Nydia Negromonte | Exposição Ocidente | 2015

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OCIDENTE

N y di a N e g r o m onte

2015


OCIDENTE de Nydia Negromonte Em latim, enquanto oriens significa sol nascente e guarda a ideia de tornar-se visível ou originar-se, occidens é o sol poente, a queda, a perda. Se o oriente é iluminador, no ocidente anoitece, lugar do apagamento. Complementares, oriente e ocidente são binários geográficos que dão ritmo ao espaço-tempo da vida. Assim, aprendemos que o oriente orienta e notamos que o ocidente oxida a vista em lusco-fusco. A exposição OCIDENTE de Nydia Negromonte instala precisamente essa experiência do lusco-fusco: o que a vista não alcança no ato do declínio é recolhido, estudado, mesurado e posto a trabalhar num novo laboratório de sensibilidades. Na exposição, as táticas de orientação e desorientação no espaço podem ser vividas entre trabalhos que encarnam em seus corpos próprios a passagem inelutável do tempo. Esses trabalhos coreografam a fragilidade dos materiais vivos e testemunham o delírio dos materiais mortos. Aqui, oriente e ocidente por vezes trocam de lugar, o fim tornando-se vetor de possibilidades e o começo aparecendo como uma promissora decadência. Para Nydia, a microscopia do cotidiano é justamente o palco de uma série de observações participantes que geram gestos, ações e processos que, por sua vez, podem vir a ser congelados, através de várias estratégias imagéticas, para que durem por mais tempo em nossa memória. Os atos da artista interferem nos objetos encontrados no cotidiano mumificando-os e desmumificando-os, soprando-lhes nova vida ou interrompendo o seu tempo natural. O fio da memória é assim desfeito e redesenhado. Podemos notar que a imagem é peça importante nesse novo laboratório criado, é o reagente de momentos fugazes. Um diálogo inquisidor com o mundo-imagem de que falava Susan Sontag, no qual a realidade se define a partir do registro das imagens, “substitutas cobiçadas da experiência autêntica”. Segundo Sontag, a imagem fotográfica, com o seu imperativo de “máscara fúnebre” da realidade, formaria um “interminável dossiê” que comporia as memórias coletivas.

Em OCIDENTE, a memória fotográfica é matéria-prima que pode ser reconstruída, que pode sofrer interferências, que deve ser recongelada através de uma nova aderência matérica. A matéria – camada de inscrição textual, desenho de barro ou de papel de arroz – luta por editar as imagens, esse arsenal mnemônico sempre tão poroso aos nossos vastos desejos. Em vez da imagem como documento, somos apresentados à imagem como artefato da memória, fábula reescrita, edição plástica. Somos protagonistas em vez de reféns do mundo-imagem discutido por Sontag. As fotografias exibidas são um construto elástico que encarna duas camadas de congelamento: uma prévia, ótica, e outra atual, tátil, a sua nova máscara discursiva, aquela que transforma em vez de representar. Como uma segunda estratégia imagética para o congelamento de processos nascidos do cotidiano, nos é apresentado também um conjunto fotográfico seriado que captura instantes da morte-vida de formas tão familiares quanto estranhas. Frutas e legumes posam para a fotografia no ínterim de sua transformação, seres híbridos à procura de um desenho possível. São registros realizados em estúdio, deliberadamente apartados do seu mundo cotidiano originário e, com o clima da objetividade de um laboratório asséptico, negociam a sua singularidade classificatória num conjunto inesgotável. No seu percurso imagético, OCIDENTE nos surpreende com a presença súbita de objetos derivados das imagens ou que com elas travam um diálogo de reciprocidades. São flagrantes de corpos que se situam fantasmagoricamente entre a experiência fugaz e a escultura. São encarnações dos processos de tensão entre a visibilidade e a perda, entre o território do dia a dia e a eternidade atópica, entre o nascente e o poente. Operações matemáticas gravadas em mármore, covas perfuradas numa superfície de algodão e legumes esfaqueados fundidos em bronze dão concretude sutil à experiência de orientação e desorientação proposta por OCIDENTE. E, nesse horizonte estético, podemos avistar finalmente o planejamento de um cotidiano ao mesmo tempo trágico e prospectivo, pueril e heroico, íntimo e universal. [Renata Marquez]


Registro fotográfico processado integralmente em estúdio, realizado logo após a desmontagem da obra POSTA, apresentada na 30ª Bienal de São Paulo, 2012.

A série está composta de 500 imagens, que registram frutas, legumes e tubérculos

encapados com argila crua. Através de um campo de forças ali instalado, cada

indivíduo busca a força vital do elemento água. Ativados pela ação do tempo, corpos depositados sobre uma mesa de ar exibem, ora inércia, ora pulsão de vida e morte.



POSTA, 300 x 400 cm, 2012

Itinerância da Trigésima Bienal de São Paulo.

Grande Galeria do Palácio das Artes, Belo Horizonte


Post POSTA 2014-2015

Impress達o com pigmento mineral sobre

papel de algod達o 305 g, 36,5 x 73 cm [cada]


Em 2012 a artista fez uma expedição em um pequeno barco

na Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte. Quatorze

amostras de água foram então coletadas fotograficamente, documentando os seus distintos graus de pureza e densidade.

Paralelamente, foram inventariadas inúmeras notas de

degustação, comumente presentes em rótulos de garrafas de vinhos. A série resulta do emparelhamento das amostras

de água em estreito diálogo com as notas de degustação. Na montagem, esse diálogo é encapsulado em estruturas de acrílico, potencializando transparência e brilho.


Vista parcial da exposição.


NOTAS DE PROVA 2014

Impress達o com pigmento mineral sobre papel de algod達o 500 g 55 x 40 cm [cada]



TOPOGRAFIA HIDRÓFILA [Instalação] 2015 Mangueira, água, óxido de ferro, 75 Kg de algodão hidrófilo e palets de madeira, 13 x 282 x 428 cm

Instalação processual e sonora construída com mangueira transparente perfurada, formando

um circuito d’água. Tal ducto, está fixado em uma grade de ferro oxidado que, por sua vez,

está preso no teto e conectado a um reservatório

de água. Ao longo dos dias, 160 pingos caem sistematicamente sobre um grid pavimentado

com blocos de algodão, a querer marcar em ritmo cadente, a ação física do tempo.


FÁBULA [projeção] 2015 Dimensões variáveis

Slides extraídos do álbum de família da artista.


BÚSSOLA [6 peças] 2014-2015 Fundição em bronze com liga de cobre +

resma de papel 240 g, dimensões variáveis.


Descascar, cortar, dividir, e fatiar, são atos corriqueiros, próprios

do preparo do alimento , presentes em qualquer cozinha. Frutos e tubérculos variados, tais como manga, abacate, chuchu, batata doce e maracujá, sofrem a ação cotidiana do golpe

de uma faca. Fundidos, formam um corpo sólido que, inertes,

depositados sobre pilhas de papel, parecem indicar pontos de orientação espacial.


Em primeiro plano TOPOGRAFIA HIDRÓFILA.


Uma paineira localizada em uma grande avenida, observa solenemente o fluxo frenético da cidade.

QUATRO VENTOS 2014-2015

seus pontos cardeais: norte, sul, leste, oeste. O estatuto da imagem foi alterado a partir do depósito

Paina, papel de arroz 6 g e goma arábica sobre impressão

frutos, bem como seu fluxo de dispersão e vida.

100 x 66 cm [cada]

Quatro faces distintas dessa mesma árvore foram então registradas, buscando nessa circularidade

de formas orgânicas que, tal como o ciclo vital da árvore, responde às estações e retém o espocar dos

com pigmento mineral sobre papel de algodão 310 g,


QUATRO OPERAÇÕES 2014 Gravação a laser sobre placas de mármore e braúna, 55 x 40 x 4 cm [cada]

Apropriação de ilustrações extraídas de um livro didático

editado nos anos 60 que, juntas, demonstram as quatro operações: adição, subtração, multiplicação e divisão.

Nas imagens, cenas corriqueiras e bucólicas exibem

crianças e adultos compartilhando seus alimentos, estabelecendo trocas simbólicas de toda ordem.


Vista Geral da exposição.


Exposição Individual na Galeria Genesco Murta, Palácio das Artes, Belo Horizonte. De 16 de abril a 07 de junho de 2015. Contato Artista: nydianegromonte@uol.com.br T 31 32272841 [residência] T 31 25105512 [ateliê] Belo Horizonte MG

Fotografia | Daniel Mansur

NYDIA NEGROMONTE, 1965, artista plástica, formada em Desenho pela Escola de Belas Artes da UFMG em 1989, com especialização em gravura em 1998: “La obra gráfica hoy: de la impronta grabada a la impronta digital”- Faculdade de Belas Artes, Universidade de Barcelona, Espanha. Entre os anos de 1999 e 2001 foi artista residente no Atelier HANGAR, Barcelona, Espanha, participando de importantes mostras: ARCO, Feria Internacional de Arte Contemporáneo, Madrid; “Corpo Seco”, Galeria Sicart, Barcelona; e “Urbild”, Galeria Antonio de Barnola, Barcelona. PRINCIPAIS INDIVIDUAIS: 2014, “Ocidente”, Central Galeria de Arte, São Paulo; 2011, “Lição de Coisas”, Fundação ECARTA, e Casa das Vitaminas no Parque Farroupilha, Porto Alegre; 2010, “Jasmim do Cabo”,, Instituto Undió, Belo Horizonte; 2004, “Pulmo”, Torreão, Porto Alegre; 2003, Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo. PRINCIPAIS COLETIVAS: 2014, “Punto de Quiebre”, Beatriz Gil Galeria, Caracas, Venezuela; 2010, “Casa das Vitaminas”, Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte; 2006/2005, “Identificador”, Paço das Artes, São Paulo e Galeria de Arte da Cemig, Belo Horizonte; 2002, “Matéria Prima”, Novo Museu de Curitiba. Em 2012 realizou uma grande exposição individual, “Lição de Coisas” no Museu de Arte da Pampulha/MAP, Belo Horizonte e participou da Trigésima Bienal de São Paulo, “A Iminência das Poéticas”. Artista finalista do 5º Prêmio Marcantonio Vilaça, CNI/SESI/ SENAI; Exposição coletiva no Museu de Arte Contemporânea/MAC, São Paulo.


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