Revista Literatas

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Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 27 de Abril de 2012 | Ano II | N°27 | E-mail: r.literatas@gmail.com

O que terá sido a Bienal de Poesia…

Breton e o Surrealismo Por Vitor Sosa. Pág 04 e 05

Mais moçambicanos aliam-se à literatura

brasileira.

Pág 03

A arte como a causa primeira da humildade. Por Japone Arijuane. Pág 06

Mafonematográfico Também Círculo Abstracto ou a

Evasão do eu Desassossegado na poesia neoconcreta de Sangare Okapi. Por Mbate Pedro. Pág 13


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Editori@l Realizações, Falsidades e Imprevisões: para onde vamos?

Diz o adagio popular que o erro é humano, contudo a chacina mental que os poetas convidados a bienal Internacional de Poesia de Luanda passaram, transcende aos erros de cariz humano, diria foi desumano. Caro leitor acredita que em certas das muitas vezes, nós como convidados automaticamente passamos a exercer o papel de organizadores? Parece mentira mas é verdade, preocupava-nos tanto o andar de uma bienal que ao fim a cabo estava estagnado nas mãos dos curadores, assim a bienal tal como se previa, não chegou de acontecer, depois das ladainhas de viagens canceladas, emails sem respostas; a última hora muitos dos poetas desistiram de por os pés no local do evento, que a prior seria um espaço nobre para o convivio intercultural. Assim sendo a nossa Revista abre um espaço para todos escritores que foram convidados a bienal para que juntos possamos dar continuidade a estes encontros, sem precisar de ir a um lugar, pois a Literatas desde já assume-se como lugar de todos os intervenientes artisticos-culturais. Dada a desistência dos outros poetas estrangeiros e nacionais(angolanos), os moçambicanos foram os únicos dos poucos presentes na bienal, dos 5 poetas fizeram-se presente 3 onde certos poetas do meu Indico País assumiram um certo protagonismo vazio na sua chegada a Luanda, preocupante ver e ouvir de terceiros que os nossos mais velhos em vez de ter-nos como verdadeiros herois, seguidores, têm-nos como adversários, recorrendo a difamação, e outras atitudes pouco dignas para a imagem de uma nação. Mas este assunto fica para outro fórum. Na bienal do Brasil que foi um sucesso absoluto, onde escritores africanos foram a figura de cartaz, estes, descortinaram certos estereótipos instituídos pelas Academias Brasileiras e Portuguesas, e deixaram a nu verdades que há muito andam escondidas, onde o escritor angolano Ondjaki levantou uma questão muito importante sobre o paradigma CPLP (Lusofonia), dizendo: "Não sei o que é lusofonia. Para ir a qualquer outro destes países eu preciso de visto. Por que um senegalês é francófono e um francês não é senagalófono? No meu caso, ou sou angolano ou sou cidadão do mundo", "Eu pertenço a um espaço que não obedece a vistos, a conceitos políticos, a reuniões de ministros, que é a comunidade de língua portuguesa, um espaço de amizade, de preferência com letras minúsculas." Por seu turno a nossa mãe Paulina Chiziane mostrou aos convidados a visão do outro sobre o Brasil : ―Nas telenovelas, que são as responsáveis por definir a imagem que temos do Brasil, só vemos negros como carregadores ou como empregados domésticos. No topo [da representação social] estão os brancos. Esta é a imagem que o Brasil está vendendo ao mundo". Boa Leitura amossinho@hotmail.com


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Destaque Com o curso ministrado pelo CCBM

Mais moçambicanos aliam-se à literatura brasileira

Redacção

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o sétimo curso de Literatura Brasileira que decorre desde o dia 23 de Abril no Centro Cultural Brasil – Moçambique em Maputo, verifica-se a maior participação de todas as edições. Cerca de 200 participantes chegam a sufocar a capacidade da sala do CCBM, procurando seguir as linhas que norteiam a literatura brasileira, com as aulas ministradas por reconhecidos docentes de literatura das universidades Pedagógica e Eduardo Mondlane. Esperava-se que fizesse parte dos palestrantes, o Prof. doutor Eduardo Assis Duarte especialista da obra de Jorge Amado da Universidade de Minas Gerais do Brasil, no entanto, não foi possível a sua presença. Alias, o VII Custo de Literatura Brasileira, é dedicado ao centésimo aniversário de Jorge Amado, que se assinala neste ano e que é comemorado no Brasil e em todo mundo. Os participantes do curso, entusiasmados com a nova aprendizagem que adquirem em cada aula, são estudantes universitários das diversas árias e alunos de escolas secundárias das cidades de Maputo e Matola. Em conversa com a nossa reportagem, não esconderam a sua satisfação pela oportunidade de ligarem-se ao mundo literário através deste curso e disseram estar a adquirir novos conhecimentos e acima de tudo “estamos a ganhar consciência que a leitura é importante. Os escritores que são falados durante as aulas, alguns conhecemos pelos nomes, mas nunca lemos as suas obras,

mas enquanto os professores falam nos anotamos a bibliografia porque queremos depois ir ao encontro das suas obras” referem. O VII Curso de Literatura Brasileira, termina no próximo dia 3 de Maio, serão entregues certificados aos participantes e uma brochura com um texto da Prof. Doutora Rita Chaves intitulado “Jorge Amado e os Escritores Africanos de Língua Portuguesa”.


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Víctor Sosa-Mexico

Breton e o Surrealismo Victor Sosa - México Tradução de Maria da Paz Ribeiro Dantas

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ão resta dúvida de que, se existiu um certo “Grau zero” na história da arte moderna, isto é, um ponto de estupor em que a linguagem perdeu seus atributos operativos e de significação e acabou por dissolver-se no inarticulado, esse ponto foi Dadá. O dadaismo desmantelou a linguagem lógico-discursiva, mas também a linguagem poética e todos os testamentos e cânones das chamadas Belas Artes. Foi o primeiro movimento dos artistas contra a arte, não mais contra uma escola ou estilo anterior, como vimos ao longo da história, e sim contra o próprio conceito de arte e contra o sistema de valores que lhe dava suporte. O que Dadá fez foi por necessidade: alguém tinha que denunciar a mistificação e mercantilização do produto artístico – produto de um processo de criação que estava associado, conforme o ideal kantiano e romântico, ao sublime, ao espiritual, ao que há de mais sagrado na existência humana; a arte era sinónimo de belo e o belo –para Platão era sinónimo de bom. Os dadaistas são artistas que gritam ao público que a arte não vale nada e que nada tem de sagrado; são atores que, em pleno clímax da tragédia, tiram as máscaras e assinalam a falsidade da representação e a cumplicidade do público com a dita farsa (não esqueçamos que a outra farsa – muito mais letal que a da arte tinha lugar nas trincheiras e na carnificina humana promovida pelos nacionalismos que deram espaço à Primeira Guerra Mundial). O preço da verdade é sempre elevado, e nesse caso significava ficarmos sem palavras, emudecer ou recuperar o uivo, o grito, a expressão inarticulada de nossos ancestrais, os primatas. Dadá, nesse sentido, foi uma regressão necessária; uma grave paródia da crise espiritual de uma época e de uma civilização, realizada pelas mentes mais lúcidas; foi no fundo- um rugido carregado de esperança. A esperança de resgatar a palavra -a Linguagem-, das mãos dos filibusteiros, dos demagogos, dos jornalistas sem escrúpulos, dos políticos oportunistas, dos filólogos -como o dr. Goebbels que tão bem sabia utilizá-la para hipnotizar as massas no período nacional-socialista-, recaía, outra vez, nos poetas. André Breton – que participou das últimas labaredas dadaistas- se encarregaria de nos restituir a palavra e, com ela, o sentido. Mas, cuidado: Não será o irresistível e verosímil sentido comum da palavra operativa, da palavra a serviço de uma transacção comercial qualquer; será a intenção de recarregar essa palavra com todos os sentidos possíveis (“literalmente e em todos os sentidos”, como diria Rimbaud) e com o valor do sublime que os românticos haviam introduzido na linguagem poética. Para Breton, o sublime passava pelo inconsciente, pelas capas profundas e soterradas dos sonhos, dos instintos, do “princípio do prazer” e de tudo aquilo que escapara às normas e censuras da razão. Não obstante, é vário o seu parentesco com Dadá: o descaso pela razão ilustrada e pelo progresso tecnocrático, o permanente espírito de rebelião e, sobretudo, a profunda desconfiança em relação à arte institucionalizada. Varias coisas, por outro lado, o separam de Dadá: a vitalidade construtiva e edificante, o respeito e reivindicação de certas figuras artísticas e literárias do passado –como Dante, Shakespeare, Sade, Baudelaire, Swift, Poe, Mallarmé e, quiçá, Lautréamont e Rimbaud- bem como o resgate e recomposição da palavra poética. De fato, Breton arranca da fogueira dadaista a Fénix da Linguagem e insufla-lhe o sopro de que necessita para empreender novamente o seu vôo. Em 1924 aparece o Manifiesto do Surrealismo. Breton define o termo da seguinte maneira: “Surrealismo: automatismo psíquico puro mediante o qual nos propomos expressar, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral”. E acrescenta: “O surrealismo baseia-se na crença na realidade superior de certas formas de associação deixadas de lado antes dele. Na omnipotência do sonho, no jogo desinteressado do pensamento. Tende a rechaçar, de uma vez por todas, os demais mecanismos psíquicos e a substituí-los na solução dos principais problemas da vida”. Nos dois parágrafos citados não encontramos nenhuma referência à arte. É compreensível: Breton vive o síntoma de sua época, a vergonha de saber-se artista (escritor e poeta, em seu caso), imerso em um momento histórico –pós-dadaísta- no qual já se havia denunciado a mistificação e se tinha dançado sobre o cadáver mumificado da beleza. Não se tratava de inventar um novo impressionismo ou uma nova escola poética, mas de resolver “os principais problemas da vida”. A arte, não só como filosofia, mas como praxis transformadora, como agente de mudança – psíquica e histórica do ser humano. Este é o ponto de partida do Surrealismo. Breton, com sua magnética personalidade, aglutina alguns espíritos afins: Aragon, Crevel, Desnos, Éluard, Soupault, entre outros poetas, que compõem o primeiro regimento do avanço surrealista. O conhecimento das teorias freudianas e da técnica de associação livre, aliadas a um interesse e participação do grupo em algumas acções de espiritismo, daria lugar à chamada escritura automática. Uma escritura não limitada pelas prisões reflexivas e pelos disfarces do estilo: “um monólogo de jorro tão rápido quanto possível, sobre o qual o espírito crítico do sujeito não exerça nenhum juízo, que não se embarace, por conseguinte, com nenhuma reticência, e que se assemelhe, tanto quanto possível, ao pensamento falado”. .

É incerto que exista uma escritura totalmente automática –salvo no caso de sujeitos que escreviam em estado de transe, como acontecia com Densos, mas o importante deste aporte – insisto- é o de haver devolvido o poder à Linguagem, haver dilatado as possibilidades do dizer, que também são as possibilidades do desejo. O Surrealismo foi uma magnífica estratégia do desejo. E o desejo é a perseguição de algo impossível; o desejo está cifrado em seu próprio fracasso. Não há objecto real nem objectivo alcançável: “A existência está em outra parte”. Não obstante, fizeram poesia, pintaram quadros, filmes, porém foram poesias, quadros e filmes que pouco tinham a ver com as normas aceitas nos referidos gêneros. Breton explorou as possibilidades da analogia poética, baseando-se, para isso, na frase de Pierre Reverdy: “A imagem é uma criação pura do espírito. Não pode nascer de uma comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos distantes. Quanto mais distantes e exactas sejam as relações das duas realidades aproximadas, mais forte será a imagem, mais poder emotivo e realidade poética terá...”. As imagens surrealistas se nutrem desses insólitos encontros, densos elásticos vínculos entre objectos semelhantes e entre situações logicamente insustentáveis. Em um de seus mais belos poemas –chamado “União livre”-, Breton diz: “Minha mulher de cabeleira de fogo de madeira/ Minha mulher de língua de hóstia apunhalada/ De sobrancelhas de beira de ninho de andorinha/ Minha mulher de ombros de champanhe/ Minha mulher de dorso de pássaro que foge vertical/ Minha mulher de nádegas de dorso de cisne/ Minha mulher de sexo de jazida de ouro e de ornitorrinco...”. O desejo, isto é, o impossível, se encarna na Mulher e esta é o agente da concatenação analógica, dos laços insólitos trançados no território da Linguagem. Também a técnica do “cadáver esquisito” explora as possibilidades do insólito: poema -jogo colectivo que vai se escrevendo em uma folha dobrada, sem conhecer o verso anterior nem o subsequente; o resultado, sujeito às irredutíveis perplexidades da sorte, pode ser desde simplesmente interessante até seriamente assombroso. Outro ponto a assinalar, então: o Surrealismo participa de um lúdico espírito de grupo, é comunitário, plural e multidisciplinar. Desde as antecipadoras sessões mediúnicas até as exaltadas declarações políticas e os libelos excomungantes, Breton cuidou desse espírito de corpo que dava identidade ao surrealismo, sem nunca abandonar a férrea liderança que o caracterizou e que também lhe proporcionou inúmeros inimigos. De outra maneira não podería ter-se sustentado tanto tempo um movimento – afinal de contas artísticos composto por tão diferentes figuras. É preciso reconhecer que a intolerância e os dogmas de Breton foram mais políticos do que poéticos; o Surrealismo não é um estilo pictórico ou poético definido, percebem-se mais as diferenças do que as semelhanças em artistas como Max Ernst e Magritte, Miró e Matta, Duchamp e Dalí, o em poetas como Artaud e Éluard, Peret e Desnos. Não havia uma rígida norma estilística e isto os salvou -ao menos por um tempo da ossificação e de cair numa nova academia. Havia, sobretudo, um tácito compromisso espiritual e moral contra um estado de coisas, porque Breton foi -como Voltaire- um moralista: “Dizemos –nos diz o poeta- que a operação surrealista não tem nenhuma oportunidade de ser acatada, a menos que se efectue em condições de assepsia moral das quais, todavia, muito poucos estão dispostos a ouvir falar.” Contradição enorme em alguém que havia postulado a primazia do inconsciente e a ausência de “toda preocupação estética o moral”. Contradições que queriam ser, todavia, conjunções; abolição da dicotomia entre política e poética, entre o dentro e fora, entre a vigília e o sonho, entre a transformação revolucionária e a transfiguração onírica; em suma, entre o “mudar a vida”, de Rimbaud e o “Transformar o mundo”, de Marx e que, para Breton, convergiam na equação de um mesmo e único desejo. Em 1927 Breton adere ao partido comunista. Com ele, alguns de seus mais próximos colaboradores: Aragon, Éluard, Péret, Unik; No entanto outros, como Artaud, Soupault y Vitrac rejeitam esta sujeição do Surrealismo a um partido político –e a um partido que nunca ocultou sua hostilidade às subjectivas experimentações poéticas do grupo. É importante considerar que a primeira revista do movimento chamada A revolução surrealista, mudou seu nome para O surrealismo a serviço da revolução, embora nunca tenha sido uma servidão total. Na verdade, a arte e as preocupações espirituais dos surrealistas jamais coincidiram com a propaganda política. Os comunistas, impermeáveis ás paixões e preocupações surrealistas, não deixavam de vê-los como os convidados de pedra da revolução, e encará-los sob a lupa da suspeita, já que todo intelectual é, potencialmente, um “inimigo do povo”. Mesmo assim, essas passageiras núpcias entre política e poética não eram novas; recordemos os vínculos de Marinetti com o fascismo e também o compromisso dos construtivistas russos –e do Maiakovski futurista- com a nascente revolução bolchevique.


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Continuação

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Todas as vanguardas do Século XX viveram –ou melhor, encarnaram - a herança hegeliana de fundir arte e vida, de acabar com a sacralidade incrustada no território da arte e com sua concomitante mitificação do estético. Se a arte, para Hegel, já era “coisa do passado” (bem entendido: a arte “bela” e clássica), é compreensível que, para um homem como Breton –conhecedor do pensamento hegeliano-, a única maneira de justificar o exercício poético e a função do artista, era amplificando, expandindo e fundindo a função com a “acção eficaz no seio da história” (Blanchot), ou seja, com o compromisso político. Na década de vinte a esperança socialista, todavia, não se afogara no terrorismo de Estado e esse fantasma comovia as consciências mais lúcidas da Europa. Breton adere ao partido comunista para carregar a poesia com a eficácia da acção política e para fazer desta última uma experiência poética no seio da história. Não esqueçamos: o Surrealismo integrava uma proposta total de transformação do homem: “Não me cansarei de contrapor à imperiosa necessidade actual -nos diz Breton em os Os vasos comunicantes-, que é a de mudar as bases sociais sobremaneira vacilantes e corroídas do velho mundo, essa outra necessidade não menos imperiosa que é a de não ver na Revolução vindoura um fim, que com toda evidência seria ao mesmo tempo o da História. O fim não poderia ser para mim senão o conhecimento do destino eterno do homem em geral, que só a Revolução poderá devolver plenamente a esse destino”. O surrealismo é um humanismo –no sentido mais benevolente do termo-; não uma doutrina nem uma ideologia. Breton, já desde estas declarações antecipadoras, mostra-se congruente com a idéia de “revolução permanente”, desenvolvida por Trotski. Além disso, coloca –antes de tudo- a noção de liberdade. Já o havia dito em 1924: “A palavra liberdade é tudo o que ainda me comove.” –e nunca trairá esse sentimento. Ao contrário, será dos primeiros a denunciar a traição da liberdade perpetrada pelos “comissários do povo” e pelos patéticos processos de Moscou ocorridos em 1936. Não obstante, o distanciamento em relação à União Soviética –já estalinista- não o afasta do compromisso político de esquerda, mas leva-o a mudar de orientação e de trincheira. Breton e os surrealistas apoiam a República Espanhola e, especialmente, os grupos trotskistas (POUM) e anarquistas (CNT y FAI) de Catalunha, que lutam por igual contra os fascistas e os comunistas em plena Guerra Civil. Espanha é uma nova esperança de comunhão entre poesia e política -talvez a última esperança.

Em 1938, Breton e Trotski –este último já no exílio mexicano- redigem o manifesto Por uma arte revolucionária independente (assinado, por motivos compreensíveis, por Breton e Diego Rivera). Ali se enfatiza a total liberdade da arte e a não sujeição a qualquer meta ideológica ou política. Contestação directa e valente ao “realismo socialista” -esse neoacademicismo reaccionário que Stalin vinha impondo como única linha a ser seguida na arte soviética. O referido manifesto finaliza nos seguintes termos: “A independência da arte – para a revolução, a revolução – para a liberação definitiva da arte”. Novamente, a difícil confluência de poesia e política, de arte e revolução, se impunha como vontade em Breton, como utopia, porém se opunha à crua realidade histórica. Essa realidade, com a chegada do Nazismo e da Segunda Guerra Mundial, lança por terra qualquer esperança redentora e unificadora. Como escrever poesia depois de Auschwitz?, se perguntava Adorno; Breton poderia ter dito: mas, como não escrevê-la, se a poesia continua sendo uma das poucas ferramentas de combate ao aviltamento e à barbárie? Omnipotência da poesía. A poesia (o resto é literatura, como disse Verlaine) constituía para Breton não mais uma manifestação artística no concerto das belas artes, não um artifício de virtuosos. Ao contrário, era a linguagem do inexprimível, que o homem devia conquistar, era essa busca de “uma Língua” anunciada pelo menino poeta Rimbaud e era uma “actividade do espírito” (Tzara) –mais do que um meio de expressão destinada a revelar-nos a fonte do conhecimento. Poesia, portanto, como epistemologia, mas também como aventura, já que a liberdade só pode ser exercida no terreno do desconhecido, do ainda virgem, da inocência primordial. Havia que preservar essa liberdade em estado puro. Já no Segundo manifesto do surrealismo (1930) Breton intuía o inevitável: a comercialização do Surrealismo pelos incipientes mecanismos do consumo. Ali pede “a ocultação profunda e verdadeira do Surrealismo”, uma espécie de sociedade secreta, iniciática, livre de germes e de arrivistas –ou de académicos comerciantes como Salvador Dalí. Não foi possível.

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O Surrealismo já havia passado por sua etapa heróica, de guerrilha cultural, de terrorismo artístico e desestabilizador, e começava –sobretudo a partir do pósguerra- a transformar-se em uma “escola”, em um estilo, em suma, em uma estética cool, aceita pelas classes médias ilustradas. Desactivavam-se os mecanismos da convulsão (recordemos a sentença bretoniana: “A beleza será convulsiva ou não será”) porque já nos venturosos anos cinquenta –a guerra da Coreia estava suficientemente distante para não tirar o sonho aos europeus-, não havia convulsão possível, mas espectáculo. Hollywood era para todos sinônimo de democracia. Estados Unidos ensinava ao mundo como ser feliz, como sorrir assepticamente. Embora houvesse alguns que não sorriam: na Argélia acontecia uma guerra de libertação à qual poucos franceses e europeus davam atenção. Breton foi um desses poucos que denunciou o colonialismo francês e apoiou o movimento de libertação argelino. O Surrealismo, por sorte, não estava só nos museus e nas vitrines da 5ª Avenida, estaria também no espírito de revolta ressurgido nos anos sessenta. Em 1966 morre André Breton devido a uma convulsão asmática. Dois anos mais tarde, Paris viraria uma festa convulsiva. O movimento estudantil de maio de ´68 – que tencionava “transformar o mundo” e “mudar a vida” – dir-se-ia encarnar o espírito surrealista. Os graffitis que apregoavam a imaginação no poder e exaltavam o desejo acima do dever, bem como o paradigmático “proibido proibir”, escrito nos muros da Sorbone, agradaram a Breton. Rimbaud, Lewis Carroll, Fourier, Jarry e o espírito Dadá também estavam presentes nas barricadas. Outra vez –quem sabe como a última tentativa de impossível no Século XX - política e poética, arte e revolução, transformação espiritual e acção histórica confluíram. A vida e a arte não podiam distinguir-se. Confluência obviamente efémera. O desejo nunca pode ser realizado além de sua própria tentativa. O Surrealismo foi - e talvez ainda o seja - uma comunhão de intenção, ou uma intenção de desejo durando incessantemente. Ensaio do livro Rostos & Rastos do Siglo XX, proximo a ser publicado pela editora Lumme. Bibliografia

Bibliografia Victor Sosa nasceu no Uruguai em 1956 ,é poeta, ensaísta, teórico de arte e literatura,pinto e traductor de lingua portuguesa.desde 1983 vive no Mexico e 1998 adquiriu a nacionalida mexicana. publicou Sunyata(1992,Poesia ,editorial Praxis),Gerundio (1996,Poesia),O Oriente na Poetica de Octavio Paz(2000,Ensaios),e outros ,no Brasil tem obras publicadas pela chancela da Editora Lumme( A antologia Sunyata & Outros Poemas-2006-edição bilingüe, O Principio da Eternidade-Teatro-2009,Rostos e Rastos do Seculo XXEnsaios-2011,e outros), esta incluido na Antologia Jardim dos Camaleõs,a poesia neobarroca da America Latina(2004, iluminuras) editada pelo poeta brasileiro Claudio Daniel. colabora regularmente com a revista Vuelta en la decada 90,Milenio y Reforma,entre outros periodicos do Mexico. recebeu o Premio Nacional Luis Cardozo y Aragon para Critica de Arte(1998),o Premio Nacional de Poesia Pancho Ncar(2000),Mencao Honrosa do Ministerio da Cultura de Uruguai ,pelo seu livro os Animais Furiosos. Actualmente é Professor de Literatura e Arte na Casa de Refugio Citlaltépetl


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Cartas

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A arte como a causa primeira da humildade (A humildade é o sólido fundamento de todas as virtudes. [Confúcio])

FICHA TÉCNICA

Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa Direcção e Redacção Centro Cultural Brasil - Mocambique

Av. 25 de Setembro, N°1728, C. Postal: 1167, Maputo Tel: +258 82 27 17 645 / +258 84 07 46 603 Fax: +258 21 02 05 84 E-mail: kuphaluxa@sapo.mz Blogue: literatas.blogs.sapo.mz

DIRECTOR GERAL Nelson Lineu (nelsonlineu@gmail.com) Cel: +258 82 27 61 184 DIRECTOR COMERCIAL Japone Arijuane (jarijuane@gmail.com) Cel: +258 82 35 63 201 EDITOR Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com) Cel: +258 82 27 17 645 CHEFE DA REDACÇÃO Amosse Mucavele (amosse1987@yahoo.com.br) Cel: +258 82 57 03 750

Japone Arijuane-Maputo

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alvez tudo seja dito e redito em relação a arte e O mundo literário, no qual tenho fortes ligações, isto a humildade nela, nela e daqueles que a prova-se diariamente. O escritor que, no ponto de vista fazem? Talvez isto tenha merecido qualquer literário transcende, é automaticamente humilde e atenção no mundo a fora. Pouco sei sobre quem e o aprende com todos, isto leva-me a afirmar categoricaque por ai se faz e se fez, aliás, modéstia parte, sem mente que os não-escritores mas com livros editados querer ser humilde de mais, que na minha opinião é são os arrogantes, aprendem sozinhos, e usam a literapior forma de se comportar, como diz o velho ditado: tura para atingir fins individuais, fins alheios à própria “quando a oferta é de mais o pobre desconfia”, e ain- arte. Pois estes como indivíduos são ridículos, vivem o da frisou G. Bernaque não são; nos, que “ser humilde como citadinos não significa de modo amorfos, pois, algum procurar huminão têm opinião, lhações”. Por curtíssie por último mo tempo que envercomo artistas guei neste mar do não existem; belo; concretamente não são e nunca na literatura, o mar serão, vivem em por onde desagua o constante falta saber; pude notar, do ser, uma falta frequentemente, que caraça. Como a humildade dos nos ensina o escritores é propormestre Sócrates cionalmente à qualique a maneira dade destes. São, no mais fácil e mais que me parecem, os segura de viverbons escritores, os mos horndamais humildes que mente consiste outros achados artisem sermos, na tas. A humildade é, Escritor Ungulane Ba ka Cossa com escritores membros do Kuphaluxa. realidade, o que para mim nessa parecemos ser; ordem de ideias, um barómetro de qualidade artística, o artista é e deve ser, nunca pode querer ser, os que os artistas propriamente dito, são aqueles cientes de querem ser tornam-se os arrogantes, arrogância é, simque todos os homens são superiores uma a outro, em plesmente, um equívoco, um insulto à arte. Disse muito algum aspecto, e que qualquer um pode ensinar algo bem, Helem kaller, que “A vida é breve e a arte é lona outrem, independentemente do nível de escolarida- ga”, acrescento, é eterna. E arrebato com o saber Árade, aliás, como diz o provérbio Judaico, Só é sábio be: As mãos perecem, não as obras. Felizes vois, bons e humildes escritores. Mais não disse! quem aprende com todos os homens.

REPRESENTANTES PROVINCIAIS Dany Wambire—Sofala Lino Sousa Mucuruza—Niassa COLABORADORES FIXOS Pedro Do Bois (Saranta Catarina-Brasil) , Victor Eustáquio (Lisboa — Portugal), Mauro Brito,. COLABORAM NESTA EDIÇÃO Afonso Almeida Brandão - Autrália Vivaldo Terres - Brasil Lurdes Breda Óscar Rosário Jorge Daniel - Lichinga Yao Feng COLUNISTA Marcelo Soriano (Brasil) FOTOGRAFIA Arquivo — Kuphaluxa PARCEIROS Centro Cultural Brasil—Mocambique Portal Cronopios www.cronopios.com.br Revista Blecaute Revista Culturas & Afectos Lusofonos culturaseafectoslusofonos.blogspot.com

Comentário sobre o editorial da edição 26 O

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Desejo que esteja bem. Sou a Eva Trindade apresentadora de TV, com o Programa NÓS MULHERES, na TVM, sexta-feira, 18:30h, mas adoro ler. E um dos vossos colegas pediu-me o meu endereço electrónico e desde lá que me envia o LITERATAS e estou grata por isso, vocês fazem um trab a l h o f a n t á s t i c o . Há semanas atrás, durante as compras no Mercado Central, encontrei um escritor angolano que lançou o seu livro no Centro dos Estudos Brasileiros, conversamos casualmente, depois de nos apresentarmos, então mencionei que sabia quem era, que lera no LITERATAS sobre o lançamento do livro dele, ficou surpreso pelo facto de ter lido um Jornal electrónico, tendo mencionado."Os rapazes são bons", refer i n d o - s e a v o c ê s .

Mas, escrevo-te porque adorei o Editorial desta edição...eu própria já mencionei a famosa frase..."os jovens não lêem" e algumas vezes questionei o porque?! E acho que aqueles que deveriam cultivar esse belíssimo hábito nos jovens, não estão a faze-lo, por exemplo acho que os professores deveriam incentivar a leitura de livros relacionados com as matérias, livros de escritores moçambicanos deveriam ser incentivados nas aulas de português...eu como mãe, acho que tenho a responsabilidade de cultivar esse habito nos meus filhos, a Paloma, de 16 já tem esse hábito, não passa por um livro sem tocar nele, o Hadel, de 8 esta no processo... portanto, nós pais também temos algo a fazer, vocês já estão a fazer a v o s s a p a r t e . Então, deixo o desejo de sucesso a ti e ao LITERATAS e um abraço


SEXTA-FEIRA, 27 DE ABRIL DE 2012

Poesia QUARTO José Luís Peixoto - Portugal

Os posters, colados com fita-cola, arderam nas paredes. Os ursos de peluche fecharam os braços e, por quase nada, arderam sobre a cama. Os cartões de estudante antigos, os postais de férias e os três poemas passados a limpo arderam dentro da gaveta da misinha-decabeceira. Fiz dezasseia anos, chegou o verão e os bombeiros não tiveram meios

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LITERATAS

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O corpo desdobrado Donizete Galvão - Brasil Em salmoura Lopito Feifoó-Angola

Na salga deixado teu corpo des liza des nudo enquanto mudo espreita o rapazinho abensonhado também perfilado à beira do quase sempre rente rentinho mesmo do mago ventre.

A ROSA DO NOSSO TEMPO

O corpo do homem velho e feio esconde um outro corpo imaturo dividido entre a aceitação da derrota e ateia dos desejos que ainda o enredam. O Homem velho e feio é duplamente culpado por ter gasto, sem si dar conta, sua cota de juventude e invejar agora o corpo alheio.

MUDANÇA DOS TEMPOS

Pai golo

no centro do mundo Cirurgiões Centauros sentados espreitam o leito da pobre Rosa adormecida e com muito botox costuram o frankenstein que é a imagem mais conhecida de seu coma e perfil no facebook a Rosa do nosso povo é um ovo retorcido e choco na incubadora elétrica de nanã buruku está permanentemente conectada aparentemente como as outras aparentemente ela está morta mas poderá se abrir numa titânica flor-de-lótus acima de todo Nojo e Ódio e reconfigurar o Tédio do sistema solar no distraído apertar de um botão

salgada para fazer um poema de escamas e dar à Kianda da minha poesia pés de peixe e algo do que balouça na água clara quando o peixe nada. A palavra veio num escapulido macio e mergulhou no azul de suas entranhas. Nadou ferindo as marolas, e eu, de anzol nos beiços, me atirei no seu canto empolado já enredada nas notas finas. Muito mergulhei e, no que me vi, virei eu mesma uma sereia-kianda de pés

Vivo agora nos naufrágios mergulhada onde as palavras tem olhos e guelras, e respiram se abrindo para a água que

manda ser tudo

nelas se encharca.

canta sermão a manda e o silên-

seu rosto cobre as manchetes e contorna o olhar desajeitado da mais nova adolescente que chora o sangue esparramado pelas pernas, em pleno intervalo, no centro do pátio

Iemanjá me atirou uma palavra de pele

inventor do nada

a Rosa do nosso tempo é aparentemente bela como as outras

a Rosa do nosso tempo é aparentemente triste e sua tristeza é motivo de vendas e suicídios

Lívia Natália-BRASIL

Japone Arijuane - Maputo

hora certa só pelo canto

seu código-de-barras exala a mesma poeira gélida dos séculos em que fora formatada sob o expectante assombro das abelhas de pedra

Estudo Marinho

encantados.

Wiliam Delarte - Brasil

feita do mais puro plástico chinês, é uma reprodução aparentemente perfeita do sonho de orfeu

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cio

Lá, onde dormem as pedras negras, os sobejos de gente, os pedaços de pente e as conchas partidas,

Pai à mesa, pança semi-mesma

mora a minha palavra com sua cauda

ouvido farto

marinha.

prato de orelhas em puxões harpas e farpas garfos e facas

UM DIA Mauro Brito- Maputo

iguarias ao paladar da mãe kokorikoooo… Despertam lacunas no estômago. Hoje pai severo foi filhos Play boi mulher vaca! Tempo ocupado morreu boi metamorfoseasse vaca o embrião da educação em eutanásia velocidade se aborta.

Vestimos o sol Um dia acudimos a poeira Do machimbombo Papagaios famintos Sentido sem sentido Dum malandro sentinela de sonhos Beira de navios aqui naufragados Negados sons da chuva Da serra da mesa. Nossas exibições Notas de guelras pueris Contam histórias Sonhos dum dia. Pedaços de folhas Atravessam corações mansos


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LITERATAS

Grande Reportagem

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Eduardo Quive

O que seria Bienal

Internacional de Poesia

Escritores moçambicanos únicos estrangeiros no evento

C

ontrariamente ao que se anunciava durante os dias que decorria a Bienal Internacional de Poesia Luanda-2012, que o evento contaria com poetas do Brasil, Portugal, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste, o mesmo só contou com a presença de três poetas moçambicanos, nomeadamente, Luís Cezerilo, Filimone Meigos e Eduardo Quive.

Na Bienal Internacional de Poesia – BIP, que decorreu de 21 de Março a 21 de Abril na cidade de Luanda, em Angola, estiveram em cena a partir do dia 20 de Abril, os poetas moçambicanos Filimone Meigos e Luís Cezerilo, este último, que partilhou, a mesa que discutia o tema “Poesia, que destino?”, com os poetas angolanos David Capelenguela, Kudidjimbe, João Tala e Luís Rosa Lopes. O BIP, entrava assim no seu penúltimo dia de actividade dedicando o dia aos debates e mesas redondas que debateram ideias sobre a poesia feita nos dois países, os únicos que fazem a estória neste evento que se regista pela primeira vez em Angola. Filimone Meigos foi quem inaugurou a sessão com a mesa que discutiu “Memória como repositório do nosso passado, presente e futuro”, cujo principal foco da sua apresentação estava para o cenário que caracteriza

o quotidiano do cidadão que depois se torna poeta, ao escrever, através da inspiração. Para Meigos, a escrita poética, não ignora os factos registados ao longo da vida do cidadão/poeta, o que vem a registar-se na sua escrita “a poesia vive de imagens, isto é, de memórias e recordações, mesmo que inverosímeis. É de senso comum, que a imagem socorre-se de vivências semânticas, praxis, lugares, tempos, saberes, pessoas, cheiros, formas, conteúdos, processos miméticos e outros que tais.” Sendo assim, mesmo concordando que a sua poesia resulta de um processo criativo bastante suado e refém do sociólogo que é, Filimone Meigos, não se preocupa com a possibilidade de não ser compreendido. “Eu escrevo para satisfazer a mim e aos meus”, diz o poeta moçambicano.


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Grande Reportagem Num outro debate, Luís Cezerilo, centrou-se, não fugindo da imagem como o centro da produção poética, na comparação da retrospecção que o espelho oferece, para ilustrar os efeitos da poesia. Nesta mesa em que o tema foi “Poesia, que destino?”, tomaram parte os poetas angolanos, David Capelenguela, Luís Rosa Lopes, Kudidjimbe e João Tala. Esta foi a única mesa que teve maior presença de oradores. Eduardo Quive, por sinal o último a entrar em cena dissertou numa mesa em que também estava João Melo, poeta angolano, sobre os Territórios da Poesia. Neste Mesa de debate com David Capelentema, num verdadeiro deba- guela, Luis Rosa Lopes, Kudidjimbe, Luis te em torno dos passos que Cezerilo e João Tala norteiam a arte poética, con- (de esquerda para direita) vergiram as opiniões que a poesia como arte não tem território, só que, as obras e os poetas tem um território e é importante que se faça bom uso desse espaço. A falta duma interacção contínua entre a literatura moçambicana e angolana, por exemplo, esteve no centro da discussão e a existência de pessoas dentro da arte de escrita que desviam atenções em detrimento dos seus interesses pessoais, principalmente no que tange à elaboração de antologias de poetas e crítica literárias.

Poetas alheios a BIP fizeram o seu sarau a beira-mar

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Eduardo Quive

modo a proporcionar uma convivência entre os poetas angolanos e os moçambicanos, únicos estrangeiros que partiram para Angola com o fim de participar da bienal. Foi um evento em que o amor a palavra, amizades recordadas e começadas, abraços e troca de livros estavam na convergência. Frederico Ningi, David Capelenguela, Décio Bettencourt, Chico Benguela, José Luís Mendonça, fora os poetas angolanos que estavam presentes com suas esposas e filhos. O Carmo Neto, secretário-geral da União dos Escritores Angolanos, fez-se presente pela sua esposa e filhas, uma delas que segue a escrita como a sua arte por eleição. Recital de poesia, sons ao estilo do improviso com instrumentos musicais da África nossa tocados pelos poetas fizeram o ambiente. Aminata, esposa do Lopito, jornalista, actriz e declamadora de alta expressão, ia acompanhando os poetas com paciência e experiência que a acompanham desde tenra idade, que é casada com um poeta eleito mestre pela nova geração. O mar que tropeçava os nossos olhos enquanto vivíamos a poesia, temperada com o molho do Caldo, Muamba e Fungi, eram amigos indispensáveis. A maresia poetisava enquanto os tambores gritavam os eus de cada um dos presentes. Foi uma tarde por levar na eternidade.

Um verdadeiro colapso para um evento que pretendia ser o palco ideal para a festa da poesia de língua portuguesa e principalmente a angolana, foi a ausência dos poetas deste país. David Capelenguela, João Melo, João Tala, Kudidjimbe e Luís Rosa Lopes, foram únicos poetas angolanos a se juntar aos debates da bienal, pelo menos a o que constatamos no terreno. José Luís Mendonça e Roderick Nehone chegaram a assistir alguns debates, mas não passou disso. Entretanto, informações que nos chegaram justificam a não participação massiva dos poetas naquele evento, pelo menos os angolanos, deveu-se a falta de informação sobre a programação e às alterações que eram feitas sem que se actualizasse os poetas. Aliás, o próprio público angolano estava pouco informado sobre o evento, tendo sido por isso, que a sala onde decorriam os debates era apenas composta por poetas a quem lhes chegou a informação. Vários são os poetas que ficaram indignados com os factos ocorridos e por isso, ficaram a leste do evento, alegando, igualmente, a falta de capacidade organizativa dos que estavam a frente do evento. Na tarde do Domingo, o poeta Lopito Feijóo, ofereceu uma tarde Exposição de poesia no CEFOJOR poética na sua residência de


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PRÊMIO BRASÍLIA DE LITERATURA 2011

O passo certo no caminho errado Nelson Lineu - Maputo nelsonlineu@gmail.com

A Farra do livro Decorreu do dia 20 á 22 deste mês a III feira do livro de Maputo, no FEIMA (feira de artesanato, flor e gastronomia de Maputo), mesmo ao lado do parque dos continuadores. Essa palavra “continuadores” fui ouvindo em música nos meus primeiros nos de vida, em mim sempre entoou alto o trecho que os músicos, nesse caso jovens, diziam que eram continuadores da revolução moçambicana. Hoje eu dando primeiros passos na escrita, a palavra veio mesmo a calhar. Mia couto, cronicando perguntou se hoje tínhamos continuadores, de quê, num sentido mais amplo, política e sociedade. Na literatura essa questão também aparece com o mesmo pesar. Com essa quase marginalização da literatura, é fácil justificar, quando quem está em frente das livrarias, editoras e órgãos decisórios do governo são pessoas que não estavam directamente envolvidas com ela. Cai por baixo quando os intervenientes afastavam-se dessas formalidades, o balde de água fria vem ao notar-se que hoje temos protagonistas dentro e a coisa mantém ou piora. Tivemos uma feira de livro pouco divulgado quer dentro da cidade, país e muito menos fora. Eu passo a observação se a organizador não o fez porque a feira não tinha atractivos. Estando num país ou cidade em que o público literário acaba sendo o mesmo, na mesma semana ou dia em que ocorreu a feira da cidade houve outra, só que numa livraria, teve a inauguração do primeiro-ministro e a da cidade do presidente do município. Essa feira seria um momento de interacção entre o escritores, leitores e livros, claro não só nacionais, e se nacionais não só de Maputo. o triângulo que tivemos foi do vendedor, mercadoria ( livro em promoção) e cliente. O que a mim intriga é ter esses eventos patrocinados pelos países que financiam o estado, com eles atrás dessa mediocridade e a verem acontecer, qual é o papel deles quando não vem a acontecer as coisas, quais são os seus interesses? Outra situação é que os doadores (assim como chamamos), estando a financiar o estado, governo ou partido porque para nós fazem-nos crer que não existe diferença, nesse aparente desleixo não acontece o mesmo com as nossas vidas? Essas reflexões fazia, após o final da feira com amigos onde provamos uns copos, as 23 horas transportado por uma chapa, cheguei no bairro. Antes de pisar a rua da casa encontrei três jovens, cumprimentei e eles responderam-me com o apertar do pescoço, tiram-me os sapatos, carteira telemóvel (segurança é o sector que é mais drenado dinheiro no orçamento de estado), abriram a pasta que continha livros e me devolveram com todos juntos, acredito que se eles estivessem um na mão ofereciam-me.

ROMANCE

1º LUGAR: "Diário da queda", Michel Laub (Cia. das Letras) 2º LUGAR: "O Dom Crime", Marcos Lucchesi (Record) CONTOS E CRÔNICAS

1º LUGAR: "Meio Intelectual, Meio de Esquerda", Antônio Prata (34) 2º LUGAR: O Anão e a Ninfeta", Dalton Trevisan (Record) LITERATURA INFANTO E JUVENIL

1º LUGAR: "Sortes de Villamor", Nilma Lacerda (Scipione) 2º LUGAR: "Um Nó na Cabeça", Rosa Amanda Strausz (FTD) REPORTAGEM

1º LUGAR: "Os Últimos Soldados da Guerra Fria", Fernando Morais (Cia. das Letras) 2º LUGAR: "O Cofre do Doutor Rui", Tom Cardoso (Civilização Brasileira) BIOGRAFIA

1º LUGAR: "Fernando Pessoa - Uma quase Autobiografia", José Paulo Cavalcanti Filho (Record) 2º LUGAR: "João Goulart - Uma Biografia", Jorge Ferreira (Civilização Brasileira) POESIA

1º LUGAR: "Sísifo desce a Montanha", Affonso Romano de Sant'anna (Rocco) 2º LUGAR: "O Homem Inacabado", Donizete Galvão (Portal Editora) A premiação, recebeu 1.700 inscrições. Os vencedores serão contemplados com um valor total de R$ 240 mil – o primeiro colocado em cada categoria receberá R$ 30 mil e o segundo, R$ 10 mil. _JÚRI _CONTO / CRÔNICA

Lourenço Cazarré | André Sant'ana | Rogério Menezes Marcelino Freire | Paloma Vidal _POESIA

Antonio Carlos Secchin | Thiago de Mello Nícolas Behr | Sylvia Cyntrão | Diva Cunha _REPORTAGEM

Luiz Fernando Emediato | Dad Squarisi Severino Francisco | Lucio Vaz _BIOGRAFIA

Paulo Cesar Araujo | Toninho Vaz Regina Echeverria | Mozahir Salomão Bruck _ROMANCE

Ana Miranda | Daniel Galera | André Luis Gomes Simão de Miranda | Cintia Moscovich _INFANTIL/JUVENIL

Wilson Pereira | Tatiana Belinky | Stella Maris Peter O'sagae | Cristiane S. Salles


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Feira do Livro na Minerva Central

O ÍDOLO CAÍDO:

Convencionalismo Britânico*

No filme O Ídolo Caído (The Fallen Idol, Grã-Betanha,1948), de Carol Reed (1906-

francês Georges Sadoul, também refratário a experimentalismos e ousadias formais, o

1976), com roteiro do escritor Graham Greene, reúnem-se dois dos mais conhecidos e

melhor filme de Reed “pela atmosfera e as descrições em cor pastel bem conduzidas”,

destacados ficcionistas britânicos (em cinema e romance) das décadas de 1940 a

não obstante, como afirma (até ele!), “sempre acadêmicas”. Opinião com a qual não

1960.

concordam os que defendem – com justiça – a condição de melhor para O Terceiro

Nessa época, o país, conquanto não mais ocupando o lugar proeminente exercido nos

Homem (The Third Man, Grã-Bretanha, 1949), desse mesmo diretor.

séculos anteriores como a primeira nação imperialista da era burguesa, ainda se bafeja

Como hábil e até talentoso profissional que foi Carol Reed, O Ídolo Caído possui suas

dos ecos da anterior relevância, irradiando influência e conquistando adeptos e

virtualidades no âmbito, sempre estreito e meramente de espetáculo, do naturalismo

admiradores, ainda que tardios ou anacrônicos, seduzidos por suas precedentes

mimético de retratação da realidade tal qual se apresenta à vista.

prevalência e glória.

Na espécie, porém, Reed ultrapassa em dois aspectos essas coordenadas limitativas: na

Como sempre acontece com países e regiões que detêm a predominância econômica

articulação do caso amoroso dos protagonistas, o semi-mordomo (Ralph Richardson) e a

e, em decorrência, militar, social e cultural, neste último caso tudo que produzia

datilógrafa da embaixada (Michele Morgan), e na direção do garoto, que centraliza a

salientava-se e despertava interesse.

atenção do filme, conquanto o drama desenrole-se entre o citado casal e a esposa do

Por esse tempo, destacaram–se seus romancistas populares, a exemplo de Somerset

mordomo.

Maugham, o citado Greene, e, no romance policial, Agatha Christie e, no geral, até

O convívio desse trio conturbado é disposto e desenvolvido com elegância e tão grande

mesmo ficcionista da periferia do Império, o australiano Morris West.

discrição que só tardiamente se sabe das ligações da áspera e enérgica governanta da

No caso daqueles, o prestígio derivado dessa importância era tão acentuado que esses

embaixada e do teor do relacionamento entre os demais protagonistas, porque tanto

escritores eram até considerados de valor e recepcionados como tal, embora não

umas quanto outro são ditos ou informados, já que inexistente qualquer manifestação

passassem, como não passam, de hábeis contadores de estórias destituídas de

cênica indicativa.

profundidade e carentes de inventividade formal, destinadas a mero entretenimento,

A posição, direção e desempenho interpretativo do menino (provavelmente Bobby

mesmo que acima do nível geral dos espetáculos que se ofereciam ao desfrute

Henney) são tão excelentes, que dificilmente ocorrem no cinema em tão alto grau e tão

popular.

elevada pertinência.

A elegância e universalidade britânica revestem suas obras, outorgando-lhes certa aura

A naturalidade e propriedade de sua condição e performance atingem a perfeição, não

intelectual que satisfazia – e possivelmente ainda satisfaz – os menos exigentes, e por

obstante sempre dentro dos limites da cópia da realidade, onde até mesmo nela

isso mesmo, mais pretensiosos.

dificilmente ocorra tão autêntica e convincentemente.

É o caso, também, da quase totalidade da filmografia do país, como a de Carol Reed,

A sequência, no final, em que tenta e insiste ser ouvido pelos adultos que o rodeiam,

apenas competente artesão, que corresponde em cinema ao que os citados escritores

excede, nesses predicados, a própria realidade. E impressiona.

representam no romance, burilado por consistente tradição cultural que remonta, a nível universal de primeiro plano, à dramaturgia de um Shakespeare.

(do livro O Filme Dramático Europeu, editado pelo Instituto Triangulino de Cultura em 2010-www.institutotriangulino.wordpress.com)

Reed porém, como quase todos – ou todos? – os ficcionistas britânicos de sua geração, quando o antigo império desde o início do século XX vinha em decadência, é conservador no ideário e acadêmico e convencional na execução. O Ídolo Caído chega a ser considerado pelo historiador e crítico cinematográfico

__________________________________ *Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba/Uberaba,

editou a revista internacional de poesia Dimensão, sendo autor de livros de literatura, cinema e história regional. (Publicação autorizada pelo autor)


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Personagem

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Amosse Mucavele-MOÇAMBIQUE ARQUITECTO É como se o futuro fosse a profissão dos sonhos É como se a régua que traça a génese da cidade. fosse a meretriz que se vende na esquina Na Mesma Esquina onde o profissional sonhador ergue o mastro dos seus prazeres, onde espora os seus sentimentos na vagem de uma flor adormecida pelo vermelho aroma ( a língua lambe, lambe a primavera do novo oeste)……um beijo no caule da planta que cobre o passado, ….Um abraço quente à altura de um aranha céu namora o presente. Onde as margens traçadas na folha em branco tornam-se reais, os números, as larguras ganham outros contornos todavia aquilo que era futuro ficou reduzido a um presente seja de natal ou de aniversário. Quando o profissional faz a entrega das chaves ao homem. O sonho também abre o seu horizonte.assim aprendi a escutar o orgasmo da minha criatividade (este poder de tornar algo intangível em residência do ser humano) e descobri que para me masturbar não preciso ir longe, basta ter as chaves dos compartimentos da consciência e dentro das suas quatro paredes encotrar-me-ei com o sonho .

MARTELAMENTO DO RIO

Rio do silêncio das ondas do rio. Onde suas águas guardadas em gavetas aguardam pela hora do discurso. O rio chora pelo silencioso curso da sua voz em movimento rectilíneo. Escrito com a tinta selvagem e o dolorido trilho em paralelo tracejado em pleno ziguezaguear das suas assombrosas margens

LEMBRANÇA Ao

Aberta a boca para o discurso: a voz do rio seca torna-se num eterno guardador de silêncios.

Rui Knopfil

Havia uma pétala vermelha que crescia no fumo de um cigarro. onde um homem puxava incansavelmente na esperança de querer vencer o medo que se instalava na porta dos seus devaneios E Dentro da casa onde os sonhos eram Guardiões . Havia uma pedra encostada a janela onde sussurrava nos ouvidos de Inhambane (quando lembra-se de alguém de olhos abertos deve-se sonhar de boca fechada). Mas Ninguém deu ouvidos ao sussurro da pedra. Encostado a inocência da pedra um sujeito levantou a mão no meio da multidão que pescava predicados e outros silêncios na sala da casa. ( Eu quero aprender a doutrina das cores que se manifestam nas pedras). A pincel a saudade relampeja no arquipélago da insónia do meu poema (quando durmo sinto a sensação de acordar no terceiro dia ,e quando morro passa-me pela cabeça a ideia de acordar no anoitecer das manhãs) Na corda da lembrança há um mar que desagua os incensos das suas ilhas , há uma cegueira que se assiste o suicido do arquipélago na insónia dos mangais. Há uma L A G R I M A que cai. nos solavancos das ondas que ondulam na sepultura onde jaz a flor murcha de abandono.

Um homem, Uma canoa , 2 linhas paralelas O verso do olfacto do crocodilo descreve o perfil da presa No Silencioso trilho do rio Uma cova A mesma cova ardia em plena hora do discurso vazio No meio do rio uma pá continua a uma velocidade da luz com o seu curso vertical. O redemoinho pesca a água de uma forma circular…

Amosse Mucavele nasceu em Maputo aos 8 de Julho de 1987, vive em Maputo. É membro fundador do Movimento Literário Kuphaluxa, onde coordena a equipe editorial da revista literatas; é colaborador do Pavilhão Literário singrando horizontes - Academia de Letras de Paraná, colunista do jornal Coruja SP e outros blogs e jornais, Membro Correspondente da Academia de Letras Teófilo Otoni – MG, e Técnico Agro-pecuário na reserva.


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Ensaio

Mafonematográfico Também Círculo Abstracto ou a Evasão do eu Desassossegado na poesia neoconcreta de Sangare Okapi

Uma (re)flexão a três (gl)osas “…Porque a única coisa que a poesia faz é comover. A poesia não cura dor de dente, não resolve problema econômico, não desintegra o átomo, não serve para nada. A única coisa que ela faz é comover….É uma mentira que nos comove… O homem não faz poesia para sair da vida, ele faz poesia para ter coragem de viver…..” Ferreira Gullar.

Mbate Pedro* - Maputo

S

angare Okapi, a quem foi atribuído a menção honrosa do prémio José Craveirinha 2008, é, em minha opinião, uma das vozes incontornáveis da poesia publicada em Moçambique a partir do século XXI. A sua poesia tem condimentos da boa arte, que como lembra Jorge Luis Borges, renova-se por si e não se deixa enclausurar pelas teias da língua (1). Esta parafernália toda, meus caros, vem a propósito do mais recente livro do poeta, “ Mafonematográfico Também Círculo Abstracto”, vindo a lume em Março deste ano e milagrosamente caiu-me às mãos graças à alma caridosa do Lucílio Manjate, uma vez que ando com os bolsos rotos, cogitando até a hipótese de pedir ao alfaiate da esquina que os encerre de vez. Seja como for, na leitura do aprendiz de poeta que sou, três tendências confluem neste livro que reúne 32 poemas: primeiro, a economia e a contenção de palavras, que segundo Borges (1), a par da metáfora, é a essência do fazer poético. Aliado à ela está, obviamente, o cuidado que o poeta tem com a palavra depurada e cuidadosamente pesada antes de no poema depositada. Anda o poeta com uma balança no regaço? Confirma esta minha asserção, não a da balança, mas a da depurada palavra, o brevíssimo poema “monódia”, de dois versos apenas, mas com uma rara beleza estética e de uma contenção pertubadora: “ mal cuido uma flor/desfaço-me em dor./” A poesia do minimalismo, do essencial, ou como queiram nomeá-la, tem entre os seus cultores o meu poeta de cabeceira, Giuseppe Ungaretti. Na poesia deste como na de Okapi, as palavras criteriosamente escolhidas, surgem no poema, inquietas, mas de uma terna inquietude como se nos quisessem dizer algo quando ausentes ou quando não nos quisessem dizer algo, se fizessem presentes. O resultado não podia ser outro senão o espetar do punhal da palavra no peito descoberto do leitor. Obrigando-o a reler palavra por palavra, até encontrar a senhora poesia, submersa no do poema abstracto. “fina flor/ doce dor/ seta/ certa/ letra/ morta/ pauta/ posta/ silêncio/ composto./” No seu “ O livro do Desassossego”, Bernardo Soares diz: ”. ..A maioria da gente enferma de não saber dizer o que vê e o que pensa… Dizer! Saber dizer! Saber existir pela voz escrita…(2).” Ler esta contida poesia de Sangare, coloca o leitor amigo, num rigoroso regime dietético, como diria alguém. O que vem a calhar, atendendo os tempos de crise. A segunda tendência, que é, a meu ver, a maior singularidade deste livro, é o cuidado e o trabalho que Okapi tem com a estética do poema. O visual, diria. O vestuário que, como afirma o poeta Manoel de Barros, faz a palavra abrir o roupão para o escritor e desejar que ele a seja (3). Há em boa parte deste livro, com destaque para o raio segundo, uma série de experimentalismos, um constante desnudar da língua (esse roupão então que se abre) e uma magistral subversão do tradicional verso, dando ao bom do leitor a tão ambicionada liberdade em ler o poema, tanto na horizontal como na vertical, tanto na oblíqua como na vertico-oblíqua ou em qualquer (ex-)posição que julgar útil. Claro, desde que não prejudique a coluna. A do leitor e a do poema. Faço aqui uma analogia entre esta poesia visual do Sangare, em “Mafonematográfico Também Círculo Abstracto”, à poesia neoconcreta brasileira dos finais dos anos cinquenta que, dentre vários, foi seguidor Ferreira Gullar (4), embora mais tarde a tenha abandonado. Diria eu que “ Mesmos barcos ou poemas da revisitação do corpo (5)”, livro segundo assinado por Okapi, é a tímida ante-estreia desta agradável proposta literária que é o “Mafonematográfico Também

Ao Ricardo Riso

Círculo Abstracto”. Esta fase neoconcreta de Okapi (estará ele em ruptura com os seus?) é, a meu ver, um discurso poético inovador naquilo que é poesia publicada por cá a partir do século XXI, com excepção talvez a do Ruy Ligeiro, em “ O País do Medo”. Há, dentre várias marcas, um cuidado com que o poeta costura a rima. Com a delgada fibra de seda, parece. Sobretudo, a rima interna. Menos perceptível a uma vista desarmada como a minha. Exigindo ao leitor que se apresente à formatura com um par de óculos novos. Da China, de preferência. O mesmo par que usamos para descortinar a poesia epigramática do Amin Nordine, em “ Do lado da ala B (6)”. Essa ala em que aos poucos vamos lá chegando. Cada um ao seu tempo. Uns com menos lados do que outros. acende o dia enterra a noite inventa o mar

a noite a paga a tristeza a fugenta faça amor

A herança neoconcreta de Sangare Okapi, que atinge o expoente máximo no poema-barco Caligrama, uma embarcação no alto mar (cá está o poeta com a mania dos barcos!), será, espera-se, uma obra engrandecedora da língua portuguesa.

. Ilustração de Filipe Branquinho. Tinta da china.


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Ensaio “Felizes os que sofrem com unidade! Aqueles a quem a angústia altera, mas não divide, que crêem, ainda que na descrença, e podem sentar-se ao sol sem pensamento reservado (2)”. Fala de Bernardo Soares, aqui chamado para lembrar-nos, leitor amigo, o que julgo ser a terceira tendência neste livro e que já se faz casa em Sangare desde o livro primeiro, “O inventário de angústias ou a apoteose do nada (7)”. Falo, como é evidente, da temática da angústia, e de toda a intranquilidade que a corteja, tão cara a um poeta. O desencanto com o vazio da vida moderna. “já não rio/ no poema/ se rio/ me não rio/ finjo/ sou todo um rio/ desfeito em verso.” Ou no poema, Iscas & Biscas: “vida triste/ sempre/ em riste/ a gente arrisca/ é isca/ onde/ anda/ a bisca.” Porque onde a poesia ou a arte para uns é um meio, para outros é um fim. Onde a poesia para uns é flor de trigo, para outros nem comida é, como diria Adélia Prado (8). Ainda que de emoção contida e sem grandes rasgos metafóricos, Okapi surge, neste seu último livro, mafonematograficamente subtil e cortante na sua forma de ler o mundo, à senda de um Heliodoro Baptista ou de um Sebastião Alba, entre os nossos, ou de um Ungaretti e um José Kózer, entre os outros. É assim, que este registo poético, para além de denunciar, nas entrelinhas, a miséria e a contenção voltadas para o povo, escalpeliza os homens que têm dentro da moral, uma cova. Em “Cova ardia”, poema de notável beleza estética e temática, o poeta, à maneira de um Drummond (a pedra que havia no meio do caminho), desnuda, não os covardes nem as suas covardias, mas as suas enormes covas, na mente. “A cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a cova ardia/ a-cova ardia/ a-cova ardia/ a-cova ardia/ nos homens/ porquê?./” Não serão as pedras da cova de Sangare, as colocadas no caminho de Drummond? Um poeta escreve, às vezes, apenas para exercitar a mão para quando chegar a altura de assinar os cheques sem cobertura. Ou talvez para disfarçar o vício. Mas ele não é masoquista, embora às vezes o pareça. É assim, que Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, tentou evadir-se da angústia, “Ergo-me da cadeira com um esforço monstruoso, mas tenho a impressão de que levo a cadeira comigo, e que é mais pesada, porque é a cadeira do subjetivismo.” Okapi também no seu Evasão do eu desassossegado (em intertextualidade com o heterónimo de Pessoa): só corro/ corro corro/ socorro/ corro corro/ só corro/ corro corro/

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socorro/ corro corro.” Já para não falar de Gullar, em sua travessia pelo neoconcretismo: “mar azul/mar azul marco azul/mar azul marco azul barco azul/mar azul marco azul barco azul arco azul/mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul./” Terão eles alcançado o outro lado da margem? Não sei! O que sei é descascar amendoins nos livros. E gosto! Eugénio de Andrade, mestre meu, lembra que o amor é mortal e navegável. O itinerário da espuma (9). Eu acrescentaria que é porto último da poesia. Depois da tempestade em alto mar. E Okapi, poeta que é, bem sabe e não se furta a isso, no poema “coisas do (A) mar”: “o amor é como uma concha/ que no mar se acha/ e a água nunca se queixa.”, ou no poema “Bagamoyo by night”, de rara beleza erótica: ”nu charco/ arco erecto/ cravo aberto/ alvo certo/ parto/ incerto.” Fui dizendo: há neste livro uma certeza. O continuar da renovação da linguagem e do fazer poético em Moçambique, por um Poeta que está para a poesia como o João Paulo Quehá está para a pintura. De bruços. Uma obra belíssima e de alguma relevância para o nosso acervo. Leitores precisam-se!

Bibliografia Borges, Jorge L., Este ofício de Poeta. Editorial Teorema. 2010. Soares, Bernardo. O Livro do Desassossego. Assírio & Alvim. 2011. Barros, Manoel. Todo lo que no invento es falso (Antologia). Mar remoto. Edición Bilingue. Málaga, 2002. GULLAR, Ferreira et al. Manifesto Neoconcreto. Jornal do Brasil, Suplemento Dominical . Rio de Janeiro: 1959. Okapi, Sangare. Mesmos barcos ou poemas da revisitação do corpo. AEMO. 2008. Nordine, Amin. Do lado da ala B. Promédia. 2004. Okapi, Sangare. O Inventário de angústias ou a apoteose do nada. AEMO. 2005. Prado, Adélia. Solte os cachoros. Edições Cotovia. Lisboa, 2003. Andrade, Eugénio. Oscuro Domínio. Edición bilingue. Hiperión. Madrid, 2011. Okapi, Sangare. Mafonematográfico Também Círculo Abstracto. Alcance Editores. 2012. ________________________________________________ * Mbate Pedro é*poeta, moçambicano publicou o Mel Minarete de medos e outros poemas (2009).

? Imagina….

Amargo (2006) e


SEXTA-FEIRA, 27 DE ABRIL DE 2012

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Brasil acolhe literatura africana O professor e pesquisador, Eduardo Assis, na condição de mediador, inicia o

ROSALIA DIOGO-BRASILIA

A

Seminário apresentando importantes informações acerca da urdidura que envolve as

África, principalmente os países de língua portuguesa, há muito tempo acolhe a

relações raciais no Brasil que resvalam para o campo da literatura. Ele menciona,

literatura brasileira. Do lado do nosso país, professores inseridos em alguns cursos de

por exemplo, que o país hoje revela, segundo pesquisas governamentais, que 54%

Literaturas Africanas, e, em especial, de Língua Portuguesa, buscam cada vez mais,

da população se autodeclara afro-brasileira. Com esse mote, o professor, que estará em Maputo no próximo dia 23, conforme anunciado pela Literatas, convida

dar visibilidade à literatura africana.

Chiziane e Ondjaki a estarem bem na casa brasileira. Em 2010 tive a feliz oportunidade de apresentar uma comunicação no IV Encontro de Professores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa,

promovido pela

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG ) e Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), ocorrido na cidade de Ouro Preto. Na oportunidade dissertei sobre parte da produção

Paulina Chiziane exibe uma faceta reveladora que tenho insistido em investigar: as relações midiáticas que projetam a imagem do Brasil fora do país. Diz Chiziane "Para nós, o Brasil é branco e mulato. A imagem do negro não existe. O único negro reconhecido como negro é o Pelé". Por seu turno, Ondjaki cutucou a organização do evento ao dizer que era um equívoco mencionar países africanos de expressão

literária do escritor moçambicano, João Paulo Borges

portuguesa ao se referir aos escritores de países de língua portuguesa e afirma, ―sou

Coelho.

de um país de expressão angolana‖, cuja língua é a portuguesa.

Na edição n. 25 dessa Revista, abordei temática acerca das mulheres negras brasileiras que são poetas. Nesse texto, fiz referência ao Seminário Mulher e Literatura, ocorrido em Brasília em agosto de 2011, cujas homenageadas eram autoras afro-brasileiras. E, por conta das minhas reflexões acerca de literatura e racismo no Brasil, o amigo editor dessa revista nos brinda, na edição seguinte, com um belo aconselhamento ―A arte não tem que se basear na cor‖. É isso aí, Eduardo Quive. Não tenha dúvida que esse meu país tem muito a caminhar ainda no que se refere ao respeito às diferenças. Dessa forma, é ainda, por mais estranho que pareça aos caros irmãos moçambicanos, que a arte não se sobreponha à cor da pele. Sobre esse tema falaremos oportunamente.

Nesse

momento

menciono

com satisfação

a

realização, em Brasília, capital do poder político institucionalizado, a I Bienal do Livro e da Leitura, iniciada no último dia 14, tão bem anunciada por essa Revista, sempre

Espero eu, diante da forte emoção de voltar à Brasília, capital do país, para assistir

atenta aos eventos literários do Brasil. O destaque nessa Bienal, motivo de meu orgulho

debate sobre literatura, e, sobretudo literatura produzida por africanos, que essa

e relevância para esse texto, foi a vinda de vários escritores africanos, desde o único

iniciativa seja sinal de tempos auspiciosos. Tempos novos, quiçá, em que a

africano a receber o Prêmio Nobel de Literatura, o nigeriano Wole Soyink ao angolano

Literatura possa inspirar parte significativa dos políticos que ocupam o ―poder‖,

Ondjaki, ao cabo-verdiano Germano de Almeida, à santomense Conceição Lima e à

sensibilidade na condução das questões brasileiras. Que o lirismo contagie as suas

moçambicana Paulina Chiziane, que tive o prazer de

prestigiar em minha

terra pela primeira vez. O Seminário levado a cabo pelas palavras de Paulina Chiziane e Ondjaki intitulou-se ―A Literatura Africana Contemporânea”.

ações revelando propostas para relações mais equitativas para a nossa sociedade.


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