Cidade em f.r.esta | Cultura popular em degraus | TFG

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aluna.

orientadores.

mariana alves barbosa . abílio guerra e ângelo cecco

cidade em fresta cultura popular em degraus

trabalho final de graduação faculdade de arquitetura e urbanismo mackenzie são paulo . 2017



_fes.ta do latim festae, “feriados”, de festus, “alegre, festivo” reunião em que há regozijo dia de comemoração

_fres.ta do latim fenestra, “janela”, do Indo-Europeu bhan “brilhar”, já que a função de uma janela é fazer entrar a luz num aposento

_f.r.esta onde fresta e festa surgem simultaneamente: a festa no entre o percurso da luz onde então havia sombra a tomada do corpo em festa elevação espaço que permite a reunião de público para produção de luz alegria que se estreita para tomar conta do cá e do lá


às mulheres da minha vida: avós, mãe e irmãs, que mostraram a força verdadeira do ser humano. ao victor, que nunca me deixou parar de acreditar, sempre com imensurável amor, paciência e companheirismo. à família, que sempre se fez base sólida de carinho e apoio. aos orientadores, pelas atitudes exemplares de confiança, liberdade e respeito. aos amigos, que sempre foram motivos de sorriso no dia-a-dia. aos anjos que entraram na minha vida e me fizeram chegar até aqui. à memória dos companheiros de cabeceira que sempre tinham as respostas quando as ideias pareciam perdidas.


substrato 06 introdução 09 parte das compreensões

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11 a cidade contemporânea 16 as escadarias 22 as escadarias na cidade contemporânea parte do chão

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25 a festa da bela vista 44 a fresta do bixiga parte do ensaio

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parte das peças

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créditos iconográficos

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bibliografia

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substrato De tudo que se vê de quem por aqui caminha, de tudo que se sente. Seja cheiro, seja ente. Parece longo o abandono. Parece vida em intenso sono. Adormecida na memória, adormecida nas intenções. De tudo que por aqui se transforma, de tudo que por aqui se intenciona: fico cá, calada. Por nada escuto meu nome, que aliás, nem me lembro qual é. Vejo a vida de cima e de baixo. Ao meio, à mim: correria, quiçá. O que sobra também tem a ver com o medo. Abrigo de abordagens aterrorizantes que nunca pude imaginar. Dentro das utopias dos sonhos, na sombra, meia-sombra e escuridão, não queria ficar. Dali, tudo que acontece, pouco se pode imaginar. Dos sofrimentos que aqui ouço se calar. Das dores fétidas que aqui me obrigo a aguentar. Por pena de um ser humano, que sequer consegue me notar. E aos que notam, resta desespero para compartilhar. Quase sempre sou o canto, não aquele que une voz e som, mas o que tem a ver com a solidão. Sou onde as lágrimas correm escondidas. Seria bom sentir mais corpo, seria bom sentir mais vida. Seria bom uma invasão para ficar, seria bom poder ser e não só estar. Ser cidade, da cidade que agora nega. Ser caminho, ser lugar, não mais a reta cega que insistem em abandonar.

[1] M.C., Escher. (1953). Relatividade [litografia de impressão]


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introdução Quando andamos despretensiosamente, indo de um ponto a outro, como andarilhos da cidade comum, como habitantes de uma metrópole, podemos perceber que muitas vezes não percebemos nada. Muitas vezes estamos em estado enevoado de passagem, com o corpo e com a mente. Longe do olhar treinado para ver cidade, longe do olhar treinado em identificar potencial urbano, existe a população que vive e convive com esse meio todos os dias em relação de intimidade. Buscar o espaço que permita a livre apropriação da cidade de forma democrática tornou-se o mote deste trabalho. A identificação de espaços de escadarias como suportes urbanos abandonados no princípio de sua existência, sua contínua subversão de valores e os problemas urbano-sociais com raios espaciais consideráveis, trouxe um alerta com consequente disposição para prever formas alternativas de usos e condições, apoiando-se em práticas e culturas locais. Sua implantação passa a ser, então, a chave para atender demandas de pequena e média escala e transformar o entendimento daquele suporte urbano na escala da memória coletiva. Assim, este trabalho traz o entendimento conceitual atual dos espaços de escadarias na cidade contemporânea, as formas possíveis de transformação e reinterpretação e um ensaio projetual pontual, tendo o presente estudo como princípio. Há um esforço incessante de fazer com que as manifestações urbanas culturais tradicionais de uma população local sejam a alma do presente trabalho, trazendo o já existente espírito popular de apropriação de espaço público como estratégia de potencializar uma ocupação e assim transformar o entendimento destes mesmos espaços. Redesenhá-los como possíveis aglutinadores capazes de abrigar a diferença em harmonia, assim como em momentos de festas na cidade comum, porém, tirando a condição sazonal e descontínua e trazendo sua ideologia para a vida cotidiana em atuação permanente. [2] Ala das Baianas se preparando para o ensaio da vai-vai.


parte

das compreensĂľes


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a cidade contemporânea “A cidade só pode ser contemporânea nas suas múltiplas temporalidades, na sua sobreposição de tempos, na sua convivência de tempos, no seu conflito de tempos, na sua memória de tempos, na sua perplexidade de tempos, no seu cultivo de tempo, no seu consumo de tempo, na sua suspensão de tempo, na sua diversidade imensurável de tempos.” Luís Antônio Jorge, 2009, p.96

[3] Engarrafamento na Av. Paulista em 1981

A cidade contemporânea se configura como a efemeridade mutante de uma sucessão incessante de fatos históricos junto às cotidianas trocas sociais e econômicas. Os modelos econômicos como instrumentos de desenho da cidade foram determinantes para traçar perfis regionais peculiares. Em São Paulo, é clara a mudança da lógica urbana a partir da quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1928, o fim da exportação do café como produto base da economia brasileira e a ascensão da industrialização, realizando o esvaziamento das zonas rurais e a consequente formação de bairros operários para o suprir essa nova demanda. A entrada dos automóveis na vida cotidiana, e sua apresentação como o meio de transporte mais eficiente, redesenhou as ruas e transformou as prioridades urbanas, que tinham como suporte os planos públicos de muitas gestões, contribuindo para a construção de uma cidade espraiada, de proporções inimagináveis e pouco acessível aos pedestres. Pode-se dizer que toda essa transformação não planejada se encaixa no modelo de crescimento orgânico-evolucionista, como descreve Solà-Morales: “Un organicismo difuso ha sido el modelo subyacente con el que se han entendido las transformaciones de las ciudades. Al igual que los órganos crecen en un ser viviente, se adaptan y se transforman, también en la ciudad sus órganos, sus arquitecturas, crecen, se adaptan y se transforman en interacción constante con un medio natural o social que preestablece el ámbito de estos mismos cambios. (...) el modelo orgánico-evolucionista ha definido el modo de entender la relación entre los cambios de la ciudad y los cambios de la arquitectura. (...) En el caso de las ciudades, el modelo orgánico-evolucionista explica sus procesos de cambio gracias a la larga duración y al permanente reajuste entre forma y función, entre morfología y fisiología (...)” Ignasi de Solà-Morales, 1996, p.12-13


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Assim, partimos do princípio de que a condição dinâmica do meio criou não só espaços, mas também indivíduos, que por sua vez são os responsáveis pelos espaços e suas transformações, com absoluta autonomia. O redesenho de antigas fazendas localizadas nas áreas centrais da metrópole, cada qual com sua lógica urbana, para atender demandas particulares, é um exemplo dessa autonomia e de sua herança na importância histórica para a formação e desenvolvimento da cidade. Bem como constantes mudanças de usos de edificações, que ocorrem intensamente nos dias atuais. A busca de expansão e o contato com o paraíso de benefícios das possibilidades de consumo guiaram de forma irresponsável e fora de escala os moldes sociais de vida, que refletiram diretamente no meio físico em que ela se apresenta. É recente a retomada do pensamento na escala do indivíduo e da sua qualidade de vida, principalmente no que trata da escala urbana. Lewis Mumford escreveu em “A cultura das cidades”, de 1961, sobre os novos padrões de vida e pensamento dentro de estruturas regionais de civilização, de forma em que a ordem do pensamento permanece, ainda, atualizada: “Enquanto a máquina teve a supremacia, costumava-se pensar quantitativamente, em termos de expansão, extensão, progresso, multiplicação mecânica, poder. Com a supremacia do organismo, começamos a pensar qualitativamente, em termos de crescimento, normas, formas, inter-relações, implicações, associações e sociedades. Verificamos que o objetivo do processo social não é fazer os homens mais poderosos, mas torná-los mais completamente desenvolvidos, mais humanos, mais capazes de conduzir os atributos especificamente humanos de cultura - nem carnívoros ferozes, nem autônomatos insensíveis. Uma vez estabelecida, a ordem vital e social deve tomar a orientação da mecânica, e denominá-la, tanto na prática como nas ideias. Em termos sociais, isso significa uma reorientação, não só do mecanismo para o organismo, mas do despotismo para a associação simbiótica, do capitalismo e do fascismo para a cooperação e para o comunismo básico.” Lewis Mumford, 1961, p.321

Essa é a lógica que por muitas vezes impera e desenha as mutações urbanas contemporâneas quando as atenções passam a ser orgânicas e o indivíduo ganha uma nova escala. O ideal passa a ser aquilo que consegue atender às demandas pontuais e isoladas, com a mesma atenção que se atende o que é público e comum, e ambos passam a viver em relação de simbiose.


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Solà-Morales descreveu sobre os esforços contemporâneos para eficientes processos de mutação: “La multitud de variables indefinidas que entran en juego en las mutaciones edificatorias de este tipo no puede ser controlada sólo con instrumentos más o menos eficaces de gestión. Todo apunta a la necesidad de morfologías abiertas, interactivas, en las que unos mínimos criterios sean las únicas leyes que organicen el rápido proceso por el que se pasa de un estadio urbano a otro. Pero estos criterios no pueden ser solo de diseño urbano, al margen de la edificación, porque esta distinción carece de sentido en un proceso mutacional. Los lugares y las estructuras, la implementación de energías y recursos se produce capilarmente en todos los niveles y en todos los estadios. Solo una absoluta interacción entre sistemas y arquitectura, produciéndose al mismo tiempo como la expresión dinámica de la mutación, pueden dar lugar a ciudad y arquitectura acordes con las características del proceso. Sólo proyectos con mecanismos de autorregulación, de interacción y de reajuste durante el próprio processo de realización pueden tener sentido en situaciones difícilmente parangonables a las de otros momentos del pasado.” Ignasi de Solà-Morales, 1996, p.14

[4] Esquema da Retícula, conceito desenvolvido por Christopher Alexander para definir o princípio ordenador das cidades, de forma que seus elementos tenham maiores possibilidades de conexões, tendo, a partir de um cruzamento, seja do meio físico ou social, uma série de possibilidade de fenômenos e interações. Presente em: Fontes, A.S., 2013, p.31

Assim, entende-se que cada vez mais as propostas urbanas precisam ser agregadoras, dar a possibilidade de, poder permitir a livre apropriação e as prováveis transformações. Isso não significa que os projetos devem ser folhas em branco esperando por preenchimento, sem personalidade e presença, mas, sim, amarrar-se a condição urbana e ao contexto de implantação, à forte relação com o entorno e ao respeito às práticas sócioculturais específicas de determinada região. Atendendo esses parâmetros, o objeto inserido passa a ser um retrato, e sua familiarização traz o conforto e a segurança de sua contínua transformação através do tempo.


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[5] Av. Paulista aberta aos pedestres para livre apropriação


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[6] Minhocão aberto aos pedestres para livre apropriação


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as escadarias Com a relação de aproximação entre indivíduo e espaço apresentada pela condição contemporânea, algumas situações urbanas passam a ser questionadas, sejam por questões de ociosidade e formas ultrapassadas, sejam por questões de segurança, eficiência e acessibilidade. No contexto em que as ruas ainda sofrem resistências de apropriações, passagens e suportes urbanos de passagens, que muitas vezes anulam a sociabilidade e carecem do sentimento de pertencimento, são renunciados no momento da escolha do percurso. Assim acontece com os espaços de escadarias, criados como forma de simples transposição para vencer uma condição topográfica que se configura enquanto barreira, criando uma solução possível e confortável para o caminhar, porém, que hoje se configuram como suportes urbanos ultrapassados e impregnados na memória coletiva e no inconsciente social enquanto mazela. As escadarias são encontradas com maior frequência próximas aos rios e córregos espalhados por toda São Paulo, que é “um mar de morros”, como disse o geógrafo Aziz Ab’Saber sobre uma cidade que hoje possui aproximadamente três mil quilômetros de rios e corpos d’água invisíveis, ou seja, correndo sob nossos pés, sob edificações, ruas e avenidas da cidade. A urbanidade cresceu à sua volta, criando novos caminhos e percursos mais acessíveis aos pedestres. Assim, estando em situação de abandono, tornam-se lugares às cegas, becos, espaços tomados pelas práticas que justamente não querem ser vistas, ora banheiros públicos, ora palcos de violência, além de abrigo inadequado para população socialmente vulnerável. Sendo assim, atuam como um problema urbano-social de segurança pública e fator comprometedor da qualidade de espaços públicos locais: um suporte que repele pessoas. Assim, pode-se definir três conceitos que foram extraídos e reinterpretados do livro “Walkscapes” de Francesco Careri (2013), sobre as conotações contemporâneas das escadarias urbanas: o meio-lugar, amnésia da cidade contemporânea e percurso como estrutura narrativa.


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[7] Primeiro projeto cultural da Vila Itororó, de 1978.

O meio-lugar “O meio-lugar seria bem próximo do que Michel de Certeau chamou de lugar praticado. O meio-lugar não seria exatamente um lugar preciso, nem um não lugar, mas a sua prática, a sua apropriação ou seu uso” Paola Berenstein Jacques, 2013, p.10

Entendendo a escadaria como um meio-lugar, pode-se dizer que ela fica invisível perante aos olhos dos pedestres, muitas vezes fazendo-os não reconhecê-la como opção. A invisibilidade é quebrada quando alguém é levado pela intuição de um percurso, junto à predisposição do corpo e, então, durante essa passagem e apenas por essa passagem, ela existe enquanto uma escadaria, e dá a chance de ser vista como tal. Após o término da experiência de uma breve passagem, ela encontra novamente sua invisibilidade e fica esperando uma nova chance de ser reconhecida. Eis o meiolugar. O lugar que existe apenas quando é praticado.


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A amnésia da cidade contemporânea “Milton Santos chamou esses espaços indeterminados de espaços opacos , considerados como espaços abertos do aproximativo e da criatividade, em oposição aos espaços luminosos, considerados como espaços fechados de exatidão, racionalizados e racionalizadores. Essa distinção entre espaço opaco e espaço luminoso poderia ser também relacionada ao que Deleuze e Guatarri chamaram de espaço estriado e espaço liso. Para esses autores, os nômades estão ligados ao espaço liso, espaço vetor de desterritorializações, em oposição ao espaço estriado, espaço sedentário, territorializado. Seria então o esquadrinhamento do espaço estriado ou luminoso que impediria ou restringiria outros usos e apropriações, enquanto os espaços lisos, espaços indeterminados, espaços opacos ou nômades parecem, ao contrário, estimulá-los. O grande jogo do caminhar transurbante seria, então, buscar esses espaços nômades, opacos, lisos, dentro da própria cidade luminosa - espaço estriado por excelência. Ou, como diz Francesco Careri, o jogo seria buscar a “cidade nômade que vive dentro da cidade sedentária” ou, ainda, buscar a Nova Babilônia que vive nas “amnésias da cidade contemporânea”.” Paola Berenstein Jacques, 2013, p.13-14

Apesar da condição natural das escadarias de serem espaços opacos, ou seja, os espaços lisos, indeterminados, seu isolamento literal pelos espaços estriados causa a sufocante transformação dessas passagens em amnésias da cidade contemporânea, a partir do momento em que essas passagens transformam-se em becos e deixam de ser percebidas pelo transeunte. Porém, criou em si mesma um mundo de dinâmicas próprias e guarda em si reflexos sociais importantes que somem ao olhar do cidadão comum. Compreender as escadarias exclusivamente enquanto espaços nômades criou, com a evolução urbana, um peculiar problema para as cidades, diferente de outros tipos de espaços lisos, como as ruas. Encará-las com possibilidade de serem um espaço onde também possam abrigar o espaço estriado, ou sedentário, permite que elas sejam entendidas dentro de uma malha com mais oportunidades, permitindo explorar a criatividade dentro de algo que possa conter certa rigidez e racionalização, mas que aqui atuam de forma importante para não permitir que sejam abandonadas ou esquecidas, até aos passos das andanças mais atentas.


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Percurso como estrutura narrativa “Com o termo percurso indicam-se, ao mesmo tempo, o ato da travessia (o percurso como ação do caminhar), a linha que atravessa o espaço (o percurso como objeto arquitetônico) e o relato do espaço atravessado (percurso como estrutura narrativa).” Francesco Careri, 2013, p.31

Considerando que um espaço é narrado ao caminhar, e que o autor desta narração são os pés que seguem um percurso caminhável através de uma linha que atravessa o espaço, entendese que os espaços de escadarias fazem parte dessa estrutura possível à narrativa, pois são um espaço caminhável. Fazem parte da estrutura do percurso, muitas vezes com a lógica de acesso danificada, mas tornam-se responsáveis pela dinamicidade do caminho. Ou seja, ao transeunte que a percebe, passa a entendêla como novidade, tendo uma experiência dinâmica e peculiar do percurso rotineiro, assim pode ser criada uma nova narrativa. A escada, neste momento, foi um suporte à surpresa, ao inesperado, que apesar de sempre ter estado no mesmo lugar, sua percepção lampeja em retardo no consciente do caminhar. Os pés, então, encontram um novo movimento possível.

[8] Gravura rupestre, Bedolina, Val Camonica, cerca de 10.000 a.C. Presente em: Careri, F. 2013, p. 47. Pode-se entender a imagem enquanto um mapa psicogeográfico de determinada região, narrado através do percurso, com relatos sobre as características físicas e experiências interativas que foram vistas ou vivenciadas.


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escadaria-barata: vive há tempos, perdura em realidade sem sentido, dando espaço ao medo e à aversão. Suporte urbano kafkiniano, depois de um longo sono em um, acordou um outro.

[9] Richard Long, A Line Made by walking, 1967. Presente em: Careri, F., 2013, p.124 Percurso criado pela intuição dos pés.


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as escadarias na cidade contemporânea A ressignificação das escadarias perante o inconsciente coletivo e a sua consequente mudança nos princípios de interação e apropriação vão de encontro aos esforços de humanizar a cidade contemporânea. “Humanizar a cidade” é uma expressão que está relacionada com levar pessoas às ruas, tornar os ambientes coletivos efetivamente espaços públicos agradáveis e democráticos e, consequentemente, criar uma memória afetiva e uma relação de pertencimento entre pessoa e lugar. A transformação dos espaços de escadarias em espaços públicos que contém degraus já altera a sua própria condição de se colocar na cidade, mudando assim, seu entendimento. Quando outras funções são associadas, tirando a condição única de passagem e transformando-os em lugares para se estar ou que tenham alguma finalidade específica, nasce a possibilidade de atração de pessoas e a criação de raízes com determinada região. Quando essa estratégia é utilizada para suprir demandas locais, transformando-as em suportes urbanos mais complexos e multifacetários, as escadarias passam a ser soluções e não mais problemas. Usar dessas estruturas já existentes para se chegar a soluções e passar a fazer parte da caracterização local faz com que as relações dessas pessoas para com esses espaços ganhem os sentimentos de gratidão e amabilidade. “O espaço deixa de ser um “objeto” quando ocorre algo que o transforma em um espaço habitado, que passa a fazer parte da memória coletiva do lugar. Milton Santos já havia dito que lugar é a oportunidade do evento e que este, ao se tornar espaço, ainda que não perca as marcas de origem, ganha características locais. “É como se a flecha do tempo se entortasse no contrato com o lugar. O evento é, ao mesmo tempo, deformante e deformado”. Quando o espaço físico se transforma em espaço social, na ocorrência da intervenção, é o momento de expressão da amabilidade urbana.” Adriana Sansão Fontes, 2013, p.28-29

Assim, imaginando um projeto de intervenção que transformasse as escadarias em estares públicos com alguma finalidade específica, apoiado nas características e demandas locais, estaria sendo criada a possibilidade do evento, e assim, uma sucessão de transformação na relação com os habitantes locais.

[10] Exercício realizado na Oficina do Corpo da Escola de Arquitetura da Universidade de Talca, no Chile.


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A urbanidade faz parte dos princípios projetuais da base das intervenções enquanto conceito social de fusão da empatia com a tolerância, ou seja, um lugar dotado de aceitação do outro, capaz de conciliar a multi existência praticando a diversidade de usos com cordialidade. “O conceito de urbanidade para a urbanização contemporânea - global, territorial, híbrida e dispersa - é outro, e novo, reside no equilíbrio adequado entre densidade e mescla, entre construção e atividade, que permite aos residentes da urbe participar e ser parte da sociedade urbana, através da possibilidade de se encontrarem uns com os outros. A urbanidade contemporânea está nas construções materiais capazes de transmitir aos cidadãos a compreensão de três atributos da cidade, que são a simultaneidade, a temporalidade e a diversidade.” Adriana Sansão Fontes, 2013, p.38

Por isso, toda e qualquer proposta a ser apresentada para solucionar a questão dos degraus na cidade deve ser íntima o suficiente de sua localização e ao mesmo tempo abraçar os diferentes interesses a serem praticados. Ter espaço para o diferente, para o efêmero, ao mesmo tempo que abriga atividades pré estabelecidas, com conexão direta ao raio x daquele local. Conhecer profundamente de quem se trata, de onde se trata, quais são os costumes, quais são as festas, o que os une e o que os separa são informações essenciais que devem refletir em proposta.


projeto escadaria interativa, coletivo nomas, cambuci Ressignificação de escadaria no bairro do Cambuci, através da colocação de novos usos, permitindo novas compreensões de seus espaços. “A escadaria além de exercer um aspecto funcional de conexão, passa a dar lugar ao imprevisível e a encontros espontâneos ao longo de seu trajeto.” Coletivo Nomas.

[10a] Esquemas de interação de diferentes usos e corte da escadaria proposta. [10b] Maquete da proposta final exposta na X Bienal de arquitetura de São Paulo | Cidade: modos de fazer, modos de usar, modos de colaborar.

[10 a]


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[10 b]


parte

do chĂŁo


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a festa da bela vista

[11] Canalização do córrego Saracura, em 1937.

Escadarias urbanas que empobrecem o uso do espaço público estão presentes por toda São Paulo. Seja na periferia, seja nas áreas centrais, meio à habitação de alto padrão ou por dentre barracões que se aglomeram, os degraus se espalham em invisíveis instalações. Procurar escadarias na área central de São Paulo foi uma decisão que levou em consideração a globalidade e generalidade de fatores heterogêneos, além do público diversificado que essa região reúne. Dessa forma, a procura por esse perfil de escadaria teve início a partir do mapa de rios invisíveis da cidade, onde os terrenos são naturalmente mais acidentados, sendo mais frequente a necessidade e presença de transposições alternativas aos planos inclinados. Os afluentes dos rios Tietê e Tamanduateí são as linhas d’água que banham o centro da capital, são elas ao sul: Córrego Itororó e Córrego do Bixiga; ao sudoeste: Córrego Saracura; ao oeste: Córrego Anhangabaú; ao norte: Córrego da Luz e Córrego Anhanguera; ao leste: Córrego Moringuinho e o encontro do Córrego do Anhangabaú com o Rio Tamanduateí. Dentro da área correspondente ao bairro da Bela Vista estão presente os córregos Anhangabaú, Saracura, Saracura de Baixo ou Una, Córregos do Bixiga e Itororó. A grande quantidade de corpos d’água chamou a atenção e revelou um bairro com terreno grandemente acidentado, que abriga diversas escadarias, além de ser uma área central com longa data de urbanização, ou seja, as escadarias encontradas nasceram, em sua maioria, no final do século 19 e início do século 20, passando por toda a evolução urbana da capital, sobrevivendo aos dias de hoje. Localizado na subprefeitura da Sé, com área de 2,6km², o bairro da Bela Vista, conhecido como importante polo cultural e gastronômico da cidade, foi alvo de uma investigação íntima, principalmente no recorte correspondente ao Bixiga. Os Campos do Bixiga tinham seus limites territoriais no que hoje são as avenidas Brigadeiro Luís Antônio, Avenida Paulista e Praça da Bandeira. Configuravam-se como rancho para pouso de tropas que buscavam descanso à beira do Saracura, assim como também eram abrigo para a grande quantidade de negros escravos refugiados, onde organizavam suas vinganças e motins.


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Localizado na subprefeitura da Sé, com área de 2,6km², o bairro da Bela Vista, conhecido como importante polo cultural e gastronômico da cidade, foi alvo de uma investigação íntima, principalmente no recorte correspondente ao Bixiga. Os Campos do Bixiga tinham seus limites territoriais no que hoje são as avenidas Brigadeiro Luís Antônio, Avenida Paulista e Praça da Bandeira. Configuravam-se como rancho para pouso de tropas que buscavam descanso à beira do Saracura, assim como também eram abrigo para a grande quantidade de negros escravos refugiados, onde organizavam suas vinganças e motins. O primeiro proprietário que se tem notícia foi Antônio José Leite Braga, apelidado de Bixiga por ter contraído varíola, e manteve o poder das terras até 1870. Antes disso a região já havia atendido os nomes de Sítio do Capão até 1559 e Chácara das Jabuticabeiras ao longo do século XVI e XVII. O primeiro loteamento das terras aconteceu em 1878. “Em 28 de julho de 1879, foi feita a seguinte anúncio no jornal “A Província de Sao Paulo”, atual “O Estado de Sao Paulo”: “Terrenos no Bexiga - Vendem-se estes magníficos terrenos às braças ou em lotes, com pastos ou matas, a vontade do comprador. Não há nada a desejar nestes terrenos, dentro da cidade, água corrente em diversas fontes, lindos golpes de vista para bonitas chácaras, ruas com 60 palmos de largura; preços baratíssimos, desde 20$, 30$, 40$ até 50$ a braça, com 30 braças e mais de fundos, conforme a localidade escolhida. A planta acha-se nas oficinas de Santo Antônio, no Bixiga, podendo ser examinado a qualquer hora, tanto a planta como os terrenos. Para tratar com os proprietários na mesma oficina ou E. Rangel Pestana, Rua da Imperatriz, n.º44”.” Nádia Marzola, 1979, p.40

Foi no final do século XIX quando os primeiros grupos de italianos vindos principalmente da região da calabria, ao sul da Itália, chegaram no bairro da Bela Vista e se misturaram aos negros que lá viviam. A partir daí, o bairro ganhou ares europeus, principalmente em suas construções. A mistura das culturas resultou em um perfil ímpar, abençoado pela padroeira Nossa Senhora da Achiropita, que teve sua paróquia erguida na rua 13 de Maio, em 1926. Em constante desenvolvimento, no meio do século XX, a Bela Vista foi eleita o bairro mais denso de São Paulo, com 17.560 habitantes, no momento em que já era referência teatral da capital.


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Cultura, gastronomia e festas de rua já caracterizavam a região, valores que ainda são mantidos pelos descendentes locais e pelos habitantes curiosos que se identificaram com os costumes. É importante notar que há mais de 2 séculos a Bela Vista possui o espírito festivo e do encontro coletivo em seus espaços públicos. A cultura do estar na rua acontece durante todo o decorrer do ano: comemoração do aniversário de São Paulo com o tradicional bolo gigante, ensaios da Escola de Samba Vai-Vai e o carnaval de rua, a tradicional lavagem da escadaria do Bixiga e da rua 13 de Maio em protesto anual contra a falsa abolição da escravatura, a festa da Nossa Senhora da Achiropita, o mensal Jazz na escadaria, feira de antiguidades na praça Dom Orione, feira de gastronomia, além das feiras livres que acontecem semanalmente espalhadas por cinco ruas do bairro, em quatro dias da semana.

[12] Vale do Saracura, 1910


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[13] Mapa de arruamento e chácaras na região da Bela Vista, em 1850. Já é possível identificar a Rua Santo Amaro e a linha que, mais tarde, tornou-se a Av. 9 de Julho. [14] Rua Rocha, à beira do Saracura, em 1926. Mostra a urbanização e arruamento feitos no sentido horizontal com relação ao morro, ao estilo português, que tinham suas conexões verticais feitas através de planos inclinados e escadarias.

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[15] Mapa Sara Brasil do bairro da Bela Vista, em 1930. Pode-se observar a parcial canalização do Córrego Saracura e a dificuldade em ocupar as áreas com terrenos altamente acidentados. O afluente Baixo Saracura e Córrego do Anhangabaú aparecem descobertos.


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[18] carnaval na Rua Direita, em 1905.

[19] feira livre da Bela Vista, em 1958.

[20] avenida 9 de Julho, em 1950.

[21] desfile da Escola de Samba Vai-Vai, em 1974.

[22] carroceiro na rua 13 de Maio, em 1989.

[23] bolo gigante do Bixiga, em 25 de janeiro de 1992.


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O cardiograma do bairro mostra a vitalidade espontânea dos espaços públicos em um determinado período de tempo a partir dos eventos que levam as pessoas às ruas. Sua intensidade deriva a partir do alcance de determinado evento, ou seja, alcance local ou metropolitano, mas sempre mostrando o uso contínuo e cotidiano do meio urbano. Assim se nota a permanência e a importância de uma identidade cultural e histórica, que faz parte de um entendimento coletivo global da região. São costumes festivos relevantes para a cidade, fatos urbanos com fácil identificação e que mostram uma forte relação lugarevento, mesmo quando são apenas intervenções temporárias, porém sempre em frequente manifestação, contribuindo para a monumentalização da ideia como um todo (Fontes, 2013). É apresentado, nesse sentido, o conceito de “temporary urbanism” desenvolvido por Robert Temel¹ e colocado por Adriana Sansão Fontes: “O autor assume a posição do temporário como agente transformador, e amplia os limites das intervenções temporárias para outros “tipos”. Para ele o temporário é relevante para a cidade, uma vez que, por menor que seja, pode desenvolver efeitos poderosos passíveis de contaminação.(...) O autor abrange dentro da denominação “urbanismo temporário” um leque de situações, das atividades de ação e interação cultural até as atividades produtivas, englobando o uso e apropriação de espaços físicos ou mesmo os sistemas com representação espacial, ou objetos construídos. (...) É na surpresa e na descoberta que reside a sua potência (...) Segundo Temel, o “temporário” está localizado entre o “efêmero” e o “provisório”. O efêmero é algo com vida curta e que não pode ser estendido, já o provisório começa com vida curta, mas muitas vezes acabam virando permanente ” Adriana Sansão Fontes, 2013, p.56-57-58

Dessa forma, entende-se que especificamente as festas são provisórias, mas o espírito festivo já alcançou a permanência, bastando uma breve volta no bairro para senti-lo. Seja por pórticos comemorativos que passam todo o ano esperando a Festa de Nossa Senhora da Achiropita, seja pelas bandeirolas que ultrapassam os períodos juninos, seja pelas alegorias e fantasias que vivem o ano todo dentro de garagens e depósitos, à beira das calçadas, na espera do carnaval.

[16] Vista da Avenida 9 de Julho na altura da praça Pedro de Toledo, atualmente conhecida como praça 14 bis, em 1937. [17] Primeiras manifestações carnavalescas de rua, Salvador, 1910. Samba: nasceu em Salvador entre os ritmos do candomblé, mas cresceu samba em terras cariocas. Com gritos de liberdade e sussurros de confissões, o samba tornou-se a gema da identidade brasileira. Rodeada de morros e nos intermeios do Rio de janeiro, encontrava-se a casa da Tia Ciata, negra do terrero, dona da casa onde havia fartura, a liberdade de rezas africanas e a música como expressão máxima de um povo. Abriu suas portas aos camuflados sambistas, fugitivos de uma sociedade que os negavam. E, em 1916, dentro de seu lar nasceu “Pelo Telefone”, de Donga, o primeiro dos sambas, que se espalhou por todo o Brasil, colorindo os carnavais.


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O bairro atua como palco de eventos e depósito de cultura e que se transforma em um outro a cada evento, mostrando um projeto alternativo e transitório de cidade (Tuset, 2012), como descreve Juan Tuset: “Leer la ciudad común desde la vivencia de la fiesta -entendida como la expresión más pura de la cultura popular- exige construir un conocimiento a partir de la experiencia de la pequeña escala, esto es, de la fabricación individual de microvivencias o “pasatiempos” en la ciudad (Baros, 2010). A partir de diversas situaciones urbanas se reconoce a la ciudad en los espacios y en las personas que los ocupan. Lo que acontece en ella es el propio espectáculo de la gente, y en este se condensa la experiencia de la fiesta: espacios para la cultura popular.” Juan Tuset, 2012, p.70

¹ “Ler a cidade comum desde a vivência da festa -entendida como expressão mais pura da cultura popular- exige construir um conhecimento a partir da experiência da pequena escala, isto é, da fabricação individual de microvivências ou passatempos na cidade. A partir de diversas situações urbanas se reconhece a cidade nos espaços e nas pessoas que a ocupam. O que acontece dentro dela é o espetáculo das pessoas, e nela se condensa a experiência da festa: espaços para a cultura popular.” (Juan Tuset, 2012, tradução nossa)

mês

dia

3 2

noite

1

1 2 3

eventos anuais eventos mensais eventos semanais alcance local alcance variado alcance metropolitano

eventos anuais de alcance metropolitano_ ensaios de rua da escola de samba vai-vai; festa da nossa senhora da achiropita; bolo gigante em comemoração ao aniversário de são paulo; lavagem da escadaria do bixiga e da avenida 13 de maio. eventos mensais de alcance variado_ escadaria do jazz; em fevereiro, blocos de carnaval; em junho, festas juninas. eventos semanais de alcance local e variado_ feiras-livres de alimentos; feira de antiguidades; feira de gastronomia; feijoadas da vai-vai.


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bolo gigante aniversรกrio sp janeiro

dia

3 2

noite

1

1 2 3 ensaios de rua vai-vai


lavagem da escadaria e rua 13 de Maio

“la ciudad, cuando está en fiesta, es tanto el lugar observado como el contexto cambiante donde la expresión de la cultura popular se muestra.”² Juan Tuset, 2012, p.70

²“a cidade, quando está em festa, é tanto o lugar observado quanto o contexto de trocas onde a expressão da cultura popular se mostra.” (Juan Tuset, 2012, tradução nossa)

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40

agosto

dia

3 2

noite

1

1 2 3 festa N. Sra. Achiropita

“um campo, uma renovação simultânea, uma etapa e um trampolim, um momento composto de momentos (necessidades, trabalho, diversão; produtos e obras; passividade e criatividade; meios e finalidade), interação dialética da qual seria impossível não partir para realizar o possível.” Henri Lefebvre, 1991, p.19


41

ensaios de rua vai-vai


42

mapas de ruas ocupadas para eventos públicos urbanos dia:

do território: bela vista recorte de estudo e área de influência

sem escala


43

noite:

da ocupação: média

alta

sem escala


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maneiras de ocupação do espaço público pela cultura popular: transitório:

pontos de encontro:

[24] decoração para festa da N. Sra. da Achiropita

[27] abertura da festa em torno da imagem da santa

[25] barracas de comida nos ensaios da vai-vai

[28] público se reúne no pré-ensaio em torno da bateria

[26] vasos de flores para lavagem da escadaria

[29] jazz na escadaria


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fluxos e percursos:

ĂĄreas apropriadas:

[30] procissĂŁo acontece para o encerramento da festa

[33] rua 13 de maio: festa N. Sra. da Achiropita

[31] ensaio do desfile do samba pelas ruas do bairro

[34] rua cardeal leme: ensaios semanais da vai-vai

[32] bloco dos esfarrapados desfilando no carnaval

[35] rua rui barbosa: bolo gigante no aniversĂĄrio de sp


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a fresta do bixiga A investigação das escadarias à várzea do Saracura resultou no encontro da situação ideal: duas escadarias próximas uma da outra, localizadas em uma fresta do Bixiga, à beira do córrego, em seu ponto mais baixo, não fazendo parte nem da região rica, com casas e condomínios de luxo, chamada de Morro dos Ingleses, nem da parte mais agitada que é o eixo cultural da 13 de Maio. Está em fresta, entre morros, e guarda em si uma tranquila vida cotidiana com ares de interior. Um recorte de habitações simples e costumes dificilmente vistos no restante da cidade: cadeiras nas calçadas e íntima relação com a rua que entregam a sobrevivência das velhas relações de vizinhança. A área é cercada por empresas e edifícios corporativos que se espalham pelo eixo da Avenida 9 de julho, bem servida da grande malha de transporte urbano público, que ainda prevê a chegada das estações do metrô da linha 6 - laranja, que ligará o bairro da Brasilândia à região central, apelidada de linha das universidades. A chegada da nova estação do metrô, em específico a futura estação 14 bis, prevê a desapropriação de uma série de imóveis para atender ao novo programa. Um dos conjuntos de imóveis previstos para serem removidos são os edifícios que hoje abrigam a escola de Samba Vai-Vai, no encontro das ruas Cardeal Leme e Lourenço Granato. Este recorte faz parte da Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, prevista pelo Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo, aprovado em 2014, além de também conter áreas de ZEU (Zonas de Estruturação Urbana), ZEIS 3 (Zonas Especiais de Interesse Social) que identificam na região áreas com ocupações urbanas deterioradas, como cortiços, onde há infraestrutura urbana e oferta de emprego, TICP (Território de Interesse Cultural e da Paisagem), ZEPEC (Zona Especial de Preservação Cultural) e possui imóveis que integram o BIR (Bens Imóveis Representativos). Os itens identificam uma área rica em potencial de desenvolvimento, estando já servida de toda infraestrutura necessária para seu crescimento, tendo, junto a isso, uma carga histórica e cultural de grande influência, que devem ser preservadas sem medir esforços.

[36] Ensaio da escola de samba VaiVai, em janeiro de 2017. Vista das ruas Cardeal Leme (à esquerda) e Rocha (à direita), a partir do viaduto 9 de Julho. [37] Mapa de indicação dos blocos a serem desapropriados para as futuras instalações da estação 14 bis, da linha 6 - laranja do metrô, em que os três blocos da esquerda possuem, atualmente, propriedades da Vai-Vai.


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[36]



[37]


[38] Vista da escadaria através da rua Lourenço Granato.

escadaria Lourenço Granato - Almirante Marquês de Leão. A escadaria assume um papel de continuidade da rua Conselheiro Carrão, vencendo um desnível de 8 metros, com seus 41 degraus. Destacou-se por estar em boas condições, já que possui uma função que a faz especial: ser acesso para um pequeno edifício habitacional de baixa conservação e um buffet de festas, que habita um imóvel tombado. Há iluminação natural e pública, além de possuir áreas permeáveis e arborização diversificada que é prejudicada pela grande presença de lixo nestes espaços, já que não foi encontrada nenhuma lixeira pública em seu entorno imediato, nem usos diversificados que busquem maior interação entre pessoa e lugar.


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[38]


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[39]

[40]

[41]

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[39] Vista da escadaria através da rua Almirante Marquês de Leão. [40] Grande quantidade de lixo acumulado no pé da escadaria. [41] Lixo acumulado na parte superior da escadaria, na rua Coração da Europa. [42] Vista da degradação e sujeira no percurso da escadaria, mostrando, também, a existência do canto considerado cego para o pedestre que está realizando a descida.

escadaria Almirante Marquês de leão - Coração da Europa Ao contrário da escadaria anterior, esta escadaria estampa em si o estereótipo da escadaria-mazela. Fica entre uma breve área verde com poucas vegetações e as costas de um pequeno edifício habitacional e barracões. É uma escadaria em zig-zag, que através dos seus 35 degraus com quase nenhuma regularidade, guarda em si pontos cegos, ou seja, partes em que o pedestre não possui visibilidade, tornando-a perigosa. Esse fator também é o responsável pela imensa quantidade lixo e dejetos que geram mau cheiro e a atração de bichos.


o samba da vai-vai “Quem nunca viu o samba amanhecer vai no Bexiga pra ver, vai no Bexiga praver O samba não levanta mais poeira Asfalto hoje cobriu o nosso chão Lembrança eu tenho da Saracura Saudade tenho do nosso cordão Bexiga hoje é só arranha-céu e não se vê mais a luz da Lua mas o Vai-Vai está firme no pedaço é tradição e o samba continua.” Tradição, Geraldo Filme

Vai-Vai, a escola do povo, dona de 15 títulos do carnaval paulista, mistura-se por entre festa e produção, com uma dedicada equipe de moradores locais que desprendem tempo do seu ano inteiro para manterem vivas as tradições carnavalescas. Terra de vida de Adoniran Barbosa, tem um samba abençoado, que vive e perdura pelas ruas do Bixiga semanalmente, com data e hora para acontecer, e não deixa o espírito sambista escapar até chegar setembro, quando começam os ensaios de rua que duram até fevereiro. “No início do século, havia no bairro do Bixiga um time de futebol e grupo carnavalesco chamado Cai-Cai, que utilizava as cores preto e branco. Por volta de 1928, um grupo de amigos liderados por Livinho e Benedito Sardinha, ajudava a animar os jogos e festas realizadas pelo Cai-Cai, porém eram sempre vistos como penetras e arruaceiros, sendo apelidados de modo jocoso como “a turma do Vae-Vae”. Expulsos do Cai-Cai, estes criaram o “Bloco dos Esfarrapados”, e paralelamente, o Cordão Carnavalesco e Esportivo Vae-Vae, que foi oficializado em 1930.” Disponível em: www.vaivai.com.br/sobre/ Acesso em: 10/01/2016

[43] Baianas da Vai-Vai se preparam para o ensaio diante da ala da música.


55

[43]


56

Assim, tendo como base as diretrizes previstas pelo novo Plano Diretor Estratégico e a intervenção de desapropriação pela introdução da Estação 14 Bis, foram pontuados os terrenos com possibilidade de intervenções, localizados no entorno das escadarias e tangenciando o atual recorte habitado pelo samba da Vai-Vai. É importante destacar que o programa do projeto ganhou força não a partir da escola de samba e dos programas inerentes a ela, mas sim por conta das pessoas que fazem essa escola de samba acontecer. Foi por conta da característica festiva do bairro, pela força de uma comunidade que aposta esforços por uma causa coletiva, pública e urbana, e a transforma em atividades econômicas, muitas vezes de complementação de renda. Encarando dessa maneira, a proposta projetual a ser elaborada baseia-se em remover o caráter sazonal do carnaval, e assumir uma infraestrutura de produção deste evento que já existe para trazer retorno à população durante todo o ano, a partir de atividades econômicas, como a capacitação profissional e introdução de mão de obra no mercado econômico, principalmente voltado à prestação de serviço local e regional, de pequeno e médio porte. Ou seja, a expansão de serviços que já eram realizados, de forma profissionalizada, trazendo novos horizontes de atuação para muitas famílias, mantendo o espírito carnavalesco e de união a partir de um fator em comum entre todos os residentes: serem a comunidade Vai-Vai.

[44] Ala das baianas durante o ensaio da Vai-Vai. [45] Porta bandeira se apresenta durante ensaio.


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[44]


58

[45]


parte

do ensaio


masp

av. 9 de julho

av. paulista

rua frei caneca

av. da consolação


av. 23 de maio

praça dom orione

av. brigadeiro luís antônio

rua rui barbosa

radial leste-oeste

av. 13 de maio

praça 14 bis


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“A condição contemporânea nos aproxima e oferece recursos para uma comunicação jamais pensada, mas que ainda estamos distantes de assimilar: nos termos da linguagem da arquitetura, o que significa essa expansão de fronteiras? Da arquitetura contemporânea, espera-se domínio do seu campo de conhecimento e sensibilidade para o frágil e complexo tecido cultural que dão, às cidades, suas personalidades. O contemporâneo não tem uma única expressão nem, tampouco, um espaço privilegiado para sua realização e, muito menos, um único tempo.” Luís Antônio Jorge, 2009, p.103

O que torna contemporâneo não é objetivo ou finalidade, mas o meio, o viver com, a sobreposição de situações que coexistem de formas tão distintas, a multiplicidade de tempos e pessoas, o contemporâneo é o agregador e aglutinador democrático e consciente das diferenças e conflitos que se apresentam em harmonia, de forma espontânea, é a possibilidade de, o ter chance de, sem comprometimento com resultados, mas com grande compromisso com a oportunidade. A proposta projetual parte do princípio da oportunidade, do acontecimento e com esses valores buscou-se uma série de espaços públicos conectados entre si, dando dimensão urbana ao projeto, que amarra 7 edifícios ao longo de 4 trechos. Dar a chance do estar público é dar a possibilidade de se observar o fenômeno do Post-it City, conceito descrito por Giovanni La Varra e apresentador por Adriana Sansão Fontes, para descrever a cidade ocasional e a qualidade da vida dos espaços públicos: “equivale à rede fragmentada e temporária de estruturas funcionais que ocupam os interstícios do tecido urbano e promove a escrita temporária de seus espaços públicos. Corresponde a um dispositivo de funcionamento da cidade contemporânea ligado às dinâmicas da vida coletiva fora dos canais convencionais.” Adriana Sansão Fontes, 2013, Arquitextos

Para que estruturas temporárias, que inevitavelmente surgem junto ao sentimento de pertencimento, possam criar narrativas no espaço, é preciso, antes, dar-lhes o espaço, e com isso, como post-its, os largos públicos agarraram-se ao eixo central que os conecta, que nesse caso foi um papel assumido pela rua Almirante Marquês de Leão.


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rua são vicente

rua josé tenáglia

rua lourenço granato

rua almirante marquês de leão

trecho 02

trecho 01

trecho 03

rua luís barreto

rua cardeal leme

trecho 04

rua conselheiro carrão


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É imprescindível a presença das pessoas como principal estratégia para habitar um espaço e dar-lhe qualidade, segurança e condições físicas de higiene e cuidado. Além de possibilitar a livre apropriação por um público heterogêneo. Daí vem a decisão de dar um espaço destinado ao público estudante, conectados à uma biblioteca, uma estação de metrô e uma vasta rede alternativa de transporte urbano público, podendo misturá-los com a população local, tornando-a rica em vitalidade, em explorações de usos, em diversificação de horários, em apropriação integral do entorno e não deixa de ser um fator de aquecimento da microeconomia local: “Que potência territorial urbana poderá haver nesta combinação entre o espaço urbano físico, os moradores estudantes e os transeuntes urbanos? Há a perspectiva aqui de um território que deixa de construir-se como um conjunto físico inerte, composto por uma estrutura estacionária de edifícios, ruas, usos, infraestruturas, para constituir-se como um suporte em permanente interação com as pessoas, um microecossistema em que interatuam fluxos de energias e de materiais; perturbações e interferências territoriais que potencializam o surgimento de configurações especiais efêmeras (espaçamento), paisagens móveis e ritmos temporais - o tempo dado pela ciclovia e pelo metrô, o tempo do morar, o tempo do lazer diurno e noturno” Igor Guatelli, 2009, p.78

Dada a vitalidade do uso e apropriação dos espaços e sua consequente sobreposição de públicos e vivências, entrelaça-se o conceito “Everyday Urbanism” elaborado por Margaret Crawford: “as diversas pequenas atitudes transitórias perante a cidade, por ela denominadas com o termo Everyday Urbanism, aproveitam as potencialidades existentes e intensificam e encorajam o uso dos espaços cotidianos de forma alternativa e empírica, dando-lhes novos significados através dos indivíduos ou grupos que dele se apropriam” Adriana Sansão Fontes, 2013, Arquitextos

Para atuar dentro dos terrenos escolhidos foi preciso enfrentar a dificuldade de escolher o que deve ficar e o que deve sair. Entretanto, como nos disse o arquiteto Marcelo Ferraz, frase de autoria da arquiteta Marta Bogéa, “o que nós vamos esquecer para melhor poder lembrar?”.


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[c]

[a]

[b]

[c]

[b]

[d]

Foi preciso encarar a proposta de retirada de imóveis deteriorados e de baixa conservação, tais como: três áreas de estacioanamento, galpões sem usos ou abandonados e 14 unidades residenciais unifamiliares. A nova proposta prevê a colocação de 144 novas unidades residênciais, somando um novo público residente de, aproximadamente, 500 pessoas, ofertando novas possibilidades de moradia na região central com foco no mercado popular e habitação de interesse social, ao lado de uma consolidada rede de transportes públicos, facilitando acesso e vazão. Foram mantidos dois edifícios em bons estados de conservação, com a proposta de abrigarem o uso de escritório e serviços, podendo, de alguma maneira, prever o uso pela Associação Comunitária da Vai-Vai, com a possibilidade de ofertar à comunidade serviços de saúde em geral, refeitórios, quadras esportivas dentre outras atividades. Também foi conservada uma edificação tombada, com a missão de guardar em si um espaço expográfico-cultural, abrigando o Centro de Cultura do Samba, que objetiva ser um espaço onde a memória do samba paulista permanece viva e lembrada, além de homenagear o grande nome desta família: Adoniran Barbosa.

imóveis retirados

imóveis mantidos

[a] área de estacionamento

[b] imóveis degradados

[c] área de estacionamento coberto

[d] área de estacionamento privado


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Entre os edifícios está conectada uma malha de espaços públicos que os unem a diversos outros usos: residencial, institucional, corporativo e comercial, e mantém ativa a conexão e trocas possíveis entre esses diferentes públicos sobrepostos. Eles habitam o “Everyday Space”: “tecido conector que mantém unida a vida diária. Este está organizado pelo tempo e pelo espaço ao longo dos itinerários diários, com ritmos impostos por padrões de trabalho e lazer, semana e fim de semana e é passível de apropriação e transformação pelos usuários de forma a melhor acomodar as necessidades da vida cotidiana, conduzindo-os a uma refamiliarização. Sendo um espaço ambíguo, como todos os espaços “entre”, representa uma zona de transição e possibilidades com potencial para novos arranjos sociais e formas imaginativas.” Adriana Sansão Fontes, 2013, p.50

ateliê de carro alegórico habitacional | estudantes biblioteca pública habitacional escola de cenografia habitacional | estudantes centro de cultura do samba ateliê colaborativo de costura

escola do som e escola de tambores escola do corpo novos espaços públicos edificações propostas


67

Assim é garantido que o espaço do cotidiano ganhe e emane vida, de forma que os espaços públicos passam a ser reconhecidos como parte do morar e do estar, já que as experiências e os usos não estabelecem um limite exato entre o público e o privado, fazendo com que as pessoas transbordem entre os limites de forma a somar às suas vidas cotidianas, onde o meio urbano passa a fazer parte da vida humana e o humano fica responsável pela qualidade de vida desses espaços, uma relação simbiótica interdependente.

rua alm. marquês de leão

fluxos conexões

percursos | pedestres:

escadarias

externos

reunião de público

internos


68

A essa altura, os degraus deixam de ser escadarias e ganham a dimensão do estar público, apresentando-se enquanto espaços de pouso e descanso, e não mais exclusivamente como passagens, podendo até atuar como alternativas de passagem, mas já sem essa condição como função principal. Para tanto, é requisitada a introdução de novos usos e significados, assim acontece quando as escadarias são observadas como arquibancadas, cinemas, hortas, jardins, acessos e sempre enquanto lugar do estar, lugar do encontro e das possibilidades. A transfiguração do cenário dos espaços de escadaria altera imediatamente sua categoria na memória coletiva e no imaginário afetivo da população, possibilitando a rica atuação para que foram trabalhados. Para isso, a escolha do programa foi essencial: usos que alimentam e incentivam o uso do espaço público, como palco de suas próprias atividades. E vão além, são programas que servem de apoio à fabricação do carnaval durante todo o ano, junto ao trabalho da população local, dando-lhes a infraestrutura necessária para o desenvolvimento profissional e econômico de cada envolvido. Ou seja, uma senhora aposentada, moradora da região, que já costuma ajudar na fabricação de fantasias para o desfile da VaiVai, poderá fazer parte de um ateliê de costura colaborativo, onde vai encontrar a infraestrutura necessária para a fabricação das fantasias e de trabalhos externos. É um espaço onde poderá receber clientes e fazer o serviço, além de encontrar outras costureiras e ter a possibilidade de ensinar o ofício aos interessados em aprendê-lo. Logo, o ateliê se torna um espaço de criação, produção e educação profissionalizante, expandindo os horizontes de possibilidades de grande parcela da população local. O mesmo acontece com Escola de Tambores, marcenaria onde há a produção colaborativa de instrumentos, associada à Escola do Som, onde jovens e interessados podem além de construir seus instrumentos, aprenderem a tocá-los, também atendendo a demanda da própria Escola de Samba. O público local que se interessa por música poderá ser profissionalizado, estar envolvido com a criação anual do samba-enredo e em constante aprendizado a partir das aulas de música.

edifícios corporativos


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ateliê de carro alegórico habitacional

centro de escola do corpo ateliê de costura cultura do samba habitação para escola do som escola de cenografia estudantes escola de tambores


70

Na mesma linha de raciocínio também fazem parte a Escola do Corpo, onde há a profissionalização da dança, além de ser o local onde se estudam e criam os passos e coreografias que serão apresentados no carnaval, descobrindo novos talentos locais e possibilitando a participação de todos os interessados na criação do desenho corporal do desfile; a Escola de Cenografia, responsável por estudar e produzir cenários, com uma oficina apropriada à construção dos projetos, além da capacitação profissional para atender demandas metropolitanas; e por fim, o Ateliê de Carro Alegórico, onde são montadas as instalações gerais dos carros -em chassis de caminhões- e produzidas as grandes fantasias que mais tarde serão instaladas. Por estar em constante contato com instalações elétricas, este espaço pode servir, também, para a capacitação profissional não só da montagem e produção de fantasia para grandes estruturas, mas também para realização de cursos básicos de instalações elétricas, permitindo a prestação desses serviços. Somados às unidades habitacionais (HMP e estudantil), esses espaços ganham vida e a oportunidade da apropriação diversificada, acompanhada de pequenos e médios comércios locais com foco no setor da alimentação, afirmando o caráter gastronômico do bairro e atendendo a demanda tanto diurna, dos extensos polos corporativos que circundam a região e carecem deste serviço, quanto noturna, atendendo aos moradores e aos eventos locais, também como forma de atrair visitantes. É importante perceber que, além dos usos em si advindos dos programas propostos, os trechos edificados atuam na permeabilidade do recorte, cada qual com sua característica específica: Trecho 1. Ocupação: edifícios corporativos, habitacional destinado ao mercado popular, escola de cenografia e centro de cultura do samba. Este trecho atua como conector radial, ou seja, possui o miolo da quadra em condição livre ocupada por espaço públicos, com permeabilidade de livre fluxo de pedestres para todas as ruas que o circundam.


71


72

Trecho 2. Ocupação: ateliê de carro alegórico. Este trecho ocupa uma quina e atua como conector visual, em que possui o fechamento do edifício em módulos de vidro pivotantes e móveis, com total abertura, mantendo a vista livre para todo o entorno. Além disso, seu mezanino atua, naturalmente, como palco voltado à via de festa, sendo, em época de carnaval, o abrigo para a ala da música: a equipe de voz na parte superior e a ala da bateria, ao chão, sob a passarela. Trecho 3. Ocupação: habitacional voltado para o público estudante, biblioteca, comércios e o ateliê colaborativo de costura. Este trecho possui dois tipos de conexão: a conexão linear exclusivamente para pedestres, ligando o trecho 3 à rua Luiz Barreto, com comércio e jardins no térreo junto ao acesso à biblioteca; e a conexão angular, com dupla possibilidade de ligação entre as ruas Conselheiro Carrão e a Almirante Marquês de Leão, de forma que o percurso permite a direta ligação entre as ruas através da calçada, ou da angulação de entrada no trecho 3 e sua conexão através de degraus. É importante ressaltar que este é o trecho mais alto do recorte, servindo naturalmente como principal área de arquibancada aos eventos festivos que aconteçam no coração do recorte: a rua Almirante Marquês de Leão. Trecho 4. Ocupação: Escola de Tambores junto à Escola do Som e a Escola do Corpo. Este trecho atua como transpositor vertical, já que é a conexão com maior desnível entre os lados, ligando a rua Cardeal Leme à rua Almirante Marquês de Leão e Lourenço Granato. Conta com uma escada rolante pública de livre acesso para realizar o fluxo dos pedestres. A rua Cardeal Leme é a rua da feira livre que acontece às terças-feiras e, por ser uma rua com alta densidade construtiva, o programa proposto cria um largo de abertura com estar público através de patamares: degraus que atuam como horta e arquibancada, levando à um meio nível, ao pátio das escolas, além de atuar como um respiro dessa rua. Também serve de apoio direto à feira, como local de colocação dos comércios de alimentação, como as tradicionais barracas de pastel, água de coco ou caldo de cana, tendo espaço suficiente para abrigar o público com tranquilidade.



74

Além disso, um dos acessos à sala de dança, diante da rua Almirante Marquês de Leão, é feito através de uma grande escadaria junto à praça que ocupa a cobertura das escolas de tambores e som, atuando, também, como possível arquibancada para os eventos festivos.


75



77

Para afirmar o caráter festivo e de constante ocupação popular nas vias públicas, foi preciso o redesenho das vias para automóveis e a mudança da escala para o nível do pedestre, dando-lhes a prioridade espacial do caminhar e do estar, indo de encontro à proposta de mudança cultural do entendimento do espaço público geral do recorte. Com isso, medidas de redução de velocidade e de controle de automóveis - baseadas no conceito de traffic calming - foram adotadas. “De fato, pode-se entender hoje a aplicação da técnica dentro de uma escala. Em uma ponta, medidas adotadas para meramente moderar o tráfego e cuja abrangência não passa efetivamente de uma “moderação do tráfego”. No outro extremo desta escala encontrar-se-iam as medidas e propostas voltadas para uma transformação cultural do uso dos espaços comuns do habitat humano, hoje engolidos pelo trânsito de veículos motorizados, e cuja abrangência está mais voltada para o “tratamento ambiental de áreas urbanas.” Ricardo Esteves, 2003, p.51

Tais como: estreitamento das travessias para menor tempo de exposição dos pedestres aos automóveis; elevação das interseções, anunciando a natural queda de velocidade e início de vias compartilhadas entre automóveis e pedestres; elevação do leito viário em toda a extensão do recorte, reafirmando tal compartilhamento; realinhamento de interseções com foco no aumento das áreas não carroçáveis, reduzindo-as ao mínimo necessário para passagem dos automóveis em duas categorias: via simples compartilhada, com tráfego para um sentido, com 3,5m de largura e via dupla compartilhada, com tráfego para dois sentidos, com 6,5m de largura; transformação de rua em via compartilhada tipo calçadão; aumento da largura mínima das vias exclusivamente para pedestres para 3m; bolsões pré determinados para vagas de automóveis; diferenciação de vias carroçáveis e exclusivamente para pedestres apenas através da cor; e consequente queda da velocidade para média de 15 km/h dentro do recorte de intervenção.


78-

via dupla de estacionamento

30km/h vias locais

15km/h

vias locais

velocidade média em vias compartilhadas elevação da interseção

vagas prédeterminadas

via dupla de estacionamento

via de estacionamento

via de estacionamento

via carroçável ≈ 9 metros.

estreitamento da travessia

30km/h

via compartilhada tipo calçadão estação 14 bis elevação do leito viário em vias compartilhadas

via pedestre ≈ 1,20 metros.

via de estacionamento

via simples compart ≈ 3,5 m.

realinhamento de interseções via pedestre mín de 3 m.

via dupla de estacionamento

via dupla compart. ≈ 6,5 m.

via de estacionamento via dupla de estacionamento

avanço de passeios

desenho urbano existente

Por fim, vale ressaltar que a característica das vias exclusivamente para pedestres afirmam qual é a prioridade dentro do recorte de forma clara e evidente, dando segurança aos pedestres e alerta aos motoristas. A partir do alargamento dessas vias foi possível transformá-las, também, em lugares do estar a partir da colocação de bancos espalhados ao longo das calçadas, sempre acompanhados de vegetação esbelta com copa passível de atuar como espaços da sombra. Além dos mobiliários, foi proposta a infraestrutura básica urbana, como lixeiras espalhadas de forma homogênea junto à iluminação em duas escalas: às vias de automóveis são mais altas, às vias de pedestres são mais baixas, atendendo, especificamente, cada escala de uso. O novo desenho também mostra a possibilidade da chegada de complementos urbanos sem obstrução de passagem, como a instalação permanente ou temporária de bancas, food trucks e comércios itinerantes em geral.

diferenciação de vias através da cor

desenho urbano proposto


parte

das peรงas


ct 5 o carrão rua conselheir

rua luiz barreto

ct 1 rua alm

. marq

uês de

leão

rua são vicente

ct 6

o nç

ato

an

gr

estação 14 bis

e

a

ru

ct

r lou

3

me

rdeal le

rua ca


81

a

rua veloso guerr

ct 4 ct 2

planta térreo superior | nível rua Alm. Marquês de Leão


ct 5 o carrão rua conselheir

rua luiz barreto

ct 1 rua alm

. marq

uês de

leão

rua são vicente

ct 6

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estação 14 bis

e

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ct

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3

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rua ca


83

a

rua veloso guerr

ct 4 ct 2

planta térreo inferior | nível rua cardeal leme e lourenço granato


ct 5 o carrão rua conselheir

rua luiz barreto

ct 1 rua alm

. marq

uês de

leão

rua são vicente

ct 6

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an

gr

estação 14 bis

e

a

ru

ct

r lou

3

me

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rua ca


85

a

rua veloso guerr

ct 4 ct 2

planta primeiro pavimento e tipo residencial


corte 01 . rua alm. marquês de leão

corte 03 . rua lourenço granato


corte 02 . rua alm. marquĂŞs de leĂŁo


corte 05 . rua conselheiro carrĂŁo


corte 04. escola do som

corte 06 . escola de cenografia


créditos iconográficos [01] M.C. Escher. Disponível em: mcescher.com Acesso em: 20/05/2017 [02] Acervo pessoal [03] São Paulo Antiga, Disponível em: twitter.com/SaoPauloAntiga/status/479360114059935744/photo/1 Acesso em: 20/05/2017 [04] Fontes, A.S., 2013, p. 31 [05] Acervo pessoal [06] Tiago Queiroz. Acervo Estadão. [07] São Paulo Antiga, Disponível em: saopauloantiga.com.br/vila-itororo/ Acesso em: 20/05/2017 [08] Careri, F., 2013, p.47 [09] Careri, F., 2013, p.124 [10] Katterin Jaque [10a] Autor desconhecido. Disponível em: cotazeroblog. com/2013/11/04/escadaria-interativa/ Acesso em: 20/05/2017 [10b] Autor desconhecido. Disponível em: cotazeroblog. com/2013/11/04/escadaria-interativa/ Acesso em: 20/05/2017 [11] Autor desconhecido. Disponível em: sampahistorica.wordpress.com Acesso em: 20/05/2017 [12] Vincenzo Pastore. Acervo Instituto Moreira Salles [13] Autor desconhecido. Disponível em: ajorb.com.br/ hb-mapas-antigos.htm Acesso em: 20/05/2017 [14] Autor desconhecido. Disponível em: ruarocha.wordpress.com/ bixiga-ou-bexiga/ Acesso em: 20/05/2017 [15] Arquivo Sara Brasil [16] Autor desconhecido. Disponível em: sampahistorica.wordpress.com Acesso em: 20/05/2017 [17] Autor desconhecido. Acervo Instituto Moreira Salles. Disponível em: brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/ bras/3953 Acesso em: 19/05/2017 [18] Autor desconhecido. Disponível em: saopaulopassado.wordpress.com/2015/02/13/os-primeiros-carnavais-de-sao-paulo/ Acesso em: 20/05/2017 [19] Autor desconhecido. Acervo Estadão. Disponível em: sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,a-historia-da-bela-vista,1790272 Acesso em: 20/05/2017 [20] Autor desconhecido. Disponível em: sampahistorica.wordpress.com Acesso em: 20/05/2017


[21] Autor desconhecido. Disponível em: spcity.com.br/saracura-yoruba-bixiga-vai-vai-memoria/ Acesso em: 20/05/2017 [22] Autor desconhecido. Acervo Estadão. Disponível em: sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,a-historia-da-bela-vista,1790272 Acesso em: 20/05/2017 [23] Acervo Centro de Memória Bunge. [24] Klauss Schramm [25] Acervo pessoal [26] Acervo do Centro de Memória do Bixiga [27] Autor desconhecido. Disponível em: achiropita.org.br/festa-da-padroeira/programacao Acesso em: 20/05/2017 [28] Acervo pessoal [29] Photografobia [30] Julien Pereira [31] Acervo pessoal [32] Renato S. Cerqueira. Acervo Estadão. [33] Autor desconhecido. Disponível em: www.guiadasemana.com. br/sao-paulo/na-cidade/evento/festa-de-nossa-senhora-da-achiropita Acesso em: 20/05/2017 [34] Acervo pessoal [35] Nilton Fukuda. Acervo Estadão. [36] Acervo pessoal [37] Companhia do Metrô. Disponível em: metro.sp.gov.br/obras/ pdf/linha-6-laranja/14-bis.pdf Acesso em: 10/08/2016 [38] - [46] Acervo pessoal [a] - [b] - [c] - [d] | Pg 63 | Google Street View


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[46]

Where there were deserts, I saw fountains Like cream the waters rise And we strolled there together With none to laugh or criticize There is no leopard and the lamb And lay together truly bound Well I was hopin’ in my hopin’ To recall what I had found (...) The power to dream, to rule To wrestle the earth from fools But it’s decreed the people rule

Listen, I believe everythin’ we dream Can come to pass through our union We can turn the world around We can turn the earth’s revolution We have the power People have the power (...)

People have the power, Patti Smith


bilbiografia

[46] Vista sentido centro a partir do Bixiga, na altura da praça 14 bis.

CARERI, F. Walkscapes: caminhar como prática estética. São Paulo: Editora G. Gili, 2013. ESTEVES, R. Cenários Urbanos e Traffic Calming. 2003. 165 f. Tese (Doutorado em Ciências em Engenharia de Produção) - COPPE/ UFRJ, D.Sc., Engenharia de Produção, Rio de Janeiro. 2003. FONTES, A. S. Intervenções temporárias, marcas permanentes: apropriações, arte e festa na cidade contemporânea. Rio de Janeiro: Casa da Palavra: FAPERJ, 2013. FONTES, A.S. Intervenções temporárias no Rio de Janeiro contemporâneo: Novas formas de usar a cidade. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 154.00, Vitruvius, mar. 2013 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/13.154/4678>. GUATELLI, I. Pensar sobre rastros: arquiteturas além do objeto. In: GUERRA, A. e FIALHO, R. N. (orgs). O arquiteto e a cidade contemporânea. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2009. JACQUES, P.B. O Grande jogo do Caminhar. In: CARERI, F. Walkscapes: caminhar como prática estética. São Paulo: Editora G. Gili, 2013. JORGE, L.A. Memória e cultura na cidade contemporânea: In girum imus nocte et consumimur igni. In: GUERRA, A. e FIALHO, R. N. (orgs). O arquiteto e a cidade contemporânea. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2009. LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991. MARZOLA, Nádia. Bela Vista: história dos bairros de São Paulo. São Paulo: DPH, 1979. MUNFORD, L. A cultura das cidades. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1961. SENNETT, Richard. Carne e pedra. Rio de Janeiro: Record, 1997. SOLÀ-MORALES, I. Presentes y futuros: la arquitectura en las ciudades. XIX Congresso UIA. Barcelona, 1996. TUSET, J. J. La ciudad común en fiesta: espacios para la construcción cultural. ARQ, Santiago do Chile, n. 81, p. 67-73, fev. 2012. UNITED STATES OF AMERICA. Pennsylvania’s Traffic Calming Handbook. Pennsylvania Department of Transportation. Publication No. 383. Pennsylvania, 2012.





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