrói, e continua soberano para sempre...
Enquanto houver
tempo
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