Motocrónica Rota Alpino-Mediterrânica (Volume 1)

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ALPINO Rota MEDITERRÂNICA Volume #1, Dia 04 e 05 de Junho



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ui o último a chegar à estação de serviço de Palmela, mas ainda deu para atestar o depósito. Barradas, Benedito, Paulo e o barbudo do Marco, já estavam a postos para arrancar. O Marco, com a Drifter arreada de tralha, exibia o seu novo e bonito capacete (grande estilo!).

ZARAGOZA, 21h30 (897km)

MADRID, 15h05 (594km)

BADAJOZ, 09h38 (188km)

Total: 15h46 km/h 120

100

80

LISBOA, 06h20 (0km)

O resto da caravana fazia-se com Suzuki VStroms 650, excepção feita para a mota do Paulo a única do escalão 1000cc. Tudo máquinas fiáveis já com provas dadas.

Paragens: 3h15 Altitude: 1207m


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resquinho (mas bom), o céu parecia estar a querer segurar a chuva.

Tentou-se sincronizar os quatro aparelhos intercomunicadores que o pessoal levava, mas após várias tentativas, não foi possível fechar o círculo, ficando apenas ligados aos pares: Barradas/Benedito e Paulo/eu… Já passava da hora, e era preciso arrancar. E siga pela auto-estrada a caminho de Espanha, que temos mil e picos quilómetros pela frente! O trajecto até à fronteira fez-se bem, o corpo ainda estava novo. Daí em diante, foi o desfilar de autovias, as cómodas vias rápidas espanholas sem custos. Sem custos, mas aborrecidas de morte!… Estradas a direito, de paisagem enfadonha e tráfego moderado. Íamos parando, mais ou menos de hora a hora, ou quando a carência de combustível assim o pedisse. Numa dessas paragens, o Marco resolveu personificar o homem bolha, equipando o seu fabuloso casco Buell, de uma não menos impressionante viseira de acrílico em formato bolha, para aliviar a fronha. O tempo estava ameno e bom, e já no inicio da parte da tarde chegávamos aos arredores de Madrid para tratar da fome. Estávamos fiados nos “Montaditos” (uma espécie de mini-baguette recheada) e por isso parámos num centro comercial onde tínhamos por certo lá os encontrar…

ponto de encontro, 5:30

homem bolha


“Montaditos” para todos, e com tudo a que temos direito! Os estômagos mais sensíveis é que se ressentiram.,, O Benedito saiu à pressa no final da refeição e o Paulo foi-se queixando. Regresso às motas, e era altura de olear as correntes antes do retorno à estrada. Mais autovias com paisagens banais, isto até às proximidades de Saragoça onde se inicia a região árida do Deserto de Los Monegros. à nossa

Aí o cenário muda e assume contornos de

western. Também a estrada torna-se mais

interessante e surgem algumas curvas largas para tornear o pneu. Por essa altura também chegaram mais uns pingos de chuva. Já tínhamos sido benzidos à saída de Madrid. Coisa fraca, nem deu para molhar o equipamento. Mais uns quilómetros pelo deserto, e aos poucos o Sol ia baixando. Já foi de noite que entrámos na autopista que dá acesso a Lérida e percorremos o último troço até ao ponto final.

montaditos!

Nesse caminho, lembro-me claramente de passarmos pelo Meridiano de Greenwich onde foi erguido simbolicamente um arco de luz sobre as quatro vias da estrada.

Finalmente transitávamos por nacional, depois de termos desembolsado cerca de 12€ de portagens, por um trajecto manifestamente curto para o custo… Em pouco tempo e com a noite já posta, chegávamos a Lérida. À primeira vista, uma cidade dormitório, tristonha, sem grande piada •

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stacionámos as máquinas frente ao Hotel, para despachar o check-in. O Hotel tinha boa pinta, e estacionamento gratuito... excelente! Depois de assentados os arraiais, fomos todos dar um giro pela cidade à procura de algo para comer, que já passava da hora. Parece que por ali, o ponto alto é uma espécie de bar/ restaurante/ bowlling bem animado. Para além disso, nada mais que ruas desertas. Achámos que por ali não seriamos bem servidos, e desencantámos um snack pitoresco daqueles que fica aberto noite fora…


“Bocadillos” para todos, que é o mesmo que dizer sandóchas para a malta. A baguette estava boa, e o recheio ainda melhor! A escolha dividiu-se em bacon e lombo (ou lomo), e creio que saciou a fome de todos, ou pelo menos enganou-nos bem, depois da tareia de quilómetros que tínhamos levado.

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eitar tarde e acordar cedo, nunca foi boa fórmula. Mas lá teve de ser. Havia muitos quilómetros para cumprir neste dia. O Marco estava ainda na dúvida se nos faria companhia até França, nomeadamente até próximos dos Alpes à localidade de Die. Decidiu que iria connosco até ao topo de Andorra e que depois seguiria para Perpinhã, para fazer o regresso pela costa espanhola.

E estávamos em Andorra, a caminho de La Vella. Estacionámos junto às termas de Caldea, em lugar próprio e reservado e seguimos a pé para descobrir a cidade. los bandidos

Tivemos todos muita pena! O barbudo é boa onda, e transmite grande confiança e positividade a qualquer grupo. É o verdadeiro cool dude e um elemento de valor que faz falta a qualquer boa aventura. Mas a porrada do dia anterior tinha sido forte. Não é fácil fazer mil e poucos quilómetros em cima de um ferro, eu próprio confesso, não sei se seria capaz. A nossa agenda era exigente e apertada, e creio que tudo junto, contribuiu para essa decisão. A páginas tantas, também me apercebi do desalento do Marco por não nos poder acompanhar. Não pelo itinerário, pois ele próprio já o tinha feito recentemente, mas pela companhia na aventura. À saída do hotel, já montado na mota, o Paulo repara numas pingas no chão… Mau… Depois de uma breve observação percebeu-se que seria uma fuga junto à braçadeira que liga o tubo de refrigeração ao motor. Vai de lhe dar um aperto e seguimos para Andorra. Montanha, vegetação e belíssimos lagos começavam a desfilar ao nosso redor. O cruzar com outras motos também se tornava mais frequente, sempre com o cumprimento da ordem. Finalmente a fronteira, a qual passámos com moderação, não fossem embirrar com a malta.

la vella

termas de la caldea


La Vella não tem nada que chame particularmente à atenção, tirando o curioso edifício espelhado das termas. Depois de umas quantas fotos seguimos para um “café solo”, num estabelecimento da zona. Por acaso, dentro do género não estava mal, coisa rara por terras de Espanha, beber café ao nível do que estamos habituados. Regresso à estrada, para subir os Pirenéus e atravessar a fronteira para França. Umas quantas subidas em cotovelo, feitas com a cautela devida, dado o estado molhado da estrada, e chegávamos ao topo. Lá em cima, avistava-se neve à distância um pouco por todo o lado.

a caminho de frança

DIE, 01h13 (714km)

MIREPOIX, 15h04 (317km) CARCASSONNE, 17h53 (333km)

PAS DE LA CASA, 13h01 (175km)

Tempo de reabastecer ainda ao preço da uva mijona, ou lá perto. Quando estávamos a atestar, apercebi-me que o fulano do posto falava francês. Encetei uma conversa com ele. Expliquei-lhe quem éramos e o que estávamos ali a fazer. Fiquei logo a saber que era francês, casado com uma portuguesa da Guarda. Muito simpático, o tipo ainda me disse que estava a aprender a língua lusa e que tinha passado o Carnaval em Viseu.

Total: 16h52 km/h 120

100

80

Paragens: 5h33 Altitude: 2451m


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epois de todos aviados, as despedidas do Marco. Com muita pena nossa, seria aqui que deixaríamos a Drifter e o barbudo que se fazia deslocar em cima dela.

Iniciámos a descida com o mesmo cuidado da subida, pois a estrada continuava revestida de uma película de água. Chegados lá abaixo, atravessámos Pas de La Casa, onde havia muito pessoal. Às tantas perdemos o Benedito, sem mais nem menos, resolveu ir espreitar os capacetes. Paragem forçada, mal arrumados lá esperámos pelo rapaz. Entretanto o Paulo foi espreitar o preço do tabaco, mas voltou de lá sem nada, pois só vendiam ao maço. E retomámos o rumo, sendo que desta vez trocaria a posição de cerra filas com a de batedor do Barradas. Passámos a fronteira, sem nada a declarar e seguimos pelo território francês.

Já com um Sol radioso, o cenário começava a ficar verdejante e a estrada ia atravessando alguns vilarejos castiços repletos de esplanadas bem frequentadas. Estes franceses sabem bem levar a vida. Lembro-me que já rolávamos há uma boa hora pela Gáulia, quando ia na conversa com o Paulo e este me diz que só naquele momento estava a realizar que estava a passear por França. Na verdade seria para todos a primeira incursão de mota fora da Península Ibérica. E de facto, se conseguimos facilmente encontrar semelhanças com espanhois, com franceses as diferenças são mais notórias e estranhas, e França é de facto diferente daquilo a que estamos habituados… Uma paragem para ajustar o equipamento ao calor que se fazia sentir, e siga para Mirepoix, ou para a aldeia das casas do Astérix, como lhe chamam. Chegámos ao lugarejo, tentando ainda passar pelo supermercado local. Era Domingo, e estava encerrado. Seguimos às voltas até à catedral do sítio, onde deixámos as motas à sombra, e dirigimos-nos ao centro da localidade. Grande maluqueira que por lá se vivia! Estava a decorrer um festival de bandas à desgarrada. Junto à praça concentrava-se um mar de gente, e por esta iam desfilando algumas bandas que iam dando música...


Os casarucos impressionam pelo aspecto e pelo medo que dão. As casas junto ao centro histórico fazem arcada em redor da praça. Estas arcadas são sustentadas por barrotes de madeira com aspecto secular. Mas não fica por aí: os pisos superiores estão eles também assentes em traves de madeira de aspecto duvidoso e abaulado. Parece que está tudo podre, e que nos vai cair na cabeça a qualquer momento. Mas fica pela parecença, pois as casas ali permanecem há anos, e por ali irão ficar. Um espectáculo digno de nota, toda esta construção medieval assente em alicerces de madeira. Depois de uma volta ou duas decidimos almoçar por ali, num dos vários restaurantes das arcadas. Optámos por um menu, que sai mais em conta. Uma deliciosa salada salpicada de nozes e toucinho para entrada, seguida de uma peça de vitela regada com molho, e com batata frita com casca, caseira. A carne vinha mal passada, sem estar em sangue. Eu e o Barradas achámos uma delícia, o Paulo teria apreciado mais passada e o Benedito não conseguiu mesmo consumi-la assim. Teve de ir para trás umas duas ou três vezes. Ficou com fome o rapaz. Adorei a oportunidade de almoçar naquela praça e poder observar todo aquele cenário movimentado de pessoas e a música que por ali se tocava… Estes franceses devem ser loucos! almoço na praça

catedral de mirepoix

casas do astérix

arquitectura gótica

Ainda antes de voltar à estrada espreitámos a catedral do sítio, que não nos impressionou particularmente. Suja, velha e pouco cuidada, como por cá estamos habituados. No aspecto de cuidar do nosso património parece que não somos muito diferentes, infelizmente.

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róxima paragem Carcassonne - a cidade medieval. O caminho até lá foi fantástico! Rectas seguidas de curvas moderadas, e ao nosso redor um desfilar de campos dourados e alamedas de árvores de copa alta, que nos iam proporcionando uma sombra agradável e refrescante. Chegados à vila, demos uma voltinha até à baixa, passando pela praça central de nome Carnot, para depois seguir para a cidade medieval, ou La Cité como lhe chamam por lá. Trata-se de uma fortaleza cuja estrutura assenta em fundações que remontam ao período Romano. Embora tenha sido decretado a sua destruição em 1849 pelo governo francês, foi restaurada em 1853. Representou um papel importante nas Cruzadas e, no século XIII uma das suas torres serviu de sede para a Inquisição Católica. Estacionámos as motas no exterior e atravessámos a pé a ponte levadiça que leva ao seu interior. Lá dentro o aspecto mantém-se. É certo que as cavalariças e lojas de ferreiros foram convertidas em estabelecimento comerciais, mas os prédios continuam a exibir os seus traços antigos e góticos.

cidade medieval

castelo comtal de carcassone

os cromos


Comparando com o que temos pela nossa terra (e também a nós não nos faltam muralhas e castelos), o estilo é diferente. Aqui tudo é marcadamente gótico, são poucas ou quase nenhumas as influências mouras. Prova disso, a Basílica de Saint-Nazaire (datada de 1067), com arcos armados de vitrais imponentes e dezenas de gárgulas no exterior. Não resistimos a ir espreitar o seu interior, que não desilude. É ampla, e a luz principal que por lá existe entra pintalgada pelos milhões de quadrículas coloridas que compõem as enormes janelas de vitral. No outro extremo, avista-se um órgão de canos enorme, como aqueles que estamos habituados a ver nos filmes. Andámos por lá de máquina em punho a tirar as fotos possíveis. Tarefa difícil nesta fraca luz. Lembrome ainda de ter visto por lá um altar a Santo António e de um gigantesco sino, algures encostado.

olhó passarinho

acesso ao castelo

De referir que previamente tínhamos passado pelo castelo de Comtal, que se encontrava já fechado. É um castelo dentro de outro (que já será La Cité), edificado na mesma época da basílica.

interior da basílica

gárgulas

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epois da voltinha completa pela Cité, Dainda passámos pela loja de , onde demos com um curioso souvenirs

e bona-cheirão gato, um relações públicas ao estilo do gato da Alice! Não me lembro bem quanto tempo gastámos na visita, seguramente mais de uma hora, neste local fantástico. Era altura de recuperar tempo, ainda estávamos a mais de quatrocentos quilómetros do destino. Assim, fizemos-nos à autoestrada que ladeia a costa que nos iria levar até próximo da localidade de Die, onde pernoitaríamos.


Íamos ficar bem moídos, mas tinha que ser. Quando demos por ela, o GPS apontava hora de chegada às 23h e picos. Grande bronca! E ainda nos faltava tratar da janta… Resolvemos ligar para o hotel, para dar conta da coisa. Do outro lado, atendeu-nos o responsável do hotel que nos transmitiu as instruções de entrada: bastaria marcar o código à entrada, tirar a chave do chaveiro e subir sem barulho até ao quarto número dois. Perfeito. Só tínhamos de nos assegurar em como não nos esqueciamos do código, que rapidamente anotámos em dois ou três telemóveis. Também fomos informados que a estas horas, o melhor seria tratar de jantar pelo caminho, pois seria impossível fazê-lo em Die, para onde nos deslocávamos. Assim, acabámos por jantar à pressa num fast-food de uma qualquer estação serviço. Já próximo do destino, saímos para fazer umas nacionais em plena e total escuridão. Eu seguia à frente com cautela e ia alternando de médios e máximos. Felizmente, à VStrom não lhe falta luz, e de foco cheio, pouco me escapava na estrada. Ao chegar a Die, percebemos a recomendação do jantar. Seria pouco mais da meia-noite e não se via vivalma. Ainda demos umas voltas para encontrar o Hotel des Alpes, que nos pareceu mal assinalado. Depois de dar com ele, deixámos as motas bem amarradas numa praça próxima, e entrámos. Tudo se passou como previsto, e em pouco tempo já nos encontrávamos no quarto quíntuplo reservado. O espaço em si não era nada de especial: um antigo edifício dos correios, adaptado para hotel. O quarto apesar de ser para cinco, apenas tinha três camas (duas de casal e uma de solteiro). Os Ruis dividiram a cama de casal (sem malícia), eu fiquei com a outra e o Paulo com a última. Foi cair redondo e só acordar no dia seguinte!…

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Volume #1, Dia 04 e 05 de Junho 08/2011

Fotografia: Daniel Santos, Paulo Narciso, Rui Barradas, Rui Benedito. Texto: Daniel Santos. RevisĂŁo: CĂŠlia Freire. Arte: Daniel Santos.


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