TFG - Manifesto ao Corpo Urbano - Maria Luisa B. Cardoso

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tfg manifesto ao corpo urbano Maria Luisa B. Cardoso Orientadora: Daniela K. Hanns Arquitetura e Urbanismo FAU USP Dezembro 2018 1



"Eu confronto a cidade com o meu corpo; minhas pernas medem o comprimento da arcada e a largura da praça; meus olhos fixos inconscientemente projetam meu corpo na fachada da catedral, onde ele perambula sobre molduras e curvas, sentido o tamanho de recuos e projeções; meu peso encontra a massa da porta da catedral e minha mão agarra a maçaneta enquanto mergulho na escuridão de seu interior. Eu me experimento na cidade; a cidade existe por meio de minha experiência corporal. A cidade e meu corpo se complementam e se definem. Eu moro na cidade e a cidade mora em mim." Juhani Pallasmaa


tfg manifesto ao corpo urbano

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Maria Luisa B. Cardoso Orientadora: Daniela K. Hanns Arquitetura e Urbanismo FAU USP Dezembro 2018


resumo

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presente trabalho aponta a valorização e aplicação de soluções urbanas que considerem a corporeidade e a sensorialidade nos espaços públicos como caminhos possíveis para torná-los mais vivos e melhorar a qualidade de vida da população. Paralelamente, busca compreender por que a conformação de São Paulo (e de tantas outras cidades) vem negligenciando as questões relativas ao corpo e à escala humana, tecendo algumas hipóteses e críticas a esse respeito. Ao tratar a cidade como um organismo vivo e pulsante, foram associados, gráfica e semanticamente, os conceitos e processos estudados no campo do urbanismo aos os termos e procedimentos do universo clínico, o que resultou em um produto síntese; um "Prontuário Médico do Corpo Urbano". Ao fazer essa analogia, tomando o Largo da Batata como estudo de caso, o trabalho também critica algumas posturas de revitalização urbana que vem sendo tomadas, relacionando-as a intervenções cirúrgicas agressivas e contrapondo-as a técnicas alternativas terapêuticas, como a "acupuntura urbana" e a "arte-terapia". Os resultados de todo esse processo de pesquisa, reflexão, aprendizados e sugestões de encaminhamentos compõem um Manifesto ao Corpo Urbano.


agradecimentos

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E

m 2012, ingressei na FAU USP com grande felicidade, mas também com muitas incertezas. Os aprendizados da graduação me mostraram um universo repleto de descobertas, possibilidades, conflitos e desafios, o qual, sete anos depois, me sinto muito mais motivada e preparada para enfrentar. A produção do TFG, como fechamento desse ciclo, foi um momento especial para refletir sobre alguns dos temas que mais me marcaram durante as aulas, os atendimentos com professores, grupos de trabalho e conversas descontraídas com amigos. Por isso, deixo um agradecimento especial a todos que, de alguma maneira, fizeram parte desse processo tão enriquecedor e desafiador que foi minha graduação e que, simbolicamente, resultou neste caderno. >> À Professora Daniela Hanns, minha orientadora temática, por ter mergulhado comigo no universo sensorial e me ajudado com conhecimentos, correções e incentivos durante os meses de TFG, sempre me deixando bastante à vontade e contribuindo com colocações pertinentes. >> À Sara Goldchmit e à Karina Leitão, por aceitarem prontamente fazer parte de minha Banca Avaliadora, e a todos os professores e funcionários da FAU USP, por terem viabilizado minha formação e introduzido a mim e aos meus colegas quase tudo do que sabemos sobre arquitetura, urbanismo, paisagismo e design, nos permitido alçar nossos próprios vôos a partir desse conhecimento. >> Às minhas amigas Ana Ganzaroli, Beatriz Fernandes, Fernanda Pitombo, Letícia Hirata e Karina Nakaura, pela cumplicidade incrível que temos e pelo apoio em diversos momentos da graduação, do TFG e da vida. >> Aos meus amigos fauanos Ana Knudsen, Ana Pahor, Caio Avino, Daniel Hebling, Fernanda Bárbaro, Gabriela Xavier, Giovanna Albuquerque, Giovanna Fluminhan,


Guilherme Mello, Gregório Cavallari, Isabel De Vivo, Isabela Bellini, Lucas Coelho, Lucas Napolitano, Luisa Kon, Luiz Grecco, Julia Vannucchi, Marina Marques e Natália Sartini, por terem deixado meus dias na FAU mais alegres e estimulantes. >> Ao Corpo Editorial da Revista Contraste, por todo o aprendizado que vocês me proporcionaram e por todas as memórias que temos juntos; uma verdadeira coleção de risadas, frustrações, angústias e lindas conquistas. >> Ao Time de Vôlei da FAU USP por tornar meu dia a dia mais divertido, pela parceira e por ter despertado em mim um sentimento positivo de competitividade que eu achei que não pudesse ser capaz de desenvolver. >> Aos meus amigos do intercâmbio, por terem ampliado meus horizontes e terem sido parte de uma das melhores experiências de minha vida. >> Aos meus colegas de trabalho da Espaçonovo Arquitetura, por confiarem em mim na minha primeira experiência de estágio e, mesmo com a falta de experiência, terem me atribuído grandes responsabilidades. >> Aos meus colegas de trabalho e também amigos do Ensina Brasil, pela oportunidade incrível que me dão de trabalhar com propósito e impacto social desempenhando as funções que gosto e em um ambiente de trabalho que me agrega e inspira. >> À minha querida família, em especial aos meus pais, pela compreensão, torcida e apoio incondicional durante a graduação e, especialmente, nesses últimos meses tensos e intensos de TFG.


etapas de trabalho

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N

os últimos anos de estudo e observação urbana filtrados pelos aprendizados proporcionados pela FAU USP, tenho notado que os espaços públicos da cidade de São Paulo apresentam uma enorme carência de estímulos sensoriais e elementos que contemplem os desejos e as necessidades de nossos corpos físicos. Tal percepção me trouxe algumas curiosidades: os cidadãos percebem o elevado nível de alienação corporal no dia a dia da metrópole? Quais elementos tornariam um espaço sensorialmente agradável? Por que a urbanização de São Paulo, assim como a de diversas cidades brasileiras, vem negligenciado a questão corporal e sensorial na conformação de seus espaços livres públicos? Ao realizar alguns estudos de caso em espaços públicos em São Paulo, depreendi que, ao mesmo tempo em que a urbanização da cidade encontra-se desprovida de uma orientação adequada do ponto de vista da corporeidade1 e da sensorialidade2 e, provavelmente, em consequência disso, - a população cosmopolita, imersa em um contexto de aceleração do tempo3 e de relações fragilizadas4, não atribui o devido valor ao tema, tido como algo supérfluo. Conforme será discutido mais adiante, em diversos momentos, nossa metrópole acabou sendo submetida à lógica da espetacularização5, processo que a converte em um mero cenário da vida urbana, desvinculado da experiência corporal. Assim, meu TFG caracteriza-se por um ensaio sobre a importância: 1.) da extrapolação das dimensões corporal e sensorial na conformação dos espaços públicos da cidade a fim de estimular a sua vivacidade; 2.) da incorporação da atividade sinestésica nos habitantes, já que estes são agentes de produção do espaço urbano e, portanto, fundamentais para garantir seus usos, zelo e funcionamento; 3.) da inclusão dos usuários e de suas percepções no desenho urbano dos espaços públicos para garantir que as questões relativas ao seus corpos sejam contempladas nos projetos para a cidade; 4.) de um fazer projetual cujas etapas perpassem pela escala 1:1 a fim de vin-


cular os planejadores ao "chão" do espaço público, por exemplo, através do ato de caminhar pela cidade. As questões acima apresentadas foram estruturadas a partir de: a.) Revisão bibliográfica de estudiosos da questão da sensorialidade e corporeidade na cidade, incluindo textos de Juhani Pallasmaa, Edward T. Hall, Paola Berenstein, Guilherme Wisnik, Eduardo Rocha Lima, Jane Jacobs, Jan Gehl e Laura Sobral b.) Levantamento e análise de produção artística e arquitetônica relacionadas, incluindo obras dos arquitetos Antoni Gaudí, Alvar Aalto, Lina Bo Bardi, Luís Barragán e Roberto Burle Marx e dos artistas Olafur Eliasson, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Ernesto Neto e James Turrell c.) Visitas e estudos de caso de espaços públicos da cidade de São Paulo, com enfoque especial no Largo da Batata, no Distrito de Pinheiros d.) Experimentações gráficas, fotográficas e poéticas de propostas sensoriais para a cidade A partir dos estudos e experimentações, foram realizados: e.) Manifesto ao Corpo Urbano como Projeto Síntese a partir dos aprendizados f.) Intervenção artística a fim de tornar os aprendizados acessíveis à população e provocar nas pessoas um questionamento sobre as questões levantadas

1. Corporeidade: Qualidade, propriedade do que é corpóreo. 2. Sensorialidade: Qualidade de sensório, relativo às sensações; sensorialismo. Condição do que é perceptível pelos cinco sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. 3. Aceleração do Tempo: Segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, a instantaneidade é um fator intrínseco à Modernidade. Com os avanços tecnológicos, a limitação espacial deixa de ser um obstáculo e o tempo passa a ser dominante nas relações socioeconômicas. 4. Relações Fragilizadas: Para Bauman, a fluidez dos vínculos e o individualismo são aspectos intrínsecos à sociedade contemporânea, algo que reflete na conformação do território urbano. 5. Espetacularização: O termo refere-se ao processo urbanístico que associa a “Socidade do Espetáculo”, de Guy Debord, à produção do espaço urbano. Segundo Debord, a sociedade de sua época (o que se aplica aos dias de hoje) estava contaminada por imagens e sombras da relidade, de modo que tudo o que era consumido e vivenciado teria tornado-se uma mera representação, que escondia os reais acontecimentos e alienava a população.


motivações

1 metodologia 2 pág.12

pág.20

2.1. Estudo Teórico >> p.20

2.1.1. O Corpo e os Sentidos na Vida Urbana >>p.24 2.1.2. Origens de Espaços Públicos Estéreis >>p.32 2.1.3. Por um Urbanismo Incorporado >>p.40 2.1.4. Vitalidade Urbana e Apropriação Popular >>p.46

2.2. Coleta de Referências >> p.54

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índice

2.2.1. Arquitetura do Edifício e da Paisagem >>p.58

2.2.1.1. Antoni Gaudí >>p.59 2.2.1.2. Alvar Aalto >>p.60 2.2.1.3. Lina Bo Bardi >>p.62 2.2.1.4. Luis Barragán >>p.64 2.2.1.5. Roberto Burle Marx >>p.65

2.2.2. Artes Plásticas >>p.66 2.2.3. Artes Gráficas >>p.75 2.2.2.1. Olafur Eliasson 2.2.3.1. >>p.67 Bruno Munari >>p.75 2.2.2.2. Helio Oiticica >>p.68 2.2.3.2. Yuji Kawasaki >>p.77 2.2.2.3. Lygia Clark >>p.70 2.2.3.3. Archigram >>p.81 2.2.2.4. Ernesto Neto 2.2.3.4. >>p.72 Gustavo Piqueira >>p.83 2.2.2.5. James Turrell >>p.73 2.2.3.5. Angela León >>p.85


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estudos de caso pág.88

3.1. Espaços Públicos Estéreis >> p.90

3.1.1. Vale do Anhangabaú >>p.92 3.1.2. Largo da Batata >>p.94 3.1.3. Memorial da América Latina >>p.98

3.2. Espaços Públicos Vivos >> p.100 3.2.1. Vale do Anhangabaú >>p.102 3.2.2. Largo da Batata >>p.106 3.2.3. Praça Benedito Calixto >>p.110

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reflexões finais pág.140

projeto síntese pág.116

4.1. Conceituação do Corpo Urbano >> p.118 4.2. 4.2. Prontuário Médico do Corpo Urbano >>20 >> p.120

4.2.1. Confecção >>p.122 4.2.2. Desenvolvimento da Narrativa >>p.126

4.2.2.1. Sr. Largo da Batata >>p.126 4.2.2.2. Dra. Urba Nista >>p.128 4.2.2.3. Hospital Reforma-Dor >>p.130 4.2.2.4. Clínica Sensorial >>p.132

4.3. Manifesto ao Corpo Urbano >> p.134 4.4. Intervenção Artística >> p.136

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bibliografia pág.148

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1Motivações O

Trabalho Final de Graduação é uma grande oportunidade que os alunos têm de escolher e desenvolver um tema de relevância e interesse pessoal dentro do vasto campo de aprendizado que tiveram ao longo do curso, aplicando de forma livre os conhecimentos e técnicas adquiridos.

Desde que comecei a pensar em meu TFG, elenquei algumas premissas básicas para guiar a escolha do tema: 1_ Queria trabalhar com assuntos com os quais eu realmente me identificasse e que mais me haviam instigaram ao longo de minha formação na FAU USP. Dentro do campo ampliado da arquitetura e do urbanismo, as áreas com as quais mais me envolvi foram Design Gráfico, História do Urbanismo e Desenho Urbano. Dentro deles, me interessavam a produção de publicações impressas, o trabalho com comunicação visual e conceitos como imagem da cidade, acupuntura urbana e urbanismo tático, que serão explicitados mais adiante. Assim, meu desafio seria, na medida do possível, explorar e unir esses campos. 2_O resultado final deveria refletir meu processo de formação, deixando, através dele, um legado simbólico do que o curso de arquitetura e urbanismo na FAU USP significou para mim e oferecendo alguma contribuição para a comunidade. 3_O trabalho necessariamente deveria expressar uma preocupação urbana e social, procurando sugerir alternativas para amenizar e/ou solucionar alguma das problemáticas urbanas de São Paulo; cidade onde nasci, cresci e pela qual me sinto responsável como futura profissional. Nesse quesito, também julguei importante que o trabalho fosse acessível e reconhecível a todos em termos de linguagem. 12

Passaram-se alguns meses de pesquisa e experimentações até que eu consolidasse o


tema da percepção corporal e sensorial nos espaços da cidade, cujo estudo resultou na produção deste caderno e do Produtos Síntese, que compõe um “Manifesto ao Corpo Urbano”. Neste capítulo, procuro expressar como a ideia de trabalhar com a percepção e sensações corporais no meio urbano tomou forma em meu TFG, explicando brevemente as origens de minhas motivações e hipóteses pessoais. Por quê estudar as potencialidades corporais e sinestésicas do espaço urbano? Em primeiro lugar, como cidadã de uma metrópole e estudante de arquitetura e urbanismo, tenho a frequente percepção de que a cidade contemporânea vem sendo construída sem considerar verdadeiramente as dimensões, desejos e necessidades de nosso corpo físico. Por outro lado, nós, cidadãos, também pouco valorizamos e desfrutamos dos atributos sensoriais quando estes estão presentes nos espaços livres públicos, estando já muito habituados a um modo de vida acelerado e repleto de artefatos sintéticos e superficiais para nos satisfazer. O incômodo com a pobreza dos estímulos sensoriais no meio urbano começou logo no início de minha graduação na FAU USP, e se acentuou imensamente durante o período que realizei o intercâmbio em Barcelona, na Espanha. Na FAU, as disciplinas de Estudos da Urbanização, Desenho Urbano, Paisagismo e Fundamentos Sociais da Arquitetura e do Urbanismo deixaram meu olhar mais atento, crítico e sensível aos elementos que compõe espaços públicos atrativos e aos processos que resultaram neles – ou, na maioria dos casos, na falta deles. A partir da nova visão de São Paulo que a FAU me despertaram, passei a reparar na alarmante carência de locais de permanência até mesmo nos espaços públicos mais emblemáticos da cidade, como a Av. Paulista e o Largo da Batata. Naturalmente, quando mais me distanciava do centro expandido, mais crítica era a situação, somando-se ainda a sérios problemas de infraestrutura urbana. Pouquíssimas ruas, avenidas e praças de São Paulo

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Imagem 1: Eixo verde da Passeig de Sant Joan, em Barcelona, Espanha. A avenida destina 17m de cada lado exclusivamente aos pedestres, sendo 6m livres para o percurso e 11m para convívio e permanência, dialogando com os usos do térreo.

logram em atender aos desejos e necessidades de nossos corpos, como mobiliário e espaços pensados verdadeiramente para pausas de descanso, reflexão, lazer, interação social, contemplação ou ócio criativo. Pude notar que a maior parte dos espaços de qualidade do ponto de vista sinestésico6 ficam restritos a ambientes internos, como centros culturais e comerciais – muitos dos quais pressupõem que a pessoa consuma para poder desfrutá-los. Assim, fui percebendo que, mesmo que exista uma série de problemas urbanos a serem resolvidos com mais urgência do que questões sensoriais, estas estão diretamente relacionadas à qualidade de vida e ao modo com o qual apreendemos a cidade e, portanto, merecem a devida atenção.

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Em meu dia a dia em Barcelona e nas viagens que fiz ao longo do ano de intercâmbio, pude constatar que, proporcionalmente, havia uma qualidade bastante superior dos espaços públicos na maioria das cidades europeias que visitei em relação aos de São Paulo. Essa disparidade se evidenciava principalmente do ponto de vista do respeito à escala humana, dos estímulo às atividades de permanência e convívio, da materialidade, da eficiência da manutenção, do projeto de mobiliário


urbano e da preocupação com o bem-estar dos cidadãos enquanto pedestres ou ciclistas, aspectos que repercutem diretamente em questões de ordem sensorial. Minha hipótese inicial para conformações urbanas tão dicotômicas era que; apesar das cidades ocidentais como um todo terem sofrido modificações drásticas com a Revolução Industrial, as cidades europeias, diferentemente do que ocorreu com a maioria das americanas, preservaram muitos dos traços de sua configuração antiga e não sucumbiram totalmente à lógica do consumo, da especulação imobiliária, do pânico pela insegurança, do higienismo e dos veículos individuais motorizados. Apesar de meu TFG não se comprometer em fazer uma análise profunda das origens dessa perda de qualidade urbanística por parte das cidades contemporâneas - especialmente as americanas -, uma de minhas motivações era entender quais foram as principais causas históricas e comportamentais que culminaram com o empobrecimento sensorial em nossas vidas. No intercâmbio, através da faculdade em que estudei (a ETSAB – Escuela Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona), pude entrar em contato com projetos e teorias de arquitetura e urbanismo que ainda não conhecia ou com as quais era pouco familiarizada. No primeiro semestre cursei uma disciplina chamada “Maestros Nórdicos”, cujo objetivo era o aprofundamento na produção arquitetônica dos países escandinavos - dos quais conhecia muito pouco. Ao estudar os projetos, ficou clara a enorme preocupação daqueles arquitetos em relação à interação com os elementos da natureza e um imenso respeito ao entorno, com destaque especial para as obras de Alvar Aalto. O clima frio dos países nórdicos corrobora para uma valorização da entrada da luz do sol nos ambientes e para projetos que promovam uma sensação de aconchego para o corpo. Para atender a tais princípios e necessidades, há um cuidado muito grande com a materialidade, as aberturas, a paisagem e com o conforto ambiental, o que resulta em obras de arquitetura excepcionais do ponto de vista sensorial, como a Villa Mairea, de Aalto, e o Pavilhão Nórdico, de Sverre Fehn. Na disciplina de Urbanismo que cursei na ETSAB, estudei a obra de dois teóricos que discursavam sobre questões relacionadas à estética e à imagem das cidades, que se

6. Sinestesia: Segundo a definição do Dicionário Michaellis, é a relação estabelecida de forma espontânea entre sensações de caráter diferente, na qual um estímulo, além de provocar a sensação habitual e normalmente localizada, origina uma sensação subjetiva de caráter e localização diferentes, como um perfume evocando uma cor, um sabor evocando uma imagem etc.

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conectam à discussão sensorial por explorarem a potencialidade da esfera visual como estruturadora da paisagem. O primeiro, o urbanista norte-americano Kevin Lynch (1918-1984), possui um importante conjunto de obras sobre a qualidade visual das paisagens elaborado a partir do estudo de como os indivíduos percebem e transitam no espaço urbano. Em seu livro “A Imagem da Cidade”, de 1960, Lynch destaca a maneira como nós percebemos o meio urbano, procurando entender como estruturamos sua imagem em nossa mente e como nos localizamos. Uma das conclusões de seus estudos foi a de que cada cidadão cria determinadas associações com “partes” da cidade, e que a figura que ele constrói de cada uma delas está impregnada de memórias e significados. Esses aspectos visuais contribuem, ou prejudicam a sua “legibilidade”, isto é, a facilidade com que cada pedaço e elemento da cidade é reconhecido e organizado em um padrão coerente. Segundo essa teoria, a capacidade de estruturar e identificar um ambiente seria vital para gerar uma sensação de conforto, orientação e segurança, o que influenciaria diretamente em uma experiência e apreensão mais intensas da cidade. O segundo, o artista e teórico húngaro Gyogy Kepes (1906-2001), reivindicava a chamada “educação da visão” como recurso educativo universal. Em seu texto “Tráfego e Forma Simbólica”, também de 1960, Kepes discursa sobre a relevância da percepção visual no desenho dos espaços públicos, nos quais a harmonia e o equilíbrio do projeto dependem, em grande parte, das questões de ritmo, de textura e de manejo de luz e da cor.

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“A repetição de cenas visuais segundo uma ordem de sequências programadas e estruturadas produz um ritmo de textura que facilita a unificação da forma da cidade em nossa percepção. [...] A repetição regular e alternada de ação e repouso é a chave do ritmo de todo processo laboral ou estético.” (KEPES, 1960, p. 140)

Kepes acreditava que a composição e a cromaticidade dos edifícios, a riqueza de texturas da cidade e até mesmo o sistema de iluminação pública possuíam um potencial estético subexplorado, e que a valorização artística de aspectos como a cor, a mate-


Imagem 2: Fachada de Luz interativa dealizada por Guto Requena para o Hotel WZ, na Av. Rebouças, São Paulo.

rialidade e as luzes da cidade seria capaz de mobilizar uma nova e dinâmica forma de arte cívica, com acentuado conteúdo sensorial. Em Barcelona, pude presenciar intervenções artísticas na cidade que correspondiam às propostas por Kepes, já que articulavam cor, iluminação, textura e inclusive de sons urbanos em um sistema integrado, como o Festival Barcelona Llum. O Festival, que ocorre em todos os meses de fevereiro, toma edifícios emblemáticos da cidade e os “reveste” com projeções que ressaltam suas nuances arquitetônicas para formar determinadas imagens, as quais se movimentam conforme o som de uma música. Outro excelente exemplo desse tipo de intervenção é o retrofit da fachada do Hotel WZ, em São Paulo, realizada pelo artista Guto Requena, em 2015. Apesar de tratar-se de um edifício singular, e não de um sistema, conforme sugeria Kepes, vale ressaltar a obra como exemplo de arte dinâmica, sinestésica e interativa, que utiliza-se de elementos do contexto urbano em que está inserida. Requena usou um software paramétrico que analisou os sons no entorno do prédio, criando padrões gráficos como resposta, o que resultou em uma

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combinação de chapas metálicas nas cores dourado, azul e cinza; uma síntese visual da paisagem sonora da Avenida Rebouças, endereço do hotel. À noite, a pele metálica acende em padrões luminosos interativos, reagindo em tempo real à diferentes estímulos coordenados por sensores que, ora coletam sons, ora a qualidade do ar, modificando suas cores. Um aplicativo para celular também permite a interação direta do público com a fachada através do toque com os dedos ou da voz. Os aprendizados e as relações estabelecidas a partir dos estudos do intercâmbio fizeram com que minha percepção sobre a potencialidade de se explorar mais o corpo e os sentidos na vida urbana tomasse forma e fosse embasada em teorias. Assim, posso dizer que tanto minha vivência pessoal durante os meses de intercâmbio quanto os autores e arquitetos cujas obras pude conhecer melhor na ETSAB foram fatores decisivos para refinar a minha própria percepção corporal dos espaços. De volta à São Paulo, em 2016, a monotonia e carência de estímulos sensoriais da maior parte do espaços públicos da cidade que eu frequentava ficaram ainda mais evidentes, em contraste com as experiências anteriores. Percebi que o cenário mais comum das ruas e avenidas que frequento é o de carros enfileirados, calçadas estreitas, grandes extensões de superfícies de cimento e concreto, fios de eletricidade obstruindo o céu, além da quase constante presença edifícios excessivamente altos, pesados e padronizados pela especulação imobiliária. A cidade carece imensamente de situações em que a escala humana, a forma e a pele de nossos corpos, sejam contempladas. Somado a isso, os atributos geográficos de São Paulo, como rios, colinas e vegetação, perderam toda sua graça e força no meio urbano, tendo sido exterminados, modificados ou mesmo encobertos por camadas artificiais de informação visual. Tal obstrução acaba por distanciar ainda mais os cidadãos dos elementos naturais que, por sua vez, atuam como mediadores fundamentais do nosso corpo com o ambiente urbano.

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Apesar de existirem diversos espaços coletivos de notável qualidade em São Paulo (que são efetivamente capazes de aguçar os cinco sentidos), tais lugares não representam uma proporção adequada dos espaços públicos da cidade, se distribuem de modo


Imagem 3: Crianças brincando nos chafarizes do Parque Madrid Río, em Madrid, Espanha.

desigual e poucas vezes incluem as ruas e avenidas, estando, em sua maioria, em praças, parques e em equipamentos urbanos. Ainda por cima, não há uma diretriz de projeto urbano que expresse com clareza a necessidade de considerar a relação dos nossos corpos com os elementos da cidade. O resultado é uma hipertrofia sensorial tanto dos espaços quanto da população, cujas sensações instintivas básicas e vitais acabam sendo suprimidas por uma lógica de desenvolvimento urbano repleta de artificialismos e de pouca atenção às necessidades humanas. Concluindo, meu trabalho final de graduação foi motivado pelo desejo de despertar a consciência e a sensibilidade dos cidadãos, advertindo-os sobre o modo que os espaços da cidade e a sociedade tem se desenvolvido e a consequente alienação de nossas aptidões sensoriais. Em suma, gostaria de mostrar para os paulistanos como a vida na metrópole poderia ser mais estimulante e envolvente se dedicássemos uma maior atenção aos nossos corpos e às possibilidades táteis, sonoras, visuais, auditivas, olfativas e até mesmo gustativas que os espaços ao redor podem vir a oferecer.

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2Metodologia C

om o tema da percepção corporal e sensorial em mente, tomei a pesquisa teórica como um dos primeiros passos do trabalho, através do qual procurei compreender, para além de minhas noções pessoais, a importância da atenção ao corpo e aos nossos cinco sentidos para a qualidade da vida urbana. Também busquei entender o porquê o nosso corpo físico tem sido negligenciado na construção da cidade contemporânea e quais medidas têm sido tomadas no sentido de recuperar a escala, os desejos e as necessidades humanas. A seleção dos autores deu-se através de pesquisas na Biblioteca da FAU USP e da indicações de amigos e professores. Vale salientar que tive certa dificuldade em encontrar estudos contemporâneos explícitos sobre o tema da sensorialidade no espaço urbano, tendo descoberto, na maioria dos casos, autores que discursavam sobre o estudo da percepção do corpo na cidade e temas mais relacionados ao conforto ambiental (como ergonomia e materialidade) de modo desvinculado da valorização dos sentidos. Portanto, em alguns momentos do estudo teórico, procurei fazer minhas próprias análises em cima do tema estudado, por exemplo, quando investigo quais seriam as perdas sensoriais a partir do fenômeno da espetacularização. Acredito que a análise dos textos foi uma etapa fundamental antes de conceber a forma que o trabalho tomaria. A partir dela, comecei a realizar alguns esboços de projetos em potencial, especialmente croquis com ideias de instalações. Ainda assim, me sentia insegura para iniciar qualquer tipo de projeto e percebi que ainda me faltava repertório. Nesse sentido, busquei ampliar minhas referências através da busca de obras de arquitetos e artistas que trabalham amplamente com a percepção sensorial. A expectativa ao final do primeiro semestre de trabalho era que, concluindo tais estudos, eu finalmente pudesse ter um direcionamento claro do tipo de projeto com o qual seguiria.

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Porém, não havia ter previsto o que ocorreria nesse processo: a parte das pesquisas acabou tomando uma grande proporção, pois senti que meu TFG era uma oportunidade de catalogar produções textuais, artísticas e arquitetônicas acerca do tema da corporeidade e sensorialidade dos espaços urbanos, algo ainda não tão explorado na FAU-USP. Assim, acabei percebendo que seria interessante investir tempo nas pesquisas e estudos de caso e conceber um projeto, não como o objetivo integral do trabalho, mas como uma síntese de todo o aprendizado.

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2.1.Estudo Teórico

A

s leituras que realizei me trouxeram aprendizados diversos sobre a vitalidade dos espaços da cidade. A partir dos estudos, busquei refletir sobre o modo que os sentidos e o corpo se expressam na cidade e quais são as implicações de um urbanismo que considera tais valores na qualidade de vida urbana.

Todos os textos contemplados no estudo apresentam uma crítica ao estado dos espaços urbanos de suas respectivas épocas e contextos e propõem alternativas para melhorá-los, de modo que alguns autores sugerem mudanças nas diretrizes e metodologias de projeto dos arquitetos e planejadores urbanos, enquanto outros são mais centrados em potenciais transformações que podem ocorrer a partir de iniciativas da própria população. Nas análises a seguir, procurei destrinchar os textos e levantar seus principais pontos, relacionando-os uns com os outros sempre que possível. Ao mesmo tempo, busquei, em momentos pertinentes, aplicar as questões debatidas a situações mais próximas da realidade de São Paulo na contemporaneidade, comparando conceitos dos textos a acontecimentos reais vivenciados da cidade (alguns dos quais serão discutidos com maior profundidade na seção dos Estudos de Caso).

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Imagem 4: Instalação cromática no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.


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2.1.1. O Corpo e os Sentidos na Vida Urbana “Na típica cidade francesa, a pessoa pode saborear o cheiro do café, temperos, verduras, aves recém-depenadas, roupa limpa e o odor característico dos cafés ao ar livre. Olfações deste tipo podem dar um senso de vida; as mudanças e transições não só ajudam a situar alguém no espaço, mas acrescentam encanto à vida diária.” (HALL, 1966. p. 56)

A

vida da metrópole contemporânea é fortemente marcada pelo culto à visão. Não à toa, a esfera visual tem predominado na cultura da tecnologia e do consumo e permeado a prática e o ensino da arquitetura e do urbanismo. Conforme pontua o arquiteto, crítico e professor finlandês Juhani Pallasmaa (1936 - ) em seu livro “Os olhos da Pele” (2011), embora nossa experiência de mundo seja resultante de uma combinação dos cinco sentidos, grande parte da arquitetura é produzida pensando sob a consideração de apenas um: a visão. Para ele, a supressão das demais esferas sensoriais tem levado ao empobrecimento de nossos ambientes construídos, provocando uma sensação de isolamento e alienação nas pessoas.

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A narrativa se baseia no raciocínio de teóricos pioneiros na questão da percepção sensorial nos espaços, como Ashley Montagu e Maurice Merleau-Ponty. Em paralelo à crítica que traça sobre predileção da visão na arquitetura e no urbanismo, Palasmaa propõe a valorização do tato que, segundo Montagu, é o nosso sentido primordial; o que se especializou e gerou os demais. De acordo com essa lógica, todos os sentidos, incluindo a visão, seriam especializações e extensões do sentido cutâneo, de modo que todas as experiências sociais estariam diretamente relacionadas à tatilidade. Já Maurice Merleau-Ponty via uma relação osmótica entre a individualidade e a apreensão do mundo e enfatizava a simultaneidade e interação dos sentidos por meio de uma abordagem sinestésica. Para Ponty, a percepção não seria uma soma de pressupostos


visuais, táteis e olfativos, mas uma percepção total do próprio ser, que conversa com todos os sentidos ao mesmo tempo. Ao experimentar uma paisagem, todos os sentidos trabalham juntos, simultaneamente, e se complementam, de modo que as sensações deveriam ser consideradas indissociáveis no fazer projetual. Pallasmaa se mostra muito hábil e sensível ao narrar situações em que a interação entre os sentidos se apresenta no encontro do corpo com o espaço materializado:

Imagem 5: Mercado em Veneza, Itália, cidade cujas “ruas de canais” congregam diversos estímulos sensoriais.

“Que delícia é mover-se de um mundo de aromas para outro, passando pelas ruas estreitas de uma cidade antiga! Um mundo de aromas de uma loja de balas nos faz lembrar a inocência e curiosidade da infância; o odor pungente de uma sapataria nos faz imaginar cavalos, selas e arreios e a emoção de se cavalgar; a fragrância de uma padaria projeta imagens de saúde, subsistência e força física, [...]. As cidades de pesca são especialmente memoráveis pela fusão dos odores do mar e da terra; o cheiro forte das algas nos faz sentir a profundidade e o peso do mar [...].” (PALLASMAA, 2011. p 52)

Portanto, segundo o autor, toda experiência espacial comovente é multissensorial: as características de espaço, matéria e escala são medidas igualmente por nossos olhos, ouvidos, nariz, pele, língua, esqueleto e músculos. Em vez da mera visão, ou dos cinco

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sentidos, a arquitetura é capaz de envolver diversas esferas sensoriais que interagem e se fundem entre si, em uma verdadeira experiência sinestésica. Contudo, vários tipos de arquitetura podem ser distinguidos com base na modalidade sensorial que eles tendem a enfatizar: ao lado da arquitetura prevalente do olho, há arquitetura tátil, dos músculos e da pele, assim como também há um tipo de arquitetura que reconhece as esferas da audição, do olfato e do paladar. A constatação de que a representação do mundo é fruto de uma complexa combinação entre os sentidos, mas que manifesta-se primordialmente através de imagens, também é partilhada pelo antropólogo norte-americano Edward T. Hall (1914 – 2009) em seu livro “A Dimensão Oculta” (1966). Nele, Hall estabelece uma ligação muito importante entre a visão, como fruto de um receptor a distância, com a memória que se tem dos demais sentidos. Por exemplo; apesar das texturas serem avaliadas e apreciadas quase inteiramente pelo tato, elas também são percebidas mentalmente quando se apresentam visualmente, através de lembranças de experiências anteriores. Assim, a memória das experiências táteis nos capacitaria a apreciar as texturas. A respeito disso, Hall classifica os sistemas receptores do homem entre: 1.) Receptores à distância – aqueles que se relacionam como exame de objetos distantes, como é o caso dos olhos, dos ouvidos e do nariz; e 2.) Receptores imediatos – os empregados para examinar o mundo de perto, ou seja, o mundo do tato, as sensações que recebemos da pele, membranas e músculos. Nesse sentido, a pele atua tanto como receptor imediato quanto à distância, já que também é sensível a variações térmicas externas.

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O livro aborda as distâncias invisíveis entre pessoas e o espaço através de estudos sobre como o comportamento animal é moldado por suas capacidades e limitações sensoriais, pelo contexto e, no caso dos humanos, também pela cultura. A dimensão oculta do território seria o espaço que nos aproxima, que nos distancia e que torna possíveis os nossos afetos e relações humanas sem que uma determinada consciência revele essas evidências. Para Hall, somos o tempo todo condicionados, inconscientemente, a perceber o espaço, atuar nele e a nos relacionar com os outros segundo a realidade sociocultural em que estamos inseridos. Seus estudos apontam


A interação entre Visão e Tato Juhani Pallasmaa “Os olhos convidam e estimulam as sensações musculares e táteis. O sentido da visão pode incorporar e até mesmo reforçar outras modalidades sensoriais; o ingrediente tátil inconsciente que existe na visão é particularmente importante e muito presente na arquitetura histórica, mas extremamente negligenciado na arquitetura da nossa época.” (p. 25)

“O olho é o órgão da distância e da separação, enquanto o tato é o sentido da proximidade, intimidade e afeição. O olho analisa, controla e investiga, ao passo que o toque aproxima e acaricia. Durante experiências emocionais muito intensas, tendemos a barra o sentido distanciador da visão; fechamos os olhos enquanto dormimos, ouvimos música ou acariciamos nossos amados.” (p. 43)

“A visão releva o que o tato já sabe. Poderíamos considerar o tato como o sentido inconsciente da visão. Nossos olhos acariciam superfícies, curvas e bordas distantes; é a sensação tátil inconsciente que determina se uma experiência é prazerosa ou desagradável.” (p .40)

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que praticamente tudo que o homem é e faz vincula-se à experiência do espaço, de forma que o sentido humano do espaço é uma síntese de muitos insumos sensoriais: visual, auditivo, sinestésico, olfativo e térmico. Não apenas cada um deles constitui um sistema complexo, mas todos são modelados e padronizados pela cultura. Daí, depreende-se que pessoas criadas em culturas diferentes vivem em mundos sensoriais distintos:

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“Pessoas de culturas diferentes não apenas falam línguas diversas, mas habitam em diferentes mundos sensoriais. O peneiramento seletivo dos dados sensoriais admite algumas coisas, enquanto elimina outras, de modo que a experiência, como percebida através de uma série de filtros sensoriais, culturalmente padronizados, é bastante diferente daquela percebida através de outros. O meio ambiente arquitetônico e urbano que as pessoas criam são expressões deste processo de filtragem-peneiramento.” (HALL, 1966. p. 14)

Segundo Hall, o homem moderno estaria, para sempre, impedido de experimentar plenamente os muitos mundos sensoriais de seus ancestrais, já que estes se encontrariam inevitavelmente integrados a um contexto que só poderiam ser entendidos totalmente pelas pessoas da época. Esse ponto justifica, em grande parte, o choque de sucessivas gerações de observadores em relação ao mundo perceptivo dos artistas impressionistas, surrealistas, abstratos e expressionistas, uma vez que estes não se ajustaram às noções populares, seja de arte ou de percepção. Por exemplo, uma das características dos pintores impressionistas é de que transferiram a ênfase do observador para o espaço, procurando compreender e retratar a dinâmica da paisagem, ao invés de focarem na representação fiel aos olhos humanos. A arte gráfica lida com graus relativos de abstração e pode não conseguir reproduzir exatamente um gosto amargo, o cheiro azedo, um objeto macio ou uma voz estridente, mas suas nuances podem trazer à tona reações muito próximas àquelas evocadas pelos estímulos originais, traduzindo os demais sentidos através do campo visual. Se o artista obtiver muito sucesso e partilhar a cultura do observador, este pode perfeitamente encaixar o que está faltando para uma compreensão mais completa da imagem.


Imagem 6: Juhani Pallasma na Sauna que projetou em Marmekko. Verifica-se nela a grande preocupação com a integração da arquitetura e paisagem através da materialidade.

O mesmo raciocínio pode se aplicar à arquitetura. Projetos de espaço público em bairros, cidades e países distintos podem funcionar muito bem em alguns locais e serem absolutamente dispensáveis em outros. Do ponto de vista do corpo e dos sentidos, essas diferenças tornam-se evidentes. O mesmo pode ocorrer se considerarmos diferenças de épocas e tipos de público frequentador, o que significa pessoas de diferentes gêneros, raças, idades, interesses e classes sociais. Nesse sentido, soluções projetuais, por melhores que sejam, não devem ser traduzidas para outros destinos sem uma ampla consideração às especificidades locais para avaliar quais seriam as adaptações necessárias. Para ilustrar esse ponto, vale uma breve comparação entre elementos da arquitetura nórdica e brasileira, que diferem, sobretudo, do ponto de vista geográfico e climático. Como já havia aprendido em Barcelona, os arquitetos escandinavos, como Juhani Pallasmaa, possuem uma tradição muito ligada à paisagens e aos materiais essencialmente naturais e locais, como a madeira, cuja utilização atribui um caráter aconchegante aos ambientes frios. Do mesmo modo, a “pele de vidro” presente em muitas das cons-

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Imagem 7: Fachada revestida por cobogós e brises do Parque Guinle, no Rio de Janeiro.

truções nórdicas procuram aproveitar o máximo de calor e luminosidade possível, enquanto no Brasil, brises e cobogós protegem o interior dos cômodos da intensa luz solar dos trópicos e garantem a ventilação.

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Apesar dos grande potencial ambiental e climático do Brasil, a cultura de erguer construções padronizadas de alvenaria, cimento e concreto nas cidades contemporâneas brasileiras se difundiu de modo muito mais expressivo do que uma arquitetura que se aproximasse à tradição e técnicas vernaculares e pouco considerou a integração com a paisagem natural ao redor. O prejuízo sensorial de tal produção ainda soma-se ao fato da qualidade material das edificações acabar ficando, com frequência, em segundo plano, devido à destinação de recursos a urgências sociais prioritárias e por diversos outros fatores políticos e econômicos. Na construção de diversos conjuntos habitacionais, como os Cingapuras de São Paulo, prezou-se pelo baixo custo, pela funcionalidade e pela quantidade em detrimento de uma atenção mais efetiva aos atributos materiais e à paisagem que se configurava a partir da interligação entre os blocos, resultando em espaços


internos e externos amorfos e inúteis. Assim, as dificuldades sociais corroboram, muitas vezes, para configurações urbanas e arquitetônicas ainda mais críticas do ponto de vista do corpo e dos sentidos. Um outro caso interessante, descrito pelo renomado arquiteto dinamarquês Jan Gehl no capítulo “Três Tipos de Atividades Exteriores” (2006), nos faz refletir sobre quebras de paradigmas culturais. Em Copenhagen, na Dinamarca, o autor cita um caso de 1962 em que a rua principal da cidade tornou-se peatonal. Nessa época, muito críticos alertaram para a probabilidade da rua tornar-se deserta, já que as atividades comunitárias ao ar livre não faziam parte da tradição escandinava, em grande parte por conta da restrição climática. Diferentemente do previsto, o número de pessoas a pé e sentadas no bairro triplicou, além do aumento do número de atividades e a duração destas. Com o sucesso da apropriação popular a partir abertura dessa via e de tantas outras criadas nas décadas seguintes, verificou-se que os temores iniciais mostraram-se infundados e que a ocupação dos espaços públicos era limitada por conta da impossibilidade física, e não apenas pelo frio. A partir do estudo da leitura do textos, foi possível depreender que o território pode ser considerado um prolongamento do organismo, marcado por sinais visuais, táteis, olfativos e gustativos. Assim, contemplar o universo sensorial que determinada população vivencia no projeto arquitetônico e urbanístico seria fundamental para garantir seu êxito.

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2.1.2. Origens de espaços públicos estéreis “Em vez de uma arquitetura plástica e especial embasada na existência humana, a arquitetura tem adotado uma estratégia psicológica da publicidade e da persuasão instantânea; as edificações se tornaram produtos visuais desconectados da profundidade existencial e da sinceridade.” (PALLASMAA, 2011. p 29)

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m “Os olhos da pele”, Pallasmaa inicia seu discurso traçando um panorama histórico da aproximação e do distanciamento do corpo no projeto arquitetônico. Nos povos primitivos, nas dinastias do Egito Antigo e na Antiguidade Clássica, as dimensões do corpo humano eram amplamente utilizadas na métrica, no peso e na materialidade da arquitetura, sendo paulatinamente esquecidas com o passar dos séculos, como se verifica na monumentalidade e higiene ótica da Renascença e na dureza da cidade modernista, que se voltou inteiramente para o intelecto e para os olhos. O autor narra a evolução do sentido da visão como o mais requisitado, explicitando os problemas decorrentes de tal predileção, que acarreta um enorme desequilíbrio no sistema sensorial, além de gerar prejuízos para nossa memória, imaginação e nossos sonhos.

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Com a modernidade e seus decorrentes processos de globalização e mercantilização, a humanidade tem presenciado uma mudança crescente em sua experiência sensorial e perceptiva do mundo, a qual é refletida pela arte e pela arquitetura. Para Juhani Pallasmaa, apenas recentemente começamos a redescobrir nossos sentidos negligenciados, e essa consciência representa, de certa maneira, uma insurgência tardia contra a dolorosa privação da experiência sensorial que temos sofrido em nosso mundo tecnológico. Nesse ponto, o autor sugere que, se o dever dos arquitetos e urbanistas é fazer com que a cidade tenha um papel emancipador ou curador e que intensifique a vida, seria necessário promover uma reflexão muito mais elaborada sobre o modo com o qual os


espaços vêm sendo pensados e construídos e como a relação destes com nossos corpos e nossos sentidos poderia ser melhorada. Assim como Juhani Pallasmaa, Edward T. Hall pontua que, apesar de tudo o que se sabe a respeito da pele como dispositivo para o recolhimento de informações, grande parte dos arquitetos, planejadores urbanos e engenheiros deixaram de captar a profunda significação do tato. Tanto nas cidades norte-americanas dos anos 1960 que analisava Hall, quanto nas cidades brasileiras contemporâneas, faltam projetos que efetivamente consideram a riqueza de texturas na vida urbana, sendo raramente empregadas de modo consciente e com preocupação psicológica ou social. Assim, não houve a compreensão da importância de manter a pessoa relacionada com o contexto em que vive e, como resultado, pouco se estimulou as capacidades sinestésicas dos cidadãos. Assim, o desenvolvimento das cidades vem falhando em atender às necessidades corporais do homem e compreender os muitos mundos sensoriais dos diferentes grupos de pessoas que as habitam. Podem ser citadas uma série de hipóteses que explicitem o motivo da negligência do corpo e dos sentidos nos espaços públicos ter se intensificado na cidade contemporânea. Uma delas está diretamente atrelada à gradativa desvalorização dos espaços públicos, culminando com esforços e investimentos abaixo do esperados no projeto e na

Imagem 8: Rua vazia no bairro do Poblenou, em Barcelona, próxima a grandes edifícios empresariais.

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O ISOLAMENTO PELO AUTOMÓVEL Edward T. Hall “Vejamos os carrões de Detroit que atravancam nossas estradas. Seu tamanho gigante, assentos estofados, molejo suave e isolamento tornam cada viagem um ato de privação sensorial. Os automóveis norte-americanos são projetados para dar tão pouca sensação da estrada quanto possível. Grande parte da alegria de andar em carros esporte, ou mesmo num bom sedan europeu, vem da sensação de estar em contato com o veículo e com a estrada.” (p. 64) “Uma análise dos receptores imediatos revela, em primeiro lugar, que os norte-americanos, vivendo na cidade ou no subúrbio, têm cada vez menos oportunidades de experiências ativas, seja de seus corpos ou dos espaços que ocupam. Nossos espaços urbanos dão pouca excitação ou variação visual e virtualmente nenhuma oportunidade para construir um repertório sinestésico de experiências espaciais. [...] Além disso, o automóvel está levando mais longe o processo de alienação, tanto do corpo como do meio ambiente. [...] O homem, podemos considerar, tem em seus aspectos visuais, sinestésicos, táteis e térmicos, cujo desenvolvimento pode ser inibido ou encorajado pelo meio ambiente.” (p. 66) “O automóvel encerra seus ocupantes num casulo de metal e vidro, isolando-os do mundo exterior, e diminui o senso de movimento através do espaço. A perda do sentido de movimento vem do isolamento das superfícies da estrada e do ruído, e é também visual. O motorista nas freeways movimenta-se num fluxo de tráfego e os detalhes visuais a distâncias próximas são borrados pela velocidade.” (p. 156) [...] Todo o organismo do homem foi projetado para se mover através do meio ambiente a menos de oito quilômetros por hora. [...] À medida que aumenta a velocidade, o envolvimento sensorial decresce, até a pessoa experimentar uma verdadeira privação sensorial. [...] Os automóveis isolam o homem não só do meio ambiente, mas também do contato humano. Permitem apenas os tipos mais limitados de interação, usualmente competitiva, agressiva e destrutiva. Para as pessoas se reunirem outra vez, terem uma chance de se relacionarem umas com as outras e se envolverem com a natureza, algumas soluções fundamentais precisam ser encontradas para os problemas trazidos pelo automóvel.” (p. 156)

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manutenção de ruas, avenidas e praças. No caso do Brasil, por exemplo, a colonização portuguesa de nossas cidades não seguiu planos que impusessem uma ordem pública como desenho regulador do conjunto urbano. Consequentemente, conforme colocou o arquiteto e Professor da FAU USP, Guilherme Wisnik, no artigo "O Dentro que é Fora, o Outro que sou Eu": "[...] no Brasil, as cidades se organizaram mais a partir do protagonismo de certos edifícios singulares, e de adaptações particulares de seus traçados a terrenos acidentados, do que de um princípio regulador geral. Igualmente, suas praças raramente foram elementos geradores do conjunto, mas sim, ao contrário, espaços sobrantes na configuração irregular dos lotes, [...] São, portanto, espaços que não nasceram públicos, e que uma vez tornados públicos, apenas precariamente conseguem manter-se como tais.” (WISNIK, 2011. p. 253)

O frágil apreço pelos espaços públicos somado à precariedade do crescimento acelerado no último século fez com que São Paulo crescesse em escala descomunal, ganhando construções desproporcionais e agressivas ao corpo humano e priorizando os interesses do mercado, que preza por fluidez e eficiência em detrimento do bem-estar, do convívio e do lazer dos cidadãos. Tais características formais refletem diretamente em nosso modo de vivenciar as cidades, que é tomado por relações pragmáticas e automatizadas com o entorno, enfraquecendo qualquer apropriação sensorial. Sobre o privilégio dado à lógica de mercado e de consumo na contemporaneidade e seu reflexo na conformação urbana, é fundamental recorrer aos estudos de arquiteta Paola Berenstein Jacques (1968 - ), professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA). Sua pesquisa tem enfoque nas novas teorias e práticas do corpo no contexto urbano e na crítica à crescente espetacularização da vida urbana contemporânea, isto é, a implementação de iniciativas que visam meramente à imagem da cidade perante o mercado, encarando-a como peça publicitária de persuasão instantânea.

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Em seu artigo "Notas sobre espaço público e imagens da cidade" (2009), Berenstein chama atenção para o processo de espetacularização dos espaços urbanos, criticando os projetos urbanísticos de fachada que sugerem ordem e consenso mas que escondem os conflitos e as desigualdades existentes. Em paralelo à crítica, tece algumas possibilidades de resistência a esse modelo, como a incorporação da arte nos espaços públicos como elemento sensível de tensão e questionamento. Segundo Berenstein, a espetacularização urbana contemporânea é um fenômeno que, sob a justificativa da revitalização, homogeiniza os espaços públicos e é responsável pela negação de seus conflitos e dissensos, pelo empobrecimento das experiências corporais nestes espaços e, sobretudo, pela negação, eliminação ou ocultamento da vitalidade e identidade dos locais mais populares das cidades. “As relações perceptivas com a cidade, que derivam das experiências sensóriomotoras dos espaços não espetaculares, em suas diferentes temporalidades, formariam então um contraponto à visualidade rasa da imagem da cidadelogotipo, da cidade-outdoor de cenários espetacularizados, desencarnados.” (BERENSTEIN, 2008)

Nesse contexto, ambientes históricos existentes são recriados e equipamentos culturais de arquitetura monumental são implantados, surgindo processos como os de estetização, monumentalização, museificação, midiatização, entre outros. Do processo de espetacularização decorre a redução da experiência urbana e o empobrecimento da corporalidade, uma vez que os espaços urbanos se tornam simples cenários, com pouco incentivo à apreensão corporal e sensorial. Em São Paulo, é possível listar uma série de edificações e espaços que foram produzidos sob a lógica da espetacularização, como o Memorial da América Latina, a Ponte Estaiada Octávio frias de Oliveira e o Condomínio de luxo Cidade Jardim.

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Conforme pontuou Edward T. Hall, as diferenças culturais entre as pessoas (mesmo as que habitam e frequentam um mesmo território) condicionam a existência de conflitos que se traduzem no distanciamento, no desconforto e na desconfiança. Procuran-


Imagem 9: Ponte Estaiada Octávio Frias de Oliveira, em São Paulo; construída a partir de um viés espetacularizante que preza pela arquitetura icônica e que em nada considera a escala das pessoas.

do sanar tais conflitos, as estratégias de marketing urbano criam imagens urbanas homogêneas, pacificadas e consensuais, mas não conseguem apagar as diferenças latentes e pulsantes que são naturais aos espaços dissensuais. Os espaços públicos pressupõem a existência do conflito, uma vez que, por mais que a população frequentadora apresente uma identidade comum, é impossível que os indivíduos partilhem exatamente dos mesmos valores, interesses e opiniões políticas ou que pertençam às mesmas classes sociais, gênero, faixa etária e etnia. A riqueza e a beleza destes espaços estaria justamente no enfrentamento das barreiras em prol de uma convivência cidadã sadia e construtiva. Desse modo, lugares que tendam a eliminar os conflitos estarão, provavelmente, fadados ao esvaziamento, à desertificação e ao descuido. Assim, utilizar-se do desacordo e do desentendimento como alicerces do planejamento urbano poderia, segundo Paola Berenstein, ser uma estratégia para criar ambientes mais vivazes e que efetivamente buscam lidar de modo ponderado e diplomático com as diferenças, sejam elas culturais, étnicas ou socioeconômicas. Para esclarecer esse ponto, comenta:

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“É evidente que não se trata de uma proposta de instauração de um ambiente urbano belicoso, mas sim de uma oposição à pacificação consensual e segregadora das cidades. Enquanto a construção de consensos, que busca esconder os conflitos, é uma forma de despolitização, o desentendimento, a explicitação de dissensos, seria uma forma ativa de resistência, de ação política.” (BERENSTEIN, 2009)

Outro questionamento pertinente no estudos das origens de espaços públicos estéreis refere-se às recentes metodologias e instrumentos empregados na prática dos projetos arquitetônicos e urbanísticos e em sua representação. A invenção da representação em perspectiva, no Renascimento, tornou os olhos o ponto central do mundo perceptual, condicionando totalmente a percepção. Nos dias de hoje, conforme critica Juhani Pallasmaa, a criação de imagens renderizadas nos projetos eleva consideravelmente o efeito distanciador da perspectiva e ainda, longe de sintetizar o universo sensorial, confunde os sentidos, ao apresentar-se enganosamente como uma reprodução fiel. A respeito disso, o autor acredita que: “A criação de imagens por computador tende a reduzir nossa extraordinária capacidade de imaginação multissensorial, simultânea e crônica, ao transformar o processo de projeto em uma manipulação visual passiva, em um passeio na retina.” (PALLASMAA, 2011. p 12)

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Segundo Pallasmaa, o computador cria uma distância considerável entre o criador e o objeto, enquanto o desenho à mão e a elaboração manual de maquetes põem o projetista em contato tátil com o objeto e com o espaço. O mesmo acontece em relação à escala. O planejamento urbano, especialmente quando realizado em escala metropolitana, como São Paulo, precisa de um movimento contínuo de aproximação e distanciamento para avaliar as implicações de suas proposições tanto na escala macro, quanto na micro, de modo a contemplar as necessidades de grandes sistemas (como o viário) e também dos cidadãos enquanto pessoas. Assim, repensar o fazer projetu-


Imagem 10: Maquete de estudo da região do Arc de Triomf construída colaborativamente pelos alunos da disciplina de Projeto que cursei em Barcelona.

al, procurando reconectar o urbanista ao "corpo da cidade" e ao seu próprio corpo humano, é um passo fundamental para criar espaços que valorizem e estimulem a sinestesia. Parafraseando Pallasmaa; se a arquitetura é a arte de nos reconciliar com o mundo, faz-se necessário iniciar tal mediação por meio dos sentidos. Pensando isso, os mecanismos para chegar a um “urbanismo incorporado” é o tema discutido no próximo ítem.

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2.1.3. Por um Urbanismo Incorporado “Solitário e perdido por entre o anonimato da multidão que adensa as calçadas da cidade em horários ditados pelo relógio da produção comercial, outras vezes tomado pela sensação do vazio de estar entre muros e vias de fluxo rápido que o faz apreensivo no encontro com o outro e o possível embate de corpos pertencentes a posições diferentes na pirâmide social, o caminhante atravessa a cidade e acumula sensações e percepções, algumas transponíveis para o seu bloco de notas, outras incomunicáveis, no entanto condensadas em seu corpo enquanto vida e apreensão da cidade percorrida.” (LIMA, 2013. p. 203)

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m urbanismo incorporado, ou seja, que leve em consideração o corpo, sua dimensão, sensibilidade, formato, movimentos, temperatura, potencialidades e limitações, pode ser alcançado a partir da combinação de uma série de ações. Segundo Edward T. Hall, algumas das medidas principais que devem ser incluídas no projeto urbanístico são: 1.) encontrar métodos adequados para calcular e medir a escala humana - incluindo as dimensões ocultas da cultura; 2.) fazer uso construtivo do enclave étnico - garantindo que os espaços habitados sejam não só compatíveis às suas necessidades, mas que reforcem os elementos positivos de sua cultura, ajudando a proporcionar identidade e força; 3.) conservar espaços ao ar livre, amplos e prontamente disponíveis e preservar antigos prédios e áreas adjacentes úteis e satisfatórios da “bomba” da renovação urbana. Para Hall, tais cuidados garantiriam uma vida urbana muito mais enriquecida do ponto de vista sensorial e proporcionariam um tipo de interação mais saudável e benéfica entre os cidadãos. No entanto, para que a sensibilidade e a percepção apurada que culminariam em tais ações possam aflorar, seria necessária uma verdadeira transformação no método de planejamento dos espaços, muito mais conectada à escala 1:1.

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O ato contínuo de caminhar pela cidade é, segundo estudiosos como Paola Berenstein e Eduardo Rocha Lima, uma das formas mais eficientes de conseguir de fato compreen-


dê-la, analisá-la criticamente e ser capaz de propor projetos urbanísticos de qualidade. Eduardo Rocha Lima, arquiteto e professor da Universidade Federal da Bahia, traz em seu artigo “A Cidade Caminhada, o Espaço Narrado”, uma análise do planejamento urbano sob a ótica do historiador francês Michel de Certeau (1925-1986), que assume o caminhar como uma metodologia de pesquisa. Rocha Lima aborda a crítica de De Certeau à totalidade visual e ilusória do espaço geométrico planejado pelos urbanistas, cuja representação gráfica não consegue captar o que nele é invisível, seja pela escala, seja pela imprevisibilidade de seus usos. A inclusão do caminhar, do corpo e de sua apreensão tátil é tida por ambos como parte fundamental da prática

Imagem 11: Ponte para pedestres e ciclistas no Madrid Río, em Madrid, Espanha.

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projetual por contemplar micro-existências dentro do processo macro-econômico de produção do espaço urbano. O caminhante, assim como descreveu a arquiteta Paola Berenstein, através de sua experiência corporal e sensorial, atualiza e organiza o conjunto de possibilidades e proibições do planejamento urbano impositivo que, por sua vez, é legitimado, ou não, pela apropriação cotidiana. A respeito da relação entre o urbanismo imposto e o praticado, entre o planejador e o caminhante, De Certeau propõe a ideia de “enunciações pedestres”, na qual: “o ato de caminhar está para o sistema urbano assim como a enunciação está para a língua”. Nesta associação, assim como a linguagem popular extrapola e subverte a língua erudita, a linguagem figurada proferida pelos passos do pedestre não participa da gramática racional dos urbanistas. Conforme analisa Eduardo Rocha Lima, De Certeau relaciona o uso do espaço planejado dos urbanistas pelos usuários ordinários da cidade e percebe, em paralelo ao que ocorre em nossa língua, uma apropriação “figurada” do espaço citadino extremamente rica e comunicativa, a qual se apropria dos elementos oferecidos pelo “sentido próprio” da prática urbanística para produzir espaço seguindo outras lógicas. No recorte do Prof. Eduardo Rocha Lima da obra de Michel De Certeau, depreende-se que a qualidade da produção do espaço urbano estaria intimamente ligada ao nível de aproximação dos planejadores aos seus usuários. No plano sensorial, o papel dos caminhantes no fazer urbano torna-se ainda mais importante, na medida em que a síntese sensorial do local específico só pode ser obtida através da experiência pessoal dos que o vivenciam diariamente.

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A experiência do caminhar pela cidade como é descrita por Paola Berenstein como o ato de “errar” pela cidade, prática análoga à deriva urbana e ao situacionismo que atua como uma micro-resistência à maneira tradicional de percorrer os espaços e que resulta em diferentes corpografias urbanas. As “Corpografias Urbanas”, tema de um artigo da autora de 2008, resultam da inscrição da memória e da experiência urbana nos corpos de cada cidadão, que por sua vez é potencializada pela experiência de “errar” pela ci-


O CAMINHAR PELA CIDADE Eduardo Rocha Lima

dade. Berenstein sustenta a ideia de que a cidade ganha corpo a partir do momento em que ela é praticada pelas pessoas, tornando-se outro corpo. Da relação que se estabelece entre o corpo do cidadão e esse “outro corpo urbano” podem surgir formas alternativas de apreensão e intervenção na cidade contemporânea, já que são as apropriações e improvisações dos espaços que atualizam continuamente o espaço projetado e legitimam ou não aquilo que foi inicialmente projetado pelos urbanistas. Assim, as relações perceptivas com a cidade, que derivam das experiências sensório-motoras dos espaços não espetaculares, são capazes de oferecer um contraponto à visualidade rasa da imagem da cidade cenário. Os praticantes da cidade, como os errantes, realmente experimentam os espaços quando os percorrem, vivenciando a cidade de dentro (e não de cima, como fazem os urbanistas através dos mapas) e conferindo corporeidade ao ambiente. Em paralelo à crítica de Juhani Pallasmaa ao predomínio da esfera visual na apreensão urbana, Berenstein pontua que o estado de espírito do errante pode ser cego, já que imagens e representações visuais não são mais prioritárias para a

“Errar pelas ruas da cidade. Flanar. Perambular sem destino certo. Perceber os passos e as sensações do caminhar. Parar. Deter-se não por ter alcançado o destino final, não existe o fim, mas sim devido a uma folha que cai no trajeto. Perceber o tempo lento. Conversar. Observar a formiga que leva uma pétala e adentra a brecha da calçada. Caminhar mais um pouco. Retornar pela mesma rua, do lado oposto da calçada. Virar à esquerda. Atravessar fora da faixa de pedestre. Sentar no Bar. Embriagar os sentidos, conversar e tocar o outro. Retornar caminhando na madrugada escura, mesma calçada, outra ambiência. Deixar-se seduzir pelos encontros. Conversar mais uma vez. Entrevistar apenas se necessário e no momento exato construído pelo contato. Caminhar junto. Reencontrar. Caminhar e caminhar. Cruzar olhares fugidios e sem palavras comunicar. Olhar para trás. Perseguir e sentirse perseguido. Aguçar o tesão. Encarar o medo.” (p. 202)

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Imagem 12: Parc des Buttes Chaumont, em Paris, França. Com montes, grutas e riachos criados artificialmente, o Parque, uma antiga pedreira desativada, integrase muito bem à paisagem da cidade e congrega diversos tipos de grupos.

experiência cotidiana, já sendo exaustivamente incentivadas pelo espetáculo. Ainda sobre as errâncias urbanas, a autora discursa a respeito de três propriedades recorrentes desse ato: a de se perder, da lentidão e da corporeidade. A desorientação é positiva na medida em que contrapõe o caráter impositivo do planejamento urbano e expande as possibilidades de apropriação do espaço. Já o tipo de movimento dos chamados “homens lentos”, termo difundido pelo geógrafo Milton Santos, é relevante por negar o ritmo veloz imposto pela contemporaneidade. A corporeidade, por sua vez, se daria através da relação entre o corpo físico das pessoas e o corpo da cidade por meio da ação de errar pela cidade.

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Sobre a questão dos “homens lentos”, vale ressaltar alguns pontos interessantes. Segundo Berenstein, Milton Santos não se refere à lentidão como uma temporalidade absoluta e objetiva, mas sim relativa e subjetiva, o que significa, na prática, uma forma de apreensão e percepção alternativa do espaço urbano, que vai bem além da representação meramente visual. Dentre os homens lentos, o geógrafo refere-se principalmente aos


mais pobres, ou seja, aqueles que não tem acesso à velocidade, os que ficam à margem da aceleração do mundo contemporâneo. Conforme cita Berenstein: “Os mais pobres, mesmo de maneira não voluntária, experimentam ou vivenciam mais a cidade do que os habitantes mais abastados, pois estes obrigatoriamente possuem o hábito da prática urbana no cotidiano e desenvolvem uma relação física mais profunda e visceral com o espaço urbano.” (BERENSTEIN, 2008)

Assim, a lentidão, bem como a desorientação, se relacionam diretamente à questão da corporeidade. A experiência de investigação urbana através das errâncias e de suas decorrentes corpografias urbanas, apontam para a possibilidade da prática de um urbanismo mais incorporado, atuando como uma micro-resistência ao atual planejamento hegemônico e espetacularizante. Para Berenstein: “Ao provocar e valorizar a experiência corporal da cidade, as errâncias (desvios da lógica espetacular) poderiam nos ensinar a apreender corporalmente a cidade, ou seja, a (re)construir e, sobretudo, a analisar nossas próprias corpografias. [...], o estudo das corpografias urbanas, utilizando o próprio corpo enquanto resistência, nos sugere o que poderia vir a ser um antídoto à espetacularização: um urbanismo ‘incorporado’. “ (BERENSTEIN, 2008)

O interesse principal da corpografia urbana para a compreensão dos espaços estaria tanto na análise das corpografias involuntárias quanto no seu exercício de forma voluntária, ou seja, na incitação de corpografias nos corpos daqueles que pretendem apreender os espaços urbanos de uma forma não espetacular. A partir dessa postura, a cidade experimentada através da sensorialidade passa a ser percebida pelo corpo como um conjunto de condições interativas na qual o corpo expressa a síntese dessa interação descrevendo, em sua corporalidade, corpografias urbanas. Portanto, o que se propõe é uma integração do corpo na cidade e da cidade no corpo, o que poderia vir a ser a base de uma prática de urbanismo preocupado com as dimensões e sensações humanas.

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2.1.4. Vitalidade Urbana e Apropriação Popular “Um importante desafio para muitas metrópoles é criar a cultura de ocupação dos espaços públicos, incentivando a autonomia dos cidadãos sobre a cidade, o espaço público não mais sendo tratado como se fosse ‘de ninguém’, mas sim um espaço, efetivamente, de todos.” (SOBRAL, 2015. p. 52)

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partir dos aprendizados das leituras anteriores, depreende-se que; dispor de espaços públicos de qualidade e de pessoas diversas para ocupá-los e usufruir deles garantiria a vitalidade dos ambientes. Apesar de ambos os fatores manterem estreita relação, seria um dependente do outro para prosperar? Para tentar responder a essa pergunta, é importante considerar as análises de três especialistas no tema da apropriação popular dos espaços públicos: Jane Jacobs, Jan Gehl e Laura Sobral. O arquiteto dinamarquês Jan Gehl, especialista na análise da vida urbana que se desenvolve nos espaços livres públicos, descreveu em “Três Tipos de Atividades Exteriores” os diferentes tipos de atividade que levam as pessoas a frequentarem determinado território urbano de uma forma específica, relatou as situações observadas com maior recorrência e listou suas causas prováveis. Em suas observações, Gehl verificou que todas as experiências relativas a atividades humanas realizadas nas cidades parecem indicar que, onde se cria um marco físico melhor, as atividades exteriores tendem a crescer em número, duração e alcance.

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Gehl identifica as três principais atividades verificadas nos espaços livres públicos e descreve de que forma as condições físicas espaciais repercutem em sua regularidade. São elas as atividades: 1.) Necessárias - que ocorrem em quase todos os tipos de circunstâncias externas porque pressupõem tarefas obrigatórias do cotidiano, como


esperar o ônibus ou ir ao trabalho. Grande parte dessas atividades envolve o ato de andar e esperar. 2.) Opcionais - que costumam ocorrer somente em condições externas favoráveis, estando diretamente associadas a atividades facultativas e de lazer, como ler na praça ou fazer um piquenique, e 3.) Sociais - que dependem da presença de outras pessoas no espaço, como cumprimentar as pessoas ou participar de atividades comunitárias. As atividades sociais podem variar bastante dependendo do contexto em que são produzidas, por exemplo, tendendo a ser mais completas e profundas em áreas com um número limitado de pessoas com interesses e origens em comum, e mais superficiais e passivas em lugares centrais e em com grandes aglomerações. Enquanto as atividades necessárias costumam ocorrer com uma frequência similar e com duração regular na maioria dos dias, independentemente das condições físicas e locais, as opcionais e sociais apresentam uma enorme variação em locais mais ou menos interessantes. Ainda assim, os três tipos de atividades se conectam em inúmeras combinações, tendendo a aumentar a sua frequência quando as condições do entorno físico e fatores climáticos são favoráveis. A ocorrência de eventos como chuva, ventania e calor ou frio excessivos, por exemplo, podem diminuir consideravelmente o níveis de ocupação dos espaços. Outra conclusão notável foi a de que as atividades sociais, por seu caráter espontâneo e dependente da presença de pessoas, se reforçam em consonância ao aumento das atividades necessárias e opcionais.

Imagem 13: “Rio de Crochê” feito pelo Coletivo Agulha, no Largo do Arouche, São Paulo.

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Segundo Gehl, os arquitetos e urbanistas são capazes de influenciar nas possibilidades das pessoas se encontrarem e interagirem mediante a tomada de decisões projetuais que estabeleçam melhores ou piores condições para quem passa por alí. Assim, dentro de alguns limites, seria possível influir em quantas pessoas utilizam o espaço público, que tipo de atividades podem se desenvolver e quanto tempo dura cada uma delas. No entanto, o arquiteto pontua que determinados tipos de conformação urbana favorecem ou dificultam a sua apreensão pelos cidadãos. Muitas cidades norte americanas (e todas as que se embasaram em seu modelo tipológico) que privilegiaram o modelo rodoviarista e cederam à lógica de mercantilização dos espaços, costumam ter uma quantidade enorme de veículos e poucas pessoas nas ruas porque as condições para caminhar nas zonas próximas aos edifícios são muito deficientes. Segundo Gehl: “[Nessas cidades] os espaços exteriores são grandes e impessoais. Com as enormes distâncias entre os edifícios, não há grandes coisas a se experimentar no exterior e as poucas atividades que ocorrem se dispersam no tempo e no espaço. Nessas condições, a maioria dos habitantes prefere ficar em casa, diante da televisão, na varanda de seus apartamentos ou em outros espaços exteriores igualmente privados.” (GEHL, 2006. p.90)

O outro extremo de cidade seria representado por cidades europeias, que detém edifícios razoavelmente baixos e pouco separados, com calçadas adequadas para o tráfego de pedestres e bons lugares para estar nas ruas em contato direto com as residências, com o comércio, com os espaços públicos, etc. Nesses locais, os espaços exteriores são convidativos e fáceis de usar, propiciando uma situação em que os espaços interiores dos edifícios de complementam ao ambiente externo e assim, possuem maiores chances de funcionar bem. 48

Jan Gehl cita algumas intervenções simples que podem ocasionar uma melhoria significativa na apropriação dos espaços, como a transformação de vias de tráfego rodado


Imagem 14: Av. Paulista aberta aos pedestres durante uma tarde de domingo.

em vias de pedestres. A abertura de ruas destinadas ao pedestres a partir da década de 1960 em Copenhagen, resultou no triplo do número de pessoas a pé e sentadas que se verificava nos respectivos bairros, além do aumento do número de atividades e a duração destas. Esse mesmo raciocínio e situações podem ver verificados e aplicados para diversas outras cidades, comprovando que alterações bastante simples, como a abertura de ruas peatonais, podem trazer transformações significativas relativas à vitalidade urbana. Em São Paulo, por exemplo, a abertura da Av. Paulista aos domingos e feriados a partir da mobilização popular tem obtido resultados impressionantes. Segundo o Paulista Aberta, uma média de 100 mil pessoas frequentam o local nesses dias, deixando a emblemática avenida ainda mais humana, plural, compartilhada e atrativa. Um aprendizado bastante relevante do texto de Jan Gehl foi a de que as atividades sociais, em seus diferentes níveis de interação e proximidade, envolvem ações como ver e ouvir o outro, sentindo sua presença física e corpórea. Assim, depreende-se que o contato entre pessoas também atribui um significativo valor

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Imagem 15: Conjunto Nacional, na Av. Paulista. Um notável exemplo de edifício de uso misto pela coexistência de galeria de comércio, serviços e moradia.

sensorial para os espaços. Segundo Gehl, o desenho dos espaços públicos, mais do que produto arquitetônico material, é um agente condicionador de atividades, acontecimentos, inspirações e estímulos. Nesse sentido, a presença e interação entre pessoas constituiriam importantes atributos dos espaços públicos e serviriam de indicadores de seu êxito.

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Por sua vez, a urbanista norte-americana Jane Jacobs em seu emblemático “Morte e vida de Grandes Cidades” (1961), investigou quais fatores atribuiam vitalidade aos espaços urbanos de uma metrópole, tomando grandes cidades dos Estados Unidos como estudo de caso. No livro, Jacobs aborda o funcionamento das cidades na prática, o que, segundo ela, é a única maneira de saber quais princípios de planejamento e iniciativas de reurbanização conseguem promover a vitalidade socioeconômica nas cidades e quais práticas a inviabilizam. Para a autora, em termos de construção e desenho urbano, as cidades são um imenso laboratório de tentativa e erro, fracasso e sucesso, no qual os especialistas deveriam se embasar antes de tomar quaisquer decisões projetuais. Ainda assim, Jacobs alerta que, apesar de existirem profissionais


que buscam compreender a grande diversidade do funcionamento urbano e social, o que se vê na maioria dos casos é um erro recorrente de interpretação da vida das comunidades, resultando em um emprego incoerente do capital disponível em iniciativas que não respeitam as preexistências, os usos e os valores sociais locais. Ao longo do livro, Jane Jacobs define quatro condições indispensáveis para gerar diversidade e estimular a vitalidade dos espaços de grandes cidades: 1.) A necessidade de usos principais combinados, cujos edifícios ao redor atendam à diversas funções e garantam a presença de pessoas em horários diferentes, que estejam lá por motivos distintos; 2.) A maioria das quadras deve ser curta, de modo que as oportunidades de virar esquinas sejam frequentes. 3.) O distrito deve ter uma combinação de edifícios com idades e estados de conservação variados a fim de gerar rendimento econômico diverso; 4.) Deve haver densidade suficientemente alta de pessoas, incluindo moradores, de modo que tal concentração garanta olhos atentos aos espaços, conferindo uma vigília natural. Tais premissas se somam e se complementam a alguns dos aprendizados das leituras anteriores. A ideia do uso misto das edificações e da promoção contínua de diversidade da paisagem, por exemplo, se relaciona ao incentivo à práticas urbanas dissensuais abordado por Paola Berenstein. Para ambas as autoras, o caráter democrático que se estabelece a partir do estímulo à convivência de pessoas diferentes é essencial à vitalidade dos espaços, ainda que a convivência entre elas seja um desafio. “O planejamento para a vitalidade deve estimular e catalisar o maior espectro e a maior quantidade possível de diversidade em meio aos usos e às pessoas em cada distrito da cidade grande; esse é o alicerce fundamental da força econômica, da vitalidade social e do magnetismo urbanos. para obtê-lo, os planejadores devem diagnosticar com precisão, em lugares específicos, o que falta para gerar diversidade e, depois, ter como meta suprir essas lacunas da melhor maneira possível.” (JACOBS, 1961. p. 455)

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De modo análogo, depreende-se que a diversidade mencionada pressupõe ambientes com diferentes estímulos visuais, táteis, auditivos, olfativos e gustativos, a fim de quitar a monotonia como um dos fatores de degradação. A preferência por quadras curtas e por construções lindeiras que promovam o contínuo “olhar para a rua” também indicam a preocupação da autora com questões relacionadas ao convívio, proximidade entre as pessoas e respeito à escala humana. Jacobs analisa a cidade como um organismo vivo e pulsante, estabelecendo, inclusive, algumas analogias entre o urbanismo e o universo médico ao longo do texto (por exemplo, em uma passagem da introdução em que associa tratamentos médicos agressivos à práticas urbanas higienistas). Segundo a autora, a energia que garantiria dinamismo ao corpo da cidade viria de sua própria população, de modo que o real entendimento do dia a dia das pessoas seria fundamental para tomar decisões projetuais assertivas. Somado a isso, Jane Jacobs acreditava piamente na contribuição e na crítica popular como formas de direcionar e frear os excessos do planejamento urbano, tendo sido uma grande ativista em diversos episódios de intervenções em cidades norte-americanas, como em sua intensa mobilização contra a construção de uma via expressa no bairro nova-iorquino Village. Nesse sentido, Jacobs retratava a vivacidade dos espaços não como algo a ser projetado, mas como um fenômeno natural emergente. Ela criticava o zoneamento convencional das cidades, alertando para o risco que significava à livre e espontânea expressão da urbanidade. Para ela, as pessoas que estavam mais cientes e próximas dos problemas práticos de sua vizinhança encontravam-se impotentes para ajudar a resolvê-los em um contexto de planejamento centralizado onde as decisões eram impostas de cima.

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A ideia de que a população deve se engajar mais na construção conjunta dos espaços também é partilhada pela arquiteta Laura Sobral, uma das fundadoras do coletivo “A Batata Precisa de Você” e autora do artigo “Partilhar e Compartilhar: em busca de formas alternativas de organização coletiva”, (2015) que aponta lógicas alternativas de ocupação das cidades a partir de experiências de Urbanismo Tático realizadas ao redor do mundo.


Segundo a autora, o desenvolvimento das metrópoles modernas foi conduzido por um pragmatismo urbano elevado à máxima potência, que acabou privilegiando o interesse individual em nome da produtividade e em detrimento do coletivo. Em São Paulo, a tendência predominante de construção formal no território urbano tem levado à concepção de megaprojetos e construções monumentais que se mostraram distantes, como produto e processo, do interesse coletivo. Nesse contexto, escritórios de arquitetura e engenharia tem desenvolvido projetos de revitalização de áreas urbanas sem empenhar-se em conhecer de modo mais profundo as dinâmicas desses espaços e as expectativas e necessidades de seus frequentadores e moradores, resultando na criação de ambientes estéreis e desestimulantes. Sobral critica que, em muitos casos, as obras arrastam-se por anos, por vezes até dobrando a previsão original de sua concepção e, para piorar, elementos que constavam no projeto original acabam não se concretizando, cedendo em diversos aspectos aos interesses do mercado corporativo, em especial o imobiliário. A esse respeito, ela cita a situação que presenciou no Largo da Batata, após

O URBANISMO TÁTICO Laura Sobral “[O Urbanismo Tático] é construído a partir de grupos de pessoas “empoderadas”, ou seja, cria um urbanismo cidadão, de forma a reconhecer o valor das ações informais no espaço público e incorporar na forma de políticas públicas urbanas inclusivas de longo prazo. Tal abordagem é centrada no cidadão para a construção do bairro, caracterizada por intervenções de curto prazo e de baixo custo, destinadas a catalisar a mudanças a longo prazo. De maneira a preencher as brechas deixadas pela clássica noção estratégica de planejamento top-down, modos táticos de urbanismo surgiram na forma de aproximações bottom-up cotidianas de problemas locais, gerenciados de modo desigual dentro das metrópoles contemporâneas.” (SOBRAL, 2018. P 17) 53


a Reconversão Urbana de 2002 a 2013, que culminou em seu engajamento nas atividades do coletivo A Batata Precisa de Você, junto a tantos outros moradores e frequentadores indignados com o resultado das obras. Laura Sobral acredita que, aos poucos, as pessoas vêm tomando consciência de que o modelo vigente de construção dos espaços não gera cidades “humanizadas” ou que privilegiem a qualidade de vida, o que tem se traduzido em um paulatino desejo de resgate do valor do público e do coletivo. O desgaste da “cidade-cenário” e dos locais tidos exclusivamente como passagem vem despertando o caráter esquecido de encontro e de exercício de cidadania dos espaços públicos, sendo uma oportunidade para a intervenção e reinvenção da vida urbana em um novo contexto. Nesse sentido, a sociedade civil está desempenhando um importante papel no processo de ressignificação, assumindo a responsabilidade sobre o território e a cidade como produto social: “Há um movimento recente de indivíduos e coletivos que buscam caminhos alternativos à maneira com que a urbanização vem avançando, fazendo do espaço público um lugar de experimentação. Suas iniciativas valorizam a qualidade da ocupação dos espaços pela presença humana e atividades temporárias, e constroem uma narrativa coletiva sobre e no território, incentivando a apropriação da cidade e de seus processos pelo cidadão.” (SOBRAL, 2015. p. 48)

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As atividades dos coletivos são como laboratórios para a criação de novos métodos de gestão compartilhada para os espaços públicos. Através da co-construção de mobiliário urbano e a promoção colaborativa de atividades culturais e de lazer, atende-se às necessidades da comunidade, amplia-se as possibilidades de uso local e incentiva-se que outros grupos façam o mesmo. Tais microintervenções urbanas acabam atuando como uma forma efetiva de enfrentamento da problemática sensorial nos espaços públicos, uma vez que colocam o frequentador local (seu corpo, suas vontade e suas necessidades) como protagonista do fazer urbano. Além disso, adquirem um forte caráter político ao expor carências de espaços públicos e demandas da população e atuar


Imagem 16: Intervenção com redes feita no Largo da Batata pelo Coletivo “A Batata Precisa de Você”.

como meio de afirmação da voz popular. Ainda assim, Laura Sobral pontua que o cuidado e a apropriação do espaço não são adquiridos instantaneamente, pois a esfera pública é comumente sentida como alheia e o ato de realizar atividades fora de ambientes privados não é comum na cidade de São Paulo. Conforme sinalizou Edward T. Hall, para que determinadas ações surtam efeito, é necessário que os membros envolvidos partilhem de algo em comum, de modo que é necessário construir uma tradição interativa entre cidadão e cidade através da criação de vínculos afetivos com o território. Em um cenário futuro, o ideal seria a condução de planejamento urbano participativo com etapas mais simples de serem concluídas e acompanhadas, tanto na escala macro, como na escala do microplanejamento. Arquitetos e urbanistas têm, hoje em dia, o desafio de tornar os processos de desenho abertos, transparentes e compartilhados, no qual a cidade cidade deixaria de ser assunto restrito aos especialistas e abarcaria os sonhos, vontades e necessidades da população. 55


2.2.Coleta e análise de referências

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ara tornar ainda mais tangível a ideia de um espaço público que valorize o corpo e os sentidos, recorri ao estudo de arquitetos que trabalham intensamente com aspectos como materialidade, organicidade do mobiliário, integração com a paisagem e outros elementos que induzem a uma apreensão sinestésica dos espaços. De modo análogo, o estudo da obra de artistas plásticos que realizam intervenções urbanas interativas ou que trabalham com a questão da corporeidade mostraram-se como uma alternativa, planejada ou espontânea, popular ou erudita, de revitalizar espaços sem que haja, necessariamente, reformas urbanísticas. O estudo de artistas gráficos, por sua vez, teve como principal objetivo entender como o universo sensorial se aplica ao impresso e/ou ao plano bidimensional, além de servir de inspiração para a confecção do produto que, nessa etapa do trabalho, ainda estava indefinido.

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Imagem 17: Instalação “GaiaMotherTree”, confeccionada pelo artista Ernesto Neto para a Estação Central de Zurique, na Suiça


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2.2.1. Arquitetura do Edifício e da Paisagem

O

objetivo da pesquisa dos arquitetos foi entender quais elementos que compõe os espaços são responsáveis por atribuir riqueza sensorial a eles. Apesar do TFG ter enfoque principal nos espaços livres públicos, considerou-se válido reunir também referências de edifícios e interiores por duas razões: 1.) Porque o projeto dos edifícios (especialmente sua forma, volume e fachada) teriam implicação direta na percepção da paisagem ao redor, e 2.) Pela crença de que certos atributos do ambiente anterior poderiam ser adaptados ao exterior, conferindo ao espaço um caráter mais aconchegante e intimista. Foi importante catalogar as diferentes diretrizes e abordagens dos arquitetos para compreender quais recursos projetuais se mostraram mais assertivos e avaliar se seriam passíveis de adaptação para outras localidades ou se fariam sentido apenas naqueles lugares específicos por estarem necessariamente conectados às suas características físicas e de memória.

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Com tal finalidade, o breve estudo a seguir pautou-se em um memorial de cada arquiteto, com descrição de seu estilo arquitetônico e citação de ao menos uma de suas obras de elevada qualidade sensorial. Dentre os arquitetos brasileiros e estrangeiros cujos trabalhos tive a oportunidade de conhecer e pesquisar mais a fundo e cujas obras mais me chamaram a atenção, estão Antoni Gaudí, Alvar Aalto, Lina Bo Bardi, Luis Barragán e o paisagista Roberto Burle Marx.


2.2.1.1. Antoni Gaudí O chamado Modernismo Catalão foi um movimento político cultural da Catalunha, na Espanha, que em sua expressão arquitetônica, significou uma renovação formal pautada pelo ecletismo e por uma materialidade inovadora, similar ao Art-Nouveau. O arquiteto Antoni Gaudí (1852-1926) foi um dos principais destaques do movimento. Desde a estrutura até os detalhes, as obras de Gaudí eram inspirados na biologia, comportando-se metaforicamente como organismos vivos e induzindo os visitantes a uma experiência profundamente imersiva do ponto de vista sensorial.

Imagem 18: Passeig de Gràcia, uma das principais avenidas de Barcelona, na Espanha. Nela, Gaudí projetou a Casa Batllò e diversas peças de mobiliário urbano, como bancos com floreiras e postes embutidos e o próprio desenho do piso.

A Casa Batllò (1926) é um edifício que surpreende em diversos aspectos, especialmente pela riqueza de sua materialidade (que mescla pedras sinuosas, ferro forjado, diversos tipos de madeira e pedaços coloridos de cerâmica e vidro) e pelas engenhosas insinuações de formas orgânicas e de seres vivos, como esqueletos, répteis e ramos de videira. Cada canto da residência estimula um sentido diferente e remete as pessoas às mais diversas sensações, como um mergulho no mar ou um passeio sobre as escamas de um dragão. De modo análogo, os projetos de mobiliário (tanto doméstico, quanto urbano) de Gaudí foram pensados para adaptar-se aos corpos das pessoas, considerando sua dimensão, curvatura e todas as suas necessidades ambientais, físicas e psicológicas. Os revestimentos para a calçada e os bancos com luminárias e floreiras projetados pelo arquiteto para a Passeig de Gràcia, uma das principais avenidas de Barcelona, são excelentes exemplos disso.

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2.2.1.2. Alvar Aalto Conforme já dito, os arquitetos nórdicos são importantes referências quando se trata de uma arquitetura voltada à sensorialidade. O arquiteto finlandês Alvar Aalto (18981976) se destaca por estabelecer uma excelente harmonia da paisagem natural com suas construções e demonstrar uma grande preocupação com o bem estar das pessoas nas edificações. Conforme descreve Juhani Pallasmaa em “Os Olhos da Pele”, Aalto se preocupava de modo consciente com todos os sentidos em sua arquitetura ao incorporar deslocamentos, confrontos oblíquos, irregularidades e ritmos múltiplos que visavam acentuar as experiências corporais, musculares e táteis. Um dos maiores êxitos da carreira de Alvar Aalto foi considerar o projeto de arquitetura como uma obra de arte completa, levando em consideração desde o nível de entrada de luz nos ambientes até o detalhe do mobiliário. Assim, tornou-se conhecido por ser um projetista de todas as escalas, sempre contemplando o corpo humano com louvor. Dentre as obras de Alvar Aalto, enfatiza-se duas residências que atuam como verdadeiros catalisadores do efeito sinestésico: a Villa Mairea (1939) e a Casa Experimental de Muuratsalo (1956).

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A Villa Mairea, ao trazer para seu interior da casa a representação da floresta do entorno através de uma série de varas de madeira irregulares estrategicamente espalhadas, promove uma significativa aproximação do habitante com a natureza e, consequentemente, amplia os estímulos sensoriais que advém dela. A casa também


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apresenta um minucioso cuidado com a composição e com a materialidade, evidente na hábil mescla de lajes de pedra, teto verde, superfícies envidraçadas, aço, madeira e na alternância dos revestimentos do piso de acordo com o nível de domesticidade e intimidade de cada ambiente.

Imagem 19: Villa Mairea, em Noormarkku - Finlândia. Imagem 20: Casa Experimental Muuratsalo, em Jyväskylä Finlândia.

O diferencial da Casa Experimental Muuratsalo, por sua vez, é o desenho das paredes do pátio central, construída com mais de cinquenta tipos diferentes de tijolos dispostos em padrões variados. A rica e diversa combinação resultante dessa solução oferece uma série de estímulos inusitados aos receptores humanos, sendo muito positiva do ponto de vista sensorial. Para atribuir um toque de intimidade ao pátio, Aalto inseriu uma lareira em seu centro, convertendo-o num espaço aconchegante de reunião. Somado a isso, o próprio contexto natural desempenha um papel fundamental na experiência da arquitetura da casa: arbustos, rochas e pedras cobertas de musgo adicionam um precioso contraste com os tijolos brancos que revestem a casa. Os elaborados detalhes e texturas propostos pelo arquiteto, trabalhados artesanalmente para as mãos humanas, convidam ao toque e criam uma atmosfera de intimidade. parafraseando Pallasmaa; “ao vez do idealismo cartesiano e desvinculado do corpo da arquitetura dos olhos, a arquitetura de Aalto se baseia no realismo sensorial.”

(PALLASMAA, 2008, p. 67)

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2.2.1.3. Lina Bo Bardi Italiana naturalizada brasileira, a arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) era uma especialista em capturar aspectos lúdicos da vida e trazê-los para dentro de seus edifícios e mobiliário. Os projetos de Lina são guiados pelo respeito ao ser humano e à natureza, propondo formas inovadoras de envolver e sensibilizar os visitantes através do elementos de sua arquitetura e das atividades que lá acontecem. Segundo Guilherme Wisnik em seu artigo “O Dentro que é Fora, o Outro que Sou Eu”, muitos arquitetos modernos como Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha negaram visualmente a cidade, construindo edifícios na forma de caixas cegas de concreto armado aparente. Na contramão destes projetistas, que desconsideravam o entorno natural e a questão da corporeidade, arquitetos como Lina Bo Bardi, João Filgueiras Lima (Lelé) e Frank Lloyd Wright apresentam edifícios em que estas preocupações não só são evidentes, como motes projetuais.

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A materialidade da arquitetura de Lina Bo Bardi é singular: ela cruza referências locais externas com liberdade, dialogando simultaneamente com sistemas tradicionais e com técnicas de construção mais modernas e complexas. Como resultado dessa sobreposição, há em seus edifícios a presença de telhado de palha com estrutura autoportante de concreto, caixilhos deslizantes em aço e vidro com tela anti-mosquito, piso em Vidrotil alternado com pedras e conchas e móveis de madeira compensada completados com couro, chita e


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cordas. A riqueza sensorial resultante de tais combinações improváveis é notável. O emblemático SESC Pompeia, projetado por Lina, é um edifício de grande força sinestésica. Ao restaurar a antiga fábrica e transformá-la em um centro cultural passível de diversos tipos de apropriações, Lina criou um espaço vibrante e dinâmico cujo funcionamento pode se equiparar ao de um organismo vivo. O galpão tornou-se um espaço de uso flexível destinado à fruição de exposições, ao estar, ao ócio, ao encontro, à leitura, às brincadeiras e jogos lúdicos é aquecido por uma grande lareira, regado pelo espelho d’água e iluminado pelas telhas transparentes da nova cobertura. A rua de acesso aos galpões leva ao deck praia paulista e ao conjunto esportivo, compostos de dois edifícios em concreto armado que contrastam com o edifício da antiga fábrica ao mesmo tempo em que contribuem para o clima de sonho e alegria que Lina tão bem soube preservar. A experiência sensorial do usuário se dá em vários ambientes do SESC: na curiosidade da subida para o patamar da biblioteca, na tranquilidade e frescor proporcionados pelo espelho d’água, na experiência imersiva do contato com o fogo da lareira, na possibilidade de aproximação ou de privacidade das poltronas modulares, no percurso irregular sobre pontes e paralelepípedos, na musicalidade dos artistas que alí frequentam, no aroma e sabor da comida do refeitório e na vivacidade e movimento das crianças que brincam no deck. Todas estas experiências corroboram para uma apreensão completa do espaço pelos corpos.

Imagem 21: Teatro Oficina Uzina Uzona, em São Paulo. Imagem 22: SESC Pompeia, em São Paulo.

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2.2.1.4. Luís Barragán Imagem 23: Cuadra San Cristóbal, em Mayorazgos de los Gigantes - México.

O mexicano Luis Barragán (1902-1988) revolucionou a arquitetura moderna de seu país com o emprego de cores vibrantes provenientes da memória e da arquitetura tradicional de seu país. Barragán insistia que a capacidade de emocionar e comover através da beleza era indispensável a bons projetos de arquitetura. Sua obra é marcada por superfícies sólidas e ortogonais de cores vivas, ângulos retos bem delimitados e por pátios abertos, além do uso frequente de escadas, piscinas e espelhos d’água. A combinação inteligente de tais elementos resulta em surpreendentes jogos de luz, sombras e reflexos capazes de envolver o usuário em uma atmosfera única de deleite sensorial.

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A Quadra San Cristóbal (1969), pensada como um local para abrigar uma comunidade de cavaleiros e seus cavalos, é conhecida por suas superfícies em tons de rosados que ressaltam a geometria abstrata da construção e dão unidade ao conjunto. O caráter altamente expressivo do projeto acentua-se com a forte presença da água no bebedouro e nos aquedutos, com os jogos compositivos das superfícies (que criam pórticos, perspectivas inusitadas e figuras escultóricas) e com a paisagem natural, que se dá através da intercalação do frescor da vegetação e da aridez do solo arenoso. Outro ponto interessante da Quadra é sua versatilidade como um espaço exterior que funciona tanto como local de encontro, quanto um espaço para reflexão solitária e íntima à céu aberto.


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2.2.1.5. Roberto Burle Marx A história do paisagismo brasileiro está intrinsecamente ligada à obra mundialmente conhecida de Roberto Burle Marx (1909-1994), que se distingue por seu amplo registro estético e sensorial que tornava seus projetos verdadeiras obras de arte. Tendo trabalhado intensamente com formas, cores, ritmo, volume, cheios e vazios em seus jardins, Burle Marx captava com destreza o valor plástico e sensível das plantas. Seus projetos proporcionam uma experiência singular no que se refere à liberdade de mover-se no espaço, pressupondo a exploração espacial e variação das trajetórias para apreender a topografia e interação de volumetrias. Reconhecido pela preocupação em utilizar a flora nativa em seus jardins, Burle Marx trabalhou exaustivamente para identificar e cultivar a vegetação tropical brasileira. Ao enquadrar tais plantas em arranjos inovadores, deu-lhes um novo significado. Outro atributo é a livre utilização que fazia de elementos não orgânicos e sintéticos, transformando locais com estruturas de concreto, ladrilhos cerâmicos e amplas áreas de minerais coloridos. Nestes gestos, Burle Marx deixou claro sua visão de que o desenho e materialidade do jardim do homem moderno deveria ser compatível às cidades dos arranha-céus e das estradas pavimentadas. O Rio de Janeiro foi um importante cenário das obras do paisagista, onde projetou o icônico Calçadão de Copacabana, a laje ajardinada do Edifício Gustavo Capanema e o Jardim do MAM, todos com um forte conteúdo sinestésico.

Imagem 24: Calçadão de Copacabana, no Rio de Janeiro.

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2.2.2. Artes Plásticas

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al como descreveu Edward T. Hall em “A Dimensão Oculta” as obras de arte são capazes de trazer à tona reações muito próximas àquelas evocadas pelos estímulos originais. Assim, a pesquisa artística descrita a seguir buscou a descoberta de obras e instalações interativas com uma relevante abordagem sensorial. A escolha por Olafur Eliasson, Helio Oiticica, Ernesto Neto, Lygia Clark e James Turrell deveu-se ao interesse em aprofundar meu conhecimento a respeito do movimento neoconcreto brasileiro e para entrar em contato com a obra de artistas contemporâneos que até então, desconhecia. O estudo foi relevante em dois principais aspectos; Em primeiro lugar; no contexto da espetacularização dos espaços públicos em que os conflitos urbanos são solapados por uma arquitetura homogênea e disfarçada, a introdução da arte como fonte explicitadora de tensões é, conforme aponta Paola Berenstein em “Notas sobre espaço público e imagens da cidade” , um meio para despertar a consciência dos cidadãos quanto à sua condição de meros espectadores urbanos e restabelecer a vitalidade real do local. Desse modo, os artistas, que já trabalham ativamente com “zonas de tensão” em vários âmbitos, seriam potenciais aliados dos urbanistas em um planejamento mais incorporado. Em segundo lugar; por ampliar meu repertório artístico quanto ao tema da sinestesia, especialmente as instalações físicas que influem diretamente na percepção do espaço por seus usuários. Antes de realizar a pesquisa, meu conhecimento sobre sensorialidade estava muito mais centrado em pintores impressionistas, expressionistas e surrealistas, e constatei que seria importante abordar também obras que exploravam a tridimensionalidade e, portanto, detinham o poder de efetivamente transformar a percepção espacial. Ao conhecer o trabalho dos artistas, pude identificar com mais clareza a possibilidade de atribuir sensibilidade, expressividade e subjetividade aos espaços através da arte.

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Imagem 25: “The Weather Project”; intervenção no Tate Modern, em Londres, Inglaterra. Imagem 26: “Your Rainbow Panorama” no ARoS Aarhus Kunstmuseum, Dinamarca.

2.2.2.1. Olafur Eliasson Olafur Eliasson (1967 - ) é conhecido por suas esculturas e instalações de grande escala que utilizam materiais elementares, tais como luz, água e temperatura do ar para envolver o espectador em uma experiência supra-sensorial. Eliasson se interessa pelo engajamento ativo do espectador em sua interpretação por meio do corpo, dos sentidos e do conhecimento. Seu trabalho evidencia que boa parte do que percebemos não tem existência física, exterior, mas dá-se no âmbito do nosso sistema sensorial e no cérebro. Retomando o artigo do Prof. Guilherme Wisnik, “O dentro que é fora. O Outro que sou eu”, presente no livro “Seu Corpo da Obra” que analisa as obras do artista Olafur Eliasson; “Um dos grandes problemas da experiência contemporânea do mundo é a excessiva nitidez com que ele se apresenta à nossa percepção. Em vários planos da vida, tudo a nossa volta parece nítido e destituído de ambiguidade” 25.

(WISNIK, 2011. p. 259).

Através de ambiências enevoadas e jogos óticos de espelhamento, Eliasson questiona e contrapõe essa realidade, induzindo os visitantes de suas instalações a se percebem simultaneamente dentro e fora desses ambientes, que se transformam em espaços complexos do ponto de vista da percepção. Suas instalações funcionam como ferramentas que modificam nossa visão de mundo, e o prazer lúdico de seu trabalho demonstra a alegria de perceber, aprender e compreender a nós mesmos. Outra característica frequente de sua obra é a de oferecer uma sutil resistência às nossas tão pragmáticas e automatizadas relações com o entorno como, por exemplo, ao posicionar cuidadosamente troncos de árvore em meio a ruas da cidade ou ao encostar uma bicicleta com rodas espelhadas em uma ponte. 67

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2.2.2.2. Helio Oiticica Artista de grande influência no panorama artístico brasileiro, Hélio Oiticica (1937 1980) é conhecido por suas obras efêmeras, dinâmicas e performáticas, sobretudo instalações de grandes dimensões. Oiticica trabalhou intensamente com a interatividade em suas obras, valorizando uma experiência diferente de estar neste mundo, sozinho ou na companhia de outros, como um núcleo construtivo de prazer sensorial, contemplação e criatividade. Assim como Lygia Clark, Ferreira Gullar e Lygia Pape, Helio Oiticica fazia parte do Neoconcretismo, que nasceu no Rio de Janeiro no final da década de 50 em oposição ao Concretismo paulista. As principais características do movimento eram a oposição ao cientificismo e positivismo, a reivindicação por uma maior subjetividade e expressividade artística, liberdade de experimentações e abstrações, interação do público com a obra e transcendência da arte. Segundo Guilherme Wisnik, uma das maiores contribuições artísticas de Hélio Oiticica foi: “[...] a criação de um curto-circuito entre os âmbitos público e privado, profanando espaços de vida coletiva e impessoal, como salas de museus e galerias, com módulos de vivência íntima.” (WISNIK, 2011. p. 255)

Oiticica já transgredia de forma potente a fronteira entre o que está dentro e o que está fora, nos anos 1960, em paralelo ao que fazia Olafur Eliasson entre os anos 1990 e 2000. A diferença é que, enquanto Eliasson o faz por meio das ambiências enevoadas e jogos de espelhamento, Oiticica apostava nos percursos e na prática vivencial, como ocorre nas chamadas “Cosmococas”. 68

Através das Cosmococas, Oiticica dirigia-se aos sentidos, levando o indivíduo a uma “supra-sensação”, ou seja, ao dilatamento de suas capacidades sensoriais habituais para a


Imagens 27, 28 e 29: Ambientações do interior da Galeria Cosmococa, em Inhotim - MG.

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descoberta de seu centro criativo interior. Essas obras quebraram com a tradição artística viagente na medida em que posicionaram o visitante não como um mero contemplador, mas como agente essencial na completude da obra, o que caracterizou uma transformação radical na concepção da arte. Funcionando até hoje no Instituto Inhotim, em Minas Gerais, as Cosmococas instigam as pessoas a fazerem descobertas, a explorar, a fazerem parte daquilo que vêem. Ora deitando na rede ao som de Jimmy Hendrix, ora entrando na piscina gelada, os visitantes devem usar todos os seus sentidos para compreender significado do todo. Um dos atributos das Cosmococas que mais me chama a atenção é que elas representaram um caminho importante para uma arte mais acessível. O conhecimento artístico e filosófico deixa de ser requisito essencial para o pleno entendimento da obra uma vez que, tendo os próprios sentidos como ponto de partida, cria-se uma acessibilidade mais ampla, bastando a bagagem individual e as sensações pessoais do espectador para compor seu significado subjetivo. Tais características se alinham bem a uma de minhas premissas iniciais para o TFG, a de enxergar a linguagem dos sentidos como uma das mais democráticas e acessíveis de todas.

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2.2.2.3. Lygia Clark Lygia Clark (1920-1988), participante ativa do neoconcretismo, costumava se declarar como não-artista e dizia que a “arte é o seu ato”. Ela foi uma das precursoras da arte participativa e compartilhada e buscou desbravar o inconsciente através de manifestações artísticas de caráter transcendental que procuram extrapolar a realidade visível em direção a uma apropriação muito mais sensível. Clark é uma referência imprescindível por ser uma das pioneiras em avançar na arte interativa e no campo tridimensional, deslocando a imagem do plano em direção ao corpo e ao espaço.

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Criou experiências sensoriais extremamente envolventes e intensas, como as “Máscaras Sensoriais” (1967) e a instalação “A Casa é o Corpo” (1968). Suas máscaras propunham uma experiência introspectiva e de busca pelo autoconhecimento já que, ao colocá-las (cada qual com sua especificidade e tipo de confecção), o espectador entrava em um estado de isolamento absoluto com o exterior. Já “A Casa é o Corpo” explorava a relação do indivíduo com o espaço, no caso, através de uma simulação abstrata da experiência de reprodução humana. Lygia Clark construiu uma estrutura na qual o visitante adentrava em uma arquitetura que mimetizava o corpo materno e assim podia passar pelas diferentes fases da reprodução: penetração, germinação, ovulação e expulsão.


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A artista também realizou trabalhos interessantíssimos relacionados à psicanálise e sua relação com a corporeidade. Como terapeuta, procurava explorar os sentidos e a mente de seus pacientes a fim de reestruturar o indivíduo que, cercado de confusões e estímulos externos, estava perdendo sua integridade. A ideia de Lygia era, através do uso de seus “objetos relacionais”, recuperar a individualidade perdida das pessoas e restaurar a plena consciência de seu potencial através de uma experiência poética. Através desta “arte-terapia”, Lygia utilizava-se de sacos de areia, de água e de ar, pedras, conchas e muitos outros elementos e os espalhava estrategicamente em partes específicas do corpo dos pacientes para que criassem relações com os objetos por meio de sua textura, peso, tamanho, temperatura, sonoridade ou movimento. Assim, eles teriam a oportunidade de reviver, em contexto regressivo, sensações registradas na memória do corpo relativas a fases da vida anteriores.

Imagem 30: Instalação “A Casa é o Corpo”, exposta no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1968. Imagem 31: Objetos relacionais utilizados por Lygia Clark em suas sessões se arte-terapia.

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Imagens 32 e 33: “O Bicho SusPenso na PaisaGen”, Faena Arts Center, Buenos Aires - Argentina.

2.2.2.4. Ernesto Neto 32.

Ernesto Neto (1964 -) é um dos grandes nomes da escultura contemporânea brasileira e sua trajetória pode ser contextualizada a partir dos artistas do movimento neoconcreto estudados, como Lygia Clark e Hélio Oiticica. Suas esculturas seduzem o olhar pela elegância das formas orgânicas e também envolvem o corpo requisitando tato, olfato e audição. O crochê é um elemento central na obra de Neto, atuando como uma macro membrana que suspende objetos e pessoas. As obras são feitas a mão em um trabalho intenso e minucioso que combina cordas coloridas e objetos (em geral, bolas de plástico) e explora sua disposição no espaço e a tensão gravitacional resultante entre os elementos. Muitas de suas obras podem ser não só tocadas, mas adentradas, visando a interatividade das pessoas com suas formas lúdicas e orgânicas. Para experimentar-se a total potencialidade da experiência que o artista nos propõe, é exigido um exercício não só de contemplação, mas de imersão, de entrega.

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Segundo Ernesto Neto, suas instalações propiciam sensações conflitantes que podem ser equiparadas à nossa vivência no mundo. O artista valoriza a existência de movimentos de suavidade e força que equilibram as durezas do cotidiano, os quais expressa de forma metafórica no formato e na materialidade de suas esculturas. Os balanços de crochê, por exemplo, oferecem um momento de relaxamento ao visitante da exposição que pode estar cansado e, ao mesmo tempo em que parecem ser visualmente frágeis, garantem a estabilidade e o equilíbrio já que mimetizam a estrutura dos nós observadas na natureza. Pensando em experiências diferentes para cada situação e momento da vida, o artista alterna os tons de cores, as formas e os objetos que inclui em suas esculturas, provocando sensações diversas e inusitadas nos usuários.


2.2.2.5. James Turrell Em uma linha de produção artística comparável a de Olafur Eliasson, o norte-americano James Turrell (1943 - ) explora com maestria a imaterialidade da luz através de instalações que fazem uso de jogos cromáticos de blocos e superfícies luminescentes. Suas obras são trabalhos interativos e profundamente imersivos capazes de proporcionar aos espectadores uma experiência intensa e de natureza etérea.

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Um dos efeitos mais interessantes de sua produção artística é a capacidade de ampliar o campo visual do espectador gerando incertezas perceptivas. Ao romper com o modo tradicional de conceber a luminosidade, Turrell nos possibilita refletir sobre a nossa própria visão: sua dimensão, sua beleza e imprecisão. Considero o artista uma referência importante por sua capacidade de munir-se da imaterialidade da luz para conceber a imagem que se tem de um determinado espaço, sem que esse seja de fato modificado. Conforme afirmava o artista húngaro Gyorgy Kepes, a exploração alternativa da luminosidade na cidade, como projeções e focos de luzes coloridas, possuem um enorme potencial como elemento orientador, lúdico e emocional nas pessoas, especialmente quando combinados com sons e articulados em ritmo. Assim, acredito que intervenções desse tipo são excelentes formas de sensibilizar os cidadãos e aproximá-los dos espaços públicos.

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Imagem 34: “The Light Inside”, The Museum of Fine Arts, Texas - EUA . Imagem 35: “Twilight Epiphany”, Moody Center for the Arts, Texas - EUA.

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2.2.3. Artes Gráficas

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análise da produção gráfica de artistas e peças gráficas teve como foco a coleta de referências para produção de um Produto Síntese para o TFG. Um dos objetivos foi o de refinar o conhecimento e ampliar meu repertório pessoal com relação ao design gráfico levando em consideração a questão da sensorialidade existente em seu conteúdo imagético e textual ou em sua materialidade. Ao longo de minha graduação na FAU e, especial, no período em que participei do corpo editorial da Revista Contraste (uma publicação dos estudantes da FAU), tive a incrível oportunidade de entrar em contato com uma série de experiências gráficas, como serigrafia, colagem, impressão em máquina offset e manipulação de tipos móveis de chumbo. Considerei relevante acrescentar a tais vivências a leitura dos livros “Design Gráfico Sinestésico”, de Yuji Kawasaki e “Das Coisas nascem Coisas”, de Bruno Munari, que foram ótimos pontos de partida para começar a entender: de que modo a manipulação de páginas pode proporcionar uma verdadeira experiência sensorial? Como se dá a imersão sensorial em uma superfície plana, bidimensional?

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Ainda assim, se fazia necessária a busca por novas referências, especialmente de artistas que trabalhassem com técnicas e estilos com os quais me identificasse mais (como ilustração manual e colagem digital), o que culminou com o estudo da obra do coletivo inglês Archigram e dos artistas Gustavo Piqueira e Angela León.


2.2.3.1. Bruno Munari O artista italiano Bruno Munari (1907 – 1998) foi um dos responsáveis por algumas das propostas mais criativas e geniais da literatura infantil. Através de seu “Livro Ilegível” e de seus “Pré-Livros”, ele repensou toda a estrutura do livro, levando sua materialidade como possibilidade de narrativa. Munari cresceu em uma época em que livros infantis eram previsíveis e monótonos, focados no texto e com algumas imagens de suporte. Ele identificou essa falta de sensibilidade dos livros, que também eram descompassadas com o ímpeto de descobertas das crianças, e concluiu que o modelo de livros infantis existente contribuía para a criação de um desinteresse destas pela leitura, que era vista muito mais como uma obrigação do que como algo prazeroso. A partir dessa percepção, Munari inicia seus estudos do livro como um objeto, através do livros ilegíveis:

Imagem 36: Páginas coloridas e recortadas do Livro ilegível.

“O objetivo dessa experimentação foi verificar se é possível utilizar como linguagem visual o material com que se faz um livro (excluindo o texto). O problema, portanto, é: o livro como objeto, independentemente das palavras impressas, pode comunicar alguma coisa, em termos visuais e táteis?” (MUNARI, 1981)

Com esta questão em mente, Bruno Munari passou a analisar como os livros eram feitos, reparando especialmente na ausência de surpresas. A plataforma de um livro, o papel, era muito mal explorada, predominando o uso do branco, sem a devida atenção para suas

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37. Imagens 37, 38 e 39: Alguns dos diversos “Pré-Livros” lúdicos confeccionados por Bruno Munari.

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texturas e cores que poderiam contribuir para ampliar as possibilidades de apreensão do livro. Assim, ele construiu um livro sem texto que explorava a sobreposição de papéis com diferentes materiais, tonalidades e formas e abria novos caminhos para o universo sensorial como parte da leitura. A partir da compreensão do potencial do livro como objeto, Munari criou os Pré-livros. A preocupação era justamente trazer o prazer da experiência com os livros nos primeiros estágios da infância, proporcionando uma apreensão agradável, lúdica e sensorial, antes do contato com o livro escolar. Ainda que não houvesse texto, a ordem e o posicionamento de cada elemento que compunha as páginas propunham uma outra narrativa: a visual. Pequenos e leves, os Pré-livros de Munari podiam ser facilmente manipulados pelas mãos de uma criança. Eram confeccionados com os mais diferentes materiais e encadernações para conviverem com brinquedos e estar no ambiente que a criança associa ao divertimento. Munari enxergou que a insensibilidade de muitos adultos provinha, em grande parte, da falta de estímulos cognitivos durante a infância. Desde cedo, percebeu que as crianças eram inibidas a encostar (dentro de encostar, lê-se: tocar, escorregar, deitar, debruçar, pisar, e quaisquer outras ações que fizessem parte de suas brincadeiras) em qualquer superfície que fosse considerada suja, que tivesse o risco de quebrar ou de manchar suas roupas, o que reduzia consideravelmente as possibilidades de expandir seu universo tátil. Por efeito sinestésico, os demais sentidos acabam sendo prejudicados durante o crescimento do indivíduo. Nesse sentido, o fazer artístico de Bruno Munari, mais do que uma crítica ao modo convencional de se produzir livros, é uma tentativa de remodelação da percepção do indivíduo. Ao potencializar, desde cedo, sua atividade sensorial, Munari estaria contribuindo para o desenvolvimento de adultos mais sensíveis.


2.2.3.2. Yuji Kawasaki O livro “Design Gráfico Sinestésico - A relação da visão com os demais sentidos na comunicação”, é produto da dissertação de mestrado de Yuji Kawasaki e trata sobre as possibilidades sinestésicas aplicadas ao campo do design gráfico. Apesar de sua ênfase em embalagens e peças de marketing, Kawazaki também permeia o campo das artes e traz análises interessantes do como transmitir sensações táteis, auditivas, olfativas e gustativas às imagens bidimensionais, através do uso sensível e inteligente de diferentes recursos gráficos.

Imagem 40: Ilustração de Paolo Lim a partir de colagem digital e aquarela, com pinceladas marcantes em tons quentes.

O livro apresenta um breve estudo da relação existente entre os diferentes sentidos, relatando associações comuns entre frequências, sons e cores, ou entre cores e formas. Segundo o autor, uma mensagem mais completa e eficiente pode ser alcançada se houver atenção às possibilidades sinestésicas, seja de forma literal, com a real associação de estímulos visuais e não visuais, ou de forma sugerida, através de recursos visuais que denotem ou sugiram estímulos normalmente associados a outros sentidos. A respeito de tais correspondências, faz a seguinte colocação: “Nunca se estabeleceu uma escala de correspondências padrão entre notas musicais e cores ou entre sons, vogais e cores. Cada artista criou a sua própria base de conversão de estímulos sonoros em cromáticos. Dessa forma, não podemos afirmar que exista ou tenha existido uma tradução de sons em cores

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inerente à sensibilidade humana de modo geral, mas sim experiências diversas de associar mais de um sentido humano no intuito de resultar em experiências sensoriais ricas e instigantes.” (KAWASAKI, 2010. p. 51).

Ainda que os resultados das associações entre os sentidos sejam subjetivos e, portanto, discutíveis, as peças gráficas ficam muito mais interessantes quando se explora intencionalmente o efeito sinestésico, especialmente por abrir margem para diversas interpretações. Quanto maior for o domínio do designer em utilizar diferentes linguagens e repertórios, mais eficiente deverá ser sua comunicação sinestésica. Na função de designer, é necessário considerar as diferentes linguagens dominadas tanto pelo emissor quanto pelo receptor. É dentro deste repertório de códigos e informações que se desenvolvem os estímulos (que podem ser de ordem fisiológica, cultural ou emocional) e as mensagens.

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Para a criação do repertório, segundo Kawazaki, todos os fatores que nos cercam tornam-se importantes: as pessoas com as quais convivemos, os textos que lemos, os costumes que herdamos, as convenções sociais que seguimos, o ambiente físico no qual estamos inseridos, o tempo no qual vivemos. Enfim, tudo aquilo que influencia a criação de nosso universo sensorial. As informações podem ser organizadas e disseminadas com base na formação e interesses de determinados grupos socioculturais, como diferentes nacionalidades, denominações religiosas, profissões, classes econômicas, sexos, faixas etárias, etc. Kawasaki considera perfeitamente possível despertar sensações e interpretações através unicamente de recursos gráficos, de estímulos visuais. Esse efeito seria conseguido através da sinestesia que, segundo ele, pode ser considerada, em termos de comunicação visual, como a transposição de códigos e linguagens de estímulos táteis, olfativos, gustativos e auditivos em códigos e linguagens de ordem visual, sendo uma espécie de tradução, de recodificação de uma informação.


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Imagem 41: Ilustração suave de nadadoras feita em aquerela e grafite por Betsy Walton. Imagem 42: Ilustração em lápis de cor e caneta hidrográfica de Frida Stenmark, na qual o volume e conteúdo do som é representado por uma espécie de balão cor de rosa.

Após conceituar a sinestesia, o autor segue exemplificando tipos de correspondências entre a visão e os demais sentidos. Em relação a audição, traz alguns estudos sobre associações entre cores (claras e escuras) e sons (agudos e graves) e algumas considerações sobre ritmo e equilíbrio. A respeito do equilíbrio, pontua que, por sua imobilidade e estabilidade, pode gerar a sensação de silêncio, de perenidade. Em contrapartida, elementos dispostos de forma assimétrica ou sugerindo expansão, podem gerar a sensação de barulho, de uma explosão. Também acrescenta que a simetria cria ordem e alivia a tensão mas, muitas vezes, uma ligeira tensão salva uma imagem de total monotonia. Sobre o ritmo, Kawasaki o entende como o estímulo pontual colocado de forma harmônica e planejada ao longo de um período de tempo. O ritmo sonoro pode ser encontrado também no meio visual, através de inserção de elementos dispostos de acordo com um critério espacial gradual e harmônico. Sobre a sinestesia visão-tato, o autor dá enfoque principal às relações entre cor e peso e entre formato e textura. As cores evocam, com relação ao tato, sensações térmicas e a impressão de serem mais ou menos pesadas conforme seu matiz, saturação e luminosidade. Quanto às formas, seus estudos indicam que a agudeza produz uma sensação de tensão e até uma certa agressividade formal e, quase sempre, um grande impacto visual. Já o arredondamento das formas tem como característica perceptiva a suavidade, a brandura, a delicadeza e a maciez que as formas orgânicas geralmente transmitem. É um dos fatores que conduz, favorece e facilita a leitura visual, sobretudo, por causa de presença de tais formas na natureza. Outro fator interessante é de que as formas horizontais achatadas passam a sensação de maior solidez e maior estabilidade sobre o plano em que se assentam, enquanto as figuras verticais e esbeltas passam a sensação de leveza e de menor estabilidade, tendendo a elevar-se. O sentido do olfato é um dos mais importantes no que se refere à apreensão de informações, por sua enorme capacidade de estabelecer relações duradouras de lem-

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Imagem 43: Colagem de Valero Doval, na qual os objetos voadores, linhas e jogo de angulações sugerem um grande dinamismo à composição.

brança. Estudos citados pelo autor demonstram que os seres humanos são capazes de lembrar experiências passadas com maior facilidade quando expostos a odores vivenciados no passado do que quando expostas a estímulos visuais vistos anteriormente. A capacidade de memorização e mesmo a relação afetiva estabelecida através do olfato seriam, portanto, mais fortes e contundentes do que através da própria experiência visual. A associação sinestésica entre visão e olfato portanto, possui uma incrível potencialidade no campo da memória. Finalmente, devido à forte relação entre o olfato e o paladar, praticamente todas as relações sinestésicas despertadas entre visão e olfato a partir das cores são aplicáveis às relações entre visão e paladar. Por exemplo; cores quentes se associam a sabores adocicados e apimentados, enquanto cores frias normalmente remetem a sabores amargos e cítricos.

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Um dos grandes aprendizados da leitura da dissertação de Kawasaki foi compreender que há uma certa universalidade em boa parte das relações sinestésicas percebidas pelo homem, o que contribui diretamente para uma comunicação mais eficiente. Conforme descreveu Edward T. Hall, é necessário saber quais são os símbolos culturais partilhados pelos grupos receptores a fim de transmitir adequadamente as mensagens, especialmente em se tratando de associações do campo da sinestesia.


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2.2.3.3. Archigram Archigram (1961-1974) foi um grupo de seis arquitetos ingleses das vanguardas da década de 1960 que, partindo da Revista independente de mesmo nome, teceram uma crítica de seu contexto social através de uma produção gráfica inovadora e original que, ainda que não resultasse em edifícios construídos, revolucionou o pensamento e a representação arquitetônica das gerações seguintes.

Imagem 44: Colagem “Control and Choice Duellings”, do Archigram, que mescla com liberdade e personalidade desenhos de super-estruturas tecnológicas, cores primárias e diversas tipografias.

As imagens produzidas pelo grupo compunham um amplo leque de produtos gráficos, como colagem, desenho técnico-industrial, desenho arquitetônico, caricatura, cartoon, animação e a composição de texto jornalístico. De modo análogo, a fim de envolver o espectador em suas ideias, o discurso visual do Archigram se apoiava no humor, que por sua vez era explorado em diversas vertentes: da ironia, da metáfora, da sedução, do entretenimento, da confusão, entre outros. Todas estas linguagens eram somadas, sobrepostas e misturadas, resultando no estilo e estética característicos do grupo que foram repercutidos intensamente em obras de teor ficcional posteriores. Apesar de retratar as cidades como elementos vivos com frequência, o Archigram foi escolhido como uma das referências para o trabalho menos pelo conteúdo sensorial de suas representações gráficas, e mais pela infinidade de mensagens que suas composições gráficas são capazes de transmitir. A livre justaposição de imagens e textos na produção do grupo, por exemplo, confere um enorme dinamismo ao cenário re-

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45. Imagem 45: “Walking-City”, uma cidade móvel que se deslocava segundo os interesses e necessidades da comunidade. Imagem 46: “Instant-City”, uma cidade que surgia espontaneamente de modo efêmero, mas que deixava um legado para a cidade local. Imagem 47: “Plug-In City”, uma cidade inteiramente conectada através de superestruturas de transporte que fluem na diagonal, além de guindastes e elevadores.

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presentado, o que anuncia a chegada de uma era da velocidade, de conectividade e da informação. Dessa forma, compreender a produção do Archigram e aplicar suas estratégias visuais para irradiar ideias seria um bom encaminhamento para conceber o Projeto Síntese. O predomínio da colagem nos projetos do Archigram possui raízes em vanguardas modernas anteriores, como o Surrealismo, o Futurismo e o Dadaísmo e, ao mesmo tempo, engloba o universo de sobreposição visual da cultura de massa e de consumo que vinha sendo disseminada na época. Tal recurso apresenta inúmeras possibilidades como solução gráfica, em especial, a de criar uma espacialidade alternativa (no caso, com especulações arquitetônicas para o futuro) capaz de renovar a concepção de tempo e de urbanidade dos espectadores.

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As cidades propostas pelo Archigram questionavam a configuração dos espaços urbanos que, para o grupo, não condiziam mais com a utilização e o comportamento dos cidadãos. A “Walking City”, a “Instant City” e a “Plug-In City” representavam perfeitamente essa condição, pois eram especulações ousadas de um modo alternativo de construir e habitar as cidades. Para representar tais modelos, o Archigram se valeu das “colagens impossíveis” como forma de transformar totalmente a percepção arquitetônica vigente. A partir de mesclas de estilos e formas tipográficas, uso de cores saturadas, perspectivas improváveis, objetos fora de escala e desenho de mega-estruturas, os arquitetos conceberam um novo modo de pensar as cidades do futuro, conectando-as aos referenciais de um novo estilo de vida urbano e captando seu movimento, ruído, ânimo e vibração.


2.2.3.4. Gustavo Piqueira Gustavo Piqueira (1972 - ) é um designer contemporâneo brasileiro que trabalha em diversas frentes: escreve, ilustra, cria tipografias e embalagens. Piqueira dedica grande parte de seu trabalho na criação de experiências que buscam subverter e inovar o suporte do livro, o que resulta em livro-objeto com uma incrível capacidade de mobilizar os sentidos.

Imagem 48: Os seis catálogos com páginas de diferentes tamanhos do livro “De Novo”, que apresenta diversas e surpreendentes possibilidades de leitura.

Seus livros, cada qual com uma identidade visual bastante particular, combinam narrativas visuais com escritas, que se complementam e dão o tom característico da história. Duas de suas obras me chamaram muito a atenção e se tornaram parte importante de meu repertório de livros cujos projetos gráficos e confecção alimentam a sinestesia: “De Novo” e “Seu Azul”. Em “De Novo”, Piqueira explora o ato de virar a página como um potencial transformador da narrativa que se está desenrolando, embaralhando as fronteiras que definem o objeto livro. A obra é composta por seis encartes avulsos (cada um com uma história e estilo visual diferente), uma folha de rosto e uma “capa-bolsa” confeccionada com plástico bolha. Cada encarte possui as mesma dimensões, mesclando páginas cortadas e vincadas que possibilitam o diálogo direto entre elas. Ao manipular as páginas, que se somam, se subtraem e se complementam às que vem antes ou depois, o leitor imerge numa experiência lúdica e sensorial intensa. O conteúdo gráfico de

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“De Novo” também é muito rico: em cada encarte, Piqueira utiliza uma linguagem diferente, mesclando ilustração, texto corrido, diálogo e colagem digital. Em “Seu Azul”, a capa com areia grudada já instiga os leitores no primeiro contato. A superfície de areia cujos grãos se desgrudam a partir da manipulação do livro, além de seu componente tátil, é uma metáfora do que os leitores encontrarão no interior do livro: uma narrativa extremamente desconfortável. Resumidamente, o livro traz diálogos vazios e conflitantes de um casal e desenhos perturbadores feitos pelo filho a partir destes. O tom de tais discussões é dado através da exploração de recursos tipográficos, como a entreletra apertada para representar o discurso do marido que chega bêbado em casa, ou a sobreposição visual dos diálogos que evoca uma discussão feroz entre o casal.

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Imagem 49: Capa repleta de grãos de areia reais do Livro “Seu Azul”, de Gustavo Piqueira.

Em suma, tanto os recursos gráficos quanto as soluções para a materialidade do livro serviram como fonte de inspiração para a confecção de meu Produto Síntese.


2.2.3.5. Angela León Estudar as obras da designer espanhola Angela León valeu tanto por sua produção gráfica quanto por sua atuação ativa no Coletivo Basurama, que desde 2001 realiza intevenções artísticas (utilizando o lixo como principal matéria prima) para transformação social por meio de ações lúdicas e participativas. Ela é autora do “Guia Fantástico de São Paulo”, um “falso guia” que instiga os leitores a imaginar os espaços da cidade como locais de encontro, ócio, lazer e cultura. Os desenhos feitos à mão por Angela propõem situações imaginárias para São Paulo, retratando locais degradados e hostis da cidade como ambientes de caráter muito mais humanos e lúdicos, nos quais a água e a vegetação fazem parte da vida urbana. Assim, as ilustrações representam alguns elementos da cidade como são e, outros, transformados, como uma piscina no Minhocão e um auditório flutuante no Rio Pinheiros. Assim como as engenhosas propostas de ocupação das cidades do Archigram, a coletânea de ambientes de São Paulo reimaginados por Angela León me trouxe uma série de ideias para possíveis intervenções que valorizem a qualidade sensorial do espaço urbano. No caso, a grande diferença entre os duas contribuições é de que, no caso do Archigram, as propostas estão num patamar utópico muito mais elevado (no sentido da improbabilidade física de sua implantação), enquanto as proposições de Angela tem uma natureza mais factível por se apoiarem sobre estruturas preexistentes (apesar de igualmente pouco prováveis de serem realizadas em um futuro próximo).

Imagem 50: “Brincando no Michocão”, ilustração presente no “Guia Fantástico de São Paulo”, que enxerga as potencialidades lúdicas, sociais e sensoriais nos espaços da cidade.

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Experimentações gráficas inspiradas por angela león E ARCHIGRAM Maria Luisa B. Cardoso A partir dos estudos realizados no campo das artes gráficas, realizei alguns esboços que procuravam introduzir novos usos e elementos às ruas e praças da cidade. Inspirados pelos desenhos da designer Angela León e pelas ideias de cidade transgressoras do Archigram, busquei explorar uma faceta lúdica e sensorial na cidade, na forma de desenho urbano e de intervenções artísticas. Seguem algumas delas:

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O Desfile de Folhagens

Os Fios-Parreira

O Ponto de Ônibus Respirável

A Colina no Asfalto

O Chafariz de Fogo

O Jardim de Plantas Comestíveis

O Escutador de Rios Urbanos

A Arquibancada Multi-Corpos

A Fachada Filtro


Experimentações gráficas INSPIRADAS POR B. MUNARI E G. PIQUEIRA Maria Luisa B. Cardoso A partir dos livros cheios de vincos e recortes de Bruno Munari e Gustavo Piqueira, também realizei alguns protótipos de livros interativos, que era uma das ideias que tinha para o produto final do TFG. A intenção era de que o conteúdo fosse bastante interativo e lúdico e gerasse uma reflexão sobre o que eram espaços bons e ruins em relação ao corpo e aos sentidos.

Foram elaborados quatro modelos, um a partir dos “defeitos” do anterior. Os livros possuiam aberturas e fechamentos com jogos de imagens e de palavras, como um quebra-cabeças.

O objetivo era que as reflexões mudassem conforme o cenário do fundo (e o questionamento que a imagem daquele determinado lugar sugeriria)

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3Estudos de Caso A

pós os estudos teóricos e a coleta de referências, senti a necessidade de aplicar os conceitos aprendidos em espaços públicos de São Paulo. Para isso, estudei e revisitei alguns locais da cidade a fim de selecionar locais interessantes para abordar temas relativos à apreensão sensorial, respeito à escala humana e à vitalidade urbana. Todos os percursos foram realizados a pé e sem um trajeto específico definido, a fim de contemplar as sugestões de apreensão da cidade através do “andar a pé” de Paola Berenstein, Eduardo Rocha Lima e Michel de Certeau. Também é importante salientar que a seleção de tais lugares partiu de uma percepção bastante pessoal (afinal, os temas abordados pressupõem uma interpretação individual) e que a facilidade de acesso acabou sendo um fator decisivo de escolha, justamente para viabilizar o maior número possível de visitas, em diferentes horários e dias da semana. Foram levados em consideração dois principais critérios na escolha dos locais de estudo: 1.) Territórios considerados estéreis, e 2.) Territórios considerados vivos. No primeiro grupo, o Vale do Anhangabaú e o Largo da Batata aparecem como espaços livres públicos que passaram por intervenções urbanas de grande porte e o Memorial da América Latina como complexo cultural constituído a partir de um viés espetacular. No segundo grupo, o Vale do Anhangabaú e o Largo da Batata são retomados como locais que se convertem em espaços vivos a partir da apropriação popular. Também estudei a Praça Benedito Calixto como um espaço atrativo principalmente por conta da diversidade de seus usos ao longo da semana e do ano. A classificação entre territórios estéreis e vivos objetivou um direcionamento mais claro das discussões, mas salienta-se que esta condição não deve ser tida como permanente uma vez que a vitalidade de um espaço pode mudar significativamente de acordo com seu nível de apropriação pelas pessoas.

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3.1.Espaços públicos estéreis

E

m linhas gerais, são estéreis os espaços cuja aridez e falta de estímulos configuram locais inférteis, que inibem ou anulam as possibilidades de surgimento de atividades e a criação de vínculos. Conforme pontua o arquiteto Jan Gehl, a frequência e duração de atividades opcionais e sociais podem ser amplamente aumentadas em ambientes com entorno atrativo e, evidentemente, prejudicadas em ambientes desinteressantes. As hipóteses iniciais para suas origens de espaços públicos estéreis na cidade de São Paulo incluem a condução de um planejamento urbano muito mais alinhado à lógica de mercado e ao impacto na macro escala e, portanto, pouco conectado à escala humana e às reivindicações populares. Espaços públicos que passaram por processos de requalificação, reconversão e revitalização, ou seja, por intervenções urbanas de grandes dimensões, tendem a transformar totalmente a paisagem e as dinâmicas preexistentes e alterar significativamente a forma de apreensão pela população. O Vale do Anhangabaú e o Largo da Batata são exemplos de territórios que sofreram drásticas e sucessivas transformações que buscavam sanar problemas relativos ao desgaste dos usos vigentes e à degradação. Mesmo após a realização de um concurso arquitetônico para garantir excelentes projetos, anos de obras e o gasto de enormes quantias de dinheiro, tais espaços se desenvolveram com problemas latentes e relevantes, como sua aridez e a falta de mobiliário e de elementos atrativos que estimulassem a permanência.

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Imagem 51: Região próxima à saída do Metrô Faria Lima, na Zona do Mercado do Largo da Batata.


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3.1.1. Vale do Anhangabaú

O

projeto realizado para o Vale do Anhangabaú em 1981, de autoria de Rosa Kliass, Jorge Wilheim e José Kfouri, foi construído com o propósito de resolver o problema de falta de funcionalidade do local e sua desgastada relação com o automóvel. Assim, enterrando a via expressa e criando uma esplanada aberta ao público, o grandioso projeto pretendia conectar duas porções do centro e incentivar seu uso pelos pedestres. Apesar destas questões terem sido contempladas, o projeto original não foi totalmente implantado e, hoje, o Anhangabaú desempenha primordialmente o papel de passagem, diferindo do que seria esperado para um local de tamanha centralidade. Assim, mesmo sendo um importante ponto de referência da cidade e possuindo relevantes atributos paisagístico em seu entorno (que detém o Theatro Municipal e o Viaduto do Chá), o Anhangabaú carece de estímulos sensoriais e apresenta falhas em relação ao respeito à escala humana. Aspectos físicos como sinalização deficiente, dificuldade de orientação, ausência de bancos e barreiras criadas por escadarias, são alguns dos principais motivos pelos quais o Anhangabaú, apesar de sua localização estratégica, não consegue atrair mais pessoas.

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Sobre o insucesso do Anhangabaú como ambiente aglutinador, uma das conclusões possíveis é que o projeto buscou atender à demanda “macro”, de recuperar a região central que encontrava-se “deteriorada” mas negligenciou a escala micro, fundamental para o entendimento das reais necessidades dos frequentadores locais. Conforme


apontou a arquiteta Daniela Pizzatto em seu artigo “O Espaço que Acolhe”, que traz reflexões críticas e propositivas sobre o Vale do Anhangabaú, faltou atenção à qualidade arquitetônica do espaço “entre edifícios” do vale para costurar as diferentes atividades do entorno, o que garantiria um maior movimento em diversos momentos do dia. Nesse sentido, a forma que o planejamento foi realizado foi determinante: “O projeto arquitetônico do espaço público, dentro do nosso contexto econômico social deve ter como premissa o olhar para as necessidades locais para que, ao serem atendidas, o espaço seja de fato utilizado. É a forma de ‘fazer urbanismo’ que parte da observação da realidade para levantamento de hipóteses e assim se possa chegar ao desenho da arquitetura para o urbano.”

Imagem 52: Área rebaixada do Vale do Anhangabaú. Durante os dias de semana, o vale atua predominantemente como um local de passagem, de modo que tal zona rebaixada é vista como um obstatáculo e é comumente evitada, o que ajuda a aumentar seu índice de degradação.

(PIZZATTO, 2015. p. 74)

Esse mesmo raciocínio, de grandes projetos de intervenção que são realizados em uma escala distante visando atender à demandas macro da cidade, pode ser aplicado ao caso da Reconversão Urbana do Largo da Batata.

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3.1.2. Largo da Batata

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ntre 2002 e 2013, o Largo da Batata passou pela Operação Urbana Faria Lima, que tinha como principal intuito a criação de uma nova centralidade urbana do Rio Pinheiros até a Av. Faria Lima. O vencedor do Concurso Público Nacional Reconversão Urbana do Largo da Batata foi o arquiteto Tito Lívio Frascino. No diagnóstico do Largo da Batata apresentado no 19o Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito, Tito diagnosticou a área como: “[...] degradada por usos não conformes e má conservação dos espaços públicos; sistema viário caótico e transporte público concentrado em locais inadequados; pouca atratividade à iniciativa privada para o local; e ausência de equipamentos públicos de qualidade.[...] Somado a isso, a fraca iluminação e as más condições de conservação viária e dos passeios configuravam uma vizinhança deteriorada em uma das principais regiões econômicas da maior cidade brasileira.” (FRASCINO, 2013)

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Assim, seu projeto visava propiciar uma valorização urbanística da região através da criação de praças, equipamentos públicos e culturais, mobiliário urbano, arborização e organização do transporte público e promover o interesse da iniciativa privada em empreender no setor de acordo com as normas e procedimentos da Operação Urbana Faria Lima (algo que não vinha ocorrendo devido à degradação


do bairro e ausência de condições mínimas de infraestrutura urbana). O arquiteto ainda pontuou que, tais objetivos deveriam ser alcançados com um número mínimo de desapropriações e com impacto reduzido nas atividades existentes no bairro e no público que as utiliza. Apesar da aparente pertinência do projeto, especialmente nos quesitos de melhoria dos equipamentos e mobiliário urbanos, a realidade mostrou-se bastante diferente. As obras duraram mais de 10 anos e o Largo foi aberto para utilização apenas em 2013. Depois de mais de 150 milhões investidos, o Largo, antes um lugar vivo pelo intenso comércio ambulante e vida nas ruas, tinha se transformado em uma paisagem sem atrativos: desértica, material de qualidade discutível, sem árvores de porte que proporcionassem sombra e sem nenhum mobiliário urbano além dos postes de iluminação. Muitos dos elementos propostos no projeto não foram executados, como o palco para shows, coreto para pequenas apresentações, estrutura para feiras permanentes de arte e artesanato, peças de mobiliário urbano, quiosques, esculturas e mudas de araucária. Com relação aos fluxos, a ligação do metrô com o Largo estabeleceu-se de modo bastante desintegrado e confuso, demonstrando falta de cuidado tanto com a direção e fluxo de pessoas quanto em relação à tipologia. A reapropriação forçada do espaço estimulou o uso de carros e diminuiu o fluxo de pessoas, de modo que a degradação do espaço público persistiu.

Imagem 53: Espaço esvaziado no Largo na Zona do Bicicletário do Largo da Batata.

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Imagem 54: Ponto de ônibus e canteiros inexpressivos na Zona da Igreja do Largo da Batata.

Tanto no Vale do Anhangabaú quanto no Largo da Batata faltam elementos que gerem sensação de acolhimento em seus frequentadores. A amplitude excessiva de ambos os espaços carece do que Jane Jacobs chamava de “artigos de primeira necessidade”, ou seja, usos específicos que acabam por atrair diversos tipos de usuários e, assim, estimular a vida urbana. Segundo Daniela Pizzatto, o estímulo do projeto arquitetônico à existência de pequenos núcleos de acontecimentos poderia dar a sensação de diversas “praças” que, cada qual com o seu tamanho e uso sugerido, interagiriam entre si e transmitiriam a sensação de acolhimento.

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A sensibilidade para captar estes reais problemas e as soluções possíveis para os espaços públicos só pode ser apreendida a partir um olhar aproximado do planejamento urbano. A partir dos argumentos de Paola Berenstein e de Eduardo Rocha Lima, depreende-se que o ato de caminhar pela cidade deveria ser tido como uma fase elementar do fazer urbanístico. Por maior que seja a escala do projeto, o êxito do espaço como um local efetiva-


mente estimulante, interativo e colaborativo tem chances absolutamente maiores de ser atingido por meio de um diagnóstico minucioso em escala 1:1, ou seja, a partir da conversa com os frequentadores e do entendimento das dinâmicas, dos atributos e das necessidades locais. Grandes intervenções urbanas que repercutem na geração de espaços estéreis também podem ser atribuídas a lógica das cidades-cenário e do fenômeno da espetacularização, abordado em “Notas sobre espaço público e imagens da cidade”, de Paola Berenstein. Sobre a conversão dos espaços da cidade em meros cenários, a antropóloga Rose de Melo Rocha, em sua dissertação de mestrado “A Vertigem do Olhar: manifestações grafitadas e transformações na comunicação, no espaço e no tempo urbano”, faz algumas considerações que se verificam com clareza no Largo da Batata. Segundo ela, a cidade vem se tornando cada vez mais um grande corredor com pontos de partida e de chegada, uma vez que a desertificação e agressividade dos espaços dificultam a permanência física das pessoas e emperram seu caráter de lazer e diálogo. “Nossos olhos urbanos, viciados por um ambiente visual onde reinam a velocidade e o caos, vivenciam a rua como um mero ‘por onde passar’. O espaço público encarado como passagem desvincula-se ou torna distorcida sua utilização para o lazer, o lúdico, a arte, os aprendizados culturais e de sociabilidade.” (ROCHA,1992. p.11)

Esse ambiente predominantemente visual citado por Rose de Melo Rocha também é uma das consequências do processo de espetacularização que, ao homogeneizar os espaços e estreitar as possibilidades de expressão da diversidade, reduz a experiência corporal apenas ao olhar. O Memorial da América Latina também é um produto dessa lógica espetacularizante. 97


3.1.3. Memorial da América Latina

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volumetria dos edifícios do complexo cultural projetado por Oscar Niemeyer foi resolvida por meio de grandes superfícies curvas de concreto pintadas de branco, gerando um contraste significativo com o entorno composto por fábricas e pelo Terminal Intermodal da Barra Funda. Pode-se dizer que a implantação do memorial da América Latina negou a cidade preexistente e trouxe um grande impacto visual na região em função de sua forma e dimensão, refletindo uma visão de cidade que pensa a ação do arquiteto a partir, não do espaço em suas contradições, mas de uma intervenção que assume a arquitetura como a eliminação destas contradições pela criação de um objeto excepcional, de qualidades intrínsecas, fechado sobre si mesmo. Assim, a monumentalidade e o isolamento dos edifícios do Memorial o tornam um exemplar de arquitetura espetacular, cujo protagonismo dos edifícios anula o sentido da cidade, ressalta a ausência de um entorno com o qual se relacionar e realça os vazios que se projetam entre os edifícios. O extenso vazio resultante da composição dos edifícios do Memorial no terreno soma-se à aleatoriedade da distribuição dos edifícios do entorno e torna o conjunto bastante hostil ao caminhante, não oferecendo quaisquer estímulos sensoriais que não o da visão, ou mesmo mobiliário urbano para descanso ou contemplação. O gradil que percorre todo o perímetro do conjunto só contibui para deixar o local ainda mais vazio e estéril, diminuindo consideravelmente as possíveis formas de ocupação que os


frequentadores poderiam criar. Desse modo, as atividades existentes no Memorial são quase exclusivamente ações programadas e controladas, não cedendo espaço à apreensões espontâneas. Conforme sinalizou Jane Jacobs em “Morte e Vida de Grandes Cidades”, a vitalidade urbana emerge a partir das atividades da própria população local, cabendo ao planejador captar suas especificidades culturais e os tipos de usos e interações locais a fim de traduzi-los em projetos verdadeiramente úteis e assertivos. Nesse sentido, a criação de espaços desvinculados de tais experiências, conforme pode ser verificado em diversos casos de revitalização mal sucedidos, tenderia ao fracasso.

Imagem 55: Vista para o conjunto de edifícios culturais e esculturas do Memorial da América Latina. Mesmo o conjunto sendo assinado por Oscar Niemeyer, um dos principais arquitetos brasileiros, o Memorial não se configurou como um polo atrativo e permenece vazio e isolado na maior parte dos dias.

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3.2.Espaços públicos vivos

E

spaços vivos emanam uma multiplicidade de usos, públicos e estímulos visuais, auditivos, táteis e palato-olfativos. São também ambientes dinâmicos, cujas características e acontecimentos podem mudar conforme o horário, dia da semana ou época do ano. Apesar de versáteis, territórios vivos possuem também uma identidade bem definida, justamente pela força com as quais as suas principais características se expressam. Por conta da riqueza de seus processos e movimentos, tais espaços podem ser, portanto, equiparáveis a organismos vivos e pulsantes. As configurações físicas do Vale do Anhangabaú e do Largo da Batata os caracterizam como territórios estéreis, pouco ativos e atrativos. No entanto, em alguns momentos pontuais, tais locais se enchem de vida por conta das atividades encabeçadas por seus próprios frequentadores e da produção de mobiliário feita por eles. Nesse quesito, os coletivos urbanos têm um papel importantíssimo como agentes mobilizadores, questionando e sensibilizando a população e o poder público através de intervenções artísticas criativas e provocativas.

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Imagem 56: Feira de Artes, Cultura e Lazer que ocorre todos os sábados na Praça Benedito Calixto.


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3.2.1. Vale do Anhangabaú

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o Vale do Anhangabaú há uma promoção considerável de eventos por parte da Prefeitura de São Paulo e uma atuação relativamente frequente de coletivos. Em eventos como o Carnaval, a Virada Cultural, a Virada Esportiva e o SP na Rua, o Anhangabaú é um dos palcos principais da cidade por sua centralidade, importância histórica e capacidade de recepcionar um grande número de pessoas. Vale ressaltar uma notável intervenção do coletivo espanhol Basurama que fazia parte do Festival Baixo Centro de 2013: a ação “São Paulo foi feita para Brincar” (que, inclusive, foi um dos desenhos retratados no “Guia Fantástico” da artista Angelo León) instalou uma série de balanços decorados no vão do Viaduto do Chá, propondo a ativação dos baixios do viaduto através da brincadeira. Os balanços, assim como as tirolesas penduradas durante a Virada Esportiva, propuseram uma nova maneira de se utilizar o corpo na cidade, despertando novos estímulos sensoriais em seus usuários e propondo novas maneiras de ocupação dos espaços.

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A intensidade da ocupação popular em espaços considerados estéreis provoca alguns questionamentos importantes: seria o aspecto físico dos espaços o maior condicionante de atividades, conforme sugeriu Jan Gehl em “Três Tipos de Atividades Exteriores”? As pessoas estariam ocupando estes espaços por falta de outros com melhor qualidade? Ou tais espaços teriam sido escolhidos para abrigar suas atividades como um ato de resistência, conforme a experiência do coletivo “A Batata Precisa de Você”?


As questões acima não possuem uma resposta exata e variam de caso a caso (variando de acordo com o espaço, do contexto em que está inserido e do tipo de atividade). Porém, a partir de meus estudos e visitas, é possível pensar em algumas hipóteses para tais acontecimentos. Tanto o Vale do Anhangabaú quanto o Largo da Batata são locais centrais e de fácil acesso da cidade de São Paulo que, por conta da extensão de sua esplanada, são polivalentes, permitindo a implementação de vários tipos de atividades. Nesse sentido, sua aridez seria, de certa forma, “compensada” pelas inúmeras possibilidades de apropriação. Outra alternativa possível é a de que espaços estéreis que acabam “sobrando” na cidade e cujo controle é menos rígido, seriam lugares em que grupos minorizados, artistas e pessoas com renda mais baixa se sentiriam mais à vontade, uma vez que locais gentrificados ou dominados pelo mercado tendem a intimidá-los e expulsá-los. Por fim, a questão da apropriação como forma de resistência também pode ser vista como um forte polarizador de ações no sentido de pressionar o poder público a dar atenção àqueles espaços.

Imagem 57: Evento “Virada Esportiva” no Vale do Anhangabaú, em 2017.

Em suma, a qualidade do projeto dos espaços não seriam fatores determinantes para sua vitalidade, mas definitivamente incentiva a ocorrência frequente e duradoura de atividades. 103


PROJETO DE REURBANIZAÇÃO para o VALE DO ANHANGABAÚ Gehl Architects Vale destacar o projeto do escritório do arquiteto dinamarquês Jan Gehl elaborado a partir de um workshop que reuniu gestores públicos, urbanistas e representantes da sociedade civil e financiado pelo Banco Itaú. O projeto objetiva a transformação da região em uma área animada, segura e atraente através da qualificação dos espaços e de soluções criativas para os problemas diagnosticados. Assim, Gehl e sua equipe repensaram o Vale do Anhangabaú a partir de uma proposta conceitual dividida em seis camadas que acrescentam elementos para dar suporte à planta do programa e à implementação das estratégias para a vida urbana. São elas: piso, água (por conta do desejo de recuperação da água na paisagem do vale), árvores, bancos, pavilhões e iluminação. Outros pontos considerados foram a melhoria dos acessos, o respeito à escala humana, ativação das fachadas, além de flexibilidade e robustez para a recepção de atividades e eventos. A proposta do Gehl Architects impressiona, mas deve ser tomada com cautela, especialmente por significar um gasto público de cerca de 200 milhões de reais (além da manutenção) e pela problemático histórico de processos de revitalização urbana em São Paulo, tais como o do Largo da Batata, da Praça Roosevelt e do próprio Vale do Anhangabaú. Do ponto de vista da valorização do corpo e dos sentidos, a proposta é excelente, já que implementa um ambiente confortável do ponto de vista sensorial e respeita a escala humana ao acrescentar pavilhões menores e convidativos que contrastam com a escala monumental do Vale e concentram as pessoas junto ao térreo dos edifícios, propor boas e variadas oportunidades para sentar e desobstruir o campo visual através da planificação da esplanada. Analogamente, algumas críticas devem ser feitas, especialmente em relação à falta de um cuidado ou preocupação explícitos com a possibilidade da implementação do projeto gerar um processo de gentrificação no vale e expulsar tanto os frequentadores locais quanto os moradores das redondezas. Outras críticas frequentes da sociedade civil dizem respeito a uma falta de justificativa pertinente para tamanha intervenção, por acreditar-se que a falta de manutenção do Anhangabaú seria uma das principais causas de seu estado degradado.

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Imagem 58: Perspectiva da proposta do Gehl Architects para o Vale do AnhangabaĂş a partir de um Workshop realizado em 2014.

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3.2.2. Largo da Batata

N

os últimos anos, diversas atividades vêm sendo realizadas no Largo da Batata a partir da iniciativa popular; algumas de caráter provisório e outras que propõem mobiliário fixo para o espaço, por exemplo; a implementação de bancos de madeira personalizados, parquinho infantil, hortas e pérgolas, apoiadas também pela Prefeitura Regional de Pinheiros. Muitas destas iniciativas se destacam do ponto de vista sensorial e cumprem o importante papel de oferecerem um mínimo alicerce de permanência aos usuários. Ainda assim, é pertinente que nos questionemos se a Batata realmente deveria ser repensada de modo estrutural a fim de criar uma unidade coerente por todo o território que englobe mobiliário fixo adequado, materialidade interessante e resistente e espécies vegetais coerentes com o local.

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O coletivo “A Batata Precisa de Você”, que esteve vigente ativamente entre 2014 e 2015, nasceu como um grito de resistência à indução do Largo da Batata como um território de passagem, buscando convertê-lo em um espaço de permanência e convívio através da iniciativa popular. Formado por moradores e frequentadores do Largo da Batata dispostos a transformar a Batata em um espaço de estar e não apenas de passagem, o coletivo executava ações regulares de ocupação e ativação dos espaços, alcançando excelentes resultados de mobilização coletiva. Apesar da reconversão urbana da Batata ter sido concebida a partir de um viés mercadológico e higienista, as atividades promovidas pelo coletivo, que inauguraram uma tradição regular de apropriação,


atualizam seus usos e sua identidade, convertendo o espaço árido em um espaço polivalente. A atuação do coletivo como uma iniciativa de urbanismo tático foi extremamente importante para a revitalização do Largo da Batata, uma vez que trouxe ações rápidas e facilmente executáveis, que mostraram a possibilidade de mudança espacial no longo prazo. Apesar de o espaço arquitetônico da Batata deixar muito a desejar, é notável seu papel como espaço aglutinador, capaz de agregar milhares de pessoas em manifestações culturais e políticas, como se verifica nas festividades do Carnaval e em protestos como os organizados pelo Movimento Passe Livre, em junho de 2013. Tais acontecimentos foram possibilitados tanto pela acessibilidade e extensão do espaço, quanto ao fato de sua superfície ser predominantemente vazia. Ainda assim, a manutenção da Batata como um espaço polivalente não é incongruente a uma melhoria da qualidade arquitetônica e paisagística do ponto de vista sensorial, existindo uma série de aperfeiçoamentos passíveis de serem implantados (por exemplo, uma escolha mais adequada de revestimentos e espécies vegetais). A extensão espacial da Batata também viabiliza manifestações artísticas, que ampliam o espectro sensorial dos frequentadores e rompem com a rotina de passagem pela região. A “Mostra 3M de Arte”, por exemplo, é uma exposição periódica a céu aberto que ocorre no Largo da Batata e que busca democratizar o acesso à arte através de instalações interativas.

Imagem 59: Mostra 3M de Arte, com a obra “Falante”, em primeiro plano e a obra “É preciso continuar”, em segundo plano. As instalações, alocadas no Largo da Batata entre setembro e outubro, possuíam um forte apelo ao corpo e aos sentidos.

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O CASO DO PARQUINHO INFANTIL Erê Lab

Imagem 60: Parque infantil implantado pela Erê Lab no Largo da Batata.

Dentre as mudanças implementadas no Largo da Batata após a indignação com seu estado desertificado, houve a realização do concurso “BatataLab” promovido pelo instituto A Cidade Precisa de Você e pelo Instituto de Pesquisa e Inovação em Urbanismo (IPIU), a fim de selecionar um projeto de mobiliário lúdico para as crianças e suas famílias. A vencedora foi a empresa Erê Lab que, em 2015, instalou uma verdadeira ilha de brinquedos na área gramada vazia de 280m2 disponibilizada pela Subprefeitura de Pinheiros e pela SP Urbanismo na região próxima ao Mercado de Pinheiros. Os projetos do Erê Lab tem como principal missão o resgate da brasilidade, do senso de cidadania e do tempo e lugar do brincar nos espaços públicos da cidade através de seus “brinquedões” repletos de elementos interativos. O BatataLab contava com 4 equipamentos que compunham a ilha: a Montanha, o Bosque, as Pedras Chatas e as Traves, além de uma cerca que entrava como elemento de segurança. A estrutura de cada peça foi feita de madeira, montada em diversos planos inclinados e revestida com borracha reciclada de pneus. No centro do conjunto, foi fincada um grande catavento que, como uma bandeira, identifica alí, um território. O parquinho vigorou durante dois anos, representando um espaço lúdico no Largo da Batata que não só se propunha a ser um elemento de lazer, como também um espaço de saúde, de sociabilidade, de educação e 108


Imagem 61: Novo parquinho que substituiu o do Erê Lab, em que nota-se a persistência dos problemas de manutenção.

de cidadania. Até que, após a mudança de gestão da Prefeitura, o conjunto foi subitamente removido e posteriormente substituído por outro brinquedo do tipo “monovolume” e por um gira-gira, cujos roteiros quase pré-definidos limitam as possibilidades de escolha e de descoberta da criança. De fato, a estrutura e a materialidade do parquinho do Erê Lab exigia uma manutenção mais frequente do que a do Monovolume e esta não vinha sendo realizada. Assim, a Prefeitura Regional de Pinheiros justificou a retirada do conjunto alegando que “o coletivo que tinha assinado um contrato de manutenção do espaço não vinha realizando o serviço e que o mobiliário representava um risco às crianças.” Embora desgastados pelo uso e pelo tempo, os moradores relatam que os equipamentos poderiam ser reparados com ações de zeladoria, que deveriam ser de responsabilidade da Prefeitura, e que foi absolutamente desnecessário e autoritário removê-los. Hoje, os brinquedos tradicionais também apresentam problemas de manutenção, com balanços quebrados e bases danificadas. A permanência da falta de reparos e a ausência de personalidade do parquinho compõem uma das tantas problemáticas a serem resolvidas no Largo da Batata. Pensando em todas essas questões, depreende-se que um planejamento urbano idealizado a partir dos anseios e necessidades das crianças seria um grande alicerce na construção de cidades mais interessantes, interativas, lúdicas e seguras. 109


3.2.3. Praça Benedito Calixto

A

Praça Benedito Calixto possui um aspecto sensorial muito particular: os eventos que lá acontecem, com periodicidade semanal e anual, transformam totalmente a paisagem e, consequentemente, suas dinâmicas e efeito sinestésico. A tranquilidade que reina na praça nos dias de semana, alternada com a agitação e estímulos proporcionados por dois dias de feira, que ocorrem às terças e aos sábados, e com as eventuais Quermesses da Igreja do Calvário; a tornam um rico pólo sensorial da cidade. O espaço da praça pode ser considerado polivalente e aglutinador, sendo capaz de absorver e registrar diversas manifestações e atividades coletivas e, em seguida, voltar à sua condição de espaço verde. Apesar do projeto paisagístico, assinado por Rosa Kliass, não ter se consagrado tanto quanto outros de seus projetos, como o do próprio Vale do Anhangabaú ou a Praça do Pôr do Sol, há elementos interessantes que valem o reconhecimento, por exemplo, as arquibancadas de pedra do centro e o jogo de cheios e vazios alternados com percursos sinuosos e áreas vegetadas. Apesar de estreita, os núcleos e corredores vazios permitem a variedade de usos e interações, que são absorvidas, inclusive, pelo entorno edificado das praça.

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Durante a maior parte da semana a praça é bastante pacata e permanece pouco ocupada. Estando protegida da Av. Henrique Schaumann por um quarteirão e pela copa de


suas árvores, o ruído dos motores mais agressivos é abafado. Nesses dias tranquilos, verificam-se atividades opcionais prevalecendo sobre atividades necessárias, isto é, mais pessoas que frequentam a praça e permanecem nela, por ócio ou lazer, do que pessoas que só estão por ali de passagem. Aos sábados, ocorre a Feira de Artes, Cultura e Lazer, que nasceu no ano de 1987 por conta da reivindicação da Associação dos Amigos da Praça Benedito Calixto. Desde cedo, um grande público ocupa os caminhos labirínticos criados pelas diversas barracas de lona branca, cujos artefatos das mais variadas funções, origens e idades (já que muitos dos objetos são antiguidades) instigam todos os sentidos. Um dos aspectos mais interessantes da feira é que, por seu caráter de proximidade entre expositor e cliente, há um componente tátil muito forte, de modo que as pessoas são quase incentivadas a tocar e manipular os objetos à sua frente. A variedade de cores, formas e texturas resultantes dessas práticas é de grande valor visual e tátil. Somado a esses estímulos, há a enorme profusão de aromas e sabores da parte gastronômica da feira, onde é possível desfrutar de, desde a culinária baiana até a portuguesa, e também a famosa roda de chorinho que acaricia os ouvidos. Outro aspecto interessante da Feira é que os comerciantes, além de tomarem um minucioso cuidado com a decoração dos expositores e das divisórias, possuem um grande apreço por seu próprio aconchego durante o dia de venda e criam verdadeiras “salas de estar abertas”, com sofás e poltro-

Imagem 62: Comerciantes de uma das variadas tendas presentes na Feira de Artes Cultura e Lazer da Praça Benedito Calixto.

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nas confortáveis para sentarem. Tais aspectos atribuem uma identidade forte a cada barraca e propiciam uma apreensão quase doméstica do espaço. Também é válido ressaltar a riqueza das quermesses da Igreja do Calvário, especialmente durante as festividades juninas. Nesse período, o núcleo de agitação da Praça Benedito Calixto eleva-se para o patamar de cima, o da Igreja. Como é de se esperar em toda Festa Junina, as barracas de comida típica e de brincadeiras, a quadrilha, a decoração e a música criam uma atmosfera sensorial intensa. Com relação ao entorno edificado imediato da Praça, pode-se afirmar, a partir dos aprendizados sobre necessidade da existência de uso misto e “olhos para a rua” da Jane Jacobs, que as diferentes tipologias e atividades ao redor proporcionam uma experiência de acolhimento e de diversidade aos frequentadores. Acolhimento porque os edifícios envolvem grande parte do perímetro da praça e possuem um recuo frontal pequeno ou inexistente, o que garante uma relação muito próxima e amigável entre a calçada e as edificações e proporciona uma sensação de abrigo. E diversidade porque a existência de estabelecimentos comerciais e edifícios residenciais de diversos estilos, cores e gabaritos tende a despertar os estímulos sensoriais, que se acomodariam em paisagens monótonas. Ainda assim, conforme alertava Edward T. Hall, os edifícios do entorno, com poucas exceções, falharam em enriquecer as texturas da praça, sendo estas raramente empregadas de modo consciente e com preocupação psicológica ou social.

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Apesar dos muito atributos sensoriais da Praça Benedito Calixto, há alguns aspectos que poderiam ser melhorados. Em primeiro lugar, a manutenção insuficiente do mobiliário e da infraestrutura urbana, da limpeza e das jardineiras acaba por prejudicar a vontade de permanecer nos espaços e direciona os sentidos para uma apreensão negativa, como o cheiro do lixo, a dificuldade de caminhar sobre um piso esburaca-


Imagem 63: Frequentadores da Feira de Artes, Cultura e Lazer da Praça Benedito Calixto. Na fotografia, o caráter doméstico das tendas fica evidente.

do e o desconforto visual de deparar-se com canteiro tomado pelo matagal. Postes e fios de eletricidade que recobrem grande parte da visão que se tem do patamar superior da Igreja também atuam como fatores de obstrução da Praça. Os gradis de segurança das escadarias da Igreja também são elementos agressivos aos sentidos, barrando a visão e vetando ao corpo a possibilidade de se debruçar sobre os corrimões. Em resumo, a Praça Benedito Calixto é um excelente exemplo de contemplação da esfera sensorial, sendo dotada de elementos e usos que ativam os receptores de modo amplo e complexo. A variedade de tipos de ocupação da praça, dependendo do dia e da época do ano, proporcionam um contínuo ato de descobrir e despertar de sensações táteis, visuais, auditivas, olfativas e gustativas para aqueles que a frequentam, contribuindo, analogamente, para a criação de uma valiosa memória sensorial local. 113


64.

C

onforme as teorias e os estudos de caso comprovaram, a vitalidade dos espaços públicos está fortemente atrelada a fatores qualitativos do projeto, mas só vigora, de fato, por meio de uma ocupação ampla e constante pela população, de forma a garantir diversidade e a profusão de atividades necessárias, opcionais e sociais. O Largo da Batata e o Vale do Anhangabaú representam espaços públicos importantes em São Paulo que, mesmo depois de passaram por intervenções urbanas agressivas e apresentarem uma série de déficits em sua conformação urbana atual, vem conseguindo se fortalecer e recuperar sua vitalidade através da atuação de coletivos, a promoção de eventos e de uma crescente apropriação popular.

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Dentre estes dois espaços emblemáticos, escolhi o Largo da Batata como objeto de do Produto Síntese do TFG por considerá-lo, pessoalmente, um território que foi muito mais prejudicado após a Reconversão Urbana pela qual passou. O projeto realizado para o Anhangabaú, apesar de ter apresentado problemas na prática, possui uma série de atributos paisagísticos, especialmente do ponto de vista das espécies vegetais, enquanto o Largo da Batata apresentou-se como um ambiente totalmente estéril em que a maior parte dos elementos do projeto original não foi implantada. Analogamente, enquanto o Vale do Anhangabaú é circundado por edifícios históricos de grande valor arquitetônico, o entorno do da Batata é composto, em sua maior parte, por construções pouco atrativas e desconexas entre si em proporção, volu-


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metria, materialidade e cromaticidade. Assim, o Largo da Batata pode ser entendido como um espaço: 1.) que possui um intenso histórico de transformações e lutas por sua qualificação como espaço livre público de qualidade; 2.) cuja configuração arquitetônica resultante se mostrou inadequada para as pessoas, seus corpos e seus sentidos;

Imagem 64: Crianças brincando no gira-gira do parquinho que substituiu o conjunto criado pelo Erê Lab, na Zona do Mercado do Largo da Batata. Imagem 65: Skatista na Zona do Bicicletário do Largo da Batata.

3.) cujas possibilidades de uso e ocupação vem convertendo-o em um local cada vez mais vivo e, por conta disso, atrativo. Ao longo do segundo semestre do TFG foram realizadas cinco visitas dedicadas à observação, análise e registro fotográfico, procurando alternar períodos do dia e dias da semana. Nesses estudos, procurei contemplar sempre toda a extensão do Largo e seu entorno, caminhando por seus três núcleos; do Mercado, do Bicicletário e da Igreja.

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4Projeto Síntese P

ensei em diversas possibilidades para o Projeto Síntese, cujos mais cotados, inicialmente, eram: projeto de instalação, audiovisual ou gráfico (campos que tive maior interesse ao longo do curso). Durante a coleta de referências práticas, percebi que haviam alguns fatores que dificultavam o direcionamento do produto para uma solução audiovisual ou instalação artística, tais como o custo de produção, a escassa experiência que eu tinha nessas áreas e a necessidade de investir mais tempo nas pesquisas relativas à materialidade ou ao manejo de programas de edição. Nesse sentido, a produção gráfica e o universo do impresso, com os quais sou muito mais familiarizada e tive inúmeras experiências durante a graduação, mostrou-se como uma solução assertiva para seguir com o Projeto Síntese. Tal solução também se mostrava como um desafio: já que se propunha a abordar o universo da sinestesia através de folhas que, em via de regra, exploram predominantemente o sentido da visão. A decisão de investir em um Manifesto abstrato que atuasse como uma provocação aos arquitetos e urbanistas e que despertasse a curiosidade e atenção dos pedestres foi a maneira que encontrei de seguir com o Projeto Síntese. A experiência foi complementada por uma intervenção urbana: o ato de deixar o material produzido em um banco qualquer do Largo da Batata e registrar a interação e reação das pessoas a partir da experiência.

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4.1.Conceituação do Corpo Urbano

N

a vida urbana paulistana, a questão da qualidade dos espaços e a capacidade de apreensão sensorial deste pelos cidadãos caminham juntas. Por exemplo; uma praça agradável sombreada por Flamboyants floridos e repleta de redes de balanço estimula a atividade dos cinco sentidos, enquanto um espaço residual degradado afasta as pessoas e bloqueia seus impulsos sensoriais. Do mesmo modo, cidadãos com uma maior aptidão sinestésica tendem a valorizar e a identificar com maior facilidade os atributos sensoriais existentes e a contestar ambientes áridos, tornando-se potenciais agentes de pressão e transformação. Já as pessoas que não tem uma percepção aguçada das sensações proporcionadas por seu entorno tendem a se conformar facilmente com calçadas estreitas, fiação descontrolada, cheiro de fuligem e ausência de mobiliário urbano adequado. Assim, depreende-se que espaços urbanos de qualidade são causa e também consequência de cidadãos com percepção sensorial apurada. Segundo essa hipótese, um não conseguiria prosperar plenamente sem a presença do outro. A cidade de São Paulo, cujo desenho da grande parte das ruas, avenidas e praças vem desconsiderando a sensorialidade e a corporeidade, não incentivou em seus cidadãos um comportamento crítico perante essa ausência, contribuindo para uma alienação já alimentada pelo dia a dia acelerado e pela fragilidade das relações sociais decorrentes da vida metropolitana. Como consequência destes e de tantos outros complexos processos de natureza social, política e econômica, os espaços livres públicos encontramse subvalorizados.

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Iniciativas como a Virada Cultural e a recente implementação da “Paulista Aberta”, são posturas que pressupõem o movimento e a atividade das pessoas para ressignificar os espaços e demonstram que é possível transformar a percepção destes a partir de atributos que vão além de sua qualidade e estado de conservação. Do mesmo modo, os balanços pendurados no Viaduto do Chá pelo Coletivo Basurama foram capazes de


criar uma memória afetiva e sensorial extremamente significativa para o lugar, cujo trajeto por baixo do viaduto é associado costumeiramente a um local de passagem. Com relação à recuperação da percepção corporal por parte das pessoas que vivem nas cidades, é inevitável retomar o trabalho de Lygia Clark. Através de sua arte-terapia, baseada em elementos com formas, pesos, texturas, sons, cheiros e cores instigantes, a artista buscava elevar a sensorialidade de seus pacientes e transformar a relação de seus corpos com o mundo ao redor, reconectando-os ao espaço. Tomando a cidade como um organismo vivo e dinâmico, que possui paisagens, volume, materialidade, cor e cheiro e, o cidadão, como agente sensível e ativo na ocupação e transformação de seus espaços, depreende-se que o tratamento do corpo da cidade e do corpo humano deveriam ser indissociáveis no fazer urbanístico e arquitetônico. Considerar tal interdependência, como já sinalizado por Paola Berenstein e Eduardo Rocha Lima, pode ser a chave para a melhoria da qualidade sensorial dos espaços. Portanto, o CORPO URBANO, no presente trabalho, refere-se à metáfora dos espaços da cidade enquanto organismos vivos, cujos órgãos e tecidos são os elementos físicos que o constituem (equipamentos, mobiliário, revestimentos, etc.) e são dotados de elevada sensibilidade. A células, por sua vez, seriam os cidadãos que ocupam o espaço e, através de seus múltiplos arranjos (usos), viabilizariam ou inviabilizariam o funcionamento dos órgãos e do corpo. Nessa cadeia, um corpo (cidade) vivo dependeria de órgãos saudáveis (estrutura urbana adequada) mas, sobretudo, da existência de células (cidadãos).

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4.2.Prontuário Médico do Corpo Urbano

A

pós ter estudado questões referentes à sensorialidade nos espaços públicos da cidade, cheguei à metáfora do Corpo Urbano como síntese teórica de todo o processo. A parte propositiva do TFG giraria em torno da ideia de alertar os cidadãos sobre a condição de Corpos Urbanos estéreis e incitar a discussão sobre seu tratamento, especialmente no quesito sensorial. A narrativa do Corpo Urbano como organismo vivo, que aproxima o campo da arquitetura e do urbanismo ao universo da medicina, me pareceu uma maneira bastante interessante de se explorar conceitual e graficamente. Notei que, dentro dessa comparação, era possível estabelecer, além da relação Corpo Urbano/Corpo Humano, associações como: urbanista/médico, levantamento urbano/diagnóstico, planejamento urbano/receita médica, intervenção urbana/cirurgia e atuação de coletivos/terapias alternativas. Assim, vislumbrei a possibilidade de apoiar o Produto Síntese nos artefatos e na linguagem visual do meio clínico. O próximo passo foi aplicar a lógica do Corpo Urbano ao Largo da Batata, personificando-o: no contexto médico, o “Sr. Largo da Batata” representaria um “paciente doente e depressivo”, por todas as suas disfunções físicas relatadas no estudo de caso. Já a Praça Benedito Calixto, como um estudo de caso comparativo, caracterizaria um “paciente saudável”, por sua riqueza de estímulos sensoriais e vitalidade. A partir destas considerações, comecei a elaborar uma espécie de “Prontuário Médico do Largo da Batata”, coletando anotações, registros fotográficos e diagnósticos a fim de começar definir os elementos que iriam compor o Produto Síntese.

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A caracterização do Largo da Batata como um organismo doente, bem como a associação entre o médico e o urbanista, trazem algumas reflexões e críticas. Estaria o espaço realmente doente, ainda que suas células (os cidadãos) o estejam regenerando através de sua apropriação? Seria a intervenção cirúrgica (a Reconversão Urbana) o melhor


Pasta do Prontuário Médico do Corpo Urbano / Largo da Batata, pertencente à Dra. Urba Nista. O prontuário, cujos aqruivos estão sempre acompanhados por comentários e opiniões da Doutora, atuam como um Manifesto argumentativo abstrato.

modo de curá-lo ou seria um procedimento demasiado invasivo e agressivo ao corpo? Estaria o médico cirurgião (urbanista) avaliando e medicando o paciente da melhor maneira? Mais do que responder categoricamente a essas questões tão relativas e complexas, o Prontuário Médico e a ação de deixá-lo acessível aos frequentadores do Largo da Batata propõe lançar uma reflexão aos cidadãos. Sua intenção é, através de todos os aprendizados do trabalho, abrir a discussão sobre o estado de esterilidade dos espaços públicos de São Paulo para além da comunidade arquitetônica, procurando instigar, sensibilizar e mobilizar os leitores a cobrarem e/ou se engajarem em prol de um urbanismo incorporado.

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4.2.1. Confecção

Imagem ilustrativa do conteúdo do Prontuário Médico do Corpo Urbano.

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lém de ser uma forma de reunir e sintetizar os aprendizados do trabalho e ser uma representação metafórica do histórico do Largo da Batata, o Prontuário Médico mostrou-se como uma oportunidade interessante de se trabalhar artística e graficamente. Como a ideia era “deixá-lo” em um banco do Largo da Batata para compartilhar as reflexões com as pessoas, seria importante que a peça instigasse a curiosidade dos passantes. A forma que procurei atender a essa necessidade foi através de uma pasta de aspecto austero e antiquado, com uma carta escrita à mão posicionada sobre ela. A pasta e a carta pertenceriam à Dra. Urba Nista, uma “Terapeuta Psicourbana” que teria acompanhado o caso do Sr. Largo da Batata ao longo de toda a sua vida e que a devolvia ao paciente em função e sua aposentadoria.

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Para propiciar a criação de uma narrativa que relatasse a trajetória de vida do paciente Sr. Largo da Batata de modo alegórico, foram criados outros três personagens que representariam diferentes agentes da cena urbanística: a Dra. Urba Nista, que seria o meu próprio arquétipo de estudante de arquitetura e urbanismo que busca compreender o Largo da Batata de modo mais aprofundado; o Hospital Reforma-Dor, que seria a representação dos arquitetos, gestores urbanos, órgãos e empresas responsáveis por realizar intervenções urbanas de grande porte e a Clínica Sensorial, que simbolizaria os coletivos e a população mobilizada que realizariam intervenções pontuais de caráter alternativo. Todas as situações retratadas no Prontuário são analogias de acon-


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Conteúdo presente em cada um dos catálogos do Prontuário Médico do Corpo Urbano (Largo da Batata), organizado em ordem cronológica.

tecimentos e informações reais levantados ao longo do trabalho. Vale ressaltar que o objetivo das associações, apesar de eventuais “exageros ártísticos”, não é retratar a cena urbana e seus personagens de modo maniqueísta, mas de induzir caminhos de reflexão sobre determinados processos de desenvolvimento urbanístico. O Prontuário Médico do Corpo Urbano é composto por uma pasta sanfonada texturizada (para transmitir o efeito de objeto antigo) contendo divisórias que abrigariam todo o histórico médico do paciente, como anotações de cada uma das fases de sua vida receitas médicas, resultados de exames, atestados médicos, etc. A reunião de tais documentos mimetiza os diagnósticos feitos por arquitetos e urbanistas antes da realização de projetos, como pesquisas de antecedentes históricos, análise de fluxos, mapeamento do uso do solo, entre outros.

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Todas as peças gráficas presentes na pasta foram produzidas a partir de uma linguagem e design emprestados do padrão de identidade visual usual na área da saúde. Para isso, foram coletados e analisados diversos tipos de materiais provenientes de farmácias, clínicas e hospitais de modo a gerar uma aproximação com esse universo e garantir que os arquivos do prontuário conseguissem simular da melhor forma possível o estilo tipográfico, o padrão de organização, as cores e tipos de papel comumente utilizados nesses locais.


Conteúdo do Prontuário Médico Histórico do Sr. Largo da Batata, reunido pela Dra. Urba Nista Anos 10 - 40 >> Fotografias antigas do paciente: Coop. Agrícola de Cotia e Mercado Caipira >> Mapeamento de Preexistências do Paciente feito pelo Hospital Reforma-Dor >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

Anos 50 - 60 >> Receituário Médico recomendando o uso de “Asfaltina” >> Propaganda de Medicamento: Asfaltina, para incentivar a criação de novas ruas e avenidas no entorno. >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

Anos 70 - 80 >> Fotografias antigas do paciente: Abertura da Av. Faria Lima e Mercado de Pinheiros >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

Anos 90 >> Fotografias antigas do paciente: Terminal de Ônibus do Largo da Batata >> Mapeamento de satélite do Lgo. Da Batata feito pelo Hospital Reforma-Dor >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

2000 - 2006 >> Plano de Cirurgia de Reconversão Urbana feito pelo Hospital Reforma-Dor >> Ficha de Entrada no Centro Cirúrgico >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

2007 - 2012 >> Fotografias antigas do paciente: Em obras >> Atestado Médico de 11 anos de duração assinado por médico do Hospital Reforma-Dor >> Bula de Medicamento: “Reconversina - A Solução Definitiva para Reconversão Urbana” >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

2013 >> Envelope do Hospital Reforma-Dor contendo a Descrição do Ato Cirúrgico >> Imagens em Raio-X do estado atual >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

2014 >> Fotografias do paciente debilitado póscirurgia e das primeiras reações do organismo >> Diagnósticos realizados pelo Hospital Reforma-Dor >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

2015 >> Estudo de Acupuntura Urbana feito pela Clínica Sensorial >> Estudos de Caso comparativos feito pelos médicos da Clínica Sensorial >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

2016 >> Fotografias antigas do paciente em plena atividade, com sinais de recuperação >> Exame de Som, pela Clínica Sensorial >> Exame de Imagem, pela Clínica Sensorial >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

2017 >> Mapeamento Afetivo a partir de pesquisa de campo feito pela Clínica Sensorial >> Bula de Medicamento recomendado pelo Hospital Reforma-Dor: “Fiscalizador”, para fiscalizar usos incompatíveis. >> Anotação retirada do Caderno da Dra. Urba Nista, referente à uma das consultas do período.

2018 >> Fotografias atuais do paciente >> Linha do tempo do paciente >> Caderno de Anotações da Dra. Urba Nista, que contém um “Manifesto ao Corpo Urbano”.

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4.2.2. Desenvolvimento da Narrativa

4.2.2.1. Sr. Largo da Batata FICÇÃO:

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Paciente da Dra. Urba Nista que, ao longo de sua vida vem sofrendo uma série de transformações em seu corpo urbano. No início do Séc. XX era considerado um jovem com um futuro promissor por ser um conhecido comerciante de batatas da região de Pinheiros. Apesar de ter se desenvolvido satisfatoriamente até meados da década de 60, o entupimento de suas vias circulatórias levou o Largo da Batata às primeiras intervenções urbanas pelo Hospital Reforma-Dor, que culminaram com alterações significativas em seu comportamento. Se antes o Largo da Batata dedicava seus dias ao comércio mais restrito à escala local, as transformações em seu organismo acabaram por deixá-lo ambicioso e obstinado com a questão do escoamento dos produtos para outras regiões. Esse sentimento de grandeza estimulado pelos médicos do Hospital ReformaDor provocaram no Largo da Batata um complexo de inferioridade que culminou com a decisão de realizar uma Operação Urbana de grande porte em seu organismo a fim de eliminar os fatores de degradação do corpo e revitaliza-lo. Após complicações durante o procedimento, o paciente só foi liberado no ano de 2013, após 11 anos de reclusão. Como consequência da má condução dos processos o Largo da Batata tornou-se estéril e cheio de sequelas. Em estado depressivo, recorreu recentemente às técnicas alternativas da Clínica Sensorial, o que tem levado o paciente a um aumento gradativo de sua auto-estima, sensibilidade e ânimo.


REALIDADE: Representação do próprio Largo da Batata como um espaço público que sofreu uma série de transformações ao longo do tempo. No início do Séc. XX, o Largo servia como entreposto comercial e conectava diferentes regiões de São Paulo. Seu desenvolvimento o converteu em uma verdadeira centralidade da cidade e o Largo passou a congregar uma grande diversidade de usos. A partir dos anos 60, mudanças estruturais no sistema de circulação viário da cidade culminaram com intervenções significativas no Largo e arredores, como a construção da Av. Faria Lima e a implementação de um terminal de ônibus no local. Aos poucos, a vocação comercial originária do Largo foi cedendo espaço à função de eixo viário estruturante de São Paulo. A incompatibilidade de usos da região com a imagem desejada para o Centro Expandido, entre outros fatores, a levaram ser considerada um local degradado e motivaram a implementação da Operação Urbana Faria Lima e, a partir dela, a Reconversão Urbana do Largo da Batata. Em 2013, após 11 anos de obras, atrasadas por conta de um incidente na construção do Metrô e da descoberta de artefatos arqueológicos no terreno, o Largo da Batata foi inaugurado. Com grande parte do projeto original faltando, o espaço encontrava-se desertificado: sem vegetação, mobiliário urbano ou qualquer atrativo. A situação levou grupos de frequentadores locais a se mobilizarem coletivamente para devolver a vida à Batata através da realização periódica de atividades e construção de mobiliário. Tais práticas, típicas do urbanismo tátil, vem atingindo resultados significativos na recuperação de sua vitalidade.

Imagem 66: Terminal de Ônibus do Largo da Batata em 1990.

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Montagem da mesa da Dra. Urba Nista com alguns de seus objetos e arquivos presentes no Prontuário, como anotações, cartas, fotografias e o caderno que a acompanha em suas seções de terapria psicourbana.

4.2.2.2. Dra. Urba Nista FICÇÃO: Médica que trata de distúrbios psicológicos em corpos urbanos. Um de seus pacientes mais antigos é o Sr. Largo da Batata, que teve uma trajetória de vida bastante difícil, marcada por anos de intervenções cirúrgicas. Com relação a este paciente, o principal objetivo da Doutora é compreender as razões que estão por trás das transformações em seu organismo, comportamento e personalidade. Para isso, ela sempre registrou as visitas do Sr. Largo da Batata através de relatórios e fotografias e procurou reunir diversos documentos clínicos do Largo da Batata ao longo dos anos, como os resultados de exames e receituários dos médicos do Hospital Reforma-Dor e, mais recentemente, as análises dos terapeutas da Clínica Sensorial, os quais guarda em um Prontuário Médico. Por razão de sua aposentadoria, a Dra. Urba Nista decide devolver os documentos do prontuário ao paciente, junto a uma carta e a um caderno com anotações e orientações para os próximos passos do Sr. Largo da Batata em sua luta pela saúde.

REALIDADE:

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Estudante de arquitetura e urbanismo que investiga as causas que atribuem vitalidade aos espaços públicos de grandes cidades como São Paulo. Um de seus estudos de caso mais relevantes é sobre o Largo da Batata, cujo histórico de intervenções urbanas que resultaram em um espaço desertificado e pouco atrativo e a consequente mobilização popular que busca recuperar sua vitalidade são de grande interesse prático para o campo do urbanismo. Para organizar seus estudos, ela reuniu todo o conhecimento adquirido em uma pasta, que reúne mapas, relatórios, pesquisas e registros fotográficos do Largo da Batata ao longo do tempo. Por seu desejo em compartilhar seu Trabalho Final de Graduação com os frequentadores do Largo da Batata, a estudante deixa a pasta com os documentos em um banco do próprio Largo, junto a um “Manifesto ao Corpo Urbano” que sintetiza as conclusões de seus estudos e propõe diretrizes para um urbanismo mais “incorporado”.


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Arquivos e objetos sobre o Sr. Largo da Batata no Gabinete do Hospital Reforma-Dor acumulados ao longo dos anos de cirurgias e tratamentos, como diagnósticos, raio-x, receituários e bulas de remédio.

4.2.2.3. Hospital Reforma-Dor FICÇÃO: Hospital de grande porte que se dedica à realização de operações de revitalização corporal e cirurgias estéticas. Tratou do Sr. Largo da Batata durante muitos anos, tendo sido responsável, em um primeiro momento, por intervenções em seus sistema circulatório e, em um segundo momento, por uma cirurgia que transformou todo o seu organismo. A conduta impositiva e muitas vezes insensível de seus médicos, que desconsideraram os efeitos no psicológico e nos receptores sensoriais do paciente, causou danos irreversíveis ao seu organismo do Largo da Batata, que viu-se extremamente abatido e debilitado após a cirurgia.

REALIDADE:

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Representação alegórica de arquitetos, gestores urbanos, órgãos e empresas responsáveis por realizar intervenções urbanas de grande porte na cidade. Tais atores realizaram diversas transformações no Largo da Batata ao longo dos anos, como a implementação de um Terminal de Ônibus na década de 60 e sua conexão com a Avenida Faria Lima no início da Década de 70. No final dos Anos 90, promoveram a Reconversão Urbana do Largo da Batata como parte da Operação Urbana Faria Lima. Os processos de planejamento e execução, inseridos em uma lógica mercantilista de produção espacial e conduzidos por meio uma escala macro que desconsiderou os usos e características preexistentes do Largo da Batata, resultaram na criação de um espaço frágil e desertificado.


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Arquivos e objetos sobre o caso do paciente Largo da Batata encontrados na Clínica Sensorial, incluindo exames de imagem e de som e registro fotográfico.

4.2.2.4. Clínica Sensorial FICÇÃO: Clínica especializada em técnicas alternativas de saúde, tais como acupuntura urbana, mapeamento afetivo, tratamento de distúrbios táteis e terapia palato-olfativa. Desde 2014, a clínica atende o Sr. Largo da Batata após o resultado catastrófico da Reconversão Urbana pela qual foi submetido. Através do uso de objetos relacionais e do constante estímulo à atividades de lazer, cultura, esporte e educação, os médicos vem conseguido melhorias significativas no paciente, que demonstra estar recuperando gradativamente sua memória, auto-estima e vitalidade.

REALIDADE: Coletivos Urbanos e sociedade civil organizada que se mobilizam e realizam atividades culturais pontuais em espaços públicos. No Largo da Batata, as intervenções realizadas a partir de 2014 surgiram como uma forma de resistência ao estado de desertificação do espaço após a Reconversão Urbana e objetivavam sua revitalização. Através da realização de oficinas de mobiliário urbano, promoção de concertos, intervenções artísticas e muitas outras iniciativas, os cidadãos vêm conseguindo requalificar e animar o Largo da Batata, que tem atraído novos usos, pessoas e vida para a região.

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4.3.Manifesto ao Corpo Urbano

A

ideia de redigir um Manifesto ao Corpo Urbano despertou meu interesse logo de início, pois me pareceu uma maneira interessante e poética de sintetizar os aprendizados e as proposições do trabalho. Assim, decidi pesquisar os elementos, a estrutura e a linguagem que caracterizam os Manifestos, recorrendo ao Manifesto Surrealista (André Breton, 1924), ao Manifesto Pau-Brasil (Oswald de Andrade, 1924) Manifesto Antropofágico (Oswald de Andrade, 1928) e ao Manifesto Neoconcreto (Amilcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis, 1959). Depreendi que o Manifesto é um texto predominantemente argumentativo, escrito (em geral) em primeira pessoa, que procura chamar as pessoas para participarem de uma determinada proposta. Para construir a argumentação, procura tecer uma narrativa que descreve o que há de errado para justificar a necessidade de mudança. Assim, o Manifesto apresenta aos leitores a base do movimento proposto e tenta persuadi-los com ideias claras e em tom forte e contundente, expondo abertamente a opinião do(s) autor(es). Apesar desses elementos em comum, a estrutura dos Manifestos é bastante livre, de modo que cada texto é organizado à sua maneira, seja por meio de tópicos, parágrafos discursivos ou por meio de frases curtas e diretas. Os únicos componentes que estão sempre presentes são: título de nome “Manifesto a (o tema)” e, ao final, a assinatura do autor, data e local.

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Por ser um gênero textual com estrutura bastante livre, vislumbrei a possibilidade de abstrair a ideia do Manifesto como um texto escrito e imaginá-lo como um objeto físico: o meu próprio Projeto Síntese. O Prontuário Médico do Largo da Batata, cuja falsa documentação médica se associa ao registro das práticas urbanas realizadas no Largo da Batata, atuam como diversos elementos argumentativos, especialmente porque sua autora, a Dra. Urba Nista (que me representa como arquiteta prestes a completar a graduação), comenta os arquivos o tempo todo através de suas anotações. Suas car-


Páginas do Caderno de Anotações da Dra. Urba Nista, cujo conteúdo incisivo e também poético atua como um “Manifesto ao Corpo Urbano”

tas datadas e assinadas e os registros das páginas do caderno, por sua vez, expressam de modo claro seu posicionamento e contextualizam os acontecimentos, o que condiz com os componentes principais de um Manifesto. Dessa forma, o Prontuário Médico do Largo da Batata, como produto síntese de meu TFG, é também um Manifesto pessoal em favor da vitalidade e da valorização do corpo e dos sentidos nos espaços públicos da cidade: um Manifesto ao Corpo Urbano. O Caderno de Anotações da Dra. Urba Nista representa a síntese poética de todo o processo argumentativo e propositivo do meu trabalho e encontra-se dentro do Prontuário Médico. Nele, o texto está escrito de modo a mesclar a linguagem e estrutura mais usuais dos Manifestos com as do universo clínico, resultando em uma porção mais condensada e poética do Manifesto ao Corpo Urbano. Inicialmente, a ideia era confeccionar o Caderno mimetizando os livros táteis, lúdicos e interativos de Bruno Munari e Gustavo Piqueira, de modo a extravasar o conteúdo sensorial também para o campo da forma. Entretanto, como esse estilo acabou mostrando-se bastante desvinculado da linguagem e do estilo do restante do Prontuário Médico, optei por escrever e desenhar em um caderno convencional, que traria um toque de credibilidade maior à narrativa criada. O Caderno de Anotações da Dra. Urba Nista está dividido em duas partes: a primeira que discursa sobre os problemas do Corpo Urbano (em referência ao Largo da Batata) e a segunda que propõe medidas para sua recuperação. Cada página do caderno abriga uma parte destes textos e uma ilustração, que representa uma espécie de retrato do paciente feito pela Doutora em suas seções de “Terapia Psicourbana”. 135


MANIFESTO AO CORPO URBANO Dra. Urba Nista / Maria Luisa B. Cardoso O Corpo Urbano encontra-se incapaz de corresponder às necessidades das células que o habitam. Cresceu como um organismo robusto e pulsante, mas, desde cedo, seus principais órgãos apresentavam falhas. Conforme crescia, sua superfície se enrijecia. Sua pele perdia cor. Suas curvas desapareciam. Sofreu uma série de intervenções cirúrgicas, que acabaram por lapidar sua atividade sensorial até os ossos. Passou a ver, sem de fato enxergar. Ouvir, sem escutar. Durante o tratamento, foi contaminado por uma cultura excessivamente proibitiva e higienista, limitando suas potencialidades táteis à mínimas interações com o ambiente. Cercado de restrições, foi induzido a acreditar que sua vida se limitava à sobrevivência, negando seus instintos. Seus prazeres. Seus anseios. Aos poucos, privou-se de sua capacidade de inspirar e de emocionar, que foi substituída pela habilidade de passar-se despercebido. Inócuo. Estéril. 136

Enfim internado, acabou perdendo a memória, não reconhecendo mais a complexidade e a riqueza do mundo das texturas. Dos aromas. Dos sabores. Com cegueira e surdez avançadas e dificuldade para respirar, o Corpo Urbano padece lentamente. O Corpo Urbano tem cura. Cura essa que, Exige uma compreensão profunda de sua própria natureza, comportamento e dinâmica. Depende de uma verdadeira transformação na maneira de fazer diagnósticos, medições e receituários. Pressupõe uma combinação de intervenções cirúrgicas com tratamento terapêutico. Solicita-se que o paciente:


Saia do repouso e mova-se imediatamente. Deve-se prezar por um ambiente em que seja possível correr, balançar, escorregar, dançar e brincar.

Preserve bem suas memórias e tradições, mantendo a integridade de sua identidade e toda a bagagem sensorial conectada a ela.

Solucione definitivamente problemas de infraestrutura e saneamento, fundamentais para evitar novas moléstias e viabilizar o tratamento.

Proteja-se das intempéries, evitando desgastes. É indispensável a existência de abrigos para situações de chuva, sol ou vento em excesso.

Valorize seu corpo através de uma materialidade estimulante e conectada ao meio natural. A escolha e composição desses materiais varia de caso a caso, mas recomenda-se fortemente a introdução de elementos vernaculares, vegetação e a presença da água.

Lute para que as edificações de seus entorno tenham dimensões, proporção, tonalidade, distribuição e ritmos adequados à escala de seu corpo, evitando desconfortos diversos.

Equipe-se com mobiliário urbano de qualidade e adequado às dimensões e à curvatura do corpo humano. Deste modo, incentiva-se atividades de permanência, de lazer e convívio social, fundamentais para o bom funcionamento do organismo.

Só assim, o Corpo Urbano poderá, finalmente, usufruir de sua própria sensibilidade e ter uma vida plena e saudável.

Promova atividades coletivas que gerem apropriações diversas do ambiente, tornando o corpo ativo durante todos os momentos do dia. 137


4.4.Intervenção artística

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eixar o Manifesto ao Corpo Urbano no Largo da Batata, partiu do desejo de tornar o conteúdo do TFG acessível aos frequentadores do local e incitar neles uma reflexão a respeito da maneira que os espaços públicos da cidade vem sendo construídos, desconsiderando o corpo e os sentidos humanos. Como um Manifesto, pretende, sumariamente, convencer e engajar seus leitores a cobrar dos agentes urbanos (gestores públicos, planejadores urbanos, arquitetos, empresas e a própria população) a introdução de elementos que melhorem a qualidade e atratividade de tais territórios, além de manutenção e conservação contínuas. Além disso visa, idealmente, mobilizá-los a fazer parte da construção e desenvolvimento destes espaços públicos através de ações como a participação nas reuniões dos Conselhos Participativos Municipais, a atuação em coletivos urbanos, o comparecimento aos eventos e atividades lá promovidas e criar o hábito de caminhar pela cidade e passar a perceber as nuances e os atributos locais com maior atenção. A ideia da intervenção é posicionar o Prontuário Médico do Largo da Batata em um banco, alternando o local a cada hora para que pudesse passar por suas três partes: a Zona do Mercado, do Bicicletário e da Igreja. Com a ajuda de uma amiga, esperava à uma certa distância que alguém manipulasse a pasta e os arquivos por um tempo e, caso sentisse que a pessoa encontrava-se instigada pelo conteúdo, ia conversar com ela sobre o que era o trabalho, perguntando o que ela tinha imaginado e sentido a partir da experiência, como ela percebia o Largo da Batata e de que forma acreditava que ele poderia ser melhorado.

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As perguntas e o registro de tal experiência não tiveram um objetivo específico para este trabalho, mas podem ser o ponto de partida simbólico para uma eventual continuidade deste TFG: o desafio de criar um projeto de desenho urbano para o Largo da Batata que envolva a participação de arquitetos, gestores públicos e comunidade em que a escala do corpo e os sentidos sejam contemplados, a fim de aumentar o número e a duração de atividades sem excluir os usos e população local. Em suma, realizar um projeto no qual o Corpo Urbano permaneça vivo e saudável.


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5Reflexões Finais A

o analisar a associação entre o universo médico e urbanístico, é possível imaginar a recuperação de um espaço debilitado a partir de iniciativas dos indivíduos que o frequentam, especialmente se considerarmos a já comentada interdependência entre cidade e cidadão para o funcionamento do Corpo Urbano. A Praça Benedito Calixto, por exemplo, deve grande parte de sua vitalidade à existência das feiras e das festas e, o Largo da Batata, por sua vez, seria um grande vazio de passagem se não fosse pela atuação dos coletivos, skatistas e ambulantes. Entretanto, o mesmo movimento não costuma ocorrer na medicina tradicional, já que poucos diagnósticos médicos sugerem que o próprio organismo se regenere naturalmente, sem a aplicação de medicamentos ou intervenções cirúrgicas. A respeito a vivacidade das cidade e de seus cidadãos como válvula propulsora de sua própria restituição, a urbanista Jane Jacobs conclui seu livro “Morte e Vida das Grandes Cidades” frisando que, na prática, as respostas para quaisquer das grandes questões metropolitanas que nos afligem estão nos núcleos urbanos homogêneos e em sua população: “As cidades vivas tem uma estupenda capacidade natural de compreender, comunicar, planejar e inventar o que for necessário para enfrentar as dificuldades. [...] As cidade monótonas, inertes, contém, na verdade, as sementes de sua próprio destruição e um pouco mais. Mais as cidades vivas, diversificadas e intensas contém as sementes de sua própria regeneração, com energia de sobra para os problemas e as necessidades de fora delas.” (JACOBS, 1961, pág. 498)

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Tal princípio urbanístico de reconstituição a partir da própria população pode ser traduzido para práticas medicinais alternativas que consideram a percepção corpó-


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Imagem 67: O projeto “Escadaria para o Cambuci” do Coletivo Nomas, propôs a transformação de uma escadaria pouco convidativa da comunidade em uma conexão que também atua como espaço de permanência a partir de intervenções simples e modulares. Medidas com esta, se coordenadas aplicadas em diversos pontos da cidade para solucionar problemas locais, podem ocasionar grandes melhorias a longo prazo.

rea e mental da paciente como processo de recuperação, como a acupuntura, a aromaterapia, a cromaterapia e a naturopatia. A técnica chinesa da acupuntura foi, inclusive, um termo emprestado para conceituar o termo “acupuntura urbana”, criado pelo arquiteto e teórico social finlandês Marco Casagrande e incorporado pelo também arquiteto e ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner. No caso do espaço urbano, Lerner afirma que as cidades não precisam de arquitetos estrela que façam enormes projetos pontuais, mas sim de uma constelação de arquitetos que realizem pequenas intervenções. Assim como a acupuntura, a ideia é que a ativação de determinados pontos da cidade, a longo prazo, reabilitem e equilibrem o organismo como um todo.

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Ao analisar o Largo da Batata a partir dessas diferentes possibilidades de abordagens, notei que havia algumas perguntas que frequentemente vinham a tona: Se fosse possível realizar um novo projeto para a Batata, que transformasse sua configuração a fim de elevar a sua corporeidade e sensorialidade, seria esse o meio mais


adequado de promover sua melhoria? Apesar da troca dos revestimentos e inclusão de mobiliário urbano de qualidade serem, a princípio, ótimas iniciativas, tais melhorias poderiam ocasionar resultados indesejáveis, como o fenômeno da gentrificação? Seria possível repensar a espacialidade do Largo da Batata a fim de enriquecer sua sensorialidade e, ao mesmo tempo, assegurar as atividades existentes hoje? Tais questões são bastante relativas e complexas, sendo quase impossível de serem solucionadas de modo imediato. Uma das melhores formas de tentar respondê-las é a partir do estudo de outros casos comparáveis, conforme sugeria Jane Jacobs ao afirmar que a cidade era um laboratório de tentativa e erro para testar soluções projetuais. E claro, sempre tomando o devido cuidado para não fazer associações diretas e importar soluções de contextos sensoriais, culturais e socioeconômicos totalmente distintos, conforme alertava Edward T. Hall. A partir dos estudos teóricos, das referências de arquitetos e das visitas realizadas ao Largo da Batata, Vale do Anhangabaú, Praça Benedito Calixto e Memorial da América Latina, foi possível depreender que, em todos os casos, a recorrência de atividades, movimento e diversidade eram os principais fatores que atribuíam ou limitavam a vitalidade dos espaços. Além disso, conforme frisaram Juhani Pallasmaa e Jan Gehl, a apropriação popular destes também tende a crescer vertiginosamente em consonância com sua qualidade arquitetônica e urbanística e a experiência do cidadão tende a ser muito mais imersiva se houver uma preocupação com os estímulos sensoriais. Analogamente, o incentivo à arte e a quaisquer expressões culturais também são relevantes para a ressignificação do espaço, trazendo elementos instigantes e atrativos para o dia a dia e oferecendo uma quebra na rotina exaustiva e predeterminada. No caso da Praça Benedito Calixto, o espaço verde entrecortado por caminhos sinuosos, a existência de arquibancadas, a presença imponente da Igreja e o perímetro

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composto por estabelecimentos de uso misto configuraram um espaço propício para o surgimento de atividades como a Feira de Artes, Cultura e Lazer e a Feira Livre. Evidentemente o fato de ser um local relevante e acessível da cidade corrobora para sua apropriação, mas pode-se supor que o mesmo nível de apreensão não ocorreria caso a praça não tivesse bancos, percursos ou vegetação. Com relação a obras e reformas que visam a melhoria dos espaços, pode-se citar o enterramento da via expressa do Vale do Anhangabaú nos Anos 80 como uma obra de grandes proporções que significou um importante ganho para a cidade ao devolver o vale para os pedestres, conectar diferentes pontos da cidade e valorizar sua composição paisagística. Mesmo que ainda existam muitas questões que prejudicam uma apropriação mais efetiva do Anhangabaú por parte da população (como falta de manutenção, de mobiliário e de sua atribuição primordial como espaço de passagem e não como permanência), é inegável que a intervenção representou um enorme salto qualitativo para a região. Entretanto, grandes intervenções realizadas com um viés espetacular, higienista e/ou com pouca atenção à escala humana, à cultura e aos usos locais, podem ocasionar processos como o da gentrificação ou o esvaziamento, conforme se nota com clareza no Largo da Batata e no Memorial da América Latina. No caso do Memorial, por exemplo, o projeto do renomado arquiteto Oscar Niemeyer, mesmo vizinho a uma enorme Estação Intermodal, foi incapaz de tornar o espaço livre do centro cultural como um local centralizador de pessoas. Provavelmente, a grande extensão de concreto cercada por grades e suas ilhas de construções modernistas pouco acessíveis limitaram os impulsos de curiosidade e apropriação dos frequentadores da região.

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Já o Largo da Batata, mostra-se como um caso curioso já que, após a Reconversão Urbana, transformou-se em um território totalmente desertificado que, apesar de todos os os problemas relacionados à sua extensão e aridez, vem tornando-se cada vez mais


Imagem 68. Manifestantes durante o protesto “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, no Largo da Batata.

“vivo” através da atuação de grupos e coletivos que instauraram uma tradição de apropriação cultural e artística. Contraditoriamente, a criticada imensidão do espaço foi um dos fatores que permitiu a convivência dos mais diversos tipos de usos no local, como oficina de mobiliário urbano, pista de skate skatistas e museu a céu aberto. Nesse caso específico, conforme apontou a arquiteta Laura Sobral, depreende-se que a resistência da população foi um fator decisivo para a apropriação do espaço. A partir do momento em que a pressão popular se consolidou como uma prática recorrente na Batata, começaram a ser implantadas algumas melhorias (especialmente a instalação de peças de mobiliário fixo com projeto de design interessante), o que demonstra, mais uma vez, a inter-relação entre qualidade e vitalidade do espaço arquitetônico e a apropriação urbana pela população. Analisando os quatro espaços públicos estudados, conclui-se que, de fato, ambientes que valorizam a permanência, a escala humana e os sentidos tendem a incentivar uma maior ocorrência e duração de ativi-

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Imagem 69: Crianças brincando pelos percursos sensoriais do Centre Sportif Micheline Ostermeyer, em Paris, França.

dades (especialmente opcionais e sociais). Ainda assim, para garantir a almejada e verdadeira vitalidade urbana é necessário, mais do aplicar soluções genéricas que costumam apresentar resultados satisfatórios, entender muito bem o contexto local: seus frequentadores e suas características, o papel dos edifícios do entorno, os usos mais frequentes, os horários de pico, os principais fluxos, as necessidades mais urgentes e os desejos mais latentes para aquela região. Chegar nessa escala pressupõe, por um lado, que os urbanistas incorporem o ato contínuo de andar pela cidade, procurando interpretá-la e entendê-la ao máximo como prática recorrente do planejamento e, por outro, que haja um esforço maior por uma aproximação efetiva dos planejadores e gestores urbanos com a população frequentadora, já que a percepção a partir de análises e mapeamentos dificilmente poderá captar com fidelidade as especificidades locais tal como a dos que vivenciam o local por anos.

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Evidentemente, o diagnóstico e planejamento urbano em macroescala também são necessários para viabilizar uma análi-


se sistêmica da região do projeto, considerando o território como parte de um todo. Desse modo, o que se propõe não é o foco absoluto na escala do pedestre no planejamento dos espaços livres públicos, mas um movimento de distanciamento e proximidade muito mais cauteloso e que envolva as errâncias urbanas e o contato com a população local como partes importantes do método. Do mesmo modo, algumas intervenções de grande porte mobilizadas por empresas, órgãos municipais e governamentais são fundamentais para solucionar problemas estruturais. No entanto, conforme verificado nos estudos de caso e nas leituras teóricas, tais projetos devem ser pensados com o dobro de cautela no quesito da alternância entre as escalas pois, devido à sua proporção, custo elevado e dificuldades logísticas, há uma tendência maior a privilegiar-se aspectos como a fruição do sistema viário e subvalorizar as necessidades das pessoas enquanto pedestres. Em suma, considerar a escala do pedestre no planejamento urbano a fim de valorizar a experiência perceptiva das pessoas, bem como compreender a realidade e o contexto local a fim de criar mecanismos para incentivar atividades de permanência, são medidas indispensáveis para atingir o status de “urbanismo incorporado” conceituado por Paola Berenstein. Nessa situação ideal, os atributos sensoriais dos espaços combinados ao efeito sinestésico são capazes de criar uma forte conexão entre nossos corpos e o ambiente em que estamos inseridos, nos habilitando a entender melhor as singularidades locais e potencializar nosso sentimento de pertencimento e memória afetiva. A fim de atingir essas aspirações, manifesta-se pela construção conjunta e democrática de espaços livres públicos que correspondam aos usos, aos corpos, aos sentidos e à mente de seus usuários. Manifesta-se por um Corpo Urbano saudável que não só possua órgãos e tecidos sadios, mas cujas células estejam em plena e permanente atividade. Manifesta-se, sobretudo, por um Corpo Urbano que seja capaz de inspirar e intensificar a vida. 147


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Disponível em: https://olafureliasson.net/archive/artwork/WEK101003/the-weather-project 26. “Your Rainbow Panorama”. Ano: 2007. Artista: Olafur Eliasson. Disponível em: https://olafureliasson.net/archive/artwork/WEK100551/ your-rainbow-panorama 27. “Hendrix War”, Galeria Cosmococa. Ano: 1973. Local: Inhotim - MG. Artistas: Helio Oiticica e Neville D’Almeida. Disponível em: https:// www.galeriadaarquitetura.com.br/slideshow/ newslideshow.aspx?idproject=43&index=0 28. “CC3-Maileryn”, Galeria Cosmococa. Disponível em: Idem ao anterior. 29. Galeria Cosmococa. Idem ao anterior. 30. “A Casa é o Corpo”. Ano: 1968. Artista: Lygia Clark. Disponível em: http://www.artcritical. com/2014/08/19/jones-lygia-clark-moma/ 31. Objetos relacionais. Ano: 1980. Artista: Lygia Clark. Disponível em: http://www.continuumlivearts.com/wp/?attachment_id=1206https:// www.google.com.br/url?sa=i&source=images&cd=&ved=2ahUKEwjIsZvh-InfAhUHUZ A K H Vp P B 3 YQ j h x 6 B A g B E A M & u r l = h t t p % 3 A % 2 F % 2 F w w w . 4 0 f o r e v e r. c o m . br%2Fernesto-neto-em-tokyo%2Fmadness-is-part-of-life-by-ernestoneto-espace-louis-vuitton-tokyo-8%2F&psig=A O v Va w 2 K s _ r I a b m S 1 S Fo w 3 D n D c e Q&ust=1544142375548114 32 e 33. “O Bicho SusPenso na PaisaGen”. Ano: 2011. Artista: Ernesto Neto. Disponível em: http://revistacarbono.com/artigos/0bicho-suspenso-na-paisagem/ 34. “The Light Inside”. Ano: 1999. Artista: James Turrell. Local: The Museum of Fine Arts, Texas. Disponível em: https://www.mfah.org/art/detail/42358 35. “Twilight Epiphany”. Ano: 2012. Artista: James Turrell. Local: Moody Center for the Arts, Texas. Autor da fotografia: Jeff Fitlow. Disponível em: https://moody.rice.edu/art/james-turrell 36.”Livro Ilegível”. Artista: Bruno Munari. Disponível em: http://minabach.co.uk/blog/2015/09/ libri-illeggibili-the-illegible-books-by-bruno -munari-unredable-books/ 37. “Pré-Livro”. Artista: Bruno Murani. Disponí-

vel em: http://oespanador.com.br/wp-content/ uploads/2015/03/1e5c2- picture27.png 38. “Pré-Livro”. Disponível em: Idem ao anterior. 39. “Pré-Livro”. Disponível em: Idem ao anterior. 40.Ilustração de Paolo Lim. Disponível em: BIRCH, Helen. DESENHAR: Truques, Técnicas e Recursos para a inspiração Visual. Editora Gustavo Gili, 2016. 41. Ilustração de Betsy Walton. Disponível em: Idem ao anterior. 42. Ilustração de Frida Stenmark. Disponível em: Idem ao anterior. 43. Ilustração de Valero Doval. Disponível em: Idem ao anterior. 44. Collage “Control and Choice Duellings”. Ano: 1966. Artista: Grupo Archigram. Disponível em: https://www.curbed. com/2018/11/26/18113290/design-architecture-archigram-book-interview 45. “Walking City”. Ano: 1964. Artista: Grupo Archigram. Disponível em: http://scribol.com/ art-and-design/architecture-art-and-design/ archigrams-walking-city-a-60s-architectural-vision-of-the-future/ 46. “Instant-City”. Ano: 1968. Artista: Grupo Archigram. Disponível em: https://www.sfmoma. org/exhibition/archigram/ 47. “Plug-In City”. Ano: 1964. Artista: Grupo Archigram. Disponível em: https://www.archdaily. com/399329/ad-classics-the-plug-in-city-petercook-archigram 48. “De novo”. Ano: 2018 Autor: Gustavo Piqueira. Disponível em: https://www.bancatatui.com.br/categorias/livros/de-novo/ 49. “Seu Azul.” Ano: 2013. Autor: Gustavo Piqueira. Disponível em: https://www.bancatatui.com.br/categorias/livros/seu-azul/ 50. Brincando no Minhocão. Ano: 2018. Artista: Angela León. Disponívelem: https://ciclovivo. com.br/arq-urb/arquitetura/designer-espanhola -lanca-guia-ludico-de-sao-paulo/ 51. Largo da Batata. Acervo Pessoal, 2018 52. Vale do Anhangabaú. Matéria da Folha de

São Paulo. 25/01/2015 “Reforma do Anhangabaú é aposta de Haddad para recuperar o centro” Disponível em: https://www1.folha. uol.com.br/cotidiano/2015/01/1580036-anhangabaue-aposta-para-recuperar-centro.shtml 53. Largo da Batata. Acervo Pessoal, 2018 54. Largo da Batata. Acervo Pessoal, 2018 55. Largo da Batata. Acervo Pessoal, 2018 56. Memorial da América Latina. Disponível em: https://www.guiadasemana.com.br/ sao-paulo/arte/estabelecimento/memorialda-america-latina 57. Vale do Anhangabaú. Disponível em: http://www.esportividade.com.br/anhangabau-perde-protagonismo-na-virada-esportiva-2017-sesc-sp-e-a-base/ 58. Projeto para o Vale do Anhangabaú. Ano: 2014. Arquiteto: Gehl Architects. Disponível em: https://gehlpeople.com/news/a-new-heart-for-sau-paulo/ 59. Amostra 3M do Largo da Batata. Acervo Pessoal, 2018. 60. Batata Lab. Ano: 2014. Artista: Erê Lab. Local: Largo da Batata. Disponível em: http:// www.erelab.com.br/projetos/batata-lab. html 61. Novo parquinho do Largo da Batata. Acervo Pessoal, 2018. 62 e 63. Feira de Artes, Cultura e Lazer da Praça Benedito Calixto. Acervo Pessoal, 2018. 64 e 65. Largo da Batata. Acervo Pessoal, 2018. 66. Terminal de ônibus no Largo da Batata. Ano: 1990. Autor da fotografia: Matuiti Mayezo. Disponível em Folhapress. 67. “Escadaria para o Cambuci”. Ano: 2013. Projeto: Coletivo Nomas. Disponível em: https://www.hometeka.com.br/f5/escadaria -interativa-no-cambuci/ 68. Manifestação no Largo da Batata. Acervo Pessoal, 2018. 69. Crianças no Centre Sportif Micheline 153 Ostermeyer, Paris. Acervo Pessoal, 2016.


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