SAÚDE-ALCOOLOGIA-TESE-2006

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Centro de Filosofia e Ciências Humanas Escola de Serviço Social Programa de Pós-Graduação

JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES

SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: Uma Relação em Construção

RIO DE JANEIRO 2006


JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES

SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: Uma Relação em Construção

Dissertação

de

Mestrado

apresentada ao Programa de PósGraduação em Serviço Social, da Universidade Federal do

Rio

de

Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social, sob a orientação da Profª Drª Janete Luzia Leite.

RIO DE JANEIRO 2006


JANAÍNA DOS SANTOS RODRIGUES

SERVIÇO SOCIAL E DEPENDÊNCIA QUÍMICA: Uma Relação em Construção

Dissertação

de

Mestrado

apresentada ao Programa de PósGraduação em Serviço Social, da Universidade Federal do

Rio

de

Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social, sob a orientação da Profª Drª Janete Luzia Leite.

Aprovada em

de

Profª Drª Janete Luzia Leite. ESS/UFRJ. Orientadora

de


Profª Drª Cleusa dos Santos. ESS/UFRJ.

Profª Drª Marilurde Donato. EEAN/UFRJ.

Dedicatória

Dedico este trabalho ao Criador, que me ampara e me sustenta, em todos os dias da minha vida.

Sem Ele, não conseguiria chegar até aqui.


Agradecimentos Agradeço primeiramente ao Criador que me concede todos os dias o Dom da Vida; À minha orientadora, Profª Drª Janete Luzia Leite, por ter acreditado e confiado em mim e também pelo apoio dado no dia a dia; À minha mãe e meu pai por terem entendido minha ausência e sempre terem me incentivado; Ao meu irmão Felippe pelas “contribuições” dadas no processo de construção desta dissertação. Ao meu namorado Bruno que soube entender todas as ausências, mudanças de humor e chateações que passei neste período e que a cada tropeço, me deu forças para continuar essa caminhada. Agradeço aos colegas assistentes sociais que tiveram a paciência e o carinho de nos receber e dar sua enorme contribuição para que esta dissertação se transformasse em realidade.


RESUMO O presente trabalho analisa a prática do assistente social, em instituições públicas, que atendem dependentes químicos, no município do Rio de Janeiro. Entendemos que estudar a prática profissional é importante, no sentido de contribuir para o amadurecimento e a construção permanente do Serviço Social, no Brasil, e a importância do estudo realizado, no âmbito da dependência química, se deve ao fato de ser esta um tema transversal e, também, por ser considerado um problema mundial. Dados do Ministério da Saúde, do ano de 2003, informam que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% da população mundial é consumidor abusivo de substâncias psicoativas. Fundamentamos nossa investigação nas discussões acadêmicas a respeito da prática profissional; na legislação e nas políticas públicas brasileiras voltadas para a problemática do álcool e outras drogas; e em entrevistas, com nove assistentes sociais, lotados em instituições que atendem essa demanda. O estudo evidenciou que o assistente social atua diretamente com os dependentes químicos e/ou suas famílias, porém de forma fragmentada e não refletida; que desenvolvem atividades determinadas pela instituição e não as que, como profissional, considera necessárias para melhoria da qualidade de vida do dependente e sua família. PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social; prática profissional; dependência química.


ABSTRACT

This study analyses the practice of social workers in public institutions devoted to chemical dependency, in the municipe of Rio de Janeiro. The importance of studying professional practice lays upon its potential contribution to the processes of maturing, and permanent construction of Social Work as a professional field in Brazil. The fact that chemical dependency is both a transversal theme and a worldwide problem vouchers for its relevance. Data from the Brazilian Ministry of Health report that according to the World Health Organization (WHO) 10% of the world population consume psychoactive substances at abusive levels. This study was based upon the results of academic debate about professional practice, upon Brazilian legislation and public policies regarding problems related to abuse of alcohol and other drugs, and also upon information gathered from a number of interviews conducted with nine social workers employed by the specialized institutions mentioned. Evidence was found that social workers operate directly with chemicaldependent individuals and/or their families, nonetheless in a fragmented, nonreflected way; that their activities are determined by the institution, instead of being decided by themselves as specialized professionals devoted to the betterment of the quality of life of patients and their families.

Key-words: Social Work, professional practice, chemical dependence.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS Figura 1. Mudanças no consumo de cocaína – 2004

54

Figura 2. Mudanças no consumo de anfetaminas – 2004

55

Figura 3. Mudanças no consumo de ecstasy - 2004

56

GRÁFICOS Gráfico 1. Estimativas do UNODC sobre o uso de drogas (1990 até 2004/2005)

53

Gráfico 2. Idades dos assistentes sociais

127

Gráfico 3. Instituições formadoras: dependência administrativa

127

Gráfico 4. Experiência (tempo de atuação) na área de dependência química

128

TABELAS TABELA 1. Consumo de substâncias psicoativas: fatores de risco e fatores de proteção

58

TABELA 2. Consumo de substâncias ilícitas no Brasil – 2003/2004

62


TABELA 3. Cursos realizados pelos assistentes sociais

129

QUADROS Quadro 1. Leituras realizadas pelos assistentes sociais

132

Quadro 2. Trabalhos realizados pelos assistentes sociais, por instituição pesquisada.

147

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida CAPS–ad - Centro de Apoio Psicossocial – álcool e drogas CEAD – Conselho Estadual Antidrogas CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicoativas CENTRA-RIO - Centro Estadual de Tratamento e Reabilitação de Adictos COFEN – Conselho Federal de Entorpecentes COMAD – Conselho Municipal Antidrogas COMEN - Conselho Municipal de Entorpecentes CONAD - Conselho Nacional Antidrogas CONEN - Conselho Estadual de Entorpecentes CPRJ - Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro CTB - Código de Trânsito Brasileiro DPF – Departamento de Polícia Federal EUA – Estados Unidos da América ESS – Escola de Serviço Social FIA – Fundação para Infância e Adolescência IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo MS - Ministério da Saúde OMS – Organização Mundial de Saúde ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas PNAD – Política Nacional Antidrogas PUC – Pontifícia Universidade Católica SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas SISNAD – Sistema Nacional Antidrogas SUS – Sistema Único de Saúde UDI – Usuário de Drogas Injetáveis


UFF – Universidade Federal Fluminense UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

SUMÁRIO INTRODUÇÃO

11

CAPÍTULO 1 A PRÁTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL

20 22 36 41

1.1. Breve Histórico 1.2. Os Anos 80 1.3. Os Anos 90

CAPÍTULO 2 DROGAS 2.1.Drogas: breve histórico sociocultural 2.2. Panorama internacional das drogas 2.3. Panorama nacional das drogas 2.3.1. As drogas e a legislação brasileira 2.3.2. A política brasileira para o álcool e outras drogas 2.3.2.1. Política Nacional Antidrogas 2.3.2.2. Política para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas 2.4. Drogas – Discussões Presentes na Sociedade

55 56 61 67 84 94 95 101 107

CAPÍTULO 3 O SERVIÇO SOCIAL E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA 3.1. Clínica 3.2.Ambulatórios 3.3.Os Assistentes Sociais 3.4. O trabalho do assistente social 3.5. A prática profissional

123 125 133 139 161 164

CONSIDERAÇÕES FINAIS

177


REFERÊNCIAS

186

INTRODUÇÃO

Esta dissertação é requisito básico do Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social (PPG/ESS) para a obtenção do título de mestre. Versará a respeito da prática do assistente social em instituições que atuam na área da dependência química. A motivação para essa investigação deve-se ao fato de percebermos ser esta temática ainda pouco debatida no meio acadêmico. Chegamos a esta conclusão através da busca por bibliografia sobre o tema, uma vez que poucas foram as publicações na área do Serviço Social relacionada à temática da dependência química, e isso fez com que despertasse nossa curiosidade e vontade de estudarmos quem são esses profissionais, o que eles fazem, qual o trabalho desenvolvido e de que forma estão inseridos na instituição. Para além desta primeira impressão no meio acadêmico, o que também contribuiu para desencadear nossa vontade de realizar esta investigação foi termos


nos deparado com alguns casos de dependência química na instituição em que trabalhamos. Consequentemente começou a surgir uma intensa necessidade de entendermos qual é a prática que o assistente social desenvolve em instituições voltadas para esse público alvo. Disto surgiram muitas indagações: qual a contribuição que o assistente social pode dar ao dependente químico e sua família durante o tratamento? Qual é a prática profissional desenvolvida? Como se traduz em ações, as reflexões que o profissional realiza acerca da sua prática? Como é feito o registro do Serviço Social? Estas e outras indagações pairavam à nossa mente. Paralelo a estas inquietações, ao longo da nossa experiência profissional, percebemos que o trabalho com dependência química está presente em todas as áreas de atuação do Serviço Social devido ser ela uma das diversas expressões da ”questão social”1, por isso, uma demanda posta para o assistente social. Mesmo assim, ainda não é uma área discutida e publicizada no Serviço Social, não tendo, portanto, destaque na profissão. Uma vez que a dependência do álcool e outras drogas pode acontecer com qualquer tipo de pessoa, independente de sexo, idade, estado civil, raça, classe social, entre outros, é que se torna uma demanda presente nas escolas, nos locais

1

Por questão social, entendemos .como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2000, p. 27).


de trabalho, na área da saúde, nos programas de assistência social, na saúde mental, nos programas de assistência social, no judiciário, entre outros. Para, além disto, existem os assistentes sociais que trabalham de forma direta com esta demanda em ambulatórios e clínicas de internação, quando o indivíduo já se encontra dependente do álcool ou de alguma outra droga. Por existir uma reduzida produção dentro do Serviço Social a respeito desta área específica, essa característica faz com que este estudo assuma um caráter predominantemente exploratório, tornando-se importante tentar entender o universo institucional no qual os assistentes sociais estão inseridos e qual é sua prática profissional neste cotidiano. Apesar de termos pouca inserção na área de álcool e drogas, este universo aguça nossa vontade de entendê-lo e poder contribuir para o desenvolvimento da profissão e da prática profissional do assistente social nesta área. Desta forma, o nosso estudo tem como objeto a prática do assistente social na área da dependência química, utilizando como estudo de caso a prática profissional nas instituições estaduais que atendem dependentes químicos no Estado do Rio de Janeiro. A fim de viabilizar o estudo ora proposto, inicialmente realizamos uma pesquisa bibliográfica, com objetivo de fornecer subsídios teóricos para a análise tanto da prática profissional quanto da questão das drogas, mediante consulta a


materiais impressos - livros, periódicos, teses, revistas, documentos oficiais, entre outros – e materiais da Internet. Outro instrumento utilizado foram as entrevistas com os assistentes sociais que trabalham com dependentes químicos. Ao realizarmos revisão bibliográfica sobre as drogas, percebemos a necessidade de estudarmos a legislação brasileira e as diferentes políticas elaboradas pelo governo federal (e consequentemente difundida entre Estados e Municípios), notadamente na última década. Assim, diante desta problemática, determinamos como objetivos deste estudo: identificar qual e como é o trabalho desenvolvido pelo assistente social nas instituições que atendem dependentes químicos; verificar se existe um registro e uma reflexão a respeito da prática do assistente social e analisar de que forma o assistente social percebe seu papel junto ao usuário e à equipe técnica da Instituição. Realizamos um levantamento das instituições públicas que atendem dependentes químicos no Rio de Janeiro, em caráter ambulatorial e de internação, e dentre estas, somente foram estudadas aquelas que possuem assistentes sociais no seu quadro funcional. Após a delimitação do universo a ser estudado, optamos por investigar três instituições que possuem orientação governamental diferenciada no trato do álcool e outras drogas. Nestas instituições, identificamos onze assistentes sociais que


trabalham nestas organizações, distribuídos da seguinte forma: em um ambulatório estão lotados três assistentes sociais, os quais foram todos entrevistados. Em outro ambulatório, trabalham cinco assistentes sociais, sendo que neste, só foi possível entrevistarmos três devido um estar de licença médica e outro de férias e na clínica, dos três assistentes sociais, todos foram entrevistados. A pesquisa foi realizada através de entrevistas baseadas em questionário semi-estruturado. A observação da rotina da Instituição foi realizada concomitantemente à aplicação do questionário, levando em consideração o espaço físico e político que o assistente social possui, bem como o tipo de relação estabelecida com os demais técnicos e sua autonomia com relação ao desenvolvimento de suas atividades. É importante ainda destacar de que forma este trabalho está organizado. No primeiro capítulo nos debruçaremos sobre a discussão travada na academia a respeito da prática profissional do assistente social, a partir, principalmente, da década de 1960 até os dias atuais. No segundo capítulo, traremos um breve panorama mundial da utilização das drogas ilícitas. A partir daí, realizaremos uma análise da política governamental desenvolvida para tratar a questão da dependência do álcool e outras drogas; discutiremos os princípios da política de redução de danos e terminamos o capítulo com a discussão sobre a forma com que a dependência do álcool e outras drogas


estão inseridas na sociedade. No terceiro capítulo analisaremos a prática profissional desenvolvida pelos assistentes sociais nas instituições estaduais que atendem dependentes químicos no município do Rio de Janeiro.


CAPÍTULO 1

A prática profissional do assistente social

As discussões a respeito da concepção da prática profissional avançam – ou não - de acordo com o momento histórico no qual ocorrem. É consenso entre os diversos autores que se ocupam do estudo da História do Serviço Social que o processo de Renovação do Serviço Social2, foi iniciado nos

2

Entendemos por Renovação do Serviço Social a eclosão, a partir de meados dos anos 60, na América Latina, de um processo no qual as configurações tradicionais da profissão são deslegitimadas, sofrem uma crise e surgem novas concepções, novas visões, novas propostas de prática profissional. No interior dessas novas configurações há um campo delimitado pelo Movimento de Reconceituação. É portanto, no interior dessa renovação profissional – e só no interior dela – que ganha sentido o Movimento de Reconceituação.


anos 60, na América Latina, tendo por objetivo romper com o Serviço Social “tradicional“3 mediante uma nova proposta para a categoria profissional.

As novas exigências postas àquela época aos assistentes sociais, pelos organismos empregadores, contribuem para que o Serviço Social comece um processo de questionamento da forma com que vinha desenvolvendo sua prática.

Os assistentes sociais começam a se questionar a respeito da eficácia dos métodos tradicionais utilizados para atuar na realidade brasileira, dessa forma, iniciam um movimento de contestação, chamado Movimento de Reconceituação4. Esse movimento ocorre, em alguns países da América Latina, como, por exemplo, Argentina, Chile e Brasil, por um período de, mais ou menos, 10 anos. O Movimento de Reconceituação tem início, na década de 60, e seu refluxo, na década de 70, devido aos golpes ditatoriais ocorridos em alguns destes países. No Brasil, assume, segundo Netto (2005a) três dimensões: a Perspectiva Modernizadora, a

Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura.

3

Por Serviço Social “tradicional” entende-se uma “prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada que os agentes realizavam e realizam efetivamente na América Latina. Evidentemente, há um nexo essencial entre ambos: parametra-os uma ética liberal-burguesa e sua teleologia consiste na correção – numa ótica claramente funcionalista – de resultantes psicossociais considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de uma concepção (aberta ou velada) idealista e/ou mecanicista da dinâmica social sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida como um dado factual ineliminável.” (NETTO, 1981, p.60, grifo do autor). 4 O Movimento de Reconceituação é parte de um movimento mais amplo de renovação profissional; é constitutivo do movimento da renovação profissional, mas não esgota esse movimento. O Movimento de Reconceituação, tal como ele se deu na América Latina é, portanto, uma expressão particular da renovação profissional. Para maiores subsídios, ver Netto (2005 a, b); Faleiros (2005); Alayón (2005). Aqui, discutiremos somente os aspectos do Movimento de Reconceituação, no Brasil, porque nosso objeto de estudo se circunscreve a esse país.


Assim, nossa análise teve como ponto de partida a década de 1960, por ter sido o período em que surgem discussões relevantes, na profissão, dentre elas as referentes à prática do assistente social.

Netto (2005a) destaca que esse

movimento de contestação teve três

fatores importantes:

− a realização de uma visão crítica das Ciências Sociais, deslocando, para a Sociologia, Psicologia Social e Antropologia, o fundamento científico do Serviço Social; − o distanciamento do Serviço Social em relação à Igreja; e

− o movimento estudantil, que protagoniza, decisivamente, uma crítica ao tradicionalismo do Serviço Social. O Movimento de Reconceituação teve seu berço, basicamente, na academia e entre setores de vanguarda profissional.

Em

resumo,

esse

movimento,

que

reuniu

assistentes

sociais

com

experiências e aspirações bastante heterogêneas e desencadeou alterações de tamanha magnitude, que até a atualidade influenciam a profissão. Até o início deste movimento, não aparecia com destaque no cenário nacional, discussões ou polêmicas relativas à prática profissional. A partir deste


movimento, começam a se fazer presentes discussões e até questionamentos da forma como a prática era desenvolvida.

1.1 Breve histórico

Fazendo um breve resgate da leitura de Iamamoto (2002) e Netto (1995; 2005a; 2005b), deparamo-nos com a discussão de que, até a década de 50, os registros disponíveis das atividades profissionais mostram que o Serviço Social se orientava por um comportamento conservador, ainda não se destacando polêmicas relevantes na profissão; somente a partir do final dessa década e início da década de 60, é que se fazem ouvir as primeiras manifestações, no meio profissional, de

posições que questionam o status quo e contestam a prática profissional vigente (IAMAMOTO, 2002, p.35, grifo da autora).

As alterações pelas quais, a profissão passa, naquele período, são decorrentes das modificações que ocorrem, no país, principalmente nos âmbitos econômico, político e social.

Até a década de 50, a indústria brasileira tem como característica a produção de bens de consumo, sendo necessária a implantação de indústrias de bens intermediários e de bens de capital.


A criação dessas indústrias ocorre, no final daquela década, quando Juscelino Kubitschek implanta o modelo desenvolvimentista associado ao capital estrangeiro e, dessa forma, há uma maciça entrada do capital estrangeiro no país, por meio da implantação da indústria pesada, dos setores automobilístico, de material elétrico, eletrônico, eletrodoméstico, de produtos químicos, plástico, entre outros. Data, também, desse período, a instalação de empresas multinacionais. Ao Estado, cabia o papel de fornecedor de infra-estrutura, como rodovias e energia elétrica.

Na entrada dos anos 60, o mundo e em especial o Brasil, começa a passar por grandes mudanças: o clima político entra em ebulição nesse período a partir da renúncia de Jânio Quadros, em 1961.

Apesar da resistência de alguns setores (leia-se os setores militares), João Goulart (Jango) assume o governo e planeja desenvolvê-lo por meio de uma conduta mais democrática, uma das suas plataformas eram as chamadas reformas de base, que seriam alterações em alguns setores estratégicos, com vistas a beneficiar a população brasileira. As reformas se efetivariam, prioritariamente, nas áreas: agrária, urbana, política e educacional.

No contexto interno, o Brasil vivia um período de efervescência política e social. Os movimentos sociais estavam ganhando espaço no cenário político, eram


greves, articulações no campo e na cidade, com a presença dos movimentos estudantil

e

sindical

extremamente

ativos.

Era

um

período

de

grandes

manifestações populares.

No plano externo, Cuba, um país vizinho da América Latina, através da revolução comandada por Fidel Castro, derrubava a ditadura vigente e começava a inclinar aquele país para o socialismo comunista.

Jânio Quadros, quando presidente, visitara Cuba e condecorara Che Guevara (um dos líderes da revolução) com a Ordem do Cruzeiro do Sul e no momento da renúncia de Jânio, Jango estava em visita à China Comunista (FAUSTO, 1995). Isso fazia com que se criasse

um “receio” de que o governo fosse

simpatizante daquele sistema.

Desde o início do governo de João Goulart (a partir do final de 1961), militares de alta patente, articulados a setores civis fortemente conservadores,

atuam

para

barrar

as

tendências

consideradas

“esquerdistas” do presidente, evidenciados no programa de “reformas de base” e do limite à remessa de lucros para o exterior. A radicalização do processo com o passar dos anos acabou por levar Goulart a romper com a política pendular realizada neste período, fazendo-o assumir, no epílogo de seu governo, um posicionamento mais radical de defesa do projeto reformista. O ápice desse processo se deu no”Comício da Central”, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964, quando anunciada oficialmente, a implantação da reforma agrária, dentre uma série de outras medidas. O comício foi considerado uma afronta aos militares, já que se realizou quase em frente ao prédio do Ministério do Exército. Em 1º de abril de 1964, é desfechado o golpe e os militares tomam o


poder, auxiliados pela autocracia burguesa (nas palavras de NETTO, 2005a).

As discussões ocorridas na sociedade, em decorrência dessas alterações conjunturais pelas quais o Brasil passava, começam a propiciar divergências e contestações, dentro da profissão. Passávamos por um período no qual o quadro profissional começava a se ampliar e a se modernizar, por meio da expansão do mercado de trabalho, da multiplicação das escolas especializadas, e das demandas colocadas pelo Estado e pelas empresas (NETTO, 2005a).

Ora, uma vez que o projeto nacional catapultado pelo golpe de 64 possuía claras vinculações com a inserção do Brasil no padrão capitalista internacional, e que este último, à época, demandava uma funcionalidade, no que diz respeito à existência de mão-de-obra (semi)qualificada, é na Educação que se dá o foco de uma das principais transformações engendradas, durante o regime militar.

A política educacional brasileira é redefinida e tratada, com maior ênfase, pela ditadura, entre os anos de 1968 e 1969, como uma forma de controlar e disciplinar o corpo docente e discente, intervindo na Universidade (mas não só) com o objetivo de modelar o sistema educacional do ensino superior conforme as necessidades do projeto “modernizador” implantado no país.

A reformulação na política educacional brasileira foi feita de acordo com as


“indicações” oferecidas por um grupo de consultores norte-americanos. Assim, a Universidade se incorporava ao direcionamento pretendido pelos Estados Unidos da América. O êxito da política educacional foi obtido através do esvaziamento da Universidade, afastando-a do contato com os movimentos sociais, criando um sistema universitário asséptico, desencadeando uma degradação do padrão do trabalho intelectual.

Enquanto tornava-a asséptica, o governo reprimia e bania de seus quadros funcionais (por aposentadorias precoces ou demissões, sem falar nos que “sumiram” e nunca mais foram encontrados) acadêmicos comprometidos com reflexões e movimentos de contestação anteriores àquele período. Para fazer com que as “reflexões” ficassem dentro da Universidade, chama-se novos professores que não tinham vivenciado a experiência anterior a 1964, descompromissados com aquele passado recente (NETTO, 2005a).

Assim, a universidade teve, nesta política, o incentivo ao desenvolvimento da pesquisa e da extensão, porém, esta foi conduzida de uma forma acrítica para que formasse apenas bons técnicos. Outro destaque, na área educacional, é a repressão ao movimento estudantil, que, por ser um movimento agregador de insatisfações e discordâncias existentes na sociedade, precisava ser contido.

Apesar dos gastos do poder público com ensino superior terem aumentado,


na medida em que foram sendo instituídos a pesquisa, extensão e contratação de novos professores, os gastos nos 1º e 2º graus foram diminuindo na mesma proporção que o sistema incentivava a criação de instituições de ensino privadas, desencadeando para a iniciativa privada um espaço nunca antes alcançado. Incentivada pelo poder público (às vezes por meios de incentivos financeiros), ela ampliou o número de escolas de 1º e 2º graus5 e de faculdades privadas, ao mesmo tempo que criava novas instituições.

No 2º grau, o interesse se volta para a área profissionalizante, uma vez que o país passa pela ampliação das indústrias “pesadas” e precisa de trabalhadores qualificados.

Nas faculdades privadas, investe-se nas profissões que precisam de menos recursos, como a área de Ciências Humanas.

Concomitantemente às alterações ocorridas nesse período, o Serviço Social, que já é curso de universitário, ingressa no circuito acadêmico, passando a ser uma profissão que dispõe de pesquisa e extensão.

Anteriormente, a maioria dos professores eram assistentes sociais que se dividem entre a academia e o mercado de trabalho. Porém, a sua inserção no meio

5

Nomenclatura introduzida pela Lei 5692/1971, que “Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências”, referindo-se “1o Grau” à junção dos antigos cursos "primário” e “ginasial” e, “2o Grau”, ao antigo “colegial”.


acadêmico e conseqüentemente, na carreira de professor universitário e no chamado “regime de dedicação exclusiva”, faz com que o profissional da área passe a se dedicar exclusivamente à academia – ou seja, às atividades de docência, pesquisa e extensão. Isso traz, como conseqüência para o Serviço Social, o início da formação de uma vanguarda acadêmica.

As novas exigências do modelo econômico desenvolvido na ditadura, principalmente a partir de 1966, quando o Estado reformulou as instituições governamentais6 nas quais grande número de assistentes sociais estavam inseridos, rebatem diretamente sobre o mercado de trabalho, na prática e na formação profissional do assistente social.

A política econômica desenvolvida no Brasil no período da autocracia burguesa desencadeou um aumento da desigualdade social, fazendo com que diversas “faces” da “questão social” fossem colocada em cena, sendo tratadas através de políticas sociais centralizada pelas mãos do Estado e para tal, um dos profissionais requisitados para implementação das políticas voltadas para esta população é o assistente social.

A prática profissional precisava se revestir de características que ao mesmo tempo possibilite o controle por parte dos seus superiores e de outro lado, 6

As instituições governamentais que atuavam diretamente nas refrações da “questão social” foram reformuladas, alterando de acordo coma s necessidades da ditadura e o primeiro foi o sistema previdenciário.


permita a crescente relação com outros profissionais.

Essa reformulação propiciou também um aumento no número de postos de trabalho para o assistente social, pois as alterações foram realizadas nas instituições que atuavam diretamente na “questão social”.

Um dos aspectos da política econômica desenvolvida pela ditadura é que ela agudiza a crise nacional, pois grande parte da riqueza produzida no país é direcionada para os ricos (leia-se: grandes empresários e multinacionais) e, conseqüentemente, os pobres ficam cada vez mais pobres, desencadeando um empobrecimento visível da população, aumentando o número de pessoas que passam a demandar assistência, para

garantir

sua

sobrevivência

(http://www.culturabrasil.pro.br/historiabras.htm). A instalação, no país, das médias e grandes empresas e indústrias, propiciada pelas vantagens econômicas “ofertadas” pela ditadura, faz com que, somados às instituições estatais, aqueles setores empresariais se tornem grandes empregadoras de assistentes sociais.

O assistente social não deixa de ser executor terminal de políticas públicas, mas passa a ter outra relação com seus patrões, outros profissionais e clientela em razão do “enquadramento de Assistente Social em estruturas

organizacionais mais complexas.” (NETTO, 2005a, p.123). Assim, amplia-se o mercado de trabalho do assistente social, que se torna necessário para atuar em todos os vieses da “questão social”.

A reorganização do Estado e as modificações na sociedade, ocorridas durante a ditadura, atingem medularmente o Serviço Social, tendo a sua prática sofrido alterações. No Serviço Social tradicional, começa um processo de erosão, quando precisa aquele se redimensionar, nos


âmbitos técnico e racional. O mercado de trabalho passa a exigir um profissional racional, ao invés de tradicional.

Junto com as condições de “modernização” impostas pela ditadura, nesse mesmo espaço, “se inscrevia a possibilidade de se gestarem alternativas às práticas

e às concepções profissionais que dela demandava”. (Id., ibid., p.129).

Essas alterações repercutem não só na prática, mas também nas agências de formação, o que faz com que não apenas sejam atendidas as demandas do projeto modernizador, mas também se criem quadros profissionais contestadores daquele direcionamento político, econômico e social.

Desenvolvendo análise na mesma direção, Iamamoto (2000) destaca que o Serviço Social se atualiza devido às demandas impostas pelo capitalismo e que isso fica explícito nas mudanças expressas no discurso, nos métodos de ação e no projeto da prática profissional, como estratégias para controlar a classe trabalhadora para o Estado e o capital.

O instrumental do Serviço Social, também, passa por uma reformulação, tornando-se imperativo o seu aperfeiçoamento, tendo por objetivo buscar a eficiência, através da melhoria dos “modelos de análise, diagnóstico e planejamento; [dando] suporte técnico à ação profissional.”. (IAMAMOTO, 2002, p.32).

A partir da segunda metade da década de 60, surgem elaborações teóricas referentes à profissão e um significativo debate teóricometodológico. Dificilmente, isso ocorreria sem a inserção no circuito acadêmico.


E é, justamente, na academia que irá ocorrer um grande debate, representativo de projetos societários e profissionais distintos, que tem como base de sustentação limites teóricos e práticos diferenciados.

De acordo com Netto (2005a), o primeiro a ganhar expressão foi a chamada “perspectiva modernizadora”, que alcança seu auge, na segunda metade dos anos 60. Trata-se de

[...] um esforço no sentido de adequar o Serviço Social, enquanto instrumento de intervenção inserido no arsenal de técnicas sociais a ser operacionalizado

no

marco

de

estratégias

de

desenvolvimento

capitalista, às exigências postas pelos processos sócio-políticos emergentes no pós-64. (NETTO, 2005a, p.154). Nesse debate, o assistente social deve estar qualificado técnica e operativamente para responder às demandas do Estado. Destaca-se, nesse período, a laicização do Serviço Social, que se mostra um dos principais pontos do processo de renovação pelo qual o Serviço Social passa. Os profissionais não contestam a forma pela qual o Estado e a sociedade se desenvolvem, percebendo-os como um fato dado e, assim, procuram adaptar o Serviço Social a essa ordem sociopolítica e criar instrumentos que respondam às demandas institucionais. Neste período, final da década de 1960, a ditadura estava em plena expansão e alguns grupos participantes de movimentos sociais tentavam resistir às imposições da ditadura. Visando combater e solapar qualquer ato de resistência ou contestação do regime, a ditadura baixou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), o qual transmitia para o presidente da República amplos poderes para: fechar o Congresso; intervir nos Estados e Municípios; cassar mandatos; suspender direitos políticos, demitir ou aposentar funcionários públicos. O Brasil entrava nos chamados “anos de chumbo”. Isso rebateu também no meio acadêmico abrangendo professores


universitários e conseqüentemente, muitos intelectuais foram presos, torturados, exilados e até mortos em nome da “segurança” e da “ordem”.

A perspectiva modernizadora se desenvolve, até meados da década de 70, quando a ditadura entra em crise e uma outra corrente de pensamento começa a tomar vulto: chamada “reatualização do conservadorismo” – que, apesar de não ter o “peso”, na profissão, como a anterior, se fez presente, no Serviço Social. Essa crise faz com que os intelectuais da corrente modernizadora se retraiam, propiciando o aparecimento desse movimento, constituído pelos profissionais que resistem às inovações trazidas pela abordagem anterior.

Seus atores, em princípio, possuem vinculação católica e são resistentes à laicização da profissão. A “reatualização do conservadorismo” tem posicionamento

contrário

ao

direcionamento

da

perspectiva

modernizadora e utiliza-se da fenomenologia, como suporte teórico. Entre o final da década de 70 e o início da década de 80, a ditadura entra em um processo de erosão e, concomitantemente, os movimentos sociais começam a se projetar no cenário nacional, principalmente o movimento operário, iniciando um período de convulsão no país. A população urbana passa a reivindicar eleições diretas, a anistia política, entre outros anseios.

Com a anistia política ocorrida no ano de 1979, os profissionais, calados ou cassados pela ditadura, começam a retornar à cena (e, em muitos casos, ao país).

O clima efervescente da universidade, a partir da crise da ditadura, e o quadro social, político e ideológico que incitava a participação da massa brasileira, sempre excluída dos processos decisórios, começam a se colocar em cena. É importante destacar neste contexto, o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) realizado em 1979,


quando a categoria convidou para a mesa de abertura do Congresso, líderes sindicais7 e representantes de movimentos sociais. Devido esse posicionamento e conseqüentemente, seus rebatimentos foi chamado de “Congresso da Virada”. Esse feito teve uma grande repercussão, demarcando a mudança no curso que estava sendo impresso no Serviço Social naquele momento de abertura política. O “Congresso da Virada” é considerado um marco para o Serviço Social.

Estes assistentes sociais investem na organização da categoria profissional, fortalecendo uma articulação nacional e uma nova direção para a formação acadêmica – instituindo um currículo nacional e consolidando a pós-graduação, por meio do aumento do número de cursos de mestrado e doutorado. (NETTO, 2005b).

Essa perspectiva tinha a intenção de romper com os suportes teóricos metodológicos desenvolvidos e adotados até então pelo Serviço Social “Com efeito,

ela manifesta a pretensão de romper quer com a herança teórico-metodológica do pensamento conservador (tradição positivista), quer com os seus paradigmas de intervenção social (o reformismo conservador)” (NETTO, 2005a).

Nas suas diferentes expressões, essa vertente se confrontou com a ditadura, pois rechaçava a ordem vigente, fosse no plano teórico-cultural - os referenciais em que se baseavam, negavam as legitimações da autocracia -, no âmbito profissional - os objetivos se chocavam com o perfil do assistente social requisitado pela "modernização conservadora" -, bem como na parte da política, suas concepções de participação social e cidadania, bem como suas projeções 7

Um dos líderes convidados é o atual presidente da República – Luis Inácio Lula da Silva.


societárias, batiam contra a institucionalidade da ditadura (NETTO, 2005a).

Os protagonistas dessa corrente eram acadêmicos, na sua maioria, com militância em movimentos sociais, no período anterior ao golpe de 1964. A ampliação da crise da ditadura e a aproximação com o marxismo, faz com que comece a se rearticular no cenário do Serviço Social as tendências críticas da perspectiva de “intenção de ruptura”. Esse período de protagonismo de novos sujeitos sociais favorece aos profissionais que pretendiam romper com o tradicionalismo do Serviço Social. Com a “transição democrática”, ela se projeta no cenário profissional e começa a nortear o debate e a polêmica profissional, a partir da primeira metade dos anos 80. Esse momento contribui na formação do caminho por onde irá transitar a vertente progressista da “intenção de ruptura”. E é essa posição teórica que começa a dar o tom do debate, no Serviço Social, a partir da década de 80.

1.2 Os anos 80

Como já exposto, somente quando a ditadura entra em crise é que “a

perspectiva da intenção de ruptura pode transcender a fronteira das discussões em pequenos círculos acadêmicos e polarizar atenções de segmentos profissionais ponderáveis.” (NETTO, 2005a, p.248), criando a visibilidade, através dos foros de discussão e organismos da categoria, pelos profissionais que adotavam essa perspectiva. Data desse período, também, outras alterações para o Serviço Social, como o acesso às leituras marxistas na fonte 8, a maior aproximação com as Ciências Sociais e a consolidação dos cursos de pós-graduação, iniciados na década anterior,

8

A esse respeito, ver texto exemplar de Netto (1981).


os quais favorecem o aprofundamento teórico e metodológico, por parte dos assistentes sociais.

Consideradas essas mudanças, a impressão que se tem é que esse caráter crítico é hegemônico na profissão; porém, não é assim que esta última se desenvolve. Netto (2005a) avalia que esse direcionamento só se dá no âmbito teórico, uma vez que essa hegemonia não se expressa na prática profissional, que ainda é desenvolvida, na maioria dos casos, por meio de uma prática conservadora. Dentre os elementos que levam a essa situação, destacamos a distância entre a categoria e a vanguarda acadêmica, ou seja, a produção teórica não circula entre os profissionais da área. Uma explicação para isso pode ser o fato – ou a possibilidade - de que os profissionais formados, não se atualizam, depois de diplomados. Uma discussão corrente, na academia, naquela década, refere-se à compreensão da prática social desenvolvida através de vieses – ou fatalista, ou messiânico, ou politicista -, construídos pelo conjunto da categoria (IAMAMOTO, 2002), o que, em nossa análise, de uma certa forma, causam o mesmo efeito: paralisam a prática do assistente social.

O fatalismo seria uma visão naturalista da vida social, ou seja, o capitalismo e a existência de tensões sociais são aceitos como algo natural, estático. Assim, “caberia a ele [ao Serviço Social] aperfeiçoar formal e burocraticamente as


tarefas que são atribuídas aos quadros profissionais pelos demandantes da profissão.” (Id., ibid., p.115). Nesse tipo de posicionamento, o assistente social percebe seu limite de atuação como sendo o de um bom tecnocrata.

O messianismo, ao contrário, é caracterizado por uma concepção idealista da vida social. Nesse caso, o profissional age de forma voluntarista, baseado somente nas suas intenções, sem analisar a realidade. “O messianismo traduz-se

numa visão heróica, ingênua, das possibilidades revolucionárias da prática profissional, a partir de uma visão mágica da transformação social.” (Id., 2002, p.116, grifo da autora). Assim, o assistente social percebe que sua vontade e seu propósito individual são suficientes para a alteração da realidade social.

Já o ativismo político causa uma percepção, no Serviço Social, de que a profissão e a militância devem caminhar juntos, um integrado ao outro. Dessa forma, para muitos assistentes sociais, o compromisso com os direitos da população passa pela vinculação do profissional a partidos políticos, desencadeando certa simbiose entre ativismo político e prática profissional.

Iamamoto (2002) expõe que, para a profissão avançar, deve romper com esses três posicionamentos que, ao se manifestar, reforçam o caráter conservador da profissão. Porque sem perceber a dimensão política da prática profissional, tendem a realizar atividades dispersas, descontinuadas, não revelando o significado


da prática profissional.

Netto (1995) argumenta que a existência dessas concepções é resultante de uma profunda ignorância dos limites profissionais, uma vez que todas as profissões possuem limites e o Serviço Social não foge a essa regra. Assim, deve-se entender os limites impostos pelas condições concretas de que o assistente social dispõe para trabalhar e, dando conseqüência àquele entendimento, não ficar de costas para o que a realidade demanda dele ou achar que os limites são empecilhos para a execução de sua prática.

O assistente social deve entender que a execução da sua prática é desenvolvida dentro destes limites e contradições, uma vez que a profissão está dentro da sociedade e esta é permeada de interesses contraditórios.

Derivado da contribuição ocasionada pela aproximação dos teóricos do Serviço Social com o marxismo, ocorrida desde a década anterior, a prática profissional começa a ser discutida correlacionada à dimensão política. Segundo Kameyama (1981, p. 147)

a Prática Profissional [é] entendida como um conjunto de atividades peculiares de cada profissão, existem aspectos de sua prática que estão relacionados com as dimensões estruturais e conjunturais da realidade. Dessa forma, a prática profissional torna-se subsidiária da prática política, quer seja na perspectiva de manter o “status quo”, quer seja na perspectiva de transformação da realidade.


Já nesta década, começa a ser discutida a prática do Serviço Social como prática transformadora que precisa ser crítica, consciente e participadora, baseada no conhecimento da realidade. A década de 80 é um período que a profissão começa a passar por algumas alterações que incidem positivamente na profissão preponderantemente na academia. Após a abertura política, no início da década de 80, o Serviço Social realiza alterações em seu currículo, os acadêmicos começam a discutir e a construir uma alteração no perfil da profissão. É demandado pelos contratantes dos assistentes sociais, o desenvolvimento de uma prática voltada para mudanças de hábitos, atitudes e comportamentos do trabalhador, porém, com a aproximidade, a “absorção” e discussão com as Ciências Sociais e com o marxismo (mesmo que, inicialmente, uma apropriação enviesada, cf. NETTO, 2005a), apesar dos acadêmicos perceberem e discutirem a importância da prática profissional, enquanto uma prática dotada de uma dimensão política, seja para conformação da população atendida ou para iniciar um movimento de reflexão. A categoria profissional não introjetou essa diretriz no desenvolvimento de sua prática cotidiana. Essa discussão se desenvolve prioritariamente na academia e através das revisões curriculares do Serviço Social vai sendo difundido para os novos


profissionais em formação. Apesar disto, essa “nova prática profissional” não consegue penetrar no campo de trabalho, tornando-se uma discussão residual. Assim, uma forma de romper com práticas profissionais tradicionais é a formação de profissionais críticos, com preparo teórico, técnico e político, capazes de articular as demandas postas, seja em nível micro seja em contexto macro, bem como de ser um pesquisador da realidade na qual atua, com objetivo de transpor o imediatismo da demanda e de criar propostas de enfrentamento tendo em vista melhorar a qualidade dos serviços prestados, levando em consideração a análise institucional, realizando alianças com outros profissionais e visando direcionar os programas e/ou projetos para a população demandatária dos serviços. Trata-se, portanto, de redimensionar politicamente a prática profissional, compreendendo-a polarizada pela luta de classes (IAMAMOTO, 2002) e a percepção da prática associada à sua dimensão política.

Essas discussões, presentes no Serviço Social, vão amadurecendo, e entramos nos anos 90 com os profissionais elaborando mais, conquistando mais espaços e refletindo mais acerca da sua prática.

1.3 Os anos 90


Desenvolve-se, nessa década, uma discussão com relação ao exercício profissional como “a busca de afinar e refinar a tradicional análise da chamada

“prática”, que passa a ser tratada como um tipo de trabalho especializado que se realiza no âmbito de processos e relações de trabalho.”

(IAMAMOTO,

2000, p.93, grifado no original). Portanto, a prática profissional não se revela em si mesma, adquire “sentido na história da sociedade da qual é parte.” (Id., ibid., p. 150). Por isso, devemos entendê-la inserida nas contradições das relações sociais, ou seja, nas relações entre a sociedade e o Estado, bem como condicionada pelos recursos de que o assistente social dispõe, o que o leva, na prática, a tomar um direcionamento social muitas vezes diferente da forma inicialmente planejada. Assim, pode haver divergências entre seu planejamento, ou sua vontade, e seu fazer profissional.

Dessa forma, levando em consideração os condicionantes da profissão, pensarmos que a profissão é determinada pelas forças dominantes, significaria cair em uma visão determinista. Entendermos que ela é determinada somente pelos interesses das classes subalternas, resultaria em uma visão heróica. Considerarmos que ela é desenvolvida somente pela vontade dos assistentes sociais, sem levarmos em conta os condicionantes histórico-conjunturais, seria endossar uma perspectiva voluntarista.


Decorrente disso, entendemos que a prática do Serviço Social se insere em um movimento contraditório, uma vez que, para oferecer respostas às demandas, e ao fazê-lo, é aquela determinada tanto pelas condições histórico-conjunturais quanto pelos limites que a realidade impõe aos profissionais. Compreender esse movimento contraditório “é condição básica para se apreender o perfil e as

possibilidades do Serviço Social hoje, as novas perspectivas do espaço profissional.” (IAMAMOTO, 2002, p.103).

Assim, a prática se desenvolve a partir de seus condicionantes internos e externos. O condicionante interno é a capacidade ou competência do profissional e o externo é a circunstância na qual o assistente social está envolvido, podendo referir-se a poder institucional, recursos locais, recursos da instituição, entre outros. Podemos dizer que essas alterações, nas discussões a respeito da prática, iniciadas na década de 80, são ocasionadas, entre outros motivos, pela ampliação do leque profissional do assistente social. Se, antes, era chamado somente na atuação direta com a população, agora, começa a ser solicitado, de forma mais incisiva, a formular e gerir políticas públicas. Para assumir tal requisição, é necessário que o profissional entenda, decifre, analise e avalie a realidade, de uma forma geral, sem perder de vista a necessidade de entender o capitalismo, para poder criar propostas de trabalho capazes de orientar a população usuária com relação aos seus direitos, ampliando sua função, de somente executivo, para, também, propositor e gestor.


Uma análise da prática profissional desenvolvida no Brasil, em 70 anos, indica que tal prática sofre alterações que promovem um salto qualitativo para a profissão.

Se no início do Serviço Social, no país, no final da década de 30, o projeto norteador da ação profissional tinha como base o princípio da solidariedade aliado à filosofia social humanista cristã. (IAMAMOTO, 2002) e a prática profissional do assistente social tinha um caráter empirista e pragmático, desenvolvido pelo viés moralista, e educador para com as famílias pobres que necessitavam de amparo assistencial com objetivo de “reforçar o núcleo familiar e integrar seus membros à

sociedade.” (Id.,ibid., p.29); do início da década de 90 aos dias atuais, a prática começa a ser percebida e discutida como um processo de reflexão-ação dos assistentes

sociais,

desenvolvida

por meio

do

conhecimento

da

realidade

institucional, do usuário e da conjuntura, de uma forma geral. Nesse processo, a reflexão servirá de base para o planejamento e a orientação das ações. Mostra-se importante

a

elaboração

de

documentos

pertinentes,

instaurando-se,

pela

sistematização e análise dessa documentação, a possibilidade de ser realizada uma avaliação desse processo, que tem por objetivo o fortalecimento dos usuários como sujeitos políticos. (VASCONCELOS, 2003).

A conjuntura que inaugura o século XXI é marcada pelas alterações ocorridas no mundo do trabalho, a exemplo da reestruturação produtiva, que traz,


como conseqüência, a flexibilização das relações trabalhistas, o aumento do número de profissionais terceirizados à margem de qualquer proteção social, entre outras alterações. Esse cenário acarreta, para os profissionais que atuam na área social e, em especial, para o Serviço Social, novos desafios para a prática profissional, de uma forma ampla, com o surgimento de novas temáticas que demandam “competências profissionais estratégicas e exigem a elaboração de proposições

teóricas, políticas, éticas e técnicas” (MOTA, 1997, p.51), que se apresentem como respostas qualificadas às questões que se manifestam no cenário profissional.

O avanço das discussões acerca da prática do Serviço Social e as necessidades colocadas, ao longo das décadas, pelo mercado de trabalho, provocam, alterações na concepção e na forma do desenvolvimento dessa prática. Assim, entendemos que a prática profissional se constitui pelo conjunto das atividades desenvolvidas, integrantes de uma ação planejada, por meio da qual objetiva-se alcançar metas e fins definidos em resposta às demandas apresentadas ao Serviço Social. Em decorrência disto, para entender e lidar com as alterações no mercado de trabalho e na sociedade de uma forma geral, é necessário que o assistente social compreenda que não está em um simples “emprego”, desenvolvendo atividades burocráticas e rotineiras, e que seu papel vai além: ser profissional, nessa área, significa apreender a realidade, nela captar possibilidades que possam se


transformar em propostas de trabalho, de modo a criar, negociar com a instituição e efetivar suas próprias propostas Percebemos, ainda hoje, século XXI, que, apesar do avanço que vem ocorrendo nas discussões no interior da profissão, a partir, principalmente, da década de 80, o trabalho dos assistentes sociais ainda possui características do conservadorismo. A “intenção de ruptura”, ocorrida no nível teórico, efetivamente, não rebateu na prática de todos os assistentes sociais, existindo um hiato entre a necessidade de um profissional crítico e a existência dele.

A implicação mais imediatamente é a perda das possibilidades de desenvolver políticas que não compactuem com a manutenção do status quo, isto é, uma prática que rompe com o conservadorismo. Vasconcelos (1998) analisa que ainda são

reproduzidas

desarticuladas

dos

e

legitimadas

interesses

e

práticas

tradicionais

necessidades

dos

e

conservadoras,

usuários,

estimulando

procedimentos individualizantes e do “aqui e agora”, que impossibilitam a busca de novos parâmetros e rumos para o fazer profissional e contribuem para a manutenção do distanciamento entre teoria e realidade.

A partir da disseminação no interior da categoria, da perspectiva de “intenção de ruptura”, muda-se não somente a percepção de prática. Imprime-se uma qualidade a essa prática, uma vez que é exposta e discutida a sua dimensão


política, de uma forma clara, uma vez que, anteriormente a esse processo, apesar de a prática não ser neutra, é encoberta sob o manto da neutralidade.

O debate dos anos 80 evidencia que toda prática profissional tem uma direção política, ética e teórica, estando estas referências explicitadas ou não num projeto de atuação. Almeida (1997, p.93) também realiza essa discussão afirmando que o caráter político da profissão existe independente da vontade do assistente social “a prática profissional possui sempre objetivos, ou se presta a alcançar

alguns, ainda que sejam os do próprio estabelecimento onde atua o assistente social, tenha ele consciência disto ou não”.

Assim, se pensarmos no motivo pela qual essa concepção não é hegemônica, encontramos, na análise de Vasconcelos (2003), dentre outros motivos, que, apesar do discurso progressista, boa parte dos assistentes sociais continua atuando de uma forma conservadora9, havendo uma tricotomia entre a proposta de formação profissional, o debate teórico-crítico e a prática profissional.

O assistente social só consegue obter sentido e significado para a sua prática, entendendo-a como partícipe da realidade social na qual está inserida e situada nas relações entre as classes sociais e nas relações destas com o Estado,

9

“Práticas que consciente ou inconscientemente são funcionais à ordem do capital, contribuindo para reproduzir e/ou conservar sob antigos e/ou novos parâmetros a ordem estabelecida.” (VASCONCELOS, 1998, p. 116).


tendo em vista dar respostas às demandas colocadas para o Serviço Social, de maneira a romper

[...] com práticas que reproduzem ou mantêm o status quo (negação de práticas conservadoras que utilizam conscientemente ou não e/ou privilegiam técnicas de marginalização, atomização, controle, exclusão, punição). (VASCONCELOS, 1998, p.117-118, grifo da autora).

Para isso, “supõe uma competência teórica e técnica para o desvendamento

do movimento da realidade social que explicite tendências, possibilidades e limites da prática na direção pretendida.” (Id., ibid., p.118). E um dos caminhos que contribuem para a existência dessa competência é a atualização constante não só com relação à sua área específica, como também das alterações ocorridas na sociedade de uma forma geral.

No que tange às demandas, o assistente social trabalha com as institucionais (do seu contratante) e com as dos usuários (para quem desenvolve sua ação profissional10), concomitantemente, devendo entendê-las e diferenciá-las, com objetivo de desenvolver uma prática profissional e não somente uma tarefa burocrática.

10

Ação profissional, aqui entendida como “uma prática articulada aos interesses e necessidades dos segmentos populares e considerando que o exercício profissional no Serviço Social envolve um ser que é sujeito, ainda que objeto a ser conhecido – enquanto ser social -, mas não um objeto a ser manipulado e/ou transformado.” (VASCONCELOS, 1998, p. 120).


Com relação à demanda apresentada pelo usuário, podemos dizer que se traduz

de

duas

formas:

a

demanda

explícita

e

a

demanda

implícita.

(VASCONCELOS, 2003).

A demanda explícita, ou aparente, diz respeito àquilo que o usuário informa; ou seja, é a que se coloca, de forma clara e imediata, ao profissional.

A demanda implícita exige análise, para além da aparência dos fenômenos; é aquela que implica, de um lado, em um atencioso exame por parte do profissional, dos motivos que fundamentam as demandas explícitas e, de outro, em uma leitura da sociedade capitalista, de cuja dinâmica emergem tais motivos. Nesse ponto, mostra-se a importância de um profissional atualizado acerca da realidade, para desvendá-la, entendendo as múltiplas determinações que incidem sobre cada problema apresentado pelo usuário e investigando, junto a este último, todas as condicionantes que podem ocasionar o tipo de problema que ele está enfrentando; ou seja, o que gera o motivo pelo qual ele procurou o Serviço Social.

Segundo Mota (1997, p.51), as necessidades sociais estão “subjacentes às

demandas profissionais, posto que as demandas não se confundem com as necessidades sociais propriamente ditas.” As necessidades são criadas devido ao movimento próprio do capital, que provoca mudanças nas esferas da produção, da circulação das mercadorias, sociopolítica e institucional.


O entendimento das demandas e a investigação dos motivos que as geraram (objetivando desvendar as demandas imediatas) são, em conjunto, uma forma de se materializar a dimensão política, porque, ao analisar a situação do usuário e investigar as demandas existentes, subjacentes ao imediato, a realidade investigada fornece subsídios para que o assistente social discuta com o usuário o que está por trás dessa demanda, bem como o que pode ser feito para alterar essa realidade. A forma de investigar as demandas implícitas é entender as necessidades sociais que as desencadeiam, com vistas, por um lado, a conhecer a realidade vivida pelos usuários dos serviços e a poder discutir com os mesmos a situação estrutural que gera tais necessidades e, por outro, a mostrar que se trata de problema coletivo, tendo o “verniz” de problema individual.

Assim, as demandas devem ser problematizadas para que se apreendam as reais necessidades sociais, visando a “construção dos objetos e objetivos

estratégicos da ação profissional” (MOTA, 1997, p.52), com vistas ao seu enfrentamento.

Porém, o entendimento dessas necessidades não se dá de forma automática. Por falta de um embasamento teórico e político, ou por já terem banalizado a


prática profissional, muitos assistentes sociais possuem dificuldades em apreender a realidade vivida, pois

Sufocados pela demanda e sem portar instrumentos que dêem conta desse movimento, as equipes/assistentes sociais limitam-se a lamentar a existência dos fenômenos externos que se desenvolvem na superfície dos processos realmente essenciais. Incapazes de distinguir aparência e essência, ficam impossibilitados de captar as tendências de prática presentes nos espaços profissionais, de priorizar demandas, de eleger atividades e ações essenciais, impedidos, assim, de caminhar na direção dos seus objetivos (VASCONCELOS, 1998, p.127).

Quando o assistente social não percebe a demanda, para além da sua aparência, ele não a analisa, não reflete e não apresenta propostas sobre a mesma; ele se resume a desenvolver práticas burocráticas, tais como preenchimento de formulários, encaminhamentos, fornecimento de auxílios sociais (como distribuição de leite ou cesta básica), como um fim em si mesmo, sem se dar conta de que essas atividades perpetuam a subalternidade e a dependência dos usuários ao serviço oferecido.

Poderíamos dizer que uma forma de descortinar a demanda implícita é através da investigação das condições de vida e das necessidades de um determinado grupo, a partir de uma demanda pontual colocada pela população atendida, assim, atua-se em uma demanda coletiva que, a princípio, estava implícita com objetivo de caminhar em direção à efetivação de uma prática reflexiva, crítica e investigativa.


Para desenvolver a prática de uma forma crítica, propositiva e reflexiva, é necessário conjugar alguns embasamentos, sem os quais não é possível realizá-la, que são: “uma formação teórica, ética, política e técnica, que nos dê condições de

ocupação

dos

espaços

profissionais

a partir

de

projetos, eliminando

o

assistencialismo e a burocracia.” (VASCONCELOS, 1997, p.162).

Vasconcelos (1998) discute seu entendimento, com relação à importância do desenvolvimento das ações junto aos usuários, ocorrendo essas últimas através de uma prática profissional que realmente questione o capitalismo, que pense em propor algo diferente e que, para atuar nas refrações da “questão social”, tenha sua ação profissional realizada não como um fim em si mesmo, para atender alguma questão pontual, mas, sim, com objetivo de construir ações, de médio e longo prazos, que visem uma ruptura definitiva com o capitalismo.

Essa prática deve ter como base “a socialização da informação como

instrumento de indagação e ação sobre a realidade social” (VASCONCELOS, 1997, p.134), com objetivo de fortalecer os usuários como sujeitos políticos, devendo ultrapassar a postura de meros denunciantes para se tornarem propositores, visando melhorar a qualidade dos serviços e possibilitar o controle dos mesmos por parte da população. Por isso, a forma pela qual é realizado o contato com os usuários é fundamental, para desenvolvimento de uma prática de qualidade. Para


que possam exercer seu papel de sujeitos, nessa relação, devem eles ser esclarecidos acerca do papel da instituição, seus limites e possibilidades de atendimento.

Apesar de trabalharmos com uma população sofrida, a qual, muitas vezes, procura serviços institucionais com objetivo de obter um pouco de atenção, o assistente social não pode se “contentar” em ser somente um ouvinte atento das mazelas dos usuários, porque, além disso, tem a

responsabilidade de desburocratizar a prestação de serviços, de possibilitar a reflexão [...] de buscar junto com os usuários a unidade das informações e demandas manifestadas de forma fragmentada, desarticulada, possibilitando sua articulação num todo coerente. Responsabilidade, ainda, de apresentar propostas viáveis para que os usuários saibam por que retornar ao serviço, que expectativas alimentar que recursos utilizar (VASCONCELOS, 1997, p.158).

O profissional pode até servir, em um primeiro momento, como aliviador de tensões dos usuários; porém, não pode ser esse o seu fim único. Deve utilizar essas “lamentações” para que a população reflita sobre seu cotidiano, visando desvendar, entender sua realidade e os motivos que geram essas demandas.

Para o desenvolvimento da prática, a documentação utilizada pelo assistente social é muito importante, porque é por meio dela que obtém conhecimento do seu público-alvo, das ações realizadas no cotidiano, para análise e reflexão, com objetivo de melhorar sua prática e entender seu papel junto ao


usuário e ao empregador.

Serão estas questões abordadas que pautarão nossa análise a respeito da prática do assistente social dentro de uma das expressões da “questão social” colocada no cenário contemporâneo, que é a questão das drogas, seja nas suas diferentes facetas: comércio, consumo, dependência, desestruturação pessoal, familiar, criminalização dos envolvidos neste universo (sejam usuários ou traficantes), dentre outros aspectos.

Apesar das drogas, em seu sentido amplo, serem tão antigas quanto a história da humanidade, atualmente, a magnitude e a expansão da utilização das drogas ilícitas, como maconha, cocaína, heroína, ecstasy, entre outras, que se apresenta em nível mundial, nos faz perceber que é uma demanda colocada na ordem do dia para o assistente social.

Apesar de também investigarmos a dependência química, nosso foco central é a prática profissional inserido neste contexto e para desenvolvimento de tal estudo, faz-se necessário um direcionamento investigativo, assim, destacamos que a concepção de prática profissional que orienta nossa investigação é aquela que a entende como

“[...] a atividade do assistente social na relação com o usuário, os empregadores e os demais profissionais. Mas, como esta atividade é socialmente determinada, consideram-se também as condições sociais


nas quais se realiza, distintas da prática e a ela externas, ainda que nela interfiram.” (IAMAMOTO, 2000, p.94, grifos da autora).

Em decorrência destas condições, a prática do assistente social é permeada de contradições e conflitos. Assim, analisaremos os assistentes sociais entendendo a multiplicidades de fatores que influenciam e por vezes determinam o desenvolvimento das suas práticas profissionais dentro das instituições que atendem dependentes químicos.

CAPÍTULO 2

Drogas

A questão das drogas é extremamente complexa, principalmente porque sua classificação (lícita ou ilícita) e suas formas de utilização variam, de acordo com o período histórico e com a cultura na qual estão presentes. Dessa forma, o que é aceito, ou até tolerado, em determinada época, pode não ser tolerado, em outra.

Desta forma, verificamos as drogas lícitas, ou toleradas na sociedade (ocidental ou brasileira), como o álcool e as ilícitas, ou as que o uso é considerado uma transgressão às normas/leis vigentes no país, como a maconha ou a cocaína. Assim, sem perder de vista que a utilização do álcool se faz presente no país,


focamos nossas análises nas drogas ilícitas devido seu caráter transgressor que é alvo de políticas e legislações visando seu combate. Assim, neste capítulo, realizaremos um breve levantamento do histórico da utilização das drogas com os respectivos panoramas internacional e nacional; a legislação brasileira; as políticas federais existentes nesta área e de que forma as discussões sobre drogas estão presentes na sociedade.

2.1

Drogas: breve histórico sociocultural

De acordo com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicoativas (CEBRID apud Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas – OBID, 2006), o termo droga teve origem na palavra droog (holandês antigo) cujo significado literal é ‘folha seca’, devido ao fato de que a quase totalidade dos medicamentos produzidos, à época, eram preparados à base de plantas.

Oliveira (2003, p. 24) registra que

[...] as substâncias psicoativas lícitas não são proibidas somente pelo seu conteúdo farmacológico, cujo potencial pode produzir danos à saúde, mas, sobretudo pelos valores sociais que mudam a cada contexto histórico [e que] a proibição ou a permissão da ingestão de substâncias psicotrópicas

em

qualquer

tempo

resulta

de

determinantes

socioculturais. Cada contexto sociocultural, político e econômico


determina o modo como o homem relaciona-se com os produtos psicoativos, estabelecendo normas e critérios que regulamentam essa convivência. Na contemporaneidade, o álcool é aceito pelos países do ocidente, entretanto, abolido pelos países muçulmanos. Por sua vez, o uso do haxixe é tolerado pelos muçulmanos, mas proibido legalmente pelos ocidentais.

O uso das substâncias psicotrópicas, até o século XVIII, mantinha-se retraído. A partir desse período, torna-se presente, na sociedade, por meio da larga produção de medicamentos à base de ópio. Mas a dimensão do uso que daquelas, só começa a ser moldada, a partir do século XIX, com o desenvolvimento da química industrial (Oliveira, 2003). Bucher (apud Oliveira, 2003, p. 38) reitera essa análise, ao afirmar que o século XIX é o marco para o surgimento de um problema de saúde pública – o consumo das drogas - devido à descoberta de substâncias narcóticas e ao início da sua comercialização. Ao avaliar o papel dessas substâncias, na sociedade no século XIX, Oliveira (ibid., p.39) compartilha e reforça essa análise:

[...] o século XIX representa um grande marco na história das substâncias psicoativas, pois com o advento do capitalismo, manifesto inicialmente

por

meio

da

Revolução

Industrial,

profundas

transformações sociais foram impostas ao mundo, modificando não somente as relações sociais, mas também valores, hábitos, costumes e comportamentos. A partir deste período, na cultura ocidental, as drogas deixaram de ser plantas empregadas com a finalidade de transcender, adstrito aos rituais religiosos e de magia, visado ao contato com o mundo sobrenatural, como um símbolo de identidade social, para se tornarem mercadorias do capital, particularmente compromissadas com a lucratividade.


No século XX, essa utilização se expande, principalmente após a década de 60, considerada a “década revolucionária”; o consumo se difunde, inicialmente, entre os jovens e toma conta de todos os países.

Com o passar das décadas, a utilização das drogas se torna um problema a ser enfrentado em escala mundial. Esse uso acarreta inúmeras conseqüências, tanto para o indivíduo (como a perda da auto-estima, dos vínculos familiares e trabalhistas, podendo até envolver-se com o crime, com o objetivo de obter a droga) quanto para os países (como o alto valor dos gastos com internações e outros procedimentos da saúde, expansão do narcotráfico, aumento da criminalidade).

Atualmente, a definição do que sejam drogas  tanto em âmbito nacional, quanto internacional  obedece a significados similares, pois segue a padronização da Organização Mundial de Saúde (OMS), que define droga como qualquer substância que, introduzida no organismo, pode modificar uma ou mais funções.

Seguindo essa orientação, o Lexicon of Alcohol and Drug Terms (2005) informa que ‘droga’ é um termo usado quando algum agente químico altera o processo bioquímico ou fisiológico do organismo, sendo freqüentemente empregado para se referir às drogas psicoativas, em especial, às drogas ilícitas. Seguindo a orientação internacional, o Ministério da Saúde, baixou a Portaria SVS/MS


nº344/98 11, determinando quais são as substâncias entorpecentes, as psicotrópicas e as proibidas por lei.

As substâncias psicotrópicas, por sua vez, são aquelas que possuem atração pelo nosso psiquismo, ou seja, são as drogas que atuam sobre o cérebro, alterando de alguma forma o psiquismo (CEBRID apud OBID, 2006).

As drogas psicotrópicas foram classificadas em três grupos, a partir da sua ação no cérebro ou no Sistema Nervoso Central (SNC).

Depressores da Atividade do SNC – psicodélicos. Exemplo: maconha.

Estimulantes da Atividade do SNC – psicoanalépticos, noanalépticos, timolépticos etc. Exemplo: cocaína. Perturbadores da Atividade do SNC – psicoticomiméticos, psicodélicos, alucinógenos, psicometamórficos etc. Exemplo: mescalina, LSD. Já as substâncias psicoativas (SPA) são aquelas que alteram o estado mental de um indivíduo.

Depreende-se, portanto, que, seja por razões culturais, religiosas ou por lazer, a utilização do que, hoje, conhecemos sob o nome genérico de drogas é tão antiga quanto a própria história da humanidade.

11

Sua atualização mais recente data de 15 de fevereiro de 2005, disponível no sítio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. http://www.anvisa.gov.br/e-legis


Assim, se, no século XIX, o uso da cocaína era tido como tolerável (Freud a utilizava, como experiência), hoje, é criminalizado, internacionalmente.

Entretanto, no que diz respeito ao consumo de drogas, o que mais de perto vai interessar à Saúde Pública são os casos de dependência (os denominados adictos). Para a OMS, a dependência é um

“estado psíquico e também geralmente físico, caracterizado por reações de comportamento e outras que sempre incluem uma compulsão pela utilização de modo contínuo ou periódico, a fim de experimentar seus efeitos psíquicos e por vezes evitar o desconforto de sua falta.”

(OBID, 2006).

Dentre as várias classificações e categorizações das drogas, optamos por analisá-las através do viés jurídico e, assim, distingui-las de duas formas − drogas lícitas e drogas ilícitas −, assim entendidas: as lícitas são as permitidas pela lei, o uso é admitido e consentido pela sociedade e podem ser consumidas, livremente, sem expor o usuário a riscos com a polícia e com a lei, a exemplo das bebidas alcoólicas. As ilícitas, ao contrário das lícitas, não podem ser portadas ou consumidas livremente, e o usuário que infringe essa norma/lei, uma vez autuado, tem que responder legalmente pelo ato, como no caso da cocaína.

2.2 Panorama internacional das drogas


Algumas instituições estão voltadas para essa problemática e, dentre elas, destaca-se a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual, anualmente, elabora um Relatório Mundial sobre as Drogas, com objetivo de divulgar informações a respeito da sua difusão pelo mundo. O Relatório de 2006 evidencia que, em todo o mundo, cerca de 5% da população, entre 15 e 64 anos, consome alguma droga ilícita, pelo menos uma vez por ano, mas que, apesar disso, há sinais de que o consumo está se estabilizando.

Analisando os tipos de drogas mais consumidos no mundo, verifica-se que a

cannabis (maconha e haxixe) é a droga mais consumida, mundialmente: cerca de 4% da população mundial a consumiu, no ano de 2004.

A estimativa, a seguir, demonstra os níveis de consumo nos últimos anos, sendo a cannabis desproporcional ao consumo das demais substâncias.


Estimativas do UNODC sobre o uso de drogas desde o fim da década de 1990 até 2004/2005 4%

180

4%

146.2 144.1

million people

140 120

3%

100 80

2%

60 0.5%

40 24.2

29.6

26.2 25

14.0 4.5

8.3 7.9 9.7

13.7 13.3

13.4

1%

0.4%

0.3%

0.2%

20

13.5 15.2

15.9 15.9

0.3% 9.2 9.2 10.6 11.3

0

annual prevalence in % of population age 15-64

160

160.1 162.4

0% Cannabis

Amphetamines

Ecstasy

Cocaine

Opiates

Drug use in the late 1990s

Drug use in 2001/02

Drug use in 2003/04

Drug use in 2004/05

Heroin

GRÁFICO 1. Estimativas do UNODC sobre o uso de drogas desde o fim da década de 1990 até 2004/2005 Fonte: ONU, 2006.

Com relação à cocaína, 0,3% da população, entre 15 e 64 anos, dela fez uso, em 2004. O Relatório da ONU (2006) destaca que começa a delinear-se uma estabilização, ou até um pequeno declínio, no consumo mundial, conforme mostra a figura abaixo.


Mudança no consumo de cocaína - 2004

Sources: UNODC Annual Reports Questionnaires data, National Household Surveys submitted to UNODC, United States Department of State (Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs), International Narcotics Control Strategy Report, Law Enforcement Reports, SACENDU (South African Community Epidemiology Network, UNODC, Meetings of Heads of Law Enforcement Agencies (HONLEA), School surveys.

FIGURA 1. Mudança no consumo de cocaína – 2004 Fonte: ONU, 2006.

O mercado das anfetaminas não apresenta grandes avanços (Cf. Figura 2) e, de acordo com a ONU (op. cit., 2006), começa a se estabilizar, na primeira década de 2000.


Mudanças no uso de anfetaminas - 2004

Sources: UNODC Annual Reports Questionnaires data, UNODC (Regional Centre Bangkok) Epidemiology Trends in Drug Trends in Asia (Findings of the Asian Multicity Epidemiology Workgroup, National Household Surveys submitted to UNODC, United States Department of State (Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs) International Narcotics Control Strategy Report;Bundeskriminalamt (BKA) and other Law Enforcement Reports.

FIGURA 2. Mudanças no uso de anfetaminas – 2004. Fonte: ONU, 2006.

Já em relação ao ecstasy (Cf. Figura 3), o Relatório Mundial sobre as Drogas, da ONU, informa que o número de apreensões aumenta de 5 toneladas, em 2003, para 8 toneladas, em 2004. O Brasil, a Argentina e o Uruguai são os países que sofrem esse aumento. Apesar disso, o consumo, no Brasil, mantém-se estável. Nos EUA, inicia-se um processo de declínio e, na Europa, começa a se estabilizar.


Mudanças no uso de ecstasy (MDA, MDEA, MDMA) - 2004

Sources: UNODC Annual Reports Questionnaires data, UNODC (Regional Centre Bangkok) Epidemiology Trends in Drug Trends in Asia (Findings of the Asian Multicity Epidemiology Workgroup, National Household Surveys submitted to UNODC, United States Department of State (Bureau for International Narcotics and Law Enforcement Affairs) International Narcotics Control Strategy Report;Bundeskriminalamt (BKA) and other Law Enforcement Reports.

FIGURA 3. Mudanças no uso de ecstasy (MDA, MDEA, MDMA) – 2004. Fonte: ONU, 2006.

Entretanto, ao tentarmos estabelecer a vinculação entre a questão das drogas e Saúde Pública, verificamos elos extremamente frágeis.

A OMS, no item “toxicodependência”, parece seguir a lógica exarada pelos organismos financeiros multilaterais: fragmentação e focalização das ações.

Assim, o único documento encontrado, que demonstra uma visão mais totalizante da questão das drogas, emana de uma área relativamente recente da Medicina – a neurociência. Em um documento intitulado Neuroscience: usage de

substances psychoatives et dépendance (OMS, 2005), após fazer um levantamento


global da situação internacional das drogas, apresenta-se um outro estudo, minucioso, que vai desde a ação das drogas no SNC (simpático, parasimpático e córtex cerebral), passando por fatores genéticos (longamente explicados, a partir do DNA e afins) e sociais (Cf. Tabela 1), desembocando, finalmente, numa longa discussão acerca dos tratamentos que podem surtir efeitos (farmacológicos e comportamentais de base behaviorista).

Os anexos e as sugestões para as políticas de Saúde Pública não ultrapassam dois parágrafos. Nessas últimas, observa-se que, ao lado de considerações sobre um genérico e abstrato universalismo, o que, na realidade, impera é a lógica atual do custo-benefício, até porque explicita que seu objetivo central é “a mudança mundial da morbidade e da incapacidade atribuídas ao uso de substâncias psicoativas” (OMS, 2005, p. 33). Assim, destacam-se:

a resposta da Saúde Pública ao uso de substâncias deverá ser proporcional aos danos sanitários que elas provocam; os maiores danos são sempre imputados às pessoas não-dependentes e resultam de intoxicações agudas e overdose, bem como do modo de administração (infecções com material não-estéril); “a dependência é uma afecção crônica e recorrente, que se apresenta paralelamente a outras afecções físicas ou mentais”. (OMS, 2005, p.33, grifos nossos);


o tratamento deve ser acessível a todos aqueles que dele necessitarem. Existem intervenções eficazes, mas elas devem estar integradas aos sistemas de saúde e dentro dos cuidados de saúde primários. O setor de saúde deve fornecer

os tratamentos que tenham a melhor relação custo-benefício .

TABELA 1. Consumo de Substâncias Psicoativas: fatores de risco e fatores de proteção

FATORES DE RISCO C irc u n st a nc ia i s

FATORES DE PROTEÇÃO C irc u n st a nc ia i s

Disponibilidade de drogas

Situação econômica

Pobreza

Controle das situações

Transformações sociais

Proteção social

Influência da cultura dos amigos

Integração social

Profissão

Acontecimentos positivos da vida

Normas e atitudes culturais

Políticas concernentes às drogas, ao tabaco e ao álcool

I nd i vi du a i s

Individuais

Predisposição genética

Capacidade de superar dificuldades

Maus-tratos durante a infância

Eficácia pessoal

Transtornos da personalidade

Percepção dos riscos

Estrutura familiar desajustada e personalidade dependente

Otimismo

Maus resultados escolares

Comportamentos sanitários favoráveis

Exclusão social

Depressão e comportamento suicida

Capacidade de resistir à pressão social

Bons comportamentos em relação à saúde

Fonte: ONU, 2005 (p.23, grifos nossos).


Analisando-se o impacto da utilização de drogas, em diferentes âmbitos − seja individual, quando a família possui um dependente químico; no âmbito econômico, com o narcotráfico movimentando bilhões de dólares, em todo o mundo; na segurança pública, quando gera situações de violência; na saúde pública, com o aumento do número de casos de doenças, internações e mortes −, percebemos que todas essas situações desencadeiam conseqüências graves para sociedade, de uma forma geral.

Lamentavelmente, no Brasil, o dado mais concreto a respeito do impacto da dependência química na saúde pública é o registro formal do valor gasto com tratamento dos usuários ou dependentes do álcool. Em 2001, só os gastos com as internações, relacionadas ao alcoolismo, somaram mais 60 milhões reais pagos pelos cofres públicos (BRASIL, 2003). Em contrapartida, nesse documento, do Ministério da Saúde, não é mencionada a existência de despesas, e seu montante, decorrentes do uso das substâncias ilícitas.

2.3

Panorama nacional das drogas

O

Brasil

possui

diferentes

transformação das drogas ilícitas.

perfis

com

relação

à

produção

e

à


Aqui não se produz coca, porém, há uma rede de indústrias químicas que são utilizadas para transformação da coca em cocaína e crack. As anfetaminas são provenientes, principalmente, da Europa e da Argentina. Somente a maconha é cultivada, no nosso país.

O Brasil faz parte da rota internacional do tráfico de drogas ilícitas, devido à sua posição geográfica, sendo considerado um “país de trânsito”, ou seja, é utilizado, pelos países andinos (Bolívia, Peru, Equador e Colômbia), como rota para envio de drogas ilícitas, para os Estados Unidos da América do Norte e a Europa. Segundo a UNODC (2005), o Brasil está estrategicamente localizado, no meio de uma rede global de produção de drogas, aqui criando, assim, um paraíso financeiro para os traficantes. Atualmente, as principais drogas traficadas, no país, são a maconha, a cocaína e as drogas sintéticas (com destaque para o ecstasy).


Fonte: Jornal O GLOBO, 10/09/2006.

As drogas que são traficadas, no território brasileiro, são direcionadas para as áreas urbanas, uma vez que o objetivo é, para além do comércio interno, exportá-las. Assim, ao contabilizar o número de usuários e dividi-los pelo número de habitantes do Brasil, obtém-se uma estatística não-condizente com a realidade vivenciada, no perímetro urbano.

O Brasil não possui uma estatística geral a respeito das apreensões de drogas, uma vez que os sistemas das polícias civil, militar, federal e da alfândega não são interligados. Os dados obtidos são os do Departamento de Polícia Federal, estimando que as apreensões de drogas são, em média, de 9 toneladas/ano.

Esporadicamente,

jornais

e

revistas

apreensões, conforme podemos verificar

publicam

na matéria

matérias

quando

abaixo: O GLOBO

(10/09/2006) traz uma reportagem destacando o número de apreensões de drogas realizadas no Brasil


2.3.2 A política brasileira para o álcool e outras drogas

Até a década de 90, o Brasil não dispunha de uma política específica para o problema da dependência do álcool e outras drogas, restringindo-a a medidas repressivas, direcionadas para o impedimento da oferta e do comércio das drogas (e, mesmo assim, apenas em relação às drogas ilícitas).

A tentativa de estabelecer uma política nacional voltada para a área do álcool e outras drogas data da década de 80; porém, somente foi efetivada no governo de Fernando Henrique Cardoso.


De forma pontual, destacamos alguns atos importantes desse período:

1980 - criação do Conselho Federal de Entorpecentes (COFEN), dos Conselhos Estaduais de Entorpecentes (CONEN) e Conselhos Municipais de Entorpecentes (COMEN) 12, vinculados ao Ministério da Justiça e às Secretarias de Justiça, dos estados, respectivamente. 1988 - aprovação da Política Nacional na Questão das Drogas, pelo COFEN, não tendo sido implementada, todavia, devido a dificuldades políticas. 2001 – criação da Política Nacional Antidrogas (PNAD), vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional, da Presidência da República. 2003 – instituição da Política para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, vinculada ao Ministério da Saúde. 2005 – aprovação da Política Nacional sobre Drogas, por meio da Resolução Nº 3 (27/10/2005), do CONAD, que realinhou a Política Nacional Antidrogras, até então vigente.

2.3.2.1 Política Nacional Antidrogas

Em 1998, é realizada uma Assembléia da ONU13, com objetivo de promover discussão específica do problema das drogas, em nível mundial. O Brasil também

12

Posteriormente, essa nomenclatura foi alterada para Conselho Nacional Antidrogas (CONAD), Conselho Estadual Antidrogas (CEAD) e Conselho Municipal Antidrogas (COMAD). 13 A partir do fim da 2ª Grande Guerra Mundial, a ONU começa a estabelecer uma legislação internacional, a respeito da relação das substâncias controladas e proibidas. (Cf. OLIVEIRA, 2003).


participa desse encontro e anuncia, naquele momento, a criação do Sistema Nacional Antidrogas (SISNAD).

Esse episódio nos mostra que o Brasil elabora o SISNAD para cumprir uma orientação internacional e não a partir de uma necessidade nacional. Esse Sistema orienta-se pelo

[...] princípio básico da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade, adotando como estratégia a cooperação mútua e a articulação de esforços entre Governo, iniciativa privada e cidadãos – considerados individualmente ou em suas livres associações. A estratégia visa ampliar a consciência social para a gravidade do problema representado pela droga e comprometer as instituições e os cidadãos com o desenvolvimento das atividades antidrogas no País. (BRASIL, 2001, p. 8, grifos nossos).

Com isso, o governo deixa claro seu posicionamento: não considera as drogas como um problema específico, de âmbito público, mas, sim, um problema a ser enfrentado “através do compromisso de todos”, ou seja, uma recomendação claramente neoliberal. Dessa forma, transfere a responsabilidade do Estado para a sociedade, cabendo ao primeiro apenas apoiar as iniciativas existentes ou a existir.

Além disso, essa política não impõe a obrigatoriedade de execução, aos estados e municípios; passa a ser uma escolha de quem é sensibilizado pelo problema. Entendemos isto quando, no texto que a define, a política informa que

[ao] organizar e integrar as forças nacionais, públicas e privadas, o Sistema Nacional Antidrogas observa a vertente da municipalização de


suas atividades, buscando sensibilizar estados e municípios brasileiros para a adesão e implantação da Política Nacional Antidrogas, em seu âmbito (BRASIL, 2001, p. 8, grifo nosso).

O SISNAD é composto por diversos órgãos, responsáveis pela formulação do Programa Nacional Antidrogas, no ano de 2001, dentre eles, a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) e o Departamento de Polícia Federal (DPF), sendo clara a orientação estadunidense e tendo por objetivo a abstinência do uso de drogas.

Cabe ressaltar que a SENAD é criada vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional, da Presidência da República, indicando que o direcionamento das ações derivadas dessa política têm como alvo as substâncias ilícitas, apesar de as substâncias lícitas serem as mais consumidas, no país.

Assim, naquele ano, Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, apresenta à sociedade a Política Nacional Antidrogas, a qual, já na sua introdução, destaca a relevância do tema das drogas, devido à sua associação com o tráfico de drogas e crimes conexos, ou seja, são questões de ordem econômica que motivam a existência desta política.

Seu caráter repressivo e moralista fica explicitado, logo no primeiro pressuposto, que é buscar construir uma sociedade livre das drogas ilícitas e do uso indevido das drogas lícitas; ou seja, é intolerada a existência das ilícitas, enquanto a presença das drogas lícitas, na sociedade, é aceita, sugerindo que essas últimas


não trazem danos de todo tipo, seja social, econômico, familiar, entre outros, para os indivíduos que as usam.

Analisamos que se trata de um documento contraditório, pois, ao mesmo tempo que, em um dos pressupostos básicos, está explícito que o indivíduo não deve ser alvo de discriminação, pelo fato de ser usuário ou dependente de drogas, em item subseqüente, argumenta que se deve buscar conscientizar o usuário de drogas ilícitas acerca do papel nocivo que elas representam, ao alimentar as atividades e organizações criminosas que têm, no narcotráfico, sua principal fonte de recursos financeiros.

Outro pressuposto básico da PNAD, que acreditamos merecer destaque, é o reconhecimento das “diferenças entre o usuário, a pessoa em uso indevido, o

dependente e o traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada.” (BRASIL, 2001, p. 10). Há, aqui, seguramente, um avanço; porém, não fica explícito de que forma é realizado esse tratamento diferenciado.

A PNAD é influenciada pela Lei nº 6.368/76, que continua em vigor até a presente data (uma vez que será revogada quando a Lei 11.343/06 entrar em vigor no mês de outubro do corrente), apesar de ter sido criada sob um regime ditatorial, no qual o cenário, no que se refere a álcool e outras drogas, é totalmente diferente do atual. Um exemplo disto é o fato de que tanto essa Lei quanto a PNAD determinam a obrigatoriedade, para todos os brasileiros, do combate às drogas,


seja ao uso seja ao tráfico. A Lei 11.343/2006, recém aprovada, não determina, para os cidadãos, a obrigatoriedade de seu engajamento, no combate às drogas. A Lei tem o enfoque no SISNAD e nas ações de prevenção, tratamento e punição dos envolvidos nesta problemática.

Direcionando nosso olhar para os objetivos dessa política, temos, como primeiro objetivo, “a) conscientizar a sociedade brasileira da ameaça representada

pelo uso indevido de drogas e suas conseqüências; [...]” (BRASIL, 2001, p. 13). Esse primeiro objetivo apresenta, claramente, um discurso alarmista e aterrorizante, que não encontra eco, na sociedade, de uma forma geral, pois não representa, efetivamente, os efeitos dessas substâncias para considerável número de usuários. Outros objetivos da PNAD são:

[...] g) coibir os crimes relacionados às drogas; h) combater o tráfico de drogas e os crimes conexos, através das fronteiras terrestres, aéreas e marítimas; i) combater a “lavagem de dinheiro”, como forma de estrangular o fluxo lucrativo desse tipo de atividade ilegal, no que diz respeito ao tráfico de drogas; [...]. (Id., ibid., p.14).

Na parte destinada à repressão, a orientação geral da PNAD é

b) Promover contínua ação para reduzir a oferta das drogas ilegais, dentre outros meios, pela erradicação e apreensão permanente daquelas produzidas no País e pelo bloqueio do ingresso das oriundas do exterior, destinadas ao consumo interno ou ao mercado internacional.


(Id., p. 17).

Dentre os treze objetivos da política, o trabalho de prevenção às drogas é informado da seguinte maneira:

b) educar, informar, capacitar e formar agentes em todos os segmentos sociais para a ação efetiva e eficaz de redução da demanda, fundamentada em conhecimentos científicos validados e experiências bem sucedidas. (Id., ibid, p. 13).

Dessa forma, no capítulo quatro, desse documento, destinado à prevenção, o primeiro item já expõe a visão governamental a respeito, ao informar que a prevenção “é fruto da parceria entre os diferentes segmentos da sociedade

brasileira, decorrente da filosofia da “Responsabilidade Compartilhada”, apoiada pelos órgãos governamentais federais, estaduais e municipais.” (p. 12). Ou seja, a prevenção é relegada ao esforço e à boa vontade da sociedade.

A PNAD é financiada pelo Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), que tem sua gestão a cargo da SENAD. Os recursos do FUNAD são constituídos de dotações específicas, estabelecidas no orçamento da União; de doações; de qualquer tipo de recurso (que tenha um valor econômico), apreendido em decorrência do tráfico de drogas ou que tenham sido utilizados, de qualquer forma, em atividades ilícitas de produção ou comercialização de drogas abusivas.


O que percebemos é que existem ações para coibir tanto a oferta quanto a demanda, mas são ações isoladas, que não dão conta de um problema tão amplo e complexo. Cruz e Ferreira (2001) expõem que um dos fatores que gera essa complexidade é o fato de, a partir da década de 80, o Brasil passar a ser uma rota alternativa para o tráfico de cocaína, em decorrência da repressão desenvolvida nos outros países sul-americanos.

Com isso, a droga atravessa o país, desde as fronteiras até os portos do sudeste, principalmente os do Rio de Janeiro e de Santos (SP). De lá, é enviada para a Europa, EUA e Ásia, com objetivo de ser distribuída para os outros países. Porém, com o tempo, o que era para ser só uma rota, transforma-se, também, em uma forma de “abastecimento” do mercado consumidor, em âmbito nacional (CRUZ e FERREIRA, 2001).

Veloso et al (2004, p. 166) analisam que o caráter repressivo impresso aos programas preventivos e assistenciais, desenvolvidos pela PNAD,

[...] refletem a direção assumida pela política nacional antidrogas, e servem de reforço para a desqualificação moral, o preconceito e o horror ao “drogado” e às suas famílias [...] a pessoa envolvida com drogas ilícitas é vista não como alguém com direitos e deveres, mas como um “sujeito mutilado”, que vive no “limbo social”, pela sua condição de ‘fora da lei’.


As autoras argumentam, ainda, que a PNAD segue o entendimento de que todo problema é proveniente das drogas, sem perceber o indivíduo como sujeito, na sua situação de dependente, pautando-se na crença de que pode existir “uma sociedade sem drogas”.

Em contraposição a essa análise, Oliveira (2003, p. 108), ao discorrer a respeito da prevenção, do tratamento, da recuperação e da reinserção social, constantes da PNAD, avalia que, apesar de essa política ser oriunda de um órgão da área de segurança

[...] teve uma abordagem bem ampla, não se reduzindo às orientações acerca de medidas de repressão. Enfoca a prevenção, o tratamento, a recuperação e a reinserção social e ainda incorpora a noção de redução de danos. Além disso, faz menção às drogas lícitas. [embora também reflita que] “a denominação Antidrogas, denuncia seu vínculo com a ideologia de combate às drogas, ou seja, da idéia irreal de existir uma sociedade liberta das drogas.

No ano seguinte à elaboração dessa política, ocorre a eleição presidencial, tendo como vencedor Luiz Inácio Lula da Silva. No primeiro ano desse governo, é criada uma outra política para o enfrentamento da questão das drogas, no país, através do Ministério da Saúde, chamada Política para Atenção a Usuários de Álcool e Outras Drogas.


2.3.2.2 A Política para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas A Política para Atenção a Usuários de Álcool e Outras Drogas baseia-se, legalmente, na Constituição Federal, de 1988; na legislação que organiza o Sistema Único de Saúde (SUS); e na Lei nº 10.216, de 06/04/2001, que institui a Reforma Psiquiátrica, tendo por objetivo o tratamento ao indivíduo através do método de redução de danos.

Percebemos que, teoricamente, essa política possui um perfil diferente da PNAD, elaborada no governo FHC, pois, enquanto a Política implementada no governo FHC diz “compartilhar” a responsabilidade com a sociedade, a Política elaborada no governo Lula traz, integralmente, para o Estado a responsabilidade pela atuação governamental na questão das drogas: [...] o Ministério da Saúde

assume de modo integral e articulado o desafio de prevenir, tratar, reabilitar os usuários de álcool e outras drogas como problema de saúde pública (BRASIL, 2003, p. 9-10).

O Ministério da Saúde discute a questão do álcool e outras drogas, apontando suas sérias implicações sociais, econômicas, psicológicas e políticas, e argumenta que uma política de promoção, prevenção, tratamento e de educação para o uso de álcool e outras drogas deve ser construída nas interfaces dos


programas do Ministério da Saúde, com os outros Ministérios, e com setores da sociedade civil organizada.

Assim, ao visitarmos as instituições e ao analisarmos como a política está sendo implantada, percebemos que esse discurso não se efetiva, na realidade, pois o trato do álcool e outras drogas continua sendo realizado de forma fragmentada, e ainda não há, de fato, nem um número suficiente de unidades de atendimento extra-hospitalares (os CAPS-ad), no país, para atender essa demanda nem outras ações eficazes que expressem a implementação da política de prevenção. Continuamos a assistir a um trabalho de repressão, em detrimento da prevenção e do tratamento.

Voltando nossa atenção para a questão do tratamento, verificamos que o Ministério da Saúde direciona sua política para atuar em todas as questões subjacentes à utilização do álcool e outras drogas, por meio do método de redução de danos, direcionamento esse que, segundo Oliveira (2003), esse Ministério segue, desde 1994, quando assumiu a redução de danos, como estratégia de prevenção da AIDS, entre os usuários de drogas injetáveis (UDI). Pode-se considerar um avanço, em relação à política anterior, o fato de aquele órgão expor, de forma precisa, esse aspecto de sua política:

[...] a lógica da redução de danos é considerada no documento, tanto apropriada

para

o

processo

de

planejamento,

implantação

e


implementação de ações de prevenção, como estratégias direcionadas à diminuição dos fatores de riscos e ao fortalecimento dos fatores de proteção, implicando em inserção comunitária, com a colaboração de todos os segmentos sociais, visando a minimização das conseqüências globais de uso de álcool e drogas. (OLIVEIRA, 2003, p. 116-117).

Analisamos que, ao optar pelo método da redução de danos, o Ministério da Saúde avança, no sentido de entender e respeitar o indivíduo, percebendo-o como sujeito da sua vida, podendo escolher entre manter a abstinência ou reduzir os danos a si mesmo e à sua comunidade (família, amigos, trabalho etc).

A redução de danos entende que as drogas fazem parte da sociedade e são consideradas

como mercadorias

a serem

consumidas,

tendo o sujeito a

responsabilidade de escolher, pois deve usá-las sabendo dos riscos, podendo escolher qual droga usar, onde usar e como usar. O objetivo da redução de danos é a pessoa humana, na perspectiva de que os danos decorrentes do uso de drogas resultam da interação entre um sujeito, um produto e um contexto sociocultural.

O Ministério da Saúde corrobora essa análise e explicita que os indivíduos estão em situação de maior vulnerabilidade, para utilização de substâncias psicotrópicas, quando “estão insatisfeitos com a sua qualidade de vida, possuem

saúde deficiente, não detêm informações minimamente adequadas sobre a questão de álcool e drogas, possuem fácil acesso às substâncias e integração comunitária deficiente.” (BRASIL, 2003, p. 28).


Esse método reconhece cada usuário na sua singularidade e traça estratégias voltadas para a defesa da sua vida, sendo considerado como um caminho para um tratamento baseado na responsabilidade do usuário com o seu tratamento e a própria saúde. Dessa forma, o método de redução de danos é voltado para as conseqüências provocadas pela droga e não para sua oferta, tendo por

[...] objetivo a diminuição dos danos decorrentes do uso de drogas na perspectiva de possibilitar uma melhor qualidade de vida para o sujeito, informando-o e respeitando sua liberdade para exercer sua autonomia e cidadania de decidir quando parar de usar drogas, se assim o desejar.

(VELOSO et al, 2000, p. 173). Stronach (2004) destaca que a epidemia da AIDS fez com que as áreas médicas e de saúde pública se juntassem em torno de um objetivo comum, que foi conter sua expansão, entre os UDI, por intermédio de ações voltadas para redução de danos. Exemplo emblemático é a troca das seringas.

A redução de danos vem como uma alternativa à abstinência (aqui entendida como a não-utilização de determinada substância), uma vez que não a impõe, pois discute com o indivíduo o que é a substância, seus efeitos e os riscos a que se expõe, no momento de utilização, sejam substâncias lícitas ou ilícitas. Compreendese que o uso se dá na esfera individual, e, portanto, a decisão para utilização, ou não, também pertence ao indivíduo.

Complementando essa análise, Erwig e Bastos (2000) discutem que se tem conseguido poucos resultados, na redução do consumo de drogas, com as medidas


coercitivas e autoritárias desenvolvidas pelas forças políticas conservadoras e a mídia.

Enquanto essas propostas autoritárias colocam a responsabilidade do cuidado de si para outros (exemplo: família), a proposta de redução de danos “é a aposta na

capacidade de autodeterminação e flexibilidade de alternativas [...]” (Id., ibid., 2000, p. 245), sendo considerada por estes autores, como “uma filosofia ampla de trabalho e investigação”.

Para isso tornam-se necessárias medidas de saúde pública e não medidas repressivas, de controle social dos sujeitos.

Na Política Integral para Atenção a Usuários de Álcool e Outras Drogas, o tratamento dessa demanda é realizado em unidade extra-hospitalar, o CAPS-ad, o qual tem, por definição, que oferecer “serviços de atenção psicossocial para o

desenvolvimento de atividades em saúde mental para pacientes com transtornos decorrentes do uso prejudicial e/ou dependência de álcool e outras drogas.” (BRASIL, 2003, p. 23), com proposta de atendimento extra-hospitalar de atenção psicossocial dos pacientes, através das modalidades intensiva, semi-intensiva e nãointensiva, devendo ser interligadas ao meio social e cultural nos quais os pacientes vivem, diferentemente da forma “tradicional” de tratamento, que separa o usuário e/ou dependente do seu convívio social.


Segundo o documento em que essa Política Integral de Atenção a Usuários de Álcool e Outras Drogas está consubstanciada, o CAPS-ad tem os seguintes pressupostos: o atendimento diário baseado na lógica de redução de danos; oferta de condições para repouso e desintoxicação ambulatorial; atendimento aos familiares dos usuários e promoção da reintegração social, através de parcerias com os recursos locais, com objetivo de inseri-los em atividades de lazer, saúde, educacional, entre outros. (p. 36).

Analisamos que, apesar de se tratar de uma “boa” política, efetivamente não está sendo desenvolvido nenhum trabalho relevante que a diferencie da orientação traçada pelo governo anterior.

2.4

DROGAS: discussões presentes na sociedade

O consumo do álcool e outras drogas, indiscutivelmente, é um tema da área médica; porém, é um fenômeno tão complexo que não se restringe somente a ela. Para entender a dependência, é preciso analisar o indivíduo, a substância consumida e o contexto sociocultural, no qual estão inseridos.

Com isso, entendemos que o fenômeno da dependência química é complexo e multifatorial, devendo ser entendido nos seus diversos elementos constitutivos inter-relacionados que são os aspectos biológico, psicológico, sociocultural e as drogas em si, ou seja, compreendendo o homem de uma forma integral. Assim, faz-


se necessário analisar a dependência não somente pelo viés médico, mas, também, levando em consideração o tempo e a sociedade em que ela se apresenta como fenômeno.

Bucher (apud OLIVEIRA, 2003, p. 61) realiza essa análise ao discutir que

[...] o engendramento de drogadições corresponde a um processo complexo onde intervém, além de substância, o contexto sociocultural e econômico (com suas pressões e condicionamentos múltiplos) e a personalidade do usuário (com suas motivações pessoais, conscientes e inconscientes).

Oliveira (2003) sinaliza que, no século XX, a expansão do consumo de drogas ilícitas ocorre, principalmente, a partir dos períodos pós-guerra e da década de 60. Calanga (apud OLIVEIRA, 2003, p. 67) analisa essa questão pelo mesmo ângulo e afirma que

Inicialmente marginal, concentrado em certas regiões do planeta, o fenômeno disseminou-se no mundo inteiro, predominando nos países industrializados da América e da Europa. Ambas as guerras mundiais vieram sucedidas por uma onda de consumo de drogas pesadas pelos adultos sem, contudo, constituir um problema social. Após os anos 60, a droga atinge uma população cada vez mais jovem, num movimento de crítica a todo o sistema ocidental de valores. (Calanga apud OLIVEIRA, 2003, p. 67).

Oliveira (2003, p. 68) prossegue e reforça a análise de Calanga, ao argumentar que


O consumo e o enfoque das drogas chamadas ilícitas assumem outra dimensão dentro do contexto dos anos sessenta. Inicialmente, através do movimento hippie, reação contracultural da juventude nos EUA, apresenta-se como uma contestação do status quo. Entretanto, nas décadas seguintes, com o avanço do narcotráfico, um dos negócios mais bem sucedidos no período da crise econômica mundial, a relação com essas substâncias muda de conteúdo, uso e contexto. (Oliveira, 2003,

p. 68). A partir desse incremento no consumo e no status de ilegalidade das drogas ilícitas, expande-se o narcotráfico, transformado em um comércio internacional, no qual seus “produtos” chegam às mãos dos seus compradores, em qualquer lugar no mundo, atingindo todas as classes sociais.

Em contrapartida, alguns autores analisam que a pobreza foi o grande propulsor das drogas, no Brasil, afirmando que um dos fatores que podem favorecer esse contato com as drogas é a questão da classe social, uma vez que as pessoas das classes mais desfavorecidas podem ter um contato maior e mais precoce com esse universo.

Zaluar (2000) e Araújo (1997), também, destacam a pobreza, em suas análises sobre as drogas. Segundo essas autoras, a pobreza está passando por um processo de feminização e infantilização, trazendo como exemplo, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que, em 1989, indicavam que 50,5% das crianças e adolescentes brasileiros pertenciam a famílias com renda per

capita inferior a meio salário mínimo e 27,4%, a famílias com renda per capita


inferior a 25% do salário mínimo. O IBGE verifica, ainda, que o número de crianças e adolescentes vivendo em condições de pobreza e miséria que, em 1980, era de 30 milhões, passa a 32 milhões, em 1989.

Enfatizando sua análise, Araújo (1997, p.242) discute que ”o baixo nível de

renda das famílias pobres brasileiros tem contribuído para a evasão escolar e para o ingresso de crianças e adolescentes no mercado de trabalho.”. Em torno de 11,6% da população economicamente ativa é composta de crianças e adolescentes, que entram, precocemente, no mercado de trabalho.

Das famílias com renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, 56% têm a mulher como chefe, e mais de 40% das famílias chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza.

Sabe-se que a pobreza pode induzir o uso de drogas ou o trabalho no tráfico; pórém, não é o determinante, senão, todas as crianças e adolescentes das áreas mais empobrecidas fariam parte desse universo e, de uma forma geral, não é essa a realidade. O contexto no qual o indivíduo vive é somente um dos fatores que incidem sobre essa problemática, mas não é o único determinante e é necessário termos clareza dessa situação para não culpabilizar e marginalizar mais ainda a pobreza.


Precisamos discutir que essa situação de pobreza exacerbada, no Brasil, a partir da década de 1990, não é um fato isolado ou gratuito; que ela é uma das conseqüências do neoliberalismo implantado, no país, e direcionado, doravante, para o compromisso com o capital financeiro-especulativo ― nacional e internacional ―, em detrimento dos investimentos sociais e de infra-estrutura.

O país entra em um período de crise e

Uma das características desse período foi a abertura desregrada das fronteiras nacionais com a drástica redução das tarifas alfandegárias, ampliando a oferta de produtos importados. A contrapartida de ampliação das exportações não se verificou, e o resultado foi o saldo de uma situação de superávit (US$ 29,5 bilhões em 1989) para déficit (US$ 45,8 bilhões em 1999). Era a estratégia de combater a inflação com produtos importados a preços menores do que os nacionais. Diziase: a indústria nacional precisa se modernizar para competir. Cadeias produtivas inteiras foram desarticuladas, a dependência externa aumentou e consolidou-se ainda mais [...] com as reformas, as conseqüências sociais foram dramáticas: desemprego aberto, perda de postos assalariados e trabalho precário. (COGGIOLA, 2004, p.27-

28). O incentivo à produção é relegado a segundo plano, o trabalho formal vai perdendo espaço, no mercado de trabalho, e o trabalho informal cresce, exponencialmente. A população vai empobrecendo, cada vez mais, e a desigualdade social e econômica, ampliam-se, de forma nunca antes ocorrida.

Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, por um partido de esquerda, o Partido dos Trabalhadores (PT), e sua posse, em 2003, acreditava-se


que o direcionamento político e econômico seria diferente. Porém, o que assistimos é a continuação do governo de Fernando Henrique Cardoso. Coggiola (2004, p. 50) discute que

[...] a política macroeconômica do governo Lula representou e representa uma continuação das políticas neoliberais da gestão de Fernando Henrique Cardoso. Ela responde à opção política do governo Lula de manter o legado FHC, aprofundando ainda mais o seu programa.

Lula tem discurso social, enquanto a prática é orientada pelo neoliberalismo, que apesar de tão propagado investimento em políticas sociais, leia-se bolsa família, a situação de miséria continua reinando no país.

Tornando-se cada vez mais pobres, as famílias são quase que obrigadas a residir em favelas ou loteamentos periféricos. As favelas do Rio de Janeiro, por exemplo, são cenários do desenvolvimento do narcotráfico e cresceram, nos últimos 15 anos, de forma desordenada, devido à ausência de políticas governamentais nas áreas de habitação, saúde, educação, saneamento básico, cultura, entre outras, gerando um vazio quase que total do Estado, nessas comunidades, tornando-as locais propícios à instalação e ao desenvolvimento do comércio das drogas ilícitas. (ARAÚJO, 1997).


Assim, os moradores das favelas, na maioria trabalhadores, ficam expostos ao domínio que os traficantes ali exercem, bem como às “guerras” tanto entre os próprios traficantes quanto entre estes e policiais.

Zaluar (1993) destaca que o consumo de drogas está aumentando, tendo como maiores consumidores os jovens e a população mais empobrecida; porém, apesar de ser pano de fundo, Zaluar (2000) argumenta que nem a pobreza nem a falta de colocação no mercado de trabalho são fatores preponderantes para entrada no universo das drogas.

Ainda Zaluar (1994) discute que um fator de aproximação dos jovens com o mundo das drogas é a percepção negativa que possuem sobre o trabalho. Associamno à escravidão: trabalhar muito, “ser mandado” e ganhar pouco. Nesse contexto, o tráfico pode ser uma opção de ganhar dinheiro, em pouco tempo e “sem grandes esforços”.

Analisando de forma similar, Minayo e Deslandes, (1998, p. 39) avaliam que o crime organizado se institucionalizou, na década de 1980, no Brasil, tornando-se uma possibilidade de trabalho, principalmente para os jovens pobres que se encontram sem expectativa de obter emprego, no mercado formal, e, assim, alcançar seus objetivos de “consumo, status e reconhecimento social”.


Até a década de 1980, os moradores das favelas são estigmatizados, como vagabundos ou desajustados; porém, a partir de então, com o desenvolvimento do tráfico de drogas, nessas localidades, passam a ser considerados como bandidos ou traficantes.

Araújo (1997) reforça essa análise, ao informar que a década de 80 foi um marco, um divisor de águas, no que se refere à expansão do comércio das drogas. Anterior a esse período, tinha-se o comércio da maconha, não muito lucrativo, quando a defesa pessoal dos envolvidos era feita com revólver 38. Entre final de 1980 e início dos anos 1990, a maconha é substituída pela cocaína e o armamento passa a ser mais pesado, como o AR-15. Esse quadro também se torna possível devido à expansão da produção e comercialização de cocaína, na Colômbia, e a consolidação dos cartéis. “Em conseqüência dessa nova realidade, os anos oitenta

foram palco do aumento da complexidade organizacional do tráfico e de uma extraordinária ampliação de sua influência sobre a sociedade” (Id., ibid., p. 252).

Para essa autora, a ampliação de tal influência, na sociedade, foi possível devido à deterioração da qualidade de vida dos segmentos populares urbanos, “decorrente da ordem capitalista, que foi responsável pelo aumento do custo de

vida e, conseqüentemente, da pobreza urbana, exclusão e desigualdade social” (Id., ibid., p. 252).


Analisamos que a expansão das drogas, naquelas décadas, não se deu de forma gratuita, estando relacionada às alterações pelas quais o país passava. O Brasil estava saindo de um período de ditadura, que desenvolveu, entre outras, uma política voltada para um grande desenvolvimento econômico; porém, como os interesses se voltavam para o capital nacional e para o estrangeiro, esse crescimento foi “repartido” entre os mais ricos, não redistribuindo a riqueza gerada para os mais pobres, estes ficando em último plano.

Apesar de a ordem capitalista sempre ter sido o direcionador da condução governamental, no Brasil, o país passa, na década de 80, por uma terrível crise econômica, com a inflação desenfreada (chegando perto dos 2.000% ao ano) e os salários desvalorizados, os quais geram, entre outras conseqüências, aumento da pobreza e da desigualdade social.

Sem investimentos (governamentais) na área social, as periferias e favelas que se organizavam eram locais ideais para o acolhimento do comércio de drogas ilícitas.

Zaluar (1993) avalia que a má distribuição de renda, de benefícios e de serviços faz do Brasil um país com grandes fissuras sociais. Apesar de a pobreza não explicar a prática de ações não-aceitáveis pela sociedade, em conjunção com as falhas do Estado, que não cria possibilidades de ascensão profissional, torna-se


atraente para o jovem a adesão a subculturas e/ou a adoção de comportamentos não-admissíveis ou passíveis de punição.

Em sua análise, a autora supra (op. cit.) constata que os jovens, que, na maioria, aproximam-se do tráfico como usuários, acabam por contrair dívidas provenientes do uso e, para saldá-las, são levados a cometer atos ilícitos e passam a se comportar como traficantes. Assim, envolvem-se, cada vez mais, com o tráfico e com a escalada da violência.

Na nossa concepção, o uso, ou abuso, e a dependência química não ocorrem, somente, nas camadas mais empobrecidas da população, como analisam alguns autores. A mídia nos informa, todos os dias, de situações de dependência ou envolvendo algum tipo de violência, ligadas ao mundo das drogas, por jovens de classe média ou da classe alta.

Para Elias (apud LIMA e de PAULA, 2004, p. 98), uma das raízes da associação entre juventude e violência

[...] é o fato de o crime organizado em torno do tráfico de drogas e de armas fazer uso intenso de mão-de-obra juvenil e, ainda, ocupar as brechas deixadas pelo poder público e se constituir como esfera de poder violento sobre significativas parcelas da população.

Oliveira (2003, p. 81) analisa que todos esses problemas, que o indivíduo sofre, cotidianamente, fazem com que seja criado


[...] um ambiente propício ao consumo de álcool e outras drogas. Afinal, são anestesiantes capazes de alterar a percepção da realidade e aliviar o sofrimento psíquico ocasionado pela sensação de insegurança no trabalho e a ampliação do desemprego provocada pela reestruturação do capital.

Apesar de a instituição ‘família’ estar sofrendo transformações, em escala mundial, são as famílias empobrecidas que mais sofrem com as mudanças sócioeconômicas produzidas pelo Estado neoliberal. O crescente desemprego gerado pelas alterações no mercado de trabalho, como a flexibilização e a necessidade de trabalhadores polivalentes, provocando o cancelamento de muitos postos de trabalho, entre outras alterações, traz, por conseqüência, um alto volume de adultos desempregados, os quais não são sequer oprimidos ou explorados: não interessam ao capital, sendo deixados de lado, sendo verdadeiramente excluídos.

Uma das conseqüências deste processo é a necessidade de que crianças e adolescentes precisem ingressar no mercado de trabalho para contribuir no sustento da famílias, ou até mesmo, ser a única fonte de renda.

Esse processo pelo qual as classes mais pauperizadas passam, desencadeia grandes dificuldades em todos os âmbitos das suas vidas. Freqüentemente, essa população marginalizada possui baixa escolaridade devido a, repetimos, quando crianças e/ou adolescentes precisarem ingressar no mercado de trabalho para contribuir no sustento da famílias, ou até mesmo, ser a única fonte de renda. Desta


forma, para os jovens que não possuem perspectiva de vida positiva para fora da favela, estar envolvido no tráfico pode ser uma estratégia de sobrevivência (ARAÚJO, 1997; SOUZA, 2000).

Na análise da relação entre criminalidade e drogas, Cruz e Ferreira (2001, p. 104) divergem da discussão citada acima, notadamente, do destaque ao jovem pobre, inserido no tráfico, porque percebem que o comércio de cocaína agrava a violência urbana “pela via da repressão, extorsão policial, crimes para o financiamento, seja do comércio, seja do uso individual, o aumento do consumo da cocaína está relacionada ao agravamento da violência urbana”.

Devido aos diversos fatores que envolvem a utilização e o comércio das drogas, faz-se necessário perceber que a resolução do problema não

pode ser

feita, somente, pela repressão ao tráfico, porque, sem alternativas ocupacionais e de geração de renda, podem ser criados problemas e conflitos mais sérios que os provocados pelo comércio ilegal de drogas. (SOUZA, 2000).

Outros autores destacam a família, como agente facilitador para o uso de drogas. Para alguns estudiosos, a família tem o papel principal de afastar ou aproximar o indivíduo do uso de substâncias que causem dependência.

Sales (1997) discute que a participação das mulheres, no mercado de trabalho, é um fenômeno mundial e que todas as modificações ocorridas, no país,


nas últimas décadas, fazem com que as mulheres engrossem as estatísticas nacionais a respeito do número de trabalhadores. Assim, no período de 1960 a 1990, o índice de participação feminina, no mercado de trabalho, passa de 16% para 39%. Paralelamente a isso, também há o aumento do número de mulheres chefes de família no mesmo período, passando de 10% para 20% dos domicílios. Dessa forma, a família começa a passar por um rearranjo, em decorrência dessas alterações econômicas e sociais, ocorridas na sociedade brasileira, com conseqüências no desempenho dos papéis de gênero e nas obrigações relativas aos cuidados para com os jovens e idosos.

Outros autores que discutem o papel da família são Schenker e Minayo (2003), destacando a sua importância, com relação ao uso de drogas, por ser o ambiente familiar o locus da socialização primária; assim sendo, cabe a ela o papel de cuidador de crianças e adolescentes e é ela que favorece as bases para seu desenvolvimento. Essas autoras se voltam para o estudo da utilização das drogas, na adolescência, e indicam que

[...] o sintoma do uso indevido ou abusivo da droga irrompe quando o contexto familiar e sociocultural oferecem condições de possibilidades para o seu surgimento e desenvolvimento; o comportamento de um indivíduo afeta e é afetado pelo comportamento do outro numa relação de circularidade e não de linearidade. (SCHENKER e MINAYO,

2003, p.300)


Sinalizam, ainda, que o uso de SPA é feito por adolescentes “com baixa

auto-estima, sintomas depressivos, eventos de vida estressantes, baixa coesão familiar e ligação com amigos que consomem drogas” (Id. ibid., p. 301), ou seja, problemas “exclusivamente individuais”. Em outras palavras, transfere-se para o indivíduo toda a culpa pela utilização, como se a predisposição orgânica, o meio social e o acesso à droga não tivessem influência nesse consumo.

O Ministério da Saúde diverge dessa análise, percebendo que o próprio indivíduo, sua família, seus pares e a comunidade podem ser “fatores de risco” ou “fatores de proteção”, com relação à possibilidade do indivíduo usar, ou não, algum tipo de droga, ou seja, depende da conjunção de cada um desses fatores, para a facilidade, ou não, para utilizá-los. (BRASIL, 2003).

Na visão de Schenker & Minayo (2003), as normas para comportamento social, incluindo aí a utilização de drogas, são apreendidas nas fontes primárias de socialização: família, escola e amigos, na infância e na adolescência. Um “forte” vínculo com essas fontes preveniria desvios ou amizades com “más companhias”. A família tem papel importante, tanto para proteger o adolescente quanto na criação de condições para que este utilize drogas, uma vez que, de todas as formas de socialização, a proporcionada pela família é a mais significativa. Essas autoras


afirmam que, quando uma família é saudável, transmite “boas orientações”, enquanto que “famílias disfuncionais” podem transmitir “más orientações”.

Em

nossa

análise,

esse

tipo

de

visão

é

altamente

moralizante,

preconceituosa e unilateral, como se somente a família fosse responsável pela ação dos indivíduos.

Os mesmos autores (2003), de acordo com suas experiências com famílias de dependentes, avaliam que

[...] as famílias adictas buscam “terceirizar” suas responsabilidades com relação a seus filhos. Cultivam um tipo de comportamento irresponsável, como se o dever de monitorar e supervisionar o comportamento dos adolescentes fosse algo mecânico, robótico, sem a necessidade de construção prévia da relação de confiança. Quanto mais a família é “desengajada” nas suas relações interpessoais maior risco seus filhos correm de desenvolver comportamentos anti-sociais. (Id.,

ibid., p.

305). Ora, a culpa não pode ser colocada exclusivamente na família, como se esta vivesse descolada da realidade, pois culpabilizar a família seria tirar a responsabilidade do indivíduo pelos seus atos e transferi-la para terceiros, neste caso, a família.

Além disso, não é só a família adicta que “terceiriza” a criação dos seus filhos. No mundo moderno, onde as pessoas estão mais preocupadas e ocupadas com sua sobrevivência ou com melhoria das condições de vida, a responsabilidade de


criar e educar os filhos foi transferida para outros círculos sociais, como por exemplo, a escola.

Sales (1997) também discute que vivemos em um contexto de mudanças, no padrão familiar, que sofreu alterações, nos últimos 20 anos, em todos os segmentos da população brasileira. A diminuição do tamanho da família e o maior rearranjo nas relações familiares fazem com que os mecanismos de solidariedade familiar se fragilizem e que se possa contar, cada vez menos, com os membros da família.

O que se observa, então, no Brasil, em todas as classes sociais e com mais ênfase nas camadas médias e populares, é uma erosão da

capacidade da família em termos de aglutinação e regulação dos indivíduos para a vida em sociedade. (Id., ibid., p. 178, grifos da autora).

A família vive em permanente tensão, com relação à sua subsistência, precisando encontrar meios para garanti-la, e, assim, a formação dos indivíduos que deve ser realizada em âmbito familiar fica relegada a segundo plano.

Esse novo arranjo familiar se torna um problema, na medida em que, simultaneamente, o Estado diminui sua atuação, no que tange a mecanismos de seguridade social, a população fica desprovida de meios que auxiliem na sua sobrevivência.

É necessário indicar que existem diferentes discussões sobre as formas de facilitação do uso de álcool e outras drogas, pois enquanto Zaluar (1993; 1994; 2000) percebe o problema como oriundo da pobreza, Oliveira (2003) argumenta que


a utilização depende da dinâmica indivíduo – produto – contexto, e não só do contexto. Já o Ministério da Saúde afirma que a família, como a comunidade, pode ser um fator de risco para o jovem iniciar o uso de drogas, lícitas e ilícitas. Analisando a Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas, percebemos que ela coloca a sociedade como facilitadora, ou não, do consumo, mas, em nenhum momento, discute-se que o sistema político-econômico, desenvolvido pelos países, pode ser um agente propiciador do uso dessas substâncias.

Voltando nossa análise para os problemas decorrentes dessa utilização indevida ou da dependência, percebemos que, via de regra, o problema das drogas (e seus desdobramentos e implicações) vai chegar às mãos do assistente social, uma vez que as drogas provocam conseqüências negativas, em todos os âmbitos da vida do sujeito. Dessa forma, o assistente social se depara com os mais variados tipos de problemas: violência doméstica, desemprego, mau desempenho escolar, criminalidade, necessidade de tratamento, entre outros.

Por isso, é muito importante que o assistente social tenha conhecimento a respeito das drogas, como um fenômeno mundial que acarreta diversas conseqüências sociais, psicológicas, econômicas, políticas e culturais. Pensando nessas questões, através do olhar do Serviço Social, torna-se muito relevante analisarmos quem são os assistentes sociais que lidam com essa situação e qual é a prática, desenvolvida ou requerida, no âmbito dessa área tão complexa.


CAPÍTULO 3


O Serviço Social na dependência química O campo de atuação em ambulatórios e clínicas que possuem um trabalho voltado para o dependente do álcool e outras drogas é relativamente novo para o Serviço Social. De uma forma geral, o Serviço Social começa a ser requisitado, por instituições dessa natureza, no Rio de Janeiro, no decorrer da década de 1980.

Apesar de o assistente social, anteriormente a esse período, já atuar em diversos problemas sociais provenientes da dependência química, o trabalho específico, nessa área, a partir dos anos 80, se deve à ênfase dada àquela problemática, quando dois fatores se conjugam: primeiro, a necessidade de criação de instituições, para atendimento ao dependente químico, em cumprimento ao artigo 9º 14 da Lei nº. 6.368/76; e segundo, a expansão do tráfico de drogas, nos centros urbanos.

Como o poder público se volta, principalmente, para a repressão da oferta de substâncias ilícitas, o vácuo existente, na questão do tratamento, é preenchido pelas instituições filantrópicas, as quais, numa iniciativa pioneira, começam a contratar assistentes sociais, para atuar especificamente nessa área, inaugurando uma nova demanda institucional para a profissão. 14

Art. 9º As redes dos serviços de saúde dos Estados, Territórios e Distrito Federal contarão, sempre que necessário e possível, com estabelecimentos próprios para tratamento dos dependentes de substâncias a que se refere a presente Lei. (V. Lei nº 6.368/1976).


Passadas duas décadas, já contamos com algumas instituições públicas, para tratamento de dependentes do álcool e outras drogas, com caráter ambulatorial e de internação, contando, em seus quadros, com assistentes sociais. Por isso, direcionamos nosso estudo para essas instituições, por percebermos tanto a sua importância, na implementação das políticas públicas a respeito do álcool e outras drogas quanto, em especial, o papel do assistente social nas mesmas.

Dessa forma, focamos nosso estudo na atualidade, um período de alterações no trato da dependência química no Brasil, uma vez que, data desse início de século, a criação das primeiras políticas federais preocupadas em intervir nessa problemática, numa perspectiva mais ampliada.

Assim, nossa pesquisa foi realizada em três instituições públicas, no Rio de Janeiro, que atendem dependentes químicos. Uma vez que não dispomos de muitas instituições com esse perfil, manteremos, na análise de nossos dados, o anonimato dos assistentes sociais que, entendendo a relevância do nosso estudo, concederam as entrevistas para que pudéssemos desenvolver a pesquisa. É importante ressaltar que nosso intuito não é resguardar as instituições. Porém, ao expô-las, estaremos também expondo esses profissionais.

As instituições analisadas foram escolhidas devido à sua orientação governamental, pois, como discutido anteriormente, co-existem, atualmente, duas


políticas no trato do álcool e outras drogas. Assim sendo, escolhemos instituições que tivessem diferentes direcionamentos governamentais, ou seja, tanto as que atuam de acordo com diretrizes da PNAD, quanto as que o fazem, segundo diretrizes da Política para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas. Nosso objetivo, além de analisar a prática profissional, foi perceber a influência dessas políticas nessa referida prática. Delimitamos, pois, nosso estudo a três organizações: dois ambulatórios e uma clínica para internação.

Como já explicitado (Cf. Introdução), o universo a ser pesquisado seria, inicialmente, de onze assistentes sociais; porém, devido a um estar de férias e, outro, de licença médica, só foi possível realizar nove entrevistas, atingindo 81,81% da nossa meta inicial. Pesquisamos instituições que prestam atendimento tanto por via da internação (clínicas) quanto do tratamento ambulatorial (ambulatórios).

3.1

Clínica

Na nossa pesquisa, verificamos que o governo do Estado do Rio de Janeiro possui três clínicas, para internação dos dependentes de álcool e outras drogas, que


prestam seus serviços de forma gratuita. Além dessas, não existem clínicas mantidas pelo poder público, sejam municipais sejam federais, no Rio de Janeiro. Aquelas se localizam nos municípios do Rio de Janeiro, de Barra Mansa e de Valença, são financiadas pelo governo estadual e totalmente gerenciadas por Organizações Não-Governamentais (ONG), sendo cada unidade gerida por uma diferente.

Essa informação é fornecida pelo próprio sítio do Estado, na Internet15, ao destacar que “O serviço é integralmente financiado pelo Estado e operacionalizado

através de convênios com as ONG: Comunidade S 8 (Rio de Janeiro), Semente do Amanhã (Barra Mansa) e Nova Aliança (Valença)”. (Secretaria Estadual da Família e Assistência Social).

Apesar de o tratamento à dependência química ser um tema da área da saúde, as clínicas criadas, no governo de Anthony Garotinho16, pertencem à Secretaria Estadual de Ação Social, orientação mantida pela atual governadora, Rosinha Matheus, obedecendo à lógica (também adotada pela Prefeitura do Rio de Janeiro) de deslocamento das questões relativas à saúde e à educação para a esfera da Assistência Social.

15 16

V. http://www.assistenciasocial.rj.gov.br/pages/programas_clinicas_populares.asp

Aqui, referimo-nos à gestão de Anthony Garotinho (1999-2002), sem esquecer que sua esposa era, então, a Secretária da Ação Social, sendo posteriormente eleita governadora do Estado do Rio de Janeiro (2003-2006).


Percebemos que a forma como o governo do Rio de Janeiro está atuando, na questão das clínicas populares, segue orientação, claramente, neoliberal: investe dinheiro público, para criar e equipar a clínica, e, depois, incentiva, por meio do financiamento, uma ONG a geri-la, a qual executa, portanto, uma ação que é de responsabilidade governamental.

Outro fator de crítica é que essa maneira de atuar, ajuda, também, a precarizar as relações trabalhistas, pois todos os funcionários (do faxineiro ao Diretor, passando pelos assistentes sociais) são contratados pelas ONG, as quais detêm os critérios – não-claros - de contratação e manutenção dos vínculos empregatícios.

A clínica pesquisada situa-se em uma área rural. Para lá chegar, o único meio de transporte disponível é o chamado “transporte alternativo”, que deixa o passageiro à beira da estrada, precisando este andar, por uma estrada de terra, até chegar à clínica. É necessário ressaltar que não existem placas, com nome das ruas, nos arredores da clínica, como não existem quaisquer indicações do acesso à mesma.

Na nossa análise, essa trabalhosa localização se torna mais um fator a dificultar a vida do dependente químico, pois esse obstáculo se apresenta a ele, no


momento da internação, na clínica, bem como, para seus familiares, no que tange à realização periódica de visitas.

Nas entrevistas, obtivemos a informação de que, há algumas décadas, esse local tinha sido uma clínica psiquiátrica. Assim, percebemos que a lógica da exclusão do convívio social, que ocorrera, outrora, repete-se, nos dias atuais, com relação aos internos por dependência química.

O atendimento na clínica é dividido em duas etapas:

 Primeira etapa: INTERNAÇÃO

A clínica tem capacidade para 90 pessoas, as quais ficam internadas, em média, por 45 dias. Os internos ficam em alojamentos, separados por sexo.

De uma forma geral, possui, em seu quadro funcional, os seguintes profissionais: assistente social, psicólogo, enfermeiro, professor de educação física, pedagogo, médicos (de diferentes especialidades, inclusive psiquiatra), nutricionista, terapeuta de família, técnico em enfermagem e técnico em reabilitação de dependência química17.

17

Anteriormente, eram chamados “conselheiros em dependência química”. Os técnicos são pessoas com escolaridade de nível médio, que fizeram curso de aconselhamento, sendo a maioria constituída de dependentes químicos, em recuperação.


A forma de o usuário ser internado, nas clínicas populares, é mediante encaminhamento do Conselho Estadual Antidrogas (CEAD), do Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro (CPRJ) ou do Centro Estadual de Tratamento e Reabilitação de Adictos (CENTRA-RIO).

Essas desenvolvem, primeiramente, um atendimento ambulatorial dos dependentes químicos e, quando a equipe avalia que a internação é necessária, faz contato com uma das clínicas estaduais e encaminha o usuário à mesma. Dessa forma, o usuário não pode buscar, por meios próprios, a sua internação.

Outra instância, além dos órgãos citados, que pode proceder a esse encaminhamento, é a justiça, que o faz, em diferentes casos, como, por exemplo, presos em situação de liberdade condicional, dependentes químicos que estejam cumprindo pena alternativa, entre outras possibilidades.

A internação é um ato voluntário do dependente químico; porém, no que tange aos dependentes químicos encaminhados pela justiça, em muitos dos casos, trata-se de internações compulsórias e, assim, mesmo que não seja o perfil atendido pela clínica, esta tem que cumprir a determinação judicial.

Nas clínicas, o primeiro contato do paciente é, diretamente, com o serviço médico, para verificação de seu quadro clínico, de doenças pré-existentes etc. Caso haja constatação positiva, por exemplo, de tuberculose, ele é orientado,


primeiramente, a se tratar e não é internado, de imediato, uma vez que, nas clínicas, são tratados somente problemas de dependência química. Caso não haja, é encaminhado ao Serviço Social, que realizará uma anamnese mais aprofundada.

O assistente social realiza um levantamento da história de vida do paciente, com objetivo de identificar e orientar as demandas que ele apresenta, podendo essas estar relacionadas à previdência, a problemas familiares, entre outras demandas sociais. Há a preocupação em averiguar as condições previdenciárias do usuário, no momento da internação, para não deixar que ele perca um direito adquirido; por exemplo, ao verificar que o usuário tem direito ao auxílio-doença, orienta a família a respeito dos procedimentos para solicitar o benefício, junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS.

A clínica possui biblioteca, que é utilizada pela pedagoga, na realização da atividade de reforço escolar, visto que, segundo a informação dos assistentes sociais, a maioria dos usuários são semi-analfabetos.

Os técnicos em reabilitação em dependência química têm a função de orientar os internos e com eles discutir o “programa dos 12 passos” 18, que a clínica adotou para que os pacientes alcancem a abstinência.

18

Não procuramos aprofundar nossa investigação a respeito do “método dos 12 passos”, por não ser nosso objeto de estudo ou imprescindível a este. A descrição detalhada dos “12 passos” pode ser encontrada em www.adroga.casadia.org/recuperacao/12_passos_na_recuperacao.htm.


Esse programa é um método criado pelos Alcoólicos Anônimos (AA), em 1950, e por ser uma entidade internacional, é seguido, há várias décadas, no mundo inteiro. Os fundadores do AA criaram 12 normas, ou passos, que os dependentes do álcool devem seguir, para se manterem abstinentes, destacando a sua impotência perante a substância e a necessidade de entregar sua vida e suas vontades a um Ser Superior.

Esse método, possui uma linha que seus militantes denominam de “espiritual”. Alguns destaques desse método são o reconhecimento da impotência diante da droga; a percepção da dependência química como doença física, doença mental de fundo emocional e uma doença de relacionamento, chamada, pela AA, doença espiritual. Com isso, deve o paciente trabalhar sua ansiedade e reconhecer que precisa de ajuda e que um Ser Superior o ama e o apoiará. Esse processo é seguido, nessa clínica pública, sem qualquer tipo de cunho científico, e é desenvolvido, diretamente, entre os conselheiros em dependência química e os pacientes, sem nenhuma interferência dos profissionais da instituição, seja o assistente social, o psicólogo ou o médico.

Esse programa serve de base a outras entidades que trabalham a questão da dependência e/ou compulsão, em todo o mundo (por exemplo: Narcóticos


Anônimos – NA), com objetivo de que indivíduos mantenham o controle e não se submetam ao objeto de compulsão.

 Segunda etapa: ACOMPANHAMENTO AMBULATORIAL

Os pacientes que ingressam no ambulatório são oriundos da internação. A equipe é composta de um assistente social, um psicólogo e dois técnicos em reabilitação de dependência química.

O acompanhamento ambulatorial é desenvolvido através da realização de grupos semanalmente, às segundas e sextas-feiras. Às segundas-feiras, são atendidos somente dependentes químicos e, às sextas, são os dependentes químicos e os familiares, porém, em grupos separados. Nos encontros das sextas-feiras, os participantes são divididos por grupos, existindo um grupo específico para quem não se manteve abstinente, no último mês. Quando o sujeito fica mais de um mês mantendo a abstinência, ele volta para os grupos “normais” (sic).

Ao ouvirmos esse relato do colega, a respeito desse tipo de atitude para com os dependentes químicos em recuperação, questionamo-nos sobre o quanto essa conduta é discriminatória. Separa o sujeito do convívio com os demais, da mesma forma que muitos indivíduos e grupos agem, na sociedade, e, ainda, expõe-no, ao colocá-lo em um grupo “à parte” dos demais.


O assistente social participa dos grupos e relata que sua carga horária (24 horas semanais) é insuficiente para realização dos trabalhos grupais, dos registros de evolução dos participantes, nos prontuários dos mesmos, e, ainda, para realizar atendimentos individuais. Dessa forma, percebemos que as atividades dos grupos e o respectivo relato, nos prontuários, por ser uma demanda institucional, são valorizados, em detrimento dos atendimentos individuais.

Com relação à infra-estrutura da clínica, o setor de internação dispõe de alojamentos feminino e masculino; biblioteca; cantina, refeitório, sala de TV, jardim e enfermaria. Na internação, uma sala fica disponível para o Serviço Social, ao passo que, no setor de ambulatório, é destinada uma única sala para toda a equipe e, na maior parte das vezes, os grupos se reúnem no jardim.

3.2

Ambulatórios

No Rio de Janeiro, existem algumas instituições para o atendimento ao dependente químico que atuam ambulatorialmente, pertencendo às esferas estadual e federal. Para além destes, o Estado conta também com alguns CAPS-ad19, já existentes em consonância com as diretrizes da política para o trato do álcool e

19

Atualmente, o estado do Rio de Janeiro conta com CAPS-ad nos municípios de Belford Roxo, Campos, Niterói, Paraíba do Sul, Rio de Janeiro e Volta Redonda. Informação disponível no sitio do Ministério da Saúde, http://www.portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/riodejaneiro1.pdf.


drogas desenvolvido pelo Ministério da Saúde. Diferentemente das clínicas, todos os ambulatórios pertencem à esfera da Política Social de Saúde..

Os ambulatórios realizam atendimentos ao dependente químico e seus familiares a partir de demanda espontânea ou encaminhada e, da mesma forma que as clínicas, o tratamento só é realizado se essa decisão for voluntária.

O atendimento pode ser em grupo ou individual, dependendo da necessidade apresentada. A periodicidade dos grupos varia entre duas a três vezes na semana e o público-alvo são pacientes envolvidos com todos os tipos de drogas.

Em geral, são de fácil acesso para os usuários, pois se situam em bairros que contam com diferentes tipos de transporte (ônibus, trem e metrô).

Com relação à infra-estrutura, no ambulatório 01, existem salas específicas para os profissionais, salas para realização das atividades dos grupos e um miniauditório (onde são realizados cursos internos e para agentes multiplicadores, palestras, entre outros).


No ambulatório 02, a instituição dispõe de diversas salas para os grupos terapêuticos, mas não existe uma sala específica para cada profissão 20. O local é pequeno, em relação ao número de profissionais.

A forma de ingresso dos usuários pode ser por meio de demanda espontânea ou por encaminhamento, sendo a triagem realizada por profissionais de nível superior, como médico, assistente social, psicólogo.

A respeito da demanda espontânea, um assistente social entrevistado destaca que o dependente químico, em geral, procura tratamento, quando começa a fazer um uso abusivo das drogas, gerando, em conseqüência, conflitos familiares e desemprego. Ele relata, ainda, que os usuários conhecem a instituição por intermédio de algum conhecido que já tenha feito tratamento ou de jornal.

Com relação à demanda encaminhada, qualquer instituição pode fazê-lo. Atualmente, as que mais se destacam são os abrigos 21.

No ambulatório 01, a triagem é realizada pelo assistente social, que encaminha o paciente à avaliação clínica, feita por psicólogos. São os psicólogos que

20

Contrariando a Resolução CFESS nº 493/06, de 21 de agosto de 2006 que dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social. 21

Abrigos são instituições, na maioria, pertencentes ao poder público – governo municipal – que têm como objetivo servir como local de moradia temporária a pessoas que não possuem habitação ou que estão passando por algum tipo de situação provisória de privação da mesma. Exemplos: moradores em situação de rua ou pessoas vítimas de catástrofes naturais que perderam suas residências.


avaliam qual é o melhor tratamento para o dependente, podendo ser a participação em grupos, no ambulatório, de duas a três vezes por semana; ou encaminhamento ao ambulatório intensivo 22, que o paciente freqüenta, de segunda à sexta-feira, no horário de 8 às 16 horas, ou, ainda, encaminhamento à internação, em uma clínica pública.

No ambulatório 02, a triagem é feita por dois profissionais, sendo um deles, sempre, um médico psiquiatra, acompanhado de outro profissional, com qualquer outra formação de nível superior. Dos assistentes sociais que trabalham na instituição, somente um realiza triagem; os outros se dedicam, exclusivamente, ao trabalho em grupos.

De uma forma geral, percebemos que a entrevista inicial, que o assistente social realiza com o dependente químico, serve apenas para o registro da anamnese, sem um desdobramento posterior, como na caso da clínica.

Observamos que, em um dos ambulatórios, existe um número fixo de atendimentos de primeira vez. Caso apareça algum dependente químico ou um seu familiar, que ultrapasse essa quantidade, é orientado a retornar, no dia seguinte, para ser atendido.

22

Dentro do ambulatório 01, foi criado um ambulatório intensivo. Os dois dividem o mesmo espaço físico, porém, contam com profissionais diferentes.


Apesar de entendermos que a dependência química é uma demanda “pesada”, exigindo do assistente social, na maioria das vezes, um conhecimento e uma atuação muito ampla e desgastante, avaliamos que, muitas vezes, pode-se “perder” esse usuário. Ou seja, um dependente químico, ou um familiar, que procura o serviço e não consegue ser atendido, pode se sentir desestimulado para retornar e se tratar; ou pode não ter dinheiro para retornar, no dia seguinte; ou, ainda, não conseguir liberação do emprego, entre outras possibilidades.

Nos dois ambulatórios analisados, a família passa pela triagem e é encaminhada ao grupo de família, variando o profissional que desenvolve esse trabalho, podendo ser o psicólogo ou o assistente social.

A respeito do atendimento ao público-alvo, as duas instituições trabalham com o dependente químico e sua família e, caso o primeiro não queira realizar tratamento, este pode ser feito só com a família. A justificativa é que esse procedimento produz efeitos indiretos, no dependente, conforme relato de um assistente

social

entrevistado,

o

qual

informa

existir

uma

melhora,

no

relacionamento entre o dependente e a família, após esta ter começado a fazer tratamento ambulatorial.

Cada instituição, portanto, trabalha de uma forma diferenciada, na questão ambulatorial. Não observamos nenhum tipo de contato, entre os assistentes sociais


dos ambulatórios, na tentativa de traçar experiências e/ou padronizar os atendimentos. Em todos, são realizados tratamentos individuais e em grupo, sendo priorizado o atendimento grupal.

Em um dos ambulatórios, os grupos terapêuticos são organizados, de acordo com o tipo de droga usada ou com o perfil do usuário do serviço, como, por exemplo: o grupo de mulheres, com integrantes acima dos 30 anos, que não desejam a participação de pacientes de sexo masculino, no seu grupo de tratamento; o programa adulto jovem, para jovens de até 29 anos; programa de alcoolistas, para maiores de 40 anos, que fazem uso de álcool e cigarro, entre outros.

No outro, o trabalho é focado no perfil do usuário e não no tipo de substância usada. O principal é o trabalho em grupo: grupo de família, grupo de espera por internação, grupo de entrevista motivacional, grupo de mulheres, grupo de pós-tratamento, entre outros.

No ambulatório 01, o atendimento individual é realizado pela Psicologia. A atuação do Serviço Social é solicitada, quando o dependente químico precisa de algum tipo de encaminhamento e/ou de documentação, ou, ainda, quando está com algum problema com a família e o psicólogo não é capaz de resolver. Com relação aos grupos, somente um assistente social atua em um grupo específico, junto com outro profissional.


Um dos ambulatórios tem uma característica peculiar: dentro dele foi criado um outro, chamado ambulatório intensivo, tendo um trabalho diferenciado. Nele, o dependente químico freqüenta grupos, de segunda- à sexta-feira, como brevemente

mencionado,

anteriormente,

e

é

assistido

por

uma

equipe

multidisciplinar, composta de assistente social, psicólogo, psiquiatra e técnicos em reabilitação em dependência química.

O Serviço Social desenvolve seu trabalho, na parte da reabilitação desse indivíduo, ou seja, ele já se tratou ou se ele está em fase de finalização do tratamento e está voltando à vida social Por isso, criou um grupo específico, junto com a Psicologia, denominado reinserção profissional, o qual tem por objetivo discutir, com o usuário, questões importantes com relação à sua saída da instituição. O Serviço Social trabalha questões objetivas e, a Psicologia, questões subjetivas, com vistas ao fortalecimento do sujeito, para que ele possa retornar à vida social e ao mercado de trabalho, com uma estrutura mais sólida.

Um dos assistentes sociais relata que está realizando diversos contatos institucionais, buscando firmar parcerias que permitam conseguir-se, para os usuários, a inserção, seja em cursos seja em emprego.

A composição profissional dos dois ambulatórios é variada; porém, existe uma equipe comum a todas as instituições: assistente social, médico, psicólogo,


psiquiatra e técnicos em reabilitação em dependência química. Além desses, outros profissionais podem nela atuar: acupunturista, enfermeiro, farmacêutico, médico homeopata, nutricionista, técnico em enfermagem, terapeuta ocupacional, entre outros.

3.3

Os assistentes sociais

Ao analisarmos todas as entrevistas, verificamos que o universo pesquisado varia muito, com relação à faixa etária, mas encontramos predominantemente profissionais com idade acima dos 30 anos, conforme o gráfico a seguir.

FAIXA ETÁRIA 4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 20/9 anos 30/9 anos 40/9 anos 50/9 anos GRÁFICO 2. Idades dos assistentes sociais

A respeito das instituições formadoras desses assistentes sociais, temos o seguinte panorama:


INSTITUIÇÕES FORMADORAS 6 5 4 3 2 1 0 Pública

Privada

GRÁFICO 3. Dependência administrativa das instituições formadoras

Com relação ao vínculo empregatício, todos são contratados (oito são contratados e um concursado). Porém, uma característica percebida, em uma das instituições, é que todos os assistentes sociais contratados são ex-estagiários, os quais trabalharam, voluntariamente, por um período, e, depois, foram contratados. Todos os assistentes sociais dos ambulatórios relatam que nas instituições existem profissionais tanto concursados quanto contratados, e que não existe diferença no tratamento que lhes é dispensado. Com relação ao tempo de atuação, na área da dependência química, nossos entrevistados dividem-se assim:


TEMPO DE ATUAÇÃO NA ÁREA DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA 2,5 2 1,5 1 0,5 0 2 anos

3 anos

4 anos

10 anos

22 anos

GRÁFICO 4. Experiência na área de dependência química.

No que tange ao sexo, somente um dos entrevistados é do sexo masculino. Esse dado vai ao encontro do que observamos no cotidiano, uma vez que a esmagadora maioria dos assistentes sociais é composta por mulheres. Dentre os entrevistados, seis possuem mais de um emprego e, de uma forma geral, a carga horária semanal, nas instituições, é de 24 horas. Sabemos que, quando o assistente social é contratado, o contratante espera que ele desenvolva um determinado conjunto de atividades, dentro da carga horária estabelecida. Dessa forma, supõe-se que a carga horária seja compatível com as atividades a serem executadas. Todavia,

as atividades, individuais ou

coletivas, de reflexão e de planejamento se tornam um pouco mais difíceis, pois as atividades de atendimento, em ambulatório ou em clínica, ocupam, praticamente, todo o tempo dos profissionais. Ao lado disso, por possuírem outro emprego, não


dispõem de tempo extra, para ficar na instituição, a qual deveria prever, na jornada de trabalho, as horas necessárias a essas outras tarefas. Ao perguntarmos aos assistentes sociais se consideram importante atualizar-se, para o desenvolvimento de sua prática profissional, 100% afirmaram que sim; todos informaram já haver realizado algum tipo de curso, após a formatura, e todos, também, já fizeram algum curso específico, na área da dependência química. Em contrapartida, dos nove entrevistados, apenas dois retornaram à academia, para fazer o mestrado (ambos na área de Serviço Social), porém somente um o concluiu e obteve o respectivo título.

TABELA 3. C u r s o s r e a l i z a d o s p e l o s a s s i s t e n t e s s o c i a i s

CLINICA

N

AMBULATÓRIO 1

N

AMBULATÓRIO 2

N

Especialização em saúde mental

1

Aperfeiçoamento em dependência química

1

Mestrado em Serviço Social

1

Curso de direito penal

1

Cursos que a instituição oferece

2

Curso em saúde mental

1

Aperfeiçoamento em terapia familiar

1

Pós-graduação em terapia de família

1

Especialização em dependência química

2

Pós-Graduação em terapia de família

1

Pós-Graduação em dependência química

1

Aconselhamento em dependência química

1

Cursos de atualização em dependência química no NEPAD

1

Especialização em responsabilidade social

1

Pós-graduação em saúde

1


É importante destacar que a clínica e o ambulatório 01 não investem em capacitação dos seus profissionais, ou viabilizam-na, por outros mecanismos. Somente o ambulatório 02 oferece essa possibilidade.

Nas nossas entrevistas, percebemos que, na instituição que viabiliza a capacitação dos assistentes sociais, seja mediante dispensa ou por troca de horário, os profissionais realizam mais cursos do que aquela que não oportuniza a capacitação. Percebemos, também, dos relatos, que são profissionais que trabalham mais satisfeitos e cientes de que são valorizados pela coordenação da instituição.

Uma observação realizada é que, apesar de todas serem instituições públicas, contam com estruturas diferenciadas e que o incentivo aos profissionais depende, subjetivamente, da direção da instituição e não das condições objetivas, dadas, inclusive em norma legal, pelo poder público.

Ao discutirmos a questão do conhecimento teórico, todos os entrevistados afirmaram ser ele necessário ao assistente social, para desenvolver suas atividades profissionais, variando os argumentos, conforme relatos abaixo:

→ reconhece a necessidade de ter conhecimento teórico que embase o Serviço Social, para dialogar com as outras profissões, no desenvolvimento do trabalho (entrevistado 5).


→ “é necessário o embasamento teórico, tanto que, para isso, tem especialização e cursos” (entrevistado 4); → tem necessidade de estar atualizado, devido a realizar palestras e precisar tirar dúvidas dos participantes (entrevistado 2); → é fundamental, porque a área de álcool e outras drogas não é discutida na graduação (entrevistado 1); → porque a área de álcool e outras drogas é dinâmica e está sempre mudando alguma coisa (entrevistado 3); → “é importante estar em contato com a produção acadêmica, com a

produção de outros centros de tratamentos, estar sintonizado com essa área. A partir do momento que a gente começa a buscar, escrever, ler sobre a questão da dependência química, a gente pode aprimorar cada vez mais o trabalho.” (entrevistado 5). → “É muito importante. Porque você melhora tudo: seu trabalho, melhora

sua forma de ver o outro, melhora a dinâmica da tua relação com o profissional que tá do lado, você pensa sobre coisas que você não tava conseguindo ver. Então, pra mim, é fundamental”. (Entrevistado 8). Nos relatos, fica claro que, para alguns assistentes sociais, o conhecimento teórico é um tipo de informação pontual, de que eles necessitam para realização de alguma atividade imediata.


Não explicamos aos entrevistados o que seria conhecimento teórico, na nossa concepção, assim como não explicamos qualquer outra pergunta, uma vez que esperávamos cada questão envolvesse conceitos recorrentes na profissão.

Apesar de entendermos que o conhecimento teórico é um conhecimento amplo, que, em geral, norteia a nossa visão de mundo e sua análise a respeito dos processos sociais e societários, os assistentes sociais parecem se apegar a assuntos pontuais, desvalorizando – ou não possuindo a compreensão global – as metanarrativas. Por exemplo, informam que precisam desse conhecimento para a realização de palestras, como se não dele precisassem para desenvolvimento das outras atividades inerentes à profissão. Não elencam o conhecimento da realidade como ferramenta para a realização do trabalho profissional, e não indicam reconhecer que, para que conheçam a realidade, precisam de um suporte teórico.

Perguntamos, então, quais as leituras feitas recentemente e bibliografias usadas no cotidiano. As respostas obtidas foram as seguintes:

OUTRAS ÁREAS

BIBIBLIOGRAFIA UTILIZADA NO COTIDIANO

SERVIÇO SOCIAL

DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Maria Inês Souza Bravo

Artigos em Geral

Psicologia Social

Legislação, em geral

Marilza Iamamoto (sic).

Artigos sobre Justiça Terapêutica

M. Foucault

Materiais sobre dependência química

Norma Operacional Básica (NOB)

Coletânea de leis do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS)

Marilda Vilela Iamamoto


José Paulo Netto

Sistema Único da Assistência Social (SUAS)

Serviço Social Clínico

Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) Material do INSS

Serviço Social e Saúde QUADRO 2. Leituras realizadas recentemente

Apesar de não serem dados expressivos, é importante pontuar que um assistente social relatou que não tem realizado nenhum tipo de leitura, a respeito do Serviço Social; dois informaram o mesmo fato, quanto à dependência química, e três relataram que não utilizam nenhuma bibliografia, no cotidiano.

Verificamos que, apesar de todos dizerem ser importante ter um conhecimento teórico, para desenvolvimento do trabalho, as leituras realizadas, na realidade, são poucas e pontuais. Além disso, segundo relatos, na maioria das vezes, destinam-se à prestação de provas para algum concurso público, descoladas de implicação na sua prática cotidiana.

No início da pesquisa, acreditávamos que os profissionais oriundos das instituições públicas de educação superior seriam os que teriam uma leitura mais aprofundada e um melhor domínio teórico; mas não foi isso o que percebemos, de uma forma geral. Verificamos que os mesmos não possuem o costume de dedicar-se


a leituras, pois algumas das obras citadas foram lidas devido a exigências externas (concurso público).

Os assistentes sociais não explicitam o motivo pelo qual não estão desenvolvendo nenhum tipo de estudo individual de obras da área específica do Serviço Social ou de áreas afins, mas acreditamos que seja em razão da não priorização da contínua capacitação na vida desses profissionais.

É importante destacar que, por intermédio dos relatos, percebemos que os assistentes sociais desenvolvem suas atividades, sem pensar, todavia, no que isso poderia contribuir para o desenvolvimento do indivíduo como um sujeito político.

No que tange ao planejamento, observamos que nem todos creditam a esse instrumento a importância que merece e a necessidade que dele, efetivamente, têm.

Discutir, com os assistentes sociais, a questão do planejamento mostrou-se muito difícil. A impressão que tivemos foi de que falávamos a respeito de algo desconhecido. Somente um entrevistado respondeu, de forma clara, que não existe um planejamento do Serviço Social, no desenvolvimento de suas atividades, apesar de estar realizando várias, dizendo que “O trabalho do Serviço Social acabou sendo

agregado a uma demanda da instituição” (Entrevistado 1). Esse assistente social relata ter uma crítica a essa ausência de projeto, mas ainda não conseguiu reverter


essa situação e, para ele, o Serviço Social acaba assumindo o papel de terapeuta, perdendo um pouco a especificidade da profissão.

Esse colega informa que já sugeriu, à Comissão de Dependência Química, do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/7ª Região), a convocação de um fórum para discutir o projeto de intervenção do assistente social, na área do álcool e outras drogas.

Avaliamos tratar-se de um modo de pensar equivocado, por parte deste profissional, pois a necessidade de realizar o planejamento da prática profissional existe, em qualquer área de atuação na qual o assistente social esteja inserido, não devendo esperar que o órgão fiscalizador da profissão se responsabilize por elaborar o planejamento para o assistente social. Cabe a cada profissional, ou a cada grupo de assistentes sociais inseridos na mesma instituição, realizá-la, com base em sua realidade.

Outro entrevistado, após um momento de pausa, pede para pensar no que vai responder e relata que o trabalho do Serviço Social é planejado, porque “planeja sempre as palestras” que realiza. Mas quando reforçamos a pergunta, questionando se o Serviço Social possui um planejamento geral das atividades, ele, após um momento de inquietação, diz que não existe um projeto de intervenção específico do Serviço Social.


Um assistente social parece não entender a pergunta: “Planejado com quem? Como?”, quando tentamos explicar que gostaríamos de saber se as atividades que ele executa são planejadas, e responde que “as necessidades vão vindo e eu vou executando” (Entrevistado 6).

Dois outros profissionais reclamam que o questionário deveria ter sido deixado, com antecedência, para ser estudado e eles saberem o que deveriam responder.

Um não responde e, quando perguntamos se tem algum projeto, fala frases incompletas, sem sentido, e diz que tem projeto de se inserir nos grupos já existentes, na instituição.

Outro entrevistado não respondeu se o trabalho do Serviço Social é planejado. Insistimos, perguntando se o Serviço Social tem algum tipo de projeto ou planejamento, e o assistente social informa que o setor possui alguns projetos, mas estão parados. Não sabe dizer quem é o responsável pelos planejamentos dessa área e fala que os projetos já existiam. Quando indagamos quem elaborou essa rotina, não sabe responder e diz que, ao iniciar seu trabalho, na instituição, isso já estava instaurado. Perguntamos se acha importante o planejamento para o desenvolvimento das ações, diz que sim, mas que qualquer coisa que tente planejar é muito difícil de executar.


Outro responde que o trabalho do Serviço Social

[...] é planejado porque já tem aquela rotina: você chega aqui 9 horas, já tem gente para atender; você começa o atendimento de primeira vez, aí já começam os retornos. É realmente uma rotina, então isso é fixo, já é certo. (Entrevistado 4).

Um dos assistentes sociais reclama de que não consegue planejar seu trabalho, porque fica preso a questões pontuais, como realizar a internação. Porém, poderia estar atuando junto às famílias, caso a direção acenasse com essa oportunidade, mas o terapeuta familiar já exerce essa função. Na visão desse entrevistado, isso é um fator negativo, pois o Serviço Social é que deveria desenvolvê-la.

No aspecto positivo, somente um assistente social expõe, de forma clara, se o trabalho do Serviço Social é planejado e de que forma é feito:

Nós temos a preocupação de tá montando projeto do Serviço Social, pra poder desenvolver o trabalho de uma forma mais organizada mesmo. E temos estagiária de Serviço Social, como, no caso, como o diálogo com outros profissionais é muito interessante, mas também há a necessidade de trocar com pessoas ligadas ao Serviço Social, a gente faz esse planejamento, nós fizemos esse atual planejamento semestral.

(Entrevistado 5).

Percebemos, pois, que, dos relatos de nove assistentes sociais, somente um declara realizar um planejamento da sua prática profissional. Assim, as atividades


realizadas pelos demais são soltas, desconectadas de um planejamento maior do setor, sem buscar atingir um objetivo pré-determinado.

Após as respostas, perguntamos quem seria o responsável pela definição das atividades desenvolvidas pelo Serviço Social. No ambulatório 01, foi-nos informado que, quando começaram a trabalhar, na instituição, o Serviço Social já atuava da forma como nos relataram. No ambulatório intensivo, o responsável pelo planejamento do trabalho do Serviço Social é o assistente social, auxiliado pelo estagiário.

No ambulatório 02, o trabalho não é planejado, não existe uma coordenação do Serviço Social. Por isso, cada um organiza seu trabalho, de acordo com o que acredita ser necessário, realiza as atividades solicitadas pela instituição; mas todos deixam claro que a direção dá total liberdade para que proponham projetos de atuação e informam que estão tentando montar um projeto comum do Serviço Social.

Nesse caso, entendemos que cada profissional planeja suas atividades diárias, sem existir um planejamento do Serviço Social “como um todo”, como uma profissão inserida na instituição.

Na clínica, na primeira e na segunda etapas (internação e atendimento ambulatorial, respectivamente), o Serviço Social não planeja suas atividades,


realizando as demandadas pela instituição. Um dos assistentes sociais afirma que dá importância ao planejamento e que, se não planejar, o assistente social acaba sendo tarefeiro e que seu sonho é fazer o planejamento do trabalho do Serviço Social.

Essa ausência de planejamento, ou do conhecimento do que seja e para que serve, faz com que tenhamos uma preocupação a respeito do papel do assistente social, nessas instituições, e de que forma o profissional é visto pelos usuários. Acreditamos que um dos fatores que pode gerar essa dificuldade do Serviço Social, em planejar suas ações, é o fato de não possuírem uma documentação própria, específica, tanto nos ambulatórios, quanto nas clínicas de internação.

A documentação utilizada pelo Serviço Social, comum a todas as instituições pesquisadas, é a determinada institucionalmente, ou seja, é a ficha de triagem, acrescida das observações de todos os profissionais que atendem o dependente químico. Relatos a seguir exemplificam essa situação:

A gente evolui nos prontuários dos pacientes, a gente não tem livro do Serviço Social [...] a recepção abre prontuário, quem triar ele, preenche a ficha. (Entrevistado 1). Não existe um programa pra registrar o Serviço Social; todos nós registramos da mesma forma. É a instituição que diz como registrar [...] é por produção: o que produzimos e o que fazemos, quantos atendimentos individuais, quantos em grupo, através de folha de produção. (Entrevistado 2).


Quando indagamos se existe alguma documentação do trabalho realizado, esse último entrevistado responde que “só temos uma pasta de rede de recursos. É como o Serviço Social atua, na instituição”.

No ambulatório 01, os documentos de que o Serviço Social dispõe são: ficha de triagem, preenchida na primeira vez; folha de evolução, que é anexada ao prontuário, quando o paciente retorna ao Serviço Social; folha de estatística; e livro de reinserção social, utilizado quando o usuário é encaminhado. Os dois primeiros documentos são guardados, no arquivo geral; a estatística vai para a administração; e o livro é a única forma de registro que fica, no Serviço Social.

Um assistente social relata que a ficha de triagem sempre sofre modificações, quando o Serviço Social percebe que estão ocorrendo alterações, no perfil da população demandatária. Devido a não-existência de dados estatísticos no Serviço Social que embasem essa análise, acreditamos que estas alterações são realizadas empiricamente.

O ambulatório intensivo segue o mesmo padrão. Existe um livro de primeira vez, no qual são anotados todos os dados do usuário que ali chega, pela primeira vez; um contrato de convivência é confeccionado e fica anexado ao prontuário. Para os pacientes atendidos, no grupo do Serviço Social, é confeccionada uma ficha de histórico social, para que o profissional acompanhe os casos. O responsável pela


criação desse histórico é o próprio Serviço Social. O livro já era um instrumento existente, no projeto inicial.

No ambulatório 02, existem o prontuário e a estatística (folha de produção, entregue à direção do ambulatório).

As clínicas seguem esse direcionamento e os documentos utilizados, pelo Serviço Social, são: ficha de triagem, que fica no arquivo da administração; folha de encaminhamento; relatório; livro de ocorrência, no qual um assistente social deixa relato do seu dia de trabalho para o outro colega, assistente social, que estará, na instituição, no dia seguinte; e existe, também, o livro de recursos.

Ao ingressar na clínica, é aberto um prontuário para o usuário e todas as ações realizadas, a partir de então, são nele registradas. Quando o sujeito passa à segunda etapa, é confeccionado um contrato e este é anexado à ficha de triagem.

O assistente social informa que o contrato serve para explicar as regras da instituição e, caso necessário, fornecer orientações sociais. O assistente social define o contrato da seguinte maneira:

[...] eu faço um contrato terapêutico, mesmo de internação, explico as regras até para amenizar; alguns vêm pensando que é uma clínica psiquiátrica, que vai ficar junto com maluco. Antigamente era assim; graças a Deus, o governador proporcionou que houvesse uma


clínica popular, porque antes era tudo pago. (Entrevistado 6,

grifos nossos).

Na segunda etapa, o único documento existente é o prontuário, que é preenchido por todos os profissionais, no momento do atendimento respectivo.

Percebemos que os profissionais são tidos como uma equipe, na qual todos atuam junto ao dependente, e, conseqüentemente, nenhuma profissão possui um prontuário ou documentação específica.

Isso pode ser positivo, devido à troca de informações entre os profissionais, mesmo que de forma indireta, pois, às vezes, o que o paciente relata para um profissional, pode não relatar para um outro, podendo tratar-se de uma informação importante para todos os que lidam com o dependente químico.

Indagando de que forma os assistentes sociais percebem a viabilidade ou serventia dos documentos existentes, tivemos as seguintes respostas:

No ambulatório intensivo, as fichas do grupo de reinserção social (grupo coordenado pelo Serviço Social) estão sendo levantadas, com objetivos tanto de montar um perfil desses usuários quanto de registrar o trabalho feito pelo Serviço Social. O entrevistado diz que percebe que isto é importante, devido à falta de material escrito, sobre o trabalho do Serviço Social na dependência química.


Verificamos, em outro ambulatório, que a documentação não possui outra utilização que não seja registrar a entrada do usuário, na instituição, e seus possíveis retornos ao Serviço Social. Segundo relatos, a única utilização da documentação existente diz respeito aos estagiários, que pesquisam as fichas visando a elaboração de suas monografias de final de curso.

Em outro ambulatório, o assistente social relata que a ficha de triagem já serviu de fonte para levantamentos a respeito do perfil dos seus atendimentos. Exemplo: se são usuários ou familiares, locais de residência predominantes etc. Os dados dos pacientes também são utilizados, em reunião de equipe, quando fazem discussão de caso clínico, precisando, para tal, resgatar a ficha do paciente.

Outro assistente social relata que, ao escrever no prontuário, reflete a respeito do seu trabalho junto ao usuário e do crescimento deste.

Na clínica, relatou-se que, devido à falta de tempo, a documentação não é utilizada em nenhum tipo de estudo, reflexão ou algo similar. Na segunda etapa, a finalidade é, somente, o registro das informações do paciente.

A ficha de anamnese é vista como um papel a ser preenchido e arquivado. Outro documento que tem essa mesma finalidade é a estatística. Nos ambulatórios, a estatística de atendimento registrada é a determinada pela instituição, a cuja


administração é entregue, no fim do dia, ficando o Serviço Social sem nenhum tipo de estatística ou registro dos atendimentos realizados.

Em nossa visão, isso ocorre porque o assistente social não percebe a importância, para a prática profissional, do levantamento da demanda atendida, o que gera, para a profissão, uma imagem de que não desenvolve nenhum tipo de atividade, ficando sua ação como um trabalho perdido, pois não existe registro dos atendimentos realizados e atividades implementadas, na posse desses profissionais. E isso ocorre devido à sua própria falta de iniciativa, pois poderiam registrá-las, de forma própria, para que pudessem ter estatísticas consolidadas a respeito do seu trabalho cotidiano.

Em

um

primeiro

momento,

após

iniciarmos

a

pesquisa,

ficamos

extremamente indignados com o fato de o Serviço Social utilizar-se, somente, do prontuário e da estatística institucional. Porém, após debate com orientador e análise dessa situação, percebemos que o problema não é o assistente social lançar mão, apenas, desse instrumental, uma vez que a instituição não o obriga a a tal limitação. Os profissionais poderiam criar um outro aparato documental, específico para o Serviço Social, do qual constem as informações importantes para o acompanhamento social dos dependentes (a exemplo do ambulatório intensivo), ou poderiam, mesmo, utilizar as informações contidas no prontuário institucional.


Porém, os profissionais nem se utilizam das informações institucionais, nem criaram formas de registro próprio; conseqüentemente, não têm como investigar as características e condicionantes da população atendida (como sexo, idade, demandas por ela colocadas etc.).

Essas constatações permitem afirmar que o aspecto positivo dessa documentação única reside na questão de que os problemas trazidos pelo usuário sejam conhecidos por todos os profissionais que atuam no seu caso, de forma conjunta, pois estes têm acesso às informações básicas e mesmo complementares, quando necessário, sem que o paciente precise sempre repeti-las, passando elas a ser do conhecimento de todos e por todos compartilhadas, num trabalho coletivo visando a melhoria de cada pessoa atendida.

Por outro lado, o aspecto negativo é que, dessa forma, o assistente social se distancia um pouco da especificidade da profissão e se torna “um pouco” terapeuta, não direcionando seu trabalho para as questões e intervenções específicas que o assistente social poderia fazer, junto ao usuário e sua família.

Creditamos a essa falta de conhecimento da população demandatária dos serviços uma dificuldade a mais para a elaboração de um planejamento do Serviço Social, pois, sem conhecer sua real demanda, torna-se difícil a criação de qualquer tipo de proposta. O que nos intriga, todavia, é que nenhum dos entrevistados citou a


falta de conhecimento da realidade na qual atuam como empecilho para a elaboração de projetos. Acreditamos que isso se deve à inexistência de um referencial teórico que oriente sua visão, análise e crítica da realidade social, bem como à aplicação insuficiente e/ou inadequada dos conhecimentos adquiridos ao longo da sua formação e do seu exercício profissional.

Ampliando a nossa entrevista para os recursos, ou condicionantes externos, que o assistente social dispõe para a realização de sua prática, notamos que esta questão não é pensada cotidianamente pelos profissionais.

Um assistente social entrevistado não entendeu o que poderia ser considerado ‘recurso’. Fala que não dispõe da parte financeira, mas que todo material educativo é obtido junto ao Ministério da Saúde. Reforçamos a pergunta, se o Serviço Social dispõe de recursos próprios para desenvolvimento do seu trabalho; responde ele que o Serviço Social dispõe de telefone, computador, mas não dispõe de dinheiro (que possa ser utilizado para viabilizar, por exemplo, a compra de passagens para que os usuários carentes se desloquem para fazer o tratamento).

Outro assistente social informa que não dispõe de recursos porque sua instituição não tem convênio, mas procura locais gratuitos aos quais possa encaminhar os usuários que não tem dinheiro para despesas relacionadas ao seu


tratamento, à sua recuperação ou à sua reinserção. Percebemos que esse profissional faz a seguinte associação: o serviço prestado por uma instituição particular é um recurso, já um serviço público não é um recurso externo a ser utilizado. Quando perguntamos se a instituição oferece algum recurso para a realização de seu trabalho, não conseguimos resposta. Em contrapartida, outro colega, da mesma instituição, relata que “aqui tenho ar condicionado, uma sala

estruturada, banheiro, tem água na recepção, tem a kombi se eu precisar fazer uma visita domiciliar”.

Um assistente social declara que o recurso de que dispõe são os contratos firmados com órgãos do governo, entidades privadas etc. O contato é feito pelo próprio assistente social, que realiza visitas institucionais, às vezes, com recursos financeiros próprios.

No ambulatório 02, os profissionais do estou considerando somente o assistente social e não todos os profissionais Serviço Social reclamam de que, com relação aos recursos, possuem dificuldade em obter sala para realizar qualquer tipo de atividade, pois são muitos para um espaço físico reduzido. Outros problemas são a existência de somente um telefone, para toda a equipe, e ausência de viatura. O que eles destacam de forma positiva é a existência de material de escritório, computador e internet, à disposição dos profissionais. Porém, não encontramos, em


seus discursos, quaisquer tipos de questionamento a essa falta de estrutura da instituição; ao contrário, um entrevistado relata que “informalmente”, a carga horária foi reduzida, devido à falta de espaço físico para que todos os profissionais pudessem desenvolver suas atividades, ao mesmo tempo.

Nas três instituições pesquisadas, percebemos a seguinte situação:

No ambulatório 02, o Serviço Social não dispõe de sala, para atendimento individual. O telefone, o computador (com acesso à internet) e a impressora utilizados são os que ficam na secretaria; não possui livro de registro das atividades, mas conta com livro com identificação de várias instituições que prestam algum tipo de serviço.

Na clínica, o Serviço Social possui sala para atendimento individual, telefone, livro de ocorrência, livro com identificação de instituições que prestam algum tipo de serviço e veículo para visitas.

No ambulatório 01, o Serviço Social dispõe de sala para atendimento individual, telefone, computador e livro de encaminhamento.

Somente um assistente social respondeu o que seriam os recursos internos e externos, com que conta. Outro confundiu os recursos de que ele dispõe para desenvolver seu trabalho (que podem ser os internos e os externos) com os recursos que a instituição disponibiliza para os usuários, como, por exemplo,


medicação. E, depois, relata que existem “duas pastas de recursos”, com contato de várias instituições que realizam atendimento de crianças e adolescentes. Pelo informado, o Serviço Social alimenta a atualização dessas informações, mas o uso é feito por todos os profissionais, uma vez que o livro fica na secretaria.

Percebemos que, de uma forma geral, com exclusividade ou não, o Serviço Social possui os mesmos recursos institucionais – telefone, computador, sala para atendimento (mesmo que emprestada); porém, somente em um ambulatório e na clínica, o assistente social fala em “recursos externos a serem utilizados”.

O recurso externo é muito importante, pois, uma vez que não é possível atender a todas as demandas do usuário, na instituição, porque muitas daquelas fogem do objetivo da instituição, é necessário que o assistente social tenha conhecimento de outras instituições e serviços aos quais possa encaminhar os sujeitos visando resolver os problemas que se apresentam.

3.4 O trabalho do assistente social

Perguntamos a respeito do trabalho desenvolvido pelo assistente social, nestas instituições, obtendo informações, reunidas e sintetizadas no Quadro 2, sobre os tipos de atividades realizadas, em cada uma das instituições pesquisadas, como segue.


AMBULATÓRIO 01

AMBULATÓRIO 02

AMBULATÓRIO INTENSIVO

CLÍNICA

Triagem

Grupos terapêuticos

Grupo específico: reinserção profissional

Triagem

Atendimento individual a dependentes químicos e familiares, por demanda espontânea ou encaminhamento de outros profissionais

Atendimento individual aos participantes dos grupos que apresentem demandas sociais (serviço de apoio)

Atendimento individual a dependentes químicos e familiares, por demanda espontânea ou encaminhamento de outros profissionais

Reuniões com família e dependentes químicos

Serviço de apoio aos outros profissionais

Triagem junto com outro profissional

Acompanhamento de alguns casos sociais

Atendimento a famílias através do grupo de família (proposta do Serviço Social)

Participação no processo de alta do paciente

“Resgate familiar”

Supervisão de estagiários

Atendimento a famílias através de demanda espontânea

QUADRO 3. Trabalho realizado pelos Assistentes Sociais, por instituição pesquisada.

Interessamo-nos

em

saber,

também,

se

essas

atividades

são

as

demandadas pela instituição ou pelo assistente social e percebemos que todas as instituições impõem ao assistente social o que este deve fazer, ou o que esperam dele, evidenciando o baixo grau de autonomia dos profissionais. Por outro lado, dois assistentes sociais relatam que conseguiram planejar, expor seu planejamento à coordenação e ter sua proposta aceita. Isso fica claro, nos relatos a seguir: [...] a maioria tem sido as demandas da instituição, mas há uma abertura pra gente propor [...] eu já cheguei pedindo, solicitando a criação do grupo de mulheres, porque eu já sentia a necessidade de que as mulheres não aderiam muito a um programa misto, umas se sentem


desprotegidas ou expostas, enfim, envergonhadas de expor sua vida. Então, eu já cheguei, recém-chegada, eu falei com [a coordenação] disso, apresentei pra equipe uma proposta, reuni os profissionais que tinham interesse e criamos o grupo de mulheres, há dois anos, e meio e tá indo bem. (Entrevistado 1). [...] são as atividades que o assistente social julga necessárias, a gente tem muita liberdade em criar; liberdade e poucos recursos, né? Também, temos que criá-los, mas temos essa liberdade de ouvir a demanda, trabalhar com a realidade que é apresentada. A partir dessa realidade, a gente dá o retorno para a instituição. É claro , que, como eu falei, tem a dimensão política do trabalho; então, não estamos livres disso, mas temos toda liberdade para criar, para poder propor e modificar, caso seja necessário. (Entrevistado 5).

Outros mostram resignação, ao falar que as atividades são as demandadas pela instituição, o que fica claro no relato do entrevistado 4: “É a que já tem, já tá

no projeto”. Pelo que percebemos, as atividades desempenhadas pelo Serviço Social são desenvolvidas, há muito tempo, por vezes, anteriormente à entrada dos entrevistados, na instituição. E, no curso das entrevistas, fomos constatando que os assistentes sociais pareciam ainda não haver parado, para pensar no motivo pelo qual desenvolvem aquelas atividades. Essa realidade nos reporta a Vasconcelos (1998, p. 116), quando ela discute que “Os assistentes sociais, ainda que portadores de um discurso progressista,

parecem, na sua maioria, não mostrar possibilidades de superar uma prática de caráter conservador”.


De uma forma geral, o compromisso com estágio não parece ser entendido como uma atividade inerente à prática profissional. Somente em uma das instituições, os profissionais demonstram estar comprometidos com alunos em processo de formação. Sabemos da necessidade e da importância de que esses últimos obtenham um campo de estágio, bem como da relevância da contribuição dos estagiários à qualidade das atividades profissionais em desenvolvimento. Apesar de nem todos os entrevistados terem verbalizado, de forma clara, as dificuldades que enfrentam, no seu atual campo de atuação, devido à falta de aproximação com esse universo, quando estavam na graduação, avaliamos que, com o tipo de postura que hoje adotam, esses profissionais perpetuam aquelas dificuldades, na profissão, pois, caso viabilizassem suas instituições como locais de estágio, os próximos profissionais a se formar teriam maior facilidade na execução de seu trabalho, destacadamente nos relativos ao atendimento de dependentes químicos.

3.5 A prática profissional A prática profissional desses assistentes sociais foi analisada, por meio de seus relatos, a partir da sua (auto)representação. Assim, foi-nos relatado que prática profissional é


[...] exercer a atividade, com compromisso e conhecimento do que está fazendo, que é, do que é ser assistente social [...] precisa de compromisso e vínculo com o usuário, aqui a gente chama usuário [...] eu acho que prática é possibilidade de demonstração do conhecimento, seria uma coisa melhor. (Entrevistado 2).

,Outro colega já entende que a prática inclui outros elementos: [...] pra mim, seria o trabalho voltado para atender nossas relações institucionais, mediar estas relações, né? Tá atuando como mediadora, nessas relações institucionais, e eu percebo que nós, enquanto assistentes sociais, fazemos isso [...] tensões entre o que é demanda da instituição e demanda do usuário, a gente mediar essas relações. A gente, como prática profissional... socializar informações, né? Sobre direitos, sobre acesso a serviços, que são, na verdade, direitos do cidadão. (Entrevistado 1).

Outro entendimento é que [...] o assistente social é um profissional que pode planejar, pode implantar, pode coordenar políticas públicas, e, principalmente, a gente que tá na área dependência química, eu acho que o trabalho, o meu trabalho, aqui, e a forma como eu conduzo meu trabalho... tem uma responsabilidade social muito grande. Eu sei que meu trabalho tanto pode modificar como pode fortalecer uma maneira de uma pessoa viver, da pessoa ver a vida, se ver, ver a sociedade; eu sei que eu educo tanto pra bem quanto pra mal, pela minha atuação profissional. E eu sei da responsabilidade disso, frente às políticas de atendimento, principalmente para o dependente químico, no Estado do Rio de Janeiro, o [...] é uma unidade que a gente considera como serviço de referência, então eu considero que o meu trabalho, aqui, tem um peso, não só pra esse paciente, como também para as políticas públicas de saúde, de atendimento ao dependente químico, do Estado do Rio de Janeiro. (Entrevistado 8)

Assim, percebe-se, também, que o assistente social se vê como um mediador entre os interesses da instituição e os dos usuários. A prática também é entendida como socialização de informações sobre direitos, sobre como ter acesso


a serviços; e, ainda, como orientação, acompanhamento de casos que apresentem demanda social, como, por exemplo, a necessidade de realizar um abrigamento. A prática profissional do assistente social é entendida, também, como compromisso profissional: [...] pra mim, a prática profissional seria você tá comprometido com o atendimento. Essa é a prática profissional, para mim, você estar comprometido; dentro das suas possibilidades, você fazer o que dá pra fazer, o que tá dentro da sua atribuição, né? E procurar dá conta.

(Entrevistado 4).

Com relação à sua prática, como desenvolvida na instituição, relata que [...] agora, a gente sabe que, aqui, é um trabalho rotineiro, eu procuro tá fazendo, sempre... a gente... da melhor forma possível, tá ouvindo o paciente. Ter paciência, porque você tem que ter, porque você tá como profissional... tem que lidar com todo o seu estresse; porque tem hora que você fica estressado, porque aí vai... você, às vezes, se sente impotente, porque vai... as coisas estão caminhando bem, aí, de repente, ele recai, tem que começar tudo de novo. (Entrevistado 4).

Um entrevistado reclama, falando que deveríamos ter deixado o questionário para ele “colar” e diz ser difícil responder o que seria prática profissional. Após um momento de hesitação, responde que [...] na prática, às vezes, a gente acaba, pelo menos no nosso trabalho, sem querer, a gente acaba naquele assistencialismo, né? Que você tem que ajudar. Vamos supor: o usuário precisa de uma passagem, você não vai deixar o cara ir a pé; então, na minha opinião, acaba entrando no assistencialismo. Pelo menos eu tento não fazer esse tipo de trabalho.

(Entrevistado 3).

Uma outra forma de entender o que é a prática profissional foi assim verbalizada:


É teoria que vai aplicar na realidade. Mas não é só a teoria e aplicar na realidade, é pegar realidade e aplicar na teoria. É uma coisa que vai e volta, dialético. Né? E aí é que tá a riqueza da coisa, porque nem só teoria vai determinar a sua prática, nem só a sua prática vai determinar (não termina a frase) [...] quando a gente consegue fazer essa (?) de observar a realidade, poder ver a realidade e poder fazer esse exercício de buscar, na teoria, elementos ou de criar elementos que possam te dar, de sustentar seu trabalho, isso é fundamental. Acho que prática é isso. É fazer esse movimento, o que é, o que se apresenta como realidade, teoria é o que existe, e você buscar fazer o diálogo entre as duas coisas. (Entrevistado 5).

Esse mesmo entrevistado reforça sua análise, ao afirmar: [...] acho que com uma dimensão política muito clara de transformar, buscar transformação, que quando eles chegam com suas questões e mais questões do uso de drogas, tua função é fazer intercâmbio do que existe, da rede de assistência que existe e buscar uma melhora da qualidade de vida. Então, acho que não é só isso, acho que há também uma questão política, é uma questão ética, uma questão social.

(Entrevistado 5).

Outro assistente social analisa que [...] seria um trabalho de apoio, na reinserção social, uma ponte de acesso, de facilitação do acesso aos serviços da comunidade, acesso as políticas social, aos direitos da pessoa, do cidadão, refletir sobre a cidadania. Eu vejo assim. (Entrevistado 6).

O entrevistado 7 informa que a prática profissional do assistente social ocorre em vários níveis: [quando] ele tá, de fato, elaborando políticas, projetos, está dentro dos (?) controle social, os conselhos, dentro do fórum de discussões permanente; e, na instituição, é atender o paciente, a família, fazendo articulação com a rede, tentando fazer a questão da articulação da intersetorialidade, sabe? Porque eu acho que não tem profissional que faça melhor do que o assistente social.

Comparando o entendimento da prática profissional com o trabalho que os assistentes sociais dizem desenvolver, um entrevistado relata que trabalha


[...] as questões sociais que são apresentadas. Por que? Porque a gente entende que, no tratamento do usuário de dependência química, usuário de drogas, no caso, as questões sociais têm uma influência muito grande; muitas vezes, não são levadas em consideração pela instituição de

tratamento;

então,

nosso

papel

é

trazer

essas

questões,

problematizar essas questões, apresentar [inaudível] institucionais, pra ter uma visão mais ampla no caso e, aí, procurar ter um ganho maior para aquele usuário, que não seja apenas questão do tratamento, mas que possa ser vista dentro do meio social, das questões que ele traz.

Das

atividades

executadas

pelo

Serviço

Social,

verificamos

que,

habitualmente, em um ambulatório, ele desenvolve o papel de apoio à Psicologia. Na sua maioria, os grupos são conduzidos pelos psicólogos e, quando o usuário apresenta algum problema social, é encaminhado ao Serviço Social, para um atendimento individual. Segundo relato, as maiores demandas, nesse tipo de atendimento, são informações a respeito do INSS e da obtenção de documentação. De uma forma geral, ele realiza a triagem, faz um trabalho de re-inserção familiar, quando é procurado por um dependente químico que perdeu os vínculos familiares; realiza encaminhamentos, com objetivo de estimular a recuperação da auto-estima; incentiva-os a estudar, a fazer cursos profissionalizantes, tirar documentação etc. Em outro ambulatório, o Serviço Social também desenvolve papel de apoio aos usuários participantes dos grupos, mas com o diferencial de também fazer parte dos grupos terapêuticos.


Analisando comparativamente o que os assistentes sociais dizem a respeito das suas concepções sobre a prática e o trabalho que efetivamente realizam, percebemos que há um descompasso entre o que é dito e o que é feito. Porque a visão, as formas de pensar, que alguns possuem a respeito do que seja prática profissional, não conseguem imprimi-las, no seu cotidiano, como, também, não conseguem fazer uma reflexão crítica das atividades que exercem. Percebemos, dessa forma, a existência de um hiato nessa relação conceber  fazer  refletir. Com essa percepção em mente, perguntamos aos profissionais se eles realizam algum tipo de reflexão sobre sua prática profissional, e as respostas foram as seguintes: → 4 entrevistados dizem refletir sobre sua prática, mas não conseguem dizer com qual objetivo ou de que forma é feita; → 3 entrevistados dizem refletir sobre o seu trabalho, para pensar de que forma podem melhorá-lo ou aperfeiçoá-lo. Ilustramos esses dois grupos de respostas com os relatos, a seguir: Bastante. Bastante, no sentido que essas reflexões que vão me indicar qual caminho que a gente pode seguir, qual caminho que a gente acha que não vale a pena seguir, como a gente vai direcionar esse trabalho. (Entrevistado 5). Nós não podemos ficar só com a demanda da instituição. A gente precisa

construir

projetos

de

intervenção

que

nós,

enquanto

assistentes sociais, podemos oferecer para a instituição e para esse usuário que vem aqui, enquanto cidadão, enquanto sujeito de direitos,


né? Senão, a gente fica reproduzindo a lógica institucional que é o grande dilema dos assistentes sociais [...] se a gente quer caminhar prá mudança, não adianta só refletir, a gente tem que, na prática, conseguir viabilizar isso. Mas, enfim, a gente tem começado a discutir. (Entrevistado 1).

→ 1 entrevistado reflete, negativamente, sobre o trabalho realizado, na área da dependência química, e diz já ter pensado em sair dessa área. O pessimismo fica claro, quando relata que o Serviço Social é uma profissão pouco reconhecida pela instituição e que só é lembrada quando há alguma necessidade premente do usuário: [...] às vezes, você se sente muito impotente, porque você tem uma instituição que você não [não termina a frase] que o assistente social, ele não é visto, ele só é visto quando o usuário precisa de abrigo ou de orientação que o profissional não saiba orientar, então o Serviço Social fica aí mesmo, fica igual aos usuários mesmo, fica na margem. (Entrevistado 3).

→ 1 entrevistado diz não refletir sobre sua prática profissional.

Verificamos, ainda, que o assistente social se distancia das discussões inerentes à profissão, perdendo um pouco a dimensão da importância dos seus instrumentais, da sua reflexão e de estar, o tempo todo, “brigando” para conseguir realizar uma prática profissional que incida sobre o usuário, de uma forma positiva, e sobre ele mesmo, melhorando seu trabalho constantemente.


Percebemos, pois, que esse profissional e sua prática estão distantes do assistente social crítico e propositivo que, apesar de trabalhar na adversidade, consegue planejar ações pertinentes ao Serviço Social, dentro da área da dependência química, que tenham por objetivo discutir com o usuário seu papel de cidadão.

Outro aspecto a ser discutido se refere ao direcionamento das políticas governamentais, no trato da dependência do álcool e outras drogas.

Percebemos que o modelo de atenção à dependência química, seja através da política do Ministério da Saúde ou do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, direciona a atuação do assistente social.

Apesar de um entrevistado dizer que não sabe responder se o direcionamento da instituição interfere na sua prática, porque não é obrigado a seguir modelo nenhum, diz, também, que, em sua trajetória, nessa área, acumula, mais ou menos, 20 anos de experiência, e que sempre utilizou a estratégia de redução de danos (método seguido pela sua instituição), antes mesmo desse método receber essa nomenclatura.

Outro entrevistado diz que apesar de a instituição seguir os preceitos do Ministério da Saúde, com relação ao tratamento da saúde, seu direcionamento, na


dependência química de uma forma geral, é a abstinência e não lhe é facultado o trabalho com outra orientação.

O assistente social ainda está encontrando seu espaço e definindo seu papel, na área de álcool e outras drogas, e, para isso, depende das relações institucionais; com isso, em alguns momentos, existe um avanço e, em outros, um retrocesso.

A partir do que nos foi relatado, percebemos que o assistente social se torna um terapeuta e, eventualmente, esquece as especificidades da profissão. Muitas vezes, não consegue autonomia de atuação, na instituição, e, quando a consegue, considera que não realiza um trabalho de Serviço Social, não entendendo que pode exercer o trabalho do Serviço social, como coordenador de grupos terapêuticos, por exemplo, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do dependente químico, não como terapeuta e sim como assistente social.

Por não ser uma área de grande concentração de assistentes sociais e por ser a maioria contratada por diferentes órgãos, os profissionais que trabalham com dependência química estão dispersados, espalhados pelo estado, existindo, conseqüentemente, a dificuldade de se conhecerem, de haver contato sistemático. Apesar de todas as instituições serem públicas, não são promovidos, nem pelas instituições, nem pelo Serviço Social, encontros periódicos, reuniões

nos quais


sejam discutidos os problemas comuns das instituições, não havendo, assim, troca de experiências entre os profissionais.

Um outro fator que percebemos como algo que dificulta o desenvolvimento do trabalho do assistente social é o fato deste ser considerado como mais um profissional, dentro de um quadro multidisciplinar e multiprofissional, onde algumas profissões são percebidas como fundamentais, como Psicologia e Psiquiatria, e outras são vistas como apoios, como Serviço Social e Enfermagem. Isso desencadeia um processo de não-valorização do trabalho do assistente social, que, aos poucos, vai introjetando esse papel coadjuvante, deixando de se avaliar tão essencial quanto as outras profissões. Percebemos a necessidade do Serviço Social, no atendimento ao usuário, devido às múltiplas conseqüências da dependência química, que age não só sobre o lado físico e mental, mas, também, sobre seu lado social. Todavia, nem sempre este último é totalmente trabalhado pelo assistente social, porque, conforme relatos, o retorno do usuário ao Serviço Social é muito mais uma demanda espontânea do próprio, do que um acompanhamento sistemático do paciente.

O entrevistado 8 relata que realiza as atividades determinadas pela instituição, mas só acata as que ele acredita que sejam competência do Serviço Social.


Nunca aconteceu de eu estar fazendo uma coisa que eu não acreditasse, nem pra um favor; se eu não acreditar, eu não faço! Nem é da minha competência e a gente, hoje, aqui, pode dizer que o Serviço Social é respeitado, porque as pessoas sabem que esse profissional tem condição de fazer grupo, de tratar esse paciente dentro da sua formação: a gente não faz psicoterapia, a gente não quer entrar na área do psicólogo, como a gente também não é terapeuta educacional, a gente é profissional de assistência social, de formação para fazer grupo, né?

As situações analisadas nos mostram que o discurso “hegemônico”, o discurso crítico que tomou a cena da categoria, desde a década de 90, realmente ainda não está presente na prática dos assistentes sociais entrevistados. Muitas vezes, sua prática cai no assistencialismo; em outras, numa simples ajuda; nos dois casos, sem qualquer mediação que os faça refletir a respeito das questões que desencadeiam essas circunstâncias, nas quais eles e os usuários estão inseridos, para que consigam, a partir da reflexão, propor e discutir um direcionamento diferente do que está sendo realizado e que seja comprometido com as conquistas da categoria, nos últimos anos.

No meio desse ambiente tão “terapêutico”, em alguns momentos, achamos que ou os nossos entrevistados não entendiam a pergunta ou nunca tinham parado


para pensar a respeito de assuntos pertinentes à profissão. Quando perguntamos quais os recursos de que dispõem, para realizar seu trabalho, falam que a instituição tem grupos, medicação, terapia. Em outras palavras, ao invés de informar sobre os recursos à sua disposição, para trabalhar, relatam o que a instituição oferece ao usuário.

Outro entrevistado fala que seu recurso é o convênio com o SENAC, ou convênios de uma forma geral, não percebendo que recursos podem ser, também, as condições que a instituição lhe oferece para desenvolver seu trabalho.

Com relação à possível interferência da instituição, na demanda colocada, no projeto profissional e nas atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais, constatamos que ela ocorre, na ordem de 100% das situações relatadas, ainda que alguns profissionais, de forma isolada, consigam propor algum projeto ou ação, quando identificam essa necessidade. No que tange à orientação institucional, quanto ao trato do álcool e outras drogas, observamos que as clínicas trabalham, exclusivamente, com um propósito: a construção da abstinência. O ambulatório 02 trabalha com a redução de danos do dependente químico, tendo por objetivo final fazê-lo chegar à abstinência, avaliando os avanços subjetivos que conquista, com a diminuição do uso da droga.


O ambulatório 01 segue a busca da abstinência, e o assistente social não pode desenvolver seu trabalho através de outro método. O ambulatório intensivo tem, como projeto, buscar a qualidade de vida e a redução de danos do usuário, tendo o assistente social a liberdade para desenvolver seu trabalho, da forma que avalia ser a melhor para alcançar tais objetivos.

Com relação às diferentes orientações governamentais – PNAD e Política de Atenção a Usuários de Álcool e outras Drogas -, percebemos que, na prática, os moldes institucionais são os mesmos: nos ambulatórios, o trabalho é desenvolvido através de grupos terapêuticos, ainda que as instituições que seguem as orientações da PNAD se voltem para a abstinência e as que seguem as orientações da política do Ministério da Saúde se voltem para a redução de danos, tendo uma preocupação maior com a qualidade de vida do usuário.

Fatores importantes que, talvez, contribuam para as dificuldades relativas à prática profissional são a falta de estrutura e condições de trabalho bem como o baixo prestígio junto às coordenações e aos demais colegas, pois a dependência química ainda é vista, essencialmente, como doença (ou seja, caso de saúde), o que demanda intervenção preferencial e específica dos profissionais da área da saúde. Assim, ao chegar aos locais de exercício profissional com dependentes químicos, o assistente social precisa “brigar” pelo seu espaço.


Os

depoimentos

dos

profissionais entrevistados

evidenciam que o

assistente social, paulatinamente, transforma-se (um pouco) em terapeuta da instituição e “esquece” o trabalho que o Serviço Social pode realizar, nas demandas sociais que o usuário apresente.

Por isso, é importante que o assistente social troque mais experiências com seus colegas, que se recicle, que comece a fazer o exercício de pesar, refletir sobre as atividades desenvolvidas em sua prática profissional. É necessário que perceba que, apesar de existirem diversas instituições que atuam nessa área, as adversidades pelas quais passam são muito semelhantes, e que, assim sendo, é preciso unir-se, na perspectiva de fortalecer a profissão e planejar uma prática profissional efetiva e de qualidade.


Conclusão Conclusã o A orientação política, econômica e social desenvolvida pelo Brasil, segue a linha neoliberal, a qual favorece o capital financeiro em detrimento do investimento em políticas sociais e isso rebate negativamente na qualidade de vida da população de forma implacável.

Por seguir orientação econômica internacional, quando determinado pelos organismos internacionais (principalmente o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD e o Fundo Monetário Internacional - FMI) a realização de cortes nos gastos públicos, a área afetada é a social, seja a saúde, a educação, a assistência, entre outras. É das políticas que atendem a população mais carente do país que são tirados (ou não realizados) os investimentos.

A área da dependência química por pertencer à Saúde, não foge desta situação.

Desde 1976, quando sancionada a Lei 6.368, a qual em seu artigo 9º determinava para o poder público a criação de locais para tratamento do dependente químico ou disponibilização na rede pública de leitos e vagas para


dependente

químico,

este

deveria

ter

disponível

locais

para

tratamento

ambulatorial e para internação.

Mas não foi isso que aconteceu, poucos ambulatórios foram criados e especificamente no Rio de Janeiro, somente no século XXI, o Estado teve a primeira clínica pública para internação dos dependentes de álcool e outras drogas no Estado. Atualmente são três clínicas.

Dessa forma, ao iniciarmos a pesquisa, não poderíamos imaginar o quão difícil seria estudar esse universo. Como já exposto, não tínhamos o domínio do assunto, porém, olhando esse universo “de fora”, acreditávamos que seria um campo mais “fácil” (sem divergências). Porém, a nos apropriarmos do aporte teórico – tanto na parte da prática profissional, quanto na parte da legislação e da política sobre drogas – e das entrevistas dos assistentes sociais, percebemos que esta problemática é muito complexa.

Ao entrarmos em contato com os assistentes sociais, percebemos que as discussões que ocorreram na profissão nas últimas décadas, não foram implementadas, ou não estão sendo desenvolvidas pelos profissionais em tela.

Reconhecemos que o trabalho em instituições que tratam do dependente químico é relativamente nova (mais ou menos vinte anos), isso não quer dizer que antes o assistente social não fosse demandado para essa tarefa, uma vez que já


existiam as instituições filantrópicas no trato desta temática, mas com o advento da Lei 6.368/76, é que foi determinado para o poder público a obrigatoriedade e consequentemente foram criadas instituições públicas as quais necessitavam da mão de obra do assistente social.

Desse modo, ao realizarmos este estudo, percebemos que o assistente social ainda está buscando o lugar e o papel do Serviço Social dentro da área de dependência química.

Ao debruçarmos-nos no estudo da parte teórica, verificamos que atualmente o Brasil passa por uma transição, encontram-se em vigência as Leis nº 6.368/76 e nº 10.409/02, porém no fim do mês de agosto do corrente, foi sancionada a Lei Federal nº 11.34323/06, a qual deverá entrar em vigor no mês de outubro, determinando a revogação das duas Leis citadas anteriormente.

Comparando estas três Leis, destacamos alguns aspectos:

Pela Lei nº 6368/76, o usuário e o traficante são passíveis de medidas de detenção, cabendo ao policial fazer a distinção entre os dois tipos, dependendo da categorização policial. Consta desta Lei a obrigatoriedade do tratamento quando o quadro clínico ou a natureza das manifestações psicopatológicas exigirem. 23

Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.


A Lei nº 10.409/02 destaca que o tratamento do dependente ou do usuário será feito por equipe multiprofissional e se possível com assistência à família. Nesta Lei a internação ou tratamento ambulatorial pode ser determinada por ordem judicial.

De uma forma geral, a Lei nº 11.343/06 parece estar mais de acordo com a realidade atual. É criado o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), que apesar de ter a mesma sigla do Sistema Nacional Antidrogas, são diferentes.

Nesta Lei, há a diferenciação ente usuário/dependente e o traficante de drogas ilícitas.

Esta Lei destaca atividades de prevenção, de atenção, de reinserção social a usuários e dependentes de drogas e aumenta o tempo de reclusão para o traficante

As atividades de prevenção são aquelas voltadas para redução dos fatores de vulnerabilidade e risco, bem como para promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção. A realização destas atividades devem ser baseadas em alguns princípios, dentre os quais destacamos:


1.

fortalecimento da autonomia e da responsabilidade do indivíduo com

relação ao uso indevido de drogas. É necessário salientar que esse também é o princípio norteador do método de Redução de Danos.

2. o “não uso”, “retardamento do uso” e redução de riscos como resultados desejáveis na área preventiva, quando da definição dos objetivos a serem alcançados.

3. formação continuada para professores nos três níveis de ensino.

4. projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas nas instituições de ensino públicas e privadas.

As atividades de atenção são as que visam a melhoria da qualidade de vida e a redução dos riscos e danos associados ao uso de drogas.

As atividades de reinserção social são as atividades direcionadas para sua integração ou reintegração em redes sociais. O método para o tratamento do usuário/dependente químico é o de redução de danos.

As penas impostas aos usuários/dependentes e traficantes são diferentes, pois para os indivíduos que utilizam a droga para seu consumo pessoal (usuário ou dependente químico), o artigo 28 determina que seja submetido às seguintes penalidades:


Advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Apesar desta diferenciação entre as penas do usuário/dependente e do traficante, caberá ao juiz esta categorização, verificada, através da natureza, a quantidade de droga, o local, entre outros fatores. Neste ponto, esta Lei se assemelha à Lei nº 6368/76, pois não existe a determinação da quantidade de droga apreendida para o indivíduo ser considerado consumidor ou traficante.

Com relação o tráfico, o artigo 33 determina a reclusão de 05 a 15 anos (o período mínimo aumentou de 3 para 5 anos).

Há que se destacar a distinção clara entre usuário/dependente e traficante – usuário e dependente não pegam penas restritivas de liberdade e sim medidas sócio-educativas aplicadas pelos juizados especiais criminais e o fim do tratamento obrigatório para o dependente.

Devido ser uma Lei muito recente e que ainda não está em vigor, é necessário aguardarmos para verificarmos a efetividade (ou não) desta Legislação.

Porém, o que percebemos é que a questão das drogas (e também do álcool) não é uma questão importante em âmbito governamental, pois em um país que a política é pautada no neoliberalismo, onde os gastos/investimentos em políticas


sociais são cada vez mais menores e quando o governo “diz” investir em política social, na verdade, o que percebemos é que se investe dinheiro público em programas como o Programa Bolsa Família24 ao invés de investir para melhorar as políticas públicas que atendam toda a população, como é o caso da política de saúde.

Pela política preconizada pelo Ministério da Saúde para Atenção ao Álcool e Outras Drogas, os locais de tratamento para dependentes químicos seriam as unidades extra-hospitalares – CAPS-ad.

Porém, após três anos de elaboração desta Política, percebemos que o número de CAPS-ad no Brasil25 ainda é ínfimo em comparação à demanda posta, atualmente existem 115 Centros26 no país. O estado do Rio de Janeiro só possui três unidades (Campos, Niterói e Belford Roxo).

Pela Portaria nº 336/GM de 19 de fevereiro de 2002, o CAPSad deve ser criado somente em cidades que possuam mais de 70000 habitantes.

24

Esse Programa é realizado através da transferência de um valor em dinheiro para as famílias, a qual varia entre R$ 15,00 e R$ 95,00 caso a família atenda algumas condicionalidades. E que apesar de não produzir nenhum tipo de alteração ou melhoria na vida das classes mais empobrecidas, é visto como um avanço. 25 Ao procurarmos o sitio do SENAD para verificarmos o número de CAPS-ad no Brasil, este sítio abre o link de uma organização, a qual tem uma relação defasada do número de CAPS-ad no Brasil. 26

Tivemos acesso a esta informação no sítio da UNODC.


Avaliamos que apesar da política determinar para esta instituição o atendimento ambulatorial para os dependentes químicos, percebemos que ainda não é um direito estendidos a todos que dela precisem.

Desta forma, o vácuo existente no atendimento aos dependentes químicos continua existindo e é preenchido por instituições privadas ou filantrópicas, as quais nem o próprio governo sabe quais são, quantas são e as atividades que desenvolvem.

O sítio da SENAD informa que o governo está começando a realizar este levantamento para conhecer estas instituições.

Percebemos então que, apesar de garantidos em Lei, instituições públicas com atendimento gratuito, seja em nível ambulatorial ou internação pode ser uma exceção na realidade brasileira, visto que nem a própria Secretaria Antidrogas conhece as instituições que “teoricamente” deveriam implementar a política da dependência química.

E é neste contexto completamente difuso e confuso que se insere o Serviço Social...

Pensando na prática do Serviço Social, uma das atribuições do assistente social é a democratização das informações e principalmente, dos direitos, os quais


nem sempre, o dependente químico possui, por isso a importância desta prática. Acreditamos que para desenvolvimento desta prática, faz-se necessário que o assistente social tenha sempre em seu local de trabalho algumas legislações básicas com objetivo de esclarecimento dos direitos. Para verificarmos essa hipótese, perguntamos para os assistentes sociais as leituras recentes realizadas por eles, bem como se na sua prática diária faz-se necessário alguma bibliografia.

Obtivemos o seguinte panorama: as leituras realizadas são os livros clássicos do Serviço Social discutidas na graduação, todos antigos; somente um entrevistado cita um livro recente a respeito do Serviço Social e Saúde e não foram citadas bibliografias que podem ser necessárias para o profissional esclarecer os usuários a respeito de seus direitos, poderíamos citar alguns importantes: Constituição Federal (CF) de 1988, Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), Estatuto do Idoso, entre outros. Analisamos que desta forma, não conseguem

efetivar

um

dos

objetivos

da

prática

profissional,

que

é

a

democratização das informações.

Para tal possibilidade é necessária a “ apropriação rigorosa dos fundamentos teóricos, metodológicos e históricos, capazes de apreender a dinâmica do processo de reprodução social, particularmente da sociedade brasileira” (Vasconcelos, 2003: 100). E para tal, é necessário que o assistente social esteja


sempre se atualizando e se reciclando. Isso é realizado não só via academia (pósgraduação, especialização, cursos, etc), mas também através do conhecimento, leitura e discussão dos acontecimentos mundiais e nacionais. Assim, é necessário que o assistente social seja capaz de compreender a realidade que desencadeia as demandas que lhes são apresentadas e analisadas criticamente.

Percebemos que o trabalho do assistente social tem que romper com essa barreira do imediatismo e conseguir realizar uma prática profissional baseada nas problemáticas apresentadas pelos usuários e para tal, é necessário que seja criado um plano básico com as atividades que devem ser desenvolvidas pelos profissionais, de maneira que todos os assistentes sociais que trabalham em instituições do Rio de Janeiro diretamente com a dependência química, consigam organizar um plano único e desenvolvam seu trabalho em conjunto.


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