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Figura 129: Foto de detalhe da porta-bandeira Polyana com o adereço de cabeça

nascimento de uma nova arte para emprego do trabalho prático proposto para o mestrado em design, foi finalizado de forma satisfatória. O design final com as escolhas de materiais e objetos, mesmo que adaptados, devido aos acontecimentos de pandemia que nos assola, é claro que, quanto ao seu lócus africano e ferramentas de medidas, sinalizaram a hibridização artística e divertida, intitulada como “A real arquitetura congolesa”.

Conclusão

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Essa investigação, inicialmente, trouxe as figuras de Maria Adamastor, como baliza, termo usado para identificar o atual mestre-sala, e Ubaldo na função de porta-estandarte, o que seria a porta-bandeira na atualidade. Esses fatos, nos primórdios do carnaval carioca, no início do século XX, são significativos porque nos mostram que os gêneros não seguiam normas e regras conservadoras para época ao trocarem o papel social masculino e feminino, cuja identificação era diferenciada pelas vestes e adereços de cabeças.

A abordagem do fato acontecido, no carnaval carioca de outrora, nos remete às discussões contemporâneas acerca de gêneros, sexualidades e sobre os corpos que ainda têm forte opressão e imposição de um padrão binário normativo (homem cis e mulher cis). E tal característica, para a concepção do casal de mestre-sala e porta-bandeira, em uma época em que suas claras origens eram abalizadas em uma burguesia repressiva e a sexualidade livre era reprimida, foi, no mínimo, ousada por parte de Maria Adamastor e Ubaldo.

Com o reconhecimento da festa carnavalesca na cidade carioca, nos anos que compreendem 1940 e 1950, os papéis do casal de mestre–sala e porta-bandeira seguiram com definições socialmente convencionais, ou seja, homens se vestiam e usavam adereços de cabeças masculinos e as mulheres se trajavam com roupas extremamente femininas e seus adereços e cabelos denotavam uma preocupação em evidenciar a feminilidade. Todavia, a representatividade dos adornos de cabeças, frente aos enredos, não se fez presentes nas imagens observadas. O que pode ser notado foi uma relação dos adereços de cabeças femininas com a nobreza, como o uso de tiaras e coroas, uma vez que a própria história da dança do casal teve, como base, os festejos dançantes da casa grande imitada pelos cativos.

Ao final dessa pesquisa, foi observado que para chegar ao patamar dos designs da atualidade houve, ao longo das décadas, um processo de mudanças de paradigmas artísticos nos desfiles das escolas de samba. Muitos profissionais da área artística passaram a compor equipes de criação nos barracões carnavalescos. Nesse contexto, com as devidas importâncias, foram citados determinados artistas que contribuíram para

essas mudanças, que foram muito importantes para as práticas que temos na contemporaneidade, como Marie Louise e seu marido, Dirceu Nery.

Marie Louise contribuiu, no ano de 1959, com uma das primeiras revoluções estéticas do carnaval carioca com o enredo da GRES Acadêmicos do Salgueiro, denominado “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”. Ao dar início a uma grande mudança no visual da escola, outros grandes nomes do carnaval surgiram nessa agremiação, que colaboraram para a mudança no Carnaval carioca, como o Carnavalesco Fernando Pamplona, Joãosinho Trinta e Rosa Magalhães.

Em parceria com a artista plástica Marie Louise, o seu marido Dirceu Nery apresentou elementos do enredo na adereçaria em geral, incluindo o figurino do casal de mestre-sala e porta-bandeira. Foi, assim, que o casal Marie Louise e Dirceu Nery despertou em outros artistas, naquela época, a possibilidade de trabalharem no carnaval carioca.

Marie Louise, entre 1959 a 1968, concomitantemente com seus trabalhos no Salgueiro, também desenhou alguns figurinos para GRES Portela, como, por exemplo, “Brasil, pantheon de glórias" (1959); "Rio, capital eterna do samba ou Rio, cidade eterna"; "Rugendas (Viagens pitorescas através do Brasil)"; entre outros. Cabe salientar que os desfiles das duas agremiações, através de películas antigas, trazem, nesse período, uma estética diferenciada das demais agremiações.

O país, nessa época, vivia o auge da ditadura, em que ocorriam prisões, torturas e sequestros em troca da libertação de presos políticos. Nesse sentido, trazer enredos históricos era seguro para as agremiações. Ao longo dos desfiles das agremiações, entre os anos de 1960 a 1970, o uso das perucas com enfeites para as porta-bandeiras, acompanhadas de coroas, constituiu-se como um marco para adereçaria das cabeças femininas. Os adereços de cabeças masculinos também acompanharam esse modelo de decoração.

Esse momento foi marcado por enredos diversificados, contudo, os históricos e os de cunho nacional foram os mais frequentes. Tais exemplos estiveram presentes no primeiro capítulo, páginas 35 e 37, através das imagens 06 (seis), em que se apresenta o casal Vilma e Benício com o enredo “Segundo Casamento de D. Pedro I”, e 07 (sete) com a porta-bandeira Irene e o mestre-sala Bagdá desfilando com o enredo "Lapa em

Três Tempos". Ambos os enredos trataram de assuntos concernentes à realeza e imperialismo na cidade do Rio de Janeiro.

Vale ainda destacar que os artistas Marie Louise, Dirceu Nery, Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, no ano de 1960, levaram a vermelho e branco da Tijuca (Acadêmicos do Salgueiro) a conquistar o seu primeiro campeonato com o enredo “Quilombo dos Palmares”. Esse grupo, pertencente à Escola de Belas Artes da UFRJ, mudou a estética do carnaval carioca. No ano de 1963, Fernando Pamplona comandou uma vitória arrasadora do Salgueiro com o enredo "Chica da Silva", considerado um dos mais importantes da história da escola tijucana. Essas perspectivas se deram a partir das minhas observações como pesquisador desse assunto, através de vídeos, iconografias e artigos de jornais desta época do carnaval carioca, que fazem menção a esses profissionais.

Ao seguir esses artistas, por dados expostos nos meios de comunicação, é possível constatar, nos anos de 1970 e 1980, a ousadia de Fernando Pinto. O artista com formação em teatro, como coreógrafo, cenógrafo e figurinista, trouxe novas estéticas para os adereços de cabeças, através do casal Roxinho e Soninha com o enredo “Ziriguidum” (2001) na Mocidade Independente de Padre Miguel, em que envolvia volume, altura e leitura de enredo, como vimos na figura 09 (nove) página 44 do primeiro capítulo.

A artista Rosa Magalhães, no desfile do Salgueiro em 1990, com o enredo “Sou Amigo do Rei”, figura 11(onze) página 46 (casal Élcio e Dóris), trouxe adereços de cabeças menores que os da década de 1980, porém, relacionadas ao enredo. Cabe notar que, nesse período, houve muitas discussões acerca da dança e da bandeira, no que pulsa os adereços de cabeças volumosos, que, por ocasião, prendiam-se nas bandeiras, sistematicamente, em virtude de tamanhos e adereçarias de cabeça.

Nesse contexto, muitos Carnavalescos dedicaram seus projetos dos adereços de cabeças com vistas em evitar possíveis problemas. Vale ainda mencionar que esses novos pontos de vista tiveram as participações de artistas que surgiram ao longo dos desfiles de carnaval carioca e deram norte com suas perspectivas de confecções para os Carnavalescos autodidatas.

Nesse argumento, as indumentárias dos casais de mestres-salas e porta-bandeiras e os adereços de cabeças, que as complementam, ganharam importância e representatividade nos enredos das escolas de samba. Os desenhos se adequaram ao significado de forma setorial e, na ambiência atual, os casais simbolizam, em suas fantasias, até mesmo os principais personagens dos enredos, a exemplo do casal da Portela em homenagem a Clara Nunes, conforme página 57 figura 22 (vinte e dois). No enredo de Rosa Magalhães, “Na Madureira moderníssima, hei sempre de ouvir cantar uma Sabiá”, a porta-bandeira veio vestida da homenageada e o mestre-sala de águia, que simbolizou a própria escola, através de seu símbolo, que era uma das grandes paixões da cantora.

Essas descrições, que envolveram as participações de artistas nas construções dos adereços e indumentárias do carnaval carioca, tiveram como finalidade mostrar as mudanças de paradigmas que abarcaram a correspondência dos adereços de cabeças dos casais de mestres-salas e porta-bandeiras nos setores dos desfiles, a partir dos anos de 1960 até o ano de 2020, com os enredos. Essa discussão fechou com os adereços do casal de mestre-sala e porta-bandeira Marlon e Lucinha da Portela, que tiveram como idealizadores Renato Lage e Márcia Lage, cujo desfile ocorreu no ano de 2020. Assim, a partir das observações consideradas por meio das imagens exibidas no capítulo I, após anos 60 e das leituras dos sambas de enredo nesse período, verificamos que corresponde à questão investigativa dessa pesquisa sobre a representatividade dos adereços de cabeças do casal dentro dos enredos.

Ao indicar alguns momentos da história do carnaval carioca com relação às análises dos adereços de cabeças das escolas de samba Unidos da Tijuca e Rocinha, a pesquisa ficou envolvida nos detalhes da criação dos adereços e na utilização de material e como os mesmos se materializaram, a partir dos enredos e setores que se exibiram, no carnaval de 2020. Nessa ambiência, os elementos, que conceberam búzios e os dentes de marfins, os padrões e as cores dos adereços da Rocinha denotaram o teor do enredo, que trouxe uma africana de nome Maria Conga como personagem central. E quanto a Unidos da Tijuca, a construção dos adereços de cabeças do casal e a sua didática entre a escrita do enredo e a leitura da estética dos adereços foram bem claras ao demostrar e ratificar os elementos da arquitetura, como régua e transferidor, que foi o mote do enredo do carnaval de 2020.

Para confirmar a relação do enredo com os adereços de cabeças do casal, construí uma oficina com um enredo híbrido com os temas da Rocinha e da Unidos da Tijuca do Carnaval de 2020, criado especialmente para essa investigação. Nessa oficina, tratei de todo processo de construção de um adereço de cabeça unissex e sua relação com o enredo, que originou, como foco, a arquitetura da Costa do Congo. A visão dos personagens, como os casais, coreógrafos, aderecistas e sambista, acerca do adereço de cabeça unissex trouxe autenticidade para essa investigação, uma vez que esses personagens têm uma vivência significativa com o elemento pesquisado.

Essa pesquisa acarretou, em seu conteúdo, a originalidade existente no ambiente de criação do universo do carnaval carioca. Dessa forma, as figuras dos casais de mestressalas e porta-bandeiras, através de seus adereços, são fortalecidas como parte efetiva para contar a narrativa dos enredos dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro.

No ambiente carnavalesco, o design, tema que essa investigação se dedicou, propõe algo objetivo, em que as pessoas são capazes de entender a arte, que se apresenta como uma interpretação subjetiva, em algo palpável e até mesmo usual, como é o caso dos adereços de cabeças dos casais de mestre-sala e porta-bandeira. Nessa conjuntura, embora com uma vasta vivência profissional no ambiente artístico e de adereçaria das escolas de samba, como Caprichosos de Pilares, Estácio de Sá, Grande Rio, Mangueira, Portela, integrante da equipe de Carnavalescos do GRES Unidos da Tijuca e Carnavalesco solo no GRES Acadêmicos da Rocinha e na Unidos de Bangu, eu busquei conhecimento acadêmico para compreender as nuances que enquadram o trabalho do designer no espaço carnavalesco.

Com base nesse argumento, surgiram os insights acerca das criações contemporâneas frente às de outrora, uma vez que nos primórdios do carnaval sequer existiam croquis para elaboração das indumentárias e adereços de cabeças dos casais que portam as bandeiras. Essas criações se materializavam a partir de ideias e, com o passar das décadas, as imaginações ganharam objetividade, seja através dos designs como também pelo objeto a ser consolidado. Logo, a compreensão da relevância do trabalho de construção do design trouxe entendimentos de como esse olhar técnico orientou, e ainda contribui, para a leitura dos adereços do casal de mestre-sala e porta-bandeira, bem como outros elementos que compõem na prática os desfiles das escolas de samba.

Por fim, é percebível que a técnica de construção do design nos figurinos e adereços colabora de forma elementar para aspectos que tratam de alguns pontos da história do carnaval, as criações artísticas e a própria organização da festa de Momo. Por meio da descrição dos processos de construção do adereço unissex, através de uma visão pautada por mim no design, deu-se a condução de uma investigação, que tendeu compreender melhor o contexto de criação e produção dos adereços de cabeça do casal de mestre-sala e porta-bandeira no carnaval carioca.

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