EDIÇÃO
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2º SEMESTRE
2012
porque “navegar é preciso”
Cataalores lae sonhos Imagem: Leonardo Duarte
Cotidiano de catadores de materiais recicláveis é tema de ensaio realizado por fotógrafo que já foi morador de rua
Gana: a história desconhecida do país africano no relato de um escritor-viajante Educação: a emoção da educadora que reconhece o progresso em um estudante com deficiência E a inversão de valores no ensino com o passar das décadas no Brasil
Mande seus textos, ilustrações, ensaios, comentários e sugestões de pauta para: redacao@revistacaravela.com. E acesse nosso blog: www.revistacaravela.com
Fotografia politizada
Tripulaçao
Editor Bruno Ferreira Projeto gráfico Manuela Ribeiro Arte Manuela Ribeiro Colaboradores desta edição Antonio Lino Eric Silva Gabriela Pessoa Hugo Paz Leonardo Duarte Marize Castilho Rafael Martini Rodrigo Nazca Rozane Guilhem Vanessa Balsanelli Jornalista Responsável Bruno Ferreira (MTb 62552/SP)
Bem-vindos a bordo desta da edição nº 1 da Caravela. Após a edição experimental, lançada em janeiro deste ano, demos um passo a mais na concepção do nosso perfil editorial, sem, no entanto, nos fecharmos em padrões autoritariamente definidos. A ideia é que a Caravela seja sempre um meio de experimentação e debate sobre cultura, sociedade, arte e comunicação. É uma grande alegria contar, nesta edição, com a colaboração do escritor Antonio Lino, que cedeu uma entrevista sobre o seu livro Encaramujado para a edição zero. Ele nos disponibilizou uma bela crônica publicada originalmente em seu blog sobre sua passagem por Gana, que publicamos nesta edição. Nas próximas páginas, apresentamos o trabalho do fotógrafo e atualmente conselheiro tutelar de São Bernardo do Campo (SP) Leonardo Duarte, que busca denunciar e retratar situações de violação de direitos. O seu diferencial está justamente na sensibilidade do seu trabalho, fruto da experiência de exclusão que viveu durante a infância, como menino em situação de rua. Leonardo faz da fotografia um instrumento de debate político sobre desigualdade social e direitos humanos. A exclusão o fez crítico e militante na defesa de meninas e meninos que vivem na rua. Confira a entrevista com ele na seção Papo na Proa e na sequência um de seus trabalhos mais significativos, o ensaio Catadores de Sonhos, que retrata o dia a dia de pessoas que tiram seu sustento da coleta de materiais recicláveis.
Boa viagem!
Bruno Ferreira Editor
Serviço de Bordo
06. Papo na Proa. Ex-menino em situação de rua que hoje é fotógrafo e conselheiro tutelar fala sobre seus trabalhos sobre violação de direitos e vulnerabilidade social
12. CATADORES DE SONHOS
Cotidiano de catadores de materiais recicláveis é tema de ensaio realizado por fotógrafo que já foi morador de rua
16. Rozane Guilhem faz uma homenagem Para o Sidney, um aluno muito especial
18. E Rafael Martini destaca a importância de Whitney Houston para a música
20.
Bruno Ferreira explica a ideologia contida Nas Entrelinhas da Mídia
23. Toda relação é movida pelo interesse, segundo Eric Silva 24. Antônio Lino aborda suas impressões tupiniquins de Gana, um pequeno país africano.
28.
Gabriela Pessoa identifica uma Inversão de valores na educação brasileira
31. Rodrigo Nazca descobre os Esqueletos que enterramos sem perceber
32. O pretinho básico pode ser sustentável na constatação de Vanessa Balsanelli
34. Marize Castilho mostra a necessidade de nos desarmarmos no dia a dia
35. E Hugo Paz revela a força do seu Peito de aço.
Ponto de Partida
Diferenciando conceitos Os conceitos de liberdade de expressão e liberdade de imprensa confundem-se amplamente. O primeiro diz respeito ao indivíduo e o segundo, às empresas de comunicação, que se apropriam do direito individual para justificar sua atuação. O livro Liberdade de expressão X Liberdade de imprensa, de Venício A. de Lima, aborda com base em 23 artigos, diferentes aspectos dessa relação. A publicação ainda traz importantes documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, entre outros que tratam sobre direitos humanos, inclusive sobre direito humano à comunicação e liberdade de expressão.
Direitos Humanos em Vídeo Está disponível no site Youtube um documentário de cerca de nove minutos chamado A História dos Direitos Humanos. O vídeo em inglês com legenda em português apresenta o percurso histórico, desde a antiguidade ao pós-segunda Guerra Mundial, do entendimento dos povos sobre direitos que julgavam naturais até que se consolidaram, com as Nações Unidas, em Direitos Humanos. O documentário ainda apresenta uma reflexão sobre como esses direitos ainda são violados nos dias de hoje e a importância de lutar pela igualdade efetiva entre os seres humanos na Terra. Para assistir ao vídeo, basta digitar o nome do documentário no campo de pesquisa do site Youtube.
Educar para o sonho Rubem Alves sugere que a Educação estimule o sonho a fim de construir um país melhor no livro Conversas sobre a Educação. De forma descontraída, o autor levanta reflexões importantes como o futuro da escola, a cooperação entre estudantes de diferentes faixas etárias e a importância de respeitar e conviver com a diversidade. O livro é um convite a pais, estudantes e educadores à reflexão sobre o atual modelo de Educação formal do Brasil, questionando sua eficácia na formação de seres humanos conscientes e éticos.
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ENTREVISTA: BRUNO FERREIRA |IMAGENS DO ENSAIO “A PERIFERIA COMO ELA É”, DE LEONARDO DUARTE
Papo na Proa
Na lente da câmera e na própria pele “Aquele menino que até pouco tempo dormia jogado nas ruas, estava fotografando, com uma grande ferramenta de comunicação. Isso me deu notoriedade, fazendo com que hoje eu seja conselheiro tutelar”
S
ão Bernardo do Campo. 20 de abril de 2012. Do Terminal Metropolitano de Ônibus do centro do município paulista caminho por cerca de 20 minutos até chegar na sede da Secretaria Municipal de Direitos Humanos. Seguindo as placas das ruas e pedindo informações às pessoas nas ruas, percorri um caminho longo e desnecessário. A secretaria fica a poucos metros do terminal. Havia mais de um ano que não ia a São Bernardo, e não me dei conta de quão próximo do local onde desembarquei estaria o meu entrevistado. Chegando à secretaria, mais alguns minutos de procura. Precisava chegar ao conselho tutelar, um dos departamentos do órgão público. Estava atrasado para a conversa com um dos conselheiros, Leonardo Duarte, o mais votado para o cargo de 2012. Mas o motivo da conversa não era, exatamente, o interesse pelo cargo que exerce hoje. Na verdade não apenas por isso. O cearense natural de Juazeiro do Norte, de 32 anos, é fotógrafo. Sua militância pelo direito à moradia é traduzida em ensaios que realizou em sua maioria em São Bernardo do Campo sobre desigualdade social e violação de direitos. Seu engajamento social nasceu da vivência em situação de rua durante a infância e adolescência, o que o motivou a buscar e participar ativamente de espaços públicos de discussão e denúncia. Dessa forma, chegou a Brasília e
ao Uruguai para representar meninas e meninos em situação de rua em conferências nacionais e internacionais. Confira a seguir os principais pontos da entrevista que fiz com o fotógrafo e conselheiro tutelar de São Bernardo do Campo, cujo trabalho emociona não apenas pelo que retrata, mas principalmente pela sensibilidade possível apenas a quem viveu na pele as situações que registrou. O que te motivou a ser conselheiro tutelar? Na sua infância você viveu situações de violação de direitos? Eu tive a experiência de ter vivido em situação de rua. Quando eu vim do Ceará para São Paulo eu fiquei em situação de rua por alguns anos. Com 12 anos eu vim para cá, mas lá no Ceará eu já tinha uma relação com o trabalho infantil. Eu trabalhava cuidando de carro na frente de uma pizzaria e às vezes ficava a noite inteira na frente da pizzaria para arrumar dinheiro para levar para casa. Mas a minha primeira experiência com o trabalho infantil foi aos nove anos de idade vendendo fruta para os romeiros que iam para a cidade onde eu nasci para pagar promessa para o Padre Cícero. Você é de Juazeiro, né? Juazeiro do Norte. Foi onde você viveu antes de vir para São Paulo?
Sim. Eu vim para São Paulo dentro de um Gol transportado por uma cegonha, eu, minha mãe e meu sobrinho de seis meses, uma irmã e um irmão. Cinco pessoas dentro de um Golzinho quadrado... O que seria cegonha? Cegonha é um daqueles caminhões que transpor-
tam carros. Tinha um rapaz que morava próximo a nossa residência. Esse rapaz trabalhava trazendo carros de São Paulo para o Ceará e quando ele vinha para São Paulo com o caminhão descarregado, ele pegava serviços paralelos, trazendo carros usados para cá. Ele cobrava a metade do valor da passagem. E foi assim que nós conseguimos vir para São Paulo.
“Era muito forte para as pessoas da minha cidade essa esperança de encontrar em São Paulo alternativas para sair da pobreza. O que aconteceu de fato é que viemos para cá e as dificuldades colocadas foram as mesmas durante um grande período.”
Por que vocês quiseram vir para São Paulo? Nós tivemos, até um determinado período das nossas vidas, lá no Ceará, uma condição razoável de vida. Meu pai tinha vindo para São Paulo antes de conhecer a minha mãe e tinha conseguido construir um patrimônio considerável comparado à realidade das outras pessoas. Mas meus pais se separaram. E aí ficou muito difícil pra gente. Eu já tinha duas irmãs mais velhas que moravam aqui em São Paulo e nós viemos para cá com o objetivo de sair da condição de miserabilidade. Era muito forte para as pessoas da minha cidade essa esperança de encontrar em São Paulo alternativas para sair da pobreza. O que aconteceu de fato é que viemos para cá e as dificuldades colocadas foram as mesmas durante um grande período. Meu irmão logo em seguida foi atropelado, quebrou as duas pernas, e foi quando eu comecei a ir para a rua. Só que lá no Ceará, além de cuidar de carro, no percurso de casa até a pizzaria onde eu cuidava de carros, eu passava pelas portas pedindo mantimentos, que é o que a gente chama lá de pedir esmola. Chegando em São Paulo, eu tentei fazer isso, mas não rolou, porque aqui as pessoas ficam meio receosas. Lá não. Aqui o pessoal fica até com medo de atender achando que é algum criminoso. Isso com 12 anos? A partir dos 12 anos... E onde vocês moravam nessa época? Aqui em São Bernardo, numa comunidade na Vila São José. Foi quando eu fui atendido pelo Projeto Meninos e Meninas de Rua e comecei a participar dos coletivos, dos grupos de discussão. Eu discutia sobre os direitos da criança e do adolescente, comecei a participar de alguns movimentos, como o Movimento Negro, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Estive em Brasília por diversas vezes participando de encontros que
discutiam os direitos humanos e fui em 1996 para o 4º Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, representando todos os meninos de rua do estado de São Paulo, fui para Montevidéu, no Uruguai, representar os meninos de rua do Brasil, estive por três vezes no Fórum Social Mundial, também representando os meninos de rua do estado de São Paulo. E foi a partir daí que eu fui absorvendo informação, entendendo melhor porque existe pobre e porque a maioria dos pobres é negra, comecei a participar com mais efetividade da luta por moradia, por garantia de direitos e coisas do tipo. Mas antes dessa época você já tinha interesse pela fotografia? Tinha um educador no Projeto que era fotógrafo e sempre levava o seu equipamento para as atividades que a gente participava. E eu sempre mexia de curiosidade, até que eu fui tema dessa matéria sobre pessoas autodidatas, e como eu aprendi a ler e escrever fora da escola, eles me convidaram para participar dessa matéria para a Folha de S. Paulo e o Paulo Giandália veio me fotografar. E eu disse para ele que eu tinha o sonho de ser fotógrafo. Aí ele me perguntou se eu tinha máquina fotográfica e eu disse que não, mas eu estava na semana em que eu ia completar 18 anos, o que me dava direito a comprar qualquer coisa no crediário. Essa era uma prática dos meus amigos da época. Mesmo sabendo que ia sujar o nome, ia lá e comprava uma bicicleta, um aparelho de som, uma televisão. E eu comprei uma máquina fotográfica. O Paulo Giandália tinha me dado três bobinas de filme. Lembro até hoje que era um filme da Fugi de 36 poses e 800 asas e com ele eu fiz uma espécie de filme contando um pouco sobre as minhas experiências, os lugares onde eu fiquei na rua, depois eu levei as fotos pra Folha de S. Paulo e num domingo saiu na primeira página uma foto de minha autoria e uma foto minha e 10 imagens dentro do caderno São Paulo,
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um espaço bastante cobiçado por fotógrafos. O título era “Ex-menino de rua sonha em ser fotógrafo”. E aí eu tive várias oportunidades. Muitas. E você acabou se profissionalizando como fotógrafo... Isso. Aí eu trabalhei na Folha de S. Paulo, no jornal Valor Econômico, trabalhei para a revista Quem, para o site da UOL, pra revista Trip. Mas eu percebi que o que eu estava fazendo não tinha a ver com aquilo que eu queria, né? Eu estava foto-
pessoas precisavam, com alguma iniciativa, olhar para aquela situação e entender aquilo como violação de direitos. Em 2003 nós tivemos um grande fato aqui em São Bernardo do Campo que foi uma ocupação realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e pelo Movimento dos Sem Terra. Essa mobilização resultou numa ocupação. Foram 19 dias que nós passamos acampados lá e houve uma mobilização policial para a reintegração de posse e as famílias tiveram que voltar para suas comunidades. Dentro da ocupação, eu e mais três jovens ficamos
“A gente ia fotografar aquelas festas glamourosas, com distribuição de ostras, vinhos, uísque, charutos. Isso à noite. Durante o dia, eu voltava para dormir no último barraco, da última viela, em um morro extremamente vulnerável em tudo o que você possa imaginar.” grafando para a revista Quem. A gente ia fotografar aquelas festas glamourosas, com distribuição de ostras, vinhos, uísque, charutos. Isso à noite. Durante o dia, eu voltava para casa para dormir no último barraco, da última viela, em um morro extremamente vulnerável em tudo o que você possa imaginar. E isso me incomodava. Foi quando eu abri mão de outras oportunidades para voltar a trabalhar na área social, utilizando a fotografia como ferramenta para denunciar aquilo que eu entendia como errado, através do que eu tinha aprendido ao participar dos movimentos. Nesse período, passei a ser educador social. E o Núcleo de Comunicação Marginal foi montado de que maneira? Em 2004, a ideia era trabalhar a comunicação popular com o cinema para que as pessoas pudessem identificar que aquela condição em que estavam submetidas não era de fato uma condição humana. As
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responsáveis pelas atividades culturais que aconteciam. Quando teve a reintegração de posse, a gente queria continuar com aquilo, mas não tínhamos estrutura para fazer. Logo em seguida, teve uma chuva muito forte aqui na cidade que resultou num deslizamento de terra em algumas comunidades, levando 12 pessoas à morte. Dessas 12, sete eram crianças da região onde a gente atuava. Então, nós interrompemos as atividades no Núcleo de Comunicação Marginal para acompanhar essas famílias, porque o poder público na época vinha dizer que não era problema da Prefeitura porque ela nunca tinha orientado ninguém a morar em área de risco. Travamos, então, uma batalha bastante rígida com relação à Prefeitura e sofremos algumas ameaças por parte de algumas pessoas que eram ligadas à Prefeitura daquela época. Ameaças delicadas, inclusive. Aí a gente recuou um pouco, mas em 2009 o cenário político na cidade se modifica e aí a gente entra, com um pouco mais de força e ferramentas para
desenvolver as nossas atividades dentro de um dos alojamentos que foi criado para acolher essas famílias, fruto da nossa luta. E a fotografia? Como ela entra nesse contexto de luta por direitos? No começo, talvez de forma não racional, eu definia a fotografia como uma ferramenta. E hoje eu percebo que de fato ela foi uma ferramenta para que eu pudesse estar aqui (no Conselho Tutelar), porque eu comecei com uma vontade de me preparar para ser educador social para, a partir da minha intervenção, da minha atuação, poder modificar a situação de violência contra crianças e adolescentes e antes disso eu me tornei fotógrafo atuando em espaços super cobiçados por pessoas que fizeram faculdade, de jornalismo inclusive. A partir daí eu comecei a utilizar com muito mais carinho a fotografia para alcançar aquilo que eu almejava, que era denunciar. E essas
denúncias me levaram a ser uma pessoa mais conhecida. Aquele menino que até pouco tempo atrás estava dormindo jogado nas ruas, vivendo numa situação de vulnerabilidade estava fotografando, com uma grande ferramenta de comunicação. Então, isso deu uma notoriedade, fazendo com que hoje eu seja conselheiro tutelar, porque eu retratava nas fotografias eram situações muito semelhantes com o que eu levava para as reuniões e espaços de denúncia. Além de denunciar com a fotografia, eu denunciava com a minha participação em conferências e congressos. Então, eu entendo que a fotografia para mim foi uma ferramenta para me trazer onde eu estou hoje. E quando a gente cria o Núcleo de Comunicação Marginal com oficinas de fotografia e vídeo a partir do olhar de um indivíduo que estudou ou não, é entendendo exatamente que da mesma forma que a oportunidade que eu tive modificou a minha vida, com certeza isso pode modificar a vida de outras pessoas.
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ENSAIO: LEONARDO DUARTE | TEXTO: BRUNO FERREIRA
Catadores de sonhos “Não me surpreendi com os catadores, porque tenho uma história semelhante a deles. Eu já vivi na rua e morei, antes de ser fotógrafo, na casa de uma das famílias fotografadas”. Isso foi o que me contou Leonardo Duarte quando, em 2008, fiz uma rápida entrevista com ele por telefone para uma matéria que seria veiculada no portal da minha faculdade. Na época eu estudava jornalismo. O ensaio Catadores de Sonhos foi realizado em 2008 em São Paulo e mostra o cotidiano de famílias que tiram seu sustento de materiais visto por muitos como lixo sem qualquer utilidade. Durante dois meses, o fotógrafo não apenas registrou a rotina de dificuldades dos catadores. Mais do que isso, penetrou em suas almas, compartilhando os seus próprios sonhos. O resultado desse convívio você acompanha em algumas das fotos do ensaio, publicadas a seguir.
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ROZANE GUILHEM
Para o Sidney “Ninguém liberta ninguém. As pessoas se libertam em comunhão.” Paulo Freire
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enho vinte e sete anos de magistério, todos eles dentro da escola pública. Nesses anos todos, tive muitos alunos e conheci muitos professores, mas nenhum aluno me emocionou mais do que o Sidney e nenhum professor me emocionou mais do que a Cátia. Sidney era uma criança linda, que eu conheci quando ele entrou no primeiro ano na escola em que era diretora. Tinha paralisia cerebral, tetraplegia, não falava e tinha movimentos involuntários dos membros superiores. Sãopaulino roxo, sua cadeira de rodas tinha muitos adesivos de seu time de coração e era fã incondicional do Rogério Ceni. A mãe dele, sempre muito presente, nos ajudava bastante, seja no cuidado com ele, seja na luta por melhores condições para atender aos alunos de inclusão. Foi adotado por todos da escola, alunos, funcionários e professores. Nos intervalos, as crianças empurravam sua cadeira e brincavam de esconde-esconde e pega-pega com ele. Os olhos dele brilhavam e ele sorria. Como qualquer criança! Uma pessoa em especial fez a diferença na vida dessa criança: Cátia, a professora da Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (SAAI). Desde a primeira vez em que nos encontramos, Cátia me encantou. Meiga, mas ao mesmo tempo firme, defendia a inclusão com propriedade. Dedicada,
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fazia pós-graduação em psicomotricidade e era uma apaixonada pela educação. Dessas pessoas, raras hoje em dia, que a gente tem orgulho em dizer que é amiga. Estabeleceram uma relação dialógica, mesmo o Sidney não falando. Se comunicavam pelo olhar. Às vezes, entre um memorando para assinar e uma mãe para atender, escapava para ver os dois trabalhando numa salinha do outro lado do corredor. Já no caminho entre a minha sala e a sala da Cátia, uma alegria imensa me invadia. E lá estavam eles trabalhando com blocos de montar, com figuras e letras e muitas vezes encontrava a Cátia fazendo exercícios com o Sidney no chão. Mas um dia foi muito, muito especial... Estava muito aborrecida, cansada, dia difícil mesmo! Burocracia do final de ano, falta de professores, briga de alunos, prestação de contas... Eis que surge Cátia na porta da minha sala, com aqueles doces olhos azuis perguntando se eu poderia dar uma paradinha para acompanhá-la até a sala dela. Por um instante hesitei, afinal estava atolada em notas fiscais e papeis. Mas fui. E que maravilha! Na sala da Cátia estava o Sidney no meio de algumas figuras e blocos com letras. A Cátia mostrou então a figura de uma bola. Disse algo como: “Sidney, isso é uma bola. Vou começar a te mostrar as letras!”
Pegou uma letra em cada mão, um “b” e um c”. “Olhe para a letra certa e dê uma piscadinha”. Sidney lentamente virou a cabeça para a letra b e piscou. E foi assim até terminar a palavra “bola”. Repetiu com várias outras palavras. Sidney estava alfabetizado. Saí da sala para que ele não me visse chorando. Depois disso, Sidney fez as avaliações promovidas pela rede municipal, com a ajuda de um escriba e sempre se saiu muito bem, um dos melhores da escola. Excelente aluno em matemática, tinha um raciocínio rápido e sempre surpreendia a todos. Quando mudei de escola, Sidney começava a balbuciar algumas palavras. Lembro da última conversa que tivemos. “Sidney, eu vou embora da escola”. Ele franziu a testa, disse ”Não” e uma lágrima escorreu de seus olhos. Várias escorreram dos meus. Nos abraçamos em silêncio.
Rozane Guilhem é supervisora escolar, formada em História e Pedagogia. Desde 1987 é funcionária da Prefeitura Municipal de São Paulo
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RAFAEL MARTINI
Talento além da polêmica E
m 11 de fevereiro, numa suíte do quarto andar do Beverly Hilton, hotel de Los Angeles, hospedava-se Whitney Houston, dona de uma das vozes mais consagradas e premiadas de todos os tempos. Na Califórnia para se apresentar em uma premiação em homenagem a Clive Davis, empresário que a descobriu quando tinha apenas 11 anos de idade, Whitney foi encontrada morta, aos 48 anos, afogada numa banheira. Menos de dois meses depois da fatalidade, a autópsia divulgara que foram encontradas muitas cicatrizes, 11 dentes falsos, uma marca de agulha, queimaduras, e nove tipos de drogas em seu corpo, como cocaína, maconha, relaxantes musculares e antialérgicos. E é apesar – ou mesmo em troca – da polêmica e tristeza que a notícia gerou por todo o mundo que esta coluna abre espaço pra contar os fatos mais relevantes dos tempos áureos da artista. Uma pincelada nos feitos da carreira da cantora que conquistou uma legião gigantesca de fãs e bateu recordes nos quatro cantos do planeta. Filha da cantora gospel Cissy Houston e sobrinha da também consagrada Aretha Franklin, Whitney começou a trilhar a carreira musical aos 11 anos de idade como solista do coral júnior de uma igreja batista. Nascida em Newark, maior cidade do estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos, ela passou três anos acompanhando a mãe em seus shows. Não muito distante disso, em 1977, aos 14 anos, passou a atuar profissionalmente como cantora de suporte (backing
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vocal) em álbuns de artistas como Lou Rawls e Jermaine Jackson – irmão de Michael Jackson. O mesmo Jermaine foi um dos produtores e responsáveis pelo álbum que levaria Whitney ao mundo. Em fevereiro de 1985 foi lançado o primeiro álbum da diva, que de cara já recebeu elogios estrondosos de importantes fontes críticas como o jornal The New York Times e a revista Rolling Stones. Com hits como You Give Good Love e Greatest Love of All chegou a ficar, em 1986, 14 semanas como o álbum mais vendido em todo o mundo, além de ter três indicações ao Grammy. Empolgada com o começo meteórico de carreira, Whitney lançou, em junho de 1987, seu segundo álbum. Pela primeira vez na história uma artista mulher lançava um disco que já estreava em primeiro lugar. Com os sucessos I Wanna Dance With Somebody, Didn’t We Almost Have It All, So Emotional e Where do Broken Hearts Go ela chegou a um recorde que perdura até hoje. Whitney se tornou a única artista a emplacar sete músicas consecutivamente em primeiro lugar na lista das mais ouvidas da Billboard, principal fonte estatística do mundo musical pop. Na mesma época, no ano de 1989, aproveitando a onda “infinita” de sucessos, ela inaugurou o The Whitney Houston Foundation For Children – uma organização sem fins lucrativos que arrecada fundos no mundo inteiro para ajudar crianças doentes e sem lar, além de trabalhar com a prevenção de abuso infantil e alfabetização.
Fotos: Divulgação
Com a carreira em alta e já considerada uma das maiores estrelas da música, Whitney não perdeu tempo e, desta vez, com mais autonomia e knowhow lançou seu terceiro registro, I’m Your Baby Tonight, produzido por músicos consagradíssimos como Steve Wonder e Baby Face. Whitney atingiu novamente sucesso mundial. Ganhou quatro discos de platina nos Estados Unidos e vendeu 12 milhões de cópias ao redor do mundo. Seria então o auge? Quando se pensava que Whitney já havia conquistado tudo o que uma grande estrela da música pode sonhar, ela expandiu a atuação profissional e como atriz protagonizou, em 1992, juntamente com o ator Kevin Costner, o blockbuster O Guarda Costas, considerado por muitos o ápice da carreira da diva. Não só pelo fato do filme ter arrecadado impressionantes 410 milhões de dólares, mas pelo lançamento da trilha sonora da superprodução. Ela contribuiu com seis músicas, incluindo o tema do filme, I Will Always Love You. Escrita e gravada primeiramente por Dolly Parton em 1974, foi a interpretação de Whitney que marcou história. A música ficou no primeiro lugar das paradas de sucessos por 14 semanas e proporcionou a honra de receber, em 1994, três Grammys, incluindo o prêmio de música e álbum do ano. C É claro que a carreira de Whitney não parou por aí. Mas é mais do que justo aproveitar o espaço que tenho para exaltar alguns fatos que marcaram os tempos áureos de uma das maiores artistas de todos os tempos. Não tenho dúvidas de que ela deve ser lembrada muito mais pelo raríssimo talento do que pelas polêmicas que cercaram o fim de sua vida.
Rafael Martini é jornalista e músico
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BRUNO FERREIRA
Nas entrelinhas da mídia H
oje em dia é público o conhecimento sobre as manobras dos meios de comunicação de massa. Ninguém pode dizer que a mídia não manipula, que a imprensa é imparcial, que tudo o que se vê no Jornal Nacional é verdade absoluta e inquestionável. É ótimo que a audiência conheça as técnicas de manobra e esteja consciente de que muitos discursos, mesmo que bem disfarçados de imparcial, são repletos de valores e ideologia. Mas isso tudo não está evidente. Em mensagens supostamente isentas de posicionamento, a escolha por determinadas palavras muitas vezes revela nas entrelinhas a posição das empresas de comunicação de massa. Um exemplo é a preferência pelo uso da palavra “invasão” por alguns veículos de comunicação, quando fazem referência ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. “Invasão” não é o mesmo que “ocupação”. A primeira palavra remete à violência, ataque, roubo, apropriação indébita. A segunda palavra, por outro lado, carrega um sentido mais ameno, de preencher um espaço vazio. Assim, quando o Jornal Nacional diz que o MST “invadiu”
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uma propriedade está, de modo implícito, caracterizando o movimento negativamente, como criminoso. Também no esporte a grande mídia revela nas entrelinhas suas predileções. Ainda que com discrição, mancha a imagem de times quando prefere dizer que um foi “derrotado” por outro, em vez de dizer que um time foi “vencido” pelo adversário. As palavras, isoladamente, têm sentidos positivos ou negativos. Quando usadas num contexto, são capazes de exaltar ou desgastar personalidades e setores sociais. Elas, portanto, não são usadas aleatoriamente pelos meios de comunicação de massa.
Pensando a comunicação Na década de 1940, com o fortalecimento do cinema de Hollywood e o crescimento do setor de comunicação dos Estados Unidos, pensadores elaboram teorias sobre a função dos atores sociais da época, inclusive quanto aos meios de comunicação de massa, procurando identificar nesta última as suas funções e problemáticas. Era a chamada Escola Funcionalista, que estabeleceu uma analogia entre a sociedade e o corpo humano. Assim como o bom funcionamento de todos os órgãos do corpo mantém seu equilíbrio e saúde, também na sociedade, escola, família, religião, meios de comunicação, governo e outros setores sociais tinham funções específicas, todas visando o estabelecimento de uma ordem social baseada no domínio e controle das massas. Segundo o teórico Harold Lasswell, da Escola Funcionalista, uma mensagem transmitida
por um meio de comunicação de massa exerce uma influência sobre os receptores. Para ele, a função da mídia é persuadir as pessoas para adotarem um comportamento esperado pelo emissor da mensagem. Mas é claro que não é possível generalizar, principalmente nos dias de hoje, em que as possibilidades de acesso à pluralidade de informação são muito maiores que as dos séculos XIX e XX. Certamente, ainda há inúmeras tentativas de influenciar pessoas, mas somente as mais desavisadas caem em certos apelos midiáticos. São aquelas que não costumam acessar informações em diversos veículos de comunicação, que dificilmente leem, buscando um entendimento em visões diversificadas de mundo. Elas acabam admitindo com certo automatismo as visões ideológicas e de consumo mais fortemente presentes nos meios de comunicação de massa.
Coincidência ou não? Um caso marcante e muito polêmico que pode exemplificar a tentativa de influência da massa está na polêmica edição do debate entre Lula e Collor, quando um era adversário do outro no segundo turno das eleições presidenciais de 1989. No dia seguinte após o debate, duas edições foram realizadas. A primeira foi uma mais isenta, veiculada na parte da tarde no Jornal Hoje, mas considerada inadequada pela alta cúpula da TV Globo. A edição é o olhar que o meio de comunicação dá a determinado conteúdo, podendo destacar aspectos positivos ou negativos de uma questão ou situação. Por mais que a imprensa afirme exercer o seu papel com “isenção” e “parcialidade”, olhos treinados podem perceber indícios de posicionamento. A segunda edição do debate favoreceu Collor, destacando os seus melhores momentos e os piores de Lula. Foi exibido à noite no Jornal Nacional, tal-
vez o programa mais eficiente para difundir a mensagem implícita de apoio a Collor e repúdio a Lula, por causa da grande audiência do telejornal desde aquela época. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então vice-presidente de operações da Rede Globo, confirmou recentemente o favorecimento de Collor por parte da emissora, assunto que até então era tabu no canal carioca, mas amplamente discutido por estudiosos de comunicação, que destacam o acontecimento com um dos mais relevantes da história da imprensa brasileira. É claro que não é possível dizer com certeza que Collor venceu Lula apenas por conta da edição tendenciosa do debate. A questão é que o caçador de marajás saiu vitorioso em 1989, o que satisfez a família Marinho, dona da TV Globo, e marcou a nossa história com corrupção e consequente impeachment do então presidente da república
Bruno Ferreira é jornalista e educador
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Caravela
ERIC SILVA
TODA relação é baseada no interesse! É
isso mesmo, temos que aceitar que nossas relações são construídas por nosso puro interesse e egoísmo, e precisamos compreender que isso não é errado, é algo natural nosso. Família, amigos, religião. TUDO é montado e moldado aos nossos interesses e nesse texto vou tentar comprovar isso para vocês. Na verdade tudo na nossa vida é movido pelo interesse, e o principal é o de sobrevivência, com base nele tudo se move. Esse nosso instinto de sobreviver estabelece um "modelo" de como vamos viver no dia a dia Você me e que tipos de interesses cabem quer? nesse molde criado por nós. Parece meio complexo, mas é bem simples! Temos nossos gostos e preferências para manter o nosso viver do O que jeito que desejamos, isso você pode vai de uma simples opção de cor de roupa até a religião me dar? que escolhemos seguir. Quando criamos esse modo de vida baseado nas nossas vontades e escolhas, fazemos de tudo para garantir que esse molde não seja abalado e que esteja sendo melhorado a cada dia ou fique estável. Aí que vem a questão do interesse nas relações humanas, que são manutenções contínuas do nosso viver, é nas relações sociais que surgem os interesses egoístas que servem como garantia do bem
estar do indivíduo, sem elas nunca seria possível estarmos satisfeitos, ou pelo menos estáveis com a vida que levamos. Você se relaciona com um outro ser porque existe algum interesse por trás desse contato, as pessoas se gostam, querem estar próximas umas das outras para satisfazerem suas vontades mais profundas e quase nunca externam esse pensamento porque na sociedade em que vivemos isso é visto de forma negativa. Fomos criados com a ideia de que devemos ajudar o próximo, mas dificilmente alguém nos diz que nossos interesses estão por trás desses atos de caridade. Devemos admitir e aceitar essa realidade da forma mais natural possível. Não é errado ser egoísta, porque já nascemos assim por causa do nosso instinto de sobrevivência e de preservação e manutenção do nosso viver. O real problema é a forma como apresentamos esses interesses e o jeito que tentamos saciar as nossas vontades. Então, perceba e assuma que você é um ser totalmente individualista e que até em ações coletivas existem os interesses individuais que reinam e nos guiam para a conservação do nosso viver que prezamos tanto. Era essa a intenção do texto, meu interesse de fazer você pensar sobre o assunto e admitir que é mais um interesseiro no meio da multidão!
Eric Silva é educador e estudante de Ciências Sociais. Seus textos podem ser encontrados em http://orestante.blogspot.com EDIÇÃO 01 | 2º SEMESTRE DE 2012
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ANTONIO LINO
Gana C
omo um anfitrião cortês recebendo seus convidados à porta, o calor despeme as coberturas, desnecessárias agora que o inverno é lá longe. Uma brisa quente vem trazer as boas vindas: - Akwaaba!, soprame como bafo nos ouvidos, em dialeto local. No final do desembarque, quem me acolhe é Acra, capital de Gana. Para completar a fraterna recepção, me espremo entre os locais dentro de um 'trotro' lotado. As numerosas latarias carcomidas, responsáveis pelo transporte público na cidade, disputam (na buzina e na truculência) lentos centímetros adiante. O trânsito é de abismar até paulistano. Empacado no ponto morto do surrado utilitário, vejo o comércio passar sonoro e caudaloso. No lugar da África que pede, pintada na minha imaginação com tintas de estereótipos, encontro uma África que oferece. Pelas janelas feitas vitrines, admiro o equilibrismo dos ambulantes. De bananas fritas a ovos cozidos. De alfinetes a dicionários. De chaves de fenda a cadarços. De crachás a bolas de futebol... Toda sorte de quitutes e parafernálias desfila dentro de bacias, carregadas com destreza em cima de incontáveis carapinhas. Padecendo de derretimento dentro da estufa motorizada, aceno à hidratação. A demanda aguça a ligeireza de uma moça, que se aproxima frenética. Uma mão sobe para diminuir o estoque de águas de beber ensacadas. Mas antes que a transação se finalmente, o engarrafamento desentope por uma brevidade. Cliente em movimento, sou perseguido. A obstinada se pendura no parapeito fugitivo para 24
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entregar meu meio litro plastificado e receber na palma aberta em cuia a sua contrapartida: 5 pesawas [algo em torno de R$ 0,07]. A venda se arremata em correria. A bacia: sempre atarraxada à cabeça. Lembro-me de uma nota em Kapuscinski: “Como surgiram os navios nos lagos no interior do continente? Vieram dos portos oceânicos; lá eram desmontados e as peças transportadas na cabeça dos nativos até a beira dos lagos, onde os navios eram montados novamente. Também foram levadas para o interior da África, peça por peça, cidades inteiras, fábricas, equipamentos de mineração, usinas elétricas e hospitais. Toda a civilização tecnológica do século XIX foi transportada para o interior da África na cabeça de seus habitantes”. E a multidão de carregadores acrobáticos segue em marcha. Correnteza de corpos entre filas de automóveis estagnados. Ou escoando pelas vielas estreitas dos mercados labirínticos. É a maré da história em refluxo: uma vaga humana cospe-me no colo todo o lixo ocidental. Para os descapitalizados, os bancos anunciam tentadores empurrões financeiros. Os sedentos podem se aplacar com a cevada espumante liquefeita em barris bretões. Não há mais fronteiras no planeta da telefonia. Assim é nos dias de hoje: a emergente Acra se adornando com enfeites de publicidade. Nos idos de ontem, os marcos de posse do colonialismo eram menos coloridos. Pelo litoral de
Gana, contam-se mais de 60 fortificações erguidas pelos homens do Norte, a partir do século XV, para o serviço de escudos militares e entrepostos comerciais. A roedura da África começou pelas beiradas. Sigo para uma das primeiras dentadas. Caranguejo três horas pela orla, tangenciando o encontro do país com o mar. Elmina é meu atracadouro: aqui, há mais de 500 anos, petrificou-se o Castelo de São Jorge da Mina, a edificação europeia mais antiga ao sul do Saara. No pátio central, a capela. Em torno da sacristia, os armazéns de gentes. Os negros desplantados violentamente de suas terras foram trazidos a essas dependências para serem convertidos em fiéis e cifrões. Agrupado a outros turistas, desço para um dos calabouços: fétida ante-sala dos navios negreiros. Os ouvidos dessas remotas paredes aprenderam a falar. De tanto escutar agonias, esses muros murmuram. Mais um porão. Sobre a entrada, a sentença: “Room of no return”. A fresta exígua por onde entra luz na verdade é saída. Pelas contas de Luiz Felipe de Alencastro, mais de 300 mil atravessaram esse vão na muralha tendo a minha pátria como compulsório destino. Nas externalidades do sítio histórico, patrimônio da desumanidade, reconheço a herança. As mulheres boiam receitas na fervência do dendê. Os homens fecham escapatórias nas redes de
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pesca. As crianças interrompem a amarelinha riscada de carvão: “Obrunie [pessoa branca], how are you?” “I'm fine, thank you!”. Só descansam o coro quando retribuídas com aceno e sorriso. Sob a mira dos canhões enferrujados do Castelo de Elmina, passeio por uma Bahia anglófona. Na marra, os holandeses tomaram a fortaleza aos portugueses. Depois, passaram-na por moeda aos ingleses, que por sua vez ocuparam a Costa do Ouro sem etiquetas de lorde. Retornado à capital, aprendo de um artesão no mercado de artes a história de um famoso tamborete: o assento sagrado dos ashantis foi profanado por um burocrata britânico que insistiu em acomodar as nádegas no trono exclusivo aos chefes tradicionais. O povo indignado armou-se em resistência. Meio século ainda demoraria até que os súditos da rainha definitivamente se erguessem das cadeiras nos gabinetes da administração colonial. Lenta e constante, como uma maresia comendo grilhões, a luta pela independência finalmente prevaleceu. Em 1957, Kwame Nkrumah, o regente da autonomia conquistada, discursou como soberano
num descampado em que os europeus costumavam jogar pólo. Acendera um estopim. No mesmo, três anos depois, dezessete países africanos também se desabraçariam de seus algozes. Hoje, o memorável palanque é mausoléu. Nas adjacências do seu leito perpétuo, o líder nacional imortalizado em bronze continua fiel a seu lema: “forward ever, backward never”. Sua estátua tenta um passo a frente. É preciso: novos imperialismos rondam a economia promissora. Não fazem estardalhaço. Dessa vez, sorriem em painéis de propaganda e infiltram-se sorrateiros nas baciadas de amenidades importadas que pesam sobre a cabeça dos vendedores ambulantes. A liberdade é escorregadia. Permanecê-la é eterna vigília. Exige sentidos atentos. Como os do rastafári, que ao chacoalhar meu recém-adquirido brinquedo de percussão, percebeu um engodo. Abriu as pequenas cabaças redondas. Salpicou para fora os pedregulhos impróprios para a boa música. E recarregou-me o ritmo com o chiado de sementes nascidas em Gana.
Antonio Lino é escritor. Relatos de suas viagens podem ser lidos em seu blog (http://dizquefuiporai.blogspot.com)
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GABRIELA PESSOA
Inversão de valores na educação brasileira H
á alguns meses uma charge do cartunista francês Emmanuel Chaunu circulou nas redes sociais com vários indícios de que as pessoas aprovaram o seu conteúdo. Marcada por dois momentos diferentes, o primeiro quadrinho, datado de 1969, mostra um casal de pais, em frente a uma professora segura do seu papel, demonstrando aborrecimento pelas notas do filho, indagando-o: “Que notas são estas?”. O segundo momento, com data de 2009, mostra a situação inversa, os pais irados indagam a professora: “Que notas são estas?”. Desta vez é o filho do casal que está seguro do seu papel, enquanto a professora teme a abordagem dos pais. A charge é francesa, mas quem acompanha minimamente as notícias sobre a educação brasileira não teme em concordar com a charge em sua totalidade. Afinal, no passado os professores eram mais valorizados mesmo, os pais acompanhavam mais a rotina escolar de seus filhos e as escolas não eram essa “bagunça” que são hoje.
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Mas aqui vamos tentar apontar algumas questões, pensando na situação nacional. Desde 1969, muita coisa mudou. Vamos lembrar, já que há muito esforço para que esqueçamos esse fato, que em 1969 vivíamos a Ditadura Militar. Em um estado de exceção, há um esforço para “conter” a população, fazendo-a aceitar o regime. A instituição escolar era um prato cheio para esse objetivo e suas reformas visavam orientar o aluno, de forma que acreditasse viver em uma democracia e a ter orgulho de sua pátria, sem espaço para questionamentos. Associar a “educação boa” à época do Regime Militar pode ser perigoso para aqueles que acreditam na educação como exercício reflexivo e formador de um indivíduo socialmente ativo. Quem acredita que na década de 60 a educação era melhor, talvez não saiba que o acesso a este direito era extremamente limitado. Todos tinham direito à educação, mas à educação primária, e não ao curso como um todo. Todos os
alunos frequentavam o curso primário, mas para o prosseguimento dos estudos era necessário prestar um exame de admissão. Não é necessário muito esforço para imaginar quais alunos conseguiam passar no exame e cumprir todos os anos escolares e quais eram excluídos do ambiente escolar. Ou seja, com poucos alunos, com poucas aulas e com um ensino restrito, os professores tinham melhores condições para trabalhar e o sistema, obviamente, funcionava bem. Uma vez que a massificação do ensino brasileiro foi feita sem planejamento, caímos no dilema
atual, de salas lotadas e sem estrutura, queda nos salários, desvalorização da profissão. Outro aspecto a ser considerado é a formação das famílias e a relação com o mercado de trabalho. Em meados da década de 1960, a função feminina era zelar pelo bem estar da família, da casa e da educação dos filhos, enquanto o pai, responsável financeiro pela casa, trabalhava para prover o sustento. Hoje, a situação mudou. Com as novas tecnologias, o trabalho não fica mais restrito ao ambiente profissional, trabalha-se cada vez mais. Os filhos, cada vez mais sozinhos precisam ser “recompensados”
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pela ausência dos pais. Nesse sentido, a escola é uma ótima ideia, pois é um depositário, público ou privado, de filhos que ficam por determinado período, enquanto os pais trabalham. O que eles estão fazendo na escola não é a questão principal, pelo menos não estão sozinhos ou na rua. A educação mais básica à formação completa é delegada ao professor, responsável por educar e formar todos aqueles filhos, já que os pais não têm tempo. Nessa situação, os pais não querem ser pais na totalidade, e sim pais legais. Instaura-se a síndrome do “meu filho pode tudo”: “meu filho xingou a professora, mas não foi culpa dele”, “meu filho bateu no amiguinho, mas não foi culpa dele”, e daí para casos mais graves ou, como retrata a charge, “meu filho tirou notas baixas, mas a culpa não é dele”. Nunca a culpa é do filho, é sempre dos outros, aos olhos desse novo perfil de pais. A educação é um fenômeno social e uma sociedade que não a valoriza não deveria reclamar de seu mau funcionamento. Valorizamos as profissões que rendem um rápido retorno financeiro, ao invés de estimular diversas atuações profissionais, como as
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científicas. Nos esquivamos de educar, de orientar aqueles que não estão sob nossa responsabilidade direta pelo simples fato de que os pais, ou a escola são os únicos responsáveis por aquele ser. Uma sociedade individualista parece não ser compatível com uma educação realmente transformadora. Todos esses apontamentos são complexos e de soluções nada fáceis. No entanto, é necessário repensarmos estas questões não tão antigas para que não caiamos no saudosismo simplista de modo a achar que “o antigo era bom e o atual é ruim”. Essa postura em nada ajuda a compreender a situação que está diante de nós. Refletir sobre quais fatores geraram essas mudanças e repensar nossas posturas e responsabilidade sobre a educação, como pais, professores, alunos, ou minimamente comprometidos com este tema, é fundamental para reverter o quadro da educação brasileira.
Gabriela Pessoa é historiadora e educadora
RODRIGO NAZCA
Esqueletos... Um assassino cruel. Sem piedade, sem parcimônia. Não poupa nenhuma vítima, quer todas cinzas, todas passadas... Matou os primeiros 24 demoradamente, com prazer, pois tudo era novo, eram só possibilidades, descobertas! 1440 dilacerou com gana, gula, emoção, rapidamente, com uma metralhadora! 86.400 já deu mais trabalho... Mas ainda jovem, perseguia-os, não escapava um. Depois de matar 2.592.000 vinte e uma vezes, pelo Diabo, está exausto. Quer férias! Gastou tudo que tinha, cada munição, cada dente, cada fôlego. Mas não! Não pode! Algo não o deixa, que será? Que merda! É preciso parar! Milhões, milhões! É uma calamidade! Não a morte, mas o cansaço! O tédio, a arrastar, a demora... Mas não, é preciso mais! 31 milhões e 104 mil vítimas indiferentes... em um período que parece longo, mas que a cada geração torna-se menor... É uma chacina enorme, é verdade, quanto trabalho! Sente-se explorado por esses malditos que têm que matar... E até hoje, desesperadamente sem aguentar mais tarefa tão insípida, tão sem graça, tão desagradavelmente insossa, pois os sentidos já não reagem a essa desmedida, é forçado a admitir que matou, sem paz, sem trégua, 653 milhões e 184 mil... segundos... canalhas... desnudos... e contando... Milhões de segundos, minutos e horas... anos e décadas... mortos, no inferno! E intermináveis! Tempocidas, todos nós, pois tudo que fazemos é matar O TEMPO. http://www.oceudaquelaterra.blogspot.com.br/
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VANESSA BALSANELLI
Pretinho básico sustentável A
moda é conhecida por seu sistema capitalista, no qual se lança um produto, se estabelece o desejo, consome-se, torna-se obsoleto, desenvolve-se um novo produto, propaga-se como novo sonho de consumo. A roda do capitalismo gira em torno do produto, desejo, aquisição, e descarte, tornando o consumismo compulsivo e com grande impacto ambiental. Mas há alguns anos, a preocupação com o consumo sustentável aumenta, tornando consciente grande parcela da população não somente no âmbito financeiro, como uma forma de economizar, mas também com a escolha de marcas que são social e ambientalmente responsáveis, ou na assistência a projetos que utilizam a moda para arrecadar fundos para instituições de caridade. Assim foi a ideia de Sheena Matheiken, irlandesa que passou sua infância na Índia, ao criar o The Uniform Project com intenção de ajudar a Fundação Akanksha, organização não governamental voltada à educação de crianças que vivem em
condições precárias, com o objetivo de arrecadar fundos para colocar essas crianças nas escolas, cobrindo suas despesas educacionais. Na Índia são mais de 10 mil crianças que não têm a oportunidade de estudar, tornando a diferença social ainda mais evidente no país. The Uniform Project nasceu em meados de maio com a colaboração de Eliza Starbuck que projetou e confeccionou o Litlle Black Dress (LBD), um vestido que pudesse ser usado frente ou verso, que fosse versátil para ser utilizado de diferentes formas, com itens feitos a mão, doados, já existentes no guarda roupa de Sheena e de artistas social e ambientalmente responsáveis que a ajudassem a compor o visual dos 365 dias do ano em um exercício de sustentabilidade e desafio de criatividade. Com o engajamento de pessoas que comentaram e apoiaram a causa foi possível ajudar 287 crianças da fundação. Sheena conta, como convidada de um TEDx – uma espécie de evento para que pessoas de grandes
ideais possam partilhar suas experiências – , que tornar o projeto interativo com classificações e comentários foi decisivo para que mais pessoas participassem diariamente e se sentissem parte do projeto, comentando, avaliando, doando além de dinheiro, acessórios que foram leiloados ao final do projeto com a renda total revertida para a Fundação
Akanksha. Inspirada pelas ideias de Martin Luther King sobre filantropia, ela iniciou o projeto, que após um ano de duração, conscientizou e conscientiza outras mulheres que partilham desse ideal e fazem seus próprios LBDs. India S. Menuez, Angie Johnson, Summer R. Oakes e Aki Goto foram algumas das escolhidas pelo Uniform Project no segundo ano do projeto para criarem seus próprios vestidos pretos e no período de um mês participar desse desafio criativo ajudando entidades de seu interesse como Our Shool at Blair Grocery, Free the Children, Charity: Water, entre outras. Cada desafio do mês foi divulgado no site oficial, além dos blogs das próprias participantes, mostrando seus estilos diferentes e como podem ser criativas utilizando um mesmo tipo de vestido ao longo do mês. Além delas, outras pessoas se envolveram com o projeto pelo mundo, comentando, apoiando, fazendo seus próprios blogs e contando a cada dia sobre as instituições que apoiam. Destaque no The New York Times, CNN, London Times, BBC, Vogue, Elle, The Guardian, Marie Claire, e o Uniform Project tornou-se popular e ampliou sua influência nas mídias sociais com o apoio do grupo Green Team no Ebay, que indica marcas sociais ambientalmente responsáveis, além de um fórum de discussões para interessados. Atualmente a atualização do projeto no site está suspensa, mas somente enquanto o grupo se concentra em criar mais oportunidades interativas e comunidades baseadas na plataforma do projeto. Como o Uniform Project demonstrou, a moda pode ser usada como uma alternativa divertida de se expressar e poder propagar sustentabilidade social e responsabilidade de consumo, o que falta é propagar essa ideia e conseguir mais pessoas engajadas. Para saberem mais desse projeto visitem a página: theuniformproject.com.
Vanessa Balsanelli é designer de moda
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MARIZE CASTILHO
O ato de desarmar-se N
ão raro, a mídia divulga as iniciativas do poder público de campanhas para o desarmamento como uma medida no combate à violência. Todavia, basta um olhar mais cuidadoso à nossa volta, para percebermos que, paralelamente às facilidades do mundo moderno, principalmente nós que vivemos nas grandes metrópoles, desenvolvemos um senso de urgência e também de desconfiança, nem sempre necessários, que estão nos transformando em seres humanos “acelerados e arredios”. Vivemos num ritmo que, a uma leve interrupção ou uma abordagem inesperada, transformamos a nossa expressão facial e o nosso olhar em farpas, em barricadas para evitarmos qualquer tentativa de aproximação de quem quer que seja. Será que não está na hora de colocarmos um pé no freio e um pouco de bom senso e humanidade nas nossas atitudes? Essa forma de nos conduzirmos como se estivéssemos 24 horas por dia em vias de “apagarmos um incêndio”, não deixa de ser uma espécie de violência, praticada contra aqueles com quem convivemos e também com consequências permanentes contra nós mesmos. Vejamos. • A pressa exagerada e a desconfiança estão nos impedindo de enxergar o lado bonito da vida, presente nas belezas da natureza, no contato com o nosso semelhante. Estamos cada dia mais focados no que é feio, mau ou errado, sob o nosso ponto de vista. • Vivemos hoje a era digital. Graças a isso, desenvolvemos um dialeto próprio, que limita a nossa capacidade de comunicação com a maioria das pessoas. 34
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• A paciência e a atenção tornaram-se virtudes raras e, muitas vezes, frustramos a expectativa daqueles que se aproximam de nós, no intuito de obterem uma informação ou esclarecimento. O nosso “dialeto” ou a nossa pressa nos leva a falar de forma ininteligível, não permitindo que o nosso interlocutor acompanhe o nosso raciocínio e, desanimado, simplesmente se afasta. E nós, sem nos darmos conta, nos voltamos para as nossas tarefas inadiáveis e “mega importantes”, usando um termo bem atual. Nesses grupos, incluem-se, geralmente, os nossos pais, avós, idosos ou qualquer pessoa que, por falta de recursos ou oportunidades, não acompanharam a evolução do conhecimento e da tecnologia. Se não repensarmos esse nosso comportamento, em pouco tempo, seremos vistos como “estrangeiros” por aqueles que não falam o nosso “idioma”. A desconfiança e o medo, muitas vezes infundados, presente em todos os lugares e em todos os momentos, tira de nós a oportunidade de conhecer, de verdade, pessoas com as quais poderíamos estabelecer boas relações, trocando experiência, conhecimento e, acima de tudo, afeto. Mais do que nunca, essa postura imediatista e de desconfiança está nos transformando em pessoas profundamente solitárias ou, quando muito, de relacionamentos superficiais. É claro que o bom senso tem que haver, mas por que não experimentarmos? Que tal suavizarmos o olhar e a expressão séria e, ainda que timidamente, esboçarmos um sorriso? Mas que seja um sorriso sincero, daqueles que “abre portas”, que aquece a alma de quem chega e contribui para o aumento da nossa carteira de verdadeiros amigos.
Marize Castilho é dona de casa
HUGO PAZ
Peito de aço No meu peito de aço Não entra a bala perdida Do desgosto. No encosto Da relva No calabouço primário. A secundária vitima Da desordem conturbante Dos irrelevantes e palpitantes. No meu peito de aço Não entra a bala perdida Da ironia. A fazer apologias Ao desrespeito mútuo Com o discurso Da falsa vitória. No meu peito de aço Entra a bala certa. Perfura meu coração enlatado Contempla-me com louvor Com amor Com a palavra da verdade. No meu peito de aço Entram as balas da coragem!!!
Hugo Paz é escritor
MĂdia colaborativa: livre, democrĂĄtica e diversa!
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