AURORA 21 ANOS

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A S S O C I AÇ ÃO B R A S I L E I R A D E T E R A P E U TA S A R T Í S T I C O S A N T R O P O S Ó F I C O S - AU R O R A - A B TA A -2 1 A N O S




Páginas Iniciais

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... p. 5 BREVE HISTÓRIA DA AURORA-ABTAA .................................................................. p. 9 Ligia Kawall ENTREVISTA COM GABRIELA SELTZ ..................................................................... p. 19 Cibele Folegatti PESQUISA CIENTÍFICA: Uma possibilidade diagnóstica e de avaliação de resultados ........................... p. 23 Vera Orgolini CASOS DE PACIENTES: Contemplação e cópia para grávida em estado depressivo .............................. p. 39 Simone de Fáveri Depressão: aspectos impactantes da doença e experiência pessoal com terapia artística ...................................................................................................... p. 51 Raquel Schramm Hiperatividade infantil e dificuldades sociais ..................................................... p. 71 Cecilia Tilkian Terapia artística antroposófica em contexto hospitalar e dois casos psiquiátricos ............................................................................................................... p. 83 Helena Urben MEDITAÇÃO: Experiências meditativas de uma terapeuta artística ........................................ p. 93 Bernadette Gollmer

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Páginas Iniciais

APRESENTAÇÃO No dia 22 de junho de 1996 surgiu AURORA – Associação Brasileira de Terapeutas Artísticos Antroposóficos. Vinte e um anos depois – 2017 – temos muito a comemorar, e disso damos testemunho através de um breve histórico, que abre o conteúdo desta revista. Dentre as pioneiras da terapia artística no Brasil, mestre de todos nós, Gabriela Seltz nos brinda com uma entrevista plena de entusiasmo e dedicação à nossa atividade terapêutica. Um artigo de pesquisa científica, feita na Universidade Federal de Sâo Paulo, foi escrito pela colega Vera Orgolini, que baseou sua pesquisa numa ficha de avaliação diagnóstica desenvolvida por três pesquisadoras holandesas. A seguir, Simone de Faveri, Maria Cecília Tilkian e Helena Urben falam de sua experiência terapêutica com clientes de diversas patologias: depressão, hiperatividade e psicose, dando-nos exemplos da abrangência das possibilidades transformadoras da terapia artística. Raquel Schramm nos escreve um estudo sobre a depressão em geral, e nos relata sua experiência pessoal, quando de uma crise depressiva, mostrando-nos seu caminho de auto-percepção e cura. Finalmente, como agentes de saúde física e anímica, é fundamental estarmos sempre vigilantes de nossas potencialidades, dificuldades e facilidades, e para isso Bernadette Gollmer nos presenteia com meditações que ela mesma utiliza em sua atividade profissional, no exercício dessa prática sanadora . Desejamos que essa contribuição ilumine nossa prática e enriqueça a nossa consciência com o entusiasmo que nos tem alimentado durante todos esses anos.

Mary Porto Diretora presidente da AURORA-ABTAA

Helena Urben Conselheira da AURORA-ABTAA

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Breve Histó ria

Associação Brasileira de Terapia Artística Antroposófica (ABTAA) BREVE HISTÓRIA Ligia Kawall i A Terapia Artística teve início com o primeiro curso de Terapia Artística Antroposófica no Brasil, que foi realizado no Centro Paulus de Estudos Goetheanísticos, em Parelheiros, SP de 1986 até 1992, com a Sra. Ada Jeans como professora principal. Cursos anteriores à fundação da AURORA-ABTAA  Escola de Terapia Artística no Centro Paulus de Estudos Goethianísticos (1986-1992);  Em São Paulo, SP dois cursos tiveram início em 1993: um no Centro de Artes (somente os alunos da primeira turma tiveram a possibilidade de se submeter ao reconhecimento da Seção Médica do Goetheanum) e outro na Escola de Terapia Artística Margarethe Hauschka (perdeu o apoio da ABMA em 1997 e seus formandos de 1997 se submeteram aos critérios da AURORA-ABTAA). Preservar e desenvolver a Terapia Artística no Brasil tornou-se uma necessidade, também para cuidar do legado da Sra. Ada Jeans, falecida em 1994.

AURORA – ABTAA

Sra. Ada Jeans (1921-1994)

A Aurora – ABTAA foi fundada em 1996 e a primeira Assembleia Geral ocorreu em 22 de junho, naquele ano. 1ª Diretoria  Adélia Glória  Helena Urben  Luciana Vasconcelos  Maria Alice Martins  Mary Porto

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Terapeuta artística. Pós latu sensu em história da arte. E-mail: lzkawall@terra.com.br

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Breve Histó ria

2ª Diretoria (1998–2000)  Maria Alice Martins  Adélia Glória  Marilena Mamprim  Verónica Kaliks

Maria Alice Martins

Adélia Glória

Marilena Mamprim

 Simone Ornelas

Verónica Kaliks

Simone Ornelas

3ª Diretoria (2000–2004)  Ana Tereza Penteado  Tânia Yahn  Márcia Abumansur  Adriane Sebben

4ª Diretoria (2004–2006)  Mônica Rosales  Vera Orgolini  Helena Urben  Isabel Peycere  Tânia Yahn

5ª Diretoria (2006–2007) (Transição)  Vera Orgolini

Leila Marilena Bujaldon Mamprim

 Leila Bujaldon  Marilena Mamprim  Helena Urben  José Amadeu Vera Orgolini

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Helena Urben

José Amadeu


Breve Histó ria 6ª Diretoria (2007-2011)  Leila Bujaldon  Marilena Mamprim  José Amadeu

Leila Bujaldon

José Amadeu

Marilena Mamprim

7ª Diretoria (2011–2015)  Tânia Yahn  Claudia Ota  Leila Bujaldon  Vera Orgolini  Gisela von Koss

8ª Diretoria e assistentes (2015-2017)  Maria Lucia Simonsen  Adriano Raphaelli  Vera Orgolini  Gisela Von Koss  Cláudia Ferro

9ª Diretoria (2017-2019)  Mary Porto  Maria Lucia Simonsen  Leda Araujo  Marilena Mamprim

• Mary Porto

Maria Lucia Simonsen

Leda Araujo

 Roseni Pretti

Marilena Mamprim

Roseni Pretti

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Breve Histó ria Objetivos dos Estatutos da AURORA-ABTAA (1996-2017) 1. Contribuir para regulamentação da prática, aprofundamento e divulgação da Terapia Artística Antroposófica, como profissão fundamentada na visão humana, médica, terapêutica e artística ampliada pela Ciência Espiritual criada por Rudolf Steiner, e no conhecimento prático e teórico da Arte; 2. Reconhecer e respaldar o profissional terapeuta artístico no exercício de sua atividade terapêutica; 3. Defender o direito do livre exercício da Terapia Artística Antroposófica e promover diálogo com outras fontes de conhecimento; 4. Informar, através de cursos, seminários, palestras, publicações e outros meios, os princípios da Terapia Artística Antroposófica; 5. Representar a Terapia Artística Antroposófica perante instituições públicas e privadas; 6. Coordenar as atividades da Terapia Artística Antroposófica no território Nacional.

Vínculos Institucionais Antroposóficos  Coordenação Internacional da Terapia Artística Antroposófica (ICAAT), órgão da Terapia Artística junto à Sessão Médica do Goetheanum, sediada em Dornach/Suíça;  Filiação, desde 2005, à DAKART (União das Associações de Terapia Artística), igualmente ligada à Sessão Médica do Goetheanum;  Filiação, desde 2012, à IFAAET – Federação Internacional Antroposófica das Terapias Artísticas e da Euritmia, ligada à Sessão Médica do Goetheanum;  Acordo com a ABMA nacional para garantir cursos de formação médica básica aos candidatos, assim como assinatura dos Membros da Diretoria da ABMA nacinal nos certificados daqueles que concluem o processo de reconhecimento da AURORA-ABTAA;

 Representação no CIMA – Comitê Sulamericano Multidisciplinar Antroposófico. Atividades da Aurora 1. Apoio aos terapeutas e formandos:  Desde sua fundação a Aurora-AURORA tem um papel muito importante no acolhimento aos terapeutas atuantes e no processo de reconhecimento de novos profissionais. 2. Elaboração de Critérios:  Em 1997 surge a necessidade da elaboração de critérios de admissão à associação;  Em 1999 foram criados os Critérios de Admissão;  Novos cursos de TAA são criados a partir de 2002;  Atualização e ampliação dos Critérios de Admissão, e desde 2004 nomeados como Critérios de Reconhecimento, cujo objetivo é conferir os documentos enviados pelos cursos, os quais são requisitos para a certificação de seus alunos. 3. Apoio aos Cursos:  Desde 1997, o papel da Aurora-ABTAA junto às Escolas tem sido relevante em relação às diretrizes estipuladas para os cursos de formação.

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Breve Histó ria  Elaboração de um currículo básico para os cursos de formação inspirado no programa da Escola de Terapia Artística do Centro Paulus de Estudos Goethanísticos, que compreende temas ligados ao conhecimento da Antroposofia, às questões médicas, ao aprendizado das artes plásticas e à prática terapêutica;  Elaboração de critérios de reconhecimento para os formandos, para as escolas, para os coordenadores de cursos, para os docentes, para os supervisores e para a comissão de reconhecimento. Tais critérios são submetidos a revisão sempre que necessário. 4. Cursos de Terapia Artísitica Antroposófica no Brasil desde 2002:  Em Florianópolis, SC na Associação Sagres.

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Breve Histó ria  Em São Paulo, SP na TerArte, Curso Livre de Terapia Artística (até 2012);

 Em Belo Horizonte, MG curso de formação em TAA-BH (até 2010);

 O curso da Sagres, também sendo periodicamente reconhecido pela Academia Européia – órgão internacional que regula o reconhecimento dos cursos – está ativo. Há projetos para novos cursos em São Paulo e Belo Horizonte

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Breve Histó ria Alguns cursos e eventos promovidos pela AURORA-ABTAA  Os quarto éteres na escultura, curso por Verónica Kaliks (1996);  Desenho de forma, curso por Cibele Folegatti (1996);  A experiência moral das cores como base para uma aproximação do anímico no humano, por Marianne Altmaier (1998);  Processos dos quatro órgãos e a escultura moderna, curso por Verónica Kaliks (1998)  Encontro de arte no parque Burle Marx – desenhos de observação, para terapeutas (2004);  Palestra sobre Ética: A arte da coexistência, por Dr. José Romão Trigo de Aguiar (2004);  Workshop: Desenho de forma, por Luiza Lameirão (2004);  Workshop: Diagnóstico através da observação de desenhos e pinturas, por Evelyn Scheven (2004);  O ciclo das mandalas: sete passos de metamorfose, por Mary Porto (2005);  Apoio à exposição Mandalas no Espaço Cultural Rudolf Steiner (2006)  Encontro de terapeutas: Observação dos trabalhos da aluna E.T. do curso de terapia artística e sua relação com o câncer (2012);  Palestra: Alguns tipos de câncer – diferenças e similaridades, por Dr. Kaliks (2015).

Participações  XIV Congresso de Psiquiatria em BH (1996);  Congressos de Medicina Antroposófica (desde 1997);

Congresso de Medicina Antroposófica – Rio de Janeiro, RJ (2013)

 III Congresso de Arteterapia: transcendendo a pós-modernidade – SP (1999);  Jogarte – Jornada Gaúcha de Arteterapia – RS (2001);  I Congresso Brasileiro Nise da Silveira – RJ (2004);  Encontro Anual do Movimento Médico Antroposófico, Goetheanum/Dornach (2006);  Encontro dos membros da associação de TAA – DAKART – Dornach (2006); 15


Breve Histó ria  Encontro das associações ou com membros da IFAAET – Dornach (2011 – 16)  UNIFESP – projeto de pesquisa na Sessão de Neuropsiquiatria- atendimento a pacientes com Síndrome Pós Pólio (SPP) - 2012;  Encontro de Michael – SAB (2012);  II Congresso Paulista de Medicina Antroposófica (2012).

Outras Atividades  I Jornada de Terapia Artística (2010). Realizada nos dias 23 e 24 de outubro, com 181 participantes. Um belo e entusiasmante encontro, onde 27 profissionais compartilharam seu conhecimento e suas experiências. Exposição dos trabalhos de alunos de três escolas de TAA, lançamento do livro de Marianne Altmaier e de uma revista contendo textos dos profissionais participantes.

 Livros e Publicações

Aurora conta atualmente com 60 membros, 43 deles reconhecidos pela Sessão Médica do Goetheanum. Site da Aurora: www.aurora.abtaa.org.br

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Entrevista com Gabriela Seltz

ENTREVISTA COM GABRIELA SELTZ i Cibele Folegatti ii Através de uma entrevista com uma das primeiras terapeutas artísticas do Brasil, realizada em 10 de agosto de 2017 pela terapeuta artística Cibele Folegatti no ateliê da entrevistada, Gabriela Seltz (1938) nos conta como foi que essa prática inovadora chegou ao Brasil. Gabriela Seltz

Como a Terapia Artística veio para o Brasil? Quem a trouxe, e quem foi a primeira Terapeuta Artística no Brasil? A terapia artística chegou ao Brasil através da Dona Ada Jens, em 1969, na Clinica Tobias. Dona Ada era enfermeira, fisioterapeuta, massagista e se formou em Terapia Artística na Escola Margarethe Hauschka em Boll/Alemanha, aluna da própria Hauschka. Implementou essa terapêutica inovadora na Clinica Tobias, onde trabalhava desde 1969, em atendimento aos pacientes dos médicos antroposoficos. Onde atuou e como foi a aceitação desse tratamento? Em 1985, iniciei como estagiária na Clinica Tobias, ajudando na terapia artística, e em março de 1986 fui convidada a dar aulas de argila no curso de formação. No segundo semestre desse mesmo ano, Verónica Kaliks, que se formara na escola de Hauschka em 1974, retornou da Europa e juntouse ao corpo docente. A aceitação do tratamento foi entusiástica.

Em que momento surgiu a necessidade de formar novos profissionais? Onde, quando e quem eram os alunos? O curso de Medicina Antroposófica já acontecia no Centro Paulus de Estudos Goetheanísticos em Parelheiros, e em março de 1986 foi inaugurada a primeira turma junto com a terapia aratística. Com a necessidade de formar novos profissionais, a divulgação foi aberta para interessados e profissionais de diversas áreas ligadas de alguma forma com a arte e a saúde. Em vista do entusiasmo com a terapia artística, os médicos tiveram interesse em aprofundar seus conhecimentos nessa terapia, ao perceberem os efeitos em seus pacientes, inclusive para saberem como orientar melhor os tratamentos. Os futuros médicos antroposóficos participavam dos módulos de pintura e modelagem durante o ano que durava seu curso, assim como os estudantes da Terapia Artística participavam das aulas ministradas por médicos brasileiros e por convidados vindos da Europa. O curso era diário, o de medicina durava um ano e o de terapia artística durava dois anos e chegou a durar três anos na quinta turma. Karin Glass era a administradora do Centro Paulus. Ela cuidou da parte burocrática e financeira do curso de Terapia Artística por todos os anos em que lá foi ministrado de 1985 a 1992.

Como foi elaborado o currículo e quem foram os primeiros professores? Qual foi a procura pelo curso, quando foi seu auge? O colegiado é quem elaborava o currículo, adequando-o às referências da formação na Alemanha. Juntamente com Dona Ada Jens, Dr. Bruno 19


Entrevista com Gabriela Seltz Callegaro fez parte do colegiado e ambos foram também professores.

so, mas infelizmente não pude responder a essa solicitação, por impedimentos de ordem pessoal.

Semanalmente havia reunião para avaliação dos alunos, do currículo e do andamento do curso.

Em 1994 um grupo de médicos saiu da Clinica Tobias e montou consultório na Rua Escobar Ortiz e fui com eles, onde fiquei até 2009.

De 1985 até 1993 fui supervisora de Estágios na Clinica Tobias, além de professora do curso nos módulos de argila, em parte ministrado por mim e outros por Verónica Kaliks.

Trabalhei em casa por alguns anos, como ainda trabalho. E durante sete anos trabalhei na Monte Azul. Lecionei na Sagres até março de 2014.

Quais as dificuldades e como as crises se manifestaram?

Trabalhei na Terarte como consultora e supervisora dos alunos, assim como dos alunos da Sagres.

Acredito que a verdadeira terapia artística nos foi ensinada enquanto o curso era dirigido pela Dona Ada, ela tinha um interesse pela formação, pela essência. Não tinha interesses pessoais, não havia vaidade.

Hoje meu maior atendimento é em aconselhamento Biográfico, no qual me formei na primeira turma em Florianópolis ministrado pela Dra. Grudrun.

As crises surgiram com as dificuldades financeiras de manter o curso, e com os conflitos de interesses de pessoas vindas de fora, com questionamentos e críticas acerbas, contestando a estrutura e os fundamentos do curso e da Terapia Artística. Como foram as buscas pelas soluções e quais desafios se repetiram? O curso se dividiu, e após a partida da Dona Ada nunca mais foi a mesma coisa. Em 1993, o curso continuou sendo ministrado no Centro Terapêutico Paracelsus, da terapeuta artística Marilena Mamprim até 1995. Em 1996, o curso prosseguiu na Escola Margarethe Hauschka e formou uma turma nesse mesmo ano. Em 2002, o curso continuou em dois estados:

A quem interessa manter essa formação hoje e no futuro? Qual seu desejo para a Terapia Artística no futuro e qual o conselho que daria para os profissionais e dirigentes da formação? O interesse é de toda Sociedade Antroposófica, uma vez que a terapia artística faz parte das terapias da antroposofia. Meu desejo é que não se perca o cerne, os princípios que fundamentam a Terapia Artística. Que voltemos para seus valores mais intrínsecos e que os perpetuemos. Como no tempo da Dona Ada, como ela os mantinha. Como e quando surgiu a necessidade de uma Associação? Como foi aceita, e como você a vê?

 Na TerArte em São Paulo, que formou três turmas: Turma Lilás (2002/2205), Turma Azul (2004/2007), Turma Verde (2008/2011). Em julho de 2012 o curso finalizou seus trabalhos.

Com o fechamento da Escola Margarethe Hauschka e depois com a divisão das formações, tornou-se necessário um elo, algo que mantivesse a estrutura da formação e da atuação dos novos profissionais.

 Na Associação Sagres em Florianópolis, que continua suas atividades até hoje, e que formou a sexta turma este ano (2017).

Considerações finais

De julho de 2006 a janeiro de 2010 um curso em Belo Horizonte formou uma turma, curso esse que seguiu os moldes do curso do Centro Paulus. Fui convidada reiteradamente a dar aulas nesse cur20

A essência da terapia artística nos foi trazida por D. Ada. Essa essência é o alicerce no qual deve se fundamentar o trabalho do terapeuta. Que isso subsista sempre!




Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação

UMA POSSIBLIDADE DE LEITURA DIAGNÓSTICA E DE AVALIAÇÃO DE RESULTADOS DO PROCESSO TERAPÊUTICO ARTÍSTICO ATRAVÉS DA QUADRIMEMBRAÇÃO Vera Orgolini i

RESUMO: A terapia artística é fundamentada na visão médica, artística e terapêutica ampliada pela Antroposofia, que resgata o conhecimento à luz de uma percepção do espiritual constitutivo do ser humano, juntamente com a fenomenologia de Goethe. Objetivo: Apresentamos considerações sobre a atuação da Terapia Artística aplicada em pacientes com Dor e Síndrome Pós-Poliomielite (SPP). Método: Utilizamos o método de pintura terapêutica de Hauschka (1987); o método de avaliação diagnóstica de Huber et al. (1987); a organização de métodos terapêuticos com recursos das artes plásticas de Urben (2003). Resultados: Apresentamos os resultados parciais quantitativos e qualitativos ilustrados por pinturas de pacientes. Conclusão: Observamos uma melhora em relação à queixa do paciente, mas podemos aperfeiçoar o método de avaliação para aprofundar nossa pesquisa. Palavras chaves: terapia artística, pintura terapêutica, síndrome pós-poliomielite, dor, método de avaliação diagnóstica, arte e saúde.

ABSTRACT: The artistic therapy is based on the medical view, artistic and expanded treatment through anthroposophy, which rescues knowledge in the light of a perception of the spiritual constituent of the human being, along with Goethe's phenomenology. Goal: Considerations on the role of artistic therapy applied to patients with pain and Post-Polio Syndrome (PPS). Method: We used Hauschka‟s method of therapeutic painting (1987); the diagnostic evaluation method of Huber et al. (1987); and Urben‟s therapeutic methods organization with resources of fine arts (2003). Results: We present the quantitative and qualitative partial results illustrated by patients paintings. Conclusion: We observed an improvement in relation to the patient's complaint, but we can improve the evaluation method to deepen our research. Key words: artistic therapy, therapeutic painting, Post-Polio Syndrome (PPS), pain, diagnostic evaluation method, art and health. Monografia apresentada à Universidade Federal de São Paulo – Pró-reitoria de Extensão, para obtenção do título de especialista em teorias e Técnicas para Cuidados Integrativos.

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Terapeuta artística e biógrafa. Pós-graduação Latu sensu em Teorias e técnicas para cuidados integrativos (UNIFESP). E-mail: veraorgolini@terra.com.br. Celular: (11) 99931-4257

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Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação INTRODUÇÃO Este artigo tem como objetivo apresentar considerações sobre a atuação da Terapia Artística nos pacientes do projeto de pesquisa “Tratamento com equipe multidisciplinar antroposófica em pacientes com Dor e Síndrome Pós-Poliomielite”. A terapia artística entrou como um dos tratamentos antroposóficos que foram aplicados por uma equipe multidisciplinar. Os pacientes foram acompanhados pela equipe médica e, além da terapia artística, atuaram as equipes das terapias externas e da reorganização neuro-funcional - Método Beatriz Padovan. Rudolf Steiner, o fundador da Antroposofia, desenvolveu um método de conhecimento da natureza do ser humano e do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo método científico convencional, bem como trata da aplicação desse conhecimento em várias áreas da vida humana. Para Steiner, o elemento artístico seria indispensável na atividade humana e deveria permear todos os ramos das ciências que tratam do homem. Foram abordados alguns aspectos sobre visão antroposófica do homem tais como a trimembração e a quadrimembração como fundamentos da terapia artística. Foram apresentados alguns aspectos da terapia artística e do método desenvolvido por Margarethe Hauschka, que utiliza os recursos das artes plásticas e trabalha com as forças arquetípicas dos elementos artísticos atuando em consonância com as forças constitutivas do ser humano. É um caminho através da alma, que ativa as forças criativas anímico-espirituais que podem atuar sobre o processo físico mais profundo (1,2). Apresentamos a tabela de avaliação diagnóstica segundo o método diagnóstico ilustrado com as pinturas livres de três pacientes e citamos os exercícios utilizados no processo terapêutico. Apresentamos os resultados parciais quantitativos e qualitativos ilustrados pelas pinturas de três pacientes.

OBJETIVO A terapia artística foi aplicada aos pacientes com o objetivo de testar a eficácia do tratamento na 24

dor muscular e articular em pacientes com SPP (CID 10 G14) (3). Trabalho realizado no Ambulatório de Antroposofia na Saúde em Dor e Síndrome Pós-Poliomielite (SPP) do Setor de Investigação de Doenças Neuromusculares do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) entre 2013 a 2015. Esse Ambulatório fez parte do Núcleo de Medicina Antroposófica (NUMA) que pertence ao Núcleo Associado de Medicina e Práticas Integrativas (NUMEPI). A definição de síndrome pós-poliomielite na medicina convencional é: “A síndrome pós-poliomielite (SPP) é uma desordem neurológica considerada dentro do capítulo dos efeitos tardios da pólio, caracterizada por nova fraqueza muscular e/ou fatigabilidade muscular anormal em indivíduos que tiveram poliomielite aguda, muitos anos antes” (4). Segundo o olhar antroposófico, salientamos as seguintes observações: “Sem dúvida, as pessoas suscetíveis de contraírem a poliomielite se distinguem por vitalidade reduzida, seja temporária ou crônica. O corpo etérico é enfraquecido por excessiva solicitação do sistema neurosensorial. Se, em qualquer órgão, ocorre uma excessiva atividade de processos neuro-sensoriais, o efeito consiste em acentuação da consciência, aumento da percepção e finalmente dor. O corpo etérico é enfraquecido por excessiva solicitação do sistema neuro-sensorial. Ocorre uma redução da vitalidade, um ressecamento, excesso de formação, degeneração, em outras palavras, catabolismo no mais amplo sentido. Se tal hiperatividade do polo cefálico se encontra limitada ao sistema motor, as consequências serão necessariamente aumento da sensibilidade orgânica, movimentos acompanhados de dor e, no caso extremo, a paralisia”.(5) Ricardo Ghelman (6) contextualiza que, na SPP, segundo a classificação dos três sistemas orgânicos, o sistema neuro-sensorial fica super estimulado na dor em detrimento do sistema metabólico motor que fica quase imobilizado, de tal forma que o sistema rítmico não consegue harmonizar a


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação relação entre os dois sistemas polares. Na situação fisiológica normal, a organização vital se interpõe entre a organização anímica e a organização física e as três organizações são moduladas pela organização do Eu. Na condição dolorosa a organização anímica toca diretamente a organização física. No caso dos portadores da SPP com dor, eles estão na condição apresentada por Ghelman, e este foi um dos motivos porque escolhemos, dentre as diversas técnicas utilizadas na terapia artística, trabalhar com a pintura em aquarela como processo terapêutico segundo o método Hauschka. A técnica utilizada privilegia a organização vital através da pintura que trabalha as cores em suas nuances e transições, e que pode proporcionar uma respiração ampla através de pinceladas longas e calmas.

REFERENCIAL TEÓRICO 1. Antroposofia 1.1. Aspectos da visão de homem antroposófica Rudolf Steiner (7) considera não somente a constituição física do ser humano, mas também uma constituição anímico-espiritual. Ele resgata o conhecimento à luz da sua percepção do espiritual constitutivo do ser humano, juntamente com a fenomenologia de Goethe (1749-1832), que percebe um elo entre a realidade sensível e a realidade supra-sensível e estabelece uma forma ampliada de ver o ser humano e suas ligações com a vida e o universo ao seu redor. A partir desta concepção desenvolve novos conceitos sobre a constituição do ser humano, dentre eles o da trimembração (corpo, alma e espírito) e o da quadrimembração (corpo físico, etérico, astral e Eu). Na nomeação dos elementos constitutivos da quadrimembração, utiliza-se também as expressões organização física, organização vital, organização anímica e organização do Eu, conforme justifica Gardin em sua obra (8). A saúde está ligada à dinâmica entre as partes constitutivas do ser humano, sobre as quais escrevemos a seguir, e a doença ocorre quando há um desequilíbrio entre elas.

1.2. Trimembração Sobre a trimembração Rudolf Steiner escreveu em 1920: “Por corpo entende-se aquilo por cujo meio as coisas em redor do homem se lhe apresentam (Ex. flores do prado). Por alma deve-se entender aquilo cujo intermédio o homem associa as coisas do seu próprio existir, sentindo nelas agrado e desagrado, desprazer e prazer, alegria e dor. Por espírito entende-se o que se lhe apresenta quando ele (segundo a expressão de Goethe) contempla as coisas “como um ente divino”. Neste sentido o homem consiste em corpo, alma e espírito. Esses três domínios distinguem nitidamente da vida humana e o homem assim se apercebe que está entretecido com o mundo de modo tríplice, O primeiro é algo que ele encontra diante de si, que aceita como um fato consumado. Pelo segundo modo, ele faz do mundo seu assunto próprio, algo que tem importância para ele. O terceiro modo é por ele considerado como uma meta a qual deve aspirar incessantemente”. (9) Os três sistemas distintos são: sistema neurosensorial (SNS), sistema rítmico (SR) e sistema metabólico-motor (SMM). Como expressão física, temos a cabeça e os órgãos do sentido, onde se desenvolve o pensar e que constituem o sistema neuro-sensorial. Aí o espírito humano se expressa desenvolvendo a consciência. A partir das forças do coração-pulmão se estrutura o sistema rítmico, e é através da respiração e da circulação que a alma tem a sua expressão. Neste nível o espírito humano é semiconsciente e desenvolvem-se as forças do sentir. O sistema metabólico-motor se configura nos membros e abdome, que contém as forças do metabolismo e reprodução, bem como do movimento. Aqui a alma expressa as forças do querer e o espírito humano se torna inconsciente.

1.3. Quadrimembração Na quadrimembração, Rudolf Steiner resgata a ideia dos quatro elementos (fogo, água, ar e terra) como expressão de forças arquetípicas que formam os reinos mineral, vegetal e animal e demonstra que o ser humano é constituído de um corpo físico, corpo etérico ou vital, corpo astral e 25


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação Eu (10). Atualmente o termo corpo pode ser encontrado na literatura como organização física, organização vital, organização anímica e organização do Eu (11). A organização física (corpo físico) pode ser vista em qualquer livro de anatomia e expressa as forças do reino mineral. A organização vital se relaciona com as forças de vitalidade, regeneração e crescimento que estão ligadas aos processos de vida. Na organização anímica tem-se a expressão da alma onde se manifestam os impulsos, instintos, desejos e que tem correspondência com o reino animal. Na alma humana habitam os sonhos, as sensações, emoções e sentimentos. Na organização do Eu temos a estrutura do Eu individual/espiritual que se diferencia do reino animal e onde se manifesta a capacidade decisória, de autoconsciência, de liberdade. É necessário estudar as relações das forças e compreender a pluralidade do organismo humano. Muitos fenômenos patológicos só se tornam compreensíveis a partir da observação dessas estruturas atuantes no ser humano.

2. Fundamentos da Terapia Artística segundo Margarethe Hauschka (12) “A terapia artística é uma prática terapêutica fundamentada na visão de homem, médica, terapêutica e artística, ampliada pela Antroposofia, criada por Rudolf Steiner e no conhecimento prático e teórico das artes plásticas.” (13) “A terapia artística é uma ampliação da atividade médica; provavelmente, só aos poucos sua abrangência e significado poderão ser reconhecidos plenamente. Trata-se do grande campo de aplicação das mais diversas atividades artísticas como apoio aos processos de cura. Para vermos atividades humanas em sua relação com saúde e doença e impregnarmos o campo artístico com os pensamentos terapêuticos, são necessárias diversas condições. Por um lado, devese adquirir uma compreensão íntima do que se passa no homem, dos processos que entram em movimento quando uma pessoa exerce uma atividade artística – digamos, 26

quando pinta ou modela. Portanto, durante a atividade não se deve olhar tanto para a criação efetuada, mas muito mais para os processos que, no homem, acompanham a ação.”(11) A Terapia Artística com utilização das artes plásticas atua através pintura, modelagem, desenho e das forças arquetípicas de seus elementos (cor, forma, volume, disposição espacial, luz e escuridão) que atuam em consonância com as forças internas constituintes do ser humano. Essas forças podem estar bloqueadas ou em desarmonia. Nos elementos das artes plásticas existem as mesmas forças formativas que no organismo humano, por isso é que se pode atuar no homem a partir dessas forças. Hauschka (11) referencia para este item do trabalho, desenvolveu todo o seu trabalho artístico terapêutico baseado na visão de ser humano desenvolvida por Steiner, que considera a natureza tríplice do ser humano, observada em relação aos membros constitutivos do homem, considerados como: corpo, alma e espírito; em relação à corporalidade como: cabeça, tronco e membros e seus respectivos sistemas: neuro sensorial (SNS), respiratório/circulatório (SRC), sistema metabólico motor (SMM); em relação à natureza psicológica considera-se o pensar, o sentir e o querer. O enfoque terapêutico está no próprio processo artístico, onde os elementos da arte (cor, forma, volume, composição, luz e sombra) são vivenciados através das atividades de pintura, modelagem, desenho, dentre outras. O que diferencia a terapia artística de uma atividade apenas artística é o caminho terapêutico, que tem a intenção de transformar cada dificuldade, através de exercícios que possibilitem os processos de mudança, tendo sempre um propósito, um método e uma atitude interior. Através dos exercícios são despertadas as forças criativas que existem em todo ser humano, forças construtoras arquetípicas que possibilitam a cura. Essas são as forças ordenadoras do pensar, as forças aquecedoras do sentir e as volitivas da ação. Na terapia artística, o processo de saúde e doença é visto de um modo mais amplo, como uma oportunidade de reavaliar o modo de ver a si


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação mesmo e ao mundo e a doença como um caminho de desenvolvimento anímico-espiritual. É a situação do paciente que indica o caminho terapêutico: se há excesso de escuridão, é preciso realçar a luz; se há muita luz, trabalha-se a sombra; suavizar limites onde aparece a rigidez; trazer definição onde falta estrutura. Sempre buscar equilíbrio entre as forças enrijecedoras e as forças dissolventes. A atuação terapêutica pode também ser organizada a partir de um diagnóstico antroposófico, através do qual aspecto de leitura e de avaliação de processo próprios da terapia artística são utilizados e sobre os quais escrevemos neste estudo utilizando, então, o método de Huber et al. (14)

3. Método para a leitura diagnóstica e para a avaliação de resultados do processo terapêutico O método utilizado foi:  Aplicação de duas abordagens metodológicas da terapia artística (2,13) (Hauscha e Huber et al.), que deram subsídios para a técnica utilizada e para a leitura das obras dos pacientes,  O atendimento ambulatorial com pacientes de SPP. Os pacientes submeteram-se à leitura diagnóstica e ao processo terapêutico através da pintura e consequente avaliação de resultado desse processo. Este artigo é uma síntese da monografia apresentada na UNIFESP (15), a qual foi estrutrada segundo Urben (16), que em seu trabalho organiza métodos terapêuticos com recursos das artes plásticas segundo três critérios: meios (dentre eles a técnica), leitura e processo, organização essa que utilizamos. Enquanto técnica, usamos a pintura em aquarela molhado sobre molhado (2), enquanto leitura utilizamos o método de leitura diagnóstica e avaliação de resultados através de pinturas livres segundo método desenvolvido pelas terapeutas artísticas Huber et al (13) e enquanto processo utilizamos exercícios propostos por Hauschka (2), sendo que o processo não foi considerado neste artigo.

3.1 Técnica: pintura em aquarela A pintura apela para as forças relacionadas ao sistema rítmico, que harmoniza os dois sistemas polares, o neuro sensorial e o metabólico motor. O movimento contínuo entre o ato de pintar e o momento da pausa para olhar, cria um ritmo respiratório harmonizante e revitalizante. Além disso, esses pacientes normalmente apresentam falta de interesse em relação à vida (depoimento dos pacientes em consultas médicas), pois se sentem excluídos do meio ambiente e não compreendidos por aqueles que os cercam. O mundo dos sentimentos fica aprisionado causando distúrbios anímicos: irritabilidade, agressividade, perda da autoestima, raiva. A alma recebe as impressões de fora, inspira o entorno, mas precisa da expiração, deve ser capaz de externar o seu interior. A pintura desperta forças vitais a partir do anímico, reconstituindo as forças orgânicas de um lado e devolvendo a alegria e o entusiasmo de outro. As imagens fortalecem o processo imaginativo. A organização do eu é fortalecida e o Eu é estimulado a tomar decisões em cada escolha de cor ou forma, evocando a presença, descobrindo novos pontos de vista que permitem resignificar a própria vida. “A pintura e as imagens em geral têm uma especial relação com as forças que partem do coração. Assim como as cores vivem entre luz e trevas, a alma humana vive também entre alegria e a tristeza, prazer e sofrimento. A alma humana pode ser comparada ao sistema respiratório: ela somente é sã, quando respiramos harmoniosamente, quando os dois processos de inspiração e expiração se realizam com exatidão. Quando a pessoa já não consegue respirar com a alma, vai adoecendo, principalmente nas regiões do aparelho respiratório e circulatório.” (2)

3.2 Leitura quadrimembrada: diagnóstica e para avaliação de resultado Foi baseada nas pinturas livres com o método de leitura e avaliação de Huber et alii (2015) da Escola Holandesa e foi utilizada a tabela de avaliação por elas elaborado. As pinturas livres da 1ª, 27


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação 2ª sessões foram utilizadas para diagnóstico e as da 11ª e 12ª sessões para avaliação de resultado. Através desse método são identificadas as características, qualidades e dinâmica dos elementos constitutivos do ser humano, ou seja, procura-se identificar os aspectos predominantes da quadrimembração em cada pintura. As autoras criaram uma tabela de pontuação com conceitos relativos aos quatro membros essenciais. A autora deste artigo, a partir da prática terapêutica, fez pequenas alterações nos conceitos, abaixo descritos. A tabela contempla os seguintes aspectos:

ASPECTO VITALi

1. Tendência à dissolução: a tendência da cor de flutuar/fluir para dentro do ambiente.

2. Uso de superfície: uma cor que é colocada com a largura de pelo menos três pinceladas.

3. Centro-periferia: uma relação que liga o centro e a periferia de uma pintura. (Um adulto percebe-se mais como o centro do mundo ao seu redor, usando um movimento de dentro para fora)

4. Espelhamento: repetição espelhada, em relação ao eixo.

5. Cores que respiram (preferimos usar a expressão: Transição de cores): nuances de cores mais leves e mais escuras dentro de uma superfície.

ASPECTO FÍSICO 1. Contorno: uma linha que faz com que uma superfície fique fechada.

6. Uso claro/leve de cores: cores que são colocadas muito claramente.

2. Limite: um lugar onde uma cor termina totalmente e uma outra começa. 3. Forma: uma superfície que tem limites claros.

Assim sendo:

4. Linhas: um risco de cor, não sendo mais largo do que a largura de um pincel.

Como no físico surgem “partes” sem interligação, no vital tudo se forma em “todos”. Quando uma cor dissolve, podemos falar de um dissolver com o ambiente (1). Uma superfície também tem a tendência de expansão (2). No centro-periferia se mostra um todo interligado entre o centro e a periferia (3). No espelhamento se forma um total, que é construído com partes interligadas, esquerdo, direito, em cima em baixo ou diagonais (4). Em relação às cores, podemos na verdade observar um início do movimento anímico (5). As cores que mencionamos aqui são muito suaves e respiram (transições), ligando-se às qualidades vitais (6).

5. Partes isoladas: uma superfície de cor em si, fora do todo. (obs - as autoras consideram como partes isoladas uma cor que aparece uma única vez na pintura, consideramos uma ou mais cores isoladas do todo.) 6. Densidade da cor: uma cor muito intensa, que deixa de ser transparente. Assim sendo:

O contorno é uma linha em volta de uma superfície, que faz com que a superfície fique inalcançá“As qualidades vitais e anímicas nunca apavel (1). O limite é o final abrupto de uma superfície recem completamente separadas umas das (2). Na forma, uma superfície se libera do seu outras.” (17) ambiente (3). Sobre linhas, podemos falar que a cor se contrai, se cristaliza numa linha (4). Uma parte isolada é algo em si, não se move junto com ASPECTO ASTRAL (ANÍMICO segundo Gar18 as cores ao seu redor (5). Na densidade da cor din ) falamos do fato de que a cor se intensifica (6). 1. Movimento direcionado: uma faixa, uma linha ou um limite que sugere a tendência diaEsses seis aspectos tem mais a ver com aqueles gonal ou vertical. processos que fazem o ser humano tornar-se físico: isolar-se do ambiente, estar isolado, estar em si, endurecimento e densificação.

28

i

“Qualidades vitais” é a expressão utilizada por HUBER et alii, mas permitimo-nos usar a expressão ASPECTO VITAL.


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação 2. Representação: uma imagem de uma representação concreta, que a pessoa possa visualizar nos pensamentos. O paciente pensou sobre aquilo que quis criar na pintura. 3. Luz-sombra: contraste entre luz (claro) e sombra (escuro). 4. Uso intenso das cores: cores fortes. A intensidade da alma faz com que as cores se intensifiquem. 5. Pluralidade de cores: quantidade de cores perceptíveis. Precisa-se de coragem para por cor no papel. Quanto mais cores o paciente usa, mais ele se arrisca numa aventura no nível da alma. 6. Composição: uma estruturação das diferentes partes formando um todo. Os diversos componentes da imagem têm uma interligação, que mostra algo. Assim sendo: Todos os conceitos do anímico tem a ver com os aspectos da vida emocional. Esses aspectos, dentro do parecer deste método, variam também com as qualidades do pensar, do sentir e do querer.  No conceito “representação” falamos de uma imagem “inventada” (2), e na composição falamos sobre estruturação, sendo que ambos são aspectos do pensar (6).  A qualidade do sentir ligamos à luz-sombra, vivendo lá algo que é drama (3), e no uso intenso da cor (uma cor escura) percebemos uma vida anímica intensa (4).  O querer encontramos nos movimentos direcionados (1) e na pluralidade das cores (5) e nesse último caso falamos de uma aventura anímica. Essas três qualidades da vida astral, conhecidas como pensar, sentir e querer, nós encontramos nos termos usados para qualidades anímicas. Percebemos uma dinâmica muito intensa que ainda não tinha nos conceitos etéricos.

2. Gesto I: quando uma tendência vertical nítida determina uma pintura, achamos nela o gesto I. Tendência vertical. 3. Toque final: um acento vermelho que completa a figura e que é colocado no término da pintura em algum lugar. “Vermelho, para nós (autoras desses critérios), tem a ver com a força de iniciativa e com a coragem”. (13)

Assim sendo: Na maioria das pinturas livres dos pacientes considerados neste estudo não se acha um nenhum dos fenômenos que se relacionamos com o Eu, mas foram escolhidos três exemplos que contemplam essas características. Escrevem as autoras do método: “Uma pintura ou outra tem motivo ou algo vertical. É por essa razão que só escolhemos três conceitos do Eu. Encontramos mais a qualidade do Eu no desenvolvimento do processo de pintar, nos meses depois das pinturas livres. Nas pinturas em séries ou em outro trabalho terapêutico, como modelagem em argila, podem acontecer metamorfoses. A atuação do eu se mostra principalmente no tempo e na capacidade de fazer escolhas”. (13) A tabela de pontuação formatada foi utilizada como instrumento de leitura diagnóstica nas aquarelas livres das duas primeiras sessões, e avaliação de resultados das duas últimas sessões dos pacientes, ou seja, antes e após a aplicação dos exercícios terapêuticos. (Huber at al., 2015). Permitimo-nos, uma alteração na forma de pontuação da tabela. As autoras consideram como critério de pontuação (+) mais; (+/-) mais ou menos e (-) menos. Substituímos essa pontuação por classificação de 1 a 5, onde 1 é o menor valor e 5 é maior valor, isto nos deu uma margem mais precisa de leitura e avaliação. Vide abaixo o modelo de tabela utilizada no trabalho:

EU 1. Motivo: uma ideia básica visivelmente trabalhada. Num motivo se concentra um tema central que para o paciente é o essencial. 29


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação

Nome paciente

datas

Data de nascimento 1ª pintura Lista de pontuação

1

2

3

2ª pintura 4

5

1

2

FÍSICO 1.Contorno 2.Limite 3.Forma 4.Linhas 5.Partes isoladas 6.Densidade da cor

VITAL 1.Tendência de dissolver 2.Uso de superfície 3.Centro - periferia 4.Espelhamento 5.Transição entre as cores 6.Uso claro de cores

ANIMICO 1.Movimento direcionado 2.Representação 3.Luz - sombra 4.Uso intenso das cores 5.Muitas cores 6.Composição

EU 1.Motivo 2.Gesto I (vertical) 3.Toque final (vermelho)

Perguntas de interpretação - aspecto preponderante - aspecto menos representado - qualidades marcantes em cada aspecto - o que falta em cada aspecto E-mail Endereço

30

Telefone

3

3ª pintura 4

5

1

2

3

4ª pintura 4

5

1

2

3

4

5


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação Foram aplicados os conceitos de avaliação às pinturas relacionadas a seguir segundo a tabela acima. Pinturas livres do paciente AFC

Pintura livre 1ª (1ª sessão) “Droga de vida”

Pintura livre 2º (2ª sessão) “A vida é uma grande piada de mal gosto”

Pintura livre 3ª (11ª sessão) “Coração dividido”

Pintura livre 4º (12ª sessão) “Estrada da Vida”

Abaixo das pinturas estão apresentados os resultados da leitura diagnóstica (1ª e 2ª sessões) e da avaliação de resultado (11ª e 12ª sessões ou 3ª e 4ª pinturas livres):

Paciente AFC Aspectos

1º e 2º

3º e 4º

Físico

2

3

Vital

1

2

Anímico

3

2

Eu

1

2

Observe-se a diferença de pontuação entre os trabalhos das duas primeiras sessões e das duas últimas, notando-se uma sensível melhoria no resultado de todos os pacientes. Pinturas de dois outros pacientes. 31


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação Paciente JVMS

32

Pintura livre 1º (1ª sessão) “Há sempre uma luz no fim do túnel”

Pintura livre 2º (2ª sessão) “Um lindo dia de sol”

Pintura livre 3º (11ª sessão) “O sol brilhará mesmo no vale”

Pintura livre 4º (12ª sessão) “A vida é um círculo colorido”


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação

Paciente FPC

Pintura livre 1º (1ª sessão) “O eco-interno – a busca"

Pintura livre 2º (2ª sessão) “Equilíbrio da terra”

Pintura livre 3º (11ª sessão) “Alimentar a alma”

Pintura livre 4º (12ª sessão) “Entre o mar e o amor”

Paciente JVMS

Paciente FCP

1º 2º

3º 4º

1º 2º

3º 4°

Físico

2

3

Físico

3

2

Vital

2

4

Vital

2

3

Anímico

2

2

Anímico

4

2

Eu

1

4

Eu

1

3

33


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação RESULTADOS Resultado geral Os atendimentos foram realizados no Ambulatório no Setor de Investigação de Doenças Neuromusculares da UNIFESP. Foram atendidos 34 pacientes entre 2012 a 2015. Os pacientes foram atendidos em grupos de 4 a 8 pessoas, durante 12 encontros por grupo, em atendimentos de 1 hora de duração. A análise parcial diagnóstica, dos pacientes que participaram do programa, mostrou aumento nos aspectos Vital e do Eu – segundo o método de avaliação utilizado (Huber et al., 2015) Os pacientes atendidos no projeto tiveram melhora na relação interpessoal e na qualidade de vida. (Questionário Qol - Bref e QSCA –SOC) (19) Resultados qualitativos Observou-se que no início das sessões havia uma certa resistência em relação ao trabalho artístico e também em relação ao compartilhar a experiência. No decorrer das atividades houve um aumento da percepção em relação ao processo artístico e ao resultado da pintura. A cada nova semana novos desafios eram superados, sendo adquiridas habilidades e percepções. Concomitantemente, a relação interpessoal foi se estreitando entre os participantes e o gosto pela pintura aumentando. Tornou-se visível a transformação nas pinturas e facetas novas se revelaram. Relatavam como a atividade estava sendo benéfica e como a experiência com a pintura reverberava no dia a dia, permitindo um novo olhar e um resignificar a vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS O propósito deste artigo foi apresentar os resultados da pesquisa ambulatorial, e incentivar os terapeutas artísticos a realizar outras pesquisas, para que possamos registrar através de publicações a atuação da terapia artística em suas mais diversas aplicações. Esta pesquisa foi um passo no sentido de aplicar um método que permita avaliar de modo mais sistemático a eficácia da terapia artística. Pela 34

prática profissional, nós terapeutas artísticos sabemos que a aplicação traz muitos benefícios aos pacientes, mas ainda é necessário aprofundar mais na avaliação de resultados. Deve-se investir muito em pesquisa para que se tenha uma amostragem representativa. Não foi possível chegar a uma conclusão sobre a atuação específica da terapia artística através do processo terapêutico realizado com esses pacientes, processo esse que aqui não foi descrito, pois os pacientes passaram por outras terapias concomitantemente. Foram muitas as variáveis e fatores que se inter-relacionaram. Mas foi observado, por todas as áreas implicadas, que houve uma grande melhora em relação às queixas dos pacientes desde o início até término do processo. Isso foi constatado de acordo com os depoimentos deles e através dos questionários levantados pelos médicos em suas avaliações. Em relação à avaliação da terapia artística nos membros constitutivos, notou-se uma melhora após os tratamentos realizados (equipe médica, reorganização neuro-funcional - Método Beatriz Padovan, terapia artística e terapias externas), melhora essa constatada através do método em questão (13). Em relação à tabela de leitura diagnóstica, não utilizamos as perguntas de interpretação, como apontado pelas pesquisadoras holandesas (13), pois não foi o objetivo deste trabalho desenvolver um programa terapêutico individual para cada paciente do programa de pesquisa. Temos também, algumas ressalvas em relação a alguns dos conceitos desenvolvidos por essas terapeutas e esperamos em breve adequá-los ao nosso entendimento, mesmo porque as próprias autoras colocam este trabalho como um ponto de partida para novas observações. Após o término do tratamento, as pinturas foram expostas e observadas. Cada paciente deu o seu depoimento sobre como foi o seu processo, e em todos os casos a avaliação foi muito positiva. Praticamente todos demonstraram a vontade de continuar com o tratamento. Solicitamos aos pacientes que, após o término de cada pintura, cada um desse um título para a obra, ideia essa que nos ocorreu independente do método de avalição em questão. Constatamos a pertinência nas escolhas dos títulos com o momento vivenciado pelo paci-


Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação ente. O processo ficou bem caracterizado, o que nos auxiliou na avaliação qualitativa do processo terapêutico. Os títulos das obras dos pacientes foram fundamentais para a redação de um importante texto redigido por mim, baseado na observação das pinturas e no processo individual de cada paciente, texto esse que consta somente na monografia original: os pacientes receberam esse texto. A maioria dos pacientes demonstrou o desejo de continuar se submetendo à terapia artística.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. HAUSCHKA, M. Terapia artística: natureza e tarefa da pintura terapêutica, 2. São Paulo: Antroposófica; 1987. 2. HEIDE, PVD. Terapia artística. São Paulo: Antroposófica; 1987. 3. QUADROS, J; OLIVEIRA, ASB. Síndrome pós-poliomielite: orientações para profissionais de saúde. São Paulo:MS/SES/SP; 2009.

O que podemos dizer é que conseguimos bons resultados em relação ao bem estar do paciente, que podemos aperfeiçoar o método de leitura e avaliação e aprofundar nossa pesquisa.

4. QUADROS, J; OLIVEIRA, ASB. Síndrome pós-poliomielite: orientações para profissionais de saúde. São Paulo:MS/SES/SP; 2009.

Sabemos, como terapeutas artísticos, que temos um longo caminho pela frente e que a pesquisa quantitativa e/ou qualitativa é um passo importante para chegarmos a sedimentar esta prática e a validá-la de uma forma sistemática.

5. WOLLF,O; HUSEMANN, F. A imagem do homem como base da arte médica: patologia e terapêutica, 3ª Ed. São Paulo: Associação Beneficente Tobias; 1987.

AGRADECIMENTOS Quero agradecer ao convite de Dr. Ricardo Ghelman para que a terapia artística fizesse parte do projeto, onde pude desenvolver e coordenar um programa específico para pacientes com dor e formamos uma equipe de terapeutas e estagiárias para atender a demanda. Agradeço também a participação de todos os colaboradores que com dedicação trabalharam no projeto. Tivemos no início a participação da terapeuta artística Tânia Yahn e da estagiária Maria Claudia de Freitas e na segunda fase a colaboração de Claudia Ferro e da estagiária Ana Beatriz Figueiredo.

6. GHELMAN, Ricardo. Material apresentado em aula no ambulatório do Setor da Neuromuscular na UNIFESP 2015 7. STEINER, R. A obra científica de Goethe. São Paulo; Antroposófica; 1984. 8. GARDIN, N. Quadrimembração: as quatro organizações que constituem o ser humano de acordo com a antroposofia. Arte Médica Ampliada. 2015;35(3). 9. STEINER, R. Teosofia: introdução ao conhecimento supra-sensível do mundo e do destino humano. 3ª Ed. São Paulo: Antroposófica; 1988. 10. ARAGÃO, AM Medicina Antroposófica: um paradigma para o século XXI. Belo Horizonte; ABMA Associação Brasileira de Medicina Antroposófica;2015 11. GARDIN, N. Quadrimembração: as quatro organizações que constituem o ser humano de acordo com a antroposofia. Arte Médica Ampliada. 2015;35(3). 12. HAUSCHKA, M.Terapia artística: contribuições para uma atuação terapêutica, 3. São Paulo: Antroposófica; 2003. 13. AURORA – Associação Brasileira de Terapeutas Artísticos Antroposóficos. Estatutos: 2006.

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Uma Possiblidade de Leitura Diagnóstica e de Avaliação 14. HUBER, M; ELST, B; RIEZEBOS, C. Pinturas livres: em busca de um método de avaliação. São Paulo: Antroposófica; 2015. 15. ORGOLINI, VFF. Terapia artística antroposófica: pintura terapêutica em pacientes com síndrome póspoliomielite(SPP). Monografia pós-graduação latu sensu do curso de especialização na UNIFESP. Orientação da Prfa Ms Helena da Glória Medeiros Urben. São Paulo; 2016 16. URBEN, HGM. As experiências iniciais com a linguagem das artes plásticas no contexto da saúde. São Paulo, 2003. viii + 196 f. Dissertação (Mestrado) - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Orientação da Pfra Dra Maria Heloisa Corrêa de Toledo Ferraz. 17. HUBER, M; ELST, B; RIEZEBOS, C. Pinturas livres: em busca de um método de avaliação. São Paulo: Antroposófica; 2015. 18. GARDIN, N. Quadrimembração: as quatro organizações que constituem o ser humano de acordo com a antroposofia. Arte Médica Ampliada. 2015;35(3). 19. ORGOLINI, VFF. Terapia artística antroposófica: pintura terapêutica em pacientes com síndrome pós-poliomielite (SPP). Monografia pós-graduação latu sensu do curso de especialização na UNIFESP. Orientação da Prfa Ms Helena da Glória Medeiros Urben. São Paulo; 2016

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Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo

CONTEMPLAÇÃO E CÓPIA PARA GRÁVIDA EM ESTADO DEPRESSIVO (acompanha relatório médico de Dra. Waldyvia Machado – ANEXO 2) Simone de Fáveri i

RESUMO: A contemplação das Madonas renascentistas, em especial as do pintor Rafael, pode nos auxiliar nos processos de fragilidade anímica, pois fortalecem os vínculos com a imagem primordial da maternidade. Neste caso, em que se tratou de uma grávida com quadro depressivo, utilizou-se a Madona Granduca, cuja cópia levou a paciente a vivenciar a metamorfose da escuridão do fundo para o azul acolhedor do manto envolvendo mãe e filho, num gesto de encontro amoroso e sanador. PALAVRAS-CHAVE: Depressão, gravidez, clareamento da escuridão, vínculos, Madona Granduca.

ABSTRACT: The contemplation of the renaissance Madonas, in special by the painter Rafael, can help with animic fragility processes, because they strengthen the bonds with the primordial image of maternity. In this case, a pregnant woman, in a depressive condition, was treated with contemplation of the image of Madona Granduca, and its copy led the pacient to experience the metamorphosis of the darkness of the background to the cozy blue mantle, involving the mother and the child in a gesture of a loving and healing encounter. KEY WORDS: Depression, pregnancy, lightening of the darkness, links, Madona Granduca.

i

Terapeuta Artística, formada pela Sagres, 2006, Florianópolis. Formada em Pedagogia Waldorf, Ensino Infantil (1983, SP), participou da fundação da Escola Walfdorf Anabá, aonde atuou como professora de jardim e maternal. Atende em Atelier próprio e em cursos de pedagogia Waldorf e de áreas da saúde. simonedefaveri@gmail.com.

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Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo Na depressão a alma está mergulhada num ambiente anímico obscurecido pela dor; as cores internas ficam opacas, o mundo interno e o mundo externo perdem o sentido e o brilho. O mundo dos pensamentos entra num circuito fechado, alimentando os próprios fantasmas, formas-pensamento que paralisam a vontade.

Na obra o azul se materializa nas vestes da Madona e a Madona surge com a criança como uma revelação da luz. Senti como se o escuro do fundo remetesse à escuridão do cosmo longínquo, de onde viemos, tendo a ver com o passado; enquanto a Madona no centro do quadro me lembrou da nossa condição humana no presente e a criança ao impulso Crístico plantado dentro de cada ser humano, destinado a se desenvolver no futuro. A seriedade dessa imagem é serena, calma e acolhedora. Não há nada de antagonismo aqui (4).

Como ajudar uma grávida imersa neste estado de prostração? Respeitando o princípio de partir do ponto aonde se encontra a situação anímica da paciente (1,2) ofereci a imagem da Madona Granduca, do pintor italiano Rafael, com a intenção de nutrir a alma pela imagem da “maternidade divina”, associada à vivência de ver a cor muito escura ser iluminada aos poucos, transformando-se em azul. Pois o paciente com depressão não consegue vislumbrar a saída da gruta escura em que se encontra animicamente (3).

SOBRE A ESCOLHA DA OBRA Tive a oportunidade de estar frente a frente com essa obra em Florença, Itália, numa das salas do museu do Palácio Pitti. Ela estava colocada perto da porta, destacada das outras pinturas. Um quadro não muito grande (84x55cm), mas impactante pela austeridade das cores: muito escuro, com um toque de luz. Um quadro sério. Eu já o conhecia pelas reproduções em cartões e livros, mas não fazia ideia do seu tamanho real e nem como estar defronte dele iria me impressionar. Fato é que fiquei um bom tempo contemplando-o, deixando-me envolver por aquela atmosfera de escuridão cósmica. Nessa contemplação, percebi como Rafael magistralmente materializou a transformação da escuridão/trevas pela luz. Em termos pictóricos, como o preto foi se tornando azul. (Ver ANEXO 1 referências sobre “luz, escuridão, cor e depressão”)

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O CASO Uma mulher jovem, 38 anos, professora universitária, casada, grávida de três meses de 2º filho, com histórico de depressão crônica. Toma antidepressivos desde a adolescência, com pausa durante a primeira gravidez, quando então teve depressão pós-parto, como a própria paciente reportou, o que a levou de volta à medicação e à terapia psicológica. Atualmente está em tratamento com médica antroposófica, que a encaminhou para a Terapia Artística. (Ver ANEXO 2) Geralmente é indicado para as grávidas fazer a contemplação das madonas de Rafael. A indicação foi-nos dada durante o curso de formação com Else Marie Henriksen, na Associação Sagres em 2006. Estas imagens beneficiam a reorganização e re-harmonização das forças vitais. Recomenda-se em especial a contemplação da madona da Capela Sistina, em que se pode ver as representações dos seres que desejam se encarnar nas muitas cabecinhas de crianças que parecem nuvens (5). Mas essa grávida não estava feliz com sua situação, com muita dificuldade em se conectar com o bebê, apresentando acentuada labilidade emocional.


Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo Seria preciso fazer um caminho cuidadoso, levando em consideração o estado depressivo e as limitações próprias da gravidez. Ainda impressionada pela minha vivência na Itália, procurei aprofundar minhas observações sobre a Madona Granduca de Rafael, agora levando em conta o cunho terapêutico.

PROPOSTA TERAPÊUTICA Observação da Madona Granduca, seguindo a metodologia goetheanística para ampliar a percepção sensorial, em paralelo à cópia com giz pastel seco. Esse material, colocado diretamente no papel, usando-se os dedos e a palma das mãos, favorece uma experiência de contato com a própria capacidade de sentir através da percepção sensorial. Usou-se a imagem do livro de De Vecchi (6) para uma cópia em papel para desenho da Canson, 244 g/m, em tamanho A2.

CAMINHOS PARA A PERCEPÇÃO DA IMAGEM, sugeridas por Robert Nuber Orientações dadas à paciente passo a passo: 1) Prestar atenção na primeira impressão, rápida fascinação; registro intelectual e físico, reconhecimento do tema no sentido de “Aha! Madona com o menino!”. 2) Mergulhar nas superfícies coloridas e nas correntes do movimento da imagem (p. ex.: o azul do manto, o vermelho do vestido, forma e cor do céu etc). 3) Percepção diferenciada dos detalhes e sua relação com outras particularidades ou sua situação em relação ao todo. 4) Eleição e observação cuidadosa das diversas expressões anímicas das particularidades (p.ex: o sorriso suave, o gesto da mão que acolhe, o movimento enérgico em direção a uma meta, a inclinação do corpo com veneração, etc). 5) Síntese das diversas qualidades anímicas formando uma sonoridade conjunta, um acorde ou um motivo.

A paciente não teve nenhuma dificuldade em acompanhar a proposta, suas observações foram claras, mantendo um interesse constante pelo tema. Trabalhamos com calma, uma vez por semana, em 14 sessões de 1h30. Iniciávamos nossos encontros com uma conversa acompanhada de um chá quentinho, quando então podia desabafar, atualizar-me sobre como foi sua semana, de como estava se sentindo e chorar um pouco, se fosse necessário. Depois fazíamos juntas um dos passos da observação. Eu contribuía com algumas indicações, estimulando-a a completar a tarefa e se tonar mais segura de suas próprias percepções. A pintura também foi feita passo-a-passo, ao longo das sessões: primeiro o fundo, depois o esboço das silhuetas, depois os detalhes e a acentuação das cores e formas.

OS PASSOS DADOS ENTRE O OBSERVAR E O PINTAR Em paralelo à observação da Madona em seus aspectos relacionados ao físico (no sentido de “o que os nossos olhos vêm”), a paciente primeiro pintou a atmosfera azul cobrindo todo o papel, deixando um espaço central sem pintar. A paciente viu esse espaço como um portal luminoso. Em seguida observamos como as cores fluíam, como se encontravam, se diluíam ou transitavam entre claros e escuros. Foi possível traçar uma diagonal imaginária, do alto à esquerda até o canto inferior direito, e perceber que do lado direito as cores da figura aparecem delimitadas pelo fundo escuro, em forte contraste, enquanto que no outro lado, tudo é um pouco mais difuso. Vimos como esse escuro, vindo de trás, passa pela frente abaixo dos pés do menino e sobe clareando-se, tornando-se azul luminoso até chegar ao ombro da mulher. Transformamos esse fluxo num gesto de envolvimento da paciente sobre si mesma: deixando a mão direita repousando sobre o coração movimentamos o braço esquerdo em pequenos círculos por trás da cabeça, “colhendo o cosmo”, conduzindo-o depois, num gesto amplo, pelo lado 41


Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo esquerdo do corpo, cruzando na frente do baixoventre, subindo pelo lado direito, agora “vestindo o manto”, até cobrir a cabeça, indo repousar junto à outra mão próxima ao coração. Exercitamos esse gesto como uma forma de meditação ao finalizarmos as sessões. Sobre o vermelho na Madona Granduca, a paciente também percebeu como ele está localizado na área do amor (coração). Ele pulsa e é mais intenso próximo ao menino. No braço esquerdo da mãe relacionou-o ao fazer (vontade). Percebeu o rubor delicado das faces dos dois. O dourado da pele refulge com luz própria. Continuação da Pintura: Relembramos as observações feitas. Orientei-a colocar as figuras dentro do “portal”, sem detalhes, guiando-se pelos gestos. A paciente trabalhou tranquila, usando o pó de giz disperso numa folha auxiliar. Fez superfícies de cor mais ou menos homogêneas, densidade média, com exceção do braço direito da madona, onde o manto azul ficou mais escuro.

largo e arredondado. Faz parecer que a mulher está sentada, com a criança no joelho esquerdo;  As áreas coloridas não se tocam: há um espaço em branco entre elas, com pequena exceção no manto à direita. Nesta ocasião sugeri que a paciente conversasse com o bebê, buscando a conexão havida no início da gravidez e que agora ela sentia como perdida. Apesar de desejar essa ligação, ela levou tempo para conseguir construí-la de fato no decorrer do processo terapêutico, pois revelaram-se muitos bloqueios emocionais e falta de referência familiar. Na tarefa de captar os gestos dando-lhes adjetivos com significado, a paciente reiniciou a observação pelos detalhes:  Mão da criança: repousa carinhosa no peito da mãe,  Mãos da mãe: a que toca o bebê é leve, a que segura é toda amparo,

Observamos seu trabalho, sem compará-lo com o original:

 Rosto da criança: olhar sério, sábio, parecendo de pessoa idosa,

 O portal agora parece uma janela ao fundo, com muita luz ofuscante;

 Rosto da mãe: olhar mais triste, acompanha o olhar da criança, sorriso doce,

 O peito da mãe – área vermelha incluindo o que será a manga do vestido – grande, em formato de coração. Tom delicado, mais concentrado em algumas áreas. Localizado bem no centro da folha. Está de “peito aberto”, “coração exposto”;

 Manto: protege e esconde,

 O braço direito, com azul mais intenso, tem gesto oposto: algo escondido, protegido, como uma tala que sustenta um membro ferido, segundo minha observação.  A criança olha e toca o coração da mãe. É grande, aparenta ter um ano. Coluna reta. Atenta. Há uma intenção no braço e um relaxamento na perna. Parece estar pairando no ar;  A mãe está olhando para outra coisa. Cabeça reta;  A área azul abaixo da criança e do braço da mãe tem gesto acolhedor, textura fofa. É 42

 Pés da criança: em movimento, quer chegar mais perto da mãe. Na visão geral percebeu como cada um está bem confortável no seu lugar, olhando juntos para a mesma direção. Continuação da Pintura: Aproximou as áreas coloridas colocando alguns detalhes como cabelo da mulher, dobra do manto, faixas no vestido. Adequou as mãos da mãe. Melhorou a proporção do conjunto. Focou nos claros e escuros das figuras, mas ainda sem mexer no azul do fundo. Trabalhou no cavalete grande, em pé ou sentada no banco alto, de onde podia se distanciar para avaliar o andamento da sua pintura. Na 7ª sessão (exatamente no meio do processo!) a paciente lembrou-se de fatos relacionados aos seus 9 anos de idade: uma derrocada financeira do pai provocou o rompimento com o sócio, cuja


Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo família era a parte boa da sua infância. “Perdi tudo naquela época”. Até hoje vive as consequências daquele rompimento: isolamento, medos, falta de alegria e vigor, peso, tristeza constante, pessimismo.

Para que eles se unam

Sabendo o quanto essa fase, conhecida na Pedagogia Waldorf como “passagem pelo Rubicão”, demarca o final da primeira infância e o início de uma nova relação com o mundo, sugeri que ela realinhasse os fatos desde aquela época, no intuito de captar o fio condutor, o sentido do destino, as perdas e os ganhos. A paciente afirmou só conseguir ver as perdas.

Cada vez mais por si própria. (7)

Retomamos a contemplação da Madona Granduca – necessária para o reequilíbrio emocional da paciente. Apesar de toda emoção desencadeada pelas lembranças sua voz estava clara e forte. Continuação da Pintura: Trabalhou nas mãos da criança e da mãe. Seu sentimento foi de que a mão da mãe precisava realmente aparecer para proteger a criança. Para finalizar esta sessão fizemos o gesto meditativo batizado de “O escuro cósmico tornado manto azul protetor”, acompanhado de um verso de Rudolf Steiner. Escolhi esse verso para estabelecer uma conversa com seu bebê – ainda sem nome – como parte da vivência no Atelier, pois em casa, sozinha, ela não teve forças para fazê-lo.

À tua vontade vital E ela, fortificada, se encontre No mundo todo

A paciente ficou emocionada, mas depois relaxou. Ao se despedir estava sorrindo. Na sessão seguinte contou mais detalhes de sua vida familiar, da separação dos pais quando ela já tinha 20 anos, da sua escolha em morar longe da família, numa busca de referências próprias. Ao pai ela sente que já perdoou, mas não sente o mesmo em relação à mãe. A maternidade tem lhe dado a oportunidade de gerir melhor seus sentimentos, pois sua filha tem sido a ponte entre ela e sua mãe. No momento estava tendo boas experiências em casa. O diferencial se deu pela sua presença real, ativa, de envolvimento com a filha em atividades boas para ambas, como cozinhar e tomar banho juntas. Continuação da Pintura: Prestou muita atenção na delineação das mãos, percebe-as como a parte que mais lhe toca. Não quer fazer detalhes nos rostos e é bom que fique assim, mais sonhador. Quanto ao fundo escuro, sente-se receosa com ele.

Flua em ti a luz

Até aqui aconteceram 9 sessões.

E possa penetrar-te.

Na 10ª sessão iniciamos uma nova etapa: agora não mais seguindo o modelo, mas trabalhando e reconhecendo a sua própria Madona. A paciente gostou da ideia, está satisfeita com as figuras e sente que precisa trabalhar o fundo. Desafios:

Eu sigo seus raios Com cálido amor Com os mais joviais Pensamentos da mente

 Encontrar os tons adequados;

Eu penso nos movimentos Do teu coração.

 Aproximar o escuro das figuras, eliminando as bordas brancas;

Que eles te fortifiquem

 Cobrir todo o fundo.

Que eles te sustentem Que eles te esclareçam. Eu desejava reunir Ante os passos que darás na vida Meus joviais pensamentos

Continuidade da Pintura: Começou pelo fundo, experimentando tons. Incomodou-se com o cinza em cima do azul por causa do verde que surgiu. Resolveu usar preto, mas não gostou do efeito junto ao prússia . Apresentei-lhe um novo azul, o ultramar. Este trouxe vida ao preto!

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Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo Focou no lado esquerdo, lado do passado. Não conseguiu levar o escuro para onde está o menino, ficou com medo de desarmonizar. A escuridão não lhe causou susto depois de acrescido o azul. Pausa: Ficou três semanas ausente, aonde fez exames e constatou estar tudo bem com seu bebê, ele é grande e não há indícios de diabetes como na primeira gravidez. Está participando de grupo de gestantes com orientação de doula1 e nutricionista. Muitos dos seus medos relacionados ao parto estão sendo trabalhados nesse grupo (seu primeiro parto foi cesariana e agora ela gostaria que fosse natural). Também está indo à hidroginástica com regularidade. Continuação da Pintura: Iniciou a passagem para a “área do futuro”, o lado direito, clareando, ou melhor, azulando o escuro anterior. Na 13ª sessão a paciente contou ter ido à sua cidade natal visitar a família e pegar peças para o enxoval do bebê. Contou ter ficado tensa, que sempre volta decepcionada de lá, pois não se afina com sua mãe. Da sua infância contou não ter referências em como se mostrar afetiva. Isso afeta inclusive o seu relacionamento com o marido. Há um forte bloqueio nessa área. Conscientemente tem procurado mudar seu comportamento, antes agressivo e histérico, com sua filha. Hoje ela já consegue manter-se no prumo, colocar limites e conviver em harmonia com ela. Verbalizou que só agora tem se conectado com o bebê, que este é o seu padrão: “ir empurrando com a barriga e depois ficar sobrecarregada e apavorada com tudo o que acumulou por terminar”.

1

Doula: Assistente de parto sem necessariamente ter formação médica, que acompanha a gestante no período da gestação até os primeiros meses após o parto, com foco no bem-estar da mulher e do bebê. Fonte: Wikipédia.

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Continuação da Pintura: Acrescentou mais azul ao fundo, modificando o tom, unindo o fundo à figura. Finalizou rindo de si mesma: “Uma coisa eu consegui terminar” e despediu-se satisfeita. Chegamos na 14ª sessão: Contou que tudo está mais tranquilo em casa, mas no trabalho não, há muita coisa por finalizar antes da licença maternidade. Tem conversado com o bebê, pedindo para que ele não venha antes do prazo, pois nem seu cantinho em casa está pronto ainda. Ela está com sete meses de gestação. Continuação da Pintura: Contemplamos sua pintura. A paciente já estava satisfeita, mas propus que trabalhasse por levar o azul do fundo a interagir com o azul do manto, dando continuidade ao fluxo desta metamorfose. Neste movimento ela reviu as cores no alto da cabeça da Madona, integrando-a ao conjunto. A obra ficou pronta. Em silêncio, ficamos admirando o resultado. A paciente se emocionou. Disse perceber claramente como estava, antes, naquela região escura e como migrou para a luz. No entanto percebe aquela escuridão como fazendo parte de si própria e que todo o azul em volta a sustenta e protege. Achou difícil dar um título à sua obra porque lhe ocorreu toda uma história de amor e proteção, então escreveu esta frase: “Do todo vem a minha proteção e da minha proteção vem a força e a ternura para acolher meu filho”. Falou que o que mais a toca nessa imagem são as mãos tocando um no coração do outro. Finalizei este processo recitando para ela, mais uma vez, o poema-oração “Flua em ti a luz” dejando, no íntimo, que cada frase dessa oração ecoasse dentro dela inspirando-lhe “joviais pensamentos”.


Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo Obs: A paciente continuou vindo ao Atelier por mais cinco sessões, até o início das férias de verão, e fez um novo trabalho com giz pastel.

CONCLUSÃO A paciente apresentou melhora no seu quadro emocional e maior firmeza em seus propósitos. Por conta de fatos biográficos e de seu temperamento melancólico o estado anímico da paciente ainda inspira cuidados e necessitarão de um aprofundamento em momento mais adequado. A escolha de uma Madona não convencional, de fundo totalmente escuro como este, mostrou-se extremamente adequado, confirmando as indicações de Eva Mees (1) e de Steiner (2) de que devemos partir do ponto em que a pessoa se encontra para conduzi-la até onde percebemos que seria bom que chegasse. Neste caso, caminhou da escuridão da depressão, da rejeição da gravidez, de dificuldades no relacionamento com o marido e com a educação da primeira filha, para a luz de um contentamento interior, vivência da proteção, aceitação de um novo ser e das possibilidades de mudança. A Madona apareceu como um alento que pode ser sempre novamente procurado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. MEES-CHRISTELLER, Eva. Forma e Cor, in: I Caderno AURORA, São Paulo, 2003. 2. STEINER, Rudolf. Os Mistérios dos Temperamentos, ed. Antroposófica, São Paulo, 1994. 3. DE LUCCA, Giuseppe. Terapia Artística na depressão. In: Terapia Artística, ABTAA - Associação Brasileira de Terapeutas Artísticos Antroposóficos, São Paulo, 2007 [Apostilado] 4. TREICHLER, Markus, Conceitos Fundamentais para uma Psicologia Antroposófica, conferências de Rudolf Steiner, ed. Antroposófica e Sophia Educação Antroposófica, São Paulo, 2011. 5. NUBER, Robert R., As forças sanadoras dos cuadros de Madonas, tradução para espanhol por Dania Lucas e Gabriela Osman. [Apostilado] Original em alemão: Die Heilende Madonnenbildreihe nach Felix Peipers und Rudolf Steiner,1908. 6. DE VECCHI, Pierluigi. Raffaelo - La Mimesi, l'armonia, l'invenzione. Collezione d'Arte A. Menarini, Edizione D'Arte Il Fiorino - Firenze, 1995. 7. Morgengebete, Orações Matinais, publicação da Comunidade de Cristãos de SãoPaulo ,[sd], tradução Lavinia Viotti.

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Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo ANEXO 1 ALGUMAS REFERÊNCIAS SOBRE LUZ / ESCURIDÃO / COR E DEPRESSÃO Luz e escuridão são os criadores primordiais no sentido macrocósmico. Eles formam a grande polaridade a partir da qual se originou toda a criação no início dos tempos. A escuridão veio antes. Ela é a mãe da substância que tudo envolve, tudo permeia, tudo carrega. A escuridão é a expressão da simpatia cósmica, despejando-se continuamente, envolvendo, carregando. É portadora do calor, do amor e da gravidade – essa força de atração que é uma expressão de simpatia. A escuridão preenche, dá substância, mas em si não possui forma e não tem possibilidade de dar forma (...). A escuridão veio antes da luz, é o princípio primeiro da criação, sendo também o mais poderoso. É isso que dá o impulso. Há uma certa atividade de vontade nela (...). A escuridão está ligada a todas as qualidades de bondade, de alimento, de suporte, de cuidado amoroso, de crescimento e de sustentação. (...) Em nós, a luz da consciência e a escuridão da substância se encontram e interagem de muitas maneiras e entre estes dois polos existe o mundo multicolorido da alma. (... ) Muitas doenças, como por exemplo o medo de viver, em crianças e em adultos, vem do medo da escuridão. Há muita diferença entre a escuridão que se menciona aqui e o mal. Eu não estou me referindo a uma escuridão da alma, mas à escuridão da vontade, que nos suporta. Sem esta escuridão não poderíamos encarnar, nosso Eu não poderia estar aqui na Terra, nesse estado de consciência. Naturalmente a encarnação também se deve à luz.(...) Luz e escuridão são uma experiência espiritual que tem a ver com a encarnação do Eu. Liane Collot D‟Herbois

1

Através do que Goethe chamou de “polaridade primordial” – luz e escuridão – chega-se aos “fenômenos primordiais”: luz turvada faz surgir a cor amarela que pode ser intensificada até o vermelho e escuridão clareada faz surgir o azul. O amarelo surge a partir da luz (turvação) e o azul surge a partir da escuridão (clareamento). Márcia Abumansur

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2

Se nos identificássemos com o azul, percorreríamos o mundo sentindo necessidade de progredir cada vez mais a fim de subjugar em nós o egoísmo, de tornar-nos macrocósmicos; sentiríamos necessidade de desenvolver dedicação, e sentirnos-íamos felizes em poder permanecer nessa idéia pelo fato de a misericórdia divina vir ao nosso encontro. O quanto nos sentiríamos agraciados com a misericórdia divina ao percorrer o mundo! (Rudolf Steiner (19...) Azul é o “resplendor da alma”; esta pode estender-se nele indivisa, expandir-se para fora da prisão na Terra e até mesmo tornar-se macrocósmica. O processo de acalmar-se parte da vivência do azul, pois esta é a cor do lado cognitivo de nossas faculdades anímicas. A alma inquieta pode recolher-se para uma retrospectiva. (...) O azul representa a totalidade das forças anímicas do corpo astral superior, até onde as formamos cognitivamente em nós. De um lado o azul tende, como as forças da cabeça, à densificação e ao elemento terra. A Terra, como um todo, segue como “estrela azul’ pelo espaço cósmico. Visto de fora, seu cerne escuro é vislumbrado em azul através do manto atmosférico iluminado. De outro lado, o azul se estende ao infinito. Ele nos atrai saudosamente para longe, sendo que a nostalgia da pátria espiritual reside no fundo de cada alma enquanto esta permanece na encarnação física, só que encoberta pelo colorido das imediações. Isto nos reconduz à caracterização de Rudolf Steiner, no sentido de que nos tornamos mais macrocósmicos na identificação com o azul. Margarethe Hauschka

3

Quem considera a vida totalmente falida, quem nunca espera poder sair do rio, do pântano negro, também se acha incapaz de criar qualquer coisa de bom; mas se como terapeuta eu trabalho de modo a conduzir o paciente a um belo lugar, um lugar edificado com suas próprias mãos, então obterei os melhores resultados. Quem se acha incapaz de qualquer coisa de bom na vida, quem se sente inferior aos outros homens, será convencido do contrário pela evidência da harmonia alcançada pelas próprias criações e pela beleza simples que flui das cores. Não existe melhor sentimento para o depressivo do que receber opinião


Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo positiva por seu sentimento renascido. As formas e as cores permanecem como testemunhas inconfundíveis de que é pelo menos exagerada e pessimista a imagem obscura que o depressivo faz de si. E se as palavras forem incapazes de admitir o valor e a harmonia alcançados pela alma, seguramente ajudarão a abrir com firme delicadeza o cofre de um coração envolto nos véus cinzas da melancolia. Com tal ação o terapeuta procura dar força de vontade ao paciente, atuando na região hepática, que é a causa da paralisia no físico e da apatia psicológica. O sucesso obtido em uma atividade que junta sentimento e vontade é um valioso impulso para reencontrar o ritmo e o modo de vida são e ativo, é o corpo vital fortemente revitalizado com base orgânica e psicológica para melhorar a alma. Giuseppe De Lucca

4

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. D‟HERBOIS, Liane Collot. Luz, Escuridão e Cor na Pintura Terapêutica [ apostilado ] (s.d.) 2. ABUMANSUR, Márcia. Entre a luz e a escuridão, o espaço da cor e da alma. II Caderno da AURORA. ABTAA - Associação Brasileira de Terapeutas Artísticos Antroposóficos, São Paulo, 2010 3. HAUSCHKA, Margarethe. Natureza e tarefa da pintura terapêutica, Ed. Antroposófica, São Paulo/SP, 2003. 4. DE LUCCA, Giuseppe. Terapia Artística na depressão. In: Terapia Artística, ABTAA - Associação Brasileira de Terapeutas Artísticos Antroposóficos, São Paulo, 2007 [Apostilado]

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Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo ANEXO 2

3ª consulta: 10/05/16

RELATO MÉDICO – PACIENTE F.R.

Queixas de insônia, falta de energia, irritabilidade, medo, cansaço. Se sente sobrecarregada nas funções da casa (sem ajuda do marido).

MÉDICA: Waldyvia Machado

IMPRESSÃO: Predomínio das forças do peso, vontade estagnada, pensar sem clareza.

1ª consulta: 16/12/15 QP: Dificuldade para engravidar HDA: Queixas anímicas de medo, raiva, agressividade com a filha pequena, culpa, tristeza, desespero, não conseguir se sentir relaxada, sentimento constante de fracasso, impotência, autocobrança, frustração no trabalho (professora universitária), esgotada, não conseguindo corresponder aos cenários ideais que cria para si.

TRATAMENTO: Dirigido à região hepática, uso de medicamentos com órgãos (fígado e coração). Encaminhada à Terapia Artística com Simone de Fáveri. Nux vômica D4 Stressdoron Cor ferrum siderium D8 – Adesivos Hepar-magnesium-chorophylla D8 – Adesivos

HPP: DM gestacional (1ª gestação) Uso de anti-depressivo em 2014 durante a gestação Endometriose IMPRESSÃO DIAGNÓSTICA: Estado depressivo. Estagnada nas forças da cabeça, pensar repetitivo, negativo, relacionado com o passado, sem clareza. Sentir denso, sem movimento. Vontade enfraquecida, sem direção. TRATAMENTO: Trazer forças de luz para a região do SNS movimento para a esfera rítmica e ativação para a esfera metabólica. Coração e fígado. Madona Sistina (observação à noite). Cichorium stanno cultum / Cardiodoron / Argentum Met- praep. D8

4ª consulta: 13/06/16 Se sente paralisada, não consegue direcionar suas intenções, marido ausente, sem motivação para o trabalho, tristeza, sem conexão com seus sentimentos, insônia, meteorismo, agressividade com a filha. TRATAMENTO: Medicamento para o estado depressivo, para vitalidade e conexão com o sentir. Continuar Terapia Artística. Hypericum auro culta / Stibium Met D8 Bryophyllum argento cultum Manter Cor ferrum siderium magnesium-chorophylla D8

D8

e

Hepar-

Stressdoron Cor- Ferrum siderium D8 – Adesivos

5ª consulta: 06/07/16 (14ª semana de gestação)

Hepar magnesium chorophylla D8 – Adesivos

Sente-se melhor animicamente, mais conectada. Ainda com dificuldade de agir positivamente. Sente-se vítima das situações. Buscando dar limite para a filha. Se sente sobrecarregada no trabalho, mas fez um novo movimento e tomou decisões. Melhor da insônia.

2ª consulta: 20/04/16 Paciente se sente muito feliz porque engravidou. Relata sensação de liberdade e bem-estar. Se sente no seu lugar. Melhorou com a filha, diminuiu a agressividade. Confiante. TRATAMENTO: medicamentos para apoio à gestação, manter o objetivo da consulta anterior. Stressdoron Aurum Met D8 Bryophyllum argento cultum 48

TRATAMENTO: manter medicação anterior. Acréscimo de medicação para ansiedade. Ansiodoron

6ª consulta: 05/10/16 (27ª semana de gestação) DPP: janeiro 2017


Contempl ação e Có pia para Grávida em Estado Depressivo Melhor de ânimo, mais disposta, com vontade de realizar, com vitalidade. Percebe que a terapia artística é de muita ajuda. Sem crise de agressividade com a filha. Fazendo hidro-ginástica. Marido desconectado e distante. Deseja se desligar do trabalho. Lentidão ao agir, cansaço à noite. Sono irregular, rinite seca, hemorroidas, glicose normal. TRATAMENTO: medicamento para desligar na cabeça e melhorar o sono. Calciodoron 1 e 2 Cardiodoron Hepatodoron Malva / Phosphorus D 25 / Bryophyllum TM – Noite Nux vomica D4 / Robinia D3 / Ferrum siderium D10 / Pancreas D4

7ª consulta: 06/12/16 (36ª semana de gestação) Paciente suspendeu a medicação por conta própria. Piora do quadro em relação ao ânimo e às forças da vontade. Bem com a filha, amorosidade, trabalhando-se para aceitar o parto, que provavelmente será cesárea (pélvico) TRATAMENTO: Retorno à medicação anterior. Manter Terapia Artística. Hypericum auro culta /Kalium phosphoricum D6 Chelidonium ferro cultum /Hepar- magnesium D4 Calciodoron 1 e 2 Gelsemium D6/ Myristica sebifera D4 Pomada de Berberis – seios da face a AVALIAÇÃO GERAL: Houve melhora do quadro após introdução da Terapia Artística com tratamento anti-depressivo.

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Depressão: Aspect o s Impactantes da Doença

DEPRESSÃO: ASPECTOS IMPACTANTES DA DOENÇA E EXPERIÊNCIA PESSOAL COM TERAPIA ARTÍSTICAi Raquel Schramm ii RESUMO: Uma das razðes para a escolha deste tema foi o fato de que a depressão afeta 350 milhðes de pessoas no mundo, ou seja, não é um assunto restrito a uma região ou país. Pessoalmente tornou-se um tema importante para mim, quando experimentei um episódio depressivo profundo e de curta duração, o qual restringiu o meu pensar e o meu sentir e paralisou, na verdadeira acepção da palavra, a minha vontade. Na primeira parte deste artigo são descritos aspectos relativos à depressao, abrangendo a visão de seu impacto econômico, uma breve passagem pela história da doença através do desenvolvimento da humanidade, a frequência da doença no mundo, relação causa-efeito no episódio depressivo e a doença do ponto de vista antroposófico. A segunda parte deste trabalho descreve, em ciclos de sete anos, curta biografia do artista Edvard Munch e do psiquiatra holandês Kuiper, que conviveram com a depressão. Por último, na terceira parte deste artigo, a minha vivência em termos artísticos, com a obra “O grito”. Palavras-chave: artes plásticas, arteterapia, depressão, psiquiatria, terapia artística ABSTRACT: One of the reasons for choosing this topic was the fact that depression affects 350 million people worldwide, meaning it is not restricted to a region or country. Personally it became an important subject for me when I experienced a deep depressive episode of short duration, which restricted my thinking and feeling, paralyzed my will, in the true sense of the word. Aspects of depression are described in the first part of this article, covering the vision of its economic impact, a brief passage about the history of this disease through the development of humanity, statistics about depression cases in the world, aspects of the cause-effect on depressive episodes and aspects of depression according to the Anthroposophy concept. The second part of this work describes, in cycles of seven years, short biography of the artist Edvard Munch and of the Dutch psychiatrist Kuiper, who experienced depression. Finally, the description of my own experience in artistic terms with the work "The Scream”, in the third part of this article. Key-words: visual arts, art therapy, depression, psychiatry, artistic therapy

i

Trabalho de finalização do curso de terapia artística na escola Ita Wegman Bildungsstätte em Weimar / Thüringen, tendo como mentora Dagmar von Freytag-Loringhoven

ii

Terapeuta Artística, Rua Campos Sales, 1491, 13416-310 Piracicaba, SP - E-Mail: raqschramm@web.de

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Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença

PARTE I Introdução De acordo com Marcus et al. a Organização Mundial de Saúde – OMS (1,2), a depressão contribui significativamente para o fardo global das doenças e afeta comunidades em todo o mundo. Segundo Marcus et al. (1) a estimativa mundial é de 350 milhðes de pessoas afetadas pela depressão e de um milhão de vidas que são perdidas anualmente pela prática de suicídio. Jekins and McDaid (3) estudaram a correlação do impacto da depressão com o fardo econômico no mundo. Segundo os autores, embora os efeitos de uma saúde física deficiente não seja a causa primordial da depressão, a longa duração do estado depressivo tem impactos negativos maiores que a maioria das doenças físicas agudas. A depressão pode atingir tanto mulheres como homens, estudantes, pensionistas, funcionários públicos, desempregados ou ser uma experiência de conviver com um membro da família que sofre de depressão. A depressão causa inatividade de empregados da área produtiva e seu tratamento apresenta alto custo, o que tem relação direta nos custos sociais e econômicos de um país e deveria despertar o interesse dos governos de todos os países. Se a depressão como doença em si está diretamente relacionada com a riqueza, ou é apenas um reflexo desta, a questão é que esta doença tem consequências econômicas e sociais para um país. Opiniðes divergentes a parte, o fato importante é que por trás das estatísticas relativas à depressão existem seres humanos e não somente números. Segundo estatísticas encontradas na pagina virtual "latina-prima" de 2008 (4), a porcentagem de uma população deprimida pode estar entre 20% e 26%, por exemplo, em países como Índia, Japão, Hungria, Portugal. As estatísticas para os Estados Unidos, Espanha, Brasil e Noruega é de uma porcentagem de 8% a 10% e em uma faixa mais baixa entre 4% e 6% nos Países Baixos, Alemanha, Noruega. Um porta-voz da OMS para o Departamento de Saúde Mental, Shekar Saxena (4) colocou um ponto de vista: "A depressão tem muitas causas, algumas biológicas, mas algumas dessas causas 52

vêm de poluição ambiental e as pessoas de muito baixa renda, naturalmente, sofrem mais estresse na sua vida quotidiana do que os ricos. Então, não é surpreendente que eles sofram, por isso, mais de depressão." Segundo o professor de psicologia na Universidade Autónoma de Barcelona, Àngel Farlete (5): "Os países ricos protegem os seus cidadãos dentro da estrutura social. A satisfação das necessidades básicas, tais como alimentação adequada, um teto sobre sua cabeça ou a formação são regulados, em princípio, no momento do nascimento. Pelo fato de não terem de lutar tanto para sua sobrevivencia, seriam, por esta razão, mais susceptiveis à depressão ou doenças emocionais?" Por outro lado, Farlete (5) afirma que a Espanha é um dos países da União Européia, no qual há a menor incidência de pessoas que sofrem de depressão. Outros cientistas estão convencidos de que a doença é influenciada pelos fatores: estresse da sociedade moderna e a quantidade de luz solar disponível para a pessoa afetada. Na Finlândia, muitas pessoas se aposentam por causa de depressão. Para reduzir a frequência de casos depressivos, o Ministério para Assuntos Sociais e da Saúde lançou um projeto em que foca o bemestar no local de trabalho (como por exemplo, a iluminação), assim como o tratamento da depressão em si (5). A depressão pode, pois, ter muitas causas, e pode se manifestar de muitas formas diferentes. As causas variam desde distúrbios metabólicos, ingestao de medicamentos, até trauma psicológico. A depressão tem sido conhecida, por conseguinte, também como uma doença com múltiplas faces. Há um consenso, segundo Zeibig (6), de que entre os transtornos mentais mais comuns, a depressão é a mais importante, sendo que as mulheres são duas vezes mais propensas a depressão do que os homens. Segundo Buchillon, no Brasil a depressão afeta cerca de 36 milhðes de pessoas. O prognóstico sugere que até 2020 a depressão venha a ser a segunda doença mais comum depois da doença cardiovascular (7).


Depressão: Aspect o s Impactantes da Doença Depressão: mudança de visão através dos tempos No dicionário Wahrig (dicionário da lingua alemã) (8) a depressão é definida como humor deprimido e a palavra melancolia como transtorno de humor, depressão, desânimo persistente. No dicionário Langenscheidt (9) (dicionário da lingua alemã) – a palavra “depressão” aparece como palavra estrangeira na língua alemã, definida como um estado de tristeza, desanimo ou melancolia, em que muitas vezes, sem uma razão e por um período longo, descrita, curiosamente, como uma ”paralisia da vontade”. As duas obras de referência definem depressão e melancolia como o mesmo estado da alma. No entanto, na minha percepção, para o uso geral, a diferença entre as expressðes indica o grau de intensidade da mesma doença. A palavra depressão é derivada da palavra latina deprimere. Fato é que, antes do século 16, a palavra melancolia era utilizada para designar essa doença. A palavra depressão significava um estado melancólico na Inglaterra de 1660 e esse termo comecou a ser utilizado, para designar esse estado da alma, mais largamente em meados do século 19. A leitura de Andrew Solomon (10) nos sucitou a seguinte pergunta: Esse estado de espírito é uma característica do homem moderno? Embora a depressão seja reconhecida no nosso tempo como uma doença muito comum, Solomon considera um êrro grosseiro assumir que a depressão é um transtorno ou uma doença da era moderna. Ainda segundo Andrew Salomon, referência básica para o histórico que segue, a modernidade retoma o conhecimento da antiga ordem, para o qual uma mente sã está presente num corpo saudável e reafirma essa ordem associando todas as doenças mentais a um defeito físico. Ele resume a história da doença durante o desenvolvimento da humanidade, começando com a antiga arte de cura, que tinha como base a teoria dos quatro humores constitutivos do ser humano: muco, sangue, bile amarela e bile negra. Há suspeitas de que se relacionou a produção da bile aos conceitos chole (bile) e cholos (raiva).

Dessa conexão deve, então, advir a importância da “escuridão da ira” que resultou na expressão de sentido figurado “bile negra”. Acredita-se que a percepção de escuridão era relacionada a uma experiência negativa ou dolorosa, assim como o termo “bile negra” foi utlizado para caracterizar esse estado anímico (10). Na antiguidade, Hipócrates acreditava que a melancolia era um problema relativo ao cérebro, sendo assim essencialmente físico. Ao contrário de Hipócrates, iniciador da observação clínica, Aristóteles enfatizou a importância do espírito na relação com a melancolia. Ele desenvolveu a teoria da personalidade unificada, estabeleceu a teoria relacionando alma e corpo, que se influenciam mutuamente, e, por consequência, produzem doenças físicas ou não e não físicas. Em sua descrição da natureza do homem, Aristóteles não parte do ponto de vista da anatomia. O cérebro era para ele um “órgão centro sem senciência”, o coração seria um mecanismo que regularia os quatro humores entre si e esse equilibrio poderia ser desregulado pelo calor (calor como tendência para a ação) e pelo frio (frio como tendência para a reflexão). Ele não apresentava melancolia como algo negativo, mas, como Platão, como uma loucura divina, que poderia ser tratada em um contexto médico. Ele se perguntou sobre os homens notáveis, aparentemente melancólicos, e assumiu que, deveria ser essencial certa quantidade de bile “negra” fria para ser gênio. A compreensão da melancolia e da natureza humana foi sendo modficada através dos tempos, como descreveu Salomon (10). Herophilos von Chalkedon introduziu no século I d.C. o conceito de que o cérebro é um elemento de controle da instância central do sistema nervoso. Ainda no primeiro século, Menodotos von Nikomachia recomendava heléboro (Helleborus é um gênero botânico da família Ranunculaceae) para o tratamento de melancolia, o mesmo procedimento que Hipócrates. Menodotos indicava, assim como Aristóteles, o auto-exame, e complementava o tratamento de melancolia com ginástica, viagens, massagens e tratamento com águas medicinais, procedimentos esses semelhantes aos utilizados hoje no tratamento da doença. Ainda no mesmo século, Rufus von Ephesos percebe a “ loucura/delírio” como um fenômeno inde53


Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença pendente, coloca a idéia de que “espírito/mente” e “delírio/loucura” são coisas diversas e considera que a melancolia poderia acometer pessoas saudáveis. Ele também aponta a combinação de desequilíbrio hormonal como causa da melancolia e identificava como principais causas para esse estado da alma,os opulentos pratos de carne, a falta de exercício fisico, o gozo excessivo de vinho tinto e o excesso de esforço mental. No século II d.C., o médico pessoal do imperador Marco Aurélio, Claudius Galeno, um importante seguidor de Hipócrates, complementou o trabalho de seu predecessor com base neurológica e psicológica. Ele descreveu o cérebro como a sede da alma física, o que é conhecido hoje como psique, o que significava que sobre essa alma havia uma instancia superior, um Eu superior, que governaria o corpo, como Deus, uma Entidade Superior, comanda o mundo. A partir do conceito dos humores, ampliado com o conceito de temperatura e aspectos de umidade, ele formulou o conceito de nove tipos de temperamentos/alma para caracterizar as pessoas. No século III a.C. por Erisistratos von Julis diferencia o cérebro em quatro regiðes ou ventrículos. A ascensão do cristianismo e a queda do Império Romano significaram uma reviravolta desfavorável para os melancólicos. Galeno, como autoridade médica, contradizia, com seus conceitos, o paradigma da igreja e, assim, cada vez menos seus conceitos foram empregados. Agostinho (séculos IV e V d.C.) explicava que com a perda da razão, o homem se igualava a um animal e que desagradava a Deus. O clero interpretava a tristeza como uma consequência da renúncia a todos os santos e encontrou na bíblia, na história de Judas, o apoio adequado a esse ponto de vista. No século XIII, durante a Inquisição, a melancolia era considerada um pecado e deveria ser punida. Dos nove pecados reconhecidos pela Igreja na Idade Média, os quais mais tarde foram reduzidos a sete, estava o pecado de acidia, cujos sintomas eram semelhantes à depressão do nosso tempo. Acidia foi considerado um pecado complexo, descrito como indolencia, como não se esforçar na prática de qualquer boa ação, cansaço, apatia, melancolia, tristeza, entre outros atributos. Porém, distinguia-se acidia da idéia de tristia (tristeza), significando pessoas penitentes que retornavam a 54

Deus. Hildegard von Bingen relacionou acidia ao pecado original: “Mas quando Adão pecou, a bile se transformou em amargura e melancolia tranformou-se na escuridão pela ausencia de Deus.” Houve uma desmoralização da melancolia durante a Idade Média, mas durante a Renascença esta passou a ser glorificada. Nesse período da historia da humanidade, os pensadores voltaram a se concentrar na filosofia praticada na Antiguidade, o que significava buscar a explicação para a melancolia como uma prova da “profundidade” da alma, ao invés de aspectos médicos. Marsilio Ficino, um escritor da Renascença, considerou a melancolia como um poder criativo e se sentia grato por essa força criativa tão necessária para a inspiração. Mesmo durante a Renascença a melancolia era um fenomeno que dividia opiniðes, chegando a ser associada com a magia no norte da Europa e no sul associada com a genialidade. No decurso do século XVII, o argumento de Ficino sobre a melancolia foi utilizado na Holanda por Levinus Lemnius, na Espanha por Huarte e Luis Mercado, na Itália por Joannes Baptista Silvaticus, e na França por Andres Du Laurens. Eles espalharam a idéia de que pessoas melancólicas eram melhores e mais inspiradas, assim a concepção aristotélica de melancolia tornou-se moda na Europa. Entre os séculos XVII e XVIII a ciência progrediu com novas teorias médicas e biológicas sobre distúrbios cerebrais. Nicholas Robinson desenvolveu um modelo de “fibra fisiológica”, passando-se a entender a melancolia como uma falta de elasticidade das fibras. Herman Boerhaave considerava o corpo como uma máquina permeada de alma e explicava as funções do corpo a partir do ponto de vista do sistema hidráulico. Por conseguinte, a natureza humana, em princípio, buscava a ordem e, consequentemente, distúrbios, tais como nos casos de melancolia, eram um desvio do funcionamento normal da máquina. No século 18 buscava-se esclarecer a relação entre corpo e espírito/mente. O melancólico não era mais visto como “ser demoníaco”, mas apenas como um ser fraco e incapaz de autocontrole, ao contrário de um homem saudável e sensato. Mas no final do século 18, a visão do movimento Romântico sobre a melancolia voltou a ser a mesma da visão nos tempos de Ficino, ou seja, glorificada como força criativa.


Depressão: Aspect o s Impactantes da Doença No século XIX, Philippe Pinel introduziu reformas. Ele sugeriu moralizar o tratamento de doentes mentais, entre os quais se contabilizava as pessoas melancólicas. Pareceu-lhe que esta era a única abordagem possível, enquanto o estudo da anatomia e patologia do cérebro ainda não apresentavam uma clareza suficiente sobre as causas da melancolia. Nessa época começam a se estabelecer e se propagam hospícios para tratamento de doenças mentais. Na Inglaterra, contabilizavase em 1807 cerca de dois hospícios em uma população de 1.000 moradores com doença mental (incluindo os melancólicos), em 1844 cerca de 12 hospícios para 1.000 habitantes e em 1890 cerca de 29 hospícios para o mesmo número de habitantes. Ainda no início do século XIX o sistema foi refinado, as instituições introduziram comissðes especializadas de profissionais, a classificação de doenças começa a ser feita, e reconheceu-se que há sintomas que podem se sobrepor uns aos outros. O psiquiatra alemão Wilhelm Griesinger foi o primeiro a reconhecer o fato de que alguns transtornos mentais poderiam ser tratados, outros até curados. Com base nessa constatação, as instituições foram utilizando diversos métodos de tratamento e o melancólico voltou a ser novamente um ser humano. Além disso, Griesinger prescrevia aos seus próprios pacientes um tratamento medicamentoso para a melancolia. Durante a revolução industrial, em relação às novas teorias evolucionistas e à visão de mundo mecanicista, o filósofo americano William James escreveu: “A ordem física da natureza, explicada sob o ponto de vista da ciencia natural, não constitui divulgação de qualquer intenção divina unificada, assemelha-se muito mais a uma previsão do tempo.” No século XX, esclarecimentos sobre o fenomeno depressão têm sido estudados sob vários pontos de vista. Com Freud, uma moderna teoria da depressão começou com uma abordagem do inconsciente. Karl Abraham (neurologista e psiquiatra alemão do início do século XX) considerou uma relação existente entre depressão e ansiedade, entre receio e tristeza, onde há o receio de um desastre que se aproxima e, em seguida uma sensação de “luto”. Em outras palavras, o medo seria a dúvida em relação ao futuro, seguida de tristeza pela inquietude em relação ao passado.

A concepção da relação entre espírito/mente e cérebro do psiquiatra suíço-americano Adolf Meyer foi moldada pelo filósofo William James e John Dewey. Sua formulação foi a convicção de que as pessoas podem mudar. As pessoas podem mudar não somente com a ajuda de medicamentos para eliminar uma fraqueza biológica ou por descartar equívocos, mas através da autorealização aproveitando a oportunidade para mudar seu modo de vida e se tornarem menos propensas à doença mental. Finalizando as considerações históricas de Andrew Solomon, a humanidade, de tempos em tempos, já foi alternadamente religiosa e incrédula, mas o abandono da idéia de um deus e do compreender evoca medos profundos. Esta é a melancolia da Modernidade, a idéia da perda de “Deus” incomoda ainda mais profundamente do que a condenação eterna. Uma perda de Deus ou nos desconectamos de nós mesmos da “deidade viva e universal”?

Frequência da doença no mundo A Organização Mundial da Saúde (OMS) (11) define a doença como um transtorno de humor, e transtorno de conduta psíquica - sob CID-10 (11) (F30-F39): Este grupo inclui transtornos cujos sintomas podem consistir em uma mudança de humor ou emocional, quer para a depressão principal - com ou sem medos ou acompanhado de ansiedade/euforia. Esta alteração de humor é geralmente acompanhada por uma mudança no nível de atividade geral. A maioria dos outros sintomas estão relacionados ou com esta mudança de nível de atividade, ou são fáceis de entender em conexão com a alteração de humor. A maioria destes distúrbios tendem à recaída. O início de cada episódio, muitas vezes, pode ser iniciado por eventos estressantes ou situações relacionadas a estes. A depressão está, então, associada ao fenômeno básico da experiência humana. Como menciona Buchillón, a sindrome depressiva do ponto de vista etiológico é multifatoria.l (7). De forma geral sentimentos depressivos, diante da tristeza ou do desespero ou da perda de parentes, ou de conte55


Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença údo de vida, ou uma sensação de fracasso podem ser vistos como uma reação, por ser uma experiência básica inerente ao ser humano. Por outro lado, tal experiência poderia ser vista como uma possibilidade ou chance de reorientação da vida das pessoas afetadas. Em homens, a probabilidade de sofrer de depressao está acima de 12 % e em mulheres em até 26%.(12). No geral, isso afetou cerca de 20 % dos alemães uma ou várias vezes na vida, de acordo com o site "vitanet.de" (12). Ainda segundo essa fonte, a questão é se as estatísticas oficiais sobre casos psiquiátricos levam em conta o fato de que homens deprimidos apresentam mais dificuldade em lidar com seus sentimentos do que as mulheres e que, para eles, é mais difícil procurar ajuda do que para as mulheres. Ou mesmo o fato de que as mulheres tem mais facilidade para compartilhar seus sintomas depressivos do que os homens. Perguntamo-nos então: E como se apresenta essa problemática em relação à população do mundo? Uma pesquisa mundial de saúde mental (1) realizada em 17 países descobriu que, em média, cerca de 1 em cada 20 pessoas relataram ter vivido um episódio de depressão no ano anterior. Os transtornos de depressão muitas vezes começam em uma idade jovem. Esses transtornos reduzem o “funcionamento” das pessoas e, muitas vezes, são recorrentes. Por estas razões, a depressão é a principal causa de incapacidade em todo o mundo em termos de total de anos perdidos devido à deficiência. Segundo a instituição iFightDepression (Alianca Européia contra a Depressão), com base em informação da World Health Organisation (WHO), cerca de 20 milhðes de europeus sofrem de depressão por ano (13). Existem dois sistemas diferentes que tratam da classificação dos transtornos mentais: CID-10 (11). (Classificação Internacional de Doenças) e DSMIV-TR 2000 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) (14). A classificação desta última foi criada, especificamente, para diagnóstico de doença mental. Estas classificações podem ser corrigidas ou modificadas em determinados períodos, sendo o ano da correção ou modificação dado no título do sistema de classificação. As duas classificações são internacionalmente acei56

tas, tanto o CID-10 quanto o DSM-IV-TR, levam em consideração a gravidade e a duração da doença. A descrição dos transtornos de humor na classificação CID-10 são encontrados sob os itens de F30 a F39. Um episódio depressivo ou maníaco (com ou sem ansiedade ou euforia) é frequentemente causado por eventos ou situações de estresse, ou está realacionado com eles. Há semelhança no estado de depressão e no processo de luto. No entanto, no processo de luto a dor causada esta relacionada com o "objeto" da afetividade, com o qual há uma relação afetiva muito próxima, porém não há sentimento excessivo de culpa ou de autodesvalorização, como descrito no CID 10 F43.2.

Relação causa-efeito no episódio depressivo Com frequência é possível encontrar pelo menos uma causa para um episódio depressivo no ambiente externo. O risco de depressão, como doença, será aumentado à medida que se adicionar fatores como a ansiedade, os vícios e os distúrbios graves de personalidade. Também fatores de estresse agudo como o isolamento, o desemprego e a dificuldade financeira podem ter consequências graves para o desenvolvimento de uma doença depressiva. Outros fatores importantes de riscos podem agravar o quadro da doença, como crises da vida, experiências de perda e solidão. Pessoas sós ou separadas parecem tender a um risco significativamente aumentado de doença. Todos os processos que ocorrem no corpo são controlados através da manutenção de células nervosas que trocam informações entre si. Neste processo são utilizadas determinadas substâncias mensageiras. Acredita-se que as pessoas, quando em estado depressivo, apresentam um desequilíbrio dos neurotransmissores serotonina e noradrenalina (16). Assim, presume-se que na fase depressiva frequentemente um “aparente pouco" destes mensageiros noradrenalina e serotonina atingem o cérebro, enquanto que em episódios maníacos, ao contrário, há um “aparente excesso" de dopamina e noradrenalina presente. Ambos os mensageiros são substâncias químicas, responsáveis pela transmissão de sinais entre as células nervosas e que em grande parte determinam o nosso humor e nossa capacidade de agir e pensar.


Depressão: Aspect o s Impactantes da Doença A medicina convencional também considera os níveis de serotonina como responsável pela mudança de estado de espírito, levando em conta a variedade de funçðes relativas à serotonina no corpo humano, em particular no sistema cardiovascular, no trato gastrointestinal e no sistema nervoso. Acredita-se que o neurotransmissor serotonina age aumentando impulsos, o que afeta o humor, o bem-estar e o ciclo circadiano. Na falta de serotonina ocorre, frequentemente, humor deprimido. A falta de luz também pode aumentar o risco de desenvolvimento de um estado depressivo, provocando carência de motivação e cansaço, perturbação do relógio interno e desequilíbrio hormonal. A glândula pineal (como o “portal da consciência”) tem sido responsabilizada por secretar a melatonina. Curiosamente, ambos os neutrotransmissores, melatonina e serotonina, são produzidos a partir de amino ácido L-triptofano. Como é sabido, o consumo de alimentos ricos L-triptofano-(nozes, bem como o chocolate, banana, uvas, entre outros) podem contribuir positivamente para a redução de determinadas situações depressivas. Os dois transmissores (serotonina e melatonina) levam a um outro aspecto - o do ritmo de sonovigília. O ritmo circadiano desempenha um grande papel na depressão. As pessoas deprimidas reclamam do iniciar e do manter o sono, ou do acordar pela manhã. As fases do sono podem ser caracterizadas considerando-se três variáveis fisiológicas que compreendem o EEG, o eletromiograma (EMG) submentoniano e o EOG. Os dois padrðes fundamentais de sono são o sem movimentos oculares rápidos (NREM) e com movimentos oculares rápidos (REM). Na última etapa após o sono profundo REM (movimento rápido dos olhos), o homem é suavemente levado da consciência da noite para a sua consciência do dia (17). O estágio REM para recém-nascidos é, em média, 50% do seu tempo de sono (18). Assim, o recém-nascido permanece metade do tempo de seu sono em um sono profundo, os adultos tem a fase de sono profundo encurtado, e 25% das pessoas deprimidas passam do sono REM direto para a consciência do dia. Há evidên-

cias de que o estado depressivo pode piorar no período da manhã. Está provado que o tratamento de “permanecer acordado” (19,20) (Wachtherapie, introduzida pelos psiquiatras alemães Walter Schulte e Rainer Tölle) funciona, ou seja, a privação do sono sob condiçðes controladas, mas os investigadores não têm qualquer explicação clara para isto. O efeito dessa terapia é curto, mas pode apoiar outros tratamentos e as vantagens são de simples execução, não causa incômodo adicional ao corpo e os efeitos são sentidos rapidamente. A pesquisa do sono como uma ciência é um ramo relativamente novo da medicina, que estuda a função e os mecanismos do sono. Os pesquisadores sabem com certeza que os seres humanos e os animais precisam dormir para sobreviver. No entanto, ainda não são conhecidas todas as funções do sono. Além de todos estes fatores, que podem ser considerados em um episódio depressivo, existe a diferença para homens e para mulheres do nível de percepção e aceitação da doença. O site da internet da rede de hospitais "Schön Klinik” (21) para doenças psicossomáticas, na Alemanha, indica que as mulheres lidam melhor com a depressão que os homens. Enquanto as mulheres com depressão se preocupam e reclamam, os homens tendem à agressividade e irritabilidade, o que pode ter implicações importantes para a gestão da sua doença. Provavelmente, em estados depressivos os homens se sentem atingidos em sua "masculinidade”. Ao contrário dos homens com depressão, as mulheres doentes buscam ajuda externa, enquanto os homens silenciam. Aparentemente, esta é a razão pela qual a depressão causa três vezes mais vítimas de suicídio entre os homens. O paciente masculino típico encontra-se muitas vezes sob pressão profissional ou sob pressão financeira. Para eles a aposentadoria, a demissão ou o divórcio é sentido como um insulto pessoal e não têm a capacidade de lidar adequadamente com os seus sentimentos. Em tais situações ocorre frequentemente a depressão. Se o ser humano fosse apenas um ser físico, a doença, poderia ser explicada em certa medida. No entanto, o caminho para eliminar a doença ainda permanece indefinido. 57


Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença De acordo com o testemunho de Flach (22), durante mudanças na vida, uma fase depressiva é inevitável. Flach descreve três avanços em uma fase depressiva: lidar com o julgamento de si mesmo, observar suas relações com os outros e a capacidade de lidar com condições difíceis de vida. A felicidade fortalece o nosso “bom-humor” (Gemütsempfinden) e a vontade de viver, já a infelicidade, no entanto, desenvolve em nós a capacidade de compreensão e a sabedoria (22). Assim, depressão não deve ser considerada apenas como uma doença, mas também como uma possibilidade de desenvolvimento do ser humano, porque o desafio intrínsico desse processo é superar-se. A doença pode adquirir um aspecto positivo.

Depressão sob a visão antroposófica Para entender a visão antroposófica sobre a depressão, o ser humano deve ser entendido como um cidadão dos três mundos, como Rudolf Steiner descreve em seu livro “Teosofia” (23). O “homem tríplice” constitue-se de corpo físico, alma e espírito. Por um lado, o corpo físico do ser humano constitue-se de matéria, elementos físicos da terra, e, como tal, está sujeito a essas leis físicas que o regem. No seu aspecto anímico, com suas sensações e sentimentos, o ser humano cria no mundo exterior sua própria vida anímica, como um mundo interior, em cujo ambito o “querer” é uma das caraterísticas. Isto, porque o “querer” concede o impluso necessário para agir no mundo externo. Dentro das leis do sistema metabólico, o ser humano está submetido à natureza, embora em relação às leis do pensamento o ser humano se sujeita a si mesmo, porque neste aspecto o ser humano pertence a uma ordem superior, a do espiritual. Através do pensar é possível entender o nível espiritual do ser humano. O homem não age sob qualquer estímulo, impressões do exterior ou através das ações de seu corpo, ele pensa sobre suas percepções e suas ações, depois adquire conhecimentos, traz conexão racional em sua vida. O caminho do corpo para o espírito passa pela ponte da alma e por esta mesma ponte é possível 58

percorrer o caminho da doença para a cura. A partir da perspectiva antroposófica, a cura se torna possível através do tornar-se consciente. A cura consiste em alcançar, e novamente unir, o homem espiritual e o homem corporal físico. Tão importante quanto isso, é trabalhar voluntariamente o seu próprio “Eu Superior”. A depressão é do ponto de vista antroposófico, uma doença que compromete e paralisa seriamente o “querer” na alma (24), assim como no corpo físico. Tal como diz em seu livro o psiquiatra Piet Kuiper, que sofreu cerca de tres anos sob depressão psicótica. “Eu já não ria e não tinha vontade de nada. Antes, certamente eu o teria feito“ (24). Realmente não podia ser de outra maneira, uma vez que a orientação do seu impulso do querer estava paralizado. Assim, estava obstruído o caminho da ação impulsionada pelo Eu Superior, que seguindo através do “querer” atinge os órgãos do corpo fisico. Pelo relato de Kuiper suas maiores dificuldades durante o período de depressão foram: a perda da capacidade de observação de sua própria vida (como uma espécie de “antipatia” saudável ou distância para tal) e, por outro lado, a falta de suporte da atividade metabólica e dos seus membros para ativar o “querer” (resultando em não querer fazer nada). Todos estes aspectos, acrescentados da unilateralidade de seus sentimentos parecem ter sido a razão de sua incompreensão de si mesmo e do mundo, atingindo seu corpo físico num processo semelhante a um processo de “enrijecimento”. Segundo a antroposofia, todas as atividades de imaginação, de compreensão e de memória têm como base o sistema do cérebro e o sistema nervoso, estes permitem os seres humanos observarem com certa distância sua vida atual, uma espécie de "antipatia" (distância) para a vida. Por outro lado, o “querer” tem o suporte na atividade do sangue, na atividade metabólica e na dos membros. As pessoas reconhecem o mundo de uma forma diferente, de uma forma "simpática", que se refere aqui à ingestão de alimentos e à percepção através dos sentidos. Durante uma fase depressiva de luto, que promove uma unilateralidade de sentimentos, o homem se sente isolado do ambiente, comparado com o isolamento em relação ao ambiente que o crânio oferece


Depressão: Aspect o s Impactantes da Doença ao cérebro, e começa a se enrijecer. A "antipatia" saudável necessária para observar e avaliar a vida em seus detalhes, transforma-se em ódio e em incompreensão de si mesmo e do mundo. Isso desencadeia um processo de enrijecimento, de densificação e de “resfriamento” de todo o ser, chegando até os músculos. Na antiguidade, este processo era atribuído ao planeta Saturno e ao órgão baço (na antiguidade visto como a causa da “bile negra” / melancolia). Os antigos chamavam os melancólicos de “viciados em flatulência” (Blähsüchtige), porque frequentemente eram acometidos por flatulencia e o odor de regurgitação era semelhante ao odor de peixe, causada pela bile "negra" que chegava até o diafragma (10). A importância da interação da alma e dos órgãos para essa doença mental pode ser considerada de forma ainda mais abrangente. Segundo Rudolf Treichler (26), a depressão e a mania estão relacionadas com o sistema aquoso hepatobiliar. A base para a depressão seria a flutuação desse sistema aquoso para o elemento fixo (terra, endurecimento) e, no caso de mania para o elemento fogo (processo de autocombustão). À medida que a depressão se agrava, mais o coração vai sendo envolvido no processo da doença. Há também uma correlação entre a autopercepção e a estrutura do pensamento das pessoas deprimidas, como descreve Markus Treichler (27) o pensamento se concentra no que é negativo, pessimista e o depressivo desenvolve um padrão repetitivo de pensamento, pensamentos em círculos (Gedankenkreise). Markus Treichler descreve esse círculo vicioso. Essas pessoas se vêem como falhas, porque as suas exigências sobre si mesmas são particularmente elevadas, elas desconfiam do seu prestígio, de seu desempenho, de suas capacidades. Muitas vezes sentem-se responsáveis pelo seu próprio estado anímico, pois não o experimentam como uma doença, mas como seu próprio fracasso, o que as impede de procurar tratamento médico. As mudanças na vida podem ocorrer por períodos curtos ou longos. Todavia, no decorrer desses períodos, sempre haverá a possibilidade de aprendizagem no mais íntimo da nossa alma.

PARTE II Exemplos biográficos Uma breve biografia de Edvard Munch – pintor Munch era um pintor famoso e uma pessoa deprimida. Esta é uma breve descrição de sua biografia baseada na compreensão do desenvolvimento humano em ciclos de sete e de cerca de dezoito anos (nodo da Lua). Edvard Munch nasceu em 12 de Dezembro de 1863, cresceu na capital norueguesa Oslo, que ainda era chamada Christiania em seu tempo (assim chamada até 1925). Seu pai, Christian Munch – irmão do historiador Peter Andreas Munch – era um médico militar profundamente religioso com rendimentos modestos. Com 44 anos ele se casou com Catherine Bjølstadt, vinte anos mais jovem que ele, filha de um comerciante. Ela morreu aos 33 anos de idade de tuberculose, quando Edvard tinha apenas cinco anos de idade. Sua tia Karen Jölstadt assumiu a educação de Edvard e irmãos. Para a Antroposofia o desenvovimento do ser humano, desde seu nascimento, desenvolve-se segundo um processo cíclico (26). A primeira fase de sua vida (a do nascimento até sete anos) é o período de imitação e a mente da criança vibra da mesma forma com tudo o que acontece ao seu redor. Essas impressões são gravadas no corpo fisico sem o filtro da consciência. Munch perdeu a mãe. O que isto provoca na essência mais profunda do pequeno Edvard? A saúde de Edvard era lábil, porém foi sua irmã mais velha, Sophie, a próxima vítima da tuberculose. Edvard com 14 anos acompanha a lenta morte de sua irmã. Durante o período de sete a quatorze anos, as forças etéricas formativas são liberadas e convertidas levando a criança a iniciar sua experiência emocional no mundo da simpatia e da antipatia, alegria e tristeza, medo e coragem. Como Edvard lidou com estas experiências? Certamente a tia de Edvard, Karen Bjølstadt, percebeu que o pequeno Edvard era medroso. Para lidar com o medo, ela o levou a pintar, como na obra retratando a lenta morte de sua irmã Sophie. Com cerca de 18 anos e oito meses, atinge-se um ponto especial da vida e este é um ciclo que se 59


Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença repete, são os nodos lunares, uma espécie de repetição da constelação do período do nascimento. A pessoa experimenta durante sua vida em média de quatro a cinco vezes essa situação na vida. Durante o nodo lunar, o homem não somente sai do seu “antigo estado”, como também toma consciência do “novo”, que se aproxima em sua vida, como disse Rudolf Treichler (26). Com dezoito anos de idade Munch começou a estudar engenharia, mas essa era a vontade de seu pai. Logo depois ele interrompeu seus estudos e começou sua formação artística na Escola de Desenho em Christiania. Nos sete anos seguintes entre 21 e 28 anos, seu Eu Superior toma contato com seu destino no corpo físico (29). Com 22 anos Munch junta-se ao círculo de "Kristiania Boheme" (Boemios de Christiania), que se indignavam com a sociedade burguesa, seus costumes, se simpatizavam com a igualdade social e liberdade sexual. Durante esse tempo, Munch teve sua primeira relação sexual, mas a senhora neste caso era a esposa de seu primo. Essa experiência não lhe ensinou a alegria do amor, mas o sentimento de culpa e de ciúme. A partir de 1885 Munch viveu várias vezes em Paris, onde trabalhou na primeira composição de pintura A Criança Doente, nas obras Adolescente e O dia Seguinte. Em 1886 e 1889 teve a sua primeira exposição individual em uma associação de estudantes da Noruega. Quando ele tinha 26 anos, seu pai morreu. Entre 28 e 35 anos o pensar e a sensação (Gemüt) unem-se ao querer e se independentizam. A partir deste ponto, do ato de refletir nasce o “pensador” (Vordenker), enquanto o “querer” começa simultaneamente a contribuir para servir às metas espirituais reconhecidas, como descreve Rudolf Treichler (26). Munch tornou-se um artista no meio da sua vida, com 29 anos, quando ganhou fama através de um escândalo durante sua exposição em Berlim 1892. Um ano mais tarde mudou-se para Berlim, aproximou-se e fez amizades no círculo de pessoas em torno da revista fundada PAN e apresentou a série de pinturas A vida humana com obras como O grito, Vampiro, Madonna, A Voz, A Tempestade. Nesta época começou a trabalhar no Friso da Vida. 60

Em 1895 foi editado seu primeiro portfolio com oito litografias. No ano seguinte, Munch se mudou para Paris e trabalhou com litografia de cor e xilogravuras. Suas obras foram expostas no Salon des Indépendentes. No começo do novo século, Munch tinha 37 anos e em sua biografia encontrava-se no segundo nodo lunar. O século 20 foi um tempo de mudanças com muitas invenções técnicas e inovações industriais. Munch, então, tinha que viver em um mundo com aeronaves, comunicações telegráficas, teoria da relatividade de Albert Einstein, a psicanálise de Sigmund Freud independentemente de sua compreensão destes fatos. Na era do Expressionismo essas invenções eram bem recebidas, concomitantemente reconheciam-se as desvantagens decorrentes desses avanços. A nova tendencia da época em pintura, a pintura Expressionista, queria representar de forma evidente o surgimento de uma sociedade em que o homem fosse mais individualizado e mais solitário. Com o conhecimento das ciências espirituais e naturais, a compreensão das pessoas mudou. Durante a sua fase de vida de então, entre trinta e cinco e quarenta e dois anos, que é quando se atinge o ponto médio do período total das nossas vidas. Neste momento, temos mais clareza sobre o mundo, desperta a consciência na essência do mundo e, portanto, atinge-se a auto-realização de acordo com Rudolf Treichler (26). Munch foi o precursor do Expressionismo. O desenvolvimento do mundo não o ajudou a superar seus medos. Como descrito no início, Munch foi atormentado por medos quando jovem, sua mente muito instável e sua condição física levou-o a várias internaçðes em sanatório. O amor também desempenhou um papel no seu frágil estado de espírito. Em 1899 teve a experiência de um caso de amor dramático com a Bohemienne Tulla Larson de Christiania. Munch estava com 36 anos, depois disso ele repetiu a mesma experiência de relacionamento “claustrofóbico” com outras mulheres à semelhança daquela vivida com Tulla Larson. Tulla Larson era a filha de um comerciante de vinho, e o seu relacionamento com Munch era muito turbulento. Munch começou a beber, tentou


Depressão: Aspect o s Impactantes da Doença romper a relação e Tulla, como resposta, o ameçou com uma tentativa de suicídio.

tratamento médico e o diagnóstico foi "melancolia" (hoje conhecida como depressão).

Após essa relação, Munch via o amor como uma luta entre homem e mulher, e dessa experiência surgiu a obra com a imagem da mulher como um Vampiro e o amor como um destino fatal e infeliz.

As experiências com doença, morte e luto acompanharam Munch desde sua infância e foram tema visível em toda sua obra artística. Sua doença parece ter sido uma parte da história médica da família.

Aos trinta e nove anos Munch expôs no Berlin Secession vinte e duas obras em que o tema focava o medo no mundo. As obras foram representações simbólicas, que refletem experiências humanas básicas, tais como ciúme, solidão, amor e morte, chamadas Friso da Vida. No ano seguinte, Munch, aos 40 anos de idade, realizou um projeto de decoração para o teatro de câmara de Max Reinhardt em Berlim. Markus Treichler caracteriza a fase de vida a partir dos 40 anos como a idade da formação, porque do ponto de vista antroposófico, a partir dessa idade, somente através da auto-educação os seres humanos podem atingir um maior desenvolvimento. Nesse ponto da vida o que conta é a qualidade do auto-conhecimento, para a realização da própria vida e do nosso ambiente social. Entre 43 e 45 anos a doença de Munch atingiu o ponto máximo e ele sofreu um colapso, o que ameaçou sua vida em razão de seu pânico. Além desse fato, acrescentou-se como causa o seu nervosismo e sua dependência ao álcool, o que o levou para um hospital psiquiátrico em Copenhaguen. O tratamento pelo médico Dr. Daniel Jacobson foi um ponto de virada na vida de Munch. Much parecia estar aliviado de seus medos, uma vez que, a partir dessa experiência, iniciou uma fase de pintura retratando a vida simples com agricultores, pescadores, cavalo e paisagem tranquila. Much retorna a Noruega em 1909, quando tinha quarenta e cinco anos de idade. Em 1937, durante a época do nacional-socialismo na Alemanha, os seus trabalhos foram confiscados como "arte degenerada" (Entartete Kunst). Na Noruega em 1942, simpatizantes noruegueses do nazismo alemão apresentam as obras de Munch repetidamente como "A Arte e a Não Arte" (Kunst und Unkunst) na Galeria Nacional. Sua irmã mais nova, Laura, morreu quando Munch tinha 63 anos de idade. Ela esteve em

Edvard Munch morreu aos 81 anos em Oslo em 23 de janeiro de 1944. Em 1963, o ano do seu 100º aniversário, o Museu Munch em Oslo foi inaugurado. Munch via seu trabalho como parte de um mesmo todo, de acordo com as suas palavras: "Se as obras fossem expostas em conjunto, de repente, emitiriam um som, elas seriam algo completamente diferente do que havia sido antes. Tornar-seiam uma sinfonia” (28). É interessante observar como a vida exterior e interior se mesclam e a influência do ritmo de vida nos eventos pessoais. Particularmente, impressionou-me o fato de Munch aos 45 anos de idade, ter logrado ativar a força de seu “Eu Superior”, logo após o colapso vivido, quando houve real ameaça a sua vida e ter atingido um “ponto de inflexão, de virada” para uma nova fase de vida.

Breve biografia de Piet C. Kuiper – psiquiatra Sobre a depressão existe muita literatura, mas a história de Kuiper sobre sua própria depressão psicótica (ICD 10, F32.3) é única. Kuiper era psiquiatra, portanto, tinha conhecimento médico na área. Por outro lado, sua descrição do desenvolvimento e das percepções da sua própria doença, como paciente, pode contribuir para uma compreensão humana da doença. As descrições dos sentimentos e das percepções de Kuiper como paciente, também a sua história familiar e os ritmos biográficos tiveram como base uma única obra a seu respeito, sua autobriografia (24). Piet C. Kuiper nasceu em 1919 em Soest, Países Baixos. Os pais conheceram-se no hospital Wilhelmina, onde a mãe trabalhava como enfermeira. O pai era o diretor no hospital. A mãe foi educada sob crenças religiosas muito restritas, o pai era um velho liberal, ou seja, pais com duas visões diferentes de mundo. 61


Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença O pai casou-se em segundas núpcias com a mãe de Kuiper. O pai de Kuiper perdeu em curto tempo a primeira esposa e a filha do casal. Kuiper comenta sobre a morte de sua meia-irmã Anneke assim: “A graciosa e alegre menina, que depois de algumas semanas foi levada em um pequeno caixão, levou consigo a felicidade do meu pai, e talvez a minha, muito antes de eu nascer” (24). Ele descreveu a si mesmo como uma criança não excessivamente séria, porém medrosa. Ainda criança testemunhou a morte de seu tio Barend, um irmão da mãe, o que o impressionou profundamente. Durante a época de escola os colegas zombavam dele, ele roía as unhas e sofria de enxaquecas, como sua mãe. Nos feriados do outono visitava sua tia Anna, irmã do pai, que vivia em Amsterdam. Tia Anna tinha diferente visão de vida em comparação com a de sua mãe. Visitando a tia em Amsterdam ele ouviu pela primeira vez música clássica e foi levado ao cinema. Kuiper viu na sua educação e na sua história de vida elementos importantes, que em suas reflexðes pareciam-lhe pertinentes ao seu episódio de depressão psicótica. Como um adolescente, primeiro queria estudar língua antiga, então se decidiu por teologia, até que veio à mente a idéia de estudar psiquiatria. No entanto, primeiro deveria estudar medicina e em 1945, na idade de 26 anos, passou no exame estadual para medicina. Na sua opinião, o conhecimento médico de psiquiatria não era suficiente, então completou seus estudos com o estudo da filosofia. Na idade de 42 anos Kuiper foi professor de psicopatologia e psiquiatria clínica na Universidade de Amsterdam e em 1984 se aposentou com idade de 65 anos. Sua doença começou em 1983. Durante três anos, sofreu uma depressão psicótica, perdeu contato com a realidade e estava convencido de não estar deprimido, porém parecia-lhe estar demente. Neste estado, foi tratado nos hospitais psiquiátricos em Amsterdam e em Haia. A sua convicção de vivenciar um estado de demencia, provavelmente estava relacionada à demência da mãe. Kuiper acreditava não ter conseguido modificar a imagem de mundo que recebeu de sua mãe, esta aparentemente manteve-se viva 62

em seu interior. Apesar de suas tentativas de ver a vida de forma diferente, a morte e o inferno eram os seus maiores medos, que o acompanharam durante o período de doença. No início, sua percepção era de que o mundo era irreal, ou havia falhado a capacidade de visão da sua alma. Kuiper manteve a capacidade de lembrar-se que não se movia em terra firme, mas, como dizia, em “chão de algodão”. A capacidade de sentir prazer parecia perdida, calcular e medir algo o confundia, o que o levou a procurar um médico, afinal algo com sua mente parecia errado. As memórias freqüentes do passado e os delírios lhe deram razão adicional para procurar um neurologista, assim foi internado em um hospital. A sexualidade tinha sido transformada em culpa e ele pensou que não poderia mais ter uma vida que fizesse sentido. Apesar da medicação antipsicótica desenvolveu-se o sintoma psicótico e Kuiper confundia as pessoas. Kuiper acreditava que havia sido punido por seu orgulho. Kuiper foi tratado com medicação apropriada, recebeu no hospital determinadas tarefas no grupo de trabalho terapêutico, deveria movimentar-se ao ar livre, e lhe foi recomendado que pintasse. Há mais de 30 anos não pintava, uma vez que para escrever seus livros, a pintura fora negligenciada. Durante o tratamento lentamente foi capaz de ter desejos novamente. De alguma maneira voltar a ter desejos implica que a paisagem da alma ilumina-se novamente, segundo Kuiper. Ele reconhece a sua recuperação, principalmente, devida à medicação prescrita pelo seu médico. Refletindo sobre como evitar uma recaída, decidiu tornar-se ativo, especialmente tentava comunicarse com as pessoas, assumir atividades específicas para superar o medo e começou a pintar. O próprio Kuiper reconheceu que a pintura em si desempenhou um papel muito importante em seu processo de recuperação. Quando se sentia atraído por alguma coisa, tentava repassar essa impressão a outros. Essa foi a razão pela qual ele pintou. A pintura não significava para ele somente ocupar-se das cores a nível físico e mental. A pintura fortaleceu os laços com o mundo exterior, o que para mim era de vital importância, disse ele. Ele achava também que a pintura tinha o sentido


Depressão: Aspect o s Impactantes da Doença secundário de resistência a seus pais, uma rebelião contra a autoridade. Na essência de sua experiência, em relação a tudo o que viveu durante o período da doença, ele simplesmente resumiu: “ser” é muito mais importante do que “possuir”, “fazer”, “precisar”, ou qualquer outra coisa semelhante.

PARTE III Minha atividade terapêutico artística Introdução A depressão, como descrito anteriormente, é uma doença muito complexa, no entanto, a boa notícia em relação a esta doença fica por conta da possibilidade de transformaçðes que podem resultar em sua cura. A cosmovisão antroposófica entende saúde, doença e tratamento não como um estado, mas como um processo dinâmico e mutável. A medicina antroposófica, de acordo com Markus Treichler, compreende a natureza e o mundo do homem relacionada à saúde, à doença e a sua cura. Estas devem ser entendidas e associadas cada vez mais intimamente às dimensðes do mental/espiritual, às dimensões supra-físicas, às supra-psíquicas e às cósmicas. O médico e teórico científico Dietrich von Engelhardt, citado por Markus Treichler (27), resume a questão da seguinte maneira: [...] a saúde e a doença não são apenas fenômenos físicos, eles dizem respeito à relação com a natureza, com a cultura, fornece descrições e comentários, pertencem essencialmente à vida do homem. [...]. A doença nunca afeta apenas o corpo, a doença manifesta-se sempre como resultado de fenômenos físico, psicológico, social e espiritual. Portanto, a medicina deve conectar a técnica com arte e cultura (27). De acordo com este ponto de vista, é compreensível o tratamento de doenças utilizando Terapia Artística. Outro aspecto do processo da cura fundamentase na eficácia da autoexperiência, no ssentido de uma participação ativa do paciente. A Terapia

Artística implica nessa participação ativa, implicando simultaneamente em um tipo de terapia não-verbal através da auto-experiência e da percepção crítica da obra artística criada.

A Arte como ferramenta na Terapia Artística A Terapia Artística é um termo geral para terapias na linha antroposófica que se utiliza de recursos artísticos, e neste trabalho utilizamos a técnica de pintura em aquarela “molhado no molhado”. Como colocado anteriormente, depreende-se que um paciente experimenta a depressão em seus fenômenos primordiais como resultado do aparente “peso da gravidade” atuando no corpo e na alma. O comportamento e o bem-estar físico são cambiantes, o que pode implicar em uma sintomatologia abrangente. A Terapia Artistica é uma forma eficiente de tratamento, no entanto faz-se necessário considerar a causa individual da doença para a escolha de um tratamento adequado. O entendimento da biografia humana ajuda a compreender as situaçðes individuais, como nas biografias de Edvard Munch e a de Piet C. Kuiper. Ambos vivenciaram episodios depressivos, porém de maneira diversa. Para o trabalho artístico escolhi o quadro O grito do pintor Munch. Vivenciei o processo terapêutico utilizando a técnica de “cópia e dissolução”. Esta técnica exije que o processo terapêutico se inicie com uma cópia, o mais fiel possível, do quadro escolhido; que as cores da imagem original sejam transportadas para a “folha-cópia” e durante todo o processo de dissolução de sete etapas, para as areas correspondentes às da obra original. Assim sendo, em primeiro lugar, copiei o quadro tão fiel ao original como me foi possível, e depois segui com a dissolução das imagens em várias etapas. Assim, criei a primeira série de imagens. No final da série ficaram evidentes alguns detalhes a serem modificados. Por esta razão, repeti o processo de dissolução a partir da quarta etapa da série. O resultado foi a criação de duas series de imagens de “cópia e dissolução”, sendo uma delas desenvolvida a partir do quarto passo da primeira série de imagens.

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Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença Material, técnica de pintura e processo do exercício O trabalho foi feito com as cores para aquarela produzidas pelas empresas Stockmar e Schmincke. O papel utilizado foi o papel para esboços, de origem sueca, tamanho 32x44 centímetros e com uma gramatura de 140 g/m², produzidos pela empresa Mercurius. Trabalhando com papel úmido e com aquarela, que se dissolve na água, a idéia principal era utilizar esse exercício terapêutico para possibilitar alguma flexibilização do estado de endurecimento da alma. Para a técnica de "molhado no molhado" (aquarela em papel úmido), primeiro o papel foi umedecido, seguido de uma secagem imperfeita. Deliberadamente utilizei minhas próprias mãos, usando o sentido do tato como uma espécie de “perceber-se”, conectar-se com o papel e com a água em cada etapa do trabalho. O exercício utilizado foi o de “cópia e dissolução”, descrito abaixo. A decisão foi tomada levando-se em consideração que o fenômeno básico da depressão consiste no “endurecimento” da alma como causa primordial, assim a dissolução e “metamorfose” de imagens pareceu-me ser um exercício adequado para essa situação anímica. Naturalmente, esse exercício terapêutico não é um exercício padrão para todos os pacientes que sofrem com a depressão, portanto, aqui não se trata de uma recomendação para todos os casos. Em primeiro lugar, como regra geral, deve-se considerar importante que um exercício terapêutico atinja a alma da pessoa deprimida onde ela se encontra no momento do exercício. A cópia exata de uma imagem é um exercício a ser realizado com concentração elevada e acuidade, o que, em si, não exije nenhuma imaginação. No entanto, é necessário uma observação acurada da imagem original, o que pode conferir certa confiança à pessoa durante a cópia. A cópia acurada de uma imagem exige tempo, o que implica em um processo lento, podendo proporcionar o tempo necessário para despertar o interesse nos detalhes da imagem ou suscitar a curiosidade. A transformação do tema principal da obra ocorrendo em várias etapas e acrescida do trabalho direto com as cores, podem tocar a alma atingida pelo “peso da força da gravidade” de maneira 64

positiva, ativando as forças do Eu Superior. Particularmente, tentei ser, durante todo o trabalho, desde a seleção de imagens das obras de Munch e por toda a fase de conversão das imagens, observadora de mim mesma. Esse exercício de “cópia e dissolução” é realizado de acordo com certas regras e, de preferência, em no mínimo sete etapas, com procedimentos específicos nas várias etapas. A primeira imagem é copiada com a maior acuidade possível e com a máxima concentração. As cores da área central da imagem original devem ser transferidas mais acuradamente e na mesma intensidade possível para a parte central da folha em branco. Este procedimento se repete com todas as áreas na folha em branco relacionando original e cópia. Para a segunda imagem da série, repete-se os procedimentos da primeira imagem, mas agora pintada com contornos sem acuidade, como uma imagem desfocada. As cópias seguem perdendo o foco, perdendo seu contorno nítido. Na quarta imagem, as cores da imagem original perdem totalmente o contorno, mas ainda devem permanecer nas áreas correspondentes à imagem original. A quinta imagem é a “busca” de um novo tema e qualquer novo tema poderá surgir. Nesta etapa começa efetiva e praticamente a metamorfose da imagem original. A sexta imagem já mostra um germe do novo motivo principal. Aqui algo novo começa a se mostrar. A sétima imagem é como um processo de amadurecimento, em que o novo tema, independente da imagem original, se torna visível e a metamorfose está completa.

Preparação e procedimento O primeiro empenho foi escolher qual das obras de Munch seria utilizada para o exercício de “cópia e dissolução”. A obra foi escolhida por mim consultando um catálogo da exposição de Munch.


Depressão: Aspect o s Impactantes da Doença “O Grito” de Munch - Cópia e dissolução: Primeira e segunda séries

Segunda série

Primeira série

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Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença O fato de ser uma obra famosa não me parecia ser um critério para seleção, poderia ser insuficiente para o processo terapêutico a ser experimentado. Para ser um processo intenso, pareceu-me adequada a obra que tocasse minha alma. Munch foi conhecido como um pintor depressivo e O Grito é uma das obras relativamente mais expressivas e de um momento muito típico de seu estado de espírito.

um processo de metamorfose na direção do surgimento de um novo tema principal. Na primeira serie de imagens, novo tema estava para surgir e me causou um momento de incertezas e desespero. O estado germinal de uma borboleta estava quase visível, porém, como a imagem havia sido desenvolvida na posição vertical, estava na mesma posicao e “sem a leveza de uma borboleta”.

Much descreveu como este grito tomou conta dele: “Eu fui com dois amigos ao longo de uma estrada - o sol estava se pondo - algo como suave melancolia me tocou. [...] Eu fiquei ali tremendo de medo - foi como se sobrepor à natureza em um grande grito, interminável.(30)

A forma e o tamanho de uma borboleta, a relação cabeça e corpo, quais as diferentes formas de sua asa, quão grande deveria ser sua antena e como elas se alinham na cabeça, todas essas características encontrei pesquisando literatura específica e descobri um novo mundo, até então inexistente para mim.

Experiência pessoal no processo de cópia e dissolução

Para a última cópia da série de imagens sentiame mais segura, passei a imagem da borboleta para a posição horizontal.

Minha primeira impressão da imagem selecionada foi a de forte contraste de cores. A intensidade das cores da obra em sua parte superior e inferior pareceram-me diversas, como pólos opostos. A impressão era de tensão entre essas duas áreas. Munch mostra ao espectador, com suas pinceladas, diferentes movimentos conseguidos ao colocar as cores no quadro. A primeira dificuldade do meu trabalho para copiar Munch foi a impossibilidade de reproduzir essa característica, uma vez que o trabalho original foi realizado com tinta óleo e no meu usei aquarela, porém busquei reproduzir as cores originais o mais acuradamente. Assim que o papel secava, a cor da aquarela perdia sua intensidade, então o papel era novamente umedecido e a cor aplicada novamente. Uma obra essencialmente pintada com cores primárias, difere da obra de Munch, que trabalhou com cores secundárias e terciárias. A dificuldade tornou-se evidente no momento de reproduzir as cores originais usando aquarela. A busca pelo tom original foi um trabalho longo e custoso. O “peso” das cores mais escuras me afetou. Esse trabalho exigiu de mim esforço, porque havia o desejo de experimentar leveza e brilho das cores, como um forte desejo de “libertação”. Como mencionado anteriormente, surgiram duas séries de cópias da obra de Munch a partir do quarto passo do processo de dissolução, quando a imagem original está “dissolvida” e evoluiu para 66

A princípio considerei o trabalho concluído. No entanto, observando a serie de imagens em conjunto pude perceber certos detalhes que não havia percebido. Na minha cópia a cor azul recebeu mais espaço do que na imagem original e o amarelo do lago, que aparece no fundo e que parecia restrito em um círculo, não correspondia ao original. A borboleta que havia surgido no final do processo não parecia ter liberdade para voar e as suas cores eram muito densas, era uma imagem “pesada”, ao invés de ter leveza para um eventual vôo. Com a nona imagem da primeira série delas, foi atingida a leveza que “propiciaria o vôo” da borboleta, tendo eu me permitido clarear a cor da borboleta para um azul bem mais claro que o azul do quadro orginal. Em realidade eu mesma desejava a sensação de leveza e tentava imprimí-la à imagem da borboleta. Aparentemente, durante o processo de cópiadissolução da obra O grito fui envolvida pela situação anímica de Munch mais profundamente do que pude perceber. Neste ponto retomei o trabalho na quarta imagem da série, onde as cores tomam o lugar correspondente ao original e não há mais nenhum resquício da imagem original. Pintei então os quadros 5 – 6 – 7. A intenção era ir para um novo processo de busca, de uma nova imagem final, que não a borboleta. Tentei, então, colocar as cores no papel


Depressão: Aspect o s Impactantes da Doença seguindo na intensidade da obra orignal e o amarelo sem áreas delimitadas ao seu redor. Na última imagem desta nova série agora de sete quadros, trouxe o azul para a posição vertical e trouxe o amarelo numa relação quantitativa mais equilibrada para com o azul. Isso resultou na imagem de uma árvore, o símbolo da vida, que respira e cresce, um ser em constante contato com a terra e o céu, matéria e energia cósmica. Uma imagem do conjunto melodioso e rítmico do cosmos. Para mim, essa imagem foi, então, uma verdadeira experiência interior de libertação das impressðes anímicas que restavam da imagem original de O Grito. Essa sensacao de libertação da rigidez, de um estado anímico “paralisado”, foi realmente uma vivencia advinda do processo de pintura em si. Nesse ponto eu me lembrei de um poema de uma paciente. Ela descreveu a sua situação de alma e o chamou de “Solidão”. Em seu poema ela descreve seu estado emocional como se tivesse sido abandonada pela luz, pelo calor e isto tudo por toda a eternidade. Einsamkeit Die Sonne schwindet, nimmt ihr Licht. Lässt mich allein, wie du es tatst. Die Dunkelheit nimmt mir die Sicht. Zertritt mich, wie du mich zertratst. Hier sitz ich nun, ganz ohne dich. Alleine. Schweigend. Unwirklich. Bin ich wirklich einfach nichts? Bin ich deshalb so allein? Leb' ich jenseits des Sonnenlichts? Werd' ich für immer einsam sein? Hier weil' ich nun, voll Seelennot und wünsch herbei den eignen Tod. Selbst der schillernd schöne Schein der Seen vermag mich nicht zu trösten. Wie des warmen Windes leises Weh'n schafft den Kummer nicht zu lösen. Hier bin ich nun - voll Einsamkeit hinein in die Unendlichkeit. (Poema de uma paciente) Solidão “O sol desaparece, leva a luz. Deixa-me sózinha, como voce o faz. A escuridão me turva a vista.

Esmaga-me como voce me esmaga. Aqui estou sentada agora, sem voce. Sozinha. Em silencio. Irreal. Sou realmente apenas nada? E por isto que estou sózinha? Existo além da luz solar? Serei solitária para sempre? Fico aqui, toda angústia e desejo a própria morte . Mesmo o brilho iridescente dos belos Lagos são incapazes de me confortar. Assim como o sopro do vento quente e silencioso Não logra dissolver a tristeza. Aqui sou eu, solidão completa Dentro do infinito.” (tradução da autora deste trabalho)

Reflexðes sobre a atividade artística Este trabalho artístico implicou em: refletir e selecionar a imagem a ser copiada, experimentar tons de cor similares aos tons da obra de Munch, observar profundamente os detalhes a serem copiados, pesquisar sobre os diferentes tipos de borboletas para chegar à imagem-metamorfose final. Cada um dos passos foram tomados conscientemente, em outras palavras, o “querer” sendo ativado e sendo colocado no mundo físico imagens, pavimentando o caminho para fora daquilo que aparentemente está “paralisado”, como em um episódio depressivo. Em termos antroposóficos poder-se-ia dizer que o “Eu Superior” esteve ativo e o “querer” pode ser utilizado para criar no mundo físico, uma imagem disponível e visível a todos. Toda consciência e atividade da alma não impediram que as etapas de transformação das imagens fossem vivenciadas com certa dificuldade e dúvidas. A intensa observação de uma foto de “O Grito”, tentando copiar acuradamente o original, as “pesadas” impressões anímicas advindas da imagem original causaram certa dificuldade no momento da “metamorfose” de imagens no quinto, sexto e sétimo quadros. Sem dúvida foi importante entender essa experiência de forma clara, isto é, que o estado anímico expresso pela obra de Munch influenciou meu o trabalho e me pareceu claro o quanto o observa67


Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença dor pode se sentir influenciado pela alma do artista. A reflexão sobre todo este processo vivenciado resultou na pergunta: para quem este exercício terapêutico poderia ser útil? Como a depressão pode atingir diferentes graus de intensidade e de forma, o exercício terapeutico cópia-dissolução é uma forma de terapia possível, embora não seja uma terapia padrão para todos os estados depressivos. Em vista dessa experiência, a dificuldade em criar misturas de cores tentando aproximar-se da cor original de uma obra usando o processo da “cópia e dissolução”, proporciona em si um desafio. Isto pode ser um critério a ser observado para aplicálo, ou não, no processo terapêutico de certos casos de depressão.

Conclusão Este trabalho sobre depressão teve como objetivo obter uma percepção mais aprofundada sobre a doença, assim como de seus diferentes aspectos, incluindo o trabalho artístico-terapêutico da autora em relação ao pintor depressivo Edward Munch. A escolha do tema depressão foi escolhido por razões pessoais e toda informação sobre o assunto foi coletada com grande interesse. Ao pesquisar sobre a doença, foi notável a frequência desta em suas diversas formas de manifestação e sua abrangência, além do impacto social, que pode ir desde uma falta de compreensão deste estado anímico até tornar-se preconceito contra uma pessoa deprimida. Ao que nossa pesquisa indica, a depressão sempre “acompanhou” a humanidade, uma vez que a alma e o corpo têm uma relação simbiótica, interagem entre si, sendo necessário uma busca continua para colocá-los em equilíbrio. A viagem através da história da humanidade, relacionada à depressão, mostra como lidamos ou manipulamos a intuição, o intelecto e a razão, tornando-os por vezes uma virtude ou um estado de alma doentio. Quanto aos sistemas de classificação, CID (Código Internacional de Doenças) ou o sistema psiquiátrico DSM, ambos levam em conta o grau da doença física e a situação da consciência, que influenciam nitidamente a transformação da situação anímica, resultando na volta a um estado 68

“normal” de dúvidas e de receios relativos à vida. Para cada caso essa “transformação” pode assumir um caráter suave ou difícil, ou ainda pode exigir um tempo curto ou longo para sua solução. A visão da depressão pela medicina tradicional e pela antroposófica parecem se complementar quanto à visão do homem em sua totalidade e quanto à possibilidade da doença significar um impulso para o futuro. Esta doença pode oferecer uma chance de uma volta para dentro de si mesmo e conexão consigo mesmo, como uma profunda “transformação” da situação anímica. Da minha experiência pessoal, estou convencida de que a terapia artística pode fornecer uma forma eficaz de combater, compreender e ajudar a transformação de estados anímicos, com tendencia depressiva, nos seus diversos graus de intensidade.

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28. Austellungskatalog Edvard MUNCH. Museum Folkwang, Essen, September – 8. November 1987 und Kunsthaus, Zürich. November 1987 – 14. Februar 1988

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29. Ausstellungskatalog Edvard MUNCH. Lijevalchs & Kulturhulset, Stockolm, 1977

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Depressão: Aspecto s Impactantes da Doença Outras consultas não referendadas no texto Husemann F, Wolf O, Das Bild des Menchen als Grundlage der Heilkunst, Band II Zur Pathologie und Therapie, Stuttgart, 1978 Kellein T. Munch Edvard Munch 1912 in Deutschland. Kunsthalle Bielefeld, Bielefeld, 2003/2004 Koob O. Die dunkle Nacht der Seele. Wege aus der Depression. Falter 18 im Verlag Freies Geistesleben, Stuttgart, 1994 Munch, E. Graphik aus dem Munch-museet. Oslo, Stadt Museum Jena, 29.Oktober- 10.Dezember 1995 Roediger E. Depression- die Sehnsucht nach Zukunft, ein Ratgeber für Betroffene und Angehörige. Aethera Verlag, 2008 Gesundheitsbericht für Deutschland, Kapitel 5.15 , 1998 Gesundheitsbericht für Deutschland, 2000 www.psychomeda.de/lexikon/depression.htlm . Acesso em 11.10.10 www.richard-dehmel.de, Zeitgenossen - Edvard Munch. Acesso em 19.06.2010. www.lebensatem.de Ursula Bosy, Edvard Munch 1863 – 1944 Bilder von Leben und Tod. Acesso em 21.01.2010 www.wissen.de, Maler der Melancholie. Acesso em 19.06.2010 www.lichtblick99.de/ anmv_tagung03b.html, Vortrag Bipolaren Störungen-Depression und Manie, Neue Verfahren in Diagnose und Therapie, Abstrakt von PD Dr. med. Hans-Jörg GRABE, Klinik für Psychiatrie und Psychotherapie der Ernst-Moritz-Arndt Universität im Klinikum der Hansestadt Stralsund. Acesso em 19.06.2010 www.de.brainexplorer.org/.../ Bipolar DisoderAetiology.shtml, Brain Explorer-Erkrankgung des Gehirn- Bipolar Stung, 23.01.11

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Hiperatividade Infantil e Dificuldades Sociais

HIPERATIVIDADE INFANTIL E DIFICULDADAES SOCIAIS: A Falta de Desenvolvimento do Sentido Vital e a Terapia Artística como Possibilidade de Tratamento Maria Cecília Dell‟AcquaTilkian i

RESUMO: Crianças hipercinéticas e, em decorrência, com dificuldades de socialização e baixa autoestima, são desafios para pais e professores. Normalmente diagnosticadas como portadoras de DDA – Distúrbio de Déficit de Atenção, ou DA/HI – Déficit de Atenção com Hiperatividade-Impulsividade, elas podem ser beneficiadas pela terapia artística, ministrada no ateliê, com atenção intensificada e calorosa. Palavras-chave: arteterapia, criatividade, DDA, hiperatividade, sentido vital, socialização, terapia artística.

ABSTRACT: Hyperkinetic children and, consequently, with socialization difficulties and low self-esteem,are challenges for parents and teachers. Usually diagnosed as having ADD – Attention Deficit Disorder or ADHD-I Attention Deficit Hyperactivity Disorder and Impulsivity, they can be benefited from artistic therapy, given in the studio, with intensified and warm attention. Key words: ADD, art therapy, artistic therapy, creativity, hiperactivity, socialization, vital sense.

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Professora Waldorf e terapeuta artística. Endereço eletrônico: cecitilk@gmail.com

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Hiperatividade Infant il e Dificuldades Sociais Meus primeiros clientes, como terapeuta artística foram crianças. Também a partir de minha experiência como educadora Waldorf, tem sido um presente poder trabalhar com elas. É desafiador e encantador, pois acredito que, antes de enquadrar a criança dentro de um tipo, quadro ou patologia, com diagnoses limitadas, devemos olhar cuidadosamente para ela, compreender que talvez ela tenha boas razões para se comportar de uma determinada forma e termos em mente uma pergunta fundamental:

Quem é esse ser e o que ele traz para o mundo? Em entrevista para a revista Das Goetheanum – Wochenschrift für Anthroposophia (1), o pedagogo curativo Henning Kohler afirmou que as crianças são visitantes de outro mundo, do futuro. A partir de minha vivência como professora, concordo com essa afirmação e acredito que as crianças tragam notícias acerca desse tempo futuro e, com isso, carreguem pedidos de mudanças de consciência e transformações necessárias para o instante presente. Se não atentarmos a essas necessidades de mudanças – e para isso não podemos manter estruturas sociais rígidas – cada vez mais surgirão as chamadas crianças difíceis, com “anormalidades” de comportamento. São crianças “difíceis” para nossos padrões, para nossa noção de “média”, para nosso duvidoso conceito de “normalidade”. Se nós, cuidadores e educadores, nos posicionarmos como “treinadores de comportamento”, fazendo ajustes em consonância com uma sociedade doente, ao invés de nos abrirmos ao real problema que se apresenta e procurarmos criar um ambiente curativo que favoreça o relacionamento, realmente teremos crianças “difíceis”. A terapia artística não pode ser vista como um método para ajustar pessoas em sociedades já doentes. Há um devir em construção e acerca desse tema Novalis traz uma sábia frase: “Nós estamos numa missão: para a formação da Terra fomos chamados” (2). Assim, uma vez que as crianças nos trazem pedidos de mudanças, não podemos enquadrá-las com testes padronizados sem compreender qual mensagem cada criança traz dentro da suposta “desordem” que ela apresenta. Muitas delas che72

gam com capacidades novas, especiais e necessárias em nosso mundo, mas quando essas capacidades não são compreendidas aparecem como fraquezas e falhas.

A visão da medicina convencional É muito comum em nossos tempos encontrarmos crianças agitadas diagnosticadas como hiperativas ou hipercinéticas. A sigla DDA significa Distúrbio de Déficit de Atenção, sendo também usada a sigla TDA/HI (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade-Impulsividade); ambas caracterizam uma alteração comportamental com muitas variantes de manifestações. O ponto comum entre elas são suas três características principais: distração, impulsividade e hiperatividade. Segundo a Associação Brasileira do Déficit de Atenção – ABDA – o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade e, às vezes, é denominado DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção). Em inglês, também é chamado de ADD, ADHD ou de AD/HD. Estudos científicos mostram que portadores de TDAH têm alterações na região frontal e nas suas conexões com o resto do cérebro. A região frontal orbital é uma das mais desenvolvidas no ser humano em comparação com outras espécies animais e é responsável pela inibição do comportamento (isto é, controlar ou inibir comportamentos inadequados), pela capacidade de prestar atenção, memória, autocontrole, organização e planejamento (3). O DDA inclui condições como deficiências perceptivas, lesão cerebral, disfunção cerebral mínima, dislexia e afasia de desenvolvimento. Mas não engloba as crianças que têm problemas de aprendizagem resultantes, principalmente, de deficiência visual, auditiva ou motora, de deficiência mental, de perturbação emocional ou de desvantagens ambientais, culturais ou econômicas. Como origem do DDA é descrito um funcionamento alterado no sistema neurobiológico cerebral. As substâncias químicas chamadas neurotransmissores, que são como o combustível para o cérebro, apresentam-se alteradas quantitativamente ou qualitativamente no interior do sistema cerebral para as funções de atenção, impulsividade e ativi-


Hiperatividade Infantil e Dificuldades Sociais dade física e mental, consequentemente, influindo no comportamento humano. Não é uma lesão e sim uma disfunção. Exemplos de instabilidade de atenção são:  A atenção é facilmente desviada por qualquer estímulo externo;  Dificuldade em manter a atenção na fala de outra pessoa, captando apenas alguns trechos ou tendo “brancos” na própria fala, esquecendo o que ia dizer; ou ainda interrompendo o outro para completar seu próprio raciocínio;  Erros de fala, leitura ou escrita;  Desorganização, perdendo hora, chave, livro, objetos, hora marcada, etc;  Hiperfoco num assunto único de interesse, desligando do mundo ao redor;  Dificuldade de permanecer muito tempo numa atividade obrigatória ou em ouvir uma fala ou aula de um assunto que não desperte interesse;  Dificuldade de fazer algo até o fim, geralmente interrompe antes do fim;  Não aceita regras.

Exemplos de hiperatividade física ou mental:  Dificuldade de ficar sentado muito tempo, mexendo-se sempre na tentativa de permanecer sentado; ou fica sempre mexendo a perna, pé balançando, mexendo com as mãos, no cabelo, rabiscando;  Inquietação ou ansiedade como se tivesse algo para fazer, algo falta;  Fica remoendo seus erros ou de amigos;  Faz várias coisas ao mesmo tempo: lê enquanto vê TV, escreve enquanto ouve música, etc.;

Constata-se hoje em dia que as famílias das crianças com dificuldades escolares buscam uma solução médica para seus filhos; esperam da Medicina respostas para as questões de origem predominantemente social e pedagógica. A dificuldade escolar também pode se originar de algum problema nesse tripé: criança, família e escola. Causas, como por exemplo, desnutrição, situação financeira, baixos níveis de autoestima e de autoconfiança, desmotivação por professores desqualificados, nível de exigência da família além das possibilidades da criança etc. Os diferentes quadros de complicações infantis incluem perturbações de percepção, de concentração, de movimento, de aprendizagem ou perturbações emocionais de maior ou menor grau que se modificam de acordo com as influências da vida. Para compreender a origem do distúrbio que uma criança apresenta, é necessária muita observação por parte dos pais, educadores e terapeutas. Desde quando o ser humano é ainda bebê, já é possível aos pais e educadores no entorno detectar sintomas de perturbações alimentares, como pouca vontade de mamar, engolindo ar, apetite irregular, sonolência instantânea, ritmo perturbado de sono e vigília. A criança pode apresentar perturbações respiratórias, andar sem parar, estar em constante movimento; falar sem pensar, atuar sem refletir e perder o fio do pensamento, tendo dificuldade para expressar-se. A criança quer palpitar sobre tudo e no recreio fica fora de si, tornase perigosa para os outros. Os cadernos geralmente são começados e largados; a linha varia assim como o tamanho da letra e a direção da escrita. A letra vai se tornando cada vez menos clara até ficar ilegível. Mas outras páginas do mesmo caderno podem conter a escrita de uma forma melhor elaborada e não apresentarem tantas falhas. Tanto o estado de ânimo quanto a capacidade de rendimento oscilam de maneira imprevisível de um dia para o outro (4).

 Quer participar de tudo, mas não vai até o fim;  Busca estímulos fortes como brincadeiras perigosas (3).

A visão Antroposófica O que caracteriza a criança hipercinética, segundo Henning Kohler, não é a quantidade de movimentos que ela faz, mas o fato de esses movi73


Hiperatividade Infant il e Dificuldades Sociais mentos não terem objetividade, serem caóticos, desordenados e sem metas. Isso acaba perturbando o ambiente (5). Essa criança pode ter dificuldade para dormir, sono agitado, com nervosismo nos membros, e isso pode estar relacionado a uma vida rítmica alterada, algo que pode vir do berço e posteriormente acaba trazendo dificuldades no aprendizado. Também pela falta de ritmo esse quadro pode vir acompanhado de distúrbios na respiração. Por outro lado, ela é prisioneira de seus membros (braços e pernas). Pelo excesso de movimento, os membros tiram-lhe as energias vitais que, então, não ficam disponíveis para o crescimento, resultando daí que geralmente a criança hipercinética é magra e não cresce muito. Recorrendo à visão antroposófica, podemos observar a questão do DDA com um critério mais amplo. Primeiramente, se observarmos as três características do DDA – desatenção, impulsividade e hiperatividade – identificaremos um desequilíbrio respectivamente nos âmbitos do pensar, sentir e querer. A partir dessa visão, podemos procurar a constatação de onde ocorre a maior carência, ou todas as carências:  se no sistema neurossensorial (direção, foco)  no sistema rítmico (troca, respiração) e ou  no sistema metabólico (movimento, membros) Os casos de pacientes, adiante descritos, ilustrarão essas tendências.

O sentido vital A hiperatividade pode ter como uma das causas a falta de desenvolvimento do sentido vital que é um dos sentidos básicos relacionados à autopercepção. Rudolf Steiner diz que “o sentido vital é algo no homem, que este não sente quando está tudo em ordem, mas que ele vem a sentir somente quando nele algo não está em ordem. A primeira autopercepção humana é proporcionada pelo sentido vital, através do qual a pessoa ainda se torna consciente de sua corporalidade como um todo” (6). 74

A função básica do sistema vital é a de providenciar informação contínua sobre nosso corpo, proporcionando-nos a capacidade de unir fatos na percepção de um todo e não de eventos desconectados, tornando-nos conscientes de nós mesmos. Outra função do sentido vital é de nos alertar quando há qualquer ameaça ou desequilíbrio do corpo, quando nele algo não está em ordem; é o sentido vital que sinaliza quando sentimos algum mal estar que percebemos como uma vivência interior, como por exemplo, fome, sono, sede, cansaço, fraqueza, etc. Ou podemos ter uma sensação de bem estar após uma noite bem dormida, ou depois de uma refeição. A atuação do sentido vital irradia para a alma e permite que nos percebamos como uma entidade corpórea. Podemos dizer que a vivência que devemos atribuir ao sentido vital é “eu e meu corpo somos um”. Com o sentido do tato, por sua vez, é diferente, pois ele nos dá a vivência daquilo que “não sou eu”. Quando sentimos algum distúrbio corporal, é como se ficássemos desorientados, desprotegidos, não nos sentimos inteiros e isso nos tira a segurança e diminui nossa capacidade de percepção. Como pode se sentir uma criança que esteja com o sentido vital irritado, comprometido de alguma forma? É o sentido vital que nos permite ter a experiência de integridade, de inteireza, a sensação agradável de bem estar, calma, repouso e segurança, a sensação de estar consigo mesmo. Esse sentido de abrigo que começa com a percepção corporal é a ponte para nossa autoconfiança, além de proporcionar a capacidade de unir fatos. Os recém-nascidos não têm o sentido vital amadurecido. Eles não estão ainda adaptados ao seu corpo, são poucos os traços de bem estar, só querem dormir para não notar que têm um corpo. O corpo do recém-nascido está constantemente perturbado, com fome ou frio, desconforto intestinal ou sujo. Os pais fazem tudo para ajudar a melhorar esse desconforto. Somente quando ele dorme sente o bem estar, por isso dorme muito. Aos poucos isso vai mudando, a criança acorda e brinca com suas mãos, balbucia, vai se ajustando a viver no mundo e ficando mais resistente a pequenas sensações de fome e frio. Significa que seu sentido vital está amadurecendo. Não é qualquer pequeno distúrbio que a faz perder sua noção do todo. Quando o sentido vital não está


Hiperatividade Infantil e Dificuldades Sociais maduro ou está sendo lesado, o nível de tolerância fica mais baixo, trazendo uma perda de orientação diante de qualquer mudança desconfortável, por mínima que seja. Sentir-se bem em seu próprio corpo “é a orientação fundamental da vida, todas as outras são construídas a partir desta”. Portanto, faltará capacidade de orientação em crianças cujo sentido de proteção e bem estar tenha sido danificado (5). Uma criança que esteja cansada, mas que tenha um ritmo adequado de estímulos e pausa pode adormecer com facilidade, o que indica que seu sentido vital está assumindo a responsabilidade por seu organismo. Já outra criança, que esteja com ritmo inconstante de vida, ou quando os estímulos e a exaustão vão ao exagero, notamos que ela pode não se entregar à necessidade de descanso. As sensações de desconforto corporal irritam o sentido vital. Assim como a visão é diminuída pela escuridão e irritada pela exposição à luz enceguecedora, também o sentido vital é diminuído quando há uma percepção corporal diminuída ou extensivamente obscurecida, como acontece com alguém que esteja sob o efeito de drogas. Ou seja, esse sentido também pode ser diminuído ou suspenso, ou ainda pode tornar-se desconfortável e irritado com a percepção do próprio corpo. O sentido vital está adormecido quando estamos acordados e acorda quando dormimos. Quando o adormecer é fácil, o sentido vital assume a responsabilidade por todo o organismo. As sensações de vigor e frescor provêm das influências vindas da experiência da noite e responsáveis por: 1) constituir sensações de tato, dando forma e configuração; 2) promover controle motor (libertando e coordenando); 3) assegurar o equilíbrio entre alma e corpo.(5)

A relação entre o sentido vital e a hiperatividade Crianças nas quais o sentido vital sofreu danos raramente experimentam a sensação de bem estar, porque acontece uma quebra da base interna de sua existência conforme escutam seu corpo.

Elas procuram evitar o silêncio para não se conscientizarem de seu corpo e não aumentar a sensação de mal estar. Quando a sensação do próprio corpo aumenta, sua movimentação também aumenta, a criança corre para todo lado, rói unha, fala sem parar, irrita os outros, se intromete em tudo, chacoalha, faz careta, ou seja, torna-se inconveniente. Ela gosta de estar em ambientes agitados, barulhentos, porque assim se distrai e, se o silêncio ameaça se instalar, ela providencia barulho e movimento por conta própria. Crianças nessa situação podem acabar desenvolvendo tiques nervosos como piscar demais, tossir, limpar a garganta, fazer movimentos intermitentes, segurar a respiração, etc. Fazem tudo para não sentirem sua condição corporal. Conforme a criança se desenvolve, e o seu sentido vital não amadurece proporcionalmente, permanecendo imaturo, ela começa a apresentar cada vez mais os sintomas descritos causados pelas sensações corporais (6). A ciência ortodoxa descreve a chamada síndrome de hiperatividade como uma “disfunção cerebral mínima”. Se compreendermos que a falta de maturidade do sentido vital tem como consequência uma insegurança causada pelo medo corporal, entenderemos que essas crianças reagem de forma nervosa, desconcentrada, sem paz. Muitas têm mentes brilhantes, ironia esperta e inesperada e tempestuosas declarações de amor a adultos em quem confiam, procuram comer doces buscando alívio para a falta de harmonia, o que só vai funcionar momentaneamente, não resolvendo, só piorando o quadro. Hoje é grande o número de crianças com comportamentos semelhantes que podemos identificar e reconhecer como um problema que não é só dos pais, mas do background de nossa civilização que propicia tal problema com a sobrecarga de estímulos aos sentidos visual, auditivo, olfativo, com um ritmo acelerado de vida, não deixando espaço para a criança vivenciar o silêncio, a pausa e o ritmo que fortalece seu sentido vital. Em 2009, um grupo de estudo multidisciplinar do qual participo, (Rita Rahme, Regina Salvetti, Rosana Torlay, Eugenia Obsnisk, Carmen Ligia Cuce Nobre), apresentou no Congresso de Medicina Antroposófica um trabalho sobre a Hiperatividade infantil no qual constava uma filmagem que montamos, mostrando a sobrecarga de estímulos que 75


Hiperatividade Infant il e Dificuldades Sociais uma criança de São Paulo sofre diariamente. No final dessa apresentação, a plateia composta de adultos estava em sua maioria se sentindo enjoada ou tonta. Podemos compreender o quanto uma criança que está aberta ao mundo pode ter seu sentido vital danificado com esses excessos. O cuidado que a criança recebe dos pais como a higiene, regras, alimentação, é importante para o amadurecimento; mais do que isso, esse cuidado é diferenciado quando existe uma participação interior verdadeira do cuidador. Cuidar do sentido vital não é o mesmo que cuidar do corpo. Nós educamos na criança pequena o sentido vital quando permitimos que ela experimente a bondade como condição corporal. É no corpo que a criança vivencia a bondade, o seu corpo é o primeiro condutor do calor humano e da ternura. Para Rudolf Steiner, toda criança guarda, no começo da vida, uma profunda convicção inconsciente e extremamente importante de que o mundo é moral através da sua experiência sensorial corporal. Com isso vemos como é importante a qualidade do cuidado corporal que a criança recebe, que precisa ser permeado pelo carinho, sem pressa, por exemplo, quando a vestimos e a alimentamos. Para isso precisamos de uma capacidade de silêncio e espaço interior que propicia uma atmosfera de respeito e devoção. Sabemos que isso é muito difícil em nossa época, que tem como característica um ritmo de vida acelerado com as demandas de trabalho ou uma falta de ritmo. Mas se dedicarmos meia hora de maneira integral à criança, sem atender telefone, sem dividir nossa atenção com outros afazeres, com real atenção e interesse nela, já notaríamos a importância disso não só para a criança, mas também para nós. Tudo o que é feito para trazer ritmo consciente para a vida da criança tem mais do que a vantagem da paz e do controle, cria uma atmosfera pedagógica que tem um efeito direto no ritmo inerente aos órgãos internos da criança, assim como o ritmo de dormir e acordar, com sua ação saudável nos processos metabólicos, com característica pedagógica curativa. O ritmo é como um controle interno para a criança interferindo e equilibrando a tendência de humores e sentimentos instáveis. Principalmente quando as crianças são bem pequenas, existe uma relação direta entre humores e regulação dos pro76

cessos metabólicos. Quando organizamos a vida da criança com um ritmo definido, abastecemos sua individualidade corpo-alma, que quer acordar para sua autoconsciência. A criança que é cuidada com ritmo aprende a respirar além de ter sua constituição fortalecida. Ao longo da infância, gradativamente, o ritmo do coração e da respiração se estabiliza e constrói o fundamento para um sentido de segurança e autoconfiança. É importante ainda compreendermos que muitas respostas para as perguntas que temos vêm do âmbito da noite. Nossa tarefa da consciência diurna é de sermos lúcidos, objetivos e capazes de um pensamento claro. Mas os impulsos que precisamos para o dia a dia e as ideias práticas que concebemos têm sua origem no âmbito da noite. Algo a mais do que um pensamento lógico tem que estar envolvido para que os insights se tornem impulsos criativos, o que não aconteceria se não dormíssemos. A iluminação não vem da consciência diurna, vem da noite. Devemos lembrar-nos disso ao lidarmos com uma criança com algum tipo de dificuldade.

Podemos carregar a pergunta: que criança temos diante de nós? Devemos observar como é seu corpo, suas mãos, como ela se movimenta, como brinca, como anda, corre, pula, fala, desenha, como se relaciona com os outros, enfim, tudo o que puder ser observado com interesse, sem julgamento. Com essa coleta carregamos nossa pergunta para a noite, como sugere Köhler: “Que medo esta criança tem?” As respostas vêm em forma de impulsos e motivações, e nossas atitudes e reações terão presença de espírito em situações críticas (5).

O que podemos fazer por elas? Após um diagnóstico médico, existem várias ajudas para essas crianças, partindo não apenas de médicos e terapeutas, mas acima de tudo do esforço das pessoas que convivem diariamente com essas crianças. Ou seja: são os pais e os professores que podem ser os terapeutas mais importantes. Nesse sentido é fundamental que essas pessoas estejam bem orientadas. Como educadores, tanto pais como professores, ou terapeutas devemos ter amor à nossa ta-


Hiperatividade Infantil e Dificuldades Sociais refa e à criança. Isso faz com que trabalhemos com alegria e a alegria é o maior antídoto contra a indiferença. Devemos cultivar o sentimento da beleza que despertará a disponibilidade para o bem. Pais, educadores, terapeutas, médicos e anjos trabalham juntos para o despertar das faculdades de percepção. Podemos contar com a ajuda do anjo da criança quando levamos perguntas junto com a imagem da criança para o mundo da noite. Köhler traz esse caminho de uma maneira bastante clara e eficaz (5). É muito importante que todos os envolvidos com a criança tenhamos consciência da importância dos ritmos de vida da criança, no ritmo de dormir e do acordar, com sua ação saudável nos processos metabólicos, ajudando a ter um controle interno que garanta uma regulação dos humores e sentimentos. Respeitar e cuidar dos ritmos da vida significa ensinar a respirar, nutrindo assim o sentido vital da criança. O ritmo também engloba, aqui, a alimentação diária que deveria ter uma rica variedade de alimentos, ensinando a criança a comer melhor, inclusive pontuando o ritmo do dia por meio dos horários das refeições. Além disso, também é tarefa dos educadores planejar as atividades diárias, alternando com equilíbrio aquelas que demandam concentração com o tempo disponível para brincar, atividade que é fundamental. Participar com regularidade das tarefas domésticas é de grande ajuda e irá repercutir mais tarde na capacidade de trabalho da criança. As histórias e contos são importantes e eficazes como um medicamento, se forem bem escolhidos de acordo com cada criança. Outra ajuda que podemos trazer para as crianças é a diminuição dos estímulos sensoriais, algo que acontece em exagero na época em que vivemos e resulta como uma sobrecarga de impressões. Excesso de televisão, videogames, músicas desarmônicas, rádio, cinema, etc. Veremos reações das crianças tanto tapando os olhos e ouvidos, tornando-se mais inquietos ou excitados ou, por outro lado, apáticos. Muitas crianças que apresentam falta de concentração, inquietude e preocupam as mães, geralmente usam muito esses aparatos que favorecem a enfermidade. A massagem rítmica, banhos e fricções são bemvindos a critério da orientação médica, assim como a euritmia curativa.

O calor é uma grande ferramenta terapêutica. O calor em forma de cuidado e de compaixão é acolhido pela criança e pode circular para duas direções, como Rudolf Steiner afirma: para cima, aquecendo o pensar com mais imaginação viva e criatividade e para baixo, aquecendo a vontade com um servir entusiástico ao mundo. O amor ao lidar com uma criança é indispensável. Mas sozinho não basta, devemos uni-lo ao conhecimento. Para isso, uma observação do adulto sobre essa criança, com o treino sugerido por Rudolf Steiner em “Conhecimento dos Mundos Superiores”, ajuda muito no caminho de sua compreensão (7). Devemos observar o calor corporal dessa criança, se tem pés e mãos frios, se o calor não consegue chegar até as extremidades, se sua tendência é ao intelectualismo, ao neurossensorial, ao polo frio. A época em que vivemos preza a clareza da mente, a cabeça fria, a lógica, mas não podemos suprimir o calor emocional que inclusive acompanha o processo intelectual. É nocivo para a alma tudo o que retira o calor. A atitude pedagógica para aquecer a alma da criança é principalmente um contato afetuoso, não só com o corpo, mas envolvendo a criança em atividades criativas que transformem o que está rígido em movimento. A fantasia aquece até a ponta dos dedos. Por trás dos sintomas de hiperatividade, podemos procurar as forças que essas crianças trazem consigo: um grande impulso criativo, o de estar acordado, desperto e a urgência de ser ativo. É como se tivessem muito a realizar e pouco tempo para toda essa tarefa. Essas crianças são comunicadoras, espontâneas, inventivas, querem contar tudo e são generosas. Por terem esse lado “selvagem” e terem uma atitude contra a autoridade, tornam-se impopulares entre colegas e indesejáveis numa sala de aula onde falte flexibilidade e compreensão da parte do professor. Gostam de ser amigos de todos e seu interesse pelo mundo é ilimitado. Muitos são aventureiros e gostam de correr riscos, embora às vezes de maneira exagerada. Trazem o novo e é isso que os torna criadores de “problemas”. Como são contemporâneos por excelência, são atraídas pelo computador e habilidosos com ele. Crianças hiperativas são jovens anarquistas e as pessoas enxergam isso como algo inoportu77


Hiperatividade Infant il e Dificuldades Sociais no ou errado. Para cuidar dessas crianças é necessário compreender sua sede por liberdade e por criar – são repletas de ideias e ousadas – isso facilitará a relação com elas. Tal percepção advém de anos de atividade terapêutica e pedagógica junto às crianças e trabalhos conjuntos com professores.

Terapia artística A terapia artística é um tratamento que pode ser utilizado paralelo à Medicina sem conflitar com a mesma, podendo mesmo ser em conjunto e complementar. Com as ferramentas da arte, diversos materiais e técnicas, podemos providenciar para a criança um espaço de criação e expressão que se assemelha ao brincar, mas é uma brincadeira que pode ser conduzida de maneira a trazer um maior equilíbrio, suprindo as carências e necessidades da criança, ou estimulando algum processo interno que seja curativo. A visão do aspecto curativo e o direcionamento do trabalho segundo essa visão são os fios condutores do processo terapêutico, o que aproxima a terapia artística da função pedagógica do ensinar e, aqui numa certa medida, preservando ao máximo adequado a criatividade da criança para que a criança trabalhe com entusiasmo e interesse. Devemos sempre observar a idade da criança e trazer exercícios e atividades que estejam fundamentados na antropologia antroposófica. O critério de uso dos materiais, das técnicas e do processo artístico são ferramentas de fundamental importância na terapia artística, de acordo com o caso de cada criança e com sua condição no momento. No caso da criança hiperativa podemos direcionar sua atividade de forma a ampliar sua concentração por meio de um trabalho que lhe traga entusiasmo, calor. Indiretamente, a criança desenvolverá seu foco, persistência e autoestima, pois chegará a um resultado concreto. As mãos e os pés direcionados se acalmam, e pode ser criado um caminho para favorecer a respiração da criança. Eis então o sistema neurossensorial (direção, foco), o sistema rítmico (troca, respiração) e o sistema metabólico (movimento, membros) integrados. Levando em conta as considerações feitas até agora, descrevo a seguir atendimentos que reali78

zei com terapia artística para crianças diagnosticadas com DDA e hiperatividade. A partir de minha experiência como educadora e terapeuta, constatei que a construção em argila de espaços internos (um navio, xícara, tigela, montanha por dentro, labirinto, corredor de bolinhas) ajudou as crianças a focarem, a se introverterem e a se sentirem mais confortáveis em seus próprios corpos e, por conseguinte, no ambiente que as cercava. Assim também a criação do ritmo lento e amoroso dos trabalhos favoreceu a contrapartida à ansiedade.

Caso 1 Um menino hiperativo de nove anos que vamos chamar de WY veio indicado pela professora para fazer terapia artística. A queixa era que essa criança estava causando muitos problemas na escola, sem capacidade de concentração, muito agitada sem conseguir ficar sentada, cutucando colegas, às vezes estragando trabalhos dos outros. Interrompia frequentemente a professora e, muitas vezes, falando besteiras sem sentido, querendo chamar a atenção para si. Por outro lado, WY era brilhante em alguns comentários, muito inteligente e perspicaz. Poucas vezes demonstrava seu afeto, mas quando o fazia era de forma exagerada e desequilibrada. Tinha algo curioso em WY: ele não gostava de tirar os sapatos. Muitas vezes deixava de ir à casa de colegas onde havia piscina por essa razão. Seus desenhos livres eram feitos com grafite bem apontado, as figuras humanas não tinham pernas. Trabalhei com WY utilizando principalmente um caminho de jogos e desafios. Coloquei como objetivo no meu método direcionar sua atividade para um tema de interesse trabalhando com forças do coração e trazendo calor nas atividades. O trabalho foi realizado por meio de brincadeiras e histórias. E criando um ritmo para o dia a dia, com a participação e ajuda dos pais, uma parceria que trouxe bons resultados. No início era muito curta a concentração de WY, qualquer pequeno ruído desviava sua atenção; se houvesse um pedaço de jornal para forrar qualquer coisa, ele começava a ler. Assim, o ambiente de trabalho para essa criança teve que ser preparado com o cuidado de evitar ao máximo estímulos novos.


Hiperatividade Infantil e Dificuldades Sociais Seu primeiro pedido foi de desenhar uma bandeira da Inglaterra. Costumo trabalhar a partir da vontade e impulso inicial da criança, a partir do seu entusiasmo conduzindo aos poucos por um caminho curativo que equilibre seus excessos e carências. Pensamos onde essa bandeira poderia ser colocada e veio a ideia de um barco que aos poucos se transformou em um navio bem elaborado em argila e depois pintado (Figura 1). Com esse navio pudemos viajar para todos os lugares que WY queria ir. Na Suíça, construiu casas em uma rua, bem ordenada como o país. Indo para a Itália, resolvemos fazer uma massa caseira. Aproveitando a dificuldade de comer verduras convidei-o para fazermos juntos um macarrão de espinafre. Achou divertido fazer, pensou que não comeria, mas levou para casa e gostou de comê-lo. Uma baleia foi modelada, pois apareceu no meio da viagem.

Quando uma criança elabora sua própria xícara ou outro utensílio, ela passa a ter outra relação com os “bens de consumo”, que hoje em dia estão em uma situação tal que poderíamos denominar de “mal de consumo”, pois se tornam descartáveis. Recebemos os produtos sem saber sua origem, como foi feito, de onde vem o material, e isso traz uma relação de distância e desvalorização. Quando fazemos esse “produto”, passamos a valorizar e a respeitar os objetos reconhecendo o material, trabalho e esforço envolvidos. Isso nos traz uma alegria por sentirmo-nos capazes diante do mundo e dos materiais e ao mesmo tempo, consequentes e respeitosos com a natureza. Outra atividade realizada com WY foi pintar o tabuleiro de um jogo no chão (Figura 4), para brincar com os amigos, com círculos e quadrados coloridos e que envolvia desafios com mãos e pés.

Figura 2. Utensílio feito com as próprias mãos: outra relação com os “bens de consumo”. Figura 1. A modelagem e a pintura do barco deu início à viagem, pontuada por aventuras e muitas atividades como trabalhos com madeira, jardinagem e culinária.

Assim prosseguimos nossa viagem abrindo espaços para a criatividade de WY, dando sugestões e providenciando ferramentas para concretizar suas ideias com pinturas, modelagens, trabalhos com madeiras e vários materiais diferentes. Terminamos a viagem na Inglaterra, quando ele aprendeu a plantar hortelã e a fazer e tomar um chá das cinco de hortelã, em xícaras feitas e esmaltadas por WY (Figura 2).

No caminho desse jogo, primeiramente, fizemos um molde das mãos de WY em argila para, posteriormente, fazê-las em gesso. WY, que era agitado, ficou muito quieto para não estragar o molde e, em seguida, conseguiu tirar os sapatos para fazer o mesmo com os pés. WY modelou a argila com os pés (Figura 3); aceitou que eu colocasse toda a argila em volta de seus pés fazendo como se fossem botas e pedia que apertasse mais. Fizemos depois os modelos de gesso. Uma vez que os pés estavam sujos, aproveitamos para lavá-los em um balde de água quente, fazendo um escalda-pés que deixou WY muito tranquilo. 79


Hiperatividade Infant il e Dificuldades Sociais Era notável ver a capacidade dessa criança de perceber atmosferas relacionadas com diferentes povos. Um verdadeiro explorador, uma alma sentinela junto com a capacidade de liderar, com essa qualidade de ir à frente, se aventurar. Lembrando que a época em que vivemos precisa de novos impulsos que não estejam inseridos na cultura do medo, precisa de indivíduos que não corram junto com o rebanho. WY passou a ter outro comportamento na escola e com os colegas, mais equilibrado e autoconfiante.

Caso 2 Recebi outra criança com diagnóstico de hiperatividade que nomearei de HE. Com dez anos, ela também apresentava problemas escolares, com dificuldade de atenção, agitação nos membros do corpo, falta de motricidade fina, muito esperta, um tipo mais visual, ou seja, atenta e vigilante, com fraca qualidade de escuta e procurando, a todo custo, esconder suas dificuldades. Para isso, chamava a atenção movimentando-se, fazendo barulho, incomodando os colegas durante a aula. Como resultado ficou sem amigos e sua baixa autoestima era nítida. Fizemos uma grande montanha de argila que foi cavada de maneira que só a mão pudesse entrar e não fosse possível enxergar o que havia lá dentro (Figura 5). Dentro dessa grande toca, HE criou esconderijos para colocar pequenos objetos, como uma pedrinha preciosa, uma semente, etc. Isso trouxe uma vivência grande de tato e de silêncio. A qualidade de audição da criança foi aumentando gradualmente no processo de trabalho. HE ficou encantada com a ideia de trabalhar sem olhar e depois fizemos um jogo de labirinto para cegos (Figura 6). Ela criava o labirinto com os olhos fechados.

Figura 3. Preparo da argila com os pés, explorando as “pegadas”.

Figura 4. Um jogo para desafiar movimentos das mãos e dos pés.

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Figura 5. Uma caverna modelada somente pelo tato, sem enxergar o resultado, criando esconderijos para pequenos objetos.


Hiperatividade Infantil e Dificuldades Sociais A capacidade motora de HE aumentou e sua relação com os colegas normalizou-se. Seus trabalhos ajudaram como ponte para brincadeiras com os colegas e para o crescimento de sua autoestima.

algumas verduras e a elaborar alguns alimentos. É claro que foi necessário um trabalho extenso junto com seus pais, que não tinham muita tolerância e paciência, reformulando o ritmo diário e a alimentação de KA e com sugestões de histórias para serem contadas à noite, junto com um preparo para o sono. Em pouco tempo, eram notáveis as mudanças no comportamento dessa criança e a conquista de mais tranquilidade.

Conclusão

Figura 6. Um labirinto modelado com os olhos fechados: indicado para crianças hiperativas.

Caso 3 KA é uma criança de dez anos agressiva, inquieta, irritada consigo e com os outros – irmãos e colegas. Não conseguia assumir as consequências de seus rompantes, ficando cada vez mais nervosa e agressiva. Acabava se afastando de seus amigos e sua autoestima ficou bastante prejudicada. Por conta de muita ansiedade, não conseguia dormir bem à noite, o que aumentava sua irritação com as relações. Comia compulsivamente quando irritada, procurando doces, bolachinhas, salgadinhos, todo tipo de alimento industrializado. E em casa passava a maior parte do tempo em jogos eletrônicos. Propus para KA fazer um corredor de bolinhas, com um circuito complexo, cheio de curvas e túneis, que dependiam da qualidade da modelagem para que a bolinha corresse, trabalhando, assim, com consequência. KA envolveu-se muito, às vezes irritando-se por não conquistar o que queria, mas aprendendo aos poucos a lidar com sua impaciência e com a paciência na elaboração. Realizamos também um circo, onde KA pintou um grande cenário, bastante colorido e bonito, o qual montamos como se fosse o fundo e, na frente, fez os personagens, com trapézio, palhaço, leão e domador. Ficou um lindo trabalho e KA ficou muito feliz. Também ensinei KA a plantar

É impressionante a rapidez da resposta das crianças quando encontramos o caminho adequado para nos aproximarmos delas e conduzi-las, ajudando-as de maneira amorosa a superar suas carências. O trabalho artístico oferece uma grande oportunidade para as crianças vivenciarem conquistas, possibilidades de falhar e de superar, compreendendo que, muitas vezes, do “erro” surge algo novo. Acima de tudo, possibilita à criança que aconteça algo novo que venha da sua própria individualidade e que ela se reconheça como ser criador. Isso alivia a criança do medo do fracasso e traz para ela – para qualquer ser humano, em qualquer idade – uma alegria imensa. O importante do processo terapêutico artístico, especialmente num ateliê de artes, é a experiência de ocupar ativamente os espaços oferecidos com liberdade, onde certo caos pode ser tolerado, mas também onde a orientação sensível e perspicaz do terapeuta se faça presente. Quando a atividade artística permeia o processo de desenvolvimento da criança, ela mobiliza o senso de beleza e entrará na vida prática enfrentando-a com visão humana e harmônica (8). A atividade artística é como uma ponte entre o brincar e o trabalhar. A criança brinca com alegria, ao passo que, a mais das vezes, o trabalho do adulto é como um peso sufocante e obrigatório na vida. Na educação e no terapêutico, o artístico só pode ser levado ao homem em liberdade e com orientação plena de amor. Steiner cita Schiller e suas “Cartas sobre a educação estética do homem” para afirmar que é necessário que se tenha elevado respeito e amor especial pelo ser humano, também perante seu amadurecimento na infância (9). Nós, cuidadores das crianças, educadores, terapeutas, precisamos ser sempre os modelos de compaixão, compreensão e respeito pelo ser hu81


Hiperatividade Infant il e Dificuldades Sociais mano e pelo mundo. Assim sendo, nosso caminho deveria ser sempre um caminho de autoconhecimento e de eterna busca de crescimento. Como poderemos ajudá-los se nos faltar o reconhecimento de nossas falhas e incompletudes? Como incentivá-los, senão com nosso exemplo diário de aceitação e superação de problemas, com esforço, tolerância, trabalho e confiança na presença e na ajuda do mundo espiritual? Na verdade, a educação e o terapêutico são também trabalhos de seres espirituais. Pais, professores e terapeutas têm a tarefa de dar suporte ao trabalho que os anjos fazem. Como podemos nos aproximar deles e dar as mãos para um trabalho efetivo? Essa não é uma tarefa fácil. No meu trabalho, constatei que, com reverência pelo ser da criança, dedicação amorosa, observação e trabalho conjunto, poderemos contar com a ajuda do mundo espiritual nesse caminho tão necessário para o desenvolvimento da nossa humanidade.

Referências Bibliográficas 1. Stoeckli T. The Message today’s children bring. Das Goetheanum – Wochenschrift für Anthroposophia. 2001; n.11. Traduzida para o inglês e reproduzida por The online Waldorf library articles. Disponível em http://www.waldorflibrary.org/articles/608-themessage-todays-children-bring. (acesso em 17.11.2016). 2. Novalis FH. Pólen – Fragmentos, diálogos, monólogo. 2ª ed. São Paulo: Iluminuras, 2001. 3. Associação Brasileira do Déficit de Atenção – ABDA – http://www.tdah.org.br. (acesso em 10.11.2016) 4. Fonte desconhecida 5. Koehler H. Working with anxious, nervous and depressed children: a spiritual perspective to guide parents. Nova York: Reserach Institute for Waldorf Publication, 2014. 6. Steiner R. Anthroposophie, Psychosophie, Pneumatosophie. Dornach: Steiner Verlag, 2012. 7. Steiner R. Conhecimento dos mundos superiores. 7ª ed. São Paulo: Antroposófica, 2007.

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8. Steiner R. O Desenvolvimento Saudável do ser humano. São Paulo: Federação das Escolas Waldorf do Brasil, 2008. 9. Steiner R. Pedagogia, Arte e Moral. São Paulo: João de Barro, 2008.

Bibliografia não referendada no texto Alves DC. Caracterização de crianças com dislexia com e sem transtorno de déficit de atenção / hiperatividade - Preparada pela Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - 2015 - USP/FM/DBD-096/15 (Tese) Balona GJ. Distúrbio de Déficit de Atenção por Hiperatividade - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, 2002, disponivel em http://sites.uol.com.br/gballone/infantil/tdah.ht m. Acesso em setembro de 2016. Bockemhul J. El Niño nervioso. s/ ref. Dias L. Problemas de Aprendijzagem. São Paulo: Editora Antroposófica, 1995. Gloeckler M. A síndrome hipercinética na idade infantil - Revista Arte médica ampliada - Associação Brasileira de Medicina Antroposófica - Ano XXX - n 2 Inverno / 2010 Konig K. La esfera de los doce sentidos y los siete procesos de vida. Traducción Ana Maria Rauh. (Apostila -cuaderno 1) Konig K. O desenvolvimento dos sentidos e a experiência corporal. Laurindo MH.Psicopedagogia em sala de aula: Prevenindo dificuldades de Aprendizagem - monografia - Universidade Tuiuti do Paraná – Curitiba, 2001 Setzer S. Os Doze Sentidos.São Paulo: Associação Brasileira de Medicina Antroposófica, 2000. Silva ABB. Mentes Inquietas. São Paulo: Editora Gente, 2003


Terapia Artística Antroposófica em Contexto Hospital ar

A TERAPIA ARTÍSTICA ANTROPOSÓFICA EM CONTEXTO HOSPITALAR E DOIS CASOS PSIQUIÁTRICOS Helena Urben i

RESUMO: As atividades de ateliê em três hospitais da Alemanha são descritas brevemente (1990). A ideologia subjacente no encaminhamento dos trabalhos nessas três instituições tem sido a terapia artística antroposófica. O processo terapêutico era eminentemente dirigido em duas delas e partia de um trabalho livre em outra. Os requisitos do terapeuta e do paciente, as técnicas mais utilizadas, bem como uma metodologia envolvida na aplicação desse processo terapêutico são temas brevemente abordados. Dois casos de pacientes psiquiátricos em ateliê particular são sucintamente relatados, o primeiro com trabalhos impressivos / dirigidos num primeiro momento (em surto), e o segundo com trabalho livre/expressivo desde o início. Palavras chaves: arteterapia, psiquiatria, terapêuticas psiquiátricas, terapia artística, terapia breve, terapia hospitalar.

ABSTRACT: The artistic activities in three hospitals at South Germany are shortly described (1990). The basic ideology, which guides the works at these three institutes, is the anthroposophical artistic therapy. The therapeutic process has been eminently guided in two of them, and the other one has used free work. The therapist and client characteristics, the most used techniques and one applied methodology are themes shortly considered. Two psychiatric cases in private studio are briefly reported: the first one has been guided with impressive works at the beginning (psychiatric outbreak), and the second one with free/expressive work from the starting point. Key words: arttherapy, psychiatry, psychiatric therapies, artistic therapy, brief therapy, hospital therapy.

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Terapeuta artística. Mestre em Artes Plásticas pela Eca-Usp. Pós-graduada strictu sensu em Semiótica e Comunicação pela PUC-SP. E-mail: urben@uol.com.br – Whatsapp: (11) 99782-4440

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Terapia Artística Ant roposófica em Contexto Hospital ar

.... a arte é apenas um modo, o importante é a ação que realiza a experiência estética, a ação com que a consciência se transforma (1).

Três ateliês terapêuticos Em julho de 1990, tive a oportunidade de visitar, no sul da Alemanha, um hospital psiquiátrico e duas instituições hospitalares para tratamento de doenças em geral. A Husemann Klinik, nos arredores de Friburgo, é um hospital psiquiátrico que, na área das artes plásticas, tem um ateliê para modelagem em argila, que atendia mais de cem pacientes internados por dia, e outro para pintura. Em modelagem, as atividades seguiam uma seqüência prédeterminada, independente da doença ou das características individuais dos pacientes. Tal seqüência constituía-se de: a. Corpos platônicos b. Vasos c. Animais de quatro patas d. Corpo humano e. Cabeça humana

O trabalho totalmente dirigido era justificado pelo argumento de que o paciente psiquiátrico, o mais das vezes em surto esquizofrênico, precisava reintegrar-se ao mundo real através da elaboração de formas características da estrutura física desde suas formas mais básicas (as formas platônicas), até o próprio corpo humano. Em pintura, utilizava-se da técnica em aquarela aguada sobre papel molhado ou veladura. Porém, quando o paciente estava muito agitado, recorriase ao giz de cera. A cópia de aspectos e paisagens da vida quotidiana era muito utilizada e, por vezes, outros exercícios indicados pela Dra. Hauschka (2). O objetivo era, principalmente, o de levar o paciente a vivenciar seu corpo e a realidade que o cercava, através de cópias na pintura, e através da modelagem de temas figurativos e/ ou proprioceptivos. Os outros ateliês, que tive a oportunidade de conhecer, foram o da Filderklinik (pintura) em Filderstadt Bonlanden, e o da Oeschelbronn Klinik 84

em Oeschelbronn (escultura e pintura). Na ocasião da visita, a maioria dos pacientes internados tinha câncer. Observava-se que os trabalhos expressivos desses pacientes eram muito formativos, com superfícies isoladas, motivo pelo qual a atividade mais indicada para essa patologia era a aquarela sobre papel molhado, para que se pudesse dissolver e integrar mais facilmente as cores e as formas; respiração mais ampla, mais leveza e fluidez eram a meta. Na Filderklinik aceitava-se pacientes externos para trabalharem no ateliê e se utilizava basicamente do método Hauschka (3). Em Oeschelbronn, por sua vez, iniciava-se as atividades do ateliê com trabalhos expressivos livres, a partir dos quais se elaborava um plano de trabalho mais dirigido, conforme a necessidade de cada paciente. Em todas essas três instituições havia reuniões interdiciplinares duas a três vezes por semana para discussão de casos, da qual participavam todos os profissionais que, de alguma forma, tinham contato com o paciente. A ideologia subjacente no encaminhamento das atividades em arte plásticas nessas três instituições era a terapia artística antroposófica (TAA), a qual se fundamenta em vários aspectos, dentre os quais: 1. Com relação ao terapeuta: 1.1. Cabe a ele conhecer profundamente os recursos com os quais se dispôs a trabalhar, ou seja, a antroposofia, a visão antroposófica de doença e saúde, a terapia artística antroposófica e as artes plásticas. 1.2. Sacrificar sua produção pessoal, enquanto no exercício de sua função, em favor do aprendizado, da necessidade e da criatividade do cliente. 1.3. Ajudar a promover a saúde física e psíquica dos clientes e, para tanto, fazer interface com as áreas com as quais se interrelaciona que são a medicina e a psicologia. 2. Com relação ao paciente: Dentro e fora do contexto hospitalar, as pessoas que buscam ou que são encaminhadas para a TAA são pacientes psiquiátricos, clientes com problemas físicos, ajuda ao desenvolvimento in-


Terapia Artística Antroposófica em Contexto Hospital ar fantil, pessoas em crises existenciais ou aquelas que se disponham ao desafio da autoconsciência e da transformação, auxiliando-se até mesmo na prevenção de problemas tanto físicos como psicológicos (salutogênese) 3. Com relação às técnicas de trabalho, as mais utilizadas são:  O desenho, o desenho de forma e o desenho dinâmico  Modelagem em argila  Pintura em aquarela (aguada sobre papel molhado e veladura)  Observação de obras de arte consagradas. 4. Com relação aos métodos: Inicia-se o trabalho com exercícios dirigidos, como eram conduzidos os casos na Husemann Klinik. De outra forma, como era utilizada na Oeschelbronn Klinik, parte-se de trabalhos livres e expressivos para, a partir deles, se montar um percurso mais ou menos dirigido de atividades no ateliê, até que o cliente adquira, se desejado por ele, total autonomia na escolha e na confecção de sua obra. No âmbito da internação hospitalar, comumente, não há tempo hábil para se chegar a esse nível. Em hospital, uma terapia, a mais das vezes breve, demanda um planejamento onde seja possível o fechamento de uma fase de trabalho, seja pelo término de um exercício e/ou pela avaliação através de um novo trabalho livre. Além desse aspecto de processo dirigido ou que se apoia também em trabalhos expressivos, vários métodos são passíveis de serem utilizados, sendo que tais métodos são complementares entre si, ao mesmo tempo que um relativiza as conclusões do outro, permitindo-nos uma abordagem aberta, dinâmica e sistêmica do processo terapêutico. Temos o método de Hauschka, o de Collot D‟Herbois, o de Marianne Altmaier, dentre outros (4). Um desses métodos na terapia artística, que parte da obra livremente expressa, esse método foi levado em conta na Oeshelbronn Klinik sob a orientação do terapeuta Fritz Marburg (modelagem), e implementado no Brasil por ele e pela terapeuta Verónica Kaliks nos cursos de formação e em grupos de estudo. No âmbito da pintura, esse método foi também vivenciado no correr de três

cursos que Marianne Altmaier deu em São Paulo. Tal método implica em quatro planos de observação da obra do cliente (quadrimembração segundo a antroposofia) (5) na sequência que segue:  1º Plano físico – o bi e o tridimensional (tudo que se mede, pesa e conta)  2º Plano vital (também chamado de etérico na antroposofia) – o temporal (movimento expresso pela direção, velocidade, distância (= planos da obra, perspectiva) e ritmos da obra. Tal aspecto inclui a imagem da obra como um organismo (espaço e tempo interagindo).  3º Plano emocional (astral segundo a antroposofia) – gesto, sentimento e atmosfera da obra.  4º Plano do eu – o aspecto individual único da obra Esse olhar quadrimembrado, que se aproxima muito do acima citado, foi também desenvolvido por Huber et al (6), que constroem seu método de avaliação de pinturas livres a partir de um consenso estabelecido entre as autoras, e sobre o qual o artigo de Vera Orgolini nesta revista nos oferece uma pesquisa quantitativa notável, o que é tão raro em nossa área. Esse método, dentre outros, é importante recurso para se averiguar a situação físio-psíquica do autor da obra analisada, bem como para ajudar a estabelecer uma meta terapêutica de trabalho, meta essa que implica no resgate e/ou na estruturação da intencionalidade individual do cliente. Quando este chega a tal ponto do trabalho, surge sua obra de arte. Se o trabalho pára em etapas anteriores, ele terá, pelo menos, aliviado sintomas e/ou metamorfoseado posturas e/ou estabelecido renovados objetivos de vida.

Casos de pacientes A título de exemplo, no que diz respeito somente à indicação de processos terapêuticos dirigidos e/ou expressivos, relato brevemente o caso de dois pacientes psiquiátricos que foram atendidos em meu ateliê particular, sendo que o primeiro caso demandou indicação de exercícios dirigidos nas primeiras sessões, e o segundo caso 85


Terapia Artística Ant roposófica em Contexto Hospital ar permitiu a elaboração de trabalhos livres no início do processo terapêutico.

Primeiro pedi que ele aumentasse o tamanho das peças, buscando a verticalidade e as formas plásticas em diferentes tamanhos e relações entre si (Figuras 1 à direita e 2 a 4):

Primeiro paciente J.L. chegou ao ateliê em primeiro surto psiquiátrico aos 42 anos. A ele foram dados os corpos platônicos, (o cubo, o icosaedro, o octaedro e o tetraedro) realizados em argila, com o intuito de ajudá-lo a ter mais controle sobre o próprio corpo, a não ficar entregue ao mundo do pensar, da imaginação e da fantasia. Parte-se da hipótese que tais formas, por serem semelhantes a estruturas básicas da matéria, têm potencial proprioceptivo ao serem feitas pelo paciente, além de representarem elementos da natureza (terra, água, ar e fogo respectivamente). O próprio material argila é muito indicado em psiquiatria, tanto por suas propriedades que ajudam o cliente a “aproximar os pés do chão”, como pelo fato de ser rico em ferro, partindo-se da hipótese que essa substância dinamiza o ferro em nós, elemento esse que, em nosso sangue, nos dá uma justa medida de nosso vínculo ao corpo, à Terra, ao estar encarnado. Passada a fase crítica da doença, o paciente fez exercícios livres de modelagem, encaminhandose depois o trabalho no sentido de promover o diálogo entre côncavas e convexas em torno de um eixo vertical. Tal encaminhamento objetivou realçar uma tendência já apontada nos trabalhos livres: a verticalidade ainda tímida, côncavas (expansão) e convexas (contração) delicadas e separadas em duas peças (Figura 1 - duas peças à esquerda).

Figura 1. Dois trabalhos livres à esquerda e aumento do primeiro

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Figura 2. Convexos e côncavos

Figura 3. Pássaros a partir da esfera

Figura 4. Vaso proprioceptivo com o cilindro da altura do braço do cliente e a abertura à semelhança das mãos em cálice (ref. Husemann Klinik)


Terapia Artística Antroposófica em Contexto Hospital ar A partir da conclusão de uma peça onde a verticalidade, as côncavas e as convexas estavam fluindo um tanto melhor entre si, o paciente reassumiu sua vida e foi fazer uma psicoterapia: as arestas que saltaram para fora da obra foram, para o cliente, altamente significativas. (Figura 5 e 6)

doença desde a puberdade. A ele indiquei trabalhos livres nas primeiras sessões. Ele fez um rosto deitado, um peito, uma perna, um pé, uma orelha e um nariz, todos separados um do outro e perfeitos em sua forma (Figuras 7 a 9). A seguir, sugeri que o paciente fizesse um vaso em camadas superpostas de rolinhos de argila, à semelhança do solicitado ao paciente anterior, para treino do juntar partes, para sentir a superação da gravidade, para construir uma estrutura em que o dentro pudesse estar acolhido por um limite bem determinado, para sentir a si prórpio enquanto o vaso tinha o comprimento do próprio braço e a abertura à semelhança das próprias mãos em concha. A seguir, foi proposto que o paciente fizesse um corpo inteiro em pé, o que ele conseguiu após muito esforço (Figuras 12 e 13) e exercícios paralelos de desenho de forma (Figura 10) e desenho em pastel oleoso (Figura 11), sempre dirigidos no sentido de juntar partes e formar um organismo ou um todo (Figura 14).

Figura 5.

Figura 6.

Segundo caso de paciente M.S. era um paciente de 27 anos com esquizofrenia paranóide sem deterioração, acometido pela

Não bastava ter uma bela forma, como nos exercícios livres iniciais, era preciso ter vitalidade, ritmo e coesão entre as partes; não bastava expressar emoções através das formas perfeitas e belas dos primeiros exercícios, era preciso que sua emoção permeasse seu físico sem estar fragmentada. Houve sacrifício das formas perfeitas dos exercícios livres, em favor da junção das partes. Esse paciente, que pesava 213 Kg, passou a pesar 198 Kg após três semanas de trabalho, e perdeu mais 30 Kg após moldar seu homem na argila. Era um amante da beleza que, ao materializar a forma organicamente mais estruturada, pôde chegar mais perto da não fragmentação em si mesmo e no mundo material que nos cerca. Não colocar os pés no chão foi o máximo que ele conseguiu fazer, com a fragilização das pernas e a necessidade de um suporte em argila por trás da figura humana. Mas um grande passo foi dado, grande demais talvez. Fazer arte é lidar com variáveis infinitas, como com o próprio ser humano. Fazer terapia artística antroposófica é um compromisso com a transforma-AÇÃO. 87


Terapia Artística Ant roposófica em Contexto Hospital ar

Figura 10.

Figura 7.

Figura 11. Círculos desenhados de fora para dentro, até encontrar o centro e posteriormente preenchidos a cor– um exercício simples e muito eficaz para ajudar o paciente inquieto a focar. Figura 8.

Figura 9.

88

Figuras 12 e 13.


Terapia Artística Antroposófica em Contexto Hospital ar Referências Bibliográficas 1. Argan GC. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 2. Hauschka M. Terapia Artística. Trad. Astrid Dudeck. V. 2. São Paulo: Editora Antroposófica, 1987. 3. Id ibid 4. Consultar referências em URBEN, HGM. As experiências iniciais com a linguagem das artes plásticas no contexto da saúde. São Paulo, 2003. Dissertação (Mestrado) - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Orientação da Pfra Dra Maria Heloisa C.T. Ferraz. 5. Steiner R. Teosofia. Tradução de Daniel B. de Brito. São Paulo: Antroposófica, 1983. 6. Huber M, Elst B, Riezebos C. Pinturas livres: em busca de um método de avaliação. São Paulo: Antroposófica; 2015.

Figura 14.

89





Experiências Meditativas de uma Terapeuta Art ística

EXPERIÊNCIAS MEDIATIVAS DE UMA TERAPEUTA ARTÍSTICA i Bernadette Gollmer ii

RESUMO: Com a força da oração, cresce a ajuda para as tarefas na vida. Sua ação prática é demonstrada diariamente na tarefa profissional ou pessoal do terapeuta. O trabalho artístico antroposófico simultâneo é ajuda e testemunha do crescimento espiritual através de práticas de meditação diárias no acompanhamento de pessoas em crise de vida. Meditação antroposófica é força imponderável no dia-a-dia na família, na profissão e na comunidade. Palavras chave: formação em terapia artística antroposófica, forma de pintar segundo Margarethe Hauschka e Liane Collot d'Herbois; Calendário da Alma de Rudolf Steiner; meditações para o paciente; oração; retrospectiva terapêutica.

ABSTRAKT: Mit der Kraft von Gebet, wächst die Hilfe für die Aufgaben im Leben. Die gleichzeitige anthroposophischkünstlerische Arbeit ist Hilfe und Zeuge des spirituellen Wachsens durch tägliche Meditationsübungen in der Begleitung mit Menschen in Lebenskrisen. Anthroposophische Meditation ist unwägbare Kraft im Alltag in Familie, Beruf und Gemeinschaft. Ihre praktische Wirkung zeigt sich nachweislich in alltäglichen Abläufen in beruflichem oder persönlichem Umfeld des Therapeuten. Schlüsselwörter: Gebet; anthroposophische Kunsttherapieausbildung, Malweise nach Margaretha Hauschka und Liane Collot d„Herbois; Meditationen für den Patienten;Seelenkalender von Rudolf Steiner; terapeutische Tagesrückblick.

i

ii

Tradução da terapeuta artística Rosa Prado, do original alemão: Meditationserfahrung einer Kunsttherapeutin“ do livro Meditation in der Anthroposophischen Medizin, Ein Praxisbuch für Ärzte, Therapeuten, Pflegende und Patienten. Herausgeber Michaela Glöckler Salumed VERLAG: Deutschland, 2016 Bernadette Gollmer é terapeuta artística suíça, residente no país de origem.

93


Experiências Meditativas de uma Terapeuta Artística Cresci numa família católica romana, família tradicional, ladainhas, terços, Pai Nosso, e a oração matinal na escola eram absorvidos como uma esponja. Eles formaram um ritual e um hábito sem que a consciência estivesse presente. A certeza permaneceu no distinguir o verdadeiro do falso, a verdade da mentira. Na profissão de técnica na área médica, pareceume importante o que é passível de se reproduzir, contar, pesar e ser medido. Todo o resto passa por charlatanismo. Quando as minhas crianças começaram a crescer voltei a me lembrar de versos infantis e de contos de fadas; das festas anuais e do brincar na natureza que eram tão importantes. O primeiro ano de formação1 segundo a métodologia de Margarethe Hauschka (1896-1980) foi um enriquecimento, que trouxe talentos à tona e a experiência de que o fazer artístico “faz bem”. Eu mal podia explicar. Após uma mudança para a Suíça comecei em 1996 a formação básica segundo a metodologia Liane Collot d‟Herbois (1997-99) na escola Jackhos em Zurique2. A frase “Conhecimento é o mais espiritualizado, amor é a forma mais linda de entrega altruísta” de Rudolf Steiner (1) era um verso diário. Este mantra me acompanhou durante muitos anos durante a formação e nos cursos posteriores. Quando eu comecei a minha formação como terapeuta artística eu não tinha noção do que seria meditar. Colegas me presentearam com o Calendário da Alma de Rudolf Steiner. Desde então ele está se desfazendo na minha bolsa, pronto para me anunciar pela manhã a atmosfera da semana. No início frequentemente era “chinês” o que eu ali estava lendo – hoje eu vivencio como uma verdade valiosa. No verso semanal 20 na última sentença está escrito: “Em si, em si mesmo teria de matar-se.” Por que meu ser deve se apagar, quando eu estou me construindo, quando finalmente estou diante de mim? Hoje eu sei cada vez mais da ligação com os reinos da natureza ou as hierarquias e vivencio a ampliação do meu ser na existência.

1

Centre Paul de Tarse, Belgium de 1993 a 1995

2

Schule Jakchos, Ekkehardstrasse 11, CH-8006, Zürich

94

“Somente assim sinto meu existir Que, longe do existir do mundo, Em si mesmo teria de extinguir-se E, construindo apenas sobre o próprio solo, Em si mesmo teria de matar-se” (2)

Para harmonização interna no decorrer do dia A prática da retrospectiva segundo a indicação antroposófica não foi fácil para mim, foi necessário lutar. Hoje escrevo curtas anotações no meu diário. Isto me ajuda a reconhecer momentos especiais, a educar a atenção e a percepção em diferentes planos, a me lembrar deles e, nos momentos adequados, dizer ou fazer a retrospectiva corretamente. Com essa ferramenta e com a formação concluída, comecei a oferecer cursos de pintura e terapia artística no meu atelier em 2001. A base do meu trabalho foi a formação em luz, escuridão e cor, que eu encontrei fundamentada em todos os textos da ciência espiritual e na relação com o clima, com a biografia e com a autoeducação. Uma ajuda importante para mim é o registro da sessão terapêutica. Anotar a intervenção, o decurso, o ressoar e os próximos passos ajudam a lidar de maneira higiênica com o ocorrido. Desde 2000 participei regularmente dos congressos internacionais de terapia artística da Sessão Médica do Goetheanum. Esses congressos preenchiam o meu repertório invisível para todo o próximo ano de trabalho. Comprei o livro de Rudolf Steiner: ”Meditações para o dia e para o ano” publicado por Taja Gut (3). Esse pequeno livro de bolso dá suporte para a prática meditativa que eu preciso para o meu próprio sentir-se diferenciada daquilo que vem ao meu encontro. Durante meu dia a dia, além de fornecer verdades superiores, ele limpa a alma, o espírito e o corpo. Enquanto eu penso sobre algo novo, a leitura modifica o meu sentir e eu posso lidar de maneira adequada com o que quer que seja. O livro oferece exercícios para as festas do ano e para meses, semanas ou para os dias. “Firme eu me coloco na existência” é o meu exercício preferido para a polaridade da noite e da manhã, que contribui para a harmonização no correr do dia:


Experiências Meditativas de uma Terapeuta Art ística À noite

in die Geistheimat der Menschenseele. –

Se concentrar na:

Du, der die die Wege kennst seit Jahrtausenden –

Cabeça:

Lass nicht ab

Sabedoria busco em todo o meu pensar Coração: Calma conduziu-me à existência

mich zu erhellen, mich zu durchkraften, mir zu raten,

Calma conduz-me à meta Mão direita: Esperança eu coloco em todo o meu fazer Mão esquerda: Amor nutro no meu cerne

dass ich aus dem webenden Schicksalsfeier als ein stärkeres Schicksalsgefäss hervorgehe und mich immer mehr erfüllen lerne mit dem Sinn der göttlichen Weltenziele.

Pé direito: Seguro caminho na existência Pé esquerdo: Firme eu me coloco na existência Retrospectiva

Tu, meu amigo celeste, meu anjo, Que me conduzistes para a terra E que me conduzirás através do portal da morte Para o lar espiritual da alma humana, Tu que conheces os caminhos há milênios

Manhã

Não desista de me iiluminar,

Calma

De me fortalecer,

Se concentrar em:

De me aconselhar,

Pé esquerdo: Firme eu me coloco na existência Pé direito: Seguro caminho na existência Mão esquerda: Amor cultivo no meu cerne Mão direita:

Para que eu nasça das celebrações que tecem o destino Como recipiente cármico fortalecido E para que eu possa aprender A me preencher cada vez mais Com o sentido das divinas metas

Esperança coloco em todo o meu fazer Coração: Calma conduza-me à meta Calma conduziu-me à existência Cabeça:

Esta oração ilustrada por Liane Collot d‟Herbois (Figura 1), complementada com as explicações de Rudolf Steiner3, acompanham-me há muitos anos durante a noite.

Sabedoria busco em todo o meu pensar

E a partir desta frase: “Esperança coloco em todo o meu fazer”, ela dá a coragem para qualquer ação. Gosto de copiar essas frases e dar para os pacientes, que estão diante de novos passos e que aceitam pintar, apesar da atuação terapêutica não ser passível de ser medida. Numa situação difícil eu recebi apoio através da “Oração ao anjo” do poeta e escritor Ernst Karl Plachner (1896-1982) (4). Du mein himmlischer Freund, mein Engel, der du mich zur Erde geleitet hast und mich geleiten wirst durch die Todespforte

3

Comentários do Dr Rudolf Steiner à oração ao anjo: A oração é uma chamada direta da alma humana a seu anjo. Cada pessoa tem um anjo que é seu guia individual que, acompanhando o ser humano – a partir da contemplação imediata da trama total do destino dessa pessoa, dá as indicações e os impulsos certos à alma humana terrestre - quando a alma os quiser aceitar. O anjo acompanha a alma humana através de suas diversas vidas terrestres e conhece exatamente seus caminhos e aspirações, tarefas, necessidades e aflições. Ele também tem visão total sobre essa alma e seu ser, assim como ele supervisiona o mundo inteiro com suas leis e possibilidades, e ele ajuda e guia a alma humana em seus caminhos necessários.

95


Experiências Meditativas de uma Terapeuta Artística Quando os pacientes pintam um anjo, eu passo para eles esta oração, ou quando se trata de aceitar um fato, de suportar uma situação difícil.

tas artísticos: “Cuidado pré e póstrabalho da relação que surge entre paciente-doença –terapeutamédico”. Dagmar Brauer nos deu a seguinte meditação de Rudolf Steiner (6):

Devoção ao pequeno

“Eu me afundo nas forças mais profundas da alma em mim,

O exercício de atenção (Achtsamkeitsübung) recomendado por de Rudolf Steiner (5) - “Devoção ao pequeno” - ajudou-me durante um estágio no hospital; é comumente um desafio para os estudantes acompanhar pessoas acamadas no hospital! – Sim, para vencermos pelo “menor” as situações mais difíceis. Textualmente está escrito:

Aí eu vivo sentindo o eterno da minha alma.

“Mas pode justamente a meditação, que atua em tais coisas, não ter a Figura 1. atmosfera, meus queridos amigos: eu quero internamente me deitar num ninho quentinho,deve me aquecer sempre mais, mas precisa haver a atmosfera, para que mergulhemos na realidade, para que compreendamos a realidade. Devoção ao pequeno. Sim ao menor. O interesse para com este pequeno não pode ser desprezado, meus queridos amigos. É preciso ser assim, para que aos senhores, o lóbulo da orelha, a unha cortada, um pedaço do cabelo humano interesse tanto como Saturno, Sol, Lua. Pois finalmente é nesse um cabelo humano que todo o resto está dentro, e aquele, que fica careca, perde em verdade todo o cosmos. É realmente assim que pode ser criado internamente aquilo que é visível externamente, quando nós temos aquele domínio necessário para uma vida meditativa.”

Ajudando o espírito

O meu destino me relaciona com pacientes. Por que estou lá, no que eu posso contribuir? Um encontro trágico mostrou que eu sou primeiramente um ser humano e não uma terapeuta que sabe tudo e faz melhor! O que os assim ditos pacientes me mostraram, me ajudaram a desenvolver, é inestimavelmente valioso e grandioso.

Como o ponto sem expansão no círculo, Assim é a alma eterna sem um ser corpóreo em mim. Com este ser eterno sem corpo eu recordo

A força, de ser você mesmo, fortaleça em você. A luz, que luze no seu interior, avive-se em você. [...] O calor da alma, que irradia do seu próprio espirito, a/o aqueça.

Desde 2005 esta meditação acima é minha constante acompanhante no trabalho com doentes. Esta meditação sustenta a minha relação terapêutica com o paciente, ao colocar claramente a individualidade como o ponto central. O que dá suporte para a sua força, o que vivifica a sua luz, o que aquece a alma? Quantas vezes a preparação para a sessão terapêutica e o desejo do paciente se encontram em sintonia. As linhas a seguir dão suporte para um exercício simples em pintura, para um quente por do sol. Elas podem formar uma ponte no dia a dia do paciente na busca da luz interna. Eu recomendo sentar-se à noitinha num banco e dedicar-se por um tempo na observação do por do sol.

Meditação de ajuda para si e para os outros

“Eu entrego meu pesar ao Sol poente,

Em 2005 participei de um grupo de trabalho com Kaspar Jaggi e Dagmar Brauer e outros terapeu-

Deposito meus cuidados em seu colo resplandecente

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Experiências Meditativas de uma Terapeuta Art ística Purificados em amor, Transformados na luz, Eles voltam como pensamentos auxiliares, Como força para atos de alegre sacrifício.” (7)

E para o exercício objetivo do amarelo acompanha a seguinte meditação: “No meu coração Irradia a força do Sol Na minha alma Atua o calor do mundo. Eu quero respirar O calor do Sol Eu quero sentir O calor do mundo. Força solar me preenche Calor do mundo me permeia” (8) Meditação da cor de Liane Collot d’Herbois “Imagine que você está flutuando num espaço infinito. Ao redor há uma atmosfera nebulosa, escura e quente. Inicialmente você não vê nada além da escuridão, mas você sente que está sendo carregado por este calor suave que aí está, que o carrega consigo em movimentos lentos. Depois de um tempo, você começa a perceber que você deve estar se movendo em direção à luz, porque na sua frente e em todo o seu redor a escuridão começa a brilhar fracamente com um lindo púrpura, a cor que chamamos de magenta. Magenta o envolve e você ainda sente estar sendo carregado, mas agora por esta cor e por seu calor. Suavemente ela vai levando você e a escuridão se torna um pouco mais clara. Magenta escorrega para os lados e à sua frente a cor vai mudando para um carmim escuro. Você começa a discernir vagamente os movimentos feitos pela atmosfera escura, pulsando, rolando, juntando e dispersando-se novamente, mas ainda pouco perceptível. Os movimentos vão levando você. Eles se tornam mais rápidos e mais fortes e você se percebe viajando por um mundo de vermelho. À sua esquerda e à sua direita a atmosfera é um pouco mais densa, onde o carmim ainda perma-

nece. Os movimentos têm maior velocidade, assumindo uma direção mais ascendente e agora você chega ao mundo do laranja, o vermelho desaparecendo pelos lados. À sua frente o laranja subitamente se abre, movendo para os lados e você sente que está sendo puxado em direção ao amarelo que você vê irradiando-se à sua frente. Aqui os movimentos são praticamente lineares, puxando você para cima e para frente, para o ponto onde eles se partem pela luz, formando pequenas manchas adejantes de verde amarelado que o acompanham até que você encontra em frente o esplendor da luz em si. Você se sente atraído por ela em direção a esta luz pura, descoberta, que tem a cor de um esmeralda claro. Ela o absorve e você pode ver através dela, olhando para profundidades cada vez maiores de azul. Você dá um passo para fora da luz, deixando-a para trás e você se encontra nos movimentos geométricos do turquesa. Dos lados eles se suavizam para um azul cobalto. Aqui a atmosfera não é mais quente e nebulosa, é clara e fresca, cristalina. Enquanto você tinha a luz à sua frente, a escuridão o carregava em direção à luz com movimentos gradualmente ascendentes. Agora com a luz às suas costas você está sendo levado para longe dela com movimentos de retirada, levemente descendentes. Aqui a escuridão se permite ser empurrada pela luz. Você chega ao azul cobalto que o envolve, carregando você para baixo para os movimentos incertos do índigo. A luz esmorece, refletindo-se suavemente nos movimentos hesitantes da escuridão. Então você chega à zona misteriosa do violeta, onde os movimentos são ainda mais lentos e quase horizontais. Você percebe que se você quisesse ir mais adiante, você chegaria ao grande limiar onde a luz finalmente morre.” (9) As cores são movimentos. Elas me levam para uma vivencia espacial, a partir do calor com simpatia para a luz e de volta com a força da luz para o calor. Assim a cor é libertada do sentir subjetivo e ganha uma essência objetiva.

Oração da serenidade A sociedade faz exigências para o ser humano como terapeuta ou como paciente em vários âmbitos. O reconhecimento da profissão pelo seguro de saúde, pela medicina complementar e a clássi97


Experiências Meditativas de uma Terapeuta Artística ca, trabalhos em equipe e cursos de complementação, atividade como profissional liberal ou como empregado, terapia ambulatorial ou hospitalar fazem do trabalho e do tratamento uma obra. Assim esta oração da serenidade ajuda a voltar à calma para continuarmos. Repousam no fundo da minha alma, As boas e as más sortes.

Referências Bibliográficas 1. STEINER, R. Anthroposophischer Seelenkalender. Rudolf Steiner Verlag Dornach 2015 2. STEINER, R. Zwanzigste Woche in: Anthroposophischer Seelenkalender. Rudolf Steiner Verlag Dornach 2015.

Quero notar.

3. STEINER. R. Meditationen für Tag und Jahr. Taja Gut (editor). Rudolf Steiner Verlag Dornach 2010.

Nisso se me mostra

4. PLACHNER, Ernst Karl. s/ ref.

O que de bom diariamente me aflui,

O que os deuses fazem de mim. O que de grave às vezes me aflui Quero suportar. Nisso se me mostra O que eu mesmo posso fazer de mim. Agradeço a minha boa sina como vivo agora Agradeço ao meu vigor na má sina, A força que pode conduzir-me subindo na vida. Quem crê só que a boa sina promove, A má sina se curva, Esse não vê o ano, mas somente o dia. (10) Recomendo também o livreto de Friedwart Husemann que ajuda a todos os terapeutas: Aconselhamento com o médico da família: exercícios anímicos para o fortalecimento da saúde

5. STEINER, R. Heilpädagogischer Kurs (GA 317). Rudolf Steiner Verlag Dornach 1995. S.155. 6. STEINER, R. Mantrische Sprüche. Seelenübungen II (GA 268) Rudolf Steiner Verlag Dornach 1999. S. 19 7. STEINER, R. Sprüche, Dichtungen, Mantren. Ergänzungsband GA 40 a). Rudolf Steiner Verlag Dornach 2001. S. 285. 8. STEINER , R.: Mantrische Sprüche. Seelenübungen II (GA 268). Rudolf Steiner Verlag Dornach 1999. S. 85 9. COLLOT D‟HERBOIS, L. Licht, Finsternis und Farbe in der Maltherapie. Verlag am Goetheanum Dornach 1993. S. 23 f. 10. STEINER, R. Mantrische Sprüche. Seelenübungen II (GA 268) Rudolf Steiner Verlag Dornach 1999. S.134 f.

.

98


A S S O C I AÇ ÃO B R A S I L E I R A D E T E R A P E U TA S A R T Í S T I C O S A N T R O P O S Ó F I C O S - AU R O R A - A B TA A -2 1 A N O S


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