casa do sol - fazendo historia, tracando rumos

Page 1



FAZENDO MEMÓRIA, TRAÇANDO RUMOS

2010

Categoria Educação Infantil

Programa Programa de Educação Infantil Viver e Aprender Casa do Sol Padre Luis Lintner Salvador - BA


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP,) Brasil S237c Santos, Cinthia Maria Seibert. Casa do Sol: 15 anos: fazendo memória, traçando rumos / Cinthia Maria Seibert Santos, Altair Honorato Pacheco, Giuseppina Rabbiosi. - Salvador: Casa do Sol Padre Luís Lintner, 2012.

80 p. : il. ISBN: 978-85-66139-01-3 1. Casa do Sol Padre Luís Lintner – Memórias. 2. História.III. Educação. I. Santos, Cinthia Maria Seibert. II. Pacheco, Altair Honorato. III. Rabbiosi, Giuseppina. IV. Título. CDU: 82-94

Ficha Catalográfica: Valnêi Pinheiro Souza Capa Marcos Paulo Projeto Grãfico Viaoito Design Studio Direção de Arte Marcel Aguiar Iury Tailan Ilustração Paulo Alexandre Indira Garcez Diagramação Marcel Aguiar

Copyrigt©2012 by Casa do Sol Padre Luís Lintner


“Saudando o povo que lota a Igreja de Cajazeiras V, conto a história do rei que entrega cinco moedas de prata a cada um de seus dois filhos dizendo: será o meu sucessor quem de vocês encherá até a noite, com isso, o galpão. O primeiro correu, comprou bagaço de cana e encheu. O outro, na boca da noite, mandou retirar o bagaço, acendeu uma vela que encheu o galpão até o último cantinho de luz. Disto o mundo precisa, não de coisas volumosas, mas úteis. Você é herdeiro do reino – Deus ajude que consigamos trabalhar juntos no sentido do segundo filho” (Pe. Luís Lintner, Salvador, 07 de março de 1993).


AGRADECIMENTOS A você, Luís, que enquanto estava entre nós nos proporcionou experiências que tocaram nossas entranhas. Você sempre dizia que esta era a dimensão onde podia ser gerada a transformação. A você, Luís, que continua sendo luz que nos orienta e que nos habita. A todas e todos que se fizeram nossos companheiros, que nos sustentaram com sua amizade e com sua solidariedade, que nos presentearam com suas reflexões, com sua presença e com sua história. Aos pequeninos que no dia a dia nos enternecem com seu sorriso e sua beleza. Aos que se tornaram jovens, referência de compromisso e de doação. Às mulheres da Casa do Sol que acolhem, compreendem, cuidam dos pequenos e dos grandes.


SUMÁRIO

Prefácio, por Gianni Boscolo

08

Introdução

13

Menino Luís, aonde você está?

15

Casa do Sol: a casa onde mora o sol?

17

Cajazeiras: de que lugar estamos falando?

20

Casa do Sol Padre Luís Lintner: vem conhecer, você também

29

Menino Luís, vem conosco comemorar!

65

Referências

72


O I C FÁ E PR Ainda me lembro quando encontrei Pe. Luís e Pina na sede do Projeto Ágata Esmeralda, em Salvador. Vinham do sertão brabo do além São Francisco e queriam recolher informações sobre a periferia de Salvador e, especialmente, sobre o bairro de Cajazeiras onde o bispo diocesano, naquele tempo dom Lucas Moreira Neves, fizera a proposta ao Pe. Luis de assumir uma paróquia. A partir de algumas visitas ao bairro ficaram impressionados com a densidade e a aglomeração das casas e com a pobreza que se escondia pelas vielas e pelos barrancos do bairro. Começaram então, a elaborar um mapa da realidade: precariedade


das moradias, invasões crescendo dia a dia, esgoto correndo a céu aberto, transporte precário, violência, droga. Acostumados a enfrentar desafios, aceitaram a proposta do cardeal e começaram a pensar em uma maneira de instalar alí uma missão e um novo trabalho pastoral a partir dos fieis que freqüentavam a Igreja, criando círculos bíblicos, visitando as famílias, em suma, começar a conhecer a realidade. Logo perceberam que a periferia de uma cidade como Salvador tinha outras características, outros modelos de vida totalmente diferente dos hábitos dos moradores da cidade de Tabocas do Brejo Velho, lá nas margens do Velho Chico, no cerrado do planalto central. Acostumados a ler a realidade antes de planejar um trabalho, começaram a perguntar-se sobre o caminho mais adequado e, refletindo com as pessoas da comunidade, qual seria a estratégia correta para recomeçar um trabalho pastoral naquela periferia de Salvador. No encontro que tivemos propus que pensassem na possibilidade de começar a trabalhar também com as crianças, sugerindo que esse poderia ser um modo para ajudar as pessoas, sobretudo as mães que queriam trabalhar e não tinham com quem deixar os filhos, além de criar, também, uma ponte que permitisse encontrar pessoas, começar uma relação, uma amizade, e, quiçá, lançar uma nova proposta educativa que fosse além das celebrações e dos encontros da Igreja. Luís, que na sua caminhada brasileira, tanto na pastoral como na formação humana dos jovens, tinha amadurecido uma nova visão da educação popular, acrescentou ao seu trabalho alguns elementos sociais que podemos chamar de caminhos para o desenvolvimento. De fato, Luis tinha claro que o centro de sua pastoral era o homem, e a Igreja tinha que estar a serviço do ho-

09


mem e que não se poderia falar de evangelho encarnado se não se incluísse, no cardápio da pastoral, aqueles que passam privações como a fome, a subnutrição, a morte prematura; não poderia falar em desenvolvimento e liberdade sabendo que a maioria não sabe ler e escrever, fazer cálculos e não tem uma participação ativa na vida pública. Pe. Luis, que incorporava os desafios do Concílio Vaticano II, sabia bem a diferença entre religião e Evangelho. A maturidade adquirida na experiência do sertão, bem como sua aproximação com a Teologia da Libertação o levaram a entender o Evangelho como mudança, movimento e liberdade. Não poderia aceitar viver em uma comunidade, como a que lhe foi confiada, sem pensar de que maneira conquistar uma mudança nele próprio e na comunidade. Como diria Comblin: se o Evangelho é conflito entre ricos e pobres, se tem de se fazer uma opção entre ricos e pobres: então, eu fico com os pobres. Além disso, o que animava Luis era a possibilidade de conseguir, através da educação, transformar o educando em sujeito do seu próprio desenvolvimento. Essa era a mensagem que vinha de Medellín e Puebla e que Luis tinha vivido já no sertão de Tabocas nas lutas da pastoral da terra e nas reflexões das comunidades de base. A educação será, portanto, a chave para começar um caminho de desenvolvimento visto como crescimento pessoal e social, tomada de consciência da comunidade e da própria sociedade, abrindo perspectivas para as pessoas participarem das decisões sobre seu presente e seu futuro. Creio que o segredo da Casa do Sol esteja na sua capacidade de abrigar todos, a partir das crianças, para uma nova proposta educativa que tem o homem como centro e o Evangelho como guia para uma contínua renovação. E assim, aos poucos, a Casa do Sol

10


tornou-se a casa que hoje nós conhecemos: um espaço educativo e criativo para jovens e adultos, uma porta sempre aberta a todos, uma “Oasis” que acolhe, conforta e questiona. Um lema, sempre repetido nos encontros de formação que congregavam várias organizações do tecido comunitário da periferia, dizia: ”temos a obrigação de fazer o bem, bem feito”, e Luis caminhava nesta direção: aquilo que fazia tinha que ser bem feito. Sua visão evangélica lhe fazia acreditar que era sua obrigação ensinar a fazer, dar a voz aos que não a tem, mostrar a liberdade como conquista, valorizar todos a partir dos pequenos, construir a comunidade como povo em nome da vida. A história da Casa do Sol terminou com Luis? Não creio. Os vários prêmios nacionais que a Casa do Sol recebeu nestes anos pelo seu trabalho educativo, além da aprovação de Projetos socioculturais em favor de adolescentes e jovens, provam que seu legado fermentou e seus ideais se mantêm vivos e multiplicam-se no decorrer dos anos. Luis acreditava que cada um nasce, cresce e labuta, e cada um tem que responder a um chamado e continuar a fazer e refazer a sua própria história. Nada nasce acabado. Cada geração tem a obrigação de viver sua própria experiência; a história, como diria Comblin, tem um caráter provisório e não dispensa ninguém de fazer e refazer o caminho. Não podemos ficar escravos das gerações anteriores e nem obrigar as gerações futuras a nos seguirem. Nossas tarefas serão sempre inacabadas e cabe a cada um de nós fazer sua parte, sabendo que nunca poderá completar sua obra. A Casa do Sol ao abrir suas portas, abre janelas para a vida. Luís, com seu sorriso, sua paciência e firmeza abriu sua alma deixando para cada um uma missão: não ter medo de reiniciar, de

11


reinventar; não ter medo de trair o passado, ao contrário, acreditar que o Espírito está aí para empurrar e ajudar na construção de uma sociedade que saiba valorizar todos seus filhos. É indicativo perceber como estes ideais estão vivos ainda hoje em pequenos, mas, significativos gestos na Casa do Sol, como a colocação do tapete vermelho no corredor, e, na entrada da escola, o mosaico da mascote “Belinha”, braços abertos na acolhida de todos. O livro: CASA DO SOL: fazendo memória, traçando rumos, é a historia de um projeto de vida, onde as pessoas se contam e contam uma história da qual fazem parte, e que, ao conhecer e participar desse sonho decidiram que valia a pena acreditar, aceitaram o desafio e fizeram da Casa do Sol um modelo educativo e formativo a partir de sua própria experiência, de sua coragem e de sua luta. Que a Casa do Sol continue como casa do encontro, casa de todos, casa onde se respira amizade e alegria, onde cada um é único, importante por aquilo que “é”, onde a vida tem valor, onde cada um é chamado a ser protagonista sem medo de reinventarse. Continue a ser o porto seguro dos que anseiam para aprender não somente a ler e escrever, mas entender e decifrar os enigmas do mundo e reconstruí-lo cada dia melhor. Gianni Boscolo

12


INTRODUÇÃO Agora, a Casa do Sol já é debutante! A história de quinze anos da Casa do Sol está sendo apresentada nas páginas que se seguem com a narração de momentos de uma trajetória onde histórias de vidas de crianças, adolescentes, mulheres e homens se entrecruzam, fazendo-nos refletir sobre a essência da vida. Assim, buscamos trazer nesta produção a história da Instituição em sua gênese, a partir do trabalho do Padre Luís Lintner e de Giuseppina Rabbiosi, conhecida por todos como Pina, com um grupo de mulheres no bairro de Cajazeiras, em Salvador, Bahia, no momento de Vossa chegada a este bairro. A construção deste livro teve início em 2010, quando procuramos compreender mais sistematicamente as contribuições da Casa do Sol para a vida dos sujeitos por ela atendidos, para a comunidade na qual está inserida e as consequências dessa atividade na vida das pessoas, em Cajazeiras, em nossa cidade, no Brasil e no mundo. A escuta foi imprescindível. Realizamos entrevistas com crianças, adolescentes, jovens, educadores da Instituição, amigos da Casa do Sol e famílias, a fim de reunirmos informações relativas ao percurso de cada um nesse espaço, o que experienciou, o que fez, o que viveu... Reunimos também documentos institucionais, pesquisas, livros que nos ajudaram a sistematizar informações sobre o bairro de Cajazeiras, sobre Luís Lintner e sobre a Casa do Sol. Algumas falas são transcritas nesta produção para melhor entendimento do leitor e da própria

13


história. Outras falas nos ajudaram a compor o texto e por isso, agradecemos a confiabilidade e as contribuições de cada um. O desejo de documentar a história da Casa do Sol, de poder socializar a experiência que vem dando certo e deixar contribuições para os atuais educadores, sobretudo para aqueles que ainda virão nos serviu de inspiração e, assim, pensamos em contribuir para que o “fio condutor” do fazer Casa do Sol não se perca. Difícil encontrar as primeiras palavras... Por onde começar? O que contar em meio a tantas revelações e informações? Quando uma obra fica pronta, ela já se encontra defasada em relação aos dados e a alguns conteúdos e disso nos damos conta, mas, ainda assim, sentimos a alegria de ter superado alguns desafios, de termos aligeirado o tempo quando parecia não dar mais... O que trazemos aqui sintetiza a experiência acumulada pela Casa do Sol em seus quinze anos de existência. Sendo assim, procuramos usar uma linguagem que aproxime você, leitor, amigo e colaborador da Casa do Sol, do sentimento mais nobre que perpassa toda a Instituição: o desejo de que cada sujeito possa SER mais, que possa ter dignidade, autonomia, respeito, solidariedade, felicidade... Organizamos, então, esta produção criando um diálogo entre o passado e o presente da Instituição, utilizando o cenário da sua festa, inspirando-nos em sua ludicidade e simplicidade e nos ensinamentos de Luís. Desta forma, pedimos licença a você, Padre Luís, para chama-lo de menino Luís neste livro. A linguagem no presente é para revelar que sempre está no meio de nós e afirmar que seus ensinamentos são sempre (re)lembrados por todos.

14


MENINO LUÍS, AONDE VOCÊ ESTÁ? Estão todos à procura de Luís e só se ouve pelos corredores da Casa do Sol: Mas aonde está esse menino? Suzane diz que o viu passar pelo portão afora com alguma coisa em suas mãos e que antes, ele esteve na cozinha, procurando uma tabuazinha, que ele mesmo disse haver guardado, mas que não a encontrava. Será que Luís está provando os doces? Hum!, mas está tudo tão bonito e organizado, uma coisa linda de se ver. As mulheres do Grupo de Saúde, Toque Vital, preparam os doces para a festa; estão todas contentes apesar do cansaço e, na cozinha, o cheiro é muito bom. Enquanto isso, o movimento na Casa do Sol continua intenso: os adolescentes e os jovens do teatro repassam o texto e aquecem a voz, enquanto Bira e o professor Nildo verificam se está tudo ok com a banda de percussão. A decoração da festa desse ano está de acordo com o tema Casa do Sol: fazendo memória, traçando rumos escolhido pela equipe da Instituição, juntamente com as crianças. Mais uma vez, a Casa do Sol reúne seus atores para celebrar a sua história, para refletir o seu fazer e retomar seus princípios e pressupostos fundamentais, com base nos ensinamentos e nos sentimentos mais nobres perseguidos ao longo de toda a vida de Luís.

15


16


SOL: A O D A CAS ORA O M E D ON

CASA SOL?

Como será a casa onde mora o sol? É uma casa grande, quente e toda amarelinha. Na entrada, tem um tapete vermelho para todos os seus convidados. Eu acredito que na entrada da Casa do Sol não tem grama, mas tem tantas nuvens, todas branquinhas. As flores são todas coloridas e grandes, tem uma música bonita, alegre e boa para dançar. Será que na Casa do Sol chove? A gente se molha? Ou será que se deve levar um guarda-chuva? Tudo o que a gente sonha acontece lá. Quem entra na casa do Sol, fica alegre. Amizade tem de sobra. A Casa do Sol está no lugar mais bonito do mundo, perto do Papai do Céu. Nela tem sempre alegria. Nunca é noite, é sempre dia. Minha mãe me disse que eu irei estudar lá. E por isso hoje acordei cedo. Eu vou à Casa do Sol... (Josué, 05 anos, no espetáculo de Dez Anos da Casa do Sol- outubro/2007)

17


É preciso conhecer a Casa do Sol, conhecer a sua história e, também, a história das pessoas que ajudaram e ajudam a compor o cenário dessa casa que leva um nome tão instigante e que nos chama a atenção pelas pretensões subjacentes ao seu nome: ser uma casa no seu verdadeiro sentido? Além disso, ser uma casa que emana luz, calor e energia para aqueles que nela residem e irradiar raios de vida, para as pessoas que estão em seu entorno? Josué nos diz que acordou cedo para ir à Casa do Sol. Vamos aproveitar a carona dele e lá iremos também... Se buscarmos no dicionário o significado de casa e de sol, provavelmente não teremos elementos suficientes para compreendermos a Casa do Sol da qual estamos falando, lá no bairro de Cajazeiras V, periferia da cidade de Salvador, Bahia. - Por onde então começarmos? Altair, conhecido por todos como Tatá,

18


sugere que seja feita uma pesquisa sobre

mosaico de histórias de vidas, compos-

o bairro de Cajazeiras, em documentos

to por pedrinhas diversas, ou melhor,

de fontes diversas, verificando, inclusive,

por histórias diversas, de pessoas como

se há nestes alguma informação sobre a

Filó, Raimalda, Nita, Daria, Tânia, Selma,

Casa do Sol. Lembra também dos cader-

Marivalda, Manusa, Suzane, Sofia, Tatá,

nos do menino Luís que ficam na Biblio-

Pina, Néa, Neide, Jacira, Bira, Keila, Au-

teca de Ítalo, na Casa do Sol, que contém

rora, Nice, Joseane, Lígia, Paulo Vinícius,

registros sobre Cajazeiras, sobre a vida do

Anderson, Junior, Murilo, José Henrique,

povo que vive no bairro, além de escritos

Marcos, Silvânia, Joana, Dalva, Etelvina,

sobre algumas histórias vividas por ele.

Carla, Taís, Jaqueline... As tarefas, então, de cada um: Pina,

Dentre as diversas coisas que Luís gosta de fazer, registrar os momentos

Conceição e Danilo ficam responsáveis

importantes e significativos de sua vida é

pelas entrevistas; Tatá, Keila e Daria assu-

uma delas; ele tem seus cadernos organi-

mem a tarefa de ver o material na biblio-

zados com fotos, cartas que escreve e, até

teca, além de procurar outras fontes de

mesmo, desenhos feitos por ele.

registros sobre o bairro. O que eles descobrem nos interessa

Pina traz a idéia de entrevistar os moradores de Cajazeiras, os mais antigos,

muito saber, afinal de contas aprendemos

os mais jovens, as crianças e os adoles-

com Luís que para estarmos com as pes-

centes da Casa do Sol, além de sugerir ao

soas, não basta apenas estar lado a lado

grupo procurar a história do bairro em

com elas, é preciso ir mais fundo, conhe-

livros, jornais, revistas, e trabalhos.

cer o seu SER, a sua história, conviver, “viver-com”, “estar-com”. E assim busca-

E assim acontece. O grupo entende

mos fazer, seja com as pessoas, seja com

e compreende que a história do bairro

as situações e com o nosso entorno.

de Cajazeiras também se faz presente em

Conheçamos, então, um pouco sobre

tantas outras, inclusive na história da Casa do Sol. É investigar essa história

Cajazeiras para, assim, conhecermos me-

buscando a composição de um mosaico,

lhor a Casa do Sol.

19


Cajazeiras

De que lugar estamos falando?

20


Para quem não sabe, o bairro de Cajazeiras surge em outubro de 1977, para atender às necessidades do processo de expansão urbana da cidade de Salvador, agregando o maior conjunto habitacional da América Latina, composto pelos setores de Cajazeiras II, III, IV, V, VI, VII, VIII, X e XI, Fazenda Grande 1, 2, 3 e 4, Águas Claras, Boca da Mata e Palestina, para acolher cerca de 600 mil habitantes da periferia de Salvador, em uma área onde havia fazendas que cultivavam laranja, café, mandioca e cana-de-açúcar. Hoje a população de Cajazeiras já se aproxima desse quantitativo previsto inicialmente. Nos livros consultados por Tatá, Keila e Daria, informações interessantes são encontradas sobre a história deste bairro, sendo uma delas a de que a proposta de resolução do problema da densidade demográfica da cidade de Salvador, como é o caso da construção de Cajazeiras, não teve a preocupação com a qualidade de vida, em termos habitacionais, de seus moradores. Percebemos, então, verificando as entrevistas feitas com educadores, crianças, adolescentes e jovens da Casa do Sol, o que isso significou e significa para Aurora, Raimalda, Lígia e Terezinha, moradoras antigas desse bairro, e quais foram as impressões de Pina e Luís quando chegaram ao local.

21


Aurora, ao chegar a Cajazeiras no dia 14 de junho de 1981, grávida da sua primeira filha, percebeu que este era um bairro super carente. Segundo seu depoimento, “não tinha nada, não tinha nem transporte coletivo”. Raimalda recorda que no período em que chegou a Cajazeiras encontrou o bairro sem asfalto, sem água instalada e sem transporte. Ela precisava andar até Castelo Branco para pegar o ônibus. Foram muitos meses fazendo este percurso. Quando chegou o transporte, este ia somente até Cajazeiras IV, mas, mesmo assim, ficou mais perto e dali as pessoas iam até uma estação de transbordo, na época chamada “EVA”, atual Estação Pirajá que, como nos diz Raimalda, era como conhecer o inferno, pois pegar ônibus naquele lugar era um sofrimento. Lígia, amiga e colaboradora da Casa do Sol diz que veio para Cajazeiras pela oportunidade de morar em um apartamento no bairro. Ela logo se interessou por esta possibilidade, mesmo sabendo, conforme seu relato, “que Cajazeiras era o outro lado do mundo” e que não era acessível. Outras informações sobre esse bairro são trazidas por Terezinha, mulher que acompanha a trajetória da Casa do Sol desde a sua gênese e que vive em Cajazeiras há mais de trinta anos. Ela nos conta que, ao chegar, só encontrou mato em volta, pois não existiam as outras Cajazeiras, “só tinha mato, muito mato; não tinha água, não tinha luz”. Era preciso trazer água do centro da cidade pra beber. 22


O olhar de Pina sobre Cajazeiras não só nos revela a carência de serviços no bairro, no momento de sua chegada, como também nos convida a refletir sobre os vínculos e laços estabelecidos (ou não) entre as pessoas desse lugar. Já se ouvia falar que era tão longe, que era um bairro em que o anonimato marcava a vida das pessoas, que não havia uma identidade e onde havia pouquíssima relação; não existia relação de comunidade. O bairro apresentava uma organização que se podia considerar “diabólica”, pois era impossível orientar-se já que as ruas e os locais não eram nomeados, sendo portanto, necessário que as pessoas enfrentassem a dificuldade para lembrar: Caminho 2, quadra 5, lote A!!! Mas, Cajazeiras cresceu e mudou. Hoje o bairro conta com transporte, bancos, o comércio oferecendo vários serviços, escolas da rede pública estadual e municipal, além de escolas privadas e faculdade. Mas será que este crescimento foi suficiente para transformar a vida das pessoas? Esse é um aspecto que inquieta a Casa do Sol... Analisando as entrevistas com os moradores mais recentes e mais jovens de Cajazeiras, identificamos que ocorreram mudanças no bairro, conforme nos diz Anderson, 14 anos, filho da educadora da Casa do Sol, Neide. Para ele Cajazeiras não é tão ruim assim, é um lugar bom de conviver e que a violência está em todos os lugares, está no mundo todo. Ele nos diz que o importante na convivência com o outro é ter amizade e conversar.

23


Os depoimentos coletados através das entrevistas nos permitem afirmar que as mudanças ocorridas no bairro de Cajazeiras, desde a sua fundação, não foram suficientes para acabar com a diferença existente entre os moradores considerados oficiais deste bairro e os moradores considerados não oficiais e com o olhar de algumas pessoas sobre os sujeitos moradores de Cajazeiras. - O que isto significa? - Expliquemos melhor. Alguns moradores de Cajazeiras, que vieram para o bairro por terem comprado um imóvel, consideram-se moradores oficiais. Para eles, os que no bairro se instalaram nas encostas são considerados moradores não oficiais. Isso se traduz bem nos depoimentos de Enaiê e de Josenéia, carinhosamente chamada por nós de Néa que nos diz

24


que pelo fato de viver no Oásis, ela e os demais moradores são discriminados pelos moradores de cima, assim ela relata, sendo confundidos com ladrões e prostitutas. Enaiê nos chama a atenção ao identificar que a discriminação se dá também fora de Cajazeiras, pois quando visita outros bairros, percebe como as pessoas vêem Cajazeiras, segundo ela, de uma maneira preconceituosa, difícil de ver, difícil de lidar; algumas pessoas quando sabem que ela é moradora de Cajazeiras, já a olham com preconceito e com este desafio ela vem aprendendo a lidar e a driblar. O menino Luís sempre se incomodou muito com isso, pois para ele o valor das pessoas não pode ser medido pela localidade onde ela mora ou pelo o que ela possui. Em Cajazeiras ele sempre procurou estar nos lugares (in)visíveis do bairro, aonde muitas pessoas nem querem estar. A propósito, aonde será que agora ele está? Será que está lá no Oásis ou foi até a Cidade de Plástico? Os jovens estão precisando de sua presença para concluir mais uma atividade. Mas, espera aí… Em Cajazeiras, esse bairro planejado que acabamos de falar tem também uma cidade de plástico? E quando chove, como é que se faz? O que se faz, ou ninguém faz? Filó, Raimalda e Valdirene, educadoras da Casa do Sol, vão todas as quintas-feiras até a Cidade de Plástico, fazem visitas às mulheres e às crianças que (sobre)vivem lá. Para elas, este gesto manifesto, permeado de amor e de carinho, se traduz em formação humana. Raimalda nos conta que certo dia elas tiveram que ajudar a cobrir uma casa de uma família, que estava toda molhada por dentro, com muita lama, moscas e bichos. Então, elas arregaçaram as mangas, tiraram as telhas quebradas e fizeram um trabalho que ajudou a manter uma das casas da Cidade de Plástico seca durante a chuva.

25


A Cidade de Plástico, assim denominada pelos moradores desse lugar, surge em um campo de futebol, que fica nas imediações de Cajazeiras VI, a partir da necessidade de pessoas sem moradia e sem emprego encontrar/organizar seu próprio abrigo. Curioso é saber que, além do esforço pela sobrevivência, essas pessoas precisam ter endereço oficial para acessarem os serviços públicos oferecidos no bairro, pois frente às autoridades este lugar não existe! Se vão aos postos de saúde não são atendidos porque não têm endereço; se vão aos hospitais, às escolas, não são atendidos porque não têm endereço. Então, é como se fossem invisíveis? E aí Raimalda reflete que é nos lugares invisíveis que a Casa do Sol quer estar e está fazendo alguma coisa pelo próximo para que ele tenha dignidade. E o trabalho dessas educadoras e de outras mulheres da Casa do Sol não pára por aí. Elas vão às casas das pessoas, conversam, trocam experiências, percebem suas necessidades, contam histórias para as crianças que ainda não estão na escola e se importam com elas, que, para a nossa sociedade podem representar refugo humano, mas para a Casa do Sol, simplesmente, SER HUMANO.

26


27


28


Casa do Sol Padre Luís Lintner: vem conhecer, você também! E lá estão, na porta da entrada da Casa do Sol, Jacira, Jocenéia e Júnior cuidando de um importante detalhe da festa de quinze anos: o tapete vermelho. A história desse tapete e de outros detalhes importantes dessa Instituição vamos contar no decorrer da narrativa. Ah! Vamos também apresentar Belinha, a mascote da Casa do Sol. A Casa do Sol foi fundada em 27 de outubro de 1997, constituiu-se como uma sociedade civil filantrópica, com o objetivo principal de formar integralmente crianças e jovens, moradores das áreas mais desfavorecidas do bairro de Cajazeiras V e de seus arredores. A missão de proporcionar um espaço formativo à população em situação de risco e de desvantagem social deste bairro, para que no desenvolvimento pleno de suas capacidades e na conquista da participação e dos direitos sociais, cada pessoa se torne sujeito de transformação e de construção de relações igualitárias, é percorrida no planejamento, execução e desenvolvimento dos projetos sociais e educativos. Curioso destacar que no ano em que a Casa do Sol foi fundada, uma creche municipal em Cajazeiras foi fechada e a procura por vagas para as crianças na Instituição foi intensa. Surge, então, o desafio inicial de atender um quantitativo de crianças, quando a procura por uma vaga nesse espaço torna-se crescente. Relatos de Pina e do Menino Luís nos mostram que não foi fácil atender, inicialmente, trinta crianças, uma vez que o número de famílias que pretendiam colocar seus

29


filhos na creche era ainda maior. Era preciso fazer uma seleção entre as crianças que buscavam uma vaga neste espaço. Tarefa difícil para eles dois, mas, também, tarefa difícil no cenário atual, que revela quadro crescente do refugo humano em nossa sociedade e, especificamente em Cajazeiras. A Casa do Sol faz pré-inscrição de crianças que necessitam de uma vaga em seus projetos através de suas famílias e, posteriormente, faz visitas domiciliares, quando sua equipe observa as relações familiares existentes e a situação socioeconômica de cada um. Após esta etapa selecionam-se as crianças que vivem em situação de risco biopsicossocial e de maior vulnerabilidade, respeitando-se o número de vagas disponíveis. A história da Casa do Sol começou um pouco antes da sua fundação oficial. Isso mesmo! Desde 1994 Luís e Pina, já conheciam a (des)organização social, econômica e geográfica de Cajazeiras, adentrando suas encostas e ribanceiras e dialogando com as pessoas desenraizadas, vítimas da exclusão social e do processo perverso de um modelo de sociedade que prioriza o ter, em detrimento do ser. Em suas andanças pelos locais conhecidos como Irmã Dulce, Oásis e Parque Sílvio Leal, Luís e Pina perceberam que muitos dos moradores não estavam ali por decisão própria. Vinham do interior do estado da Bahia ou de outros bairros, atraídos pelo fascínio da metrópole, em busca de melhores condições de vida na “cidade grande”, o que muitos não encontraram. São os desafios da (sobre)vivência humana na “cidade grande”, neste caso especifico Salvador, enfrentados pelo sujeito pobre e em desvantagem social, já vulnerável à atomização – salve-se quem puder, cada um por si; à de30


sagregação – dificuldade de organização social e de solidariedade mútua e à autodesvalia – sensação de que são incapazes, que não sabem nada e que não podem saber. Através da aproximação e do exercício da escuta, foi sendo possível para Pina e para Luís perceberem as fragilidades do povo pobre de Cajazeiras, suas necessidades, seus medos, suas desconfianças, além de constatarem que as mulheres tinham necessidade de ter um espaço para deixarem seus filhos, enquanto trabalhavam. Então, como fazer para aproximar essas pessoas e promover o exercício do diálogo, da troca de experiências, discussão e reflexão sobre a vida, além da criação de vínculos/laços? Esses são alguns dos questionamentos iniciais. Luís, menino atento e cuidadoso, propõe a Pina a organização de encontros com aquelas mulheres para falar da vida, do ser mulher, refletir a sociedade, falar de si própria. E assim foi. Os dois escreveram cartas convite às mulheres para um encontro, fazendo todo um movimento para que essa ação se concretizasse. E assim ocorreu. No início a desconfiança de algumas e o desconhecimento sobre o que fariam ali mas, depois, o entrosamento foi acontecendo de forma natural. Como nos diz Pina, foi a partir desses encontros que as mulheres começaram a despertar, foi também a partir dessas mulheres que veio a exigência de se ter um espaço maior, mais formal. E foram elas que ajudaram Luís e Pina a fazer mediação com os demais moradores do bairro de Cajazeiras.

31


Os primeiros encontros aconteceram em espaços cedidos e até mesmo em áreas abertas nos loteamentos Irmã Dulce, Oásis e Parque Sílvio Leal. Não havia nenhuma estrutura física organizada, nem equipamentos, mas aquelas mulheres estavam ali, e isso era o que importava. O ato de compartilhar experiências foi ganhando uma dimensão maior. A vergonha inicial de falar dos problemas, dos maus tratos sofridos e das dificuldades de lidar com a fome, com a miséria e ainda com a educação dos filhos foi sendo vencida por aquelas mulheres. A ação de Luís e de Pina com Raimalda, Marivalda, Suzane, Teresa, Filó, Joana, Silvana, Rubenita, no que diz respeito à convivência familiar e à relação dessas com seus companheiros, promoveu mudanças na vida delas; aprenderam a se valorizar e a se respeitar, melhorando sua autoestima e seu autoconceito, dizendo não à violência doméstica, passando a se colocarem mais: eis-me aqui!

32


33


Os desdobramentos desse trabalho foram percebidos à medida que o grupo foi ampliando suas ações, aprendendo sobre plantas medicinais, o que desencadeou na formação do grupo de saúde Toque Vital. Em seguida, vieram cursos de culinária alternativa e de massagem, palestras, encontros, passeios e produção de: remédios caseiros, granola, pão natural, multimistura e venda desses produtos nas missas aos domingos, em Cajazeiras V. Outra alternativa encontrada por Luís e por Pina para dinamizar o grupo de mulheres e oferecer uma ocupação às mesmas foi o cultivo de uma horta com a plantação de ervas medicinais para a produção de fitoterápicos. A horta funcionava em um terreno da igreja, em Cajazeiras VIII. Era tudo novidade. Mexer na terra, usar a pá e a enxada, plantar, regar, semear, colher. Para algumas que tinham vindo da zona rural, momento de resgatar suas raízes e retomar seus saberes, até então adormecidos. E não é que agora elas já assumem, também, as andanças por Cajazeiras, junto a Luís e Pina? Agora, elas não só percebem a sua importância na família e reconhecem o seu direito de sair de casa para participar de outras atividades, como também se envolvem com outras pessoas do bairro, trocando experiências, socializando o seu saber, que agora consideram um saber, e um saber útil, capaz de lhes proporcionar renda e reconhecimento social, enfrentando e/ou superando a atomização e desagregação, abrindo espaço para o exercício do cuidado com o outro e da solidariedade.

34


Ensinamentos de Luís? Evidentemente que sim! Sabemos que Luís, ao chegar a Cajazeiras, deparou-se com uma realidade de sofrimento, mas como ele mesmo nos diz realidade também de esperança. Isso ele expressa a todo momento e também em cartas que escreve a amigos e familiares. Em uma de suas cartas, desta vez endereçada a Nandl, sua irmã, Luís demonstra indignação quanto às relações estabelecidas em uma metrópole como Salvador: “Não se é nada em uma metrópole: não importa se você está aqui ou lá, ou se está bem ou mal. Este lado do anonimato, às vezes, é difícil suportar”. A esperança e a certeza de que o investimento nas pessoas é necessário para uma transformação de valores, de vida e para a aquisição de sentimentos nobres e duradouros, bem como para oferecer contribuições significativas para possíveis mudanças sociais é que os raios deste sol, que brilha lá em Cajazeiras, continuam intensos, iluminando os sujeitos atendidos pela Casa do Sol e seus arredores.

35


36


Como nos disse Josué, tudo o que se sonha acontece na Casa do Sol. Assim, espera-se que o sonho do Menino Luís que vislumbra um mundo melhor, onde prevalece a paz, a comunhão, a luz, a solidariedade, seja concretizado entre nós. Alguns relatos nos ajudam a compreender melhor as contribuições dessa casa para os seus atendidos. Teresa diz que para ela a Casa do Sol é tudo, é a sua autonomia e sustentação de liberdade. É também um espaço de formadores do futuro, futuro de respeito, igualdade, espaço onde as crianças aprendem o que é ser uma pessoa do bem, o que é amar; crescem e se transformam em jovens responsáveis, aprendem a andar de cabeça erguida sem medo do futuro. Para ela, os jovens que pela Casa do Sol passaram sentem orgulho de terem sido uma das crianças criadas nesse espaço. Leci, em tom de gratidão nos diz que sua filha cresceu em um ambiente maravilhoso e que não há outro igual. Ela que almejava participar de uma aula de balé, mas que devido às dificuldades não conseguiu, sente-se realizada ao ver sua filha participando de curso de balé na Casa do Sol. Além disso, Leci reconhece que encontrou neste espaço oportunidade de aprender como criar melhor sua filha e de perder a timidez no teatro com as mulheres ao participar do espetáculo de dez anos da Casa do Sol. Para Laiane, a melhor coisa que a Casa do Sol fez por ela foi oferecer-lhe a oportunidade de aprender a querer ser alguém na vida e, então, o aprendizado tornou-se seu projeto de vida. Thaís, ao participar de um dos momentos de for-

37


mação na Casa do Sol, diz que se ela fosse contar toda a sua experiência de vida nesse local, daria para escrever um livro. É isso mesmo, são tantas experiências e vivências dos sujeitos atendidos e acompanhados por essa Instituição que os depoimentos e relatos de cada um se transformariam em vários livros. - Pensa aí, então, nos quinze anos da Casa do Sol?! Tantas coisas a se contar... Finalmente, o tapete vermelho é colocado na entrada da Casa do Sol. A idéia desse tapete traz inspirações do Menino Luís ao afirmar que todas as crianças e todas as pessoas que por ele passam são especiais e por isso merecem atenção e tratamento especiais. Selma, educadora da Casa do Sol, ao ser entrevistada, nos explica isso muito bem dizendo que os pequenininhos que alí chegam é uma luz para as pessoas e que o tapete vermelho da Casa do Sol simboliza a importância de todos que por ali passam, sendo vistos e tratados como reis e como rainhas. Para ela, o tapete vermelho que é colocado quando o Papa chega ou quando o presidente chega ao aeroporto para eles passarem, tratandose de autoridades, se compara ao tapete vermelho da Casa do Sol que, ao ser pisado, não importa por quem seja, simboliza a igualdade e a equidade do merecimento de todos que por ali passam.

38


Sendo assim, é evidente que este detalhe tão importante não poderia faltar. E, na hora em que a festa começar, estaremos recebendo, de forma nobre e acolhedora, todas as pessoas que para nós são extremamente importantes e bem vindas na festa da Casa do Sol. Belinha está ansiosa com todos os preparativos. A mascote da Casa do Sol teve sua imagem representada em mosaico, na parede frontal da Instituição, configurando a essência desse espaço: figura feminina, símbolo de ternura, útero que gera vida.

39


Tem seus braços e suas mãos abertas representando que aqui todos que chegam são acolhidos, com suas histórias e com seus saberes. Os pés abertos, dando a idéia de movimento, como se estivessem prontos para irem ao encontro das diversas situações humanas que precisam de um impulso para sair da imobilidade gerada por inúmeras causas. Ah, Belinha! Rosto de sorriso maroto e cabelo de menina, que reflete a alegria, o encantamento, a capacidade de se surpreender, a leveza de quem rodopia na dança da vida. Como é bom estarmos inspirados em você! Suzane e Daria estão concluindo a pintura dos painéis para a festa. São figuras com representações da história da Casa do Sol. Cada painel reúne imagens coloridas e alegres, carregadas de significados, de muitas vivências e experiências. Um primeiro painel, este já pronto, traz bem grande a logomarca da Instituição. São as espirais da Casa do Sol. Gilmar, que também contribuiu com alguns desenhos dos painéis, ao observar as espirais comenta com Daria que, para ele, as espirais representam a rabada da pipa, tão fundamental para mantê-la no ar dizendo que quem tem experiência em empinar arraia ou pipas sabe muito bem do que está falando; a rabada representa equilíbrio, sustentação, criatividade, eficiência, eficácia, ... e vai se aproximando do desenho que fez em homenagem ao Menino Luís, ficando em silêncio, pensativo... Nos traçados de Gilmar, se vê o olhar fixo de Luís na horizontalidade, representando, conforme ele nos explica, seu compromisso com o outro, com a juventude, com a transformação da realidade. 40


Suzane e Daria ao pintarem as espirais sentiram o desafio de estar representando, naquela marca, um percurso, a evolução de uma história, de um processo, de um desenvolvimento. É como se elas buscassem representar algo que está acontecendo e se dilatando no tempo e no espaço, que tem um ponto de partida, mas que se expande e se supera ciclicamente, num movimento irreversível e constante. São três espirais nas cores vermelho, azul e amarelo. Na Bíblia o número três, é o número da Trindade, a comunidade perfeita, o tempo necessário para a morte se tornar Ressurreição. As três cores, geradoras de infinitas cores, simbolizam a origem, a fonte das quais podem brotar inúmeras possibilidades criativas, com suas misturas gerando sempre novas e inesperadas tonalidades, representando as três dimensões constitutivas da Casa do Sol: a física e afetiva, a dimensão do saber e a da transcendência e espiritualidade. A dimensão física e afetiva, simbolizada pela cor vermelha, representa o bem-estar da pessoa como busca e meta do fazer da Casa do Sol. Bem-estar que vai além da saúde do corpo,

41


que vê a pessoa como um ser em sintonia consigo mesmo, com os outros, com seu meio e com o mundo; um ser humano consciente de seu papel na construção de um mundo melhor. A cor azul, por sua vez, representa a sabedoria, como síntese da interação entre o saber que cada ser humano traz consigo, fruto de sua matriz cultural, da própria história, das experiências vividas e do conhecimento teórico adquirido no processo educativo, que se conecta com o saber do universo. A dimensão da transcendência, da espiritualidade, indicada pela cor amarela, simboliza a luz-energia que perpassa e impulsiona todo o fazer da Casa do Sol. Luz que vem da fonte sagrada da vida, que sustenta e alimenta todos que estão comprometidos com o sonho Casa do Sol e que permite que o cotidiano se irradie, espelhando e espalhando luz vivificadora para o mundo. - Oh Luís, como nos inspiraste tão bem! – exclama Suzane.

42


Bira chega com Enaiê para ajudar na montagem do segundo painel, que ficou grande, já que representa os Projetos da Casa do Sol. - As meninas capricharam nos desenhos. Aqui consigo me ver. Saudades..., comenta Enaiê. Bira se emociona ao ver a imagem que representa o Projeto Adolescentes em Arte-Ação; ele relembra sua adolescência, sua passagem pela Casa do Sol, recordase das conversas que tivera com o amigo Luís, de suas palavras sábias, pois ele, como ninguém, sabe identificar os momentos em que a gente mais precisa de suas palavras. Bira fica ali, por uns instantes, refletindo sobre as contribuições que esta experiência trouxe à sua vida. Para ele foi a Casa do Sol que o ajudou a ser educador, ser articulador, que pensa um projeto de educação, um projeto de transformação, enfim, foi a prática da Casa do Sol que o transformou. - Ei, Bira, vamos logo, senão a festa começa e não terminamos a montagem em tempo! - Diz Júnior ao passar por ali.

43


As aprendizagens construídas ao

O projeto Adolescentes em Arte-Ação, fruto da experiência acumulada pela

longo do projeto Adolescentes em Arte-A-

Casa do Sol com adolescentes, revela o

ção são colocadas em aplicação educativa

propósito dessa Instituição em manter

para cerca de 2.000 crianças residentes

o elo com os que por ela passam, numa

em Cajazeiras IV e V, Oasis, Irmã Dulce e

perspectiva em espiral, onde o que se

Cidade de Plástico, e para as famílias dos

aprende, se socializa, se partilha, ganhan-

adolescentes, com ações dos Circuitos

do corpo, força e vida. Este projeto que

Brincantes - dias de atividades culturais,

tem o desafio de unir arte, educação e

educacionais e artísticas voltadas para

mobilização social atende 120 adolescen-

as crianças das comunidades atendidas,

tes com idade entre 12 e 17 anos, capacita-

organizando-se um ambiente de brinca-

dos em animação sociocultural com for-

deiras e jogos criativos para mobilizar as

mação em monitoria lúdico-pedagógica

pessoas e servir como momento de inte-

de brincadeiras e contação de histórias,

gração, propiciador de alegria e de apren-

além de oferecer formação específica nas

dizagens, e Dias de Contação de Histórias

áreas de dança, teatro, música, passando

- na biblioteca de Ítalo para as crianças,

pela formação transversal Viver e Apren-

transformando esse espaço de leitura em

der, onde discutir valores humanos, pro-

um ambiente dinâmico para a aprendiza-

cesso de humanização, entendido como

gem literária e o desenvolvimento das ha-

a possibilidade de vivenciar experiências

bilidades dos adolescentes, gerando uma

que cheguem às entranhas, transforman-

troca de saberes e valorização da leitura

do o cotidiano e tornando cada sujeito

e da interpretação de textos.

mais humano, e mobilização social, em

Pelos relatos dos adolescentes per-

sintonia com Luís, sonhando que cada

cebe-se quão relevantes são as contribui-

sujeito pudesse vivenciar experiências

ções proporcionadas por esta ação Casa

que tocassem suas entranhas, transfor-

do Sol no processo de reflexão, criação

mando, assim, o cotidiano e humanizando

e (re)construção do projeto de vida de

sua vida.

cada um. Os potenciais criativos destes(as) meninos(as) vão sendo transformados em

- Legal, não é mesmo? Mais interessante, ainda, é a atuação que os par-

competências pessoais, sociais, cognitivas

ticipantes deste projeto têm no bairro de

e relacionais, seguindo o foco do projeto

Cajazeiras.

em vincular a arte-educação ao desenvolvimento humano. Eis os Brincantes Trans-

44


formadores da Comunidade, irradiando,

talentos; resgatar a história das brinca-

assim, a experiência da Casa do Sol.

deiras tradicionais; valorizar o espaço da comunidade como lugar de lazer, entrete-

Através desta oportunidade, única

nimento e aprendizagem para a vida; redi-

para alguns, os adolescentes vão agre-

mensionar o lugar do brincar para ocupar

gando formação e mobilização social; é o

criativamente o seu tempo de ser criança

brincar criando momentos de afeto e de

e adolescente.

diversão, abrindo espaço para aprendi-

No início, a Casa do Sol foi casa para

zados como saber viver juntos; compreender-se como pessoa capaz de ser feliz;

as crianças, mas, com o passar do tempo,

ter a oportunidade de ser criança e de

as crianças foram crescendo, desafiando

ser adolescente, vivendo a riqueza desta

Pina e Luís a resolver a seguinte situação:

fase da vida numa perspectiva de amplia-

o que oferecer para eles, agora? Como dar

ção de visão de mundo e de (re)leitura

continuidade ao acompanhamento?

da realidade onde está inserido ; mostrar

45


A complementação escolar, com aulas semanais de português e matemática para o fortalecimento da aprendizagem nestas áreas do conhecimento foi uma alternativa encontrada. Oficinas de capoeira, dança, arte circense, teatro, música, também foram se organizando e se consolidando. Parcerias foram se agregando e possibilitando a continuidade do atendimento. Mas, e as famílias? E a escola? E...? E...? E...?

O elo com as famílias se mantém com encontros mensais de formação, realização de oficinas, atendimentos personalizados, palestras educativas, semanas de estudos para aprofundamento do tema escolhido anualmente como condutor da Casa do Sol, confraternizações, visitas domiciliares e encaminhamentos. Para a Casa do Sol, a relação com as famílias das crianças e dos adolescentes atendidos se apresenta como uma de suas prioridades; o que os pais buscam aí é apoio na formação dos filhos e orientação para exercerem de forma qualificada e competente o papel de educadores, por terem verificado que nessa Instituição, as pessoas têm uma preocupação

46


com o ser, com cada um, com seus problemas e de suas respectivas famílias. Além disso, essas famílias encontram alí acolhimento, abertura para o diálogo e oportunidade de serem escutados. Vale ressaltar que essas famílias, das quais estamos falando, em sua maioria, é formada por mulheres, chefes de família, na faixa etária entre 17 e 40 anos, com pouca escolaridade e que vivem em situação de extrema pobreza. Quando trabalham, realizam serviços de lavadeira, faxineira, doméstica, obtendo remuneração mensal menor que o salário mínimo.

Os desdobramentos das ações desenvolvidas com as famílias são perceptíveis, na medida em que estas conquistam maior compreensão e respeito dos filhos, além de uma consciência mais clara sobre as suas responsabilidades, sobre o seu papel frente à garantia dos direitos e deveres das crianças e adolescentes, bem como o despertar para a necessidade de organização e luta pelos seus direitos, tornando-se agentes multiplicadores de saberes na família e na vizinhança. Os homens participam menos dos empreendimentos da Casa do Sol, mas sempre que solicitados, colaboram com alguns serviços internos e freqüentam as reuniões de pais. 47


Mais uma necessidade surge para a Casa do Sol: dialogar com a escola desses meninos e dessas meninas. O sucesso dos adolescentes na vida e na escola tornase meta, fazendo-se necessário a criação de formas de acompanhamento que possibilitem a eles a conclusão de sua formação escolar básica, necessária para a inserção destes no mundo do trabalho e em etapas posteriores de estudo, exercendo, assim, sua condição de sujeito de direito, que compreende e interfere nos rumos políticos de seu locus. Não dá para acompanhá-los sem envolver outros sujeitos importantes no processo de sua formação. Daria, coordenadora pedagógica da Casa do Sol, e Pina, presidente, vão ao encontro da equipe gestora das escolas do bairro, abrindo espaço para o diálogo e fortalecimento de parcerias, bem como para implementação de ações conjuntas que visem a melhoria da aprendizagem dos sujeitos e o monitoramento do funcionamento e da qualidade de ensino nessas escolas, como ocorreu mais sistematicamente com o Projeto Novo Espaço, vencedor do Prêmio Itaú UNICEF, em 2007. É importante destacar que a história da Casa do Sol é marcada também pelo estabelecimento de parcerias na própria comunidade, vinculando-se a outras associações, instituições religiosas, grupos culturais, instituições

48


governamentais, órgãos de proteção a criança e ao adolescente, dentre outros. Atualmente compõe o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, com gestão iniciada em 2012, tendo a possibilidade de continuar intervindo, mais diretamente, nas políticas públicas. É a sua trajetória caracterizada pelo rigor sóciopedagógico, administrativo e financeiro que a tornou mais reconhecida no bairro e na cidade. A seriedade com a qual a Casa do Sol trata os seus projetos tem sido destaque no fazer desta Instituição. Para nós é relevante e gratificante questionarmos sempre qual o diferencial desta casa/instituição? O que a torna tão aconchegante para quem nela entra? Qual(ais) a(s) razão(ões) do choro de algumas crianças quando devem retornar para o seu lar? O que sustenta a paixão dos adolescentes e dos educadores por este lugar?

49


Os adolescentes vão crescendo, mas também desejam nela continuar e transformar este lugar. Alguns, por iniciativa própria vão criando possibilidades de permanência, sempre encontrando um jeitinho de ficar; organizam as notas fiscais arrecadadas para as campanhas do programa de governo Sua Nota é um Show, contam histórias para as crianças da educação infantil e ajudam nos eventos que ocorrem ao longo do ano. O espaço físico da Casa do Sol não pode ser ampliado, foi redimensionado e ganhou mais vida. A Casa do Sol já contou com quatro espaços alternativos para o desenvolvimento das atividades de reforço escolar, adquiridos pela Instituição, sendo um em Cajazeiras IV e o outro em Cajazeiras VI – Irmã Dulce e no Loteamento Oásis, ressaltando que o espaço em Cajazeiras VIII, Jardim das Mangabeiras, foi cedido pela Paróquia. Hoje, funciona apenas um anexo em Cajazeiras IV. Os demais, por razões diversas, não tiveram continuidade no desenvolvimento das atividades iniciadas.

50


51


Em 2005, foi inaugurada a Biblioteca de Ítalo, hoje com acervo de cerca de cinco mil livros, aberta à comunidade local. Raimalda tem muito orgulho de estar atuando diretamente neste espaço e, em seus relatos, nos conta um pouco da história desta biblioteca: Ítalo, rapaz italiano, decidiu que não mais receberia presentes em seu aniversário, pedindo aos amigos e familiares que o ofertasse dinheiro para ajudar a instituições sociais. Certo dia, Ítalo foi atropelado e morto na Itália. Após este episódio seus amigos continuaram a fazer campanhas solidárias e, parte da arrecadação, chegou até a Casa do Sol, que investiu em sua biblioteca e homenageou Ítalo dando-lhe o seu nome. Este espaço tornou-se bastante significativo, principalmente para os adolescentes que não têm ainda construído o gosto pela leitura, que passaram a ter a oportunidade de adentrar mais nesse universo e desfrutar dos prazeres e possibilidades que esta oferece. Processualmente o mundo dos sujeitos vai se ampliando e o encantamento pela leitura se mantém crescente. Para divulgar esse espaço, a Casa do Sol expõe stands com livros nas escolas públicas do bairro, em praças e ruas do bairro, nas feiras culturais e de saúde, anualmente promovidas pela Instituição.

52


53


- E agora Luís e Pina? Os adolescentes tornaram-se jovens, desafiam e provocam o grupo a construir novas propostas e possibilidades para eles. O que iremos fazer? Eles querem continuar, querem colaborar com a Casa do Sol. Não foi isso o que eles aprenderam a espalhar, os raios de luz gerados no interior de cada um e que emana de seu próprio brilho em todo o bairro de Cajazeiras? Surge, então, o Quilombo do Orobu, nome dado pelos jovens ao cursinho pré-vestibular, organizado por eles próprios, com apoio de professores voluntários, em homenagem a um dos primeiros quilombos da Bahia, sediado em Cajazeiras, tendo por princípios e objetivos o preparo para o ingresso na universidade, pautado em princípios filosóficos e éticos de uma educação transformadora; integridade ética; igualdade e justiça para todos; consciência dos direitos e dos deveres; coerência de atitudes; organização social; inclusão social e rompimento das desigualdades e preconceitos; respeito à natureza, às pessoas e a todos os seres; aceitação, respeito e valorização da diversidade; conduta em favor da vida; humanização; visão do ser humano como ser integral. Desde o seu início, em 1999, já são, mais de cem jovens ingressantes nas universidades. Em 2011, quarenta e quatro jovens se inscreveram no processo seletivo do vestibular de universidades e faculdades baianas e, trinta e três foram selecionados. Esta experiência representa, para os jovens, um nova modalidade de conquista de espaço e de poder através da organização e das experiências culturais. Altair nos conta que o Menino Luís sempre apoiou esta iniciativa, deixando bem claro para os jovens a responsabilidade que os mesmos deveriam ter frente a esse trabalho e da importância de vivenciarem o protagonismo

54


em suas próprias histórias. Relata ainda que eles foram preparados para tocar o negócio para frente e que o menino Luís teve a sabedoria de incentivar isso, lembrando que um dia ele poderia não mais estar no meio de nós, mas que o percurso deveria continuar atento aos princípios estabelecidos inicialmente. Hoje, o cursinho é gerido integralmente pelos jovens. A Casa do Sol tem seu fazer organizado em fases educativas, a saber: Educação Infantil (3 a 5 anos), com foco na vivência lúdico-integrativa; Educação Novo Espaço (7 a 12 anos), com foco no desenvolvimento de múltiplos potenciais; Educação Arte-Ação (12 a 18 anos), dando ênfase às artes e o mundo do trabalho e Atuação Comunitária (19 a 21 anos), com foco na liderança e na autonomia. Estas fases são norteadas pelas especificidades e peculiaridades de cada etapa, (re)elaboradas no dia a dia, uma complementando a outra, integrando, no percurso dessas fases educacionais, suas dimensões técnica, humana e estética. São tantas histórias e não é tarefa simples tratá-las nesta memória, que além de representar um percurso, aponta caminhos e rumos para o próprio fazer Casa do Sol como para outras experiências que nesta poderá vir a se inspirar. O desejo é de transcrever cada relato, a exemplo das cartas circulares anuais que Pina escreve para os amigos e colaboradores da Casa do Sol onde relata algumas experiências vividas, mas o exercício de síntese fala mais alto.

55


Na abertura da festa de quinze anos da Casa do Sol, será lida a carta circular deste ano, onde Pina conta o progresso dessa Instituição e relata algumas situações particulares, que simbolizam o fazer institucional e que explicam, nas entrelinhas, o seu diferencial. A escrita de um fragmento deste documento nos faz perceber que estamos falando de um espaço que manifesta, a partir de seus educadores, comportamentos e expressões de quem cuida e educa, de quem ama ao relatar um episódio vivido certa manhã, por Pina, quando parou por uns instantes para observar Daria que estava sentada no chão, próxima a uma criança de quatro anos, recém chegado a Casa do Sol, que está sempre de cabeça baixa, emburrado, sem desejar entrar em sala de aula, além de ter uma história que não difere de muitas outras das crianças atendidas pela Casa do Sol, marcada pela violência doméstica, pela desestruturação e envolvimento de pessoas próximas à família com o mundo das drogas, o que, certamente pode justificar o seu comportamento. Daria, ao se deparar com o menino, deixa seus classificadores sobre a janela, senta-se ao lado dele e fica ali por um longo tempo, em silêncio, sentada. A criança, por sua vez, demonstra ter necessidade de sentir-se acolhida e segura, e de encontrar pessoas em quem possa confiar. Isto comoveu a Pina, sobretudo porque reconheceu, mais uma vez, que os educadores da Casa do Sol estão no caminho certo e ela, do fundo de seu coração agradece a Deus pelos ensinamentos do Menino Luís permanecerem vivos nas pessoas que com ele aprenderam a arte de amar incondicionalmente e a arte de driblar as exigências burocráticas que às vezes parecem nos devorar, a fim de que estas não sufoquem o sentido primeiro da nossa existência!

56


As palavras de Pina e seu sentimento quanto ao fazer Casa do Sol nos convoca a refletir que os espaços educativos que se propõem a trabalhar pela superação da pessoa humana precisam discutir e valorizar o exercício das emoções e dos sentimentos, as histórias de vida, permitindo aos sujeitos escutar-se e escutar o outro, buscando desenvolver uma prática educativa libertadora que valoriza o exercício da vontade, da decisão, da resistência, da escolha, dos desejos, dos limites... Essa é a prova viva da importância da Casa do Sol para os sujeitos desprovidos de proteção e de atenção, a exemplo das mulheres e das crianças que encontram nesse lugar possibilidades de vivenciarem o seu processo de (re)educação e de superação. As surpresas não param por aí. A emoção dos educadores é visivelmente notada em seus rostos. Eles já estão finalizando a organização do espaço e alguns já começam a sair para suas casas para se arrumar para os quinze anos da Casa do Sol! Murilo e Danilo ficaram ajudando na colocação do último painel que traz momentos marcantes na Casa do Sol, momentos que representam o reconhecimento, em nível nacional e local do fazer socioeducativo Casa do Sol, com as premiações recebidas. Em 2006, o primeiro prêmio pela Fundação Abrinq, Prêmio Criança 2006,

57


através do projeto de educação infantil “Viver e Aprender”, voltado para as 52 crianças atendidas, com idade entre três e seis anos, tendo por objetivos acompanhar integralmente as crianças; garantir seu crescimento saudável e harmonioso com o desenvolvimento de todas as suas capacidades; construir uma identidade individual baseada na autoestima e no reconhecimento das raízes culturais e históricas, onde são trabalhados conteúdos que resgatam as tradições comunitárias, valorizando a identidade negra. Vale considerar que o projeto veio para fortalecer ações já existentes na Casa do Sol, potencializando o processo indissociável entre o cuidar e o educar, tão valorizado em sua proposta. A cada ano são atendidas na educação infantil, aproximadamente, oitenta crianças na faixa etária de 3 a 5anos. As classes são organizadas por idade e as crianças permanecem em turno integral. Há nesse segmento de ensino a preocupação de se trabalhar com as habilidades sociais da criança - convivência, expressão emocional, dentre outros - respeitando as singularidades e peculiaridades dessa faixa etária. Em 2007, mais uma alegria. A Casa do Sol foi reconhecida vencedora regional do Prêmio Itaú Unicef – Todos pela Educação, com o Projeto Novo Espaço, para o atendimento de 259 crianças e adolescentes entre seis e dezoito anos de idade, com objetivos de proporcionar formação integral a estes e sua integração no mundo da cultura e do trabalho. O projeto buscou oferecer complementação escolar, oficinas de arte-educação - teatro, percussão, dança, capoeira, atividades socioeducativas, biblioteca e intercâmbios culturais. Como resultados desse projeto, a Casa do Sol pôde evidenciar uma maior permanência e

58


conclusão dos ciclos escolares, por jovens e adolescentes, além de uma expressão de maior interesse pelos estudos por parte destes. Tornar-se reconhecida nacionalmente convoca a Casa do Sol a seguir em frente; os educadores passam, então, a dar-se conta de que estão em um caminho sem volta! O Menino Luís sempre desejou isso. Altair nos diz que o danado do Luis - forma carinhosa de falar de sua sabedoria -, na sutileza, sabia da grandeza da Casa do Sol que não se resumia em ter um prédio bonito, mas em ter seu alicerce fundado nas raízes e tradições do povo, com as coisas organizadas, pois insistia no trabalho de reconhecimento das tradições do resgate da cultura afrodescendente, resgatando as formas tradicionais de cura, resgatando as formas de saber de cada um, valorizando as singularidades e fortalecendo a vida. - Isso nos faz lembrar da história dos reis e das cinco moedas, não é mesmo? Expertise em ações socioeducativas e culturais, apoio e legitimação da comunidade local, envolvimento das pessoas com o fazer, discussões e monitoramento constante sobre o processo, vão possibilitando novos desafios e novas conquistas. Agora, vencedora nacional do Prêmio Itaú Unicef, em 2009 – Tempos e espaços para aprender, com o projeto “Projeto Novo Espaço: construindo saberes com a comunidade”, atendendo a 239 crianças e adolescentes, com idade entre seis e dezoito anos, com o intuito de permitir aos sujeitos atendidos o pensar e o repensar sua própria história tendo por pilares necessários à construção de seus projetos de vida o sucesso nos estudos, a beleza da arte e a convivência harmônica.

59


Um dos destaques desse projeto é a utilização de escolas, praças e ruas do bairro para os ensaios e as apresentações das produções de teatro de rua, percussão e capoeira. Aqui a concepção da arte, mais uma vez, é força propulsora que favorece o raciocínio lógico, a disciplina, a consciência crítica, o senso estético, o fortalecimento da autoestima e o desenvolvimento da sensibilidade e das várias formas de educação. A Casa do Sol identifica, a partir do fazer cotidiano, as contribuições desta ação, assim como de outras experiências, quanto à melhoria do desempenho escolar, o despertar da responsabilidade social e ambiental, a construção de relações de respeito, gerando ações na comunidade e no bairro, a apreciação e a experimentação das diversas linguagens artísticas, por parte dos atendidos. Bem, mais um destaque na pintura do painel de premiações: o patrocínio recebido em 2010 pelo Programa Petrobras Desenvolvimento e Cidadania, através do Projeto Viver e Aprender: pelo direito de ser criança, que tem em sua proposta o acompanhamento e atendimento integral a 144 crianças com idade entre três e onze anos, oriundas das famílias mais empobrecidas do bairro de Cajazeiras. Pontos fortes a serem destacados nesta proposta são envolvimento e participação comunitária, que garantem a sua sustentabilidade, assim como intervenção em situações de vulnerabilidade e risco social das crianças, em articulação com a comunidade e com o uso de tecnologias sociais.

60


Este Projeto foi estruturado em cinco fases de execução, sendo acompanhamento sistemático a cento e quarenta e quatro crianças cadastradas, quer na educação infantil, quer nas atividades do contraturno escolar – Acompanhamento Viver e Aprender Criança; outra fase denominada Aperfeiçoamento Viver e Aprender Educadores, com a realização de oficinas teóricas e práticas sobre o tema Risco Social, alinhadas com o Estatuto da Criança e do Adolescente; a fase Enfrentamento Viver e Aprender Diagnóstico e Encaminhamento, com identificação e encaminhamentos de casos e de situações de vulnerabilidade e risco social das crianças participantes dessa ação; Desenvolvimento Viver e Aprender Mobilização Social, que propõe a mobilização da comunidade para o desenvolvimento do projeto e para articulação e elaboração de políticas públicas e, por fim, a etapa Aprimoramento Viver e Aprender Práticas Educacionais que prevê o aprimoramento das práticas educacionais e o uso de tecnologias sociais que possibilitem o enfrentamento das situações de risco social. Ainda em execução, o Projeto Viver e Aprender traz como perspectivas de alcance de resultados a garantia do acompanhamento sistemático do desenvolvimento biopsicossocial das crianças, a participação e o envolvimento da comunidade que gera reflexões, discussões e proposições, interferindo no Projeto e na realidade local, contribuição teórico-metodológica da equipe de profissionais formadores para o enfrentamento das situações de risco social por parte dos educadores e a garantia do diagnóstico e do enfrentamento de situações de vulnerabilidade e de risco

61


social pela equipe de educadores da Casa do Sol. Assim, pretendem-se impactos de mudanças concretas na vida das crianças, o uso de práticas educacionais aprimoradas e avanços comunitários na discussão, participação e efetivação de políticas públicas. - Ufa! O Projeto Casa do Sol ganhando vida própria. Como nos disse Pina, certa vez, a certo ponto o projeto construído longamente, um projeto construído comunitariamente a partir de raízes locais, fiel à realidade, foge das mãos de quem está na sua origem porque ganha vida própria, vai adquirindo autonomia e vai abrindo os seus caminhos, e isto deu-lhe a sensação que a Casa do Sol se tornou muito, muito maior do que a que viu e acompanhou com o Menino Luís desde o seu início e que agora, depois de todo esse tempo, tornou-se criatura porque tem sua vida própria. Pina, então, se questiona sobre o seu papel e sobre o papel dos que lá estão, lembrando a necessidade de enfrentamento dos caminhos sem volta e que é preciso ousar e considerar que qualquer experiência, qualquer projeto, qualquer ação, após ter sido pensada, refletida com honestidade e com simplicidade, mesmo se não conduzem aos resultados esperados serão sempre motivo de crescimento e de aprendizagem. Por este motivo, nosso desejo é de que a Casa do Sol seja essa criatura autônoma, e que aprimore suas cores e formas próprias. A dimensão assumida pela Casa do Sol foi assegurada e ampliada, sua história deu input à trajetória inexoravelmente traçada, permitindo-nos chegar até aqui, permitindo-nos celebrar, agora, seus quinze anos. No canto superior do painel de premiações, mais uma conquista! O reconhecimento do Programa de Edu62


cação Infantil Viver e Aprender, pela Fundação Social Itaú através do Fundo de Investimento de Excelência Social FIES, em 2010. A integração da arte-educação na proposta pedagógica deste programa que visa o desenvolvimento e a formação integral das crianças de três a seis anos foi avaliada como inovação educacional. No processo formativo a arte–educação favorece o desenvolvimento de várias dimensões, entre elas o resgate da historia individual e coletiva e da cultura local; o aprimoramento da sensibilidade estética; isso contribui para o desenvolvimento de relações harmônicas, para o sucesso escolar e cria os pilares para a construção de projeto de vida de cada sujeito envolvido. A aprovação do Programa de Educação Infantil Viver e Aprender, pela Fundação Social Itaú através do Fundo de Investimento de Excelência Social - FIES, em 2010, beneficiando diretamente setenta e duas crianças através de oficinas de música, dança, aulas-passeio, espaços cotidianos para jogos e brincadeiras, contação de histórias, roda de conversas, dentre outros, além de vinte e sete educadores participantes das oficinas de atualização com temáticas e propostas escolhidas pelo próprio grupo a partir de necessidades por ele identificadas. Enfim, tarefa cumprida! Os painéis prontos e arrumados pelo espaço da Instituição, simbolizando parte do percurso feito, representando parte dessa memória, uma vez que as palavras e as imagens não traduzem todas as dimensões da vida e das histórias de vida que reconhecemos sagradas e merecedoras de respeito e de sigilo. Assim, Daria e Suzane vão fechando o portão da Casa do Sol devagar e vão saindo...

63


64


Menino Luís, vem conosco

comemorar! - Mas Luís, o que está fazendo aí? Indagou uma voz suave. Ele, por sua vez, manteve-se quieto e silencioso. Pensativo? Mas não respondeu, ou melhor, certamente responderia depois.... Assim se comporta Luís quando interrogado pelas pessoas. Ele se permite ter um tempo para refletir e encontrar uma resposta mais apropriada, ou até mesmo devolver a pergunta com uma nova pergunta. Conhecer Luís é uma verdadeira aventura, pois esse menino tem tanta coisa a nos contar e a nos ensinar... Luís nasceu em 25 de maio de 1940, caçula de cinco filhos de uma família de lavradores em Aldino, um pequeno povoado nas altas montanhas, no Norte da Itália. Viveu uma infância feliz, mesmo na dureza das condições. Aos 16 anos sua mãe morreu. Nessa idade despertou no menino Luís a vocação para se tornar sacerdote. Durante os estudos ele conheceu estudantes latino americanos. A amizade com os mesmos suscitou nele, como nos contou posteriormente, o desejo manifesto de um dia poder trabalhar no Brasil. Luís foi ordenado sacerdote em 1966. Seu Bispo lhe pediu que antes de ir para sua Missão trabalhasse alguns anos em sua Diocese. O menino Luís trabalhou sobretudo na pastoral juvenil. Finalmente no ano de 1980, já com 40 anos, teve permissão para vir ao Brasil e, assim, seu sonho se realizou.

65


Em maio de 1980 deixou sua pátria. A partir daquele momento o Brasil se tornou sua segunda pátria. Nos primeiros 11 anos viveu e trabalhou no sertão da Bahia, com o povo da área rural. Nestes anos fez uma experiência que mexeu muito com ele, muitas pessoas e famílias inteiras deviam deixar suas terras para buscar trabalho nas grandes cidades. Luís viu como muitos acabaram na pobreza e nas periferias miseráveis. Enfim, em 199, com Pina, compartilhou esse desterro, que os trouxe à Cajazeiras. Para o Menino Luís, visitar as pessoas foi sempre algo importante e necessário em sua missão e, numa dessas visitas, olha ele lá na casa de Raimalda. Ela que nem sempre tinha com quem conversar, aproveitava quando ele aparecia, “ai que alívio, e contava tudo...” Bastava um banquinho para ele se sentar e, com a sua paciência, infinitamente adorável, se colocava a escutar. E não era só ela quem tinha essa atenção, não. Muitas mulheres que vivem em Cajazeiras, as únicas componentes das famílias que permaneciam em casa durante o dia, foram visitadas por Luís. Ele gosta de conhecer cada uma, de estar perto, de escutar, de levar uma palavra amiga às pessoas, quase que esquecidas, daquele bairro. Luís, neste texto usamos a expressão carinhosa Menino Luís para reportarmo-nos a você, pois assim o vemos no meio de nós. Esteve sensível à realidade dura enfrentada por pessoas que moram em Salvador, em Cajazeiras, bairro que, apesar de planejado, revela outra face dessa cidade, conhecida como uma das mais carismáticas do Brasil, mas nós sabemos e conhecemos bem a sua face perversa, esquecida e empobrecida. Alguns amigos que visitam a Casa do Sol são levados pelos educadores a percorrer ruas e encostas de Cajazeiras. Para alguns, o choque com o que se vê, como é o caso de Elisabeth, amiga 66


italiana e colaboradora da Instituição, que se sente indignada com as casas de plástico que vê nas ocupações, com a forma como as pessoas vão se amontoando nos espaços e procurando se manter a cada dia. É nesse cenário que Luís sempre atua e é com essas pessoas que ele sempre se importa; pessoas que vivem no anonimato. Para ele, é difícil cruzar os braços frente a essa realidade. Morar nas ocupações, em Cajazeiras, é pagar o preço da discriminação, do isolamento, da não aceitação por parte dos moradores ditos oficiais desse bairro, aqueles que puderam comprar ou alugar um imóvel ali; é pagar o preço de não ser considerado e tratado como pessoa humana. Luís repudia tudo isso. Como não estar perto de Letícia, mulher, mãe com vida difícil e dificuldade de criar os filhos? Além da dureza da vida, que lhe corrói a alma e contribue, muitas vezes, para que ela se vingue em seus próprios filhos? A dor de Letícia e de muitas mulheres, em não saber como gerenciar suas emoções e seus sentimentos, em não saber por onde (re)começar a vida, e olha lá Luís, apesar de tão pequenino e magrinho, conseguindo carregar malas tão pesadas, em meio a um turbilhão de coisas e de situações! Como é que esse Menino sai de tão loge, deixa tudo pra trás para estar aqui com a gente expressando e manifestando seu amor tão generoso e incondicional? – alguns dos questionamentos de nossa amiga Fátima. É desse jeitinho simples e com suas palavras ternas e sábias, que faz Suzane perceber que pode, sim, contar com a ajuda das pessoas, inclusive, para ajudar na educação de seus filhos, ainda que ela reconheça ter dificuldade em permitir que outros sujeitos interfiram em sua vida.

67


Mas Luís sabe muito bem como cativar as pessoas, ainda que por algumas vezes, precise dizer palavras duras, mas sem perder a ternura. Não agride ninguém e nem levanta seu tom de voz. Às vezes as pessoas até se irritam com isso, pois quanto mais elas se exaltam, mais sereno fica Luís e vai conseguindo fazer com que percebamos que existem outras formas de lidar com as problemáticas da vida... - Mas vem, Menino, vem logo, a festa está para começar. No silêncio da Casa do Sol, a beleza dos preparativos. Tem a singularidade de cada um e a harmonia da coletividade. Luís chega e se encanta com tudo o que pôde ver; passeia pelos corredores apreciando o espaço, orgulhando-se do que os educadores fizeram dessa casa. Relembra o sonho inicial da Casa do Sol de garantir às crianças uma alimentação saudável e nutritiva, tratamento médico e odontológico, instruções adequadas à faixa etária, preparação para ingresso na escola regular e, acima de tudo, calor e ajuda humana. Relembra também do investimento que foi necessário para organizar bem o espaço físico e até mesmo de seus questionamentos iniciais se era justo investir tanto na construção de um prédio. Pensativo, Luís não teve dúvidas de que valeu a pena. Em nenhum momento ele duvidou da capacidade das pessoas e a todo o momento confiou no poder de cada semente germinar e dar bons frutos, de cada pessoa tornar-se capaz de ser protagonista de sua própria história. Aproximando-se do salão, Luís encontra sobre a mesa, a carta de sua grande amiga, Pina aos amigos italianos. E como em flash vem memórias da sua chegada ao Brasil, dos enfrentamentos que tivera, das idas e vindas 68


por Cajazeiras, de tudo o que pôde vivenciar. Lê o que Pina escreveu e a emoção vem à tona. Por um instante deixa cair uma lágrima sobre o papel, manchando um pouco a escrita... Luís vai, já não pode mais ficar, mas ele sabe que a Casa do Sol vai, sim, fazer uma belíssima comemoração de seus quinze anos, com simplicidade, com a organização que a caracteriza e a participação de tantas pessoas e da comunidade. Cada detalhe foi muito bem pensado: o convite, a programação, as homenagens, as apresentações, o lançamento do livro. Livro este que traduz o percurso da Casa do Sol, entre luzes e sombras.

“ Indo e vindo, trevas e luz, tudo é graça, Deus nos conduz.... indo e vindo trevas e luz, tudo é graça, Deus nos conduz”.

Em 2002, Luís Lintner, nosso amigo, nosso pároco, nos deixou. A violência local tirou-lhe a vida. Agora, o Menino Luís comemora conosco os quinze anos da Casa do Sol, a partir de outra dimensão, e aqui, cada um de nós permanece grato a você, Luís, pela sua capacidade de nos fazer acreditar na utopia da construção de um outro mundo e da organização de uma nova sociedade em que, inconformados com as injustiças sociais, sejamos capazes de decidir, de intervir e de melhorar o próprio mundo. Você, Luís, é um encantador de sonhos, é aquele que consegue deixar vivo nas pessoas o desejo profundo de transformação. Ser encantador de sonhos, como nos diz Daria, é acreditar na transformação do outro, nas relações

69


de igualdade, no potencial existente em cada ser humano; encantador de sonhos é aquele que ajuda a fortalecer e alimentar desejos, possibilitando a cada um sonhar o seu próprio sonho e o de tantas outras pessoas. Pina é a primeira a chegar a Casa do Sol. Ao abrir o portão tem a sensação de que alguém esteve ali, mas vai em frente e, como sempre faz, verifica se tudo está organizado - uma das exigências da Casa do Sol com o seu espaço: estar sempre limpo e organizado- percorre o andar térreo, fica feliz com o que vê e depois vai até o primeiro andar. Ao chegar ao salão sente um cheiro bom e agradável. Senta-se à mesa, pega a sua pasta e percebe uma mancha no texto que vai ler. Olha pro teto, pensa que foi alguma goteira e já vai anotando que deve chamar Senhor José para ver o que está ocorrendo aí. Mas, ao observar mais atentamente aquela marca, percebe tratar-se de outra coisa, sente que Luís esteve por ali e, nesse momento, é tomada de emoção... Alguém a chama e diz: - Pina, os convidados estão chegando, já vamos começar...

70


71


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATAIDE, Yara Dulce B.de et al. Educação, saberes locais e desenvolvimento humano. A experiência da Casa do Sol. In: NUNES, Eduardo José F.; BOSCOLO, Gianni e ATAIDE, Yara Dulce B. De. (orgs). Saberes e patrimônio material e imaterial: uma abordagem intercultural. III Seminário Internacional Interlinkplus. Salvador: EDUNEB, 2010. LINTNER, Martin & FINK, Christl H., et.al. Luis Lintner: Due Mondi, una vita. Bologna: SERMIS, 2004. SANTOS, Cínthia Maria Seibert. Casa do Sol: entre sombra e luz. Uma proposta de educação em Cajazeiras. Dissertação de Mestrado apresentada a Universidade do Estado da Bahia, Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Salvador, 2008. Caderno Prêmio Itaú Unicef. Todos pela Educação 2007. 7ª Ed. Finalistas Nacionais. Caderno Tempos e espaços para aprender – 2009. Prêmio Itaú Unicef. Finalistas Nacionais.

72




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.