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1º TRIMESTRE
2012
Imagem: Willyan Nolting
porque “navegar é preciso”
América Latina O sensível olhar de uma jornalista mochileira
Viajar é preciso. O escritor Antonio Lino fala sobre suas andanças de Kombi pelo Brasil Eterna São Paulo. A metrópole insana, que se reinventa todo dia
Mande seus textos, ilustrações, ensaios, comentários e sugestões de pauta para: redacao@revistacaravela.com. E acesse nosso blog: www.revistacaravela.com
Um mar de possibilidades
Tripulaçao
Editor Bruno Ferreira Projeto gráfico Manuela Ribeiro Arte Manuela Ribeiro Colaboradores desta edição Andrício de Souza Carolina Lemos Coimbra Elis Lua Gabriela Pessoa Gisella Hiche Hugo Paz Juliana Olivieri Novaes Rafael Martini Vanessa Balsanelli Wan Leone Werner Garbers Jornalista Responsável Bruno Ferreira (MTb 62552/SP)
Sejam todos bem-vindos a bordo desta Caravela, que nasceu de um desejo despretensioso aliado à boa vontade de uma tripulação de colaboradores que, sem ganhar nada em troca, resolveu embarcar comigo nesta viagem! A nossa proposta é tão somente inspirar com textos que sejam mais que informações objetivas, afinal, o que é objetivo em um mundo com diversas realidades e uma multiplicidade de verdades? Não queremos ser mais uma revista com mais notícias e reportagens especiais. Queremos navegar por mares pouco explorados pelos veículos de comunicação: a literatura, a arte, a sensibilidade... Por que não aliar a subjetividade à qualidade de informação? A equipe de colaboradores da revista é constituída por jornalistas, blogueiros, escritores, artistas, designers, músicos e educadores, aos quais agradeço imensamente pela disposição e comprometimento. Mais do que padrão editorial, buscamos nos envolver com os temas e lugares que visitamos. E mais que apresentar informações, queremos fazer com que você, leitor, agora passageiro desta embarcação, aprecie a viagem e o mar de possibilidades que humildemente apresentamos a você. “Navegar é preciso” é uma frase do poeta português Fernando Pessoa que muito me inspira. Acredito que novas propostas contribuem para uma sociedade mais diversa, livre e democrática. E é por isso que a Caravela está aí, pronta para iniciar sua primeira viagem! Espero que você goste!
Bruno Ferreira Editor
Serviço de Bordo
06. Papo na Proa. Escritor relembra as alegrias da viagem que
fez pelo Brasil por mais de um ano abordo de uma Kombi
12. Conheça a arte vibrante do artista Wan Leone 15. E as tiradas de Andrício de Souza 16. Rafael Martini relaciona Rock in Rio com o fim do regime
militar brasileiro
17. MOCHILÃO PELA AMÉRICA
Juliana Olivieri relata com emoção a experiência do contato com terras e hermanos latinos.
24. Gabriela Pessoa aborda os desafios da reinvenção de São
Paulo, uma metrópole desmemoriada
26. Cidade, de Gisella Hiche, onde vive O mendigo, de Hugo Paz 27. São Paulo é caos e insanidade, para Werner Garbers 29. Carolina Lemos faz uma reflexão sobre responsabilidade e
poder de escolha
32. Vanessa Balsanelli trata de uma Moda fora do circuito 34. Bruno Ferreira apresenta a todos o seu Amigo de Infância 35. E Elis Lua mostra como é amar intensamente.
Ponto de Partida
Registrar ou esquecer? O historiador francês especialista em livro e leitura Roger Chartier remonta o percurso da escrita e os meios nos quais as palavras eram inscritas, recorrendo a fatos históricos e relatos literários na obra Inscrever e Apagar, da Editora Unesp. Chartier trata da relação entre o registro de acontecimentos e a opção de seus autores em renegá-los ao esquecimento. O estudo aborda aspectos de Dom Quixote e outras obras escritas entre os séculos 9 e 18, além da relação entre as inscrições e os materiais disponíveis para a escrita durante esse período.
Poder nas redes Com as redes sociais, é possível obter maior visibilidade na internet, mas nem sempre pensamos em maneiras eficientes de manifestação para aproveitar melhor os instrumentos oferecidos pelo Twitter, Facebook, Orkut etc. Tara Hunt aborda estratégias para potencializar a reputação e o valor individual dos usuários no mundo digital no livro O Poder das Redes Sociais, publicado pela Editora Gente. Ela utiliza a palavra “whuffie” para designar o capital social e a reputação dos usuários na internet. (Revista Viração, edição nº 76)
Liberdade de expressão O documentário produzido pelo Coletivo Intervozes Levante sua voz trata didaticamente do direito humano à comunicação, prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O vídeo aborda a relação entre poder, riqueza e meios de comunicação de massa, influência da mídia sobre a cultura e comportamento da sociedade, além de esclarecer sobre a importância do exercício da liberdade de opinião e expressão, o que significa receber e emitir ideias sem restrições. Mas no Brasil a realidade ainda não é essa. O documentário de aproximadamente 16 minutos pode ser visto no site Youtube.
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Papo na Proa ENTREVISTA: BRUNO FERREIRA | IMAGENS: ARQUIVO PESSOAL DE ANTONIO LINO
Viajar para dentro Em 2007, a bordo de uma Kombi, o paulistano Antonio Lino iniciou um processo de autoconhecimento. Inspirado pela obra Autonautas da Cosmopista, do escritor argentino Júlio Cortázar, fez do veículo seu meio de transporte e moradia por um ano e três
meses, tempo que percorreu mais de 100 cidades brasileiras em busca de inspiração e novas experiências. O diário da grande viagem de Antonio Lino, que ultrapassa as fronteiras do Oiapoque, foi transformado em livro, de nome um tanto incomum, mas bastante
apropriado: Encaramujado. O estilo do jovem escritor paulistano, formado em publicidade e ativista desde a adolescência, revela mais que sensibilidade. Seus relatos são repletos de sabedoria, qualidade talvez rara em homens de apenas 33 anos.
Eu vi no site do livro uma citação sua bastante interessante, que diz: “viajar é sair para dentro”. Essa citação justifica o título da obra “Encaramujado”? Exatamente. A palavra "encaramujado" faz alusão ao caramujo, molusco que carrega a sua própria "casa" nas costas e, ao mesmo tempo, tem esse sentido de se "encaramujar", ou seja, de se voltar para si mesmo. No livro, eu procurei revelar com os textos as minhas próprias paisagens internas, digamos assim. Além de ser uma viagem de Kombi pelo Brasil, eu costumo dizer que foi também uma viagem "pelos cafundós de mim".
atrelados à pessoa que somos na vida comum, mas que pode não ser quem somos na essência”. A viagem nos tira do lugar comum, literalmente. Viajar certamente favorece o autoconhecimento. Para mim, funciona bem. Mas não creio que pegar a estrada seja a única forma de "encontrar nosso verdadeiro eu", pra usar a expressão do Botton. Às vezes, não é preciso ir tão longe. Acho que mesmo entre os móveis da casa, dá pra manter a vida em constante movimento. Talvez seja um pouco mais difícil. Mas não é impossível. Cabe a cada um, viajante ou não, encontrar os atalhos para a sua própria essência.
Para fazer um exercício de autoconhecimento é necessário viajar para outros lugares e ficar tanto tempo fora? Tem uma passagem do livro A Arte de Viajar, do Alain de Botton, que eu inclusive cito no Encaramujado, e diz assim: “Não é necessariamente em casa o melhor lugar para encontrar nosso verdadeiro eu. A mobília insiste em que não podemos mudar porque ela não muda; o cenário doméstico mantém-nos
O que você descobriu sobre você mesmo ao fazer essa viagem pelo Brasil? Numa viagem longa como a que eu fiz, sem lugar certo para ir nem hora marcada pra voltar, a liberdade exige muito do viajante. As possibilidades são todas. A todo momento, é preciso fazer escolhas. O que quero comer? Onde vou estacionar para dormir? Fico aqui ou sigo para a próxima cidade? Quero conhecer gente ou ficar sozinho no meio do mato? Enfim,
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era preciso decidir a todo instante, porque nada estava pré-definido, não havia uma rotina estabelecida que me permitisse ligar o piloto automático e pronto. Então, para realizar essas pequenas escolhas, a todo momento eu ficava me perguntando: o que eu quero agora? O que é mais importante para mim nesse momento? E acho que por conta disso, como eu viajei a maior parte do tempo sozinho, um dos meus maiores aprendizados foi ter aprimorado esse meu diálogo interno. E isso eu trouxe comigo quando voltei para São Paulo: sinto que agora é um pouco mais difícil esquecer de mim mesmo e me deixar levar pela confusão da cidade grande. Por que viajar numa Kombi? Durante os preparativos para a viagem, eu buscava um carro que me servisse ao mesmo tempo como transporte e hospedagem. Além disso, sou um grande admirador do Júlio Cortázar, um escri-
tor argentino. E ele tem um livrinho muito divertido chamado os Autonautas da Cosmopista em que ele narra uma viagem que ele fez com a esposa, na França, numa Kombi vermelha. Depois de conhecer essa aventura do Cortázar, todos os outros carros me pareceram menos interessantes. E eu acabei decidindo viajar de Kombi mesmo. Você dormia sempre na Kombi ou às vezes se hospedava em algum hotel ou pensão? Eu sempre preferia dormir na Kombi. A não ser nos lugares em que fiquei mais tempo como, por exemplo, em Rio Branco, no Acre, em que me hospedei na casa de amigos. Ou então em casos extremos, como quando eu voltava de um dia de trilha na natureza e chegava no carro muito sujo de lama, à noite. Aí eu apelava para um pensãozinha pra usar o chuveiro. Mas fora isso, em geral, a Kombi era o meu dormitório.
Você conseguia descansar ponder. Em relação a outros países da América do Sul, eu tenho numa boa dentro da Kombi? Eu fui aprimorando a minha téc- melhores referências. Mas especinica para dormir dentro da ficamente sobre nossos vizinhos lá Kombi. A escolha do lugar era de cima, para além do Oiapoque, importante. Eu tentava sempre minha ignorância era vergonhosa. estacionar em algum canto que Então decidi ir até lá, para aprenfosse ao mesmo tempo sosse- der na prática. gado, mas que também não fosse muito isolado e nem muito es- Por que a preferência pelo curo, para preservar a minha se- Norte do país? gurança. Eu também geralmente Eu já havia feito algumas viaemparelhava a Kombi com algum gens pelo Brasil antes, nunca tão terreno baldio, pro caso de preci- longas como essa, mas já conhesar de banheiro numa emergência. cia bem uma parte do Nordeste, Com um ano e três meses de ex- um tanto do Centro-Oeste e periência, posso dizer que fiquei bastante do Sul e Sudeste. O especialista em estacionar a Norte ainda era para mim, naquele momento, o canto do país Kombi para pernoitar. de que eu dispunha de menos Eu vi que no site que você foi referências. Foi essa curiosidade além do Oiapoque e chegou ao irresistível pelo desconhecido Suriname e Guiana. O que te que me motivou a viajar cinco meses pela Amazônia. levou a avançar a fronteira? Naquele momento, se você me perguntasse qual era a capital da Você visitou 33 pontos do Brasil Guiana ou do Suriname, eu ficaria ao longo de um ano e três constrangido e não saberia te res- meses, certo? Você sentiu sau-
dade das pessoas do seu convívio, teve algum momento que quis parar com tudo e voltar correndo pra São Paulo? Pelas minhas contas, eu visitei cerca de 100 municípios em 15 estados brasileiros. Os 33 pontos que estão no site são apenas uma amostra. A saudade foi minha companheira constante durante a viagem. Especialmente aos domingos, no interior, quando as pessoas estão mais recolhidas, eu sentia falta da minha família e dos meus amigos. Mas a saudade nunca alcançou um ponto que me fizesse questionar a viagem e nem me fazia pensar em voltar. Era uma saudade saudável que, na verdade, me ajudou a valorizar mais certos aspectos da minha vida que, enquanto eu vivia em São Paulo, nem sempre eu tratava com a devida importância. Em entrevista ao programa Em Pauta, da Globo News, você disse que não é possível estabe-
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lecer um ranking dos melhores momentos da viagem, e eu entendo que todo o contexto da viagem tenha valido a pena. Mas entre as mais diversas formas de cultura com as quais você teve contato, quais situações mais te surpreenderam? De fato, eu não consigo fazer uma lista de lugares preferidos. Eu sempre costumo dizer que cada canto tem seu encanto. Mas em alguns lugares eu pude ficar mais tempo e assim consegui experimentar com maior intensidade a
sua intuição? Eu tinha alguns amigos que eu planejei visitar durante a viagem. E eu também me interesso muito pela cultura popular brasileira e sabia que, em determinadas regiões, em certos períodos do ano, estariam acontecendo certas festas tradicionais. Então, em alguns momentos, eu moldei minha rota ao meu interesse pelo folclore. Mas em geral, eu seguia mais a minha intuição Você planejou o roteiro da mesmo.E apontava para onde viagem ou preferiu seguir a o vento estivesse soprando.
cultura local. Nesse sentido, o Acre me surpreendeu muito. Fui acolhido de maneira bastante generosa em Rio Branco e pude aprender mais sobre a história e as tradições deste estado sobre o qual nós aqui em São Paulo, infelizmente, ainda conhecemos tão pouco. O contato com os povos indígenas, em especial o povo Yawanawa, me rendeu experiências profundamente marcantes.
Conheça Encaramujado pelo site www.encaramujado.com.br e textos de Antonio Lino em www.dizquefuiporai.blogspot.com
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WAn LEOnE “Comecei a desenhar na escola, sempre tive problemas de concentração. A professora começava a dar sua aula normalmente, e eu começava a rabiscar. E isso não me impedia de aprender. na verdade, era a minha forma de me concentrar para entendê-la. Rabiscava todas as folhas do meu caderno, cada espaço em branco que sobrava. Meus colegas diziam que eu tinha um traço bacana, mas nunca procurei guardar meus desenhos. Eu os achava feios.
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Às vezes eu acho que vou pirar. Fico com as imagens na cabeça por dias martelando, pedindo que eu pegue o lápis e as desenhe. E quando finalizo um desenho sinto um misto de alívio e um leve cansaço, já que quando começo, fico ansioso para ver o resultado, e acabo passando horas tendo o papel, o lápis e uma garrafa de café como companhia. nunca fiz um curso sequer de desenho. Tudo o que sei aprendi observando os outros. Tenho há alguns anos como inspiração os desenhos de Eugênio Colonnese, e hoje em dia, nanda Corrêa.”
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3.
Legendas: 1. Rafael | 2. Água Contida | 3. Eva Wan Leone é editorador da cidade de São Mateus (ES). Assim como o desenho, aprendeu sua profissão na base da observação
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RAFAEL MARTINI
Rock in Rio: a celebração do fim do Regime Militar N
o dia 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito, por meio de eleição indireta, presidente da república, encerrando um ciclo de cinco presidentes militares. A eleição estava intimamente ligada ao movimento civil que ficou famoso como “Diretas Já” - um dos maiores apelos político-sociais da história do Brasil. As Diretas deram origem à emenda constitucional Dante de Oliveira, cuja reivindicação por uma eleição direta à presidência da república era, segundo o IBOPE, a vontade de 84% da população. Mesmo rejeitada na Câmara dos Deputados, as manobras populares deram força a articulações de oposição ao regime militar, que culminou na vitória do político mineiro Tancredo Neves. E foi no começo deste mesmo ano, entre os dias 10 e 21 de janeiro, que aconteceu a primeira edição do Rock in Rio, um evento criado pelo empresário Roberto Medina com o intuito de convidar o povo brasileiro a celebrar a liberdade. Após mais de duas décadas de repressão, o festival colocaria o Brasil, enfim, como passagem obrigatória das grandes turnês internacionais. Em um terreno de 250 mil m², o Rock in Rio recebeu um público de mais de 1,3 milhão de pessoas e contou com a presença de atrações internacionalmente famosas como Queen, Iron Maden, Yes, Scorpions e AC/DC.
Ficou combinado que cada convidado faria duas apresentações no festival. O show mais esperado pelo público era o da banda Queen, que nos dias 12 e 19 se apresentou para cerca de meio milhão de pessoas. Mais tarde, o show foi transmitido pela TV Globo para toda a América do Sul. A apresentação, com direito a abertura dos rockeiros do Iron Maden, teve seu momento apoteótico na música Love of My Life. Fred Mercury foi obrigado a parar de cantar no meio da música para reger o coro entusiasmado com mais de 300 mil vozes. Outro momento memorável foi quando Klaus Meine, vocalista do Scorpions, ergueu a bandeira nacional em uma demonstração de respeito e admiração pelo povo brasileiro. Não distante disso, em 8 de maio de 1985, o Congresso Nacional aprovaria a emenda constitucional que dava fim ao que restava do regime militar, iniciado em 1964. Era então aprovada a eleição direta para presidente da república. Em 2011, o Rock in Rio fez sua quarta edição no Brasil e a décima pelo mundo, contando com festivais realizados em Lisboa e Madri.
Rafael Martini é jornalista e músico
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JULIANA OLIVIERI
Sem limites O aprendizado infinito e as inesquecíveis emoções de um mochilão na América Latina
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entar num banco da pracinha de San Pedro de Atacama e tomar um sorvete enquanto o Sol de 30 graus arde na paisagem seca do deserto. Provar uma empanada de camarão fresquinho no mercado central de Santiago. Tomar café numa das varandas da Plaza de Armas de Cuzco. Emocionar-se com a grandiosidade de Macchu Picchu. Encarar um passeio de 4X4 por três dias no congelante Salar de Uyuni. Aprender a lidar com o ar rarefeito, os 14 quilos da mochila, o desconhecido dia seguinte, as diferenças dos colegas e o cansaço do corpo. Despedir-se da Cordilheira dos Andes da janelinha do avião. Um sonho que aos poucos ganhou formas de realidades diferentes e inesquecíveis. Essa talvez seria a descrição mais fiel, se não fosse injusto descrever impressões que ainda se transformam diariamente. Em setembro de 2011, com mais dois amigos, viajei para meu primeiro mochilão. No roteiro, Bolívia, Peru e Chile. Na bagagem, três calças, um par de botas, disposição aos montes e muita vontade de descobrir e descobrir-me. Entre o primeiro e o vigésimo dias, começo e final da viagem, dois trechos de avião: de São Paulo até Campo Grande na ida e de Santiago até São Paulo na volta. O restante foi feito de ônibus e trem, para tornar a viagem o mais barata e aventureira possível. Entre esses caminhos, fronteiras, encontros e imprevistos, vivi experiências incríveis. Com prazer, relembro e compartilho algumas agora.
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Jeitinho boliviano De Campo Grande até Corumbá são seis horas de ônibus. Dormimos num albergue de simpáticos contadores de histórias do Pantanal e seguimos, logo cedo, para a primeira de muitas fronteiras que encontraríamos dali pra frente. Atravessar a fronteira se resume a entrar numa fila, às vezes demorada, carimbar o visto do país do qual está saindo, caminhar alguns metros até a imigração do outro país e carimbar o visto de entrada. Simples. E para viajar pela América Latina apenas carteira de identidade basta. Comprovado! Não foi ao atravessar, mas um pouco depois, que comecei a sentir a mudança de país. Nem tanto pela pobreza e as ruas de terra mal planejadas, costumeiras no Brasil e logo avistadas em Puerto Quijarro, a quinze minutos da fronteira, mas muito mais pelo semblante dos moradores dali, impressão que me acompanhou em todas as cidades da Bolívia visitadas depois. É uma expressão sofrida, mistura de descontentamento com impotência e descrédito. Descendentes de índios, com a pele escura e bastante manchada pelo sol, trocam poucas palavras, abrem mínimos sorrisos, são desconfiados. Dá a impressão de que pressa é mais dinheiro, e que mais dinheiro ainda é muito pouco para sustentar
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uma vida digna. Não há tempo a perder com higiene ou atenção ao turista. O rolo compressor que parece passar pela sociedade boliviana, pelo menos nas ruas, onde tive mais contato, deixa nos rostos marcas tristes, desesperançosas, sem expectativa e força pra enxergar algo melhor para o futuro. De Puerto Quijarro, embarcamos no famoso “trem da morte” rumo a Santa Cruz de La Sierra. Foram 13 horas a passo quase de tartaruga e com uma paisagem sem graça pra fora da janela. Vale a experiência e as pessoas que cruzam os corredores estreitos do trem. Tinha vontade de perguntar a cada uma de onde vinha, como era o cotiadiano na Bolívia, para onde estava indo. Do alto de meu portunhol muito sem-vergonha, fiquei só na observação. De Santa Cruz, depois de um banho gelado de 1 boliviano (R$ 0,25) na rodoviária, mais 13 horas até La Paz, onde chegamos debaixo de chuva, termômetro marcando zero grau e taxis fora de circulação por problema de abastecimento de combustível, comum no país. Talvez tenha sido o meu primeiro contato com o “se vira” de um mochilão. Apesar do cansaço de dois dias sem cama, o jeito foi respirar fundo e pensar em soluções, sem perder o bom humor. Não foi fácil!
Em La Paz, inúmeros imprevistos com agências e albergues. Acionamos a polícia turística três vezes, avistada facilmente patrulhando as ruas próximas à Calle Sagarnaga, a mais famosa do centro. É preciso ter extrema cautela com valores, descontos, itens realmente inclusos nos passeios, horários. Os bolivianos, infelizmente, têm o péssimo hábito de mentir para tirar proveito e, por mais sensitiva que eu fosse, sempre acreditava e era pega de surpresa de novo lá na frente. Uma visão comum e curiosa por toda a Bolívia, são as cholas carregando suas proles nas costas. Cholas são senhoras, na maior parte das vezes gordinhas, com os cabelos negros e um chapeuzinho muito particular na cabeça, parecido com o do Chaplin, mas um pouco menor. Elas dobram aqueles panos coloridos vistos em todas as esquinas de tal forma que suportam um peso incrível. E lá vão elas, pra cima e pra baixo com as crianças sacudindo. Nunca caem. A maioria das cholas usa pedaços de ouro encapando alguns dentes. Descobrimos com um taxista que é uma forma de chamar a atenção, sentem-se mais atraentes e, por isso, muitas bolivianas (e também os homens) guardam dinheiro para alcançarem esse diferencial.
A ilha mágica Um lugar especial, onde a única lei é o poder da natureza. Assim é a Isla Del Sol. Abraçada pelas águas transparentes do Titicaca, ali vivem dois povoados descendentes de indígenas. Em meio a montanhas e paisagens espetaculares, é possível visitar interessantes ruínas do período inca. Essa atmosfera secular se junta a simples pousadas, agradáveis moradores e um modo impensado de se viver, imprimindo à Isla Del Sol uma característica singular, quase inacreditável, serenamente bela.
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Para chegar a esse paraíso pouco descoberto (ainda bem), partimos de La Paz rumo à cidade de Copacabana, norte da Bolívia. Viagem de quatro horinhas que mais parece um leve passeio repleto de vegetação por todos os lados. As curvas tiram a impressão do quanto estamos ganhando em altitude desde La Paz: de 3660 para 3840 metros. Dá-lhe tontura. De repente, um inquietamento toma conta de todos no ônibus, recheado de nacionalidades do mundo inteiro. Suspiros incrédulos, máquinas a postos, brilhos nos olhos. É o Lago Titicaca que começa a se mostrar pelas janelas. Não dá pra alcançar onde termina, comprovei que o segundo maior lago do mundo é realmente de uma imensidão escandalosa. Com a companhia do Titicaca até o fim da viagem, a ansiedade é grande para conhecê-lo mais de perto. E duas horas de barco partindo de Copacabana nos levaram, nas águas calmas do lago, até o norte da Isla Del Sol. Esqueça trânsito, barulho, celular, internet, depredação e tantos outros “ares” dessa vida louca das grandes cidades. Pisar na Isla Del Sol é se dispor a viver naquele outro mundo que, me parece, deveria ser o normal. Converse com as pessoas. Elas não estão tristes clamando por desenvolvimento e tecnologias. O único apego, ali, é com a Pachamama. Do quechua Pacha (universo) e Mama (mãe), Pachamama para os povos latinos é a natureza, a mãe sagrada que permite a existência e a sobrevivência de qualquer forma de vida e que, portanto, deve ser venerada acima de tudo. O respeito que eles carregam pelas leis da natureza é de cutucar qualquer um por dentro, faz a alma refletir. E imprimiu em mim um sentimento de gratidão pela Isla Del Sol.
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Sonho de criança Os lugares que meus pés conheceram no Peru são mágicos. O país abriu meu coração pra sentir de fato o legado deixado pela ainda misteriosa civilização inca. E é um mistério sentido de perto, construções inexplicáveis que intrigam o mais descrente visitante. De Copacabana para Cuzco, 12 horas. Mais uma noite para enfrentar de ônibus. Apesar de chegar às cinco da manhã no albergue, oferecido entre tantos outros na rodoviária, a primeira impressão da cidade foi encantadora e me lembrou Paraty, no litoral norte de São Paulo. Ruas estreitas de pedras largas, construções baixas e antigas, um céu azul espetacular. Clima histórico e boêmio. Foi paixão à primeira vista. A paixão só veio a crescer, fosse pela aconchegante Plaza de Armas, rodeada por varandas de cafés e restaurantes e uma catedral imponente, de 1536, ou pela atmosfera intimista das baladas ecléticas, frequentadas por estrangeiros do Japão à Luxemburgo e regadas a pisco sour, uma bebida a base de pisco (aguardente da região), suco de limão e clara de ovo batida. No terceiro dia em Cuzco, eu acordava para partir rumo a um sonho. Até Ollantaytambo, duas horas de carro com muitas lhamas e alpacas. De lá, um trem panorâmico sobe uma hora e meia por entre montanhas e chega numa estação de trem em Águas Calientes, cidadezinha aos pés de Machu
Picchu, onde obrigatoriamente todos que querem ir ao parque arqueológico fazem parada. Apesar da estrutura impecável para receber por dia mais de 1500 turistas, Águas Calientes preserva a intimidade de ser praticamente um vale, encrustado em montanhas milenares com histórias e mais histórias, contadas sem descanso por sorridentes e tranquilos moradores. Basta estar lá, respirar o ar, para se sentir na casa dos incas. A poucos metros, mais pra cima ainda, dez minutos de ônibus, a entrada para o sonho. O coração disparou e nada que quisesse falar faria sentido algum. Só o sentir imperava. E eu entendi o que é estar em paz. Foi um choro de criança que veio umas três vezes, durante as seis horas que caminhei pelas ruínas de Machu Picchu. Lágrimas com sabor de felicidade, realização e contentamento simples, al-
gumas incrédulas por estarem diante de algo impensado, surreal. Fui embora grata ao universo por essa sensação única de pertencer ao mundo. Estar em Machu Picchu é compreender que nem tudo pode ou deve ser compreendido, mas pode ou deve ser sentido.
Três dias pelo deserto “Fechem os olhos e abram apenas quando eu deixar”. A frase, dita pelo guia nos primeiros momentos do passeio, não poderia ser mais oportuna. Juanito brinca com os turistas porque sabe que quando disser “podem abrir”, a reação será sempre a mesma: “aaaaaaaaahhhhhhh”. Estar no meio do Salar de Uyuni, o maior de sal do planeta, faz perder o fôlego. É uma paisagem que os olhos desconhecem. A outra recomendação é não tirar
os óculos escuros pra nada durante o dia. São tantos quilômetros de chão branco que a claridade ameaça as retinas. O infinito branco é o começo do passeio de três dias com dezesseis pessoas: seis turistas, dois motoristas, um guia e uma cozinheira se acomodam em duas caminhonetes 4X4, o único jeito de atravessar o deserto, localizado no sudoeste da Bolívia. Partimos da pequenina e pacata cidade de Uyuni, onde estrangeiros apreciam um té de mate (chá local) enquanto tentam se esquentar, às dez da manhã. No nosso carro, um australiano, uma americana e uma canadense muito animados cantam e falam o tempo todo, enquanto sacudimos rumo ao nada – por muitas vezes, me pergunto como o motorista pode saber qual direção seguir, já que não há bússola, marcas, pontos de referência... Nada. Apenas a imensidão do deserto. Para quem faltou nessa aula de história, o guia Juanito responde todas as perguntas sem nem pensar. São nove primaveras pisando naquele chão, que há aproximadamente 40 mil anos formava um enorme lago. Paramos para almoçar na Isla Del Pescado, uma enorme formação montanhosa no “meio do nada”, literalmente. Enfeitam a ilha milhares de cactus, que crescem um metro a cada ano. Fica o gostinho de voltar no verão, quando a água das fortes chuvas escorre pelos andes e inunda o salar, reluzindo paisagens cinematográficas. Cai a tarde e a sensação térmica acompanha, causando em mim um tremendo mal estar. Estamos hospedados num hotel de sal, muito curioso, mas não consigo aproveitar tanto. Além de não me acostumar bem ao frio desde criança, vinha de uma recuperação de dias com febre e resfriado.
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É preciso respirar fundo e encarar o segundo momento “se vira” com paciência. Não há médicos nem hospitais por perto. Começo a refletir como a vida é frágil e quanto o ser humano é capaz de aguentar situações extremas. Não é pouco. No segundo dia, a caminhonete passa a rodar em cima de terra firme. Marrom. Árida. Seca. Poeira. A paisagem é muito semelhante a cada vez que acordo, entre um cochilo e outro. São horas de quilômetros rodados e poucas paradas, para apreciar lindíssimas lagunas, flamingos, vulcões e montanhas. Longe de tudo o que é tão cotidiano, me sinto abraçada pela natureza em suas distintas formas. Na segunda noite, dorme-se num abrigo simples e muito frio. Sem abastecimento de água, utilizamos lencinhos umedecidos para a higiene. Luz elétrica também é parcial: temos duas horas pra carregar as baterias das câmeras e organizar a mala, pois às 4h30 acordaremos para a infelicidade do meu corpo, que reclama ininterruptamente do frio abaixo de zero. Apenas nas madrugadas é possível apreciar os geysers, gases que emanam de buracos no chão do deserto, fenômeno causado pela atividade vulcânica do local. É uma experiência rara e congelante. A compensação vem na próxima e última parada, uma incrível terma de águas a 40 graus. A coragem permite arrancar a roupa em meio ao frio e mergu-
lhar sem querer sair. É um bálsamo depois de três dias com mais de três blusas, duas calças, meias, cachecois e luvas e, mesmo assim, sentindo frio. .......... Apesar da primeira tentativa, “mochilar” ainda é um verbo desconhecido. Talvez seja pra sempre, pois não há viagem mais dinâmica do que vestir uma mochila nas costas e partir. Rever as mais de mil fotos mexem com meu coração viajante, que aprendeu nessa aventura uma lição dura, mas mais simples do que parece: aproveitar cada segundo e não se apegar. O mundo está aí, colorido, vivo, pulsante, nunca pronto, mas sempre aberto para transformações. Pode existir algo mais humano do que viver outras formas de se viver? Novos gostos, sons, olhares, vozes, gramas, moedas, medos, emoções? No momento, desconfio. Nada mais justo do que terminar essa matéria com minhas meias coloridas de lã de alpaca, tomando um té de mate e em plena sintonia com a lágrima de felicidade que escorre. Até a próxima!
Juliana Olivieri é jornalista e escreve crônicas para o blog 20 e tantos ganchos: www.20tantos.wordpress.com
Legendas: 1. Lhama em Machu Picchu (Juliana Olivieri) | 2 e 3..Cholas (Anderson de Souza Pinto) | 4. Crianças em Isla Del Sol (Juliana Olivieri) | 5. Vista da Isla Del Sol (Willyan Nolting) | 6. Catedral na Plaza de Armas, em Cuzco (Willyan Nolting) | 7. Vista de Machu Picchu (Willyan Nolting) | 8. Hotel de Sal (Juliana Olivieri) | 9. Salar de Uyuni (Juliana Olivieri)
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GABRIELA PESSOA
São Paulo sem passado? Desafios da reinvenção da metrópole
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á alguns anos, São Paulo ganhou o rótulo de cidade veloz. A velocidade impressionante da cidade remetia às atividades comerciais, industriais, aos carros, ao transporte e, de um modo geral, à movimentação das pessoas. Esse fato ainda hoje é facilmente verificável se observarmos a entrada e saída dos metrôs em horário de pico, ou se andarmos em centros financeiros da cidade, como a Avenida Paulista. De qualquer maneira, hoje podemos questionar a velocidade da cidade se tivermos como pano de fundo o transporte urbano e o trânsito. Mas São Paulo também detém esse título por conta da velocidade com que muda de “cara”. A facilidade com que ela se reinventa diariamente, aos sabores das especulações imobiliárias ou aos investimentos em infraestrutura. Se deixarmos de passar por algum tempo em determinada rua ou bairro, podemos nos espantar. São tantos edifícios erguidos, alguns outros demolidos, uma loja pode ter dado lugar aos tapumes da construção do metrô e uma casa antiga pode ter sido vendida e demolida para ceder lugar a algum edifício de alto padrão. Sim, podemos pensar que mudanças podem ser boas e podem trazer melhorias para a cidade. Por outro lado, podemos pensar que a avalanche de novos edifícios e construções só servem para
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inflar mais a cidade e, nesse caso, não há infraestrutura que dê conta do número de pessoas. Mas esse texto pretende trazer uma pequena reflexão sobre a nossa vivência em uma cidade que todo dia acorda diferente, com uma nova configuração da paisagem. Prédios demolidos rapidamente, outros tantos erguidos, locais onde antes havia movimento, hoje há abandono. Essa constante reinvenção urbana não é um fato atual. Desde que São Paulo deixou de ser uma pacata vila, para se transformar em centro econômico, impulsionado pela produção do café, autoridades públicas investem para que a cidade seja constantemente reinventada, e que todo o passado associado ao atraso “colonial”, seja apagado. Hoje a lógica é a mesma, mas com um fator agravante, a especulação imobiliária. Se uma região começa a indicar sinais de valorização, os preços dos imóveis disparam. Se outra região está degradada, logo iniciam os planos de revitalização, que muitas vezes incluem demolições e desapropriações. Para os imóveis históricos é pior ainda. Sabe-se que é muito mais fácil e rápido investir na demolição do que no tombamento e, sendo assim, poucas casas de época sobraram na cidade. A questão urbana segue a lógica da velocidade da cidade, da velocidade das transações econômi-
cas. Em poucos meses podemos encontrar mudanças consideráveis em diferentes lugares. Se falarmos de anos então, a situação é ainda mais impressionante. Se lembrarmos que há pouco mais de cem anos as pessoas nadavam, pescavam e praticavam esportes no rio Tietê, podemos nos surpreender. O centro da cidade, formado pela região do Anhangabaú e República, hoje alvos de revitalização, reuniam os centros de compras mais frequentados pela elite paulistana no início do século 20. A região da estação da Luz, com movimento frequente de trens que levavam o café para Santos, hoje é um pólo cultural com museus e espaços de cultura, apesar da ainda grave questão do consumo de crack na região. A Avenida Paulista, coração financeiro e cartão postal da cidade, em 1900, concentrava os casarões de pessoas ricas em uma via toda arborizada. Difícil de acreditar? É porque São Paulo consegue mudar tão rápido em pouco tempo que algumas vezes perdemos esses vestígios. As mudanças são cotidianas, e são tantas que fica difícil percebêlas, ou lembrar como era antes.
E apesar de toda essa velocidade, ainda hoje temos o privilégio de andar por regiões de certo modo resistentes. Algumas fachadas de casinhas antigas entre o Brás e o Parque D. Pedro, as ruas da República com suas galerias, a casa que serve de sede à Casa das Rosas, o prédio que sedia o Centro Cultural Banco do Brasil, e outros edifícios que hoje sediam espaços culturais são importantes locais em que podemos olhar as paredes e muitas vezes conhecer um tempo que já passou. E é importante conservarmos esse locais, e através deles conservarmos o processo histórico da cidade, pois muitos dos problemas de planejamento urbano que vivemos hoje são resultado das escolhas do passado. E poderíamos acrescentar que de um passado não tão distante assim.
Gabriela Pessoa é historiadora, formada pela Universidade de São Paulo (USP)
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GISELLA HIcHE
Cidade Adensado de gente, uma morando em cima da outra, todas precisando, odiando, cansadas, modernas, antigas, com pressa, entediadas, vigaristas, religiosas, vindas de cima, de baixo, do lado do mapa, urgentes, móveis, soturnas, irritantes, interessantes. Cidade que insiste em tornar-se profícuo território, forma insondável. Palavra que já vem com demolições, vidas inteiras, preconceitos, tempos. Palavra pegajosa a intrometer-se nos sussurros dos casais, nas negociações dos empresários, na descoberta das crianças, nas discussões no bar. Território demandante de atenção, de escritas, de estudos, de intervenções, de governo, de protesto, de indiferença, de ficar nela, empanturrar-se dela, dissipar-se, já não conseguir distinguir o corpo das vias, dos cheiros, dos helicópteros e dos ratos. O pensamento inesgotável e inapreensível é cidade. Eu corro atrás dele, anotando o que posso, como posso, sem querer parar, sem poder apertar o stand by para esperar que a terra se assente, que a humanidade se decida. Uma, duas, três xícaras de café (…)
http://teias.wordpress.com/ HUGO PAz
O mendigo O caldo da tristeza Estava plantado na mente vazia. O mendigo não tinha fé! Seus olhos eram gelados Como a neve.
O canto que brotava Eu teu semblante Era de raiva Contra os dragões Do sistema.
As raízes de sua alma Perdiam o sulco da essência No rastro da poeira sinistra Dado pela falsa espécie! O mendigo não tinha canção Seu alimento era a oração.
Seus olhos vomitavam O desgosto Pela carne Sem rosto.
A sarjeta muda Era sua fiel companheira. O mendigo não tinha morada. O consumo Do absurdo Engoliu suas vontades. 26
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O mendigo, Guiou seu rumo sem fala. Seus passos... Não davam sentido A lugar algum.
Hugo Paz é escritor
Manu ela
Ribeir o
WERNER GARBERS
(((o))) o o o simples P/ o paulistano, o material rural bruto d trabalho, a tal vida, puro é sempre vista como caos cidadesco ñ existe/ é só conto da Qdo c coloca o termômetro nessa cidade doente, daí dizem q ela reflete os problemas do país!Q drama minha filha! carochinha Vc sempre entrou num clube pequeno burguês p/ se sarar, Trabalha-se pq ñ o faz nessas horas? c/ idéias, mas ñ há sonhos, nem os + S/ loucos delírios, praças, desejos. C/ Kem nasce veias aki já nasce entupidas, c/ o corpo decepado! É só cabeça! corpo só na academia, seja qual for, onde c vegeta de corpo inteiro,
A poesia c desmancha, c dissolve no gás carbônico, no trânsito, na sombra dos edifícios. Valetas, postes, caçambas, descargas, chafarizes-banheiras, td que temos em excesso é sólido, claro, direto, preciso. 1 prédio só reflete ao outro a sua frente! Falta pontuação e sentido Este lugar é ond a publi/cidade usa rostos dos falsos conhecidos, os famosos. Onde ñ c identifica nem c conversa Real ñ é o campo, nem os pampas, os alimentos, o sertão, nem a espera ou o sentir a garoa, nem o litoral, nem perceber a luz, a bruma e o dourado da cidade Ñ é o interior o estar sozinho São os infindos patamares, anti ou poéticos?, de estacionamentos subterrâneos... É o produto, o caos solitário e insensível, a descomunhão. Ter as 24h ocupadas, s/ fé ou esperança. Ñ o belo e o livre É o quadradão e o aparecer Ñ o caos criativo do ser. É ond ñ existe carona e a única constante o fluxo dos carros. Ñ é como Machu Pitchu, mesclada à natureza. Só há fragmentos d culturas d outros lugares! Sampa prodígio e pródigo, s/ pátria mãe à qual retornar. São Paulo dá td (q é merda) p/ o Homem, só ñ dá o genérico “Brasil” e o brasileiro (talvez mostre uma d suas representações e a vende) Ela transforma qq 1 q nela chega em paulistano, metropolitano, cidadão do mundo, anônimo, desmemorizado e esquecido, no máximo poeta concreto Assim, essa cidade nos traz a necessidade d ser artista e se buscar. E qdo o paulistano, q só fala sozinho, abusa do poema, sua poesia fica como aqui: seca, c/ um quê d caos semi-ordenado em sua raiz, racional. Ñ cria um ambiente poético ou até agradável c/ as palavras p/ dps falar o q lhe interessa, é incisivo, direto, pragmático, começa um texto longo e pró-lixo (como td em Sampa) Ele apenas tenta controlar as palavras soltas, duras, rudes, s/ rimas ou metáforas, sei lá se c/ vida ou ñ (como tds lá) No início até busca o poema, mas dps ñ pára d escrever d tanto ver a solidão em q está, e é em prosa q ele acaba c esprimindo e decide caber num concurso/publicação. Como aqui, nada rima nem c poetiza, c pesquisa, busca-c, desesperadamente, significados (qsq) p/ suportar a cidade desvairada...e c contenta c/ a propaganda! C/ o apego ao material e ao trabalho, queremos compensar a falta de afeição às memórias do lugar... Tb é dessa forma q aki qq coisa vira relíquia e indulgência, e c criam, hj e sempre, fatos/falsos históricos - bandeirantes! Lugares d tds lugares desse país! Brasil, c real// existem, libertemos-nos dessa pequena e repetitiva cidade, desse tirano empresário q nos vende e explora.
trechos de “São Paulo’, Werner Garbers Ilustração: Novaes
cAROLINA LEMOS cOIMBRA
Desculpe, são ordens superiores Quero um mundo onde cada um se responsabilize por suas ações. Como viver sem perceber nosso poder de escolha?
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m dia desses fui ao cinema com uma amiga. Eu não assisti ao filme e a “questão” que me fez não assisti-lo talvez seja assunto para outro texto. O que quero aqui é contar a conversa que tive para tentar assistir ao filme e que ficou muito mais interessante para mim que assistir ao próprio filme. Em certo momento me percebi conversando com o cara que trabalha na bilheteria e ele me disse que não podia fazer nada em relação à minha situação e eu perguntei: “Quem pode, então?” Então, ele chamou o Vitor. Depois de uns cinco minutos, Vitor sai da bilheteria por uma porta lateral e me pergunta: “Qual o problema?”. Eu lhe explico a minha situação e ele me diz: “Eu não posso fazer nada, não posso abrir uma exceção para a senhora”. Eu lhe digo que estou curiosa em saber o que lhe impede de abrir uma exceção para mim e ele me diz: “São ordens superiores”. Então, seguiu-se a seguinte conversa: — Vitor, quero falar então com essa pessoa que tem poder de decisão, que pode me ajudar. — Eu sou essa pessoa. Não podemos abrir nenhuma exceção. — Ok, Vitor, então eu quero saber seu nome completo. Quero saber quem tomou esta decisão que afeta minha vida e a de outras pessoas. Qual o seu nome completo?
Desculpe, são ordens superiores.
SÓ VITOR
Desculpa, mas o que eu podia fazer, já fiz. SÓ CELINA
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— Meu nome é Vitor. Não vou te dizer meu nome completo. Se não está satisfeita, você pode ligar na reclamação. — Eu não estou satisfeita mesmo, Vitor. Quero entender como funciona este sistema em que ninguém é responsável. Quem decide as coisas por aqui? — Tem a Celina, que é a gerente. — Ok. Qual o nome completo da Celina? — Eu não posso dizer. — Chama a Celina aqui para eu conversar com ela, por favor? Depois de uns quinze minutos chega a Celina. — Qual o seu problema? Eu explico a minha situação e ela me diz que pode abrir uma exceção. — Celina, para mim é importante saber quem está tomando decisões que afetam a minha vida. Você poderia me dizer seu nome completo? — Não posso te dizer. É Celina e pronto. É isso que está no crachá, veja. — Tem alguém aqui além de você que é responsável por este cinema e pelas decisões que são tomadas aqui? — Sim, mas não está hoje. — Quem é essa pessoa e quando estará? — Hoje sou eu a responsável. Desculpa, mas o que eu podia fazer, já fiz. Casos como o seu passam
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por aqui diversas vezes por dia. Preciso cuidar de outras situações que estão acontecendo. Não posso te dizer o meu nome completo. E saiu para cuidar de outros clientes. Fui procurar uma mesa para sentar e papear com a minha amiga (que durante esse tempo ficou ao meu lado acompanhando a discussão). Indo em direção à mesa, me percebi triste e com indignação. Eu quero viver em um mundo no qual cada um de nós se responsabiliza por suas ações e atitudes. Se são “ordens superiores”, se “não posso fazer nada”, “não posso te dizer isso ou aquilo”, quem pode? Como vamos viver e nos empoderar de nós mesmos e de nossas atitudes e ações no mundo se não percebemos nossa responsabilidade e poder de escolha? Se não é o Vitor nem a Celina quem decide pelo cinema, quem é? O cinema? E quem está sendo o cinema? Penso ser gente, pessoas como eu e você, a não ser que o cinema tenha virado uma entidade viva. É… uma estrutura. Estrutura que não está mais nos servindo e que passamos a servir sem nos dar conta. E sinto muito medo, medo por não confiar (por experiência própria) que uma sociedade com sistemas assim possibilite com que eu viva como ser humano e me conecte com outros seres humanos. Será que o Vitor e a Celina se veem como humanos? Que têm responsabilidade e escolha? Me
parece que nesse momento eles se sentem inseguros de tomar qualquer decisão em nome próprio e se responsabilizar por elas. Talvez porque “o sistema”, quer dizer, “o cinema” os possa punir. E eu nesta história toda? Me responsabilizei por cuidar de mim e cuidar da Celina, do Vitor, da minha amiga e do cara da bilheteria? O que eu fiz? Quando decidi pedir o nome completo foi na tentativa de mostrar para eles que para mim é importante que cada um de nós se responsabilize pelo que faz, por suas decisões e escolhas. Foi a estratégia que encontrei naquele momento para isso. Agora, em um ponto da conversa eu falei para o Vitor que ia escrever uma matéria sobre essa situação, e por isso, precisava do seu nome para colocar como o responsável por aquela decisão. Em outro momento, disse para ele que ia chamar, então, a polícia para resolver a situação. Sinto tristeza e decepção porque nos momentos em que fiquei desesperada e sem saber o que fazer, precisando de ajuda, usei também de poder sobre ele (sou jornalista e posso te ferrar) e quase permiti que usassem de poder sobre mim mesma (a polícia consegue decidir e cuidar disso, não eu, nem você. Olha eu aqui terceirizando minha responsabilidade e escolha, entregando o poder de ação que tenho). Meu aprendizado: continuar prestando atenção para investigar formas de poder com e para me libertar do poder sobre ou sob.
Eu sou jornalista! Eu chamo a polícia! Quem é responsável?
Quem é responsável?
?
Carolina Lemos Coimbra está investigando as relações entre Educação, Comunicação e Não-Violência, especialmente em si mesma. Pode ser encontrada pelo e-mail carolinalcoimbra@gmail.com, em seu blog Ato Vivo, nas ruas e nesses textos. (Texto publicado originalmente no site Outras Palavras: www.outraspalavras.net)
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VANESSA BALSANELLI
Moda além do circuito F
ora do circuito fashionista paulista, conhecido como São Paulo Fashion Week e Casa dos Criadores, acontecem apresentações públicas de moda pela cidade. Seja em centros comerciais, por universidades de moda, ou realização independente de grupos, a intenção de aproximar a moda do grande público vem se tornando cada vez mais presente. Com oportunidade de exibirem seus trabalhos, as designers de moda Andiara Pires (22), Carolina Campos (25) e Tabata Resende (24) participaram de alguns desfiles propostos em ambientes fora do usualmente apresentado, onde puderam experimentar as diversas funções necessárias para viabilizar um desfile. A motivação para participar dessas apresentações, segundo Tabata, seria “promover o nome e divulgar o trabalho em maior escala”. Ela e Carolina propuseram uma coleção inspirada nas obras do escritor Edgar Allan Poe. Andiara uniu-se a dupla com a coleção sobre navegações portuguesas dos séculos 15 e 16, que desenvolveu com colaboração da coleção de sapatos de Ana Paula de Andrade. A realização desse desfile conceitual, no qual as vestimentas não têm caráter comercial, recebeu o nome Por Mares Nunca Dantes Navegados, e aconteceu pela coordenação da produtora e mestranda Jô Souza.
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Fotos: Daniel Malva
Os desfiles ocorreram em meses espaçados do ano de 2011. Em janeiro foi na Mostra de Cinema da Moda, no Centro Cultural Banco do Brasil, ponto inicial do desfile, que passou pelas ruas do centro de São Paulo. E em julho aconteceu durante o 1° Confirbecom (Congresso Mundial Ibero-americano de Comunicação), no MASP, desfile que fez da Avenida Paulista sua passarela. As vestimentas foram ricamente desenvolvidas em texturas e detalhes, com modelagem única em formas rígidas nos casacos, que contrastavam com as formas fluídas dos vestidos e camisas. A palheta de cores em tons pálidos, com toques de preto e vinho, permearam a coleção propondo contraste entre leveza e austeridade. A produção de um desfile mostra a necessidade do envolvimento de vários grupos que se responsabilizarão por cada parte da realização do evento. Quando o orçamento é curto para contratar diversos profissionais, é preciso disposição e tempo para organizar todos os detalhes. Carolina ressalta que “A falta de estrutura prejudica a produção do desfile. “É preciso correr atrás de orçamento para araras (suportes onde as roupas são colocadas para facilitar a troca das modelos, além de acessórios e sapatos). Foi preciso até mesmo fazer o papel de assessoria de imprensa, confeccionar e distribuir convites.” Em um desfile de imprensa, feito para exposição na mídia, na primeira fila constam jornalistas de moda e figurinhas do circuito fashionista. A intera-
ção entre expectador e coleção acontece através do olhar e das palmas. Já o desfile de performance, de narrativa teatral, permeia a roupa e marca o ritmo na passarela e a interação é diferente. Para Andiara, o desfile que ocorreu no centro da cidade, onde as modelos saíram do Centro Cultural Banco do Brasil e percorreram as calçadas do centro, provocou o público. “As pessoas interagiram acompanhando o desfile como uma procissão, havia pessoas que achavam que era o capítulo de alguma novela. Foi incrível!”. Para Tabata também foi o lugar onde a coleção mais interagiu com o ambiente, com os prédios antigos. Embora seja de aprovação geral, de acordo com suas idealizadoras, o evento que aconteceu no MASP foi onde houve maior percepção do público a um desfile de moda. Carolina considera importante que a moda seja feita fora do circuito fashionista como forma de torná-la mais cotidiana e, talvez, mais democrática. Ela diz que o objetivo é “abranger esse público que não tem contato com o mundo da moda, que não teria acesso a um desfile.” Surpreender a rotina daqueles que passam, emocionar e marcar a memória com algo tão incomum são papeis da moda. E àqueles que se entusiasmaram e querem se aventurar é importante saber: muita determinação e informação são necessárias.
Vanessa Balsanelli é designer de moda EDIÇÃO 00 | 1º TRIMESTRE DE 2012
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BRUNO FERREIRA
Amigo de infância A
inda na infância ele me visitava com frequência. Aparecia sem mais nem menos, como se fosse outra criança em busca de uma companhia para brincar. E eu, na minha inocência e fragilidade o acolhia. E sofria além do normal para um menino da minha idade. Não foi um convívio fácil, tampouco agradável, mas passávamos horas juntos. A única companhia que restava para mim. Ele não me incomodada tanto. Pelo menos não era o que eu sentia. Ao contrário disso, dava-me segurança, preferia ficar quietinho comigo, sem fazer alardes, mas me protegia excessivamente. E eu gostava disso. Mas chegava a me sufocar com o seu ciúme quando notava situações em que eu, provavelmente, me sentiria liberto de sua presença, ao menos por um instante. Nessas ocasiões, agredia-me com violência. Não tinha dó. Não permitia a minha relação com outras crianças e quando me via tentado a uma aproximação jogava sujo: subestimava o meu porte físico, dizia-me ridículo, motivo de chacota. Eu, mais uma vez, acolhia as ofensas como uma máxima e amuava-me num canto. Triste, limitando-me a espectador da alegria alheia. Sentia amargor intenso na boca, o que ainda acontece quando a ira e a desolação me fazem morada. Amarrava a cara e não me permitia se-
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quer o esboço de um sorriso. Até mesmo o sorriso de criança, espontâneo e belo como o de qualquer outra da mais tenra idade, me era impedido pelo amigo carrasco. Anulava-me. Era mal visto pelas outras crianças. A situação era frequente. Confesso que até hoje ele me procura, embora menos incisivo. Mas eu, frágil, raramente deixo de recepcionar o velho amigo de infância. Ainda hoje, levo em conta suas crises de ciúme, suas opiniões agressivas, que muito me ofendem e desanimam. E ainda sofro por tê-lo por perto. Faltam-me forças para encarálo com firmeza, chamá-lo pelo nome e dizer rispidamente: MEDO, nossa relação acaba aqui.
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No va es
ELIS LUA
À noite ela me abraça Simples, mas profunda para o momento. A solidão faz um tempo. O silêncio, um frio. As carícias flutuam Pelos corpos calados, Abertos e pequenos. São momentos leves Onde me aproximo dela E descanso na varanda da alma. Às vezes me causa espanto Tanto canto, mas não me assusto Com tudo que desnudo Entre eu e ela, Pois o ausente se faz presente ao tê-la E o amor é uma doçura. E ao céu agradeço por recebê-la, Tão humana, Entre sorrisos e choros, Mulheres e meninas. Medos, incertezas, coragem, sonhos, flor, dor, certeza. Na madrugada ela me beija, Envolve-me com um sorriso, Cala minhas queixas, Deixa-me solta, leve e serena. Bebe-me. Puro sonho. Puro amor. Caminhos sem limites, sem lençol, sem fronha, sem cobertor. Entre mapas, globos terrestres, celestes, a gente se encontra e emerge. No mar, na chuva, no frio, na praia, no Sol a tocar o infinito. Corpos adormecidos são lidos. São livres, ao vento, para semear toda delícia do amor.
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